quarta-feira, 9 de junho de 2010

Trova 152 - Élbea Priscila Souza e Silva (Caçapava/SP)

Jogos Florais AVSPE (Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores) 2010 (Classificação Final)


Hoje, 10 de Junho, dia em que se homenageia a memória de Luíz Vaz de Camões, considerado o Maior Poeta de língua portuguesa e, quiçá, do Mundo, é sob a égide do imortal Poeta, que a AVSPE, cumprindo a data anunciada, dá por encerrados os seus Primeiros Jogos Florais 2010 – Concurso para a modalidade única de Soneto, aberto em 21 de Março último – trazendo ao conhecimento dos seus estimados membros, amigos e leitores, os nomes dos concorrentes e respectivos trabalhos premiados no referido Evento.

O júri foi constituído pelos distintos Patronos desta Academia:

Poetisa Carmo Vasconcelos
Poetisa Gislaine Canales
Poeta Fahed Daher

que fizeram a sua seleção em presença, apenas, dos pseudônimos dos concorrentes, tendo como Assessora ao processo sigiloso das reais identidades, a atual Presidente Interina da AVSPE:
Poetisa Malu Mourão

Antes de passarmos a lista dos premiados, gostaríamos de tecer algumas considerações importantes, que julgamos ora pertinentes e futuramente úteis a todos os poetas que queiram integrar novos concursos de poesia.

Depois da análise apurada aos 43 sonetos apresentados a concurso, constatou o júri, com algum desalento, que grande parte dos concorrentes não leu atentamente o Regulamento, não obstante a sua exaustiva publicação, desde a abertura do concurso até à data limite de entrega dos trabalhos, ou seja: desde 21 de Março até 21 de Abril.

Disso resultou que muitos dos sonetos recebidos não cumpriram as regras indicadas no Regulamento, o que levou o júri a ter de eliminar, à partida, os que não obedeciam aos requisitos minimamente indispensáveis e, vendo-se, posteriormente, na contingência de, entre os melhores, ter de abrir mão de alguns itens menos severos, em favor da qualidade.

Assim, o júri deliberou, por unanimidade, outorgar os seguintes Prêmios, aos Poetas e Títulos abaixo descritos:

1º PRÉMIO
Áurea Miranda – Pseudônimo “Anael do Bem”, com o soneto:
COMO EU, COMO VOCÊ.

2º PRÊMIO
Nelson Fontes de Carvalho – Pseudônimo “Poeta Pateta”, com o soneto:
TRISTE SOLILÓQUIO

3º PRÊMIO
Maria João Brito Sousa – Pseudônimo “Lírio do Campo”, com o soneto:
AOS OLHOS DE DEUS

1ª MENÇÃO HONROSA
Humberto Rodrigues Neto – Pseudônimo “Vaga-Lume”, com o soneto:
MIGALHAS

2ª MENÇÃO HONROSA
Lino Vitti – Pseudônimo “O Príncipe”, com o soneto:
POETA

3ª MENÇÃO HONROSA
Rosa Maria Silva (Azoriana) – Pseudônimo “Luca Bonfim”, com o soneto:
SOLAR DA INSPIRAÇÃO

É com subida honra e grande prazer que a AVSPE oferece aos seus ilustres membros distinguidos neste evento, os presentes DIPLOMAS, como justa retribuição ao valor e competência demonstrados na sublime Arte da Poesia.

1º Prêmio - COMO EU, COMO VOCÊ
Áurea Miranda

Poeta, sim – de olhar feito crachá no peito:
algo como abraçar o todo de um mundano
que, apesar dos espaços fartos de profano,
cheiram sempre a sagrado – o divino é perfeito.

É uma história que vem desde o primeiro arcano,
onde a palavra se outorgou, por seu direito,
semear ao acaso o germe de um sujeito
dos verbos que hão de vir... – a criação do humano.

E crepúsculos brotam versos de elegia,
como em odes crepita uma emoção gloriosa
– quem navega dentro de si rema a poesia.

Na dúvida, também cabe somar-se ao fado:
entre paixão e amor – a paixão amorosa;
entre amor e paixão – o amor apaixonado.

2º Prêmio- TRISTE SOLILÓQUIO
Nelson Fontes de Carvalho

Às vezes, quando só, penso na vida
Escuto a voz do meu sentir, tristonho,
A vida é quase nada; é talvez sonho
Em que a dor sobretudo é mais sentida.

Se em todo meu passado os olhos ponho,
Em vão busco o prazer; hora vivida
Que em mente me ficasse esclarecida;
Um momento sequer, santo, risonho.

E nada ou quase nada. A vida corre
Ligeira e tristemente; é sempre assim
Pra todo o que nasceu e até que morre…

Pensar! Sofrer! Pra quê? Então sorrio
Do próprio pensamento e até de mim.
Que vale o ser-se triste, doentio?!

3º Prêmio- AOS OLHOS DE DEUS
Maria João Brito de Sousa

Sou humilde, sou pobre e, no entanto,
Sou uma filha amada desse Deus
Que a Terra fez surgir do caos dos céus
E semeou a vida em cada canto

Aprendi a sonhar e sei, portanto,
Mais do que hão-de alcançar os olhos meus
Que, sendo apenas olhos, são ateus
E, cegos de paixão, derramam pranto

Eu, assim pobre, humilde, pequenina
E, muito embora humana, sonhadora,
Sei o que é ser feliz desde menina

E nada do que faço é tão excessivo
Que me torne pior, mais pecadora
Do que vós, meus irmãos, com quem convivo …

1ª Menção Honrosa – MIGALHAS
Humberto Rodrigues Neto

Que mais desejas, afinal, que eu faça
pra ter por meu o que de ti não tenho,
se já cansado estou de tanto empenho
de haurir de ti a mais suprema graça?

Há quanto tempo mendigando eu venho
um pouco mais que esta ventura escassa!
Do amor apenas pingos pões-me à taça
que eu sorvo ao jugo de pesado lenho!

Somente a um outro, nas liriais toalhas
da mesa de Eros serves tua paixão,
mesa em que, pródiga, teus bens espalhas!

E ali enjeitado, a farejar o chão,
o meu amor vive a lamber migalhas
que tu lhe atiras qual se fora a um cão!

2ª Menção Honrosa – POETA
Lino Vitti

E quem és tu, senhor Poeta caminhante,
Aos sonhos abraçado, a esse infinito imenso?
E o que queres, meu Deus, e o que buscas constante,
Por que vives inquieto, inquieto e sempre tenso?

É por que teu caminho é sempre longo e arfante,
E parece seguir sob os fumos do incenso?
Muitas vezes suponho e tristemente penso
Que és um pobre, e perdido, e tolo delirante!

Não, porém, pois tu és o excelso mensageiro
Que traz do Céu à Terra a divinal Poesia,
E a entregas com amor, a um mundo louco e triste.

Sem você, meu poeta e sem o teu celeiro,
Não teríamos nunca essa santa magia,
E o mundo indagaria: a Poesia existe?

3ª Menção Honrosa – SOLAR DA INSPIRAÇÃO
Rosa Maria Silva (Azoriana)

Quadras soltas, sementes de grafismo,
Canção do mar, maré de sensações,
Porta da fé, regaço de orações
Que voam num infinito lirismo.

Quadras em par, viveiro de heroísmo,
Doce fulgor, cantinho de ilusões,
Vozes da alma, glória de Camões,
Hinos solenes de patriotismo.

Os versos são um fado de carinho
Somente a dor é tão traiçoeira
Nas horas medonhas do pergaminho.

Há quem ame, por gosto, a poesia
E quem seu fado canta a vida inteira
Guarda no coração doce magia.

A AVSPE congratula-se com a adesão oferecida a este Evento, agradecendo a todos os Poetas a sua participação, e parabeniza os Poetas distinguidos, augurando-lhes as maiores felicidades e meritórios sucessos futuros.

Em, 10 de Junho 2010
O Júri, A Presidente Fundadora da AVSPE
Carmo Vasconcelos Efigénia Coutinho
Gislaine Canales A Organizadora dos Jogos Florais
Fahed Daher Carmo Vasconcelos

Os Sonetos recebidos e seus autores:

Peço permissão para um adendo ao texto de encerramento deste evento Primeiros Jogos Florais 2010 – Concurso para a modalidade única de Soneto, culminando em seu expoente, com 43 participantes,
e fechando nesta data máxima , dia em que se homenageia a memória de Luiz Vaz de Camões.

Desejo pronunciar-me diante destas duas grandes escritoras, Carmo Vasconcelos - Patronesse AVSPE, e Malu Mourão - Presidente Interina AVSPE . Onde não mediram esforços para que este fosse facetado ao mais fino buril desta arte maior - Poesia e seus Poetas.
Meus esfuziantes cumprimentos e agradecimentos para ambas, e aos nossos Jurados do concurso Poetisa Carmo Vasconcelos,Poetisa Gislaine Canales,Poeta Fahed Daher.

Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores
Efigênia Coutinho
Presidente Fundadora
www.avspe.eti.br/

Erico Veríssimo (As Mãos de Meu Filho)



Todos aqueles homens e mulheres ali na platéia sombria parecem apagados habitantes dum submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros de algum perverso sortilégio. Centenas de olhos estão fitos na zona luminosa do palco. A luz circular do refletor envolve o pianista e o piano, que neste instante formam um só corpo, um monstro todo feito de nervos sonoros.

Beethoven.

Há momentos em que o som do instrumento ganha uma qualidade profundamente humana. O artista está pálido à luz de cálcio. Parece um cadáver. Mas mesmo assim é uma fonte de vida, de melodias, de sugestões — a origem dum mundo misterioso e rico. Fora do círculo luminoso pesa um silêncio grave e parado.

Beethoven lamenta-se. É feio, surdo, e vive em conflito com os homens. A música parece escrever no ar estas palavras em doloroso desenho. Tua carta me lançou das mais altas regiões da felicidade ao mais profundo abismo da desolação e da dor. Não serei, pois, para ti e para os demais, senão um músico? Será então preciso que busque em mim mesmo o necessário ponto de apoio, porque fora de mim não encontro em quem me amparar. A amizade e os outros sentimentos dessa espécie não serviram senão para deixar malferido o meu coração. Pois que assim seja, então! Para ti, pobre Beethoven, não há felicidade no exterior; tudo terás que buscar dentro de ti mesmo. Tão-somente no mundo ideal é que poderás achar a alegria.

Adágio.

O pianista sofre com Beethoven, o piano estremece, a luz mesma que os envolve parece participar daquela mágoa profunda.

Num dado momento as mãos do artista se imobilizam. Depois caem como duas asas cansadas. Mas de súbito, ágeis e fúteis, começam a brincar no teclado. Um scherzo. A vida é alegre. Vamos sair para o campo, dar a mão às raparigas em flor e dançar com elas ao sol… A melodia, no entanto, é uma superfície leve, que não consegue esconder o desespero que tumultua nas profundezas. Não obstante, o claro jogo continua. A música saltitante se esforça por ser despreocupada e ter alma leve. É uma dança pueril em cima duma sepultura. Mas de repente, as águas represadas rompem todas as barreiras, levam por diante a cortina vaporosa e ilusória, e num estrondo se espraiam numa melodia agitada de desespero. O pianista se transfigura. As suas mãos galopam agitadamente sobre o teclado como brancos cavalos selvagens. Os sons sobem no ar, enchem o teatro, e para cada uma daquelas pessoas do submundo eles têm uma significação especial, contam uma história diferente.

Quando o artista arranca o último acorde, as luzes se acendem. Por alguns rápidos segundos há como que um hiato, e dir-se-ia que os corações param de bater. Silêncio. Os sub-homens sobem à tona da vida. Desapareceu o mundo mágico e circular formado pela luz do refletor. O pianista está agora voltado para a platéia, sorrindo lividamente, como um ressuscitado. O fantasma de Beethoven foi exorcizado. Rompem os aplausos.

Dentro de alguns momentos torna a apagar-se a luz. Brota de novo o círculo mágico.

Suggestion Diabolique.

D. Margarida tira os sapatos que lhe apertam os pés, machucando os calos.
– Não faz mal. Estou no camarote. Ninguém vê.

Mexe os dedos do pé com delícia. Agora sim, pode ouvir melhor o que ele está tocando, ele, o seu Gilberto. Parece um sonho… Um teatro deste tamanho. Centenas de pessoas finas, bem vestidas, perfumadas, os homens de preto, as mulheres com vestidos decotados — todos parados, mal respirando, dominados pelo seu filho, pelo Betinho!

D. Margarida olha com o rabo dos olhos para o marido. Ali está ele a seu lado, pequeno, encurvado, a calva a reluzir foscamente na sombra, a boca entreaberta, o ar pateta. Como fica ridículo nesse smoking! O pescoço descarnado, dançando dentro do colarinho alto e duro, lembra um palhaço de circo.

D. Margarida esquece o marido e torna a olhar para o filho. Admira-lhe as mãos, aquelas mãos brancas, esguias e ágeis. E como a música que o seu Gilberto toca é difícil demais para ela compreender, sua atenção borboleteia, pousa no teto do teatro, nos camarotes, na cabeça duma senhora lá embaixo (aquele diadema será de brilhantes legítimos?) e depois torna a deter-se no filho. E nos seus pensamentos as mãos compridas do rapaz diminuem, encolhem, e de novo Betinho é um bebê de quatro meses que acaba de fazer uma descoberta maravilhosa: as suas mãos… Deitado no berço, com os dedinhos meio murchos diante dos olhos parados, ele contempla aquela coisa misteriosa, solta gluglus de espanto, mexe os dedos dos pés, com os olhos sempre fitos nas mãos…

De novo D. Margarida volta ao triste passado. Lembra-se daquele horrível quarto que ocupavam no inverno de 1915. Foi naquele ano que o Inocêncio começou a beber. O frio foi a desculpa. Depois, o coitado estava desempregado… Tinha perdido o lugar na fábrica. Andava caminhando à toa o dia inteiro. Más companhias. “Ó Inocêncio, vamos tomar um traguinho?” Lá se iam, entravam no primeiro boteco. E vá cachaça! Ele voltava para casa fazendo um esforço desesperado para não cambalear. Mas mal abria a boca, a gente sentia logo o cheiro de caninha. “Com efeito, Inocêncio! Você andou bebendo outra vez!” Ah, mas ela não se abatia. Tratava o marido como se ele tivesse dez anos e não trinta. Metia-o na cama. Dava-lhe café bem forte sem açúcar, voltava apara a Singer, e ficava pedalando horas e horas. Os galos já estavam cantando quando ela ia deitar, com os rins doloridos, os olhos ardendo. Um dia…

De súbito os sons do piano morrem. A luz se acende. Aplausos. D. Margarida volta ao presente. Ao seu lado Inocêncio bate palmas, sempre de boca aberta, os olhos cheios de lágrimas, pescoço vermelho e pregueado, o ar humilde… Gilberto faz curvaturas para o público, sorri, alisa os cabelos. (“Que lindos cabelos tem o meu filho, queria que a senhora visse, comadre, crespinhos, vai ser um rapagão bonito.)

A escuridão torna a submergir a platéia. A luz fantástica envolve pianista e piano. Algumas notas saltam, como projéteis sonoros.

Navarra.

Embalada pela música (esta sim, a gente entende um pouco), D. Margarida volta ao passado.

Como foram longos e duros aqueles anos de luta! Inocêncio sempre no mau caminho. Gilberto crescendo. E ela pedalando, pedalando, cansando os olhos; a dor nas costas aumentando, Inocêncio arranjava empreguinhos de ordenado pequeno. Mas não tinha constância, não tomava interesse. O diabo do homem era mesmo preguiçoso. O que queria era andar na calaçaria, conversando pelos cafés, contando histórias, mentindo…

— Inocêncio, quando é que tu crias juízo?

O pior era que ela não sabia fazer cenas. Achava até graça naquele homenzinho encurvado, magro, desanimado, que tinha crescido sem jamais deixar de ser criança. No fundo o que ela tinha era pena do marido. Aceitava a sua sina. Trabalhava para sustentar a casa, pensando sempre no futuro de Gilberto. Era por isso que a Singer funcionava dia e noite. Graças a Deus nunca lhe faltava trabalho.
Um dia Inocêncio fez uma proposta:

— Escuta aqui, Margarida. Eu podia te ajudar nas costuras…

— Minha Nossa! Será que tu queres fazer casas ou pregar botões?

— Olha, mulher. (Como ele estava engraçado, com sua cara de fuinha, procurando falar a sério!) Eu podia cobrar as contas e fazer a tua escrita.

Ela desatou a rir. Mas a verdade é que Inocêncio passou a ser o seu cobrador. No primeiro mês a cobrança saiu direitinho. No segundo mês o homem relaxou… No terceiro, bebeu o dinheiro da única conta que conseguira cobrar.

Mas D. Margarida esquece o passado. Tão bonita a música que Gilberto está tocando agora… E como ele se entusiasma! O cabelo lhe cai sobre a testa, os ombros dançam, as mãos dançam… Quem diria que aquele moço ali, pianista famoso, que recebe os aplausos de toda esta gente, doutores, oficiais, capitalistas, políticos… o diabo! — é o mesmo menino da rua da Olaria que andava descalço brincando na água da sarjeta, correndo atrás da banda de música da Brigada Militar…

De novo a luz. As palmas. Gilberto levanta os olhos para o camarote da mãe e lhe faz um sinal breve com a mão, ao passo que seu sorriso se alarga, ganhando um brilho particular. D. Margarida sente-se sufocada de felicidade. Mexe alvoroçadamente com os dedos do pé, puro contentamento. Tem ímpetos de erguer-se no camarote e gritar para o povo: “Vejam, é o meu filho! O Gilberto. O Betinho! Fui eu que lhe dei de mamar! Fui eu que trabalhei na Singer para sustentar a casa, pagar o colégio para ele! Com estas mãos, minha gente. Vejam! Vejam!”

A luz se apaga. E Gilberto passa a contar em terna surdina as mágoas de Chopin.

No fundo do camarote Inocêncio medita. O filho sorriu para a mãe. Só para a mãe. Ele viu… Mas não tem direito de se queixar… O rapaz não lhe deve nada. Como pai ele nada fez. Quando o público aplaude Gilberto, sem saber está aplaudindo também Margarida. Cinqüenta por cento das palmas devem vir para ela. Cinqüenta ou sessenta? Talvez sessenta. Se não fosse ela, era possível que o rapaz não desse para nada. Foi o pulso de Margarida, a energia de Margarida, a fé de Margarida que fizeram dele um grande pianista.

Na sombra do camarote, Inocêncio sente que ele não pode, não deve participar daquela glória. Foi um mau marido. Um péssimo pai. Viveu na vagabundagem, enquanto a mulher se matava no trabalho. Ah! Mas como ele queria bem ao rapaz, como ele respeitava a mulher! Às vezes, quando voltava para casa, via o filho dormindo. Tinha um ar tão confiado, tão tranqüilo, tão puro, que lhe vinha vontade de chorar. Jurava que nunca mais tornaria a beber, prometia a si mesmo emendar-se. Mas qual! Lá vinha um outro dia e ele começava a sentir aquela sede danada, aquela espécie de cócegas na garganta. Ficava com a impressão de que se não tomasse um traguinho era capaz de estourar. E depois havia também os maus companheiros. O Maneca. O José Pinto. O Bebe-Fogo. Convidavam, insistiam… No fim de contas ele não era nenhum santo.

Inocêncio contempla o filho. Gilberto não puxou por ele. A cara do rapaz é bonita, franca, aberta. Puxou pela Margarida. Graças a Deus. Que belas coisas lhe reservará o futuro? Daqui para diante é só subir. A porta da fama é tão difícil, mas uma vez que a gente consegue abri-la… adeus! Amanhã decerto o rapaz vai aos Estados Unidos… É capaz até de ficar por lá… esquecer os pais. Não. Gilberto nunca esquecerá a mãe. O pai, sim… E é bem-feito. O pai nunca teve vergonha. Foi um patife. Um vadio. Um bêbedo.

Lágrimas brotam nos olhos de Inocêncio. Diabo de música triste! O Betinho devia escolher um repertório mais alegre.

No atarantamento da comoção, Inocêncio sente necessidade de dizer alguma coisa. Inclina o corpo para a frente e murmura:

— Margarida…

A mulher volta para ele uma cara séria, de testa enrugada.

— Chit!

Inocêncio recua para a sua sombra. Volta aos seus pensamentos amargos. E torna a chorar de vergonha, lembrando-se do dia em que, já mocinho Gilberto lhe disse aquilo. Ele quer esquecer aquelas palavras, quer afugenta-las, mas elas lhe soam na memória, queimando como fogo, fazendo suas faces e suas orelhas arderem.

Ele tinha chegado bêbedo em casa. Gilberto olhou-o bem nos olhos e disse sem nenhuma piedade:

— Tenho vergonha de ser filho dum bêbedo!

Aquilo lhe doeu. Foi como uma facada, dessas que não só cortam as carnes como também rasgam a alma. Desde esse dia ele nunca mais bebeu.

No saguão do teatro, terminado o concerto, Gilberto recebe cumprimentos dos admiradores. Algumas moças o contemplam deslumbradas. Um senhor gordo e alto, muito bem vestido, diz-lhe com voz profunda:

— Estou impressionado, impressionadíssimo. Sim senhor! Gilberto enlaça a cintura da mãe:

— Reparto com minha mãe os aplausos que eu recebi esta noite… Tudo que sou, devo a ela.

— Não diga isso, Betinho!

D. Margarida cora. Há no grupo um silêncio comovido. Depois rompe de novo a conversa. Novos admiradores chegam.

Inocêncio, de longe, olha as pessoas que cercam o filho e a mulher. Um sentimento aniquilador de inferioridade o esmaga, toma-lhe conta do corpo e do espírito, dando-lhe uma vergonha tão grande como a que sentiria se estivesse nu, completamente nu ali no saguão.

Afasta-se na direção da porta, num desejo de fuga. Sai. Olha a noite, as estrelas, as luzes da praça, a grande estátua, as árvores paradas… Sente uma enorme tristeza. A tristeza desalentada de não poder voltar ao passado… Voltar para se corrigir, para passar a vida a limpo, evitando todos os erros, todas as misérias…

O porteiro do teatro, um mulato de uniforme cáqui, caminha dum lado para outro, sob a marquise.

— Linda noite! — diz Inocêncio, procurando puxar conversa. O outro olha o céu e sacode a cabeça, concordando.

— Linda mesmo.

Pausa curta.

— Não vê que sou o pai do moço do concerto…

— Pai? Do pianista?

O porteiro pára, contempla Inocêncio com um ar incrédulo e diz:

— O menino tem os pulsos no lugar. É um bicharedo.

Inocêncio sorri. Sua sensação de inferioridade vai-se evaporando aos poucos.

— Pois imagine como são as coisas — diz ele. — Não sei se o senhor sabe que nós fomos muito pobres… Pois é. Fomos. Roemos um osso duro. A vida tem coisas engraçadas. Um dia… o Betinho tinha seis meses… umas mãozinhas assim deste tamanho… nós botamos ele na nossa cama. Minha mulher dum lado, eu do outro, ele no meio. Fazia um frio de rachar. Pois o senhor sabe o que aconteceu? Eu senti nas minhas costas as mãozinhas do menino e passei a noite impressionado, com medo de quebrar aqueles dedinhos, de esmagar aquelas carninhas. O senhor sabe, quando a gente está nesse dorme-não-dorme, fica o mesmo que tonto, não pensa direito. Eu podia me levantar e ir dormir no sofá. Mas não. Fiquei ali no duro, de olho mal e mal aberto, preocupado com o menino. Passei a noite inteira em claro, com a metade do corpo para fora da cama. Amanheci todo dolorido, cansado, com a cabeça pesada. Veja como são as coisas… Se eu tivesse esmagado as mãos do Betinho hoje ele não estava aí tocando essas músicas difíceis… Não podia ser o artista que é.

Cala-se. Sente agora que pode reclamar para si uma partícula da glória do seu Gilberto. Satisfeito consigo mesmo e com o mundo, começa a assobiar baixinho. O porteiro contempla-o em silêncio. Arrebatado de repente por uma onda de ternura, Inocêncio tira do bolso das calças uma nota amarrotada de cinqüenta mil-réis e mete-a na mão do mulato.

— Para tomar um traguinho — cochicha.

E fica, todo excitado, a olhar para as estrelas.

Fonte:
Érico Veríssimo. Contos. RJ: Editora Globo, 1983.
Imagem = Capa do livro de Veríssimo com o mesmo nome do conto, da Edições Meridiano, de 1942.

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 20


19. Defeitos de estilo (II)

REDUNDÂNCIA (pleonasmo, tautologia, superfluidade) – As pessoas não se contentam em subir: querem subir para cima; não se contentam em repetir: querem repetir de novo... Daí que a lista vai crescendo:
acabamento final,
adiar para data posterior,
boato falso,
cair um tombo,
conclusão final,
continua ainda,
conviver junto,
ele esteve aqui pessoalmente,
elo de ligação (sendo elo, só pode ser de ligação),
encarar de frente,
erário público (erário já significa tesouro público),
estrear novo,
exportar para fora,
exultar de alegria (exultar é manifestar alegria),
foram todos unânimes,
ganhar de graça,
há dois anos atrás (o há dispensa o atrás, e vice-versa),
já não é mais,
manejar [ou manusear] com as mãos,
manter o mesmo,
metades iguais,
minha opinião pessoal,
monopólio exclusivo,
novidade inédita,
outra alternativa (em alter já está expressa a ideia de outra/outro),
pedalar com os pés,
pessoa humana,
prosseguir adiante,
recinto fechado (recinto é espaço fechado),
sentidos pêsames,
sorriso nos lábios,
surpresa inesperada.

REPETIÇÃOQue-que-que-que... um-um-um-uma... meu-meu-minha... seu-seu-sua... Repetições como essas, além de deselegantes, “machucam” o ouvido alheio. Confira:

* Aquela moça, que estuda, que trabalha, que cuida da casa e que ainda tem que fazer tanta coisa de que não gosta, é alguém que a gente tem que admirar.

*Um homem entrou em uma loja e pediu um par de sapatos a uma balconista e uma gravata a um rapaz que atendia em uma outra seção.

* Meu método de administração exige minha presença ao lado dos meus funcionários. Convivendo com os meus gerentes e com toda a minha equipe, comunico meu estilo aos que militam comigo.

* Filisberto Filisbertus, sua esposa e seus filhos comunicam a seus parentes e a seus amigos sua mudança para sua nova residência, construída em sua chácara, onde se colocam à sua disposição e esperam receber sua visita.

* ele chegou, contou uma história, pediu água, ...

* Então ele chegou, então contou uma história, então pediu água, então...

* Ele chegou, sabe?... contou uma história, sabe?... pediu água, sabe?...

* Ele chegou, não é?... contou uma história, não é?... pediu água, não é?...

RIMA (eco, homeoteleuto) – Rima em poesia, tudo bem... (claro, desde que seja boa). Mas em prosa, convenhamos que não dá. Veja como fica:

* Quando eu chegar ao mar, vou me esbaldar, vou nadar, vou deitar e rolar, descansar, sonhar, até enjoar de tanto ar.

* Neste momento, na rua do Livramento, o Zezé Bento está pedindo consentimento para realizar seu casamento na capela do convento.

* Toda a nação, até por uma questão de autoproteção, sente-se na obrigação de buscar solução contra a volta da inflação.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Jorge Amado (Nem a Rosa, nem o Cravo…)


As frases perdem seu sentido, as palavras perdem sua significação costumeira, como dizer das árvores e das flores, dos teus olhos e do mar, das canoas e do cais, das borboletas nas árvores, quando as crianças são assassinadas friamente pelos nazistas? Como falar da gratuita beleza dos campos e das cidades, quando as bestas soltas no mundo ainda destroem os campos e as cidades?

Já viste um loiro trigal balançando ao vento? É das coisas mais belas do mundo, mas os hitleristas e seus cães danados destruíram os trigais e os povos morrem de fome. Como falar, então, da beleza, dessa beleza simples e pura da farinha e do pão, da água da fonte, do céu azul, do teu rosto na tarde? Não posso falar dessas coisas de todos os dias, dessas alegrias de todos os instantes. Porque elas estão perigando, todas elas, os trigais e o pão, a farinha e a água, o céu, o mar e teu rosto. Contra tudo que é a beleza cotidiana do homem, o nazifascismo se levantou, monstro medieval de torpe visão, de ávido apetite assassino. Outros que falem, se quiserem, das árvores nas tardes agrestes, das rosas em coloridos variados, das flores simples e dos versos mais belos e mais tristes. Outros que falem as grandes palavras de amor para a bem-amada, outros que digam dos crepúsculos e das noites de estrelas. Não tenho palavras, não tenho frases, vejo as árvores, os pássaros e a tarde, vejo teus olhos, vejo o crepúsculo bordando a cidade. Mas sobre todos esses quadros bóiam cadáveres de crianças que os nazis mataram, ao canto dos pássaros se mesclam os gritos dos velhos torturados nos campos de concentração, nos crepúsculos se fundem madrugadas de reféns fuzilados. E, quando a paisagem lembra o campo, o que eu vejo são os trigais destruídos ao passo das bestas hitleristas, os trigais que alimentavam antes as populações livres. Sobre toda a beleza paira a sombra da escravidão. É como u’a nuvem inesperada num céu azul e límpido. Como então encontrar palavras inocentes, doces palavras cariciosas, versos suaves e tristes? Perdi o sentido destas palavras, destas frases, elas me soam como uma traição neste momento.

Mas sei todas as palavras de ódio, do ódio mais profundo e mais mortal. Eles matam crianças e essa é a sua maneira de brincar o mais inocente dos brinquedos. Eles desonram a beleza das mulheres nos leitos imundos e essa é a sua maneira mais romântica de amar. Eles torturam os homens nos campos de concentração e essa é a sua maneira mais simples de construir o mundo. Eles invadiram as pátrias, escravizaram os povos, e esse é o ideal que levam no coração de lama. Como então ficar de olhos fechados para tudo isto e falar, com as palavras de sempre, com as frases de ontem, sobre a paisagem e os pássaros, a tarde e os teus olhos? É impossível porque os monstros estão sobre o mundo soltos e vorazes, a boca escorrendo sangue, os olhos amarelos, na ambição de escravizar. Os monstros pardos, os monstros negros e os monstros verdes.

Mas eu sei todas as palavras de ódio e essas, sim, têm um significado neste momento. Houve um dia em que eu falei do amor e encontrei para ele os mais doces vocábulos, as frases mais trabalhadas. Hoje só 0 ódio pode fazer com que o amor perdure sobre o mundo. Só 0 ódio ao fascismo, mas um ódio mortal, um ódio sem perdão, um ódio que venha do coração e que nos tome todo, que se faça dono de todas as nossas palavras, que nos impeça de ver qualquer espetáculo – desde o crepúsculo aos olhos da amada – sem que junto a ele vejamos o perigo que os cerca.

Jamais as tardes seriam doces e jamais as madrugadas seriam de esperança. Jamais os livros diriam coisas belas, nunca mais seria escrito um verso de amor. Sobre toda a beleza do mundo, sobre a farinha e o pão, sobre a pura água da fonte e sobre o mar, sobre teus olhos também, se debruçaria a desonra que é o nazifascismo, se eles tivessem conseguido dominar o mundo. Não restaria nenhuma parcela de beleza, a mais mínima. Amanhã saberei de novo palavras doces e frases cariciosas. Hoje só sei palavras de ódio, palavras de morte. Não encontrarás um cravo ou uma rosa, uma flor na minha literatura. Mas encontrarás um punhal ou um fuzil, encontrarás uma arma contra os inimigos da beleza, contra aqueles que amam as trevas e a desgraça, a lama e os esgotos, contra esses restos de podridão que sonharam esmagar a poesia, o amor e a liberdade!

Fontes:
jornal Folha da Manhã, 1945.

Semana do Escritor e do Livro de Sorocaba está com inscrições abertas


Escritores interessados podem participar gratuitamente

A 6ª Semana do Escritor e do Livro de Sorocaba, que será realizada de 24 a 28 de agosto, já deu início a sua programação e está recebendo inscrições para lançamentos, relançamentos e exposição de obras.

Neste ano, diferente de anos anteriores, os interessados poderão expor e lançar seus livros sem a necessidade de pagar a taxa de inscrição.

As inscrições vão até o fim do mês de julho, os interessados devem solicitar a ficha de inscrição pelo e-mail contato@semanadoescritor.com.br ou entrar em contato com Sonia Orsiolli pelo telefone (15) 3228.6209.

A organização do evento também está recebendo inscrições de palestrantes e grupos artísticos (teatro, música, dança, entre outros) interessados em participar da programação.

O tradicional evento literário que é ponto de encontro para a troca de conhecimento oferecerá livros a preços especiais e ainda a possibilidade dos leitores adquirirem exemplares autografados nas tardes e noites de autógrafos junto aos seus autores preferidos.

A Fundação de Desenvolvimento Cultural – FUNDEC será, como em anos anteriores, palco dessa grande festa literária, com entrada gratuita ao público.

A 6ª Semana do Escritor de Sorocaba conta com o apoio da Prefeitura Municipal por meio da Secretaria da Cultura – Secult, em parceria possibilitada por meio de lei que inclui a Semana do Livro e dos Escritores no calendário oficial do município e também com o apoio da Fundação de Desenvolvimento Cultural – FUNDEC.

Serviço:
6ª Semana do Escritor e do Livro de Sorocaba

Data: 24 a 28 de agosto de 2010

Horário: das 14h às 22h com entrada gratuita

Local: FUNDEC - Rua Brigadeiro Tobias, 73 Sorocaba/SP.

Informações: (15) 3228.6209/(15) 8119.2476

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Trova 151 - Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo)

Lançamento do Livro de Fausto Couto Sobrinho, "O Grande Balão de Jornal e Outras Histórias"


É possível passar a vida a limpo? Talvez não, mas é possível reinventá-la a cada segundo, ampliando o contorno do que costumamos chamar de realidade para torná-la mais conforme com o real. É possível lançarmos um olhar para além do véu e enxergarmos as coisas e as pessoas em sua completude.

É isso o que Fausto faz – e nos convida a fazer – em seus deliciosos contos. Primeiro livro aos 62 anos? Ora, isso não é nada para quem corre os riscos de se recriar e entrelaçar com palha e vime uma nova realidade a cada momento, não uma comum e sem graça, mas outra muito mais verdadeira, mais fluida, com a cor do brejo, da sucuri que escorrega lentamente para o rio, do pássaro que se oculta na folhagem (“O Grande Balão”...). É o primeiro livro, bem sabemos, de uma carreira literária recheada de histórias pelas quais nós, leitores, agradecemos antecipadamente.

Embarquemos, pois, neste Grande Balão de Jornal na companhia dos seus mágicos passageiros – afinal, não somos todos nós criaturas mágicas?
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Fausto Couto Sobrinho

Fausto Couto Sobrinho foi professor de História, juiz do trabalho e diretor do Arquivo Público do Estado de São Paulo – da Secretaria de Estado da Cultura. Nessa última função, que exerceu por 10 anos, promoveu numerosos eventos culturais e a publicação de cerca de 60 livros, de diversos autores, em parceria com a Imprensa Oficial e outras editoras.

Este é o seu primeiro livro pessoal, terminado aos 61 anos. Inicia, nessa época de sua vida, uma nova carreira, a de contador de histórias. Pois, acima de tudo, Fausto é um contador de histórias, e dos bons, coisa rara hoje em dia.

No conto que dá o título ao livro – O Grande Balão de Jornal – ele nos leva de episódio em episódio, encadeando os causos de maneira saborosa, até criar um panorama multicolorido, onde, fixando bem o olhar, se percebe a imagem do próprio autor e seus personagens internos.

Atualmente Fausto mora em Michigan, nos Estados Unidos, onde escreve mais um capítulo de sua própria história, enquanto acompanha, maravilhado, o crescimento dos netos.

Fontes:
– Colaboração da REBRA – Rede de Escritoras Brasileiras
– Editora Scortecci

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 19


18. Defeitos de estilo (I)

Escritores, jornalistas, apresentadores do rádio e da televisão, políticos, professores, enfim todos os que frequentemente nos comunicamos com o público estamos sujeitos a escorregões. Na linguagem coloquial, evidentemente, podemos até bagunçar um pouco a norma chamada culta. Mas em textos formais é bom tomar cuidado. Ler, reler, emendar, cortar, reescrever, são hábitos que ajudam a evitar certos vexames – desde simples cochilos de grafia até defeitos mais importantes, como os que veremos (ou reveremos) a seguir.

CHAVÃO (chapa, clichê, estereótipo, lugar-comum, mesmice) – Ninguém escapa de perpetrar de vez em quando um chavãozinho. No entanto, vale sempre a pena buscar a originalidade. Olhos e ouvidos atentos: ao perceber que determinada expressão está sendo muito repetida em toda parte, fujamos dela. Com um pouco de criatividade, acharemos algo capaz de substituir fórmulas por demais surradas, tais como:
a bola da vez,
a céu aberto,
administrar os resultados,
agradar a gregos e troianos,
alto e bom som,
a nível de,
aparar as arestas,
a toque de caixa,
causar espécie,
calorosa recepção,
calorosa salva de palmas,
cartada decisiva,
chegar a um denominador comum,
com a voz embargada pela emoção,
com certeza,
conjugar esforços,
conquistar o seu espaço,
coroado de êxito,
corpo escultural,
correr atrás do prejuízo,
de mão beijada,
dirimir dúvidas,
em compasso de espera,
empanar o brilho,
escoriações generalizadas,
falta vontade política,
fazer a lição de casa,
fazer uma colocação,
forças vivas da sociedade,
gesto tresloucado,
honrosa visita,
ideia fantástica,
ilustre visitante,
infausto acontecimento,
inserido no contexto,
lamentável equívoco,
lauto jantar,
leque de opções,
misto de alegria e tristeza,
monstros sagrados,
na fila do gargarejo,
não é por aí,
num primeiro momento,
obra faraônica,
o conjunto da sociedade,
perda irreparável,
perdeu o bonde da história,
por ironia do destino,
por último mas não menos importante,
profundo pesar,
profundo silêncio,
rápidas pinceladas,
rigoroso inquérito,
segmentos da sociedade,
sincera homenagem,
singelo presente,
suculenta feijoada,
tecer considerações,
verdadeiro caos...


AMBIGUIDADE (anfibologia, duplo sentido, obscuridade) – Há casos até de triplo sentido, como percebemos na frase “O operário pintou o avião a jato”. Você pode entender: a) que um avião movido a jato foi pintado pelo operário; b) que o operário pintou o avião muito rapidamente (a jato); ou c) que o operário pintou o avião usando uma daquelas pistolas que soltam jatos de tinta... Veja agora esta: “Pedro beijou a mulher dele e José fez o mesmo”. José beijou a própria esposa ou beijou a mulher de Pedro?... Mais uma: “Vi a lua entre as nuvens viajando de avião”. E outras mais:
A comida ali é barata.
A população parou de crescer porque o brasileiro está comendo menos.
Roupas para mulheres usadas.
Chapéus para homens de palha.
Fogões para cozinheiras a gás que soltam fogo pelas quatro bocas.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Enéas Athanázio (A Estradinha)

Tulio Dias(Estradinha do Cipó)
Sentei no banco gasto da velha estação ferroviária e espraiei o olhar pela vila onde passei muitos anos da infância feliz. Para trás estavam as ruas tortas em que se alinhavam velhas casas; à direita se avistavam as ruínas da antiga madeireira, a indústria que devorou as matas da região; à esquerda, menores do que eu imaginava, ficavam os morros misteriosos onde, como diziam nos meus tempos de criança, viviam até bugres e onças pintadas. Mas à minha frente se estendia a paisagem que mais me dizia à saudade. Naquela campina plana, com o capim ralo queimado da geada inclemente, começava a estradinha que ligava minha vila ao lugarejo onde morava meu amigo Téo, um dos tantos que o tempo levou. Era uma estrada de poucos quilômetros, com o chão vermelho batido pelo caminhão velho que puxava madeira, cortando a mataria fechada, subindo e descendo as quebradas do terreno. Caminho pobre, onde quase ninguém passava, e cujos únicos ruídos eram o canto dos pássaros e o grito de algum bicho.Para mim, porém, aquela estradinha era a porta da aventura e da liberdade – era tudo.

Por ela eu saía nas explorações solitárias do mato próximo e, mais tarde, com a espingarda nas costas, para algumas caçadas inofensivas. Por ela eu partia para acampar na companhia dos amigos, curvado ao peso da mochila. Mais crescido, já metido a homem, a estradinha servia para minhas andanças a cavalo e as corridas na bicicleta que ganhei de minha avó, a única da vila. Também era por ali que eu rumava para os primeiros bailes, nos sítios ou nas casas-de-festa das capelas, quando até arranjei uma namorada, caboclinha simplória e acanhada que também sumiu no tempo. Era ainda por ali, na fase da leitura apaixonada, que eu rumava para a casa de Téo, com quem trocava livros e revistas.

Bem cedinho, mal engolido o café, eu enfrentava o frio e partia decidido. Quase sempre a pé, com o maço de leituras em baixo do braço, esticava o passo nas curvas sem fim, a batida dos saltos provocando um som cavo no chão vidrado. Nem saía da vila e me punha a cantar e assobiar, talvez para espantar o medo, a voz reboando nas canhadas e o eco respondendo longe. Às vezes treinava mesmo uns discursos e declamações para uma platéia invisível. Nessas visitas ao Téo acontecia encontrar por ali, pastando à vontade, o Rosilho, um cavalo muito velho que pertencia à minha família. Não servia mais para o serviço e fôra largado ao deus-dará. Muito barrigudo e de lombo agudo como facão, era o retrato da mansidão. Submisso sempre a meus caprichos infantis, muito eu tinha brincado com ele.

Eu então o montava em pelo, sem pelego e sem freio, e o colocava na estrada. Bufando e rebolando, o pobre me levava até a vizinhança do povoado do meu amigo, onde eu o largava, com um tapa amistoso no lombo. À noitinha, quando retornava, eu o encontrava quase no mesmo lugar, pastando em silêncio. Parecia que me esperava. Eu montava de novo e, entre bufos, ele me levava de volta. Para compensá-lo, eu lhe dava um trato de milho e alfafa e servia-lhe água fresca. Com olhos imensos e plácidos, parecia agradecer. Depois, em passos curtos, sem pressa, retomava a liberdade duramente conquistada e cruzava a campina.

Chegando em casa, nem descansado do passeio, eu já imaginava novas andanças pela estradinha. A estradinha que ficou para sempre na minha lembrança como o caminho livre do sonho e da fantasia.
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Premiado no Concurso Nacional Monteiro Lobato promovido pela Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil (S. Paulo – 1990).
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Fonte:
ATHANÁZIO, Enéas. Rosilho Velho: contos juvenis. Balneário Camboriu: Minarete, 1994

Nilto Maciel (Enéas Athanázio: Histórias Catarinenses)


Estreou Enéas Athanázio em 1973 e, nos anos seguintes, publicou inúmeras obras, quer como contista, quer como ensaísta. Citemos alguns de seus livros. Meu Amigo Hélio Bruma são páginas soberbas de homenagem a Monteiro Lobato. Tapete Verde traz dez peças, todas elas escritas nos moldes da narrativa tradicional, linearmente. Todavia, isto não significa repetição, anacronismo, aversão ao novo.

Embora Athanázio elabore as suas narrativas com o propósito de retratar usos e costumes da gente simples do interior catarinense, até com o emprego de uma sintaxe própria de sua região, sua linguagem não deixa de ter um sabor clássico. Com maestria, consegue escrever como os bons cultores de nossa língua, utilizando palavras e expressões do linguajar do interior sulista. Como bem percebeu Luz e Silva, em excelente estudo sobre os contos de Meu Chão, Enéas Athanázio “dosa, de modo conveniente, uma prosa clássica com a inclusão adequada de expressões de uso regional”.

Nota-se, ainda, que o autor não se repete, embora seu universo ficcional seja miúdo – a gente e o espaço de determinada região. No máximo, repete personagens, como o Dr. Janary Messias, advogado solteirão e boêmio, sempre às voltas com seu passado.

Merecem destaque em Tapete Verde os três contos que narram os reencontros ou desencontros amorosos de Messias. Talvez fosse preferível falar de três textos ou partes de um único conto. A técnica nele usada pode não ser nova, mas não deixa de ser apropriada à narrativa. É um dos melhores momentos da coletânea.

A última história do volume, a que dá título ao livro, é uma espécie de biografia de Janary. Sua trajetória de estudante de Direito pobre a prefeito da cidade que adotou como sua. Talvez a estrutura da narrativa seja de novela, até porque vai além de vinte páginas, ou seja, mais de um terço do livro. Quem sabe, um esboço de novela.

Há também em Tapete Verde simples instantâneos, quase crônicas, como “Os matungos de Mané Fortuna”, “Visita Oficial” e “Viagem Inesperada”. Há também autênticos “causos” pitorescos, anedotas, como “Tamanho não é documento”. Todas as narrativas são, porém, belos textos e mimosas histórias, que agradarão a gregos e troianos.

Não resta dúvida, Enéas Athanázio conhece, como poucos, o ofício de escrever e narrar, e tem plena consciência de que literatura não se faz às custas de autoglorificação nem de bajulação.

Nos contos de O Cavalo Inveja e a Mula Manca, de Enéas Athanázio, o espaço da ação é quase sempre amplo, aberto: o campo, o coxilhão, a invernada, a estrada, a rua da vila. Raramente a ação se dá em espaços fechados. Um dos motivos frequentes na obra de Enéas é a vida em volta da estação ferroviária. “A Estação”, em que narra a história de Seu Baby, é também um pouco a história das ferrovias brasileiras, do apogeu à decadência. Esse mesmo Baby reaparece em “O Natal de seu Berilo”. Às vezes o espaço do drama é um balcão de bar, como em “O Banco do Meu Compadre”. Aliás, em muitas histórias o protagonista não tem nome, como neste. É apenas “meu compadre”. No entanto, personagens menores têm nome, como os donos de bares Arno, Tatu, João-Sem-Braço. Muitos deles têm apenas apelido: “uma certa Xaxim, mulher de vida airada”.

Os personagens se locomovem no campo, nas fazendas, nas estradas. Em “Um gritedo na coxilha” é narrado um passeio da coronela e suas filhas: “de campo a fora, num desfile estranho, com a coronela encabeçando, acavalada no pitiço meio cambaio, seguida pela negra velha e as meninotas, enfrentando a quentura e a distância”, até se depararem com “as cabeçorras ameaçadoras” das vacas. Os personagens de Athanázio vagam pelas ruelas poeirentas da Vila do Calmoso; frequentam os botecos de São Simão, “cidadezinha perdida nos campos”. Nos bares, “em cujas mesas jogavam cartas ou dominó”, quase não falam. Não há muito a dizer. E passam pelas ruelas, sob “as luzes baças dos postes”. Habitam a Vila (simplesmente “a Vila”): “aninhada num grande vale, a Vila vivia em permanente modorra” (p. 65). Visitam o armazém, os bares, a igrejinha, a delegacia, a estação ferroviária. Vivem vidinhas sem eira nem beira, sem horizontes, estagnadas, modorrentas.

Nos contos de O Cavalo Inveja e a Mula Manca, bem como em outras obras de Athanázio, ao lado do tradicional narrador-onisciente encontramos com frequência o protagonista-narrador e o narrador-testemunha. O narrador-protagonista é um tanto obscuro, sem nome, contudo desenhado ao longo da vasta obra ficcional do escritor catarinense: ora advogado, ora promotor de Justiça, nascido na Vila ou em São Simão, viajante contumaz, sem mulher e filhos. Não fala muito de si mesmo. Em “O Banco do Meu Compadre” ele aparece a partir do título e logo no início da história: “Desde cedo meu compadre revelou vocação para os bares”.Não deixa de ser um narrador-onisciente, eis que acompanha todos os passos do “meu compadre”. Em “Meu Tio” ocorre o mesmo: o narrador conta detalhes da vida de seu tio deputado federal. Neste conto, contudo, o narrador tem nome – Dr. Enéas – e participa intensamente da trama. Pode, então, o leitor ver na narrativa uma crônica. Em “Calças Esfiapadas” o narrador é protagonista: advogado, candidato a vereador em São Simão. Em “A Tapera” é secundário. Em “O Campo do Silêncio” não conta uma história: lembra o passado de sua vila e constata a decadência. Em “Silêncio” o narrador se revela um pouco mais: “Depois de muitos anos na Capital, eu me vi em São Simão para iniciar nova fase da vida e a profissão abraçada. Fui morar no velho casarão que pertencera aos meus avós” (...). Em “Sonho de Liberdade” o narrador é ainda e apenas um advogado, sem nome, perdido no interior. Em “Estação de Cura” trata-se de um jovem incumbido da “nobre missão” de acompanhar o avô a uma estância hidromineral. Em “Retrato na Parede” o narrador se refere ao tempo em que fora Secretário Adjunto da Justiça e conta uma história desse tempo. Em “Como Casei com a Filha do Coronel” o próprio título denuncia o tipo de narrador. E mais uma vez sem nome, ao contrário dos demais personagens, como o cachorro Tigre e o automóvel Gentileza.

O tradicional narrador-onisciente está presente em “O Batizado”, “Negócio de Ocasião”, “O Atentado”, “Apelido”, “O Passamento do Arigó”, “Voz de Prisão”, “A Ameaça”, “A Estação”, “Um Gritedo na Coxilha”, “O Cavalo Inveja e a Mula Manca”, “Onde Está o João da Banha?”, “A Festa do Taquaral” e “O Natal de seu Berilo”. São contos anedóticos, de personagens planas, típicas do interior brasileiro ou catarinense, roceiros, gente simples, rústica, sem estudo, enraizada na terra.

Enéas Athanázio domina, como poucos, as mais variadas técnicas de linguagem. Não se encontra em seus contos o excesso. Consciente de que vem elaborando uma literatura regional, não se deixa conduzir pela tentação de descrever o campo, a flora, a fauna. Aliás, não há muitas referências a plantas e animais. Quando absolutamente imprescindível à história, aparecem bois, mulas, cavalos, cachorros. Nada de mais ou de menos. Os personagens também não são descritos. A não ser quando a personagem não pode deixar de ser pintada, como em “A Ameaça”. Marta é a mulher feia, gorda, disforme: “pegou a engordar de um jeito desconforme”, “as banhas se acumulando nas partes inferiores”, “as pernas se arredondando sem parar, como toras de corte”. Mesmo assim o leitor tem a sensação de que está vendo os personagens.

Enéas se vale mais da narração e do diálogo. No entanto, a inserção de diálogos não é excessiva, exaustiva. São diálogos mínimos, necessários. Os personagens não se perdem nas falas. São concisos; falam apenas o suficiente para que a narração prossiga. O contista evita o uso de vocábulos de uso regional na boca dos personagens, embora no decorrer das narrações sejam encontrados termos de uso mais frequente nos campos catarinenses.

O autor de Peão Negro se pauta sempre pelas mesmas linhas, se serve dos mesmos ingredientes, buscando ocasionar no leitor a impressão de que conta histórias singelas, sem malícia. Sua intenção é apresentar causos do interior catarinense, das pessoas simples do campo, servindo-se de personagens comuns, mesmo quando se vale de “bandidos”. João da Banha está presente em duas narrativas e em ambas não ocorre nenhum crime, nenhuma tragédia. O personagem é apenas “um andarilho, andejo sem paragem certa, que vivia perambulando pela linha férrea, para cima e para baixo, ao deus-dará” e “ganhara o apelido porque surrupiara um tantote de banha numa casa”.

Conhecedor dos narradores clássicos e das técnicas de narrar, o contista catarinense é daqueles que sabem começar e finalizar histórias. O leitor não é conduzido a veredas obscuras, embora os arremates nos contos de Enéas sejam sempre jocosos, leves, sem nenhum traço de tragédia. Em “O Atentado” o leitor pode esperar um fim trágico. João da Banha, “conhecido facínora”, prometia matar Seu Berilo, o Administrador. O povo da Vila em pânico. Ainda assim, ao fim da história nada de refregas, violências, mortes.

Em suma, O Cavalo Inveja e a Mula Manca é livro de agradável leitura, para leitores de todas as idades, de quaisquer regiões do Brasil, sejam eles principiantes ou mais lidos. As narrativas do livro retratam os campos de Santa Catarina, sua gente simples, pacata. E é livro de linguagem correta, limpa, sem malabarismos, sem excessos, porém rico no vocabulário e na construção das frases.

Fonte:

Nilto Maciel.

domingo, 6 de junho de 2010

Livro de Poemas: Poema 1 - Antonio Manuel Abreu Sardenberg (São Fidélis/RJ)

Luiz Antonio Assis Brasil (Cães da Província)


O livro Cães da província, escrito por Assis Brasil, narra várias histórias que são ambientadas na cidade de Porto Alegre, Província de São Pedro do RS, durante o reinado do imperador D.Pedro II .

O destaque maior é dado ao personagem Joaquim de Campos Leão, Qorpo-Santo que representa a intelectualidade em choque com a mediocridade dos parâmetros de sua sociedade.

A falta de compreensão da população leva Qorpo-Santo a ser considerado louco, devido a sua audácia em burlar os costumes da época.

O narrador deixa claro, durante o desenrolar dos acontecimentos, a superioridade do personagem Qorpo-Santo em relação aos demais.

A forma que seu comportamento tomou é tida como conseqüência de sua imensa inteligência, conhecimento e seus conflitos internos e sentimentais.

Fora abandonados por sua esposa, Inácia, que visava interditá-lo. Passa a viver só com seu criado Inesperto.

Porém, por baixo de toda a aparência de uma sociedade normal, existe um mundo marginal onde prevalecem a violência, o adultério, a crueldade e as mentiras.

Entre as histórias paralelas que, porém, não se desvinculam de Qorpo-Santo, temos a do importante comerciante Eusébio.

Este só se preocupava com sua posição social, o que tornava um homem digno e respeitável.

Mas o seu maior problema foi o adultério cometido pela mulher, o que levou a uma grande mentira perante toda a cidade, ameaçando abalar sua integridade.

Junto com essa história, temos os crimes que abalaram a calma população, cometidos pelo açougueiro e sua mulher, Pelsen. Esses dilaceravam corpos de pessoas atraídas para sua casa, a fim de fazer lingüiça.

Assim, vemos transparecer a mesquinhez, a falta de valores reais da sociedade, que se mostra mais preocupada com a interdição ou não de Qorpo-Santo do que com os crimes hediondos ocorridos.

Qorpo-Santo é realmente, um personagem extraordinário. Suas idéias seus pensamentos o levam muito além dessa época.

Contudo, seu comportamento não é completamente normal, porque o personagem conversa, diversas vezes, com pessoas irreais, como Napoleão III.

A sua condição psíquica é levada a julgamento, havendo divergências entre os alienistas a respeito da mesma. Acaba por ser interditado, mas seus bens não são entregues á esposa. É extraditado, e a sociedade sente-se apaziguada.

A narração é em 3ª pessoa - narrador onisciente. A realidade choca-se com a ficção nesse livro. O fato de Qorpo -Santo fantasiar um mundo só seu, à revelia dos costumes e regras tradicionais, eleva-o ainda mais.

Independente da exata localização espacial, o livro extrapola, indo muito além de suas fronteiras.

A denúncia é feita constantemente, mostrando a mediocridade de espírito da sociedade que é, facilmente, igualada a um cão, o cães da província.

Isto porque essa população é, realmente, domada e obediente às normas e costumes impostos pela época.

Assim atingindo o universal, a obra de Assis Brasil pode ser entendida por várias pessoas em diversas épocas, sem perder, de maneira alguma, seu valor real.

A própria personagem, na sua loucura, oscila entre momentos de lucidez e o mais completo desvario: " Ora sou um, ora sou outro".

Assim, a ocultação e o desvelamento da vida assumem representação concreta no confronto entre as patologias individuais e coletivas, de que são ilustrativos os episódios dos cadáveres escondidos, o falso enterro de Lucrécia e sua reclusão em vida, a ambigüidade velada e ardorosa de Inácia e, principalmente, a hipocrisia das eprícias médicas e dos laudos judiciais.

O trecho abaixo evidencia uma visão de exaltação à "loucura" (conversa entre Landel e Joaquim Pedro):"Amigo, no imaginário do nosso mundo a loucura é uma coisa aquática, os loucos têm um espírito profundo e turbulento com as correntezas, jamais poderemos adivinhar-lhe o fundo; daí por que escapam a qualquer compreensão, é como se você quisesse adivinhar o que acontece a dois palmos de baixo do casco da nossa canoa; a mente enlouquecida é pior que este rio barrento."

Neste outro trecho percebe-se a tortura de Qorpo-Santo, em sua indefinição entre a razão e a loucura (pensamento dele lido por Joaquim Pedro para Luísa):

"Se sinais naturais me inclinam algumas vezes á cópula, em outras me fazem desaparecer tal inclinação. Assim é que saio às vezes com mais forte atenção, e volto com mais contrária disposição.

Logo, se a natureza agora exige e determina e passados alguns minutos reprime e impossibilita, faz desaparecer o desejo e a lembrança, pergunto: o que é o homem?"

Fonte:
Passeiweb

Luiz Antonio de Assis Brasil (1945)


Nascido em Porto Alegre, em 1945, Luiz Antonio de Assis Brasil passa parte da infância em Estrela, com a família, que de lá retorna à capital em 1957. Cinco anos mais tarde começa a estudar violoncelo.

Em 1963 termina o Curso Clássico no colégio Anchieta, em Porto Alegre, dos padres jesuítas.

Em 1964, ano do golpe militar, ocorre sua entrada no exército, para o serviço militar obrigatório. Um ano mais tarde Luiz Antonio ingressa no curso de Direito da PUCRS e também passa a fazer parte da OSPA - Orquestra Sinfônica de Porto Alegre – como violoncelista, lá permanecendo por 15 anos. Forma-se em Direito em 1970. Advoga por dois anos. Em 1975 ingressa como Professor na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, função na qual atua até hoje; no mesmo ano inicia a colaborar na imprensa com artigos históricos e literários.

Estréia em 1976 com o romance Um quarto de légua em quadro, lançando-o na 32ª Feira do Livro de Porto Alegre, e que lhe dá o Prêmio Ilha de Laytano. Em 1976 inicia sua trajetória de administrador cultural, primeiramente na Prefeitura de Porto Alegre [Chefe da Secção de Atividades Artísticas] e depois no Estado do Rio Grande do Sul [Diretor do Instituto Estadual do Livro - 1983]; 1978 é também o ano de lançamento de A prole do corvo. Em 1981 publica Bacia das almas. No ano seguinte, Manhã transfigurada. Em 1981 Luiz Antonio de Assis Brasil assume a direção do Centro Municipal de Cultura de Porto Alegre

No inverno 1984/1985 vai à Alemanha, como bolsista do Goethe-Institut [Rothenburg-ob-der-Tauber, na Francônia]. Em 1985 lança aquele que, segundo o autor, é seu livro com maior carga emocional, As virtudes da casa.

Em 1985 começa a ministrar a Oficina de Criação Literária do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, em atividade até hoje, e que recebeu o Prêmio Fato Literário, da RBS/Banrisul em 2005, ao completar 20 anos de atividades ininterruptas.

Em 1986 sai mais uma obra, O homem amoroso, uma novela com forte acento autobiográfico. Cães da província, em 1987, retoma o ciclo histórico, adotando Assis Brasil o dramaturgo José Joaquim de Campos Leão, o Qorpo-Santo, como personagem e evocando os tenebrosos crimes da Rua do Arvoredo. O romance dá o título de Doutor em Letras ao autor e faz jus ao Prêmio Literário Nacional, do Instituto Nacional do Livro.

Em 1988 Assis Brasil recebe da Câmara Municipal de Porto Alegre o Prêmio Érico Veríssimo pelo conjunto de sua obra. Videiras de cristal, que recria a saga dos Muckers, é lançado em 1990. Nova experiência é o romance em três volumes Um castelo no pampa, que se divide em Perversas famílias [1992 - ganhador do Prêmio Pégaso de Literatura, da Colômbia], Pedra da memória [1993] e Os senhores do século [1994]. Concerto campestre, Breviário das terras do Brasil e Anais da Província-boi saem em 1997, ano em que o romancista é eleito Patrono da 43a Feira do Livro de Porto Alegre.

Em 1998 é palestrante convidado na Brown University, em Providence, USA e em 2000 participa do programa Distinguished Brazilian Writer in Residence, na Berkeley University, Califórnia.

Em 2001 publica O pintor de retratos, que recebe o Prêmio Machado de Assis, da Fundação Biblioteca Nacional.

Em 2003 lança o livro A margem imóvel do rio, o qual é contemplado com três prêmios: Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira [o único romance dentre os três primeiros classificados], Prêmio Jabuti [finalista menção honrosa] e Prêmio Açorianos de Literatura.

Ainda em 2003 acontecem três publicações no Exterior: O pintor de retratos sai em Portugal pela Editora Ambar, do Porto; O homem amoroso é publicado pela Editora l´Harmattan, de Paris [l´Homme Amoureux], e na Espanha, pela Editora Akal, de Madrid, lança a tradução de Concerto campestre [Concierto Campestre]. Também em 2003 publica um livro de ensaios literários pela Editora Salamandra, de Lisboa: Escritos açorianos: tópicos acerca da narrativa açoriana pós-25 de abril. Em 2005 sai na França, pela editora Les temps des Cérises, o Breviário das terras do Brasil [Bréviaire des Terres du Brésil.]

Em 2006, Assis Brasil participa, com conferências na Alemanha [Tübingen, Leipzig, Berlim] de programa oficial do Ministério da Cultura do Brasil.

Música perdida é lançado em 2006, o qual vence, em 2007, a Copa de Literatura Brasileira e recebe indicação ao Jabuti. Em 2008 publica Ensaios íntimos e imperfeitos, uma coleção de pequenos textos de caráter poético e ensaístico.

Em 2010 segue com sua coluna quinzenal no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e profere conferências nas Universidades de Paris-Sorbonne e na Universidade de Toronto.

Obras
* 1976 - Um quarto de légua em quadro
* 1978 - A prole do corvo
* 1981 - Bacia das almas
* 1982 - Manhã transfigurada
* 1985 - As virtudes da casa
* 1986 - O homem amoroso
* 1987 - Cães da província
* 1990 - Videiras de cristal
* 1992 - Perversas famílias
* 1993 - Pedra da memória
* 1994 - Os senhores do século
* 1997 - Concerto campestre
* 1997 - Anais da Província-Boi
* 1997 - Breviário das terras do Brasil
* 2001 - O pintor de retratos
* 2003 - A margem imóvel do rio
* 2006 - Música perdida

Entre outros, recebeu os seguintes prêmios:

* Prêmio Literário Nacional, do Instituto Nacional do Livro (1987), por Cães da Província;
* Prêmio Erico Verissmo (1987) pelo conjunto de sua obra;
* Prêmio Literário Machado de Assis, da Biblioteca Nacional (2001), por O pintor de retratos;
* Prêmio Jabuti (2003), por A margem imóvel do rio. Menção;
* Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira (2004), por A margem imóvel do rio. O único romance entre os três vencedores.

Adaptações para o cinema
* Concerto campestre, com o mesmo título;
* Videiras de cristal, com o título de A paixão de Jacobina
* Um quarto de légua em quadro, com o título de Diário de um novo mundo.
* Manhã Transfigurada, com o mesmo título.

Fontes:
Luiz Antonio de Assis Brasil
Wikipedia

Rubenio Marcelo (Poemas Ao Sabor das Ondas )

Canoa Quebrada (Aracati/CE)
LUZ DA SABEDORIA
(ou "Soneto de reflexão")

As maiores virtudes, incontestes,
são a nobre humildade e a calmaria.
Quem as tem, demonstra sabedoria,
pois segue a lição do Mestre dos mestres.

Assim são os jograis do dia-a-dia,
À mercê das cidades e agrestes,
sublimando as oferendas celestes
e criando essências de primazia...

Quanta luz tem um cego na esquina
tocando uma rebeca peregrina,
espargindo arte pura em seu mister...

E quanta escuridão possui o ser
que se julga sapiente, mas sem ver
que há saberes que só Deus nos ensina.

A CRUZ DE UM ADEUS

(Soneto Inglês)

Já é madrugada. Eu estou pela rua...
Na trilha dourada dos olhos da lua.
No meu desvario, na minha tristeza,
Ainda aprecio os dons da Natureza.
E assim, sem destino, tal qual vaga-lume,
Aos entes sagrados faço meus queixumes.
Ao longe, o clarão dos astros em prumo...
E o meu coração errante, sem rumo.
A brisa vadia soprando com jeito...
E uma agonia tomando meu peito.
Estrelas cadentes brincando no céu...
E eu, decadente, pervagando ao léu.

Cometas pulsando pertinho de Deus...
E eu carregando a tal cruz de um adeus!

TRIBUTO POÉTICO
*Para o amigo, médico e sonetista
Herculano Alencar, poeta piauiense residente atualmente em São Paulo.

Qual Cronin, João Guimarães e Scliar,
Que trouxeram o pendor da Medicina
E o mesclaram com a arte genuína,
Assim é nosso Herculano Alencar.

Escritor de inspiração singular,
É mestre da cultura cordelina;
Mas também do Soneto tem a mina,
Sendo, enfim, erudito e popular.

Seu estilo é autêntico, sem arranjos;
Seu mister relembra Augusto dos Anjos,
Pelo verso forte que traz em si.

Menestrel - orgulho do Piauí,
Trovador de estilo soberano:
Assim é o nosso bardo Herculano!

AOS MENESTRÉIS CANTA(DORES)
*Para Geraldo Amâncio, Daudeth Bandeira e José Dantas

Airosos, cheios de brio,
versando horas a fio,
Esgrimindo em desafio,
duelam os dois contendores...
Eivados de alegoria,
embolam-se em desvario,
Com sestros de Artilharia
e estro de Cantadores.
Impávidos guardiões
de sublimações em flamas!
Feitores de encantações!
Plácidos guerreadores!
Jograis de almas ufanas
que rimam fazendo famas
E brilham ostentando as chamas
dos seus gênios criadores.
Seus desenvoltos repentes,
garridos, cheios de manha,
Articulam-se, ferventes,
em compassos viajores...
Qual par de gladiadores,
engalfinham-se na sanha,
Replicam sagas estranhas
e aventuras multicores...

... E com o dom das entranhas,
alardeando furores
E proferindo façanhas,
abraçam-se os dois sonhadores!

SONHOS DA BEIRA DO MAR

Tocando meus dedos nas cordas plangentes
Do meu violão, antigo companheiro,
Relembro o meu vulto-menino fagueiro,
Brincando nas praias de areias ardentes...

Saudosos instantes, distantes, ausentes,
Que me inquietam e me deixam sem jeito;
Machucam, maltratam, martelam meu peito,
Torturam minh’alma com rijos tridentes.

É só nostalgia, cilícios medonhos,
Que hoje acompanham o meu caminhar;
E nessa agonia, meu ser-avatar

Palmilha, sem lar, caminhos tristonhos;
Cantando elegias que às vezes componho,
Lembrando meus sonhos da beira do mar!

MEU SONETO DO EXÍLIO

Não esqueço as toadas, cantigas tão belas
Que fiz só pra ela (e a noite levou...);
E a brisa marinha que testemunhou
Nós dois bem juntinhos, fitando as estrelas...

Não esqueço as manhãs branqueadas de velas,
Fantásticas telas – beleza sem par –
Balouçando, aos ventos, num lindo bailar,
Seduzindo as ondas, vencendo as procelas...

Recordo a tardinha, dia, mês e ano,
Em que eu abracei meu destino cigano
E, em meio a geenas, fui peregrinar...

Hoje, estou vagando (cerviz combalida)
Lembrando os enlevos reais da minha vida
Que, um dia, ficaram na beira do mar.

GRAAL DAS METÁFORAS

Nestas cálidas tardes peregrinas,
Se estiveres já sem inspiração,
Ante espelhas da desfiguração.
Que perverte a céu das tuas retinas ...

Se estas haras infaustas de rotinas
Demudarem teu ser, tua alegria;
E se vires fugir a primazia,
Devida - deste mundo. - à avareza ...

Vem saciar tua sede de beleza
Nas sagradas águas da poesia! ...

Na devir deste cetro venerando,
Um clarão logo exclui as ignotos.
Na rota das indômitos pilotos,
Os mistérios azuis vão rebrotando ...

O graal das metáforas vai doirando
Os brasões da Verbo, com sutileza;
E a Arte, esta divina alquimia,
Vai transfazendo sanha em realeza.

Nas sagradas águas da poesia,
Vem saciar tua sede de beleza! ...

Rubenio Marcelo (1961)


(Tradução do espanhol por José Feldman)

Rubenio Marcelo é poeta, músico, compositor e animador cultural. Nasceu em Aracati/Ceará, e reside em Campo Grande/Mato Grosso do Sul há mais de 15 anos.

Membro vitalicio titular da Cadeira 35 e Secretario-Geral da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, da qual – por indicação – foi eleito em 2002, havendo tomado posse solene em 27 de setembro deste mesmo ano. É membro vitalício da Academia Maçônica de Letras de MS (titular da Cadeira 13).

Formado em Ciencias Jurídicas (Direito), e em Engenharia. Rubenio, é também músico/compositor, revisor e membro da União Brasileira dos Escritores (UBE/MS).

Quando residia em Fortaleza e estudava no tradicional Liceu de Ceará, ainda adolescente, estudou também teatro e guitarra clássica e popular. Nesta época – e também no periodo universitário – integrou vários grupos musicais e participou de importantes projetos artísticos, como o Projeto Cocotal e o Projeto Luiz Asunción (que levavam shows abertos em teatros, praças e bairros da capital alencarina.

Nesta época sua poesia e composições musicais começam a ganhar destaque através de sua presença ativa nos festivais, eventos e movimentos culturais da região.

É autor de sete livros publicados: 1 - “Fragmentos de Mím"; 2 - "Cantar para Vivir"; 3 - “Estigmas do Tempo”; 4 - “O Metro de São Paulo - Literatura de Cordel”; 5 - “Reticencias...”; 6 - "O Reino Encantado do Cordel - A Cultura Popular na Educação"; e 7 – “Graal das Metáforas - Sonetos & Outros Poemas” (2007).

Lançou os CDS musicais (1 - "A Música de Rubenio Marcelo"; e 2 - "A Arte Maior de Rubenio Marcelo & Jorge Sales").

Ativista cultural y defensor da Arte eclética, é merecedor de importantes prêmios em festivais e concursos lítero-musicais, como: Festival Nacional Golondrina de Poesía (RJ); Prêmio Nacional Directv “A Liberdade em Suas Mãos”; Prêmio Nacional Metro de São Paulo/CPTM (I Concurso de Literatura de Cordel); Troféu Ouro do Concurso Nacional “Mural de Poesía”; 1º lugar do Concurso Internacional de Poemas Min. de la Aeronáutica e AVBL; e 1º lugar em valor literario/conteúdo poético do concurso “XVII Noite Nacional da Poesía” (UBE/FUNCESP - maio/2004).

Rubenio Marcelo é um polígrafo prolífero... Vai do soneto mais tradicional ao verso livre, do cordel de fundo popular aos poemas de cunho social, com um vocabulário que deve entusiasmar os lexicógrafos de nossa poesia. Graal das Metáforas é um belo livro: pela generosidade do conteúdo e pela qualidade gráfica de sua feitura. (Antonio Miranda)

Fonte:
Antonio Miranda

Eunice Arruda (Poemas Avulsos)


SENTENÇA

Convém nos
iniciarmos
cedo
As coisas são demoradas

E não é bom
colher os frutos
quando a boca não
conseguir mais
saboreá-los

PAISAGEM

O sol se
põe

Girassóis olham o chão

GUITARRA

Som
sentido
quem sou?
Corda de guitarra
fina
aguda
quebra a noite em duas

Vida – som sem
sentido

EM DEZEMBRO

a lenta
iluminada
agonia

retorna a
voz esquecida sob a
pele

em dezembro

águas passadas movem
moinho

Fonte:
Colaboração da poetisa.

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 18


17. O valor do pormenor

Pormenor, minúcia, detalhe... como você preferir. O importante é levar a sério certas minudências que realmente decidem na construção de um significado. Por exemplo: entre velinha acesa e velhinha acesa (com lh), a diferença é grande. Pior ainda será se na festa de aniversário, em vez de apagarem a velinha, resolverem apagar a velhinha... Notem que, no primeiro caso, velhinha (com lh), em lugar de velinha, altera também o sentido de acesa; no segundo caso, altera o sentido de apagar. Outros exemplos:

Comer à francesa (com crase) é uma coisa. Comer a francesa (sem crase) é outra. E “comer” a francesa pode ter outro sentido ainda...

A manchete Avião caiu no rio faz entender que um avião tenha caído nas águas de um rio. Já Avião caiu no Rio indica que o avião caiu no Rio de Janeiro. A maiúscula aí faz a diferença.

Manifestantes dirigiram-se à Bolsa de Valores levando uma faixa: Não à privatização. Como naquele dia o leilão não pôde realizar-se, os manifestantes fizeram uma pequena alteração na faixa: Não há privatização. Um simples h e a inversão do acento mudaram o recado.

Pedro ouviu que Maria estava falando (reconheceu a voz de Maria). Pedro ouviu o que Maria estava falando (ficou sabendo de que assunto Maria estava falando).

Agora é com você. Veja se percebe a diferença:

* O defeito é no rádio – O defeito é na rádio.
* Ele é ruim de bola – Ele é ruim da bola.
* Ele é um homem de bem – Ele é um homem de bens.
* Ele saiu daqui há pouco – Ele sairá daqui a pouco.
* Sente-se, bem! – Sente-se bem?
* Não gosto de pão duro – Não gosto de pão-duro.
* Ele caiu da cama – Ele caiu de cama.
* O tio e padrinho da noiva – O tio e o padrinho da noiva.
* O papel de imprensa – O papel da imprensa.
* O médico chegou a tempo – O médico chegou há tempo.
* Os inimigos são dois – Os dois são inimigos.
* A galinha vai por ali – A galinha vai pôr ali.
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Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010