terça-feira, 29 de setembro de 2009

Paulo Monteiro (Poesias)


Rubay

Neste mundo de coisas abjetas,
onde falam por Deus falsos profetas,
da mesma forma que nos tempos bíblicos,
Deus fala pela boca dos poetas.
–––––––––––––––––––-

Soneto Branco

Quando te escuto ou vejo me parece
conhecer-te, querida, há tanto tempo
que até nos vejo lentos, de mãos dadas,
passeando nos vergéis do Antigo Egito.

Depois eu te contemplo inda mais bela
colhendo as uvas mansas de Salém
e me imagino o próprio Salomão
para ofertar-te um reino em minha lira!

Mas se não sou nem rei, nem sou poeta,
se não posso ofertar-te o que mereces,
deixa ao menos que eu viva o meu exílio.

Deixa fugir de ti, curvado ao peso
deste amor que me torna inda menor,
com medo de perder-me nos teus braços.
–––––––––––––––––––––

Receita de Pai

Um dia me levavas pelas mãos e eu te pedia:
– Pai, pára! que eu não agüento mais!”
Outro dia, em que minhas mãos te conduziam,
Exclamaste:
– “Pára, meu filho, que estou cansado!”
Cansar, meu pai, sempre cansaste,
Mas agüentas todos os pesos,
Suportas todas as caminhadas...
De ti, quando nos separarmos deste mundo,
Guardarei as lições que me deixares,
Lições que espero legar às minhas filhas.
Não me pedes. Ordenas.
Ordens duras, às vezes.
Ordens que me fazem afastar-me cabisbaixo.
E chorar baixinho.
Nem sempre consigo entender-te.
És tão duro contigo.
E é mais duro para entender-te,
Pois o bugre que guardamos em nossos peitos
Luta constantemente com nós mesmos.
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Paulo Monteiro (1954)



Paulo Monteiro, cujo nome civil é Paulo Domingos da Silva Monteiro, nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, no dia 26 de setembro de 1954. Começou a publicar seus trabalhos Iiterários aos 13 anos, quando iniciava o curso ginasial. E não parou mais. Em 1971, foi um dos fundadores do Grupo Literário "Nova Geração”, que contribuiu para a renovação cultural durante os aproximadamente 10 anos de atividades.

Em princípios de 1980, dentro do movimento conhecido como Geração do Mimeógrafo, publicou o boletim literário Quero-Quero, com uma tiragem mensal de 500 exemplares, que era distribuído para escritores do todo o país.

Desde 1974 pratica o jornalismo literário, escrevendo artigos sobre escritores de todos os tempos e gêneros, além de estudos e ensaios sobre história e cultura.

Seu livro Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo, lançado em 2006, foi o mais vendido na XX Feira do Livro de Passo Fundo, quando, pela primeira vez, um escritor local superou os best-sellers.

Ao lado de suas atividades como ativista cultural, manteve intensa atuação comunitária, especialmente junto às associações de moradores de bairros.

Foi um dos fundadores da União das Associações de Moradores de Passo Fundo - UAMPAF -, da qual fol secretário geral e, por dois mandatos, presidente.

Presidiu o Conselho Fiscal da Federação Rio-Grandense das Associações Comunitárias e de Amigos de Bairros — FRACAB -, sediada em Porto Alegre, e integrou o Conselho Deliberativo da Confederação Nacional das Associações do Moradores - CONAM -, de Brasília.

Em 2001, foi um dos coordenadores da Semana das Letras Passo-Fundenses, promovida pela Academia Passo-Fundense de Letras, da qual é o atual vice-presidente, contando com a colaboração da Secretaria Municipal de Educação e da 7ª Coordenadoria Regional de Educação.

Paulo Monteiro foi eleito para as seguintes instituições culturais:
International Academy Of Leters Of England (Londres),
Academia de Trovas do Rio Grande do Norte (Natal),
Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana (RS),
Academia de Letras de Uruguaiana (RS),
Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel (Salvador),
Academia Anapolina do Filosofia, Ciências e Letras (Anápolis),
Clube dos Trovadores Capixabas (Vila Velha),
Clube Internacional do Boa Leitura (Uruguaiana),
Clube de Poesia de Uruguaiana (RS),
Academia Internacional de Letras “3 Fronteiras” (Uruguaiana),
Federação Brasileira das Entidades Trovistas (Rio de Janeiro),
Academia Petropolitana de Letras (Petrópolis),
Academia Literária Gaúcha (Porto Alegre),
Academia Sorocabana de Letras (Sorocaba, São Paulo) e
Academia Passo-Fundense de Letras (Passo Fundo), da qual foi eleito presidente em 15 de dezembro de 2007..

Paulo Monteiro pertenceu, ainda, às seguintes entidades:
Grupo Literário “Nova Geração” (Passo Fundo),
Grêmio Literário Castro Alves (Porto Alegre),
Associação Gaúcha de Escritores (Porte Alegre) e
União Brasileira de Trovadores (Rio de Janeiro).

Casado com Maria Nelci Machado Monteiro, é pai do cinco filhas. Profissionalmente, exerce as atividades de funcionário público estadual e jornalista.

Fonte:
http://www.usinadeletras.com.br

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Trova LXI

Montagem sobre foto de Belarmino Lopes

Carlos Motta (O Homem Insignificante)



1
Não era baixo nem alto. Nem gordo nem magro. Não ganhava bem nem mal.
Classe média, sustentava a família – mulher e filho - morando num apartamento de dois quartos, 55 metros quadrados, num bairro da periferia, comprado com a ajuda do sogro e do dinheiro do FGTS.

Almoçava fora de casa, ia ao trabalho no Palio 99 que levava uma vez por ano ao mecânico - de confiança – perto da padaria. Voltava só depois das 8 horas da noite. Comia alguma coisa que a mulher tinha feito no almoço, via o Jornal Nacional, lia a Folha, que comprava religiosamente na banca perto do emprego. Dormia um sono agitado, tinha a pressão alta, mas não consultava nenhum médico. Preferia o remédio que o farmacêutico lhe vendia, com a garantia de que era um lançamento, tiro e queda e tal. Consultava a bula e fingia sacar tudo aquilo que as letrinhas prometiam e advertiam.

2
O dia em que voltou para casa com o coração disparado, quase na boca, a adrenalina solta no corpo cansado, começou com nuvens e terminou com chuva.

E foi a chuva a responsável por tudo.

Se o asfalto da rua do posto de gasolina onde, por R$ 60 mensais guardava seu Palio, estivesse seco,
talvez,
muito provavelmente,
com certeza absoluta,
aquele Gol verde tivesse parado apenas poucos metros depois de ter as rodas travadas pela ação instintiva do seu motorista que meteu o pé no freio quando o moleque largou a mão gorducha da mãe e correu desembestado sabe-se-lá-para-que-direção apenas que era para onde não deveria ir ou seja: o meio da rua com o asfalto molhado e escorregadio.

A buzina estridente fez com que virasse a cabeça para a esquerda e fosse atingido de frente por pingos d’água agressivos e gelados. Aí, nesse instante, seu olhar se congelou numa cena de cinema, uma tragédia descolorida pelo anoitecer precoce devido às nuvens opressivas daquele dia úmido.

pensou

não pensou

e se atirou com toda a força que pôde ao encontro daquela figurinha de vermelho e verde e tão viva que se movia como um personagem desarticulado de desenho animado.

3
Ao tocar a campainha do apartamento no sexto andar não esperava que sua mulher fosse se atirar em seus braços e dizer eu te amo como nos filmes.

Nem que seu filho viesse lhe contar que era o melhor aluno da escola que custava mais que o salário mínimo por mês e não tolerava mensalidades atrasadas.

Nada disso.

Sabia que naquela noite o sofá desbotado,
as cadeiras meio bambas,
a parede de cor indefinida,
os talheres gastos,
o prato lascado,
a comida insossa,
as notícias velhas da televisão e do jornal
e até mesmo o beijo mecânico de sua mulher murcha
e sem graça e a indiferença ingênua de seu filho
raquítico e pálido
teriam um gosto único e especial.

Porque naquela noite ele não era o homem insignificante que acostumara toda a sua vida a ser.

Fonte:
MOTTA, Carlos. O riso frouxo do homem insignificante: 50 historietas tragicômicas. E-book, 2009.

Alma Welt (A Poetisa e sua Poesia)


O amor guardado

O primeiro amor, eternizado
É como se lançado no papel,
Se não com apuro cinzelado,
Que a paixão possui um bom cinzel...

Melhor se preservado na missiva,
Carta, se possível, ou o bilhete
Que acompanha o simples ramalhete
Fanado... na memória ainda viva.

O beijo, então, da despedida,
É sempre guardado numa arca
Para vir à tona bem mais tarde,

Quando a emoção que nele arde
Das cinzas dos lábios, sua marca,
Como a fênix recobra a sua vida.
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Revelações

O poeta em mim fixa no olhar
A condição perene do momento
E transforma a ação em pensamento
E em verbo o cenário do pensar.

A cor do gesto o olhar plasma
No exercício do diário poetar
Onde o ser comum deixa passar
Como se a ação fora um miasma.

Mas tudo permanece na retina
Como a daqueles mortos de terror
Que gravam a face do assassino

Na pupila que logo perde a cor
Assim que o detetive a examina
E revela como prova de um destino.
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Sonetos Gaúchos

Névoas

A neblina que paira sobre a estância
A revela em sua falsa letargia.
Dois séculos de espera e de constância,
Lhe fizeram firme e cega companhia.

Quem chega ao casarão e suas soleiras?
Que esporas já retinem na varanda?
Que olhos doces de casadas e solteiras
Lacrimejam e se abaixam como manda?

Na névoa revivem os áureos tempos,
Os risos e esperanças se renovam,
Ainda não se contam contratempos...

No salão Anita entra, e Garibaldi,
E tavez esta família já comovam
Que aqui não haverá quem deles malde.
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A prenda

Sou guria orgulhosa deste Pampa
Que ousa cantá-lo em verso e prosa.
Que digam que a caixa só destampa
Quando os grandes fazem sua glosa!

Evocando a valente farroupilha,
Os maiores já contaram seus revezes,
Mas não com a candura de uma filha
Como eu que a espero tantas vezes

Na soleira desta casa tão vetusta
E ilustre em sua anciã modorra
Que nada faz crer que um dia morra.

Ostentando pelo menos um punhal
Reencontro Anita e não me custa
Galopear junto dela o meu bagual...
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As Naus

Leiam estes meus versos, ó futuros,
Não despendia assim tanta energia
Em rimas, em palavras de poesia,
Não quisera eu transpor tais muros.

Não estaria brincando no serviço
Ao inventar assim tantos motetos...
Há muito notariam meu sumiço
Aqueles que invejam meus sonetos

Se não fosse aquele ilustre clero
De farrapos e de homens como Netto,
Escoltando-me ao meu verso completo.

Mas como Anita se lhe falta o italiano,
Vejam, nos meus versos eu lidero,
E arrasto naus em meio ao Minuano...
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Os errantes

As ocultas trilhas do meu pampa
Conduzem ainda ao meu portão,
E espectros saídos de sua campa
Assombram mesmo agora o casarão.

Não busco exorcizar ou demovê-los:
As velas são porque os quero bem
E procuro com meus versos comovê-los
Embora não me sinta sua refém.

Mas compartilho sim, a solidão,
De almas que malgrado sua paixão
Ainda erram e deixam suas prendas.

Eu mesma, a esperar Rodo, meu irmão
(que este vaga vivo em outras sendas),
Sou a novilha de um pródigo marrão...
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A cigarra

Quando chega o tempo das cigarras,
Eu que trabalhei como a formiga
Num romance, soltando as suas amarras,
Nem por isso dou ouvido à sua intriga.

Sou da raça daquela cantadora
E trabalhar pra mim é eufemismo.
Cantar, cantar, mesmo que amadora
Na glória do meu diletantismo!

Isso o é que faz feliz a pampiana
Sem os remorsos que me cobra
A lembrança da dura Açoriana...

Malgrado este prazer que quase aberra
Cantar, cantar a alma desta terra
E seu cenário ilustre... é minha obra!
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Alma Welt (1972-2007)

Pintura a óleo de Guilherme de Faria

Escritora gaúcha nascida em Novo Hamburgo, poeta lírica, grande sonetista (escreveu cerca de 700 belíssimos sonetos), deixou uma obra profícua e numerosa, constando de um romance autobiográfico inédito em quatro tomos denominado "A Herança" (dividido como quarteto com os seguintes títulos: A Herança, A Ara dos Pampas, O Sangue da Terra, A Vinha de Dioniso), e mais o romance intitulado "O Retorno dos Menestréis", ambientado no sertão nordestino de Pernambuco e Paraíba, numa mítica e divertida viagem a bordo do Pavão Misterioso.

Tem ainda quatro livros de contos: Contos da Alma, publicado em 2004 pela Editora Palavras & Gestos(de São Paulo); Contos Pampianos da Alma, Contos Secretos da Alma, e "Lendas da Alma" (este uma coletânea de lendas poéticas de sua invenção, de caráter europeu, góticas e misteriosas, ilustradas com desenhos a cores por Guilherme de Faria.

Além disso tem um livro de crônicas curtas (Crônicas da Alma). Sua obra poética, igualmente prolífica, conta com 49 livros de poesia, sendo 33 de sonetos (perfazendo cerca de 700 sonetos),e vem sendo publicada de maneira semi-artesanal, em folhetos dentro de uma caixa (Kit) de madeira, e ilustrados a cores com desenhos de Guilherme de Faria.

As duas últimas obras poéticas que escreveu são: um notável drama lírico formado por 42 sonetos (cenas) encadeados, inspirado por sua paixão por uma aluna e denominado "Sonetos à Mayra"; e os "150 Sonetos Pampianos da Alma" escritos no seu último mês de vida.

A autora, mulher jovem, belíssima e misteriosa, não se deixava fotografar, somente permitindo a divulgação de seus retratos em desenhos, gravuras e pinturas a óleo de Guilherme de Faria, seu "retratista autorizado", pintor paulista que a ilustrou, prefaciou, e editou, lançando-a no meio artístico paulistano a partir de 2001, quando a descobriu no seu auto-exílio paulistano, num ateliê de pintura estabelecido nos Jardins.

As circunstância notáveis desse encontro providencial foram narradas por ela no seu conto intitulado "Anagramas".

Alma suicidou-se aos 35 anos por afogamento, na sua estância pampiana, no auge de seu talento e beleza. Admirada pelo grande poeta Paulo Bomfim (que escreveu um prefácio para o próximo livro dela a ser publicado) e pelo famoso bibliófilo José Mindlin (que possui obras inéditas dela) começa agora a sua trajetória triunfante, como "a última grande lírica do século XX", Poeta e Musa ao mesmo tempo.

Fonte:
http://www.netsaber.com.br/

Alberto Araújo (O Poeta no Papel)


A última canção

Fazer não sabe a hora,
Cantar não sabe o momento,
Lançar não sabe a corrente,
Amar não sabe o instante,
Sofrer não sabe o tormento.

Cantar não sabe a hora,
Viver não sabe a vida,
Sorver não sabe a fonte,
Comer não sabe o trigo,
Correr não sabe a estrada.

Chegar na madrugada,
Descer no arco-íris,
Fugir no pé-de-vento,
Vingar no pé-de-morro,
Crescer sem esperança.
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Ampulheta do tempo

Escorre inclemente
Grão por grão,
No espaço-tempo,
De uma existência.

Qual dormente
De vagão em vagão
Passam os trens, no templo,
Do planeta substância.
––––––––––––––––––––––––-

As canções eternas

Certas canções que ouço
Parecem-me impregnadas do aroma
que a suave brisa perfuma
as tardes outonais
feito ainda moço
em acordes politonais

Certas melodias que ouço
Parecem-me vir de um veio que emana da terra
sussurro e soluço
de ritmos tribais
feito ainda como fera
em vocálicos ancestrais

Certas harmonias que ouço
Parecem-me ter um ritmo
que tem vida própria
como um algoritmo
feito ainda como cria
provoca ondas e rebuliço

Certas músicas que ouço
Parecem-me vir de um tempo distante
Em que as asas da imaginação
as lançam no poço
feito ainda como vibração
em busca de alegro e andante
–––––––––––––––––––––––––-

Cenas Infantis

Crianças brincam, sorriem
Emotivas, altivas, vibram
Navegam em seus barcos de papel, sonham
Artistas, pintam, a vida colorem
Sábias, criativas, inventam

Inocência, doce ingenuidade curtem
Novelo de linha e o horizonte, pipa soltam
Felicidade não ter idade ou maldade, vivem
Aventuras, jogos, tramas, brincam
Nos jardins se misturam às flores, perfumam
Trinam feito passarinho, cantam
Imagens de ternura e peraltice encantam
Sementes, fruto do amanhã, descobrem...

Dedicado a Schumann (ouvindo Cenas Infantis para Piano.),
–––––––––––––––––––

A Curva do Rio

Nas curvas do rio Araguaia
Muitas histórias de botos encantados
Habitam as margens e os sonhos
De mulheres ribeirinhas, em doce magia

Nas curvas do rio Amazonas
Encontram-se o rio Negro e o Solimões
Águas lado a lado no contraste das cores
No mistério das grandes florestas

Nas curvas do rio São Francisco
Do vale do Jequitinhonha a Juazeiro
As carrancas retratam mitos e crenças
Do povo que deposita no velho Chico suas esperanças.

Nas curvas do rio de nossas vidas
Nascentes são como capilares
Afluentes são como veias
Bacias são como artérias

Nas curvas do rio, etérea viagem
Navegando em nossa natureza interna
Ou nas corredeiras da natureza externa
Há sempre um sinal, um rito de passagem
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Sobre o Autor
Alberto José de Araújo é natural de Santanésia, distrito de Piraí, Rio de Janeiro. Tem por ofício a medicina, vive no RJ, dedica-se a cuidar das pessoas vítimas do tabaco e doenças respiratórias ocupacionais. Escreve desde os 12 anos sobre temas humanistas: espiritualistas, ambientais, político-sociais e românticos. É ativista dos movimentos sociais, atuando na Aliança de Controle do Tabagismo. Busca fazer da arte do verso uma ferramenta crítica que propicie reflexão e tomada de consciência para as mudanças sociais. Escreve sobre temas dentro do contexto histórico, social e político em que vive e labuta. Sonha ver a humanidade caminhar para um futuro de maior compromisso planetário, solidariedade e desenvolvimento da espiritualidade. O blog pessoal: http://ajaraujopoetahumanista.blogspot.com/

Fontes:
http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/
http://ajaraujopoetahumanista.blogspot.com/

Dicionário do Folclore (Letra U)


UALALOCÊ. Flauta típica dos indígenas pertencentes à tribo dos parecis.

UALRI. Indígena velho iniciado por Turupari, a quem traiu, revelando o segredo dos instrumentos sagrados; razão pela qual, por ser odiado e impopular, foi queimado vivo e, de suas cinzas, nasceram insetos e répteis venenosos.

UARAPERU. Chama-se uaraperu o instrumento musical de sopro de algumas tribos amazônicas. O uaraperu é constituído por um pedaço de taboca, tendo o comprimento de um palmo. Possui uma abertura retangular no meio, por onde o tocador toca, abrindo ou fechando com os dedos, as duas extremidades abertas. O som do uaraperu serve para o pescador atrair os peixes, além de acordar as moças que dormem no fundo do rio.

UARIUAIÚ. É um bailado indígena representando a caça do uariuaiú, o macaco guariba.

UATAPI. É um instrumento musical da Amazônia, feito de búzio, também encontrado entre os índios amoipiras, do sertão baiano.

UATAPU. São chamados de uatapu os colares usados por homens indígenas, feitos de pedaços de conchas. É usado como ornamento em suas danças.

UBATÁ. Dá-se o nome de ubatá ao instrumento musical, que foi trazido pelos escravos africanos para o Brasil.

UBATUBANA. Ver FANDANGO.

UCA. É uma bebida baiana que se faz com os seguintes ingredientes: um litro de cachaça, meio litro de conhaque, uma xícara de casca de laranja, duas raízes de gengibre, uma colher de sopa de erva-doce. Modo de fazer: macera-se durante cinco dias e agita-se bastante no dia de filtrar.

UÇÁ. É um caranguejo grande, muito gostoso, engordado nos meses que não têm a letra R e que são maio, junho, julho e agosto.

UDECRÁ. Dá-se o nome de udecrá a um tipo de viola usada pela tribo indígena dos xerentes. O modelo da viola é de estilo europeu, também chamado de Udês-Hecrá.

UFUÁ. Dá-se o nome de ufuá, ao instrumento musical indígena do Amazonas. Parecido com uma trombeta, o ufuá é feito de taquara (bambu), no qual há um orifício com uma pequena taquara rachada. Produz um som fúnebre e fanhoso.

UIANA. Dá-se o nome de uiana à fase de agitação e toxidez da água dos rios da Amazônia, quando há oscilações da água logo após a vazante. Os peixes ficam inquietos e entorpecidos, começam a flutuar podendo ser apanhados com as mãos. Não se deve comer o peixe nem beber a água durante essa fase.

UIRAPURU. O uirapuru é um pássaro da região Amazônica. Dizem que, quando ele canta, todos os pássaros ficam calados para escutá-lo, tão mavioso é o seu canto. Preparado pelo pajé, o uirapuru torna-se um amuleto que faz atrair, ao seu dono, virtude e fortuna. Conhecido como a maravilha da mata, seu nome significa "pássaro pintado".

ÚLTIMO. Nos contos populares último é um número simpático. Assim, o último filho – o filho mais moço, o último dos cães – é o mais fiel e o mais forte, o cavalo último é o mais resistente. Diz-se que o último filho é superior ao primeiro filho (o primogênito), pois demora mais tempo na companhia dos pais, preferindo a bênção com pouco dinheiro à maldição com muito dinheiro. Até um velho provérbio assegura que ri melhor quem ri por último e os últimos serão os primeiros.

UMBANDA. No começo, os cultos de origem africana do Rio de Janeiro como na Bahia, trazidos pelos escravos africanos, chamavam-se candomblés, reconhecidas duas seções principais que eram os orixás (os cultos nagôs) e os alufás (os cultos muçulmanos). Depois, passaram a ser denominados por macumbas e, mais recentemente, umbanda.

UMBIGADA. É a pancada, de leve, que se dá com o ventre, nas danças de roda e que significa o convite ou a intimação para que o umbigado substitua o dançarino encarregado do solo, do canto. No fandango e no lundu, em Portugal, a umbigada tem o mesmo propósito, como também acontece na dança da punga, no Maranhão e nos cocos de roda ou bambelôs e até mesmo em certos sambas. Já no batuque paulista a umbigada aparece durante a dança e não como um convite à substituição de quem está cantando na dança de roda. A umbigada foi trazida para o Brasil pelos bantos, escravos africanos, que também trouxeram o batuque e o semba.

UMBIGO-DE-BOI. É um azourrague, muito flexível e resistente, feito com o umbigo do boi. Homero, na Ilíada, já se refere ao azourrague feito com o umbigo de boi.

UMBU. Veja IMBU.

UMBUZADA. Veja IMBU.

UNICORNE. É uma ave pernalta, do tamanho de um peru, que tem penas pretas, e que se alimenta de capim e de insetos. Tem chifre e esporas. Seu canto, na voz do povo, é assim: - "João Gomes, que tu comes? – minhoca, minhoca!"

URINA. 1. Na medicina popular a urina é usada assim: a) A urina da vaca, bebida em jejum, cura maleita; b) Lavar os pés com urina de gado cura frieiras; c) Passar urina de gado em impinges, cura; 2. No catimbó e na macumba, o povo acredita que a pessoa que urinar sobre um feitiço, anula-lhe todas as forças.

URSO. 1. Como é oriundo de clima frio, o urso não é muito citado nos nossos contos populares. Mas, na linguagem popular o urso é o amante da esposa e amigo urso é o amigo falso como também é falso um abraço-de-urso. Sonha com a morte a pessoa que sonhar com urso.E quando a mulher tem um filho diferente dos outros, o povo diz que ele é filho-do-urso. 2. O Urso ou La ursa faz parte do carnaval pernambucano. Um homem se veste de urso – com uma roupa feita de embirras e pano geralmente marrom ou preto e o outro é o domador. O urso dança e pede dinheiro às pessoas. Às vezes, o urso é acompanhado de uma pequena orquestra composta de bombo, sanfona, triângulo e reco-reco. Tudo começou com um italiano que, de passagem pelo Recife, se apresentava com um urso amestrado. Quando ele foi embora, outras pessoas aproveitaram a idéia para se fantasiarem de urso pelo carnaval e, daí, nasceu o urso, ou La ursa, até hoje.

URU. Cesto feito com palha de carnaúba.

URUBU. 1. O urubu camiranga tem a cabeça vermelha e o urubutinga tem a cabeça branca, além de outras espécies como o urubu-rei. Todos vivem de animais mortos e, de certa maneira, trabalham limpando o mundo de suas podridões. É uma ave solitária, egoísta. É esperto, sabido e raramente enganado nos nossos contos populares. Dizem que o urubu quando nasce é de cor branca; 2. Urubu-malandro é um passo do frevo pernambucano. O passista faz um jogo de pernas sem que os braços acompanhem os movimentos. Na linguagem popular, diz-se que a pessoa está lavando urubu quando está sem fazer nada, desempregada, azeitando o eixo do Sol.

URUCUBACA. Ou cafife, ou caiporismo, ou azar, ou sorte mesquinha, ou sorte torcida, ou má sorte, significa, como o próprio nome está dizendo, a falta de sorte no que a pessoa faz. A palavra urucubaca vem de urubu – ave de mau agouro e cumbaca, um peixe azarento que, se pescado estraga o dia do pescador. Para a pessoa se livrar da urucubaca, nada como dar uma pancada em qualquer móvel de madeira com as costas dos dedos da mão direita.

URUCUNGO. O urucungo, também conhecido por orucungo, oricungo, uricungo, ricungo ou mucungo, é um instrumento musical trazido pelos escravos africanos e consiste num arco de madeira, tendo um arame esticado entre suas extremidades. Numa de suas extremidades ou na metade do arame é presa uma pequena cabaça com uma abertura em forma de círculo. O instrumento é tocado percutindo a corda (o arame) com os dedos ou com uma vareta ou haste de metal. A cabaça é a caixa de ressonância colocada sobre o peito ou a barriga. O urucungo também é conhecido pelos nomes de berimbau, berimbau-de-barriga, marimbau, gabo, bucubumba, gunga, macungo, motungo e mutungo. É usado no jogo de capoeira. No Rio Grande do Norte são colocadas na cabacinha sementes secas que fazem o efeito de um maracá.

URUÇU. É uma abelha indígena que faz um mel delicioso, cuja cera, de cor castanho-clara, é excelente. O mel de uruçu foi muito usado nas farmácias antigas e, com ele, ainda são feitos o charuto (vinho com o mel de abelha uruçu) e a meladinha (mel de abelha uruçu com cachaça). É bastante usado na medicina popular, curando tosse, bronquite, rouquidão.

URUÉ. No Piauí, o urué é um negro falastrão que se junta com o Diabo para derrubar e amansar cavalos, sem nunca ser vencido por outro vaqueiro. Era conhecido como Barra Nova, mas ficou famoso como urué porque quando ia beber costumava dizer: - Vou matar arué! Um dia o Diabo tentou arrebatá-lo, mas urué salvou-se, mas ficou meio amalucado.

URUPEMA. É uma espécie de peneira, de uso popular no interior e de grande utilidade nas cozinhas nordestinas no preparo de muitos pratos. Serve para escorrer a maniva, o leite de coco, passar a massa do feijão cozido, da goma e sessar o milho, o arroz, a farinha. Tem origem indígena. Nas casas do Recife antigo as urupemas eram colocadas nas janelas, para que o sol não se penetrasse nas salas.

URURAU. É o nome que se dá ao jacaré que tem o papo amarelo, comum no Rio São Francisco.

URUTAUÍ. No Pará, corre a crença de que o urutaí faz com que as donzelas não sejam seduzidas. No interior, com as penas do rabo do urutauí varrem o chão sob a rede da noiva para sua honestidade como esposa seja garantida.

USINA. A usina, na agro-indústria do açúcar, acabou, em parte, com os pequenos engenhos bangüês, fabricantes de açúcar bruto, rapadura e cachaça. Os usineiros foram comprando as terras dos engenhos próximos à sua área de ação industrial, até que, atualmente, em grande parte do Nordeste, os engenhos que não foram comprados pelas usinas deixaram de moer e resumiram suas atividades apenas ao plantio da cana para vendê-la às usinas.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas) Letra O


o altitudo!
Latim: Ó profundeza! São Paulo refere-se na Epístola aos Romanos à sabedoria e ciência divinas. Aplicam-se estas palavras, quando se trata de um mistério insondável.

obscurum per obscurius
Latim: O obscuro pelo mais obscuro. Vício de linguagem que consiste em apresentar alguma definição por termos menos conhecidos que os do enunciado.

oculos habent et non vident
Latim: Têm olhos e não vêem. O salmista fala no Salmo CXV, versículo 5, da cegueira dos ídolos, mas na linguagem popular aplicam-se estas palavras para significar a cegueira intelectual.

oderint dum metuant
Latim: Que me odeiem, contanto que me temam. Palavras tiradas do poeta Attius, citadas por Cícero, e que se aplicam às autoridades prepotentes e desconfiadas.

odi profanum vulgus
Latim: Detesto o vulgo profano. Na Ode I do Livro IV, versículo 1, Horácio mostra o seu desprezo pelos aplausos populares e o apreço pelos elogios dos homens de bom gosto.

o fortunatos nimium, si sua bona norint, agricolas
Latim: Ó demasiadamente felizes agricultores, se conhecessem a sua felicidade. Aplicam-se estes versos de Virgílio àqueles que gozam de benefícios que desconhecem.

o. K.
Inglês: Certo; correto. Corresponde à locução inglesa: all correct, tudo certo.

oleum perdidisti
Latim: Perdeste o teu azeite. Refere-se esta locução aos trabalhos realizados à noite, à luz dos candeeiros, demasiadamente exaustivos, e que não conseguiram bom êxito.

omne ignoto pro magnifico
Latim: Tudo que é desconhecido é tido por magnífico. A imaginação sente-se fascinada pelo desconhecido.

omne tulit punctum qui miscuit utile dulci
Latim: Ganhou todos os votos o que uniu o útil ao agradável. Unir, numa composição literária, o útil ao agradável, forma, segundo Horácio, a base do sucesso.

omne vivum ex ovo
Latim: Tudo que é vivo (provém) de um ovo. Aforismo citado pelo médico inglês Harvey.

omnia mecum porto
Latim: Trago comigo todas as coisas. Resposta do filósofo Bias, da Grécia, àqueles que, fugindo ao exército persa, se admiravam de ver o sábio sair sem nada levar. Para Bias só valiam as riquezas do espírito.

omnia serviliter pro dominatione
Latim: Tudo servilmente pelo domínio. Máxima que se aplica aos políticos inescrupulosos.

omnia vincit amor
Latim: O amor vence todas as coisas. Virgílio, nesta passagem, refere-se ao Amor personificado.

omnis cellula e cellula
Latim: Toda célula procede de outra célula, axioma de Biologia.

omnis homo mendax
Latim: Todo homem é mentiroso. Palavras do Salmo CXVI, de freqüente aplicação.

omnium consensu
Latim: Pelo assentimento de todos; por unanimidade; por voto universal.

onus probandi
Latim Direito: Encargo de provar. Expressão que deixa ao acusador o trabalho de provar (a acusação).

opus citatum
Latim: Obra citada. Geralmente empregada abreviadamente op. cit. e indica que oportunamente foi ou será citada a obra.

ora pro nobis
Latim: Roga por nós. Refrão repetido a cada invocação das ladainhas de Nossa Senhora e dos Santos.

ore rotundo
Latim: De boca arredondada. Referência à linguagem pomposa e alambicada.

o rus, quando ego te aspiciam!
Latim: Ó campo, quando tornarei a ver-te! Horácio sentia saudades da vida agreste.

o sancta simplicitas!
Latim: Ó santa simplicidade! Exclamação atribuída a João Huss, quando viu uma velhinha lançar uma acha de lenha à fogueira em que ele se consumia. Empregada em sentido irônico.

os homini sublime dedit
Latim: Deu ao homem um rosto elevado. Verso de Ovídio (Metamorfoses, I, 85), em que se salienta a superioridade do homem sobre os outros animais, que têm a cabeça voltada para a terra.

os magna sonaturum
Latim: Boca que proferirá grandes palavras. Horácio fala dos verdadeiros poetas que devem ter gênio e inspiração divina.

o tempora! o mores!
Latim: Ó tempos! Ó costumes! Exclamação de Cícero, contra a depravação de seus contemporâneos.

o terque quaterque beati!
Latim: Ó três e quatro vezes felizes! Circunlóquio virgiliano para dizer o superlativo de feliz.

otium cum dignitate
Latim: Descanso com dignidade. Expressão de Cícero aplicada aos letrados de seu tempo que dispunham de recursos para levar uma velhice inteiramente dedicada aos livros.
===================================
As outras letras:

LETRA A
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E
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LETRA F
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LETRA G-H
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA I
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LETRA J-L
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LETRA M
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LETRA N
http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/07/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do_11.html

Fonte:
Por Tras das Letras http://www.portrasdasletras.com.br

domingo, 27 de setembro de 2009

Franzé Matos (Poesias Escolhidas)



Eis que surge o medo da vida e da morte
Sangrando horizontes, busco um norte
Para uma realidade que evanesceu

Perdido estou no apagar da chama
Clama agora uma infinidade de perguntas
Sem resposta! Sem resposta!
Chora o meu mundo interior
Um mundo em quem ninguém mais mora

Aos loucos fui jogado
E os chamei de companheiros
as perguntas do passado?
Fortaleza de um sem sentido passageiro

Sou portador de mim mesmo enjaulado
Busco a luz na noite fria
Para escapar da fugacidade
Da mudança eterna que se anuncia
Mas recrudesce um medo
Medo que não mais queria

As certezas aparentes
Anestesiadas dormentes
Com o tele-transportar para a prisão
Liberta o eu de dentro

Ser frágil e nu na vastidão
Um fiel descrente
Racional demente
De verdades em vão
=========================
**************************
Desligado de tudo estou
Sou um contato raro com o fundo
Desnudo de tu estou
Escrevo as loucuras do mundo

Sou a voz que se cala
Quando tu fala
Não o tu outro
Mas tu que tem fala
Que me cala, que me prende
Descrente que ainda existo
Sou teu interior
Puro torpor em revolução
Degeneração do que sempre vias
Pois tudo é aparente
Dormentes segues
Se assim não te guias

Pergunta-me e te respondo
Da-me a mão e te dou um beijo
Mas basta um lampejo
Gracejo de mentiras
E por tempos não te vejo

Mas a vida é reação
Que por me esquecer
Faz-te a cada golpe sofrer
Por buscar verdades
Nas mentiras
Talhadas a sangue, fé e fogo
Mito, religão e filosofia

Feridas viram
cicatrizes de uma guerra interior
Que saram sem nunca desaparecer
Pois basta o medo reaparecer
E sempre estarei lá
“Vem! Sou teu amigo”
------
Fonte:
O Autor

Nei Garcez (A Trova em Sala de Aula)



Gostaria muito de poder colocar uma biografia do grande trovador curitibano Nei Garcez mas, é mais fácil um boi voar do que conseguir isto dele. Então, coloco aqui suas trovas numa correspondência que me enviou no ano passado, onde coloca que, observando a necessidade de expor a poesia na sala de aula criou algumas trovas especialmente didáticas e lúdicas para esta finalidade, dando os primeiros passos com a "Trova em sala de Aula" (6ª e 7ª séries do fundamental).

Trago a trova estruturada,
que apresento hoje a vocês,
para ser utilizada
nas lições de português.

Quem consegue imaginar
nosso mundo sem a escrita,
sem podermos registrar
o que a nossa mente dita?

Nesta conta aqui, confira,
qual resultado que indica:
quem de vinte cinco tira,
me respondam, quanto fica?

Trova é pequena oração
com valor gramatical
igual, por comparação,
à prosa convencional.

Trova é rima de versos
que, com métrica, bem feita,
entre os temas mais diversos,
forma a estrofe assim perfeita.

O segredo de uma trova
está sempre na elisão,
pois é esta que comprova
sua grande precisão.

Toda trova se pratica
como andar de bicicleta:
se no início o tombo fica,
logo mais se torna atleta.

Pra fazer trova bem feita,
com melhor vocabulário,
eu vou dar minha receita:
usem sempre o dicionário.

Uma coisa desastrada,
e que muito compromete,
é escrever de forma errada
como ocorre na internet.
--------------
Fonte:
O autor

sábado, 26 de setembro de 2009

Trova LIX

Andrey do Amaral (O Máximo e as Máximas de Machado de Assis)

Sobre a obra

De maneira bem didática, o leitor encontra no livro as várias vertentes da obra de Machado. Há alguns poemas conhecidos e outros bem diferentes do traço de sua pena. Encontram-se também comentários e curiosidades sobre todos os romances e os trechos mais significativos de cada um deles, além de contos, crônicas e filmografia completa.

Este trabalho pode ser apreciado por professores, alunos e leitores, especialistas ou leigos. Para quem nunca leu, ou pouco leu Machado de Assis, esta pode ser a ocasião para compreender a importância de Machado em nossa literatura. Para quem já é fã e leitor voraz, este trabalho é um roteiro para ratificar a essência do conjunto de sua obra. No livro, encontramos um Machado humano, que subiu degrau por degrau e atingiu o ápice em sua carreira literária, começando com textos mais simples, chegando a obras geniais.

Sobre o autor

Andrey do Amaral (1976) é cidadão luso-brasileiro, nascido em Brasília/DF. É professor de Literatura e pós-graduado em Língua Portuguesa e em Gestão Cultural. É agente literário, filiado à Câmara Brasileira do Livro (CBL/SP). Seus principais títulos são "Cuidado: Eu Te Amo" (Ao Livro Técnico), "O Máximo e as Máximas de Machado de Assis" (Ciência Moderna), "Novo e Divertido Acordo Ortográfico" (Ciência Moderna) e "Mercado Editorial - Guia para Autores"(Ciência Moderna), entre outros.

Mais detalhes no site: http://www.andreydoamaral.com/

Leia comentário sobre o livro em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/04/andrey-do-amaral-o-mximo-e-as-mximas-de.html

Veja vídeo na coluna da esquerda sobre o livro.

Fonte:
http://www.livroclip.com.br/index.php?acao=hotsite&cod=199#

Carlos Paião (O Poeta se Revela)


Cinderela

Eles são duas crianças a viver esperanças, a saber sorrir.
Ela tem cabelos louros, ele tem tesouros para repartir.
Numa outra brincadeira passam mesmo à beira sempre sem falar.
Uns olhares envergonhados e são namorados sem ninguém pensar.

Foram juntos outro dia, como por magia, no autocarro, em pé.
Ele la lhe disse, a medo: "O meu nome é Pedro e o teu qual é?"
Ela corou um pouquinho e respondeu baixinho: "Sou a Cinderela".
Quando a noite o envolveu ele adormeceu e sonhou com ela...

Então,
Bate, bate coração
Louco, louco de ilusão
A idade assim não tem valor.
Crescer,
vai dar tempo p'ra aprender,
Vai dar jeito p'ra viver
O teu primeiro amor.

Cinderela das histórias a avivar memórias, a deixar mistério
Já o fez andar na lua, no meio da rua e a chover a sério.

Ela, quando lá o viu, encharcado e frio, quase o abraçou.
Com a cara assim molhada ninguém deu por nada, ele até chorou...

Então,
Bate, bate coração
Louco, louco de ilusão
A idade assim não tem valor.
Crescer,
vai dar tempo p'ra aprender,
Vai dar jeito p'ra viver
O teu primeiro amor.

E agora, nos recreios, dão os seus passeios, fazem muitos planos.
E dividem a merenda, tal como uma prenda que se da nos anos.

E, num desses momentos, houve sentimentos a falar por si.
Ele pegou na mão dela: "Sabes Cinderela, eu gosto de ti..."

Então,
Bate, bate coração
Louco, louco de ilusão
A idade assim não tem valor.
Crescer,
vai dar tempo p'ra aprender,
Vai dar jeito p'ra viver
O teu primeiro amor.
––––––––––––––––––––
Arco-Íris

Enquanto os homens falam de progresso
E há gente p'los caminhos sem sorrir
No mundo dos que sonham tudo tem um preço
E o tempo o tempo quer fugir

(Refrão)
Arco-Íris, Arco-Íris
Quantos homens são precisos p'ra sonhar
Arco-Íris, Arco-Íris
Se quisermos o bom tempo vai chegar

Enquanto criticamos duramente
Esquecendo a culpa que há em todos nós
Doenças guerras fome são números somente
E a vida a vida não tem voz
(Refrão)

Sete cores lado a lado
Como um sonho sem fim
Natureza obrigado
Por seres bonita assim

Enquanto os homens falam eu não ouço
Abraço o teu sorriso meu amor
Amigos vão e vem num lugar tão nosso
Respiro e o tempo é bem melhor
(Refrão)
–––––––––––––––––––––––––-

Eu Não Sou Poeta

Quem me dera saber
Fazer versos, rimar
Para um dia escrever
Que tu és a mulher que eu quero amar

Quem me dera fazer poesia
Inspirada na minha paixão
Inventar sofrimento, agonia,
O amor de Platão

Quem me dera chamar-te de musa
Em sonetos e coisas que tais
Uma escrita solene e confusa
Com palavras a mais

(Refrão)
Eu não sou poeta, não
Não sou poeta
Nunca fui um grande sofredor
Eu não sou poeta, não
Não sou poeta
Não te sei falar de amor

Mas seu eu fosse poeta dotado
Ou se ao menos julgasse que sim
Falaria com um ar afectado
Aprenderia Latim

Só faria canções eruditas
E se as ditas ninguém entendesse
Rematava com frases bonitas
P'ro que desse e viesse
(Refrão)
––––––––––––––––––––

Mar de Rosas

Nós sonhamos rosas
Sós na solidão
E vivemos num mar de prosas
Ai, com rosas no coração

Pintando vidas
Construidas talvez em vão
em jardins de rosas perdidas
Ai, no vento duma paixão

E, nos amores
vai-se a razão
Risos e dores
Versos e flores
Quanta ilusão

Nós vivemos num mar de rosas
Ai, com espinhos no coração
Nós vivemos num mar de rosas
Ai, com espinhos no coração

Misteriosas
Estas rosas na minha mão
Mas não há milagres nem rosas
Ai, quando nos dizem que não

Outros caminhos
Com pés no chão
E de novo vamos sozinhos
Ai, ninguém nos pede perdão

Nem os amores
Nem a razão
Risos e dores
Versos e flores
Dura lição

Como se as horas formosas
Pudessem dar rosas
Que os sonhos não dão

Nós vivemos num mar de rosas
Ai, com espinhos no coração
Nós vivemos num mar de rosas
Ai, com espinhos no coração
––––––––––––––––––––-

História

Ouve, quero contar-te uma história de amor
Dessas que a gente já sabe de cor
Igual a tantas que esta vida tem
Vais conhecer duas pessoas como outras quaisquer
Dois namorados que foram viver
A história linda de quem se quer bem

Apaixonados com o tempo à frente
Tinham caricias a queimar na mão
Tocando a dor de quem se sente
Um escravo do seu coração
E num só corpo quando se abraçavam
Beijando as horas com melancolia
Nunca as palavras chegavam
Para tudo o que no peito havia

Ela, sempre bonita na sua ternura
Dava alegria, a forma insegura
Dos que procuram sonhar o real
Ele, tinha um emprego nas ondas do mar
Pescava os versos do seu navegar
E as despedidas sabiam-lhe a sal

Adeus querida, que me vou embora
Levo as saudades, que te vou deixar
Hei-de lembrar-te noite fora
Assim como quem quer chorar
O mar é longe e longa é a nossa espera
E as palavras vão de encontro ao cais
Adeus querida, quem me dera
Que eu não partisse nunca mais

E depois, os dois casaram como era suposto
Sonhos na alma, sorrisos no rosto
Como as pessoas mais belas do mundo
Lado a lado, criando as ruas do seu dia-a-dia
Dobrando esquinas que a sorte trazia
Como nós todos fazemos no fundo

E então perguntas-me a razão da história
Assim tão simples como respirar
Sabes, amar é uma vitória
E a vida é simples de contar
Eu aprendi a perceber melhor
A importância das coisas normais
É que eu fui filho desse amor
Da história linda dos meus pais

Eu sou o filho desse amor
Palavras que já não dizem mais
––––––––––––––

Imagem = Montagem por José Feldman

Carlos Paião (1957 – 1988)


Carlos Manuel de Marques Paião nasceu em Coimbra a 1 de Novembro de 1957 e morreu em Rio Maior, 26 de Agosto de 1988. Foi um cantor e compositor português.

Nasceu acidentalmente em Coimbra, passando toda a sua infância e juventude entre Ílhavo (Aveiro) terra natal de seus pais, em Lisboa.

Licenciou-se em Medicina pela Universidade de Lisboa em 1983, acabando por se dedicar exclusivamente à música.

Desde muito cedo Carlos Paião demonstrou ser um compositor prolífico, sendo que no ano de 1978 tinha já escritas mais de duzentas canções. Nesse ano obteve o primeiro reconhecimento público ao vencer o Festival da Canção do Illiabum Clube, com o tema Play-Back.

Em 1981 decide enviar algumas delas ao Festival RTP da Canção, numa altura em que este certame representava uma plataforma para o sucesso e a fama no mundo da música portuguesa. Playback ganhou o Festival RTP da Canção de 1981 com a esmagadora pontuação de 203 pontos, deixando para trás concorrentes tão fortes como as Doce.

A canção, uma crítica divertida, mas contundente, aos artistas que cantam em play-back, ficou em penúltimo lugar no Festival da Eurovisão de 1981, que se realizou nesse ano em Dublin, na República da Irlanda. Tal classificação não "beliscou" minimamente a popularidade do cantor e compositor, pois Carlos Paião, ainda nesse ano, editou outro single de sucesso e que mantém a sua popularidade até hoje: Pó de Arroz.

O êxito que se seguiu foi a Marcha do Pião das Nicas, canção na qual o cantor voltava a deixar patente o seu lado satírico. Algarismos em 1982, foi o seu primeiro LP, que não obteve, no entanto, o reconhecimento desejado.

Surgiu entretanto a oportunidade de participar no programa de televisão Foguete, com António Sala e Luís Arriaga. Num outro programa, Hermanias em 1984, Carlos Paião compôs a totalidade das músicas e letras de Serafim Saudade, uma caricatura criada por Herman José, já então uma das figuras mais populares da televisão portuguesa.

Em 1983, cantava ao lado de Cândida Branca Flor, com quem interpretou um dueto muito patriótico intitulado Vinho do Porto, Vinho de Portugal, que ficou em 3.º lugar no Festival RTP da canção.

Em 1985, concorreu ao Festival Mundial de Música Popular de Tóquio (World Popular Song Festival of Tokio), tendo a sua canção sido uma das 18 selecionadas em mais de 2000 representativas de 58 países.

A editora EMI - Valentim de Carvalho tinha inclusive chegado a encomendar a Carlos Paião canções para outros artistas, entre os quais o próprio Herman José, que viria a alcançar grande êxito com A Canção do Beijinho, e Amália Rodrigues, para quem escreveu O Senhor Extra-Terrestre (1982), cuja letra chegou mesmo a constar dum manual para alunos de escola primária.

A 26 de Agosto de 1988, a caminho de um espetáculo em Penalva do Castelo, morre em um violento acidente de automóvel, na antiga estrada EN1, atual IC2. Na altura, surgiu o boato de que na ocasião de seu funeral não estaria morto, mas sim em coma, porém a violência do acidente por si nega o boato, pois a sobrevivência a este seria impossível. No entanto, o boato sobre o artista ter sido sepultado vivo permanece até os dias atuais.

Por ter morrido, no dia seguinte ao incêndio do Chiado, a sua morte passou de certa forma despercebida. Nesta altura, estava a preparar um novo álbum intitulado Intervalo, que acabou por ser editado em Setembro desse ano, e cujo tema de maior sucesso foi Quando as nuvens chorarem.

Compositor, intérprete e instrumentista, Carlos Paião produziu mais de quinhentas canções, tendo sido homenageado em 2003, com um CD comemorativo dos 15 anos do seu desaparecimento - Carlos Paião: Letra e Música - 15 anos depois (Valentim de Carvalho).

Em 2008, por altura da comemoração dos 20 anos do desaparecimento do músico, vários músicos e bandas reinterpretam alguns temas do autor na edição de um álbum de tributo, "Tributo a Carlos Paião".

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro. Portal CEN (Cá Estamos Nós) http://www.caestamosnos.org/

Euclides da Cunha (Ondas)



No túmulo de um inglês

És bem feliz,mylord!... na tua tumba fria
Um sono gozas, bom — no seio da soedade
Feliz!... não tens o Sol de tu'Albion sombria
Mas tens o olhar de Deus — O Sol da eternidade!...

És bem feliz mylord a triste ventania
Soluça nos ciprestes os cantos da saudade...
Quem sabe se te traz — em vozes de agonia—
Os risos e as canções de tua mocidade!...

Estás livre do splen... invejo-te deveras...
Do túmulo a sombra espanca as pálidas quimeras.
— Em teu berço de pedra embala-te a soidão...

És bem feliz mylord — assim antes eu fora!...
Tu tens a calma eterna, a solidão sonora
E tu não tens — feliz — não tens — teu coração...
Rio — 2 de Novembro 1883.
_________________________________________________________________
Este túmulo está no cemitério de Catumbi — tornou-se-me saliente saliente pela isolação em [que] se acha — quase em pleno mato — completamente separado dos outros. Antes de ler a inscrição na lousa — onde este soneto fiz — adivinhei ser de um inglês...

Poema inédito e manuscrito do caderno de adolescência Ondas, escrito aos 17 anos. Euclides acrescentou-lhe a uma nota explicativa no final da página. Mantida ortografia original.
=====================

Página vazia

Quem volta da região assustadora
De onde eu venho, revendo inda na mente
Muitas cenas do drama comovente
Da Guerra despiedada e aterradora,

Certo não pode ter uma sonora
Estrofe, ou canto ou ditirambo ardente,
Que possa figurar dignamente
Em vosso Álbum gentil, minha Senhora.

E quando, com fidalga gentileza,
Cedestes-me esta página, a nobreza
Da vossa alma iludiu-vos, não previstes

Que quem mais tarde nesta folha lesse
Perguntaria: "Que autor é esse
De uns versos tão mal feitos e tão tristes"?!!

Obs.: Esses versos faziam parte de um álbum da jovem Francisca Praguer Fróes, que ganhou o poema do então engenheiro e jornalista — de volta da "região assustadora" (leia-se Canudos) de onde vinha, "revendo inda na mente/ Muitas cenas do drama comovente/ Da Guerra desapiedada e aterradora" — no dia seguinte de seu retorno à capital baiana, conforme ele datou abaixo da assinatura: 14 de outubro de 1897.
================

ESTRELAS

São tão remotas as estrelas, que
apesar da vertiginosa velocidade da luz, elas se
apagam e continuam a brilhar durante séculos.
Morrem os mundos...Silenciosa e escura,
Eterna noite cinge-os. Mudas, frias,
Nas luminosas solidões da cultura
Erguem-se, assim, necrópoles sombrias...
Mas, pra nós, di-lo a ciência, além perdura
A vida, e expande as rútilas magias..
Pelos séc'los emfora a luz fulgura
Traçando-lhes as órbitas vazias.
Meus ideais! extinta claridade -
Mortos, rompeis, fantásticos e insanos,
Da minh'alma e revolta imensidade...

E sois ainda todos os enganos
E toda a luz e toda mocidade
Desta velhice trágica aos vinte anos..
Se acaso uma alma se fotografasse
De sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face
E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos...Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse,
Mesmo em ligeiros traços fugitivos:
Amigo, tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando - deste grupo bem no meio -
Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
o mais triste, o mais pálido, o mais feio.
===================

EU QUERO

Eu quero à doce luz dos vespertinos pálidos
Lançar-me, apaixonado, entre as sombras das matas
_ Berços feitos de flor e de carvalhos cálidos
Onde a Poesia dorme, aos cantos das cascatas...

Eu quero aí viver _ o meu viver funéreo,
Eu quero aí chorar _ os tristes prantos meus...
E envolto o coração nas sombras do mistério,
Sentir minh'alma erguer-se entre a floresta de Deus!

Eu quero, da ingazeira erguida aos galhos úmidos,
Ouvir os cantos virgens da agreste patativa...
Da natureza eu quero, nos grandes seios túmidos,
Beber a Calma, o Bem, a Crença _ ardente a altiva.

Eu quero, eu quero ouvir o esbravejar das águas
Das ásperas cachoeiras que irrompem do sertão...
E a minh'alma, cansada ao peso atroz das mágoas,
Silente adormecer no colo da solidão...
=====================
ONDAS

Correi, rolai, correi _ ondas sonoras
Que à luz primeira, dum futuro incerto,
Erguestes-vos assim _ trêmulas, canoras,
Sobre o meu peito, um pélago deserto!

Correi... rolai _ que, audaz, por entre a treva
Do desânimo atroz _ enorme e densa _
Minh'alma um raio arroja e altiva eleva
Uma senda de luz que diz-se _ Crença!

Ide pois _ não importa que ilusória
Seja a esp'rança que em vós vejo fulgir...
_ Escalai o penhasco ásp'ro da Glória...
Rolai, rolai _ às plagas do Porvir!
=========================

DANTÃO

Parece-me que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
_ De um povo inteiro o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de idéias constelado!

De seu crânio vulcão _ a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
_ Noventa e três _ e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!

Olhando para a história _ um século e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado através o véu profundo...

Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razão do mundo!
===========================

MARAT

Foi a alma cruel das barricadas!
Misto e luz e lama!... se ele ria,
As púrpuras gelavam-se e rangia
Mais de um trono, se dava gargalhadas!...

Fanático da luz... porém seguia
Do crime as torvas, lívidas pisadas.
Armava, à noite, aos corações ciladas,
Batia o despotismo à luz do dia.

No seu cérebro tremente negrejavam
Os planos mais cruéis e cintilavam
As idéias mais bravas e brilhantes.

Há muito que um punhal gelou-lhe o seio...
Passou... deixou na história um rastro cheio
De lágrimas e luzes ofuscantes.
========================

VERSO E REVERSO

Bem como o lótus que abre o seio perfumado
Ao doce olhar da estrela esquiva da amplidão
Assim também, um dia, a um doce olhar, domado,
Abri meu coração.

Ah! foi um astro puro e vívido, e fulgente,
Que à noite de minh'alma em luz veio romper
Aquele olhar divino, aquele olhar ardente
De uns olhos de mulher...

Escopro divinal _ tecido por auroras _
Bem dentro do meu peito, esplêndido, tombou,
E nele, altas canções e inspirações ardentes
Sublime burilou!

Foi ele que a minh'alma em noite atroz, cingida,
Ergueu do ideal, um dia, ao rútilo clarão.
Foi ele _ aquele olhar que à lágrima dorida
Deu-me um berço _ a Canção!

Foi ele que ensinou-me as minhas dores frias
Em estrofes ardentes, altivo, transformar!
Foi ele que ensinou-me a ouvir as melodias
Que brilham num olhar...

E são seus puros raios, seus raios róseos, santos
Envoltos sempre e sempre em tão divina cor,
As cordas divinais da lira de meus prantos,
D'harpa da minha dor!

Sim _ ele é quem me dá o desespero e a calma,
O ceticismo e a crença, a raiva, o mal e o bem,
Lançou-me muita luz no coração e na alma,
Mas lágrimas também!

É ele que, febril, a espadanar fulgores,
Negreja na minh'alma, imenso, vil, fatal!
É quem me sangra o peito _ e me mitiga as dores.
É bálsamo e é punhal.
---
Fonte:
CUNHA, Euclides da. Ondas. São Paulo: Martin Claret, 2005.

Euclides da Cunha (1866 – 1909)


Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), no dia 20 de janeiro de 1866. Foi escritor, professor, sociólogo, repórter jornalístico e engenheiro, tendo se tornado famoso internacionalmente por sua obra-prima, “Os Sertões”, que retrata a Guerra dos Canudos.

1866 – Nasce no dia 20 de janeiro, na Fazenda Saudade, em Cantagalo, região serrana no vale do rio Paraíba do Sul, na província do Rio de Janeiro, onde vive até os três anos, quando falece sua mãe. O autor e sua irmã, Adélia, passam a viver, em 1869, com seus tios maternos, Rosinda e Urbano, em Teresópolis (RJ).

1871 - Com a morte da tia, Rosinda, vão morar com os tios maternos, Laura e Cândido, em São Fidélis (RJ).

1874 – Inicia os estudos no Instituto Colegial Fidelense.

1875 - Seu pai, Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, tem o poema “À morte de Castro Alves” publicado na segunda edição de “Espumas flutuantes”, do poeta baiano, prematuramente falecido.

1877 – Estuda no Colégio Bahia, em Salvador (BA), durante um breve período em que morou naquela cidade, na casa de sua avó paterna.

1879 - Muda-se para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), e estuda no Colégio Anglo-Americano.

1883 - Estuda no Colégio Aquino, e escreve seus primeiros poemas em um caderno, ao qual dá o título de “Ondas”.

1884 – Publica em “O Democrata”, jornal dos alunos do Colégio Aquino, seu primeiro artigo.

1885 - Ingressa na Escola Politécnica para cursar Engenharia. Freqüenta somente por um ano, pois é obrigado a desistir por motivos financeiros.

1886 – Matricula-se na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, no curso de Estado-maior e Engenharia Militar da Escola Militar, medida adotada porque a Escola pagava soldo e fornecia alojamento e comida. Tinha, entre seus colegas, Cândido Rondon, Lauro Müller, Alberto Rangel e Tasso Fragoso.

1887 – Passa, por três vezes, pela enfermaria da escola. Pede licença de dois meses para tratar da saúde.

1888 – Sua matrícula na Escola Militar da Praia Vermelha é trancada, face ao ato de protesto durante uma visita do Ministro da Guerra, conselheiro Tomas Coelho, do último gabinete conservador da monarquia. É desligado do Exército sob o pretexto de incapacidade física. Convidado, passa a escrever no jornal “A Província de São Paulo”, hoje “O Estado de São Paulo”, jornal engajado na campanha republicana. O artigo “A pátria e a dinastia, publicado no dia 20/12/1888, marca sua estréia.

1889 - Retorna à Escola Militar da Praia Vermelha, graças ao apoio de seu futuro sogro , o major Sólon Ribeiro e de seus colegas da Escola, que pedem sua reintegração.

1890 – Casa-se com Ana Emília Ribeiro.

1891 - Tira um mês de licença para tratamento de saúde. Viaja com a esposa para a Fazenda Trindade, de seu pai, localizada em Nossa Senhora do Belém do Descalvado (atual Descalvado), no interior de São Paulo. Morre sua filha Eudóxia, recém-nascida.

1892 - Conclui o curso na Escola Superior de Guerra e é promovido a tenente, seu último posto na carreira. Cumpre estágio na Estrada de Ferro Central do Brasil — trecho paulista da ferrovia, entre a capital e a cidade de Caçapava, por designação do marechal Floriano Peixoto. É nomeado auxiliar de ensino teórico na Escola Militar do Rio. Nasce seu filho Solon Ribeiro da Cunha.

1893 - Escreve artigo com críticas ao governo do marechal Floriano, cuja publicação foi negada pelo jornal “O Estado de São Paulo”. Acometido de forte pneumonia, interrompe sua colaboração com o jornal. Volta a trabalhar como engenheiro praticante na Estrada de Ferro Central do Brasil. Com a Revolta da Armada, que teve início em 06/09, seu sogro é preso. Sua mulher, Ana, refugia-se, com o filho Solon, na fazenda do sogro, em Descalvado (SP). O escritor é designado para servir na Diretoria de Obras Militares.

1894 - É punido com transferência para a cidade de Campanha (MG), por ter protestado, em cartas á “Gazeta de Notícias”, do Rio, contra a execução sumária dos prisioneiros políticos, pedida pelo senador florianista João Cordeiro, do Ceará. Nasce seu filho Euclides Ribeiro da Cunha Filho, o Quidinho.

1895 – Obtém licença do Exército, por ser considerado incapaz para o serviço militar devido à tuberculose. Vai para a fazenda do pai e se dedica às atividades agrícolas. Cansado, poucos meses após tornar-se lavrador, vai trabalhar como engenheiro-ajudante na Superintendência de Obras Públicas em São Paulo.

1896 – Mesmo desaconselhado pelo sogro, o autor desliga-se do Exército, sendo reformado no posto de tenente.

1897 – Volta a colaborar no jornal “O Estado de São Paulo”. Cobre a 4ª Expedição contra Canudos, como correspondente daquele jornal. Em seus artigos, afirma sua certeza na vitória do governo sobre os conselheristas. O presidente Prudente de Morais o nomeia adido do estado-maior do ministro da Guerra, marechal Carlos Machado de Bittencourt. Torna-se sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Acompanha, de perto, toda a movimentação de tropas e faz pesquisas sobre Canudos e o Conselheiro. Em Monte Santo, em companhia do jornalista Alfredo Silva, faz incursão nos arredores da cidade, observa as plantas e minerais da região. Nas cercanias de Canudos, no dia 19/09, escreve sua primeira reportagem da frente de batalha. Antonio Conselheiro morre de disenteria em 22/09. O autor passeia pela cidade, anotando em sua caderneta de bolso, expressões populares e regionais, mudanças climáticas, desenhos da cidade e das serras da região e copia diários dos combatentes. Transcreve poemas populares e profecias apocalípticas, depois citados em “Os Sertões”. Com acessos de febre, retira-se do local, confessando, em seu último artigo para o jornal, o profundo desapontamento provocado pela visão das centenas de feridos que gemiam amontoados no chão. Retorna a Salvador (BA), em 13/10, e escreve, no dia seguinte, no álbum da médica Francisca Praguer Fróes, o poema “Página vazia”, aqui publicado. Volta ao Rio de Janeiro e, de lá, a São Paulo (SP). Após quatro meses de licença para cuidar de sua doença, viaja para Descalvado onde, começa a escrever “Os sertões”.

1898 – Reassume seu cargo na Superintendência de Obras Públicas de São Paulo. Publica, em “O Estado”, o “Excerto de um livro inédito”, trechos de “Os sertões”, em que defende a tese de que o sertanejo é um forte, cuja energia contrasta com a debilidade dos “mestiços” do litoral. A ponte recém-inaugurada, construída em São José do Rio Pardo (SP), em parte sob a fiscalização do escritor, desaba, levando o biografado àquela cidade para acompanhar o desmonte. A demora nos trabalhos faz com que o escritor mude-se para aquela cidade, onde fica até 1901. Profere palestra no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sobre a “Climatologia dos sertões da Bahia”, e propõe a construção de açudes para resolver o problema das secas no Nordeste. Grande parte de “Os sertões” é escrita em São José, com a colaboração do prefeito da cidade, Francisco Escobar, que se tornara amigo do escritor.

1900 – Falece, em Belém, o General Solon Ribeiro, sogro do biografado. Finaliza, em maio, a primeira versão de “Os sertões”.

1901 – É nomeado chefe do 5º Distrito de Obras Públicas, com sede em São Carlos do Pinhal (SP), onde conclui “Os sertões”. Nasce seu filho, Manuel Afonso Ribeiro da Cunha. Assina contrato com a editora Laemmert, do Rio, a publicação de 1.200 exemplares de “Os sertões”, assumindo o compromisso de pagar a metade dos custos de edição, 1conto e quinhentos mil réis, quase o dobro de seu salário de engenheiro.

1902 – Após um trabalho insano de revisão, “Os sertões (Campanha de Canudos)” chega às livrarias em dezembro, sendo recebido com aplausos e restrições pela crítica.

1903 – A primeira edição do livro se esgota em pouco mais de dois meses. Começa a tomar notas para a “História da revolta”, livro sobre a rebelião da Marinha, que combateu no Rio, como oficial do Exército, de 1893 a 1894. Elege-se para a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Castro Alves, e como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Face à possibilidade de participar de expedição ao Purus, suspende a redação do livro. Vende os direitos das segunda tiragem de “Os sertões” para o editor Massow. Demite-se da Superintendência de Obras Públicas.

1904 – Participa, através de artigos publicados em jornais, do debate sobre os conflitos de fronteira. Condena o envio de tropas brasileiras para o Alto Purus e defende uma solução diplomática que permita incorporar o território do Acre. Propõe uma “guerra dos cem anos” contra as secas do Nordeste, que inclua a exploração científica da região, a construção de açudes, poços e estradas de ferro e o desvio das águas do rio São Francisco para as regiões afetadas pela estiagem. Após trabalhar alguns meses na Comissão de Saneamento de Santos, desentende-se com a diretoria e pede demissão. Sem emprego, volta a escrever no jornal “O Estado de São Paulo” e, também, em “O País”, do Rio. Dificuldades financeiras fazem-no transferir, por uma bagatela, os direitos de “Os sertões” para a editora Laemmert. É nomeado, pelo barão do Rio Branco, chefe da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, na fronteira do Brasil com o Peru. Parte rumo a Manaus (AM) no dia 13/12.

1905 - Realiza viagem heróica pelo Rio Purus, na Amazônia, chefiando missão oficial do Ministério das Relações Exteriores. Percorre cerca de 6.400 quilômetros de navegação, alguns trechos inclusive a pé. A comissão chega à foz do rio Purus em 09/04. De volta, redige, com o comissário peruano, o relatório da expedição. Embarca para o Rio no dia 18/12. Durante sua ausência, a editora Laemmert publica a terceira edição de “Os sertões”.

1906 – Com a saúde debilitada pela malária, ao chegar encontra Ana, sua esposa, grávida do cadete Dilermando de Assis. Trabalha como adido do barão do Rio Branco. Trabalha no preparo de documentação necessária à construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. A Imprensa Nacional publica “Notas complementares do comissário brasileiro” sobre a história e a geografia do Purus, incluído no “Relatório da comissão mista Brasileiro-Peruana de reconhecimento do Alto Purus”. Recusa indicação para fiscalizar a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Ana dá à luz Mauro, que falece de debilidade congênita uma semana após seu nascimento. Tempos depois, afirmará ter tomado remédios abortivos tentando interromper a gravidez e que fora também impedida pelo marido a amamentar a criança, filha de Dilermando. O “Jornal do Commércio” publica “Peru versus Bolívia”. Começa a escrever “Um paraíso perdido”, livro sobre a Amazônia, que não é terminado face à morte do autor. Os originais se perderam. Toma posse, finalmente, na Academia Brasileira de Letras.

1907 – Publica “Contrastes e confrontos”, pela editora Livraria Chardron, do Porto (Portugal). Nasce Luís Ribeiro da Cunha, registrado como seu filho, mas que irá adotar, já adulto, o sobrenome Assis, de seu pai biológico Dilermando. Profere, com grande sucesso, no Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo, a conferência “Castro Alves e seu tempo”.

1908 – Escreve o prefácio do livro “Poemas e canções”, de Vicente de Carvalho. Em “Antes dos versos”, expõe sua concepção da poesia moderna. Publica no “Jornal do Commércio”, a crônica “A última visita”, sobre a inesperada homenagem de um anônimo estudante a Machado de Assis em seu leito de morte. O biografado ocupa, por breve período, com o falecimento de Machado, a presidência da Academia Brasileira de Letras. Passa o cargo para Rui Barbosa. Inscreve-se no concurso para a cadeira de lógica no Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), no Rio.

1909 - Obtém a segunda colocação no concurso. Graças à interferência junto ao presidente da República, Nilo Peçanha, do barão do Rio Branco e do escritor e deputado Coelho Neto, é nomeado para a vaga. Entrega aos editores, Lello & Irmão, as provas de “À margem da História”.

Morre no dia 15 de agosto de 1909, depois de uma troca de tiros com o aspirante Dinorá e seu irmão, o cadete Dilermando de Assis. Em 1916, o segundo-tenente Dilermando de Assis, que havia sido absolvido da morte do biografado (legítima defesa), mata em um cartório de órfãos no centro do Rio, o aspirante naval Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, que tentou vingar a morte do pai. Dilermando é novamente absolvido, pelo mesmo veredicto.

Bibliografia:

1902 - Os Sertões
1907 - Contrastes e Confrontos
1907 - Peru versos Bolívia
1909 - À margem da história (póstumo)
1939 - Canudos (diário de uma expedição) (póstumo) — Reeditado em 1967, sob o título Canudos e inéditos.
1960 – O rio Purus (póstumo)
1966 – Obra completa (póstumo)
1975 – Caderneta de campo (póstumo)
1976 – Um paraíso perdido (póstumo)
1992 – Canudos e outros temas (póstumo)
1997 – Correspondência de Euclides da Cunha (póstumo)
2000 – Diário de uma expedição (póstumo)

Fontes:
Projeto Releituras
Academia Brasileira de Letras

Cascavel implantará “Arca das Letras”



Programa será implantado pelo município paranaense para incentivar a leitura entre moradores do campo.

Parceria entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria de Cultura de Cascavel, município da região oeste do Paraná, prevê a criação de espaços de leitura e de circulação de livros entre as populações rurais da cidade, por meio do programa “Arca das Letras”, mantido pelo Governo Federal.

Para isso, agentes da administração da cidade farão um levantamento com as comunidades rurais, produzindo um relatório com os indicadores e aspectos educacionais, econômicos e culturais, para identificar o melhor modelo de biblioteca aplicável a cada vila.

O MDA irá avaliar cada relatório encaminhado, selecionando 200 livros para compor a biblioteca, que será organizada num móvel de madeira, designado de “Arca” pelo programa e mantida no espaço apontado pela comunidade. Cada comunidade irá indicar dois agentes de leitura voluntários para auxiliar na melhor utilização dos livros. Os agentes serão treinados por profissionais do ministério, para controlar empréstimos, fazer campanhas para ampliar o acervo, organizar eventos culturais e estimular a leitura como fonte de conhecimento, lazer, entretenimento e informação.

O subprefeito do distrito de Espigão Azul, Valdir José Taglieber, conta que no meio rural a cultura da leitura não é muito difundida. Segundo ele, os únicos livros disponíveis na comunidade são os de literatura infantil da escola primária do distrito. “Esse projeto vai facilitar muito a vida dos estudantes do ensino médio. Hoje eles precisam ir até a cidade para emprestar um livro. Com a Arca das Letras, essa realidade muda, e eles poderão encontrar em nossa comunidade a leitura que necessitam”, comenta.

Fonte:
Andréa Motta. http://simultaneidades.blogspot.com

Gabriella Colombo Machado (Rua sem saída)


A grande avenida, que cruzava a cidade, afunilava-se até se tornar uma singela travessa de paralelepípedos. Quem não conhecesse bem aquele lugar nem diria que aquela abandonada rua estava integrava de qualquer forma a movimentada avenida principal. Naquela manhã em particular, a tal travessa parecia ainda mais deslocada do resto de sua estrutura. Enquanto na parte grande e agitada os primeiros raios de sol já ardiam no asfalto, a pequena e isolada parte experimentava apenas pequenas fagulhas do sol que preguiçosamente se levantava no horizonte.

Um antigo casarão na esquina delimitava o ponto em que a até então imponente avenida transformava-se em ingênua travessa. O exato marco dessa mudança era observável pela abrupta interrupção do asfalto. A maneira como este terminava fazia parecer que os operários responsáveis cansaram-se nesse ponto e desistiram de continuar o serviço, deixando, assim, os últimos paralelepípedos da cidade em desconexão com o presente. Estagnados no tempo é como eles estavam. E acompanhando essa imutabilidade encontravam-se as outras poucas construções da rua.

O casarão da esquina destacava-se das outras construções por ser a maior delas. Nos anos de sua glória, deveria ter sido deveras atraente. Mas agora ele não ostentava mais nenhum charme. Aliás, estava repugnante com seu ar amargo. As suas portas e janelas estavam escancaradas mostrando um interior cheio de nada. As paredes que outrora deveriam ter exibido fotografias de família, hoje se envergonhavam diante dos buracos feitos pelas dezenas de ratazanas que habitavam o local.

Na calçada, em frente ao casebre, o único poste de luz da rua ainda mantinha-se de pé, mesmo que já estivesse entortando para direita. Nele estava fixada uma enferrujada placa amarela com os dizeres: “RUA SEM SAÍDA”. As grandes letras garrafais eram pretas e davam um certo ar de autoridade não encontrado em nenhum outro recanto dessa esquecida parte da cidade.

Chegando ao fim dos irregulares paralelepípedos havia um parque, tão esquecido quanto o resto. Talvez mais. As árvores que ali descansavam eram altas e rebeldes. Seus galhos competiam por um espaço que não lhes era dado. Afinal, ninguém mais recordava de sua existência. Um extenso tapete de folhas secas constituía o piso do parque. O vento encontrava uma maneira de esgueirar-se por entre as árvores e dançava pelo estreito espaço que havia entre uma planta e outra. Os seus movimentos rápidos e alegres por fim faziam com que as folhas no chão se levantassem pesadamente para acompanhá-lo.

Um único som rompia a melodia tecida pela inebriante dança do vento: eram pesadas passadas que faziam as folhas estalarem sob aqueles misteriosos pés.

O labirinto de árvores que constituía o parque abria-se em um círculo para dar lugar a uma inútil fonte. Ela era cinzenta e suja. No seu centro, um golfinho desgastado pelo tempo posava tristemente em uma posição aparentemente desconfortável. De sua boca, não esguichava mais nenhuma gota d’água. A fonte, contudo, tinha ainda alguma água. O que se encontrava ali era o acúmulo das chuvas de verão. Boiando nessa água turva estavam algumas folhas e alguns insetos mortos. No fundo da fonte, escondido pelos entulhos, estava um chaveiro com duas chaves. O chaveiro era um ursinho marrom qualquer. As chaves, por sua vez, eram de um metal barato. Uma delas assemelhava-se a uma chave de carro enquanto a outra deveria ser de uma porta.

Ao lado da fonte, uma pequena bolsa feminina descansava junto ao chão. Parecia ter caído, uma vez que seu conteúdo espalhava-se ao seu redor. Uma entrada de cinema para a última sessão de quarta-feira era a única coisa que não havia caído. A bolsa parecia ser de couro legítimo, mas olhos atentos perceberiam tratar-se de uma bela imitação. O forro já estava rasgado e era possível notar os efeitos do uso na sua aparência externa. Uma carteira vazia, também de couro falso, estava a alguns centímetros da bolsa.

O único banco da praça encontrava-se na frente da fonte. Seu assento era duro. Uma das pernas estava mais curta, tornando-o bambo. A madeira desgastada pelo sol e pela chuva estava já áspera e velha. Ao lado desse banco, diversas baganas de cigarros amontoavam-se, algumas tinham uma discreta marca de batom. Uma garrafa vazia de vinho tentava equilibrar-se do desnivelado banco.

Mais adiante, aconchegado, no meio das folhas, um celular desligava-se sem bateria.
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Gabriella Colombo Machado nasceu em Porto Alegre (RS). É estudante de Comunicação Social e aspirante a escritora. Apesar dos diversos trabalhos na gaveta, nunca teve nenhum deles publicado.

Fonte:
Projeto Releituras (site desenvolvido por Arnaldo Nogueira Junior)
Biografias, contos, poesias. Todos os meses, novidades e novos escritores.

Rodrigo Ratier (Ler para escrever)


Bons leitores são bons escritores? Nem sempre. Para enfrentar o desafio da escrita, é preciso investigar as soluções de autores reconhecidos

Todo mundo já ouviu (e provavelmente também já repetiu) a noção de que, para escrever bem, é preciso ler bem. À primeira vista, parece um princípio básico e indiscutível do ensino da Língua Portuguesa. Tanto que a opção de nove entre dez professores tem sido propor aos alunos a tarefa. Ler muito, ler de tudo, na esperança de que os textos automaticamente melhorem de qualidade. E, muitas vezes, a garotada de fato devora página atrás de página, mas - pense um pouco no exemplo de sua classe - a tal evolução simplesmente não aparece. Por que será?

Antes de mais nada, ninguém aqui vai defender que não se deva dar livros às crianças. A leitura diária é, sim, uma necessidade para o letramento. Mas ler para escrever bem exige outra pergunta: de qual leitura estamos falando? Para fazer avançar a escrita, a prática não pode ser um ato descompromissado, sem foco. Pelo contrário: exige intenção e um encadeamento bem definido de atividades, que tenham como principal objetivo mostrar como redigir textos específicos.

"A leitura para escrever é um momento especial, que coloca os estudantes numa posição de leitor diferente da que usualmente ocupam. Afinal, a tarefa deles será encontrar aspectos do texto que auxiliem a resolver seus próprios problemas de escrita", afirma Débora Rana, psicóloga e formadora de professores do Instituto Avisa Lá, em São Paulo.

É um trabalho que destaca a forma - estamos falando de intenção comunicativa e estilo, portanto -, tema relacionado a inquietações que tiram o sono de muitos docentes: por que as composições dos alunos têm tão poucas linhas? Por que eles não conseguem transmitir emoção ou humor? Por que as descrições de lugares e personagens não trazem detalhes?

Trechos de contos trazem ótimas sugestões para os textos

A ideia do trabalho é analisar os efeitos e o impacto que cada obra causa em quem as lê. Sensações, claro, são subjetivas, variando de pessoa para pessoa. Mas, quando lê diversos textos bons, com expressões e características recorrentes, a turma consegue, pouco a pouco, entender que é a linguagem que gera os tais efeitos que tanto nos comovem ou divertem. Nesse sentido, o conto, um dos tipos de texto mais usuais nas classes de 3º a 5º ano, oferece excelentes recursos para enriquecer produções de gêneros literários.

Cabe ao professor, no papel de leitor mais experiente, compartilhar com a turma as principais preciosidades, iluminando onde está o "ouro" de cada obra. Abaixo, listamos alguns dos principais pontos a ser observados e trabalhados nos textos da garotada. Também elencamos exemplos de como os contos podem ajudar a melhorá-los.

Linguagem e expressões características de cada gênero.

Cada tipo de texto tem uma forma específica de dizer determinadas coisas. "Era uma vez", por exemplo, é certamente a forma mais tradicional de dar início a um conto de fadas (note que ela não seria adequada para uma composição informativa ou instrucional). Além de colaborar para que a turma identifique essas construções, a leitura de contos clássicos pode municiá-la de alternativas para fugir do lugar-comum. O Príncipe-Rã ou Henrique de Ferro, na versão dos Irmãos Grimm, começa assim: "Num tempo que já se foi, quando ainda aconteciam encantamentos, viveu um rei que tinha uma porção de filhas, todas lindas".

Descrição psicológica.

Trazendo elementos importantes para a compreensão da trama, a explicitação de intenções e estados mentais ajuda a construir as imagens de cada um dos personagens, aproximando-os ou afastando-os do leitor. Em O Soldadinho de Chumbo, Hans Christian Andersen desvela em poucas linhas os traços da personalidade tímida, amorosa e respeitosa do protagonista: "O soldadinho olhou para a bailarina, ainda mais apaixonado: ela olhou para ele, mas não trocaram palavra alguma. Ele desejava conversar, mas não ousava. Sentia-se feliz apenas por estar novamente perto dela e poder contemplá-la".

Descrição de cenários.

O detalhamento do ambiente em que se passa a ação é importante não apenas para trazer o leitor "para dentro" do texto mas também para, dependendo da intenção do autor, transmitir uma atmosfera de mistério, medo, alegria, encantamento etc. Em O Patinho Feio, Andersen retrata a tranquilidade do ninho das aves: "Um cantinho bem protegido no meio da folhagem, perto do rio que contornava o velho castelo. Mais adiante estendiam-se o bosque e um lindo jardim florido. Naquele lugar sossegado, a pata agora aquecia pacientemente seus ovos".

Ritmo.

É possível controlar a velocidade da história usando expressões que indiquem a intensidade da passagem do tempo ("vagarosamente", "após longa espera", "de repente", "num estalo" etc.). Outros recursos mais sofisticados são recorrer a flashbacks ou divagações dos personagens (para retardar a história) ou enfileirar uma ação atrás da outra (para acelerar). Charles Perrault combina construções temporais e encadeamento de fatos para gerar um clima agitado e tenso neste trecho de Chapeuzinho Vermelho: "O lobo lançou-se sobre a boa mulher e a devorou num segundo, pois fazia mais de três dias que não comia. Em seguida, fechou a porta e se deitou na cama".

Caracterização dos personagens.

Mais do que apelar para a descrição do tipo lista ("era feio, medroso e mal-humorado"), feita geralmente por um narrador que não participa da ação, que tal incentivar a garotada a explorar diálogos para mostrar os principais traços dos personagens? Nesse aspecto, a pontuação e o uso preciso de verbos declarativos e de marcas da oralidade exercem papel fundamental. Neste trecho de Rumpelstichen, os Irmãos Grimm dão voz à protagonista para que ela se lamente:

"- Ah! - respondeu a moça entre soluços. - O rei me mandou fiar toda esta palha de ouro. Não sei como fazer isso!"

Para terminar, um último e imprescindível lembrete: você pode ter colocado a turma para ler e ter direcionado adequadamente a atividade para melhorar a qualidade dos textos, mas o trabalho não para por aí. Nada disso adianta se o estudante não tiver a oportunidade - mais até, a obrigação - de pôr o conhecimento em prática. Ainda que a leitura seja essencial para impulsionar a escrita, não se desenvolve o comportamento de escritor sem enfrentar, na pele, os complexos desafios do escrever.

Fontes:
Revista Nova Escola. Abril de 2009.
Imagem = http://danmour.blogspot.com