sábado, 17 de outubro de 2009

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas) Letra Q



q. e. D. (abrev de quod erat demonstrandum)
Latim: Que se devia demonstrar.

quaerens quem devoret
Latim: Procurando a quem devorar. São Pedro, na primeira epístola (V, 8), adverte os fiéis contra as insídias do demônio que se assemelha ao leão faminto em busca da presa.

quae sunt Caesaris Caesari
Latim: A César o que é de César. Palavras com que Cristo confundiu os fariseus que lhe faziam uma pergunta capciosa. Significam que não se deve negar ao poder temporal o que realmente lhe cabe, sem omitir nada do que se deve a Deus.

qualis artifex pereo
Latim: Morro como um grande artista. Expressão atribuída por Suetônio a Nero que se julgava grande poeta, cantor e ator. O imperador pronunciou estas palavras pouco antes de suicidar-se.

qualis pater, talis filius
Latim: Tal pai, tal filho.

qualis vita, finis ita
Latim: Tal vida, tal morte. Não pode morrer bem aquele que viveu mal, é o princípio aceito pelos mestres da vida espiritual.

quand même
Francês: Mesmo assim. Em qualquer hipótese; apesar dos pesares.

quando bene se gesserit
Latim: Direito: Enquanto se comportar bem.

quandoque bonus dormitat Homerus
Latim: Também o bom Homero cochila. Expressão de Horácio, para dizer que a suma perfeição não existe em poesia; até o grande Homero comete suas falhas.

quantum libeat
Latim: Quanto lhe agrade, à vontade.

quantum mutatus ab illo
Latim: Quanto se mudou do que era. Enéias pronuncia estas palavras ao ver, em sonho, Heitor coberto de feridas (Eneida, II, 274).

quantum satis
Latim: Quanto baste. Med Expressão empregada abreviadamente qs, nas receitas médicas.

quantum sufficit
Latim: O suficiente, o estritamente necessário: Alimentava-se quantum sufficit para não morrer à fome.

quia nominor leo
Latim: Porque me chamo leão. Trecho de Fedro usado para estigmatizar aqueles que abusam de sua posição ou força, para oprimir os fracos.

qui bene amat, bene castigat
Latim: Quem ama bem, castiga bem. O castigo deve ser o fruto do amor.

quid inde?
Latim: E então? Qual a conseqüência disso?

quid juris?
Latim: Que do direito? Qual a solução dada pelo direito?

quidquid delirant reges, plectuntur Achivi
Latim: Quando os reis deliram, os gregos são açoitados. O povo paga pelos desvarios dos governantes.

quidquid tentabam dicere versus erat
Latim: Tudo que eu tentava dizer era verso. Frase de Ovídio que narra a sua irreprimível vocação de poeta contrariada pelo pai.

quieta non movere
Latim: Não mexer no que está quieto.

qui habet aures audiendi audiat
Latim: Quem tem ouvido para ouvir, ouça. Palavras do Apocalipse e do Evangelho, que encerram uma ameaça àqueles que não querem atender à pregação da palavra de Deus.

qui nescit dissimulare, nescit regnare
Latim: Quem não sabe dissimular, não sabe reinar. Princípio que traduz o pensamento de Maquiavel e de muitos políticos inescrupulosos.

qui potest capere, capiat
Latim: Quem é apto para o admitir, admita. Palavras com que Cristo conclui sua exortação à prática da castidade perfeita (Mateus, 19, 12).

qui pridie
Latim: Liturgico: O qual na véspera. Palavras iniciais da consagração que recordam a instituição da Eucaristia na última ceia.

qui scribit bis legit
Latim: Quem escreve lê duas vezes. Axioma da pedagogia antiga, ainda hoje aceito por muitos educadores.

quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando?
Latim: Quem? O quê? Onde? Por que meios? Por quê? Como? Quando? Verso hexâmetro de Quintiliano, que sintetiza a divisão da Retórica. Muito usado modernamente por jornalistas que, com as respostas a estas perguntas circunstanciais, consideram esgotado o assunto. O mesmo processo se aplica em criminologia.

quis tulerit Gracchos de seditione quaerentes?
Latim: Quem suportará que os Gracos se queixem de sedição? Quem empregou um meio para conseguir determinado fim não tem força moral para condenar esse meio. Os irmãos Gracos subiram ao poder por uma revolução.

quod abundat non nocet
Latim: O que abunda não prejudica. É melhor sobrar do que faltar.

quod Deus avertat
Latim: O que Deus afaste (de nós). Locução equivalente a Deus nos livre.

quod di omen avertant!
Latim: Que os deuses afastem este agouro!

quod facis, fac citius
Latim: Faze logo o que tens a fazer. Palavras com que Jesus dá a entender a Judas que conhece seu plano de traição e ao mesmo tempo manifesta o desejo que sente de realizar a salvação dos homens (Jo. XIII, 27).

quod petis alter habet
Latim: O que pedes outro tem. Chegaste tarde.

quod scripsi, scripsi
Latim: O que escrevi, escrevi. Foi como Pilatos respondeu aos sacerdotes que o censuravam por mandar colocar na cruz de Cristo a legenda: Jesus nazareno rei dos judeus (Jo. XIX, 22).

quod tibi non vis alteri ne facias
Latim: Não faças a outrem o que não queres para ti.

quod volumus facile credimus
Latim: Facilmente cremos aquilo que desejamos.

quot capita, tot sensus
Latim: Quantas cabeças, tantas sentenças.

quousque tandem
Latim: Até quando. Palavras iniciais do discurso de Cícero contra Catilina no Senado Romano.

quo vadis?
Latim: Aonde vais? Pergunta que, segundo a lenda, teria feito Cristo a Pedro na Via Ápia, quando o apóstolo fugia da perseguição de Nero.

As outras letras:

LETRA A http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA B http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_07.html
LETRA C http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/10/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_21.html
LETRA D http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do.html
LETRA E http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/11/palavras-e-expresses-mais-usuais-do_28.html
LETRA F http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/01/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA G-H http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA I http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA J-L http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/06/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do_21.html
LETRA M http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/07/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA N http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/07/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do_11.html
LETRA O http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/09/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
LETRA P http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/10/palavras-e-expressoes-mais-usuais-do.html
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Fonte:
Por Tras das Letras
http://www.portrasdasletras.com.br

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Folclore em Trovas 4 (Negrinho do Pastoreio)

Barbosa Lessa (Negrinho do Pastoreio)

Negrinho do Pastoreio (pintura de Nelson Macedo)
"Negrinho do Pastoreio
Acendo essa vela pra ti
E peço que me devolvas
A querência que eu perdi

Negrinho do Pastoreio
Traz a mim o meu rincão
Eu te acendo essa velinha
Nela está o meu coração

Quero rever o meu pago
Coloreado de pitanga
Quero ver a gauchinha
A brincar na água da sanga

E a trotear pelas coxilhas
Respirando a liberdade
Que eu perdi naquele dia
Que me embretei na cidade".
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Fonte:
Rosane Volpatto

Negrinho do Pastoreio


É uma lenda meio africana meio cristã. Muito contada no final do século passado pelos brasileiros que defendiam o fim da escravidão. É muito popular no sul do Brasil.

Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria chucra, e os veados e os avestruzes corriam sem empecilhos.

Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e meias doblas e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau, muito. Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante, no inverno o fogo de sua casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entangir gente, que a sua porta não se abria; no verão a sombra dos seus umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água das suas cacimbas. Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade dar-lhe um ajutório; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro, farinha grossa e erva caúna e nem um naco de fumo... e tudo, debaixo de tanta somiticaria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lonqueando...

Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma mosca, para um baio cabos negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo, pequeno ainda, muito bonitinho e preto como carvão e a quem todos chamavam somente o “Negrinho”. A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem, Senhora Nossa que é a madrinha de quem não a tem.

Todas as madrugadas o negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia os avios do chimarrão e à tarde sofria os maus-tratos do menino, que o judiava e se ria.

Um dia, depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que a parada fosse para os pobres; o outro que não, que não!, que a parada devia ser do dono cavalo que ganhasse. E trataram: o tiro era trinta quadras, a parada, mil onças de ouro. No dia aprazado, na cancha da carreira havia gente como em festa de santo grande. Entre os dois parelheiros a gauchada não sabia decidir, tão perfeito era e bem lançado cada um dos animais. Do baio era a fama que quando corria, corria tanto, que o vento assobiava-lhe nas crinas; tanto, que só se ouvia o barulho mas não lhe viam as patas bateram no chão... E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais agüente, e que desde a largada ele ia ser como um laço que se arrebenta. As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos contra rebanhos e redomões contra lenços.

- Pelo baio! Luz e doble!...

- Pelo mouro! Doble e luz!...

Os corredores fizeram as suas partidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando o corpo, de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta...

- Empate! Empate!, gritavam os aficionados ao longo da cancha por onde passava a parelha veloz, compassada como numa colhera.

- Valha-me a Virgem Madrinha, Nossa Senhora!, gemia o Negrinho. Se o sete léguas perde, o meu senhor me mata! Hip-hip-hip!...

E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.

- Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!... retrucava o outro corredor. Hip-hip!

E cerrava as esporas no mouro. Mas os fletes corriam, compassados como numa colhera.

Quando foi na última quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões... mas sempre juntos, sempre emparelhados. E a duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de sopetão, pôs-se um pé e fez uma cara-volta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz aberta! E o Negrinho, de um pêlo, agarrou-se como um ginetaço.

- Foi mau jogo!, gritava o estancieiro.

- Mau jogo!, secundavam os outros da sua parceria.

A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de uma torena coçou o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um virou as esporas para o peito do pé... Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tiarayú, era um juiz macanudo, que já tinha visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem.

- Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro. Quem perdeu, que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha buscá-las. Foi na lei! Não havia o que alegar. Despeitado e furioso o estancieiro pagou a parada, à vista de todos atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.

E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir tambeiros e leiteiras, covados de baeta e baguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio. Depois as carreiras seguiram com os changueiritos que havia.

O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando, calado, em todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a emia espalda... O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.

E conforme apeou-se, da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

Na madrugada saiu com ele e quando chegou no alto da coxilha falou assim: - Trinta quadras tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficará aqui pastoreando a minha tropilha de trinta tordilhos negros...

“O baio fica de piquete na soga e tu ficarás de estaca!”

O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pasteando.

Veio o sol, veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O negrinho, varado de fome e já sem forças nas mãos, enleiou a soga num pulso e deitou-se a um cupim.

Vieram então as corujas e fizeram roda, voando, paradas no ar e todas olhavam-no com os olhos reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se dele, paradas no ar, sem barulho nas asas. O Negrinho tremia, de medo... porém de repente pensou na sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu. E dormiu. Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou, passaram as Três Marias; a Estrela d’alva subiu... Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram

o Negrinho e cortaram a guasca da soga. O baio sentiu-se solto, rufou a galope, e toda a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.

O tropel acordou o Negrinho; os guaraxains fugiram, dando berros de escárnio. Os galos estavam cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que
tapava tudo.

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.

O menino maleva foi lá e veio dizer ao pai que os cavalos não estavam. O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho. E quando era já noite fechada ordenou-lhe que fosse campear o perdido. Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o cotoco de vela aceso em frente da imagem e saiu para o campo. Por coxilhas, canhadas, nas becas dos lagões, nos paradeiros e nas restingas, por onde o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chão; e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo. O gado ficou deitado, os touros não escarvaram a terra e as manadas chucras não dispararam... Quando os galos estavam cantando, como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos. O Negrinho montou no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor lhe marcara.

E assim o Negrinho achou o pastoreio. E se riu...

Gemendo, gemendo, gemendo, o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mesmo instante apagaram-se as luzes todas; e sonhando com a virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu. E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxains ladrões; porém pior do que os bichos maus, ao clarear o dia veio o menino, filho do estancieiro e enxotou os cavalos, que se dispersaram, disparando campo fora, retouçando e desguaritando-se nas canhadas. O tropel acordou o Negrinho e o menino maleva foi dizer ao seu pai que os cavalos não estavam lá...

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou...

O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho... dar-lhe até ele não mais chorar nem bulir, com as carnes recortadas, o sangue vivo escorrendo do corpo... O Negrinho chamou pela Virgem sua madrinha e Senhora Nossa, deu um suspiro triste, que chorou no ar como uma música, e pareceu que morreu... E como já era noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estancieiro mandou atirar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para as formigas devorarem-lhe a carne e o sangue e os ossos... E assanhou bem as formigas; e quando elas raivosas, cobriram todo o corpo do Negrinho e começaram a trincá-lo, é que ele então se foi embora sem olhar para trás.

Nessa noite o estancieiro sonhou que ele era, ele mesmo, mil vezes e que tinha mil filhos negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes mil onças de ouro... e que tudo isto cabia folgado dentro de um formigueiro pequeno...

Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas.

Passou a noite de Deus e veio a manhã e o Sol encoberto. E três dias houve cerração forte, e três noites o estancieiro teve o mesmo sonho. A peonada bateu campo, porém ninguém achou a tropilha e nem o rastro. Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo. Qual não foi o seu grande espanto, quando, chegado perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam ainda!...

O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio, e ali junto a tropilha dos trinta tordilhos... e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a tem, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando o céu... Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.

E o Negrinho, sarado e risinho, pulando de em pêlo e sem rédeas no baio, chupou o beiço e tocou a tropilha a galope.

E assim o Negrinho pela última vez achou o pastoreio. E não chorou, nem riu.

Correu no vizindário a nova do fadário e da triste morte do Negrinho devorado na panela do formigueiro. Porém logo, de perto e de longe, de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia milagre novo...

E era, que os pastoreios e os andantes, os que dormiam sob palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia - da mesma hora - de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de tordilhos, tocada por um Negrinho, gineteando de em pêlo, em um cavalo baio!

Então, muitos acenderam velas e rezaram o Padre-Nosso pela alma do judiado. Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma coisa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar de sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora, que o remiu e salvou e dera-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.

Todos os anos, durante três dias, o Negrinho desaparece: está metido em algum formigueiro grande, fazendo visitas às formigas, suas amigas; a sua tropilha esparrama-se; e um aqui, outro por lá, os seus cavalos retouçam nas manadas das estâncias. Mas ao nascer do sol do terceiro dia, o baio relincha perto do sei ginete; o Negrinho monta-o e vai fazer a sua recolhida; é quando nas estâncias acontece a disparada das cavalhadas e a gente olha, olha, e não vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.

Desde então e ainda hoje, conduzindo o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e risonho, cruza os campos, corta os macegais, bandeia as restingas, desponta os banhados, vara os arroios, sobe as coxilhas e desce às canhadas.

O Negrinho anda sempre à procura dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados pelos donos, quando estes acendem um coto de vela, cuja luz ele leva para o altar da Virgem, Nossa Senhora, madrinha dos que a não tem.

Quem perder suas prendas no campo, guarde uma esperança; junto de algum moirão ou sob as ramas das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo:

- Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi!...
Se ele não achar... ninguém mais.
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Origem: Fim do Século XIX, Rio Grande do Sul.

Alguns folcloristas afirmam que o Rio Grande do Sul tem uma única lenda sua, criada às feições locais, que é a do Negrinho do Pastoreio.

Ela não tem ligação alguma com a lenda do Saci brejeiro que de cachimbo apagado ataca, à noite, os viajantes. O Negrinho ou Crioulo do pastoreio, é exclusivamente gaúcho, pelo seu feitio, pelo seu papel na vida campeira e pelo próprio martírio, que é um dos tantos episódios reais da escravidão, ele se afasta por completo do Saci. A única semelhança existente entre ambos é de serem negros.

Alguns historiadores afirmam que em São Paulo o Saci também encontra objetos perdidos a troco de ovos frescos. Mas este não está associado à idéia cristã. Barbosa Rodrigues, conhecido folclorista, inclui o Negrinho do Pastoreio como um símile do Saci. De fato, as características do Saci, realmente, não se encontram no Negrinho do Pastoreio. Nem os vícios nem as diabruras.

O Negrinho do Pastoreio é uma lenda cristã, divulgada com finalidades morais. O Negrinho é sem pecado, uma vítima. Perdendo duas vezes a tropilha que acha miraculosamente, o Negrinho, por associação natural, é padroeiro dessa atividade nos campos gaúchos. Trata-se de uma lenda puramente regional.

Esta é a mais linda e popular lenda fraternal gaúcha. Ela representa um grito de repúdio aos maus-tratos com o ser humano. Reflete a consciência de um povo (gaúchos) que deliberadamente condenou a agressão e a brutalidade da escravidão. É uma lenda sem dono, sem cara, sem raça é a lenda de todos nós, que lutamos dia-a-dia nesta terra de excluídos.

O Negrinho do Pastoreio é a formatação de um arquétipo do inconsciente coletivo e podemos vê-lo como uma manifestação de uma consciência coletiva repleta de ideologias que são transmitidas pela cultura e linguagem que nós utilizamos quando estamos sujeitos a algo.

A escravidão ainda persiste, embora incógnita e camuflada, mostra sua terrível face nas sub-habitações circunvizinhas às metrópoles. Esta questão social, tem a cada dia afastado a classe média de uma consciência do real problema e que por medo ou omissão, mantêm-se afastada e enclausurada em suas fortalezas gradeadas.

A lenda do Negrinho do Pastoreio possui versões no Uruguai e na Argentina, lugares onde praticamente a escravidão inexistiu, portanto, aqui configura-se uma verdadeira "exportação" da lenda gaúcha. A sua versão mais antiga é a de propriedade de Apolinário Porto Alegre, "O Crioulo do Pastoreio" de 1875, quando ainda existia a escravidão no país. João Simões Lopes Neto, publicou em 1913 as "Lendas do Sul", onde concretizou algumas alterações, introduzindo o baio, as corujas e a Nossa Senhora.

No Rio Grande do Sul, o Negrinho é símbolo da Caixa Econômica Estadual. É encontrada outra homenagem à ele na sede do Governo do Estado, no Salão Nobre que leva o seu nome. Lá encontramos afrescos do famoso pintor Aldo Locatelli que reconta sua história na versão de Lopes Neto.

Fontes:
Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data.
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/negrinho.html
http://sitededicas.uol.com.br/folk08.htm
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendanegrinhopastoreio.html

Rodamundinho faz parte da Expo-Literária

Clique sobre a imagem para ampliar
O lançamento da 2ª edição do Rodamundinho será realizado na Biblioteca Municipal de Sorocaba, durante a Expo-Literária, no próximo sábado, dia 24 de outubro, às 11h.

Em maio, os organizadores receberam inscrições de Sorocaba e região e até mesmo crianças da cidade de Serafina Corrêa, do Rio Grande do Sul, inscreveram-se por intermédio de sua professora.

Com iniciativa de Douglas Lara e Alexandre Latuf, o Rodamundinho 2009 tem uma característica interessante: Matheus Dantas, o coordenador deste ano participou o ano passado com textos de sua autoria. Como Matheus ultrapassou a idade para participar e envolveu-se bastante com o projeto, foi convidado pelos organizadores a coordenar o projeto. Foi ele que manteve contato com as crianças e reuniu os textos que serão apreciados a partir do próximo sábado.

A capa deste ano ficou a cargo de Maria do Carmo Coelho Gozzano, a Maiá, que sempre colabora com o Cruzeirinho, com ilustrações para as historinhas e datas comemorativas.

Este ano os participantes do Rodamundinho são: Amanda Kalil Soares Leite, Ana Paula Rodrigues, Anna Laura Rodrigues Alba, Carla Marli Comin, Carolina Arakaki de Camargo, Elaine de Quadro, Ellen Cristina Garcia de Andrade, Evelyn Dias Jorge, Evelyn Jessica Marques Campanholi, Fabiana do Nascimento Gonçalves Trindade, Felipe Calegare Carranza, Fernanda Freire Reche, Gabriela Olsen Federige, Gabrieli Cristina Conceição Camargo, Gulherme Brancalhome de Andrade, José Estevão Pinto de Oliveira, Júlia Bonventi Nunes, Júlia Cepellos Moreno Romeiro, Júlia de Oliveira Marchetti, Julia Mira dos Santos, Larissa da Silva Vendrami, Larissa Miranda de Oliveira, Laura de Oliveira Marchetti, Maria Eduarda de Moura Paschoal, Maria Giulia Jacção Alves, Maria Luisa Alexandrino Dias, Maria Luiza Levy Lemes, Marília Birochi Saragoça, Matheus Balbino Ghiraldi, Natã Vicente da Silva, Paulo Cesar dos Santos Silva, Pedro de Almeida Pecora, Raul Cabral, Rejane Maieri Pedroso, Stefanie Gomes Gonçalves, Talhia Portella Maia , Vitória Amorim, Yasmin Ampese Maté, Whintina Talita dos Santos Almeida Rocha.

Livro escrito por 39 jovens de até 15 anos, 96 páginas de prosa e verso para leitores de todas as idades.

A Biblioteca Municipal fica na rua Ministro Coqueijo Costa, 180, no Alto da Boa Vista, ao lado da Prefeitura.

Outras informações:
Sorocaba dia e noite
http://www.vejosaojose.com.br/sorocabadiaenoite.htm
douglara@uol.com.br - fone (15) 3227-2305

Rudinei Borges (Pequeno Bloco de Poemas)


O POETA

Parece estar
mais próximo do outro mundo. Está.
Quando dorme a profundeza do sono
o poeta rompe a porta das coisas
e vai às ilhas que ninguém conhece.

Vê na flor não o que a flor não é.
Vê na flor o singelo encanto
e furta das pétalas a luz do dia.

A lamparina acesa atravessa a madrugada.
Junta o alfarrábio e o tinteiro à escrivaninha.
Tece metáforas em silêncio
como se contasse segredos a ninguém.

Consigo já não pode. Nem com os demais.
Chora aqueles que perderam a amada.
Sente na mão a dor das chagas,
porque nele todas as dores se encontram.

Nasce a poesia.
E o poeta devolve às pétalas
a luz do dia
tecida em palavras.
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NASCIMENTO DE MARIA FERNANDA

Não tenho razões
para ser
maior que o tempo.
Nem menor
que o instante vago.
Sou apenas o vento
e estou onde quero
como se não quisesse nada.
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NASCIMENTO DE THIAGO GONÇALVES

Tenho que prenunciar o cais,
as mulheres grávidas,
o pasto e a cerca.
O ombro dos pais
quando é tempo de colheita.
A mão das mães
diante do fogão à lenha.

Tenho que prenunciar a tarde.
======================

CATEDRAL DE SANTA ANA

Quem é livre
quando calam os sinos
e os candelabros?
Quando a manhã parte
levando os montes?

Ninguém é livre
quando não ama
a intensidade da chama.

Só é livre
a alma branda
quando a paixão doma
a carne
e as marés lentas
tocam cítaras.
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ALTAR

Mãe rezava o rosário inteiro
antes de dormir.
E eu baixinho repetia
as palavras da mãe:
amar significa olhar para as coisas
sem sentir saudades delas.
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CANÇÃO DAS MÃES

Meu filho não é meu.
É do mundo.
Ele dorme no
meu colo
a viagem inteira.
como se fosse meu.

Logo irei soltá-lo
na estação.
Para onde irá
não sei.

Mas um dia
voltará.
E de novo no
meu colo
dormirá
o sono matinal.
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O CEMITÉRIO DOS BICHOS

O fundo do quintal
era o cemitério dos bichos.
Quando morria gato e cachorro
era lá que a mãe enterrava.
Um dia morreu a nossa cadelinha
e não teve jeito: fiz promessa,
enxuguei lágrimas e rezei
para que Nossa Senhora
intercedesse por ela no céu.
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MENINOS DA SÉTIMA RUA

Tenho saudades do que é breve
e vai para além dos barcos.
Esvai com a alvorada.

Saudades do menino cálido,
que se perdeu nos campos
entre o cais e o beco
e a tenra ilusão dos fósseis.

Saudades daquele menino:
amante das ruas,
andarilho das tardes.
O meu menino.
Eu mesmo.
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Fonte:
Jornal de Poesia

Rudinei Borges (Auto-Retrato)



Dados Biográficos
Rudinei Borges nasceu em Itaituba/PA, cidade localizada às margens do Rio Tapajós, afluente do Amazonas, onde todos os dias chegam inúmeras embarcações. Viveu parte da infância em sítios e chácaras da Rodovia Transamazônica e Santarém-Cuiabá. A outra parte num bairro itaitubense chamado Liberdade. Estudou nas escolas Raimundo Pereira Brasil e Isaac Newton. Morou em Santarém/PA e em 2003 mudou-se para São Paulo. Formou-se em Filosofia. Atualmente é Professor Titular de Filosofia na Rede Pública do estado de São Paulo. Educador Social com experiências realizadas no Terceiro Setor, onde busca favorecer o desenvolvimento de pessoas de diversas faixas etárias, através do estímulo à reflexão filosófica e à criação literária. Seus estudos e pesquisas situam-se no âmbito da filosofia, filosofia da educação, literatura e teatro.
É co-autor dos livros Educar e Aprender e Bate-papo no gramado, ambos pela editora In House. (2009)
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Auto-Retrato

Sou um poeta, um escritor do mato, mesmo amando a inteireza e a loucura das grandes metrópoles. Mesmo que eu tenha armado a minha oca em São Paulo. Eu nasci em Itaituba, no interior do Pará. É uma cidade localizada às margens do Rio Tapajós, afluente do Amazonas. Talvez o mais bonito. Sou filho de migrantes que mudaram para as terras paraenses na década de 1970, com a abertura da Rodovia Transamazônica e Santarém-Cuiabá. Vivi parte de minha infância em chácaras e sítios nessas rodovias. Por isso, as imagens antigas que povoam a minha memória são uma aglomeração de vacas, poeira, lama, estradas, caminhões, barcos, barro, casas de chão de terra batida, rios, igarapés, árvores, rezas, capelinhas, quintais e rostos suados.

Com seis anos, quase completando sete, fui morar na cidade e só nessa época comecei a estudar num colégio público, Coronel Raimundo Pereira Brasil. Era uma escola pequena de nome grande, nome de coronel do tempo em que borracha e seringueira valiam ouro. A escola foi o desvendar de um mistério. Lembro as primeiras letras ensinadas pela mãe. A professora contava e recontava contos de fada. E hoje ouço gente que fala mal de Cinderela e Patinho feio. Eu gostava de ouvir tudo aquilo. Foi essencial para a minha formação. Como foi essencial o medo que eu tinha de ir até o matagal atrás da sala de aula, onde diziam que morava a Matinta Perera.

Anos depois recebi uma bolsa do Colégio Isaac Newton. Lá concluí o Ensino Médio e fiz peripécias como performances com poemas, teatro e exposição de poesias.

Comecei a inventar de escrever aos treze anos, com a crença de que tudo o que eu escrevia era bárbaro e empolgante. Sempre um pouco de prosa e poesia. A minha mãe trouxe os poetas românticos, os professores os modernos. Foram vários instantes de deslumbramento e as influências estão em meus escritos: Mário e Oswald de Andrade, Drummond, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar. A leitura de Chove nos campos de Cachoeira de Dalcídio Jurandir talvez tenha sido um dos maiores acontecimentos em minha jovem vida literária. Foi com Dalcídio que descobri um amor, até então não muito claro, pela Amazônia, pela gente amazônica. Este olhar para o espelho, o reconhecimento das próprias raízes, foi imprescindível. Eu tenho uma aldeia. E mesmo distante, é de lá que vem esta força que me sustenta (força pouca, força grande).

Morei um ano em Santarém e depois mudei para São Paulo, capital, onde me formei em Filosofia. Hoje estou no mestrado em Educação na Universidade de São Paulo – USP. Vivo entregue a vários projetos literários e escrevo e escrevo. Crio personagens e heterônimos. Pouco foi publicado. Sou co-autor de dois livros pela editora In House: Educar e aprender e Bate-papo no gramado.

A minha literatura habita entre o abrupto e o singelo - pelo menos é essa a crítica que posso fazer agora. De um lado há a ternura do cotidiano, a sagacidade do homem e sua terra. De outro a angústia, a revolta, a pesquisa em torno da existência e da solidão humana. É quase como se morassem em mim dois escritores. De um lado uma procura pela filosofia do encontro de Martin Buber e a obra de Adélia Prado, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Manoel de Barros. De outro Sartre, Beckett, Camus, Kafka, Hilda Hilst, Bergman e Milton Hatoum me atormentam.

Sou um escritor em construção.

Fontes:
Jornal de Poesia.
Curriculo Lattes

Carmo Vasconcelos (A Coerente Incoerência dos Poetas)



O poeta tem dias de apego e outros de libertação. A fascinante essência do poeta é mesmo essa dicotomia. A pluralidade de desejos, a inconstância de ser e estar, a inquietude perene, a ânsia latente, na incansável busca da união com o TODO, porque menos do que isso é a insatisfação do poeta.

O poeta ora abre as asas ao sol, ora se ensopa de chuva; ora sorve o ar que respira, ora sufoca em recolhimento. Por vezes, é fuga. Veste-se de distância e monta na garupa do vento! Tanto se deseja solto como uma gaivota, como se deseja aprisionado, refém rendido ao amor!

Ora é azul, asas rasgando o Infinito, ora se imola no fogo; veste-se de rubro e deixa vibrar a carne em labaredas de paixão! Hoje, ele é diamante, duro e impenetrável; amanhã, será cristal permeável a todos os sentimentos! Tão depressa o poeta é mesa farta, enfeitada de rosas a desabrochar em orgasmos multicor, onde, completo, se entrega, saciando-se de ardentes beijos e desgustando as doces iguarias do Amor, como logo, ele se compraz em mísero retiro, e na angústia da fome, deixa crescer o seu desejo até que ele todo o invada, até que rebente como um balão, libertando estrelas em chuva de paixão! E é desta amálgama informe de sentimentos da sua alma inquieta e multifacetada, que ele, numa alquimia efervescente, depura, destila e molda os seus versos.

Ora espírito ora carne, por vezes, ambos, mas sempre, respirando o sublime halo da poesia. Só assim, o poeta consegue conviver, coerentemente, com a sua incoerente e utópica essência.

Fonte:
Revista Bimestral Eisfluências. Ano 1. N.1. Outubro de 2009. p.8

Poesia sem Fronteiras I


Humberto Rodrigues Neto
AMOR NA PAZ, FRATERNIDADE E NATUREZA.

Buscar a paz de modo pertinaz
é uma atitude de cristão louvor,
pra que possamos transformar a paz
no mais belo sinônimo do amor!

Pra que se usar o fogo da metralha,
se a guerra que assassina multidões
não se vence nos campos de batalha,
mas no acordo de mútuas concessões?

Mas paz não é somente a fatuidade
da calma de um planeta infenso à guerra;
faz-se preciso que a fraternidade
abranja todos os rincões da Terra!

Se o bloco de nações de mais pujança
reduzisse o armamento que consome,
não faltaria agasalho a uma criança,
nem um prato de sopa a quem tem fome!

Só o amor na paz e na fraternidade
não sana os nossos males totalmente;
faz-se mister que toda a Humanidade
preserve a qualquer custo o meio-ambiente!

Que cada rio, floresta ou oceano
não mais suporte as agressões de agora;
que o ar poluto não mais cause dano
à multiplicação da fauna e a flora.

Se os povos todos, num elã fraterno,
deixarem das paixões que inda os consomem,
é bem possível volte, o Pai Eterno,
a acreditar na sensatez do Homem!
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Marco Bastos
CAMINHOS QUE FLORI

Em um soneto inédito, como esse,
Que pensei agora, - tu vais ler um dia.
Deixarei pra ti e seja bela a messe
Sem ser pranto - só canto meu... pois_ia.

Poeta vive e sabe que fenece.
Seda no tempo, cedo se desfia.
Sua alma eterna, como não morresse,
Foi pôr-do-sol que em luz amanhecia.

E tu sedenta olhando pro horizonte
Te perguntarás, onde a minha oferenda.
- Pois mais que a água, queres tu, a fonte.

No poema, tecido como renda,
Findando a via, chegarás à ponte.
- Ao ir tão longe, eu quis florir a senda.
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Daniel Cristal
POETA É

Poeta é quem me lê, é quem me sente;
Poeta é quem se emociona e se extasia
Com a poesia mais pura, a Harmonia
Da existência da hora florescente.

Poeta é quem me sente, quem existe
Como eu a aprender, ou decifrar
Sinais no Holomundo, crendo amar
O que, em todos nós, com Amor persiste.

Poeta sou eu, és tu, quem me elogia,
Somos nós, todos, Poetas, bem unidos,
E esta união é ubíqua em qualquer dia;

Poetas somos, agora e ternamente,
És tu, sou eu e ele, bem ungidos
Por Deus para amar tudo o que sente.
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Lenya Terra
ADEUS

Levaste contigo o melhor de mim,
Rasgaste da minha alma as vestes
E na minha crença puseste fim.
A vida, para largar, já estou prestes

Meu peito sofre dor dilacerada,
Os meus olhos já nada querem ver.
Vazia, sigo nesta caminhada,
N'agonia deste amor jamais ter.

No jogo do desejo eu achava
que nossas vidas em elos se fechavam,
Que havia honestidade no teu ser.

No fundo era o amor que eu amava,
Ideal de sentimento que eu sonhava,
De um dia encontrar um bem-querer.
“In Memoriam
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Mercêdes Pordeus
EIS FLUÊNCIAS

Tudo flui...
Com o advento do sonhado
Pelo sentimento alimentado
Nascimento comemorado
O objetivo desejado... Almejado!

Tudo flui...
Corre o sangue na veia
Que o coração bombeia
O sentimento entremeia
O gosto de escrever saboreia.

Tudo flui...
A poesia, a arte, a escrita:
A arte de escrever a poesia
Por amor a poesia escrever
Desejo de no coração a acolher.

Eis Fluências...
São os sentimentos fluindo
Através de forças estranhas
Correndo nas entranhas...Assim
Tudo flui.
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Fonte:
Revista Bimestral Eisfluências. Ano 1. N.1. Outubro de 2009.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Folclore em Trovas 3 (Saci)

Ditão Virgílio (O Encontro com o Saci)



Um dia lá na mata
Bem perto de uma cascata
Meu pai saiu pra lenhar
Ainda era menininho
Talvez um pouco grandinho
Ele resolveu me levar
Como era de costume
Lá em cima do cume
A lenha ele foi amontoar

Os galhos eram cortados
Os troncos eram rachados
Depois ele ia buscar
Punha a cangalha no cavalo
Os balaios num estalo
E o almoço no borná
Estava muito entretido
Até um pouco distraído
Nem percebeu um estalar

Que vinha de trás do angico
Fazendo barulho no cisco
Um negrinho a pular
Com uma perna só
No vento levantava pó
Resolvi acompanhar
O bichinho era sapeca
Com jeitinho de moleque
Comigo queria brincar

Ele era muito esperto
Eu acompanhei por certo
Até num guarantã chegar
A árvore muito frondosa
Quase igual peroba rosa
Poucos sabem diferenciar
Mas já estava perdido
Deu um assobio ardido
Não pude mais escutar

Eu segui mais um pouco
Lá no pé de muchoco
Me deu água pra tomar
Esta árvore de raiz funda
Só nasce na terra úmida
Fácil de localizar
Se na mata se perder
E a sede estiver pra valer
É só no pé dela chegar

Vai encontrar uma mina
Com água cristalina
Sempre pra cima a jorrar
Mas pulando ele correu
E logo atrás também fui eu
No meio do taquaruçu entrar
Pouca gente conhece
Mas esse bambu parece
Coisa do nosso lugar

Tem um espinho perigoso
Que é muito venenoso
Se nele a gente espetar
Parece até magia
Vai doer por sete dias
E a dor começa a parar
Lá no meio da touça eu vi
Mais de uns trinta Sacis
Pulando de lá pra cá

Com um pedaço de pau
Espantava os picapaus
Que vinham o gomo picar
Os gomos tinham um furinho
De onde saíam sacizinhos
Nos seus cachimbos a fumar
Mal acaba de nascer
Já sente este prazer
Do pito não quer largar

Dando até no na minhoca
Puxa o tatu da toca
Pra nele poder montar
Faz uma farra danada
Assobia, dá risada,
Mas perto não pude chegar
Vi um Saci de espora
Dizendo esperar a hora
Para o cavalo pegar

Um Saci não se cansa
Ensinando a fazer trança
Pra no cavalo montar
Nisto revelou dois segredos
Não entendi, tenho medo,
Pra poucos eu posso contar
Logo me levou embora
Dizendo ser alta hora
E seu pai vem te buscar

Me deixou atrás de um toco
E dali a mais um pouco
O meu pai veio me achar
Saiu correndo do mato
Contando pra todos o fato
Do Saci me carregar
Ele me deu sorte
Hoje sou um cara forte
E a história posso contar

O segredo do Saci
Um agora eu conto aqui
Hoje já posso falar
Uma bruxa lá de fora
Quer acabar com ele agora
Mas nós não vamos deixar
O outro ainda encubro
Só 31 de outubro
Talvez eu possa contar
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Folclore Brasileiro (O Saci)


É um duende idealizado pelos indígenas brasileiros como apavorante guardião das florestas. A princípio ele era um curumim perneta, de cabelos avermelhados, encantador de crianças e adultos que pertubava o silêncio das matas.

Saci é o duende mais popular do Brasil. Sua lenda ocorre no Sul, no Centro e no Norte do Brasil.

Gozando da faculdade de se transformar, como todos os personagens elementais, ora é visto sob a forma de um pequeno tapuio, sozinho ou acompanhado por uma horrível megera, ora como um negrinho unípede, de barrete vermelho que aparecia aos viajantes extraviados na floresta, mas pode ainda, aparecer disfarçado de uma ave. Na maioria das lendas Tupis, o Saci é encontrado na forma de um pássaro. Distingue-se pelo canto, que consiste em duas sílabas: "sa-cim".

O cântico dos pássaros sempre esteve ligado ao fato da crença greco-romana dos augúrios que se julgava poder tirar-se da aparição, do vôo ou do canto das aves.

Quando os Tapuias ouviam o canto do Saci, os velhos o esconjuravam, as crianças procuravam o aconchego do colo de suas mães, os pais tremem, mas não negam o fumo que espalham pelas cercas dos quintais, para que o Saci se cale e se retire, levando com que satisfazer o vício de fumar.

Em contato com o elemento africano e a superstição dos brancos, recebeu o cognome de Taperê, Pererê Sá Pereira, etc. Tornou-se negro, ganhou um gorro vermelho e um cachimbo na boca. Em alguns lugares, como às margens do rio São Francisco, adquiriu duas penas e a personalidade de um demônio rural que faz travessuras e gosta de enganar pessoas. É o famoso Romão ou Romãozinho.

Na zona fronteiriça ao Paraguai ele é um anão do tamanho de um menino de 7 a 8 anos, que gosta de roubar criaturas dos povoados e largá-las em lugar de difícil acesso. Talvez devido aos vestígios culturais trazidos pelos bandeirantes em suas andanças pelo sul do Brasil, o saci mineiro recebeu, além dessas qualidades do "Yaci-Yaterê" guarani, um bastão, laço ou cinto, que usa como a "vara de condão" das fadas européias. Sincretizado freqüentemente como o capeta, tem medo de rosários e de imagens de santos. Quando quer desaparecer, transforma-se num corrupio de vento.
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Através de Tio Barnabé, um dos seus personagens, Monteiro Lobato descreve o Saci-Pererê:

O saci é um diabinho de uma perna só que anda solto pelo mundo, armando reinações de toda sorte: azeda o leite, quebra pontas das agulhas, esconde as tesourinhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das costureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do primeiro que passa. Tudo que numa casa acontece de ruim é sempre arte do saci. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. O saci não faz maldade grande, mas não há maldade pequenina que não faça.

Tio Barnabé continua:

- Tinha anoitecido e eu estava sozinho em casa, rezando as minhas rezas. Rezei, e depois me deu vontade de comer pipoca. Fui ali no fumeiro e escolhi uma espiga de milho bem seca. Debulhei o milho numa caçarola, pus a caçarola no fogo e vim para este canto picar fumo pro pito. Nisto ouvi no terreiro um barulhinho que não me engana. "Vai ver que é saci!" - pensei comigo. - E era mesmo. Dali a pouco um saci preto que nem carvão, de carapuça vermelha e pitinho na boca, apareceu na janela. Eu imediatamente me encolhi no meu canto e fingi que estava dormindo. Ele espiou de um lado e de outro e por fim pulou para dentro. Veio vindo, chegou pertinho de mim, escutou os meus roncos e convenceu-se de que eu estava mesmo dormindo. Então começou a reinar na casa. Remexeu tudo, que nem mulher velha, sempre farejando o ar com o seu narizinho muito aceso. Nisto o milho começou a chiar na caçarola e ele dirigiu-se para o fogão. Ficou de cócoras no cabo da caçarola, fazendo micagens. Estava "rezando" o milho, como se diz. E adeus pipoca! Cada grão que o saci reza não rebenta mais, vira piruá.

Dali saiu para bulir numa ninhada de ovos que a minha carijó calçuda estava chocando num balaio velho, naquele canto. A pobre galinha quase que morreu de susto. Fez cró, cró, cró... e voou do ninho feito uma louca, mais arrepiada que um ouriço-cacheiro. Resultado: o saci rezou os ovos e todos goraram.

Em seguida pôs-se a procurar o meu pito de barro. Achou o pito naquela mesa, pôs uma brasinha dentro e paque, paque, paque... tirou justamente sete fumaçadas. O saci gosta multo do número sete.

Eu disse cá camigo: "Deixe estar, coisa-ruinzinho, que eu ainda apronto uma boa para você. Você há de voltar outro dia e eu te curo."

E assim aconteceu. Depois de muito virar e mexer, o sacizinho foi-se embora e eu fiquei armando o meu plano para assim que ele voltasse.

Na sexta-feira seguinte apareceu aqui outra vez às mesmas horas. Espiou da janela, ouviu os meus roncos fingidos, pulou para dentro. Remexeu em tudo, como da primeira vez, e depois foi atrás do pito que eu tinha guardado no mesmo lugar. Pôs o pito na boca e foi ao fogão buscar uma brasinha, que trouxe dançando nas mãos.

Tem as mãos furadinhas bem no centro da palma; quando carrega brasa, vem brincando com ela, fazendo ela passar de uma para a outra mão pelo furo. Trouxe a brasa, pôs a brasa no pito e sentou-se de pernas cruzadas para fumar com todo o seu sossego.

Quando quer cruza as pernas como se tivesse duas! São coisas que só ele entende e ninguém pode explicar. Cruzou as pernas e começou a tirar baforadas, uma atrás da outra, muito satisfeito da vida. Mas de repente, puf! aquele estouro e aquela fumaceira!... O saci deu tamanho pinote que foi parar lá longe, e saiu ventando pela janela fora.

Eu tinha socado pólvora no fundo do pito – exclamou tio Barnabé, dando uma risada gostosa. – A pólvora explodiu justamente quando ele estava dando a fumaçada número sete, e o saci, com a cara toda sapecada, raspou-se para nunca mais voltar.
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LENDA DA ORIGEM INDÍGENA DO SACI

Um tuixaua tinha dois filhos. O tio odiava os sobrinhos e convidou-os para ajudá-lo em uma derrubada de árvores para fazer um plantio. Os dois sobrinhos aceitaram.

Chegando na floresta, o tio embriagou os jovens e os assassinou por pura maldade.

Depois um dos assassinados perguntou ao outro:

-"Eu tive um sonho muito estranho e tu o que sonhaste?"

-"Sonhei, diz o outro, que nos lavávamos com carajuru".

-"O mesmo sonhei eu".

E resolveram voltar para a casa da avó. Vendo-os, a velha já ia aquecer o jantar, mas os dois netos disseram:

-"Ah! nossa avó, nós não somos mais gente, e sim só espíritos. Assim, sendo, nós teremos que te deixar, mas quando ouvires cantar: Tincauan...Tincauan!...foge para casa. Mas quando cantarmos: Ti....Ti...Ti...., então nos reconhecerás.

Ficaram os jovens, desde então, mudados em dois pássaros de agouro, de mistério e de morte. Um é Saci, o outro é o Matintaperera. Ambos nascidos de uma tragédia, só espalham desgraças e semeiam pavores.
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Impondo-se à crendice popular como um pássaro possuído pelo demônio, o Saci, adquiriu feições de gente e à noite vagueava pelas estradas, cantando e assobiando.

Contam que nos tempos coloniais, quando se avistava uma moça magra, triste, pálida, logo diziam:

- "Isso é obra de Saci", porque, segundo os velhos colonos, as moças se apaixonavam por ele, sendo a morte a conseqüência inevitável desta paixão. Daí as quadrinhas consagradas no folclore popular:

"Menina, minha menina,
Quem te fez tão triste assim?
De certo foi Saci
Que flor te fez do seu jardim."

Sua imagem e sua lenda, sofreram transformações quando em contato com elementos africanos e europeus. Suas características comportaram muitas variantes. Cada qual o vê a seu modo. De suas diabruras foram narradas coisas espantosas. Não se têm conta do número de molecagens e sortilégios que o diabinho infantil praticou. À noite dava nó na crina dos cavalos, roubava os ninhos das galinhas, cuspia nas panelas quando a cozinheira era preta, deixava as porteiras abertas, assobiava como o vento nas janelas e nas portas, etc.

O cavalo era uma das suas vítimas preferidas. Segundo a crendice popular, o Saci corre as pastagens, lança um cipó no animal escolhido e nunca errou, trança-lhe a crina para amarrar com ela o estribo e, de um salto, ei-lo montado. O cavalo toma-se de pânico e deita a corcovear campo a fora, enquanto o Saci lhe finca o dente no pescoço e chupa seu sangue.

Uma curiosidade em relação ao Saci-Pererê é que ele pode tornar-se invisível com o uso do sua carapuça vermelha. Contam alguns, que onde se forma um redemoinho de vento que levanta muito poeira (pé de vento), é certo que dentro dele há um Saci. Para capturá-lo, deve-se jogar dentro dele um rosário ou uma peneira. Todo o Saci, como todo o diabinho, tem horror de cruz. Já outros, afirmam que ele usa um barrete feito de marrequinhas (flores da corticeira) e é o Saci que governa as moscas importunas, as mutucas e os mosquitos.

Mas porque nosso Saci tem uma perna só?

O Saci é considerado um fiel representante de um período social da história do Brasil: a época da escravidão. Portanto, não é por acaso que o Saci apresenta-se com uma perna só, pois todos os escravos fugidos que eram recapturados passavam por muitas torturas e muitas vezes eram esquartejados. O Saci retrata este negro escravo em sua luta contra o dominador e o discriminador. A falta da perna não é só metáfora, mas sim algo que realmente acontecia nesta época e passou para o folclore a partir das amas negras, ao contarem suas estórias para embalar os sonhos das crianças brancas.

Com o passar do tempo, a imagem do Saci rebelde e desordeiro, foi amenizada, forçosamente controlada e passou então para estória brasileira como um símbolo nacional, um mestiço que une classes sociais e as etnias. Mas sabemos que a verdade não é bem essa....!

O valioso livro "Contos Populares" de Lindolfo Gomes, conta-nos um curioso caso, em que domina o Saci. E, das eruditas notas explicativas, transcrevemos:

"A respeito do Saci, há uns que afirmam ser um negrinho de uma banda, ou de uma perna só, gênio em alguns casos benfazejo e protetor e em outros, perverso e malfazejo, que vaga à noite pelas estradas a perseguir os viajantes ou penetrar nos lares para praticar toda a sorte de malefícios e acender seu cachimbo, sempre armado de um cacetinho, pronto a descarregá-lo no lombo alheio. Já para outros, o Saci é um passarinho cabuloso e maléfico. Percebe-se logo que este mito saci foi com o decorrer dos tempos se ampliando de elementos míticos estranhos, como por exemplo, os da Escócia, com os quis, segundo Ramiz Galvão, muito se assemelha o "Trilby", do conto de Nodier e o diabrete "Robin", de que nos fala Shakespeare, ora tão prestativo e ora tão perverso para com a gente da casa em que se instala."

Há também ainda, quem lhe pinte com feições mais perversas, descrevendo-o como o "terror dos caçadores", que salta à garupa dos cavaleiros, chibatando-os e torturando-os.

Foi Monteiro Lobato em seu livro "O Saci", quem mais popularizou este personagem, como uma entidade travessa. Conta-nos que ele nascia em um local da floresta conhecida como "sacizeiros", constituída de bambuzais. Desse local só sairá quando completar 7 anos e viverá até os 77.

Mas mesmo Lobato não conseguiu com sua obra apagar os traços estigmatizantes do Saci, pois a mentalidade da escravidão ainda era muito forte. Tais marcas só desaparecem bem mais tarde, quando a indústria cultural consegue domesticar o Saci e torná-lo tão somente um molequinho arteiro, que perdeu seus poderes mágicos e sua agressividade.

Serão suas travessura que lhe garantirão popularidade em todo o País e fora dele também. Conheça um pouco da sua estória....

O SACI E A PERNA DE PAU

Conta-se que numa noite, há muito tempo atrás, em que outros homens se divertiam jogando e bebendo, um deles, chamado Felício, resolveu dar umas voltar e se deliciar com o luar. Sentou-se num grosso tronco de ipê, a beira do riacho e começou a preparar um "pito". Foi quando ouviu uma vozinha:

- "Moço, tem um pouco de fumo aí?".

Pensando que fosse um de seus amigos, virou-se para responder, quando deu com o Saci. Ele lhe sorria segurando um cachimbinho vazio.

Felício, ficou branco, depois verde, um arco-íris de cores, tamanho foi seu susto. Quis gritar, mas sua voz sumiu por encanto, ou medo mesmo. O Saci chegou mais perto e disse:

- "Não tenha medo, meu amigo. Só quero um pouco de fumo."

Felício faz um esforço danado e tira do bolso um pedaço de fumo.

- "Aqui está!". Diz ele ao Saci, mal conseguindo balbuciar as palavras.

- "Assim não serve. Respondeu o diabinho. "Tem que ser picado, pois não tenho canivete".

Com medo de irritar o Saci, o pobre homem tratou de fazer rapidinho o que ele lhe pediu. Depois, com muito sacrifício, Felício deu o fumo ao Saci.

- "Encha o pito!"

- "Agora acenda!". Ordenou ele.

O Saci passou então, a dar baforadas de satisfação. Passados alguns minutos, o danadinho chegou mais perto e perguntou a Felício o que estava fazendo tão longe de casa. Felício explicou então que trabalhava com madeiras e foi contando sua história... No final o Saci deu uma grande risada e disse:

- "Madeira, não é mesmo? Pois é justamente o que eu estava procurando..."

- "Mas para que?" Pergunta Felício.

- "Olhe, pois vou lhe confessar uma coisa, as vezes tenho muita vontade de ser como as outras pessoas e ter duas pernas, entende?

- "Ah!". Respondeu, compreendendo a intenção do Saci. "Você quer que eu lhe faça uma perna de pau, não é mesmo?"

- "Pois é isso mesmo e te darei três dias para que esteja pronta, senão não darei sossego a você e seus companheiros!" Em seguida saiu pulando e sumiu no meio do mato.

Felício voltou ao seu barracão e contou aos companheiros o acontecido. Uns acreditaram ,outros acharam que tinha bebido demais.. Até que Felício acabou esquecendo o caso. No terceiro dia, conforme prometido, quando os homens estavam em pleno trabalho, eis que um menino de gorro vermelho surgi à porta do barracão. Quando deram com ele..vocês nem podem imaginar..uns empurravam os outros, caiam, levantavam-se e acabaram saindo todos pela abertura da janela. Apenas Felício ficou lá, estarrecido! Daí perguntou:

- "O que você quer?"

- "Ora, ora. Então não sabe? Vim buscar minha perna de pau, lembra-se? Não vá dizer que ainda não está pronta?"

Felício gaguejou, atrapalhou-se todo até que consegui dizer que ainda não estava pronta. O Saci xingou, esbravejou, mas acabou indo embora com a promessa que tudo estaria pronto dentro de mais três dias.

Felício saiu atrás dos homens. Gritou um tempão até conseguir reunir todos. Eles não queriam ficar mais no barracão. Não queriam nada com o Saci. Ajudar a fazer a perna dele? Nem sonhando! Mas acabaram concordando, pois era a única maneira de se livrar do diabinho.

Trabalharam com afinco. No dia marcado, o Saci voltou e ficou muito contente. Todos suspiraram aliviados. Mas pensam que a estória acaba assim? Que nada! Ele falou que desejava uma perna para cada Saci de sua família. Não esperou resposta, deu um assobio e logo o barracão ficou cheio de sacis. É claro que Felício ficou sozinho! Não vendo outra saída, ele concordou em fazer as pernas de pau, mas ia levar anos. Quis saber então quais os Sacis que iam ser atendidos primeiro. Aí sim o tumulto foi grande, ninguém queria ser o último.

Foi quando Felício teve uma idéia. Ele viu uma enorme arca que haviam trazido para deixar no rancho e mentalmente resolveu a situação.
Dirigiu-se ao Saci-chefe:

- "O melhor modo de resolver quais serão os primeiros é este..." Pegou um punhado de feijão e esparramou no fundo da arca. Depois disse que quem pegasse mais grãos seriam os primeiros. Todos os Sacis concordaram e mergulharam na arca. Mas Felício havia esquecido do Saci-chefe. Foi quando então tirou-lhe da mão a perna de pau e atirou-a dentro da arca. O Saci nem piscou e também se jogou dentro da arca. O Felício então fechou-a. Chamou os homens e levaram a arca o mais longe possível. Desde então nenhum Saci apareceu mais por aquelas bandas.
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Em seu O Sacy-Perêrê – Resultado de um inquerito , Monteiro Lobato faz um retrato falado do Saci, conforme lhe foi passado por entendidos no assunto:

Só no convívio do sertanejo, valente de dia e medroso de noite, ao som da viola num rancho de tropeiros, vendo bruxolear a fogueirinha e, fóra, na imprimadura da escuridão, lucilar o vagalume vagabundo é que um artista poderá “ouvir e entender” sacys.

O medinho contagioso abrir-lhe-á todas as valvulas da comprehensão. E saberá pela boca ingenuamente credula do Geca Tatu que tempéra a viola que o Sacy é um molecote damninho, cabrinha malvado, amigo de montar em pêllo nos “animaes” soltos no pasto e sugar-lhes o sangue emquanto os pobres bichos se exhaurem em correria desapoderada, às tontas, loucos de pavor. E que em dias de vento elle passa pinoteando nos remoinhos de poeira. E que nessa ocasião basta lançar no turbilhão um rosario de caiapiá para tel-o captivo e a seu serviço como um criadinho invisível. E saberá mil particularidades mais, ouvirá “causos” de mil diabruras pelos campos, ou dentro de casa se uma cruz na porta principal não a proteje do capeta. E ficará encantado com a psychologia do pernetinha, cuja mania é atazanar a vida do sertanejo com molecagens de todo o genero sem entretanto cahir em excessos de perversidade. Não tem maus bofes, o Sacy. O que quer é divertir-se a custa do caboclo e quebrar a vida monótona do sertão.

Mas há controvérsias.

Na Geografia dos Mitos Brasileiros , Câmara Cascudo cita uma passagem de Poranduba Amazonense em que Barbosa Rodrigues vê a identidade do insigne perneta se sobrepor à de uma ave, o popularíssimo “Pássaro-Saci”:

... no Sul é Saci tapereré, no Centro Caipora e no Norte Maty-taperê.

O civilizado, que muitas vezes não entende a pronúncia do sertanejo, que é o mais perseguido por ele nas suas viagens, tem-lhe alterado o nome; já o fez Saci-pererê, Saperê, Sererê, Siriri, Matim-taperê e até já lhe deu um nome português, o de Matinta-Pereira, que mais tarde, talvez, terá o sobrenome “da Silva” ou “da Mata”. Para conseguir seus fins, e fazer suas proezas sem ser visto, sempre vive o Saci ou Mati metamorfoseado em pássaro, que se denuncia pelo canto, cujas notas melancólicas, ora graves ora agudas, iludem o caminhante que não pode assim descobrir-lhe o pouso porque, quando procura vê-lo pelas notas graves, que parecem indicar-lhe estar o Saci perto, ouve as agudas, que o fazem já longe. E assim, iludido pelo canto se perde, leva descaminho nunca vendo o animal.

Um adendo. Gabriel Esquerra, um saciólogo argentino, diz existir uma dúvida polêmica, entre a população de Misiones, na região fronteiriça com o Brasil e o Paraguai, quanto à questão levantada por Barbosa Rodrigues: ninguém sabe ao certo se o Saci e o pássaro-Saci se convertem um no outro ou se trabalham em sociedade...

Já Alceu Maynard Araújo, no primeiro volume de Folclore Nacional , cita o major Benedito de Sousa Pinto, de São Luiz do Paraitinga, evidentemente:

Conhecemos três espécies de Saci: trique, saçurá e pererê. O Saci mais encontrado por aqui é o Saci-pererê. É um negrinho de uma perna só, capuz vermelho na cabeça e que, segundo alguns, usa cachimbo, mas eu nunca vi. É comum ouvir-se no mato um “trique”isso é sinal que por ali deve estar um Saci-trique. Ele não é maldoso; gosta só de fazer certas brincadeiras como, por exemplo, amarrar o rabo de animais.

O saçurá é um negrinho de olhos vermelhos; o trique é moreninho e com uma perna só; o pererê é um pretinho que, quando quer se esconder, vira um corrupio de vento e desaparece no espaço. Para se apanhar o pererê, atira-se um rosário sobre o corrupio de vento.

Quando se perde qualquer objeto, pega-se uma palha e dá-se três nós, pois se está amarrando o “pinto” do Saci. Enquanto ele não achar o objeto, não desatar os nós. Ele logo faz a gente encontrar o que se perdeu porque fica com vontade de mijar. Quando se vê um rabo de cavalo amarrado, foi o Saci quem deu o nó. Tirando-se o gorrinho do Saci-pererê, ele trará para quem o devolva tudo o que quiser.

Quando passar o redemoinho de vento, jogando-se nele um garfo sai o sangue do Saci. Há outras versões: dizem que jogando-se um rosário, o Saci fica laçado; e que jogando-se uma peneira, fica nela.

Um ancestral do Saci

Pesquisando sobre a origem e abrangência geográfica do saci, me aventurei por livros e enciclopédias de folclore. Embora todos os continentes tenham duendes protetores das florestas, nenhum tem as características de nosso simpático unípede. Nem mesmo na África negra descobri parentes do saci, o que delimita seu habitat natural à América do Sul.

Os guaranis contam histórias de um pequeno índio meio mágico, com o poder de ficar invisível, que vive nos bosques e protege os animais, escondendo-os dos caçadores. Seu nome é Cambai ou Cambay, e curiosamente ele tem uma perna torta, e anda manquitolando. Vem daí a expressão cambaio, que significa manco, em português. Cambai pode ser considerado um ancestral do saci moderno, que adquire a cor preta por influência da cultura afro trazida para o Brasil.

Nas lendas amazônicas ou litorâneas (aruaques, tupinambás) não há registros de saci, o que nos leva à conclusão de que ele é originário do Centro-Sul do país - área guarani - tendo como centro de irradiação o Vale do Paraíba, onde registramos a maior parte das ocorrências.

Quando já considerava encerrada a pesquisa deparei com um fato assombroso, que passo agora a relatar. Viajantes do século XVII, explorando o extremo sul do continente, chegaram às terras geladas da Terra do Fogo, onde encontraram uns poucos índios, altos e fortes, habituados à aridez do solo e à inclemência do tempo. Uma rara ilustração da época, encontrada num livro espanhol, revela um pequeno homem, nu, barbado, deitado no chão com sua única perna erguida e um enorme pé sobre a cabeça.

Um saci estranhíssimo! Diz o texto, um relato dos primeiros desbravadores, que ele assim agia para se proteger do sol naquela região desértica. Foi chamado de “patagon” (grande pata, pezão), e daí deriva o nome da região: Patagônia. Como hoje não há mais relatos sobre sua presença, podemos supor que está extinto, infelizmente. Mas sua semelhança com o nosso saci revela que foi um parente próximo, um antepassado igualmente sul-americano.

Fontes:
http://www.rosanevolpatto.trd.br/lendasaci1.htm
http://www.terrabrasileira.net/folclore/regioes/3contos/saci.html
MEGALE, Nilza B. Folclore Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1999.
LOBATO, Monteiro. O Saci. São Paulo: Brasiliense, s/d.
http://www.sosaci.org/historias/historia11.htm

Antonio Brás Constante (Não é Nadinha, é Nadismo)


Outro dia deparei-me com um novo conceito, criado por Marcelo Bohrer, e denominado por ele de: Nadismo. Passei então a divagar, assim, bem devagar, sobre o assunto. Pelo que entendi, o nadismo seria a eterna busca pelo nada, e não encontrando nada estaríamos no caminho certo para chegar ao nadismo.

Podemos imaginar que o nadismo é algo muito anterior ao homem, aliás, ao próprio universo, já que tanto a teoria científica quanto à religiosa afirmam que antes da criação ou do Big Bang, não existia absolutamente nada. Ou seja, o nada já reinou de forma soberana até ser invadido pelo tudo (composto de muito vácuo, salpicado com alguns insignificantes punhadinhos de matéria) do qual fazemos parte, perdendo literalmente seu espaço para o espaço que nos cerca.

A prática do nadismo está sendo cada vez mais difundida (e quem sabe até mesmo confundida, como provavelmente estou fazendo agora), tanto que o autor apareceu inclusive no programa do Jô Soares (um dia chego lá... ou não), dando de presente um livro todo em branco ao apresentador (vale lembrar que aquilo foi apenas uma brincadeira, pois o livro sobre o nadismo tem conteúdo escrito). Penso que mesmo um livro em branco seria apenas um nadismo parcial, pois apesar de faltarem às palavras, ainda existiria a capa, as folhas de papel vazias, etc, mas é interessante imaginar alguém perguntando: “Sobre o que fala o tal livro?”, onde a resposta mais óbvia seria: “sobre nada...”.

Caso o nadismo ganhasse ares de religião, poderia transformar-se em uma ótima desculpa para todos aqueles empregados que vivem ociosos pelas empresas, e quando questionados por seus chefes sobre o que estariam fazendo, poderiam responder abertamente que não estavam fazendo nada, sem que isso comprometesse seus empregos, já que estariam apenas exercendo suas crenças (acessar a internet continuaria sendo proibido mesmo assim).

Diferente da meditação que auxilia muitas pessoas a entrarem em transe, alcançando a elevação da consciência em um nível transcendental e unindo a mente ao universo existente (ou em outros casos, deixando-as com dor nas pernas ao tentarem permanecer na tal posição de abelha ferroando uma flor de lótus), o nadismo, por sua vez, procuraria expulsar o tal universo de nossas consciências.

O nadista não faz meditação, ele simplesmente tenta não fazer nada por 45 minutos (provavelmente colocando um despertador como âncora para puxá-lo de volta ao mundo material ao término deste tempo). Tal mergulho ao nada se um dia chegar a ser executado de forma perfeita, poderá até mesmo provocar alguma forma de coma induzido ou causar algum tipo de catatonia nos nadistas mais fanáticos e determinados, como acontece, por exemplo, com algumas pessoas que assistem por muito tempo os Teletubbies ou qualquer enredo de novela mexicana.

Se o movimento (sem movimento) aumentar, poderão inclusive surgir teorias conspiratórias, dizendo que aquela história de responder: “De nada”, quando alguém lhe diz: “obrigado” tem suas raízes em seitas secretas, ou quem sabe até mesmo em uma facção dissidente dos templários, que enquanto estavam sem fazer nada criaram o nadismo.

Enfim, antes que o escritor Dan Brown (autor do livro: “O código de Da Vinci”) seja influenciado pela ideia do parágrafo acima deste meu singelo texto, e resolva utiliza-la para criar um novo best seller vendendo milhões às minhas custas, vou encerrando por aqui o assunto sobre o nadismo, visto que, se a premissa principal do nadismo é alcançar o nada, meu maior medo é que ele seja utilizado futuramente pelos políticos em geral, para justificarem o motivo de estarem sempre tentando tirar tudo que temos, sem nos dar nada em troca.

Fonte:
Colaboração do autor

Paulo Monteiro (A Trova no Espiríto Santo – Parte IV)

Praia do Canto e Seribeira (Guarapari) pintura a Óleo de Antonio Remo

LIVROS

Quando, em 1980, foi realizado o I Concurso de Trovas da Cidade de Vitória, a Fundação Cultural do Espírito Santo prometeu editar um livro com as trovas premiadas.
Posteriormente esse órgão dedicado à cultura foi extinto.

Aliás, em nossos tempos de usinas atônicas e foguetes carregados com ogivas nucleares, as instituições públicas voltadas à cultura desaparecem num piscar de olhos.
Extinto aquele órgão, o CTC partiu para a publicação da obra em forma de mutirão poético, cada um dos autores pagando parte do valor da edição.
Na obra, além das trovas vencedoras daquele concurso foram incluídas quadras de vários associados do Clube.

BALANÇO DAS ATIVIDADES

É mister que se faça uma análise rápida de todas as atividades desenvolvidas pelo Clube dos Trovadores Capixabas em seu primeiro ano de existência.

Em primeiro lugar, poderíamos destacar uma das características marcantes do Trovismo: a realização de concursos de trovas.

Aqui vemos o CTC filiado à prática tradicional dos concursos de trovas e, por outro lado, apoiado pela televisão - esse veículo de comunicação de massas tão importante quanto suspeito por muitos, e preocupado com a divulgação da trova junto às crianças.

Este é um dado novo e valioso, que merece reflexão e análise de todos aqueles que se preocupam com a prática da trova.

Por outro lado, pelas características próprias do BEIJA-FLOR, tem, o CTC, cuidado em criar um relacionamento mais direto e fraterno entre os trovadores.

Quanto aos concursos infantis de trovas, essa prática salutar desenvolvida pelo Clube dos Trovadores Capixabas, tem passado a ser uma característica também de novéis seções ubeteanas no Espírito Santo.

O “CASO ZEDÂNOVE X ENO”

O I Concurso de Trovas da Cidade de Vitória teve uma comissão julgadora respeitável. Proporcionou, contudo, um episódio inédito na história da trova.

Em 27 de novembro de 1980 o jornal A GAZETA, de Vitória, publicava o artigo “AS NOTAS DO ENO”, de Zodânove Tavares.

Nesse artigo o ex-presidente da UBT de Vitória, que foi um dos juizes do concurso, conta que Eno Teodoro Wanke, outro juiz do mesmo concurso, deu zero a duas trovas concorrentes, entre outras.

Eis o que diz Zedânove:

"(...)
Vejamos uma das trovas concorrentes:

“Cá, na área da pobreza,
Vitória muda de nome:
ela é chamada Tristeza,
em meio a um povo com fome”.

Nota do Eno: zero. Alegação: “canárea”. Isso mesmo. Ele alega que o “Cá, na área” é uma cacofonia. Sem comentários.

Vejamos outra:

Anchieta e Giordano Bruno
foram irmãos, santos são,
filhos do mesmo Deus, uno,
que não tem religião”.

Nota de Eno: zero. Alegação: anticlerical".

Mais adiante Zedânove segue suas acusações contra as notas atribuídas por Eno a trovas onde ocorriam fenômenos de sinérese (como An-chie-ta) ou diérese (An-chi-e-ta), polemizando em torno dessas questões bastante complexas de metrificação.

A resposta de Eno Teodoro Wanke veio pelo mesmo jornal, dia 20 de dezembro de 1980, em artigo que foi repetido dia 31 de dezembro daquele mesmo ano.

Após perguntar: "que melhor elogio se pode fazer a um juiz de concurso de trovas do que dizer que foi rigoroso, ou seja, de querer contribuir para um bom resultado final?”, continua seu trabalho revelando assuntos de economia interna do Concurso, quanto à forma de atribuição de notas às trovas concorrentes e reafirmando seus pontos de vista quanto à sinérese e à diérese, já expostos em obra de sua autoria. Prosseguindo em sua defesa, assevera, referindo-se às trovas lembradas por Zedânove: “Não sei de quem são tais trovas, e nem desejo saber, pois julguei foi a trova e não os trovadores. As duas como se verá são chochas e prosaicas, totalmente desinspiradas. Observem:

Cá na área da pobreza,
Vitória muda de nome:
ela é chamada Tristeza
em meio a um povo com fome.

Além daquela “canária da pobreza”, que destrói a trova logo do início, a imprecisão de linguagem é notável. Parece vagamente urna trova de protesto. Renovo meu zero.

Anchieta e Giordano Bruno
foram irmãos, santos são,
filhos do mesmo Deus, uno,
que não tem religião.

Esta trova dá o que pensar em matéria de coisa mal feita. Há dualidade de contagem silábica. No primeiro verso, conta-se “An-chie-ta e Gior-da-no”. O autor utilizou, portanto, de sinérese. Contou tanto “Anchieta” e "Giordano” como tendo três sílabas. Poderia ter contado quatro: “An-chi-e-ta” e "Gi-or-da-no”, forma que Zedânove diz, em seu artigo, preferir. Mas contou três. Sucede que, para ser coerente, deveria, no último verso, utilizar-se do mesmo recurso: "religião” (outra dessas palavras-armadilhas) deveria ter sido contatada como tendo três sílabas fônicas, e não como está, para contentar a metrificação, com quatro (...).

Mas tem mais. Vejamos o sentido da trova, a mensagem que deseja transmitir. Acho que tomar Giordano Bruno, o filósofo irrequieto, envolvido primeiro num caso de assassinato quando monge dominicano em Roma, depois expulso pelos calvinistas quando se tornou um deles, e ainda por cima excomungado pelos protestantes, sempre procurando brigas e discussões filosóficas, e terminando, come se sabe, preso e queimado pela Inquisição, e compará-lo ao meigo Anchieta, o exemplo da submissão, que tudo abandonou - pátria, família, a vida mais fácil - para servir a Deus, servindo aos nossos indígenas, acho “forçar a barra”. Nenhum dos dois foi nem é santo. Anchieta foi apenas beatificado pela Igreja. E dizer que Deus não tem religião é, para mim, um paradoxo tão divertido que até estou utilizando para um clec. Outro zero para esta trova!”

Aém desses dois artigos, o veterano trovador A. Isaías Ramires, um dos mestres da trova no Espírito Santo, concorreu à discussão, com duas publicações, em jornais de Cariacica e Alegre.

Felizmente esse episódio desagradável ficou em quatro artigos.

Quanta às questões levantadas por Zedânove Tavares, analisando "as notas do Eno”, parece-nos que prevaleceu a emoção sobre a razão. Caso contrário não teria partido para a análise técnica da confecção trovística, onde Eno foi cem por cento correto. Antes teria censurado as explicações ideológicas: ter desclassificado uma trova par considerá-la anticlerical.

Um agnóstico tem o dever de reconhecer a beleza do uma trova mística, religiosa ou qualquer outro nome que se lhe dê, quando for bela, e um cristão, por sua vez, tem o dever de reconhecer a beleza de uma trova, mesmo anticlerical. Com isso não queremos dizer que a trova em pauta seja bela.

Dizíamos que, nessa polêmica, Zedânove talvez tenha entrado mais com a emoção porque a primeira trova é de autoria do veterano trovador Andrade Sucupira, seu pai.

Quanto à segunda, embora, seguindo a mesma “linha poIêmica” da primeira, desconhecemos sua autoria.

Felizmente, repetimos, o "Caso Zedânove x Eno”, conforme batismo de A. Isaías Ramíres, é caso encerrado.

A UBT

Nos primeiros meses de 1981 graças aos esforços de Clério José Borges, começaram a surgir representações da União Brasileira de Trovadores no Espírito Santo.

A primeira seção fundada foi a de Vitória, no dia 30 de março. Seu presidente, o advogado Carlos Dorsch, contando com a presença, em sua diretoria, dos trovadores: Eurídice de Oliveira Vidal, Elmo Elton, Clério José Borges, José Wiliam de Freitas Coutinho, Eymard Cardoso de Barros, Argemiro Seixas, Matusalém Dias de Moura, Luiz Carlos Braga Ribeiro, Albécio Nunes Vieira Machado, Fernando Buaiz e Vicente Nolasco Costa.

Essa representação da União Brasileira de Trovadores foi instalada em conseqüência do trabalho de proselitismo desenvolvido por Clério José Borges, desde os inícios de 1980, delegado municipal da UBT em Vitória.

A segunda seção da UBT, no Espírito Santo, surgiu em 25 de abril de 1981, na cidade de Vila Velha.

Ali, também, esteve presente o esforço de Clério José Borges, pois o delegado local da UBT, Andrade Sucupira, por urna questão do foro íntimo, é bastante descrente quanto a entidades trovadorescas.

A UBT de Vila Velha ficou sob a presidência da professora Valsema Rodrigues da Costa e as demais funções da diretoria distribuídas entre os seguintes trovadores: Erasmo Cabrini, Rosalva Fávero, Irene Ramos, Argentina Lopes Tristão, Vicente Costa Silveira, Solange Gracy Barcelos, Tânia Mara Soares, Verany Maria de Souza, Julieta Lobato Barbosa, Aldinei Fraga de Carvalho e Inis Brunelli.

Em Vitória, CIério José Borges manteve o boletim informativo ESTANDARTE, que continuou sendo editado sob a responsabilidade da seção ubeteana local, o mesmo acontecendo em Vila Velha, com Andrade Sucupira, que criou o CANELA-VERDE.

Mas não ficou apenas aí a penetração da UBT, que conquistou representações em Cariacica, com Nealdo Zaidan, em Serra, com Anselmo Gonçalves, e em Cachoeiro de Itapemirim, com Byron Tavares.

Além disso, foram surgindo delegacias da UBT em outras cidades.

Saliente-se que as seções da UBT, em Vitória e Vila Velha, seguindo os caminhos abertos polo CTC, já de início, realizaram concursos estudantis de trovas, sob os temas ALUNO e MÃE, respectivamente.

Eis aqui o resultado oficial do Concurso Infantil de Trovas, promovido pela UBT de Vitória:

1º lugar - CARLA CRISTINA JUFFO (13 anos):

Não ligo que o mundo rode
se minha MÃE ficar bem.
E penso como é que pode
gostar tanto assim de alguém.

2º lugar - SHEISE BARROSO (14 anos):

Quem é esta bela criatura
que Deus fez com perfeição?
Mãe, grande e linda figura
guardada em meu coração.

3º lugar- MANOEL S. DA ROCHA MONTEIRO (9 anos):

Quando te vejo, mãe amada,
Fazer tranqüila o crochet,
me lembro da "Mãe Sagrada”
que parece com você.

4º lugar - SONIA MARIA COSTA (I3 anos):

No céu escolhi uma estrela.
No jardim escolhi a flor.
No mundo escolhi uma mãe,
para ser meu grande amor.

5º lugar - ADRIANA R. DA COSTA (8 anos):

A minha mãe é mulher
e é mulher “maravilhosa”!
Dá mil voltinhas por dia
tentando ajudar suas filhas.

Menções honrosas, foram conferidas às seguintes trovas:

I - Uma criança veio ao mundo
porque uma Mãe assim o quis,
sendo surdo, sendo mudo
ficará sempre feliz!
MARISA HORTA (14 anos)

II - Mãe, palavra angelical,
Nos faz pensar em amor.
O amor que dá é total.
Vem direto do Senhor.
MARISA HORTA (14 anos)

III - Minha Mãezinha querida,
Te amo mais que outras mil.
Peço a Deus para abençoar
todas as mães do Brasil!
ADRIANA DA CONCEIÇÃO SANTOS (11anos)

IV - Mãe, teu nome pequenino
- amor, ternura, perdão.
Ele é um poema divino
escrito em meu coração.
FABÍOLA TRANCOSO CARVALHO (13 anos)

V - Para a mamãe, neste dia,
eu vou lhe dar uma flor,
a bela flor da alegria
e junto a rosa do amor!
ANA LIZA R. DA COSTA (11anos)

VI - Ser mãe é ser como a flor,
ser a flor mais colorida.
É a flor de um grande amor;
é o amor da minha vida!
ANDRÉ ANDERSON DE OLIVEIRA (11 anos)

VII - Minha mãe, minha alegria,
meu tesouro grandioso.
vou guardá-lo com carinho
porque é muito valioso.
ROSINETE ALVES MATIAS (16 anos)

VIII- Flores, mamã, pra você
é tudo que tenho em mim.
A culpa é sua porque
fez do minh`alma um jardim.
MARTA HELENA VANCONCELOS (11 anos).

IX - E quem respeita à menina
à futura mãe respeita.
Mãe é linda obra divida
a for mais bela e perfeita.
VIVIANE GARCIA (11 anos)

X - Ser mãe não é brincadeira,
não é somente viver.
É subir, descer ladeira,
é lutar pra não morrer!
MARILDA LIMA NASCIMENTO (12 anos)
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continua
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