quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Cidade de Santos (SP) em Trovas


Fornecendo os alimentos
do seu meio tão fecundo,
o mar, em todos momentos
sacia a fome do mundo.
ALVARO HILINSKI

Que no instante derradeiro,
ao fechar meus olhos nus,
ancore, enfim, meu veleiro
num porto pleno de luz...
AMÉRICO DEG'LESPOSTI

Eu sou como o cais vazio...
Um porto de despedida,
o corroído navio...
sem chegada... nem partida!
ANA MARIA GUERRIZE GOUVEIA

Da infância guardo a magia
do meu veleiro encantado.
Era nele que eu fugia
do mundo feio e pesado.
ÁUREA NAVARRO TURINI

Singra os mares desta vida
nosso amor, forte veleiro,
bate a procela atrevida
e chega ao porto, altaneiro.
BELLARMINO FRANCO

No verde mar, o arrebol
reflete uma linda imagem,
o veleiro, à luz do sol,
é a brnca cor da paisagem.
BRITES QUARESMA FIGUEIREDO

Juventude embevecida!
Entre as rosas da ilusão,
roubaram-te a flor da vida
e as hastes do coração!
CARMEN CERDEIRA VENTURA

O porto pulsa, fecundo,
nas chegadas e partidas,
nutrindo artérias do mundo
dando vida a tantas vidas!
CAROLINA RAMOS

A brisa leve balança
o veleiro sobre o mar,
e traz de volta a esperança
na força do teu olhar!
CÉLIA S. OLIVEIRA

Mar revolto, se agitando,
lembra a vida em seu passar...
Sou veleiro flutuando,
me equilibrando no mar.
CIDOCA DA SILVA VELHO

Em noite alta... madrugada,
contemplo a lua contrito
- Barca de prata aportada
nos segredos do infinito.
CLÁUDIO DE CÁPUA

Espera por mim, veleiro,
sem minhas malas não partas...
leva o meu sonho primeiro
e as esperanças mais fartas!
CYNIRA ANTUNES DE MOURA

Singrando mares de espinhos,
meu coração, quase, morto,
encontrou nos teus carinhos
a segurança de um porto.
EDNA GALO

No tempo da juventude,
nada sabemos da vida.
Qualquer paixão nos ilude,
toda estrada é reflorida.
ENÉAS DE CASTRO

Quando a tristeza me alcança
e teima em ficar comigo,
eu me ancoro na esperança,
pois é sempre um porto amigo.
ILZE DE ARRUDA CAMARGO

Juventude, quero crer,
é fé, força de vontade,
por isso podemos ver
jovens de qualquer idade.
IRACY APARECIDA CARRIJO

Segue o destino traçado
da trilha a ti concedida,
não lamentes do passado
a juventude perdida.
IZABEL MORAES AGUIAR

Evolando após a infância,
a juventude é fumaça,
tão fugaz, como a fragrância
de um bom perfume que passa...
LAVÍNIO GOMES DE ALMEIDA

Contemplo o mar... E lembrando
os dias da mocidade,
parece-me ver, singrando,
o veleiro da saudade.
MARGARIDA MARIA FORTES DE MELLO

Censurar a juventude
por seu desleixo ou pecado
é de fato um modo rude
de olvidar nosso passado.
MARIA DA GLÓRIA C. DE VASCONCELLOS

Dos bens que a vida levou,
recuperei o que pude,
só um foi e não voltou:
o tempo da juventude!
MARIA JOSÉ ARANHA DE REZENDE

O quintal da juventude
tem horta, pomar, jardim,
tem céus, voos, amplitude...
O meu quintal foi assim!
MARIA MAGDALENA D. DE MENDONÇA

De solidão quase morto,
meu coração, sonhador,
é um batel de porto em porto
na esperança de um amor.
MARIA NELSI SALES DIAS

Pérolas! Filhas do mar,
resumem os meus anseios,
quando em rútilo colar
na alva concha dos teus seios!
MOACYR FIGUEIREDO

Na juventude, a paixão
traz feitiço verdadeiro
pois grava no coração
o fremir do amor primeiro.
NEUSA SIMÕES CARITO

Guardas, porto, e silencias,
quando chegam ao teu cais,
solidões de calmarias...
destroços de vendavais.
NILO ENTHOLZER FERREIRA

Debocham da sociedade,
usam mala, mensalão...
Neste mar de impunidade,
afogam nossa nação!
PAULO RENATO ALMEIDA COSTA

Eu tenho sido um veleiro
nos mares da fantasia,
mas faço sempre o roteiro
levado pela poesia...
ROSÁLIA HELENA G. BONSEGNO

Ainda que não pareça,
e mesmo em tempo mais rude,
por mais que a gente padeça,
é feliz na juventude!
ROSALINA ROSA

Meu barco... um dia lancei-o
enfrentando o mar bravio.
Partiu de sonhos tão cheio
e ao porto voltou vazio...
SILVINA ANTUNES LEAL

Juventude trago na alma
e também no coração
e assim enfrento com calma
os dias de solidão...
SELMA MORAES

Qual uma esteira de prata,
o luar cai sobre a areia,
e o mar, numa serenata,
faz trovas à lua cheia!
SOPHIA LEITE CRUZ

Juventude! Quem me dera,
que essa quadra colorida
voltasse a ser primavera
nos dias de minha vida!
ZILDA PEDROSO

Fonte:
Colaboração de Carolina Ramos

Efigênia Coutinho (Benção de Natal)


Nesta noite que se festeja o Natal,
Comemoramos com o Menino Jesus
Uma Aliança muito especial...
Sua chegada ao mundo de Luz.

É a festa que traz muita esperança
Numa reverência que marca a união
De Deus Filho, feito criança,
E os homens com grande emoção.

É Natal e com alegria os sinos dobram,
Numa canção feita de Amor que Reluz,
Onde os nossos votos se renovam
Diante da bênção do Menino Jesus.

A plantar nos corações a Esperança,
O Pai Eterno o Seu Filho enviou,
Para marcar da vida a bonança,
Deixando seu Amor, nos abençoou!.
------------------

Efigenia Coutinho é Presidente Fundadora da AVSPE - Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores www.avspe.eti.br/

Fontes:
A Autora

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.71)


Trova do Dia

Natal e a loja enfeitada
em nada lembra Jesus:
Jesus viveu sem ter nada,
do berço de palha à cruz!
GABRIEL BICALHO/MG

Trova Potiguar

Aleluia! nova luz
há de brilhar no universo,
no renascer de Jesus
unindo o povo disperso.
DJALMA MOTA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 44º Lugar.

Tem Jesus, no olhar sereno
o próprio reino do bem;
no entanto, nasceu no feno
lá na gruta de Belém.
ADILSON MAIA/RJ

Uma Trova de Ademar

Peço a Noel que ele faça
com toda bondade sua,
um grande “Natal” na praça
para as crianças de rua.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Natal. No céu e na terra
quanta alegria! Natal!
A paz adoçando a guerra,
o bem adoçando o mal.
BELMIRO BRAGA/MG

Estrofe do Dia

Se papai Noel voltasse
a ser aquele velhinho,
distribuindo presentes
durante a noite e sozinho...
devolveria à criança
novamente a confiança,
o amor, a fé, o carinho.
MANOEL DANTAS/RN

Soneto do Dia

– Hermoclydes Siqueira Franco/RJ –
"N A T A L"

Sob o céu estrelado da Judéia,
Nasceu o Deus-Menino, em noite linda...
Cobriu o mundo, então, ternura infinda
E o fato fez sagrada a Galiléia!

Os Reis-Magos, após longa odisséia,
- Na homenagem maior de sua vinda -
Contemplavam a luz, brilhante, ainda,
Da Estrela-Guia sobre a terra hebréia!...

Da natureza, o bem que sempre traz,
E os pastores, sorrindo à intensa paz,
Mostravam que o Senhor era chegado.

Maria, a Virgem Santa, estava aflita,
Pois sabia que a glória era infinita
E o destino do Filho era traçado!...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXII: As Orações ao Ar Livre

Foram todos para o jardim, onde numerosas Orações costumavam passear ao sol. Dona Sintaxe apontou para uma delas e disse:

— Vamos ver, Emilinha, se você sabe o que significa um grupo de palavras como aquele que ali está, junto ao canteiro de margaridas.

— Pois é uma Oração, está claro! Quem não sabe?

— Você não sabe, Emília. Aquilo é mais que uma Oração — é todo um PERÍODO GRAMATICAL, composto de várias Orações.

— Um Período é então um cacho de Orações — disse Emília. — Estou entendendo. A Oração é uma banana; o Período é uma penca de bananas.

O rinoceronte gostou do exemplo e lambeu os beiços, enquanto Dona Sintaxe explicava que os Períodos se dividem em duas classes — PERÍODOS SIMPLES e PERÍODOS COMPOSTOS.

— O Período Simples é o que... — foi dizendo Emília, mas engasgou.

— É o que se compõe só de uma Oração — concluiu Dona Sintaxe.

— E o Período Composto é o que se compõe de duas! — gritou a boneca vitoriosamente.

— De duas ou mais — corrigiu Dona Sintaxe. — Aquele que ali vai passando é um Período Composto.

O tal Período Composto dizia o seguinte: Emília soltou o preso, mas não ganhou nem um muito obrigado.

— Notem — observou Dona Sintaxe — que há duas Orações, governadas por dois Verbos — Soltou e Ganhou. Por isso o Período é Composto. A Conjunção Mas amarra a segunda Oração à primeira.

— Estou vendo — disse Emília. — E aquele outro, perto do canteiro de cravos?

— Aquele é um Período Simples, formado de uma só Oração: O Visconde está com medo. Repare que há um só Verbo.

— E aquele outro lá perto do canteiro das dálias? — indagou Pedrinho, mostrando um Período que dizia assim: O rinoceronte, que é um sabido, está calado.

— Aquele é um Período Composto que traz uma Oração pendurada em outra. Note que uma Oração não está ligada à outra, mas sim pendurada no meio da outra. Se sair dali não estraga o resto. Chama-se Oração INTERFERENTE.

— Pendurada com que gancho? — perguntou Emília.

— Com o gancho daquele pronominho Que. Notem que nesse Período Composto há duas Orações: (1) O rinoceronte está calado; (2) Que é um sabido. Mas esta última está apenas enganchada no meio da primeira, como numa rede, por meio do gancho do Pronome Que.

— Que tem mesmo jeito dum ganchinho! — observou Emília, e todos concordaram, para não haver briga.

— Vamos agora ver como estas Orações se classificam quanto ao papel que representam no Período — disse Dona Sintaxe. — Elas podem ser de três classes - COORDENADAS, PRINCIPAIS e SUBORDINADAS.

E, para exemplificar, gritou na direção dum grupo de Períodos que estavam parados diante dum repuxo:

— Aproxime-se um Período Composto que queira servir de exemplo! Depressa!

Todo saltitante, destacou-se do grupo este Período: O pica-pau picou o pau e fugiu quando viu Quindim.

— Reparem — disse Dona Sintaxe — que temos três Orações neste Período. Uma Coordenada, porque está ligada a outra Coordenada pela Conjunção E: O pica-pau picou o pau. E temos a segunda Oração, que é a Principal: E fugiu; e temos a terceira, que é a Subordinada, ou escrava da Principal: Quando viu Quindim. Sem estar ligada à Oração Principal esta terceira fica sem sentido, ninguém a entende. Mas ligada torna-se clarinha como água de pote; quem lê compreende logo que o pica-pau fugiu quando viu Quindim.

— Oração Principal? — estranhou a menina.

— Oração Principal é a que pensa que é independente mas não é, porque depende das outras para completar o que ela quer dizer. Aquela ali, por exemplo. Venha cá, Senhor Período!

Aproximou-se um Período Composto que se lia assim: Quindim está com fome porque não encontrou capim por aqui.

— Reparem. A Oração Quindim está com fome é a Principal, mas não fica bem, bem, bem, bem completa sem a outra: Porque não encontrou capim por aqui. Esta outra ajuda a completar a Principal. As Senhoras Orações Principais trazem sempre o Verbo no Modo Indicativo ou no Modo Imperativo, não se esqueçam.

Dona Sintaxe despediu aquele Período e chamou outro.

— Aproxime-se uma Oração na voz ATIVA! Depressa. Muito lampeira, destacou-se do grupo uma Oração que dizia assim: O gato comeu o pica-pau.

— Que história de Voz Ativa é essa? — indagou Emília.

— Já irá saber --- respondeu a Senhora Sintaxe, e voltando-se para a nova oraçãozinha: —- Você está na Voz Ativa, não é assim? Pois então passe parada voz PASSIVA para esta boneca ver. Incontinenti a oraçãozinha desmanchou-se toda para formar outra da seguinte maneira: O pica-pau foi comido pelo gato.

— Muito bem! — aprovou Dona Sintaxe. O E para os meninos:

— Notem que Pica-Pau, que é o Objeto Direto da primeira Oração, passou a ser Sujeito desta última, e reparem que o Sujeito da primeira (Gato) passou a ser Complemento.

— Que Objeto Direto é esse, que apareceu aí sem mais nem menos? — berrou Emília.

— Objeto Direto é aquilo que completa o sentido do Verbo diretamente. A gente pergunta ao Verbo: o quê? E a resposta é o tal Objeto Direto. O gato comeu o quê? O pica-pau. Logo, pica-pau é o Objeto Direto.

— Que peste é a tal Gramática! — disse Emília. — Tem coisas que não acabam mais. Só sinto que, em vez de ter comido o pobre pica-pau, o gato não tivesse comido a Senhora Gramática, com todas estas damas que andam por aqui. . .

Dona Sintaxe não ouviu e continuou:

— Por meio destas passagens de Sujeitos para Complementos e de Complementos para Sujeitos é que as Orações passam da Voz Ativa para a Voz Passiva. Entenderam?

Os meninos fizeram com a cabeça que sim.

Durante toda a conversa Quindim manteve-se de parte, ouvindo com muita atenção as palavras da grande dama e aprovando-as com movimentos de chifre. Emília, que gostava de tirar a prova de tudo, foi ter com ele para lhe perguntar num cochicho:

— Que acha desta senhora, Quindim?* Sabe mesmo Gramática ou está nos tapeando?

O rinoceronte riu-se filosoficamente.

— Como não há de saber, Emília, se ela é a Sintaxe, ou uma das partes da própria Gramática? A Sintaxe dum lado e a Lexiologia de outro formam a Gramática inteira. Nunca duvide do que a Senhora Sintaxe disser. . .
______________________
Continua ... Capítulo XXIII: Exame e Pontuação
____________________________
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Lúcia Constantino (Antologia Poética)


QUANDO UM POETA MORRE

Quando um poeta morre
o céu se cobre de sombras
e um raio tomba
a luz foge.

Quando um poeta morre
a seara dorme.
Alforra do dar.
Fica remido no tempo
o intento do pensamento.
Sonetos do ar.

Quando um poeta morre
o céu incorre em engano
porque deixa de abrir a boca
por muitos anos.

AMAR

(dedicado a todos aqueles que lutam em favor dos animais)

Todo o bem do mundo
cabe dentro de um segundo
num sorriso que nos enlaça.

Amar é receber do vento
um sorriso em pensamento.
E a alma, entontecida,
desprende-se
como folha de outono,
da árvore do seu sono
pra sonhar no chão da vida.

Amar
é deitar-se sob o lume santo
das estrelas e sem espanto
saber-se assim distante
mas também igual.

E numa irmandade celeste,
sempre apreender a luz
desses mestres
sem solidão lilás,
e sem se ferir pra trás.

Amar...
ser doador
como o sol,
pastor como o vento,
mestre como o tempo,
enquanto vida for.

NOITES

As noites sempre vão... vão mais além...
desse púlpito de lembranças que é o luar.
Mas essa esfera imanta nuvens que me vêm
derramar a infância pelo meu olhar.

Estou, nessa vida, encarcerada
pelo escriba da noite em minha fronte.
Às vezes me desperto nessa fonte d’água
quando sei que nada sou
- apenas uma serva do horizonte.

O que vejo além do tempo que deforma
o rosto, o corpo, o pensamento:
vejo minha alma como simples rocha
que abraça o mar e se revela nos ventos.

RE-ENCONTRO

Quero adivinhar a vida
e essa luz que se infiltra
nos meus passos.

Talvez esse novo jeito de ser
seja apenas a terra a tremer
dentro do meu abraço.

Sentindo o calor do meu corpo
florescem seus campos
no meu rosto
e minha noite é seu cansaço.

Tão leves são essas horas
em que a alma se demora
propondo à terra essa irmandade.

Olhos nos olhos do amanhecer
reverencio auroras pra viver
até meu pôr-de-eternidade.

SOB O OLHAR DE UMA AZALÉIA

Me olhas com estes teus botões nascendo,
tão pequeninos e já espiando
esse retiro dos meus olhos -
porque às vezes te olho sem te ver,
quando estou longe, arqueando
os meus sóis sob este peso
das minhas saudades.
E quando descem as sombras, venho a ti.
Venho tirar-te o corpo,
desnudar-te, para vestir a minha alma.
E entrego-o sobre a terra fria,
em nome de um sentimento que tem ainda
dentro do meu peito a cor do sol
e o brilho de todas as estrelas.
Te peço perdão por esse ato de covardia.
E de coragem. Vais murchar sobre o chão,
mas renascer no âmago de minha alma.
Vais adornar aquele átrio de esperança
do templo daquele que aqui dorme
para que essa minha linguagem de mudo amor
o acorde e ele te olhe, te sinta, te ame,
e me ame em ti,
serva fiel do que de belo
ainda conservo em mim:
essa saudade viva
e o respeito por ti.

ESPERANÇA

Nasci de um sonho da noite,
quando a luz tecelã perfurou
os vitrais da aurora
e o grito das esferas ecoou pelos vales.
Revolvi-me dentro da casca
sorvendo aquele raio de vida
como se fosse o primeiro e o último.
Era imperativo renascer
das crostas dolorosas do passado,
da bifurcação da realidade presente,
e do sono das folhas que transmutam
os traços das larvas e da poeira.
Os sentidos purificaram-se à passagem
do sangue pelas letras
e da alma pelas palavras.
O que é imensidão no papel
nada mais é do que um vagido.
Um único vagido para tentar respirar
num novo amanhecer.

EPÍGRAFE

Frágil infinito azul
sob os cílios dos abismos.
Doce poente no dorso do mar
teus olhos
imensidão de ter sido

Fontes:
http://asasonoras.blogspot.com/

SIQUEIRA, Maria Lúcia. Asas ao anoitecer. Curitiba, 2004.

Lúcia Constantino


Maria Lúcia Siqueira nasceu em Curitiba, PR. Professora e tradutora (inglês e espanhol).

Estudou na Georgia State University, em Atlanta e viveu quinze anos no Rio de Janeiro, onde se formou em teatro pela Escola de Teatro Martins Pena e em espanhol pelo Centro Cultural Brasil-Argentina.

Participou, quando morava no Rio, de várias antologias literárias.

Em 2004, lançou o livro “Asas ao anoitecer”, com incentivo da Fundação Cultural de Curitiba e da empresa Eletrolux, com prefácio da poeta, jornalista e tradutora Olga Savary (RJ).

A partir de 2005, passa a escrever sob o pseudônimo de Lúcia Constantino, sobrenome adotado de sua avó materna.

Tem trabalhos publicados na Revista da Literatura Brasileira (SP), antologias (RJ) e Revista AMORC (GLP).

Estudiosa da obra de Saint-Exupèry, foi Consultora de Pesquisa e redigiu a introdução do programa da peça “O Pequeno Príncipe”, detentora do Troféu Gralha Azul, de 1998.

Obteve prêmios em concursos realizados em organismo afiliados à Ordem Rosacruz (AMORC/RJ), Litteris Editora (RJ) e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro/ Biblioteca Popular do Grajaú.

Na Internet participa da Antologia “Saciedade dos Poetas Vivos Digital”, volume 8, editado pela Editora Blocos. Possui poemas em sites e blogs diversos, como http://asasonoras.blogspot.com/, http://recantodasletras.uol.com.br/autores/luciaconstantino, http://www.blocosonline.com.br/.

A poetisa dedica-se à causa em prol dos animais, que são sua maior paixão na vida.

Fonte:
A Autora
http://www.blocosonline.com.br/

Livia Garcia-Roza (O Cachorro)

Imagem criada por Alex Koti
Eu estava conversando com minha filha que dizia que tinha ganhado um cachorro e estava muito feliz porque havia E muito tempo ela nos pedia um cachorro, a mim e ao pai, mas nós achávamos melhor ela ter um cachorro quando estivesse com mais idade e pudesse cuidar dele. Ela dizia que ia cuidar do seu cachorro, dar banho, ração, catar as pulgas, e levá-lo pra passear. Nunca mais ia ficar longe dele. Todas as suas amigas, suas primas, e até as professoras do colégio tinham cachorro, menos ela. Na mão dela havia uma espécie de coleira feita com um cinto; o cachorro amarrado ao cinto era o seu velho ursinho de pelúcia. Então ela me perguntou se eu tinha visto seu cachorro. Eu disse que sim.

- Qual é a cor dele?
- Amarelo, eu disse.
- Não, não é amarelo, ele é preto! - E disse que eu não estava vendo direito o cachorro dela.
- Estou sim, eu disse.

Aí ela me perguntou se ele era bonito.
- Claro que é! Uma beleza! - Achei que ela ficaria feliz com a resposta.
- Não, não é, ele é feio, muito feio, mas eu gosto dele assim mesmo, respondeu. - E repetiu que eu não estava vendo o cachorro e que ele estava ficando muito triste, e ela achava que ele ia começar a chorar.
- Estou, estou vendo sim, não se preocupe, disse eu.
- Então como ele é, grande ou pequeno?
- Ah, ele é grande.
- Não é, ele é muito pequeninho, não sabe andar, acho que vou ter que levá-lo no colo.
- Mais uma pergunta, mamãe, disse ela: Ele tem rabo ou cortaram o rabo dele?
- Espera, deixa eu olhar bem. Acho que cortaram o rabo dele, disse.
- Não, nada disso! Ele tem rabo, olha.
- Está bem, filha, acho que você tem razão, a mamãe está precisando de óculos.

Então ela falou: Vamos, Bobo, vamos passear e pegou o cachorro do chão abraçando-o no colo. - Ela não é mais sua avó, disse no ouvido dele. Referia-se a mim.

Nesse momento, o pai chegou. Disse para ele que tínhamos novidade. Então contei que nossa filha tinha ganhado um cachorro de presente e estava muito feliz. Antes que ela fizesse todas as perguntas e ele errasse as respostas, perguntei se ele estava vendo o cachorro.
- Que cachorro? Disse ele.
- O cachorro que está no colo de nossa filha, meu bem.
- Que filha? Disse ele me olhando fixo.
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Lívia Garcia-Roza
carioca, é psicanalista e autora de "Quarto de Menina" (1995), "Meus queridos estranhos" (1997), "Cartão Postal" (1999), "Cine Odeon" (2001), "Solo feminino: amor e desacerto" (2002), "A palavra que veio do sul" (2004), "Meu marido" (2006) e "A cara da mãe" (2007) e "O sonho de Matilde" (2010). Organizou a antologia "Ficções Fraternas" (2003) e integra as coletâneas "Boa companhia - Contos" (2003), "25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira" (2004) e "35 segredos para chegar a lugar nenhum: Literatura de baixo-ajuda" (2006).
Os livros Cine Odeon e Solo feminino foram semifinalistas no Prêmio Jabuti.

Fonte:
Suplemento Literário de Minas Gerais -Setembro-Outubro/2010 numero 1.332.

Lyslei Nascimento (O Fascínio dos Gatos)

Linus - Foto de José Feldman
O fascínio dos gatos pelos escritores e pelas bibliotecas é imemorial. Por conta disso, os gatos habitam, assombrando ou confortando, o imaginário de tantos autores. Célebres por sua astúcia, rapidez, sensibilidade, destreza e capacidade de sobrevivência, os gatos povoam os ritos de magia e, se negros, sãos os companheiros inseparáveis das bruxas e feiticeiras. Em dias de azar, associam-se às escadas para causar obstáculos à sorte. Sua aparição no repertório de crendices populares é infinita: os gatos tem sete vidas, a gordura deles pode curar doenças respiratórias, os alérgicos a gatos, dizem, não conseguem amar.

Os espertos, metaforicamente, dão o pulo do gato. Erros, descuidos e enganos são chamados de gato. Compra-se ou vende-se gato por lebre, fascínio quando se é enganado ou se quer enganar. Os gatos simbolizam, metaforicamente, os ladrões. São, contemporaneamente, os enamorados, chamados de gato e gata, mas, desde o antigo Egito, possuíam a condição ilustre de deuses. Gatos obesos são objeto do “olho gordo” que é dirigido aos seus donos.

Outros tantos provérbios, máximas populares e expressões caracterizam esse animal em sua rica acepção simbólica. Escritores famosos dedicaram obras ou criaram gatos ilustres como personagens: Kipling, T.S. Eliot, Baudelaire, Lewis Carroll, Edgar Alan Poe, só para citar alguns. Memoráveis são também os gatos dos contos de fadas, O Gato de Botas, os gatos das Histórias em Quadrinhos e, também, dos filmes de animação.

Joaquina cochila, indiferente, sob os livros de Borges. No poema “Beppo”, Jorge Luis Borges homenageia o “gato branco e casto” que se contempla no luzidio vidro do espelho e não pode saber que essa brancura e esses olhos de ouro nunca vistos são sua própria imagem. Em outro poema, “A um gato”, o animal se transforma e transcende: é, à luz da lua, uma pantera, que ao longe divisamos temerosos. Adivinha, Borges, que em minha biblioteca, Joaquina, anos depois, leria, com olhos de ouro, páginas amarelas. Avizinha-se, pois, em Borges, os gatos, os espelhos e a pantera. Gesto que se repete no conto “A escrita de Deus”, em que o narrador imagina uma rede de tigres, um quente labirinto de tigres, onde reside um mistério.

Em “Ode ao gato”, de Pablo Neruda, o poeta afirma que “todo o terrestre, porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato”. Desse modo, narra-se, como uma fábula, a criação dos animais, que imperfeitos se apresentam compridos de rabo, tristes de cabeça. “Pouco a pouco se foram compondo, fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça vôo”. Mas “o gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso: nasceu completamente terminado, anda sozinho e sabe o que quer”.

Otto Lara Resende, no Brasil, no extraordinário “Gato gato gato”, descobre que “a palavra não cabe o gato, toda a verdade de um gato” e que no duelo entre gato e menino, no quintal, estabelece-se o que poderia ser, belicamente, o milagre da comunicação perfeita. O gato, o alvo. O gato é o alvo. A pedrada passa assobiando pela crista do muro. O gato corre, elástico e cauteloso. “Inatingível às pedras e ao perigoso desafio de dois seres a se medirem”, sumiu por baixo da parreira ao sol. Dessa vez, ufa… escapa da pedrada. Outras pedras, outro menino, o encontrarão no caminho. Desenham-se, assim, as presas inúteis, a boca entreaberta. “O gato fora do gato, somente o corpo do gato”, “O gato sem o que nele é gato”, "a morte, que é ausência de gato no gato”.

“Os gatos da tinturaria”, de Cecília Meireles, são misteriosos e reais. No chão xadrez, ruídos “atropelam a geometria” e os “grandes gatos abrem compridos bocejos”. Assim, diz a poeta, proclamam a monarquia da renúncia e, tranquilos, vencidos, “dormem seu tempo de agonia”. Em sua realeza, a que renunciam e de quais batalhas se sentem vencidos?

A realeza dos gatos da tinturaria que se inscreve, sob um manto de bocejos, em Cecília, aparece, sutil, no poema “Pensão familiar”, de Manuel Bandeira. No jardim, há gatos espaçados ao sol. Um deles, pequenino, faz pipi e, registra o poeta, “encobre cuidadosamente a mijadinha”, “sai vibrando com elegância a patinha direita”, sendo este, “a única criatura fina na pensãozinha burguesa”.

No poema “Gatos que brincas na rua”, de Fernando Pessoa, o poeta inveja a sorte do gato que brinca na rua como se fosse na cama. Assim, a rua pública é comparada à cama, íntima e pessoal. Por isso, a felicidade do gato: “és feliz porque és assim, todo o nada que és é teu”. Os gatos na tinturaria, os gatos ensolarados da pensãozinha e os gatos de rua, são membros de uma genealogia de príncipes e de mendigos. Todos divinos e célebres. Todos, como “O gato”, de Vinícius de Moraes, possuem uma singela realeza. Os gatos passam do chão ao muro, mudando de opinião. Do muro ao chão, espaços sazonais para os felinos.

Gatos somem no Rio de Janeiro, diz a crônica “Perde o gato”, de Carlos Drummond de Andrade, marcando a indústria doméstica das cuícas à perda de Inácio. Para Drummond, livros e papéis beneficiam-se com a presteza austera do gato. Depois do sumiço de Inácio, a mesa do escritório se desvaloriza. Se se agravar a mediocridade das crônicas, admite, é falta de Inácio. O poeta, assim, reivindica mais do que a coruja, o gato como símbolo e guardião da vida intelectual. Nada contra as corujas.

Os dois gatos de meu amigo Rodrigo Gurgel, sentados sobre o Houaiss, ou esparramados no sofá, com os olhos faiscando num verde ambíguo, e, mostrando que sua intimidade com a biblioteca não tem sido vã, e Joaquina, branca, como nuvem em dia de sol, sobre os tomos de Borges, sugerem o final do ensaio “Os gatos, as bibliotecas e a literatura”, de Rodrigo, sussurrando-lhe, ao ouvido, uma frase que fecha o seu texto iluminado. Com esse sussurro, uma frase de Jean Cocteau, também termino “O fascínio dos gatos”: “Prefiro os gatos aos cães, porque não há gatos policiais”.

Fonte:
Suplemento Literário de Minas Gerais -Setembro-Outubro/2010 - edição 1332.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.70)


Trova do Dia

Trouxe um anjo às almas puras
a boa-nova mais linda:
- Glória ao Senhor nas alturas,
e aos homens a paz infinda!
A. A. DE ASSIS/PR

Trova Potiguar

Desejo aos amigos meus
um Natal pleno de luz,
com todas bênçãos de Deus
e a santa paz de Jesus!
CLARINDO BATISTA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 25º Lugar.

Que o renascer de JESUS,
nesta Noite de Natal,
traga uma réstia de luz
à cegueira universal!...
MARIA MADALENA FERREIRA/RJ

Uma Trova de Ademar

Por coisas que nos consomem,
peço ao filho de Maria
que, no coração do homem
haja um Natal todo dia.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Deus na terra... Eis o Natal!
Repicam sinos... Festanças...
Feriado nacional
no coração das crianças!
J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC

Estrofe do Dia

Mamãe, cadê meu presente?
perguntei já acordando.
ela foi se desviando
da resposta sutilmente
e me disse: - Zé Vicente
prometeu... nele eu confio!
Vá lá na beira do rio
pra ver se ele voltou!
papai Noel desprezou
meu sapatinho vazio.
WELLINGTON VICENTE/PE

Soneto do Dia

– Carolina Azevedo de Castro/PE –
O NATAL DO REI.

Numa cascata azul, resplandecente,
do firmamento à Terra se estendeu
a luz da estrela-guia, lentamente,
na santa noite em que Jesus nasceu!

Jerusalém vibrara intensamente,
quando a feliz notícia recebeu,
e postara-se, em preces, toda a gente,
em honra ao soberano Galileu.

Repleta estava a humilde estrebaria
e entre reis e pastores, enlevada,
orava a Mãe das Mães, Virgem Maria...

Velava pelo sono angelical
daquela criancinha bem-amada,
no seu mais belo e cândido Natal!...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XXI: Os Vícios de Linguagem

Logo depois Dona Sintaxe disse:

— Vou agora mostrar a vocês os vícios DE LINGUAGEM.

— Quê?! Andam soltos pela cidade, esses monstros?

— Não, menina. Os Vícios, eu os conservo em jaulas, como feras perigosas. Vamos vê-los.

A grande dama tomou a frente e os meninos a acompanharam até a uma cadeia com grades nas janelas e toda dividida em cubículos, também gradeados. Dentro desses cubículos estavam O BARBARISMO, O SOLECISMO, a ANFIBOLOGIA, a OBSCURIDADE, O CACÓFATO, O ECO, O HIATO, a COLISÃO, O ARCAÍSMO, O NEOLOGISMO e O PROVINCIANISMO.

Pedrinho notou que havia ainda um cubículo sem nenhuma fera dentro.

— E o Vício aqui desta gaiola?

— Esse já se reabilitou e anda solto pela cidade nova. Só não tem licença de aparecer na cidade velha.

— Quem era ele?

— O BRASILEIRISMO. . .

Emília espiou para dentro do primeiro cubículo, onde um monstro cabeludo estava a roer as unhas. Era o BARBARISMO.

— Que mal faz ao mundo este "cara-de-coruja"? — perguntou ela.

— Gosta de fazer as pessoas errarem estupidamente na pronúncia e no modo de escrever as palavras. Sempre que você ouvir alguém dizer poribir em vez de proibir, sastifeito em vez de satisfeito, púdico em vez de pudico, percurar ou percisa em vez de procurar ou precisa, saiba que é por causa deste cretino. Emília passou ao cubículo imediato, onde havia outro "cara-de-coruja" ainda mais feio.

— E este? — perguntou.

— Este é o tal SOLECISMO, outro idiota que faz muito mal à língua. Quando uma pessoa diz: Haviam muitas moças na festa, em vez de Havia muitas moças, está cometendo um Solecismo. Fui na cidade em vez de Fui à cidade, Vi ele na rua, em vez de Vi-o na rua, Não vá sem eu, em vez de Não vá sem mim, são outras tantas "belezas" que saem da cachola deste imbecil.

Emília botou-lhe a língua e passou ao terceiro cubículo. Viu lá dentro um vulto de mulher com duas caras.

— E esta "bicarada"? — perguntou.

— Esta é a ANFIBOLOGIA, que faz muita gente dizer frases de sentido duplo, ou duvidoso, como: Ele matou-a em sua casa. Em casa de quem, dele ou dela? Quem ouve fica na dúvida, porque a matança tanto pode ter sido na casa do matador como da matada.

Emília passou a espiar o quarto cubículo, onde estava presa uma negra muito feia, preta que nem carvão.

— E esta pretura? — perguntou.

— Esta é a OBSCURIDADE, que faz muita gente dizer frases sem nenhuma clareza, dessas que deixam quem as ouve na mesma.

Emília passou ao quimo cubículo, onde viu um sujeito sujo e de cara cínica.

— E este porcalhão?

— Este é o CACÓFATO, que faz muita gente ligar palavras de modo a formar outras de sentido feio, como aquele sujeito que ouviu no teatro uma grande cantora e foi dizer a um amigo: Ela trina que nem um sabiá. . .

Emília tapou o nariz e dirigiu-se ao sexto cubículo, onde estava um maluco muito barulhento.

— E este, com cara de cachorro? — indagou.

— Este é o ECO, que faz muita gente formar frases cheias de latidos, ou com desagradável repetição de sons. Quem diz: O pão de sabão caiu no chão late três vezes numa só frase, tudo por causa desta bisca.

Emília passou ao sétimo cubículo, onde havia um freguês com cara de gago.

— E este pandorga? — perguntou.

— Este é o HIATO, que faz muita gente formar frases com acentuação incômoda para os ouvidos. Quem diz: A aula é lá fora está sendo vítima deste Senhor Hiato.

Emília passou ao oitavo cubículo, onde estava presa uma mulher, toda requebrada.

— E esta ciciosa? — perguntou.

— Esta é a COLISÃO, que faz muita gente dizer frases cheias de consonâncias desagradáveis. Zumbindo as asas azuis é uma frase com o vício da Colisão.

Emília passou ao nono cubículo, onde estava um velho de cabelos brancos, todo coberto de teias de aranha.

— Este Matusalém?

— Este é o ARCAÍSMO, que faz muita gente pedante usar palavras que já morreram há muito tempo e que, portanto, ninguém mais entende.

—Já estive no bairro das palavras Arcaicas e travei conhecimento com algumas — observou Narizinho. — Mas por que está preso o pobre velho? Ele não tem culpa de haver palavras arcaicas.

— Mas tem culpa de botar essas velhas corocas nas frases modernas. Para que não faça isso é que está encarcerado.

Emília passou ao décimo cubículo, onde estava preso um moço muito pernóstico.

— E este aqui, tão chique? — perguntou.

— Este é o NEOLOGISMO. Sua mania é fazer as pessoas usarem expressões novas demais, e que pouca gente entende.

Emília, que era grande amiga de Neologismos, protestou.

— Está aí uma coisa com a qual não concordo. Se numa língua não houver Neologismos, essa língua não aumenta. Assim como há sempre crianças novas no mundo, para que a humanidade não se acabe, também é preciso que haja na língua uma contínua entrada de Neologismos. Se as palavras envelhecem e morrem, como já vimos, e se a senhora impede a entrada de palavras novas, a língua acaba acabando. Não! Isso não está direito e vou soltar este elegantíssimo Vício, já e já. . .

— Não mexa, Emília! — gritou Narizinho. — Não mexa na Língua, que vovó fica danada. . .

— Mexo e remexo! — replicou a boneca batendo o pezinho, e foi e abriu a porta e soltou o Neologismo, dizendo: — Vá passear entre os vivos e forme quantas palavras novas quiser. E se alguém tentar prendê-lo, grite por mim, que mandarei o meu rinoceronte em seu socorro. Quero ver quem pode com o Quindim. . .

Dona Sintaxe ficou um tanto passada com aquele rompante da Emília, mas nada disse. Quindim estava perto, de chifre pronto para entrar em cena ao menor sinal da boneca. . .

— Como está ficando despótica — murmurou a menina para Pedrinho. — Ainda acaba fazendo uma revolução e virando ditadora. . .

— É de tanta ganja que vocês lhe dão — observou o menino com uma ponta de inveja.

Emília encaminhou-se para o último cubículo, onde estava preso um pobre homem da roça, a fumar o seu cigarrão de palha.

— E este pai da vida que aqui está de cócoras? — perguntou ela.

— Este é o PROVINCIANISMO, que faz muita gente usar termos só conhecidos em certas partes do país, ou falar como só se fala em certos lugares. Quem diz naviu, menino, mecê, nhô, etc. está cometendo Provincianismos.

Emília não achou que fosse caso de conservar na cadeia o pobre matuto. Alegou que ele também estava trabalhando na evolução da língua e soltou-o.

— Vá passear, Seu Jeca. Muita coisa que hoje esta senhora condena vai ser lei um dia. Foi você quem inventou o Você em vez de Tu e só isso quanto não vale? Estamos livres da complicação antiga do Tuturututu. Mas não se meta a exagerar, senão volta para cá outra vez, está ouvindo?

O Provincianismo agarrou a trouxinha, o pito, o fumo e as palhas e, limpando o nariz com as costas da mão, lá se foi, fungando. Tão bobo, o coitado, que nem teve a idéia de agradecer à sua libertadora.

— Não há mais nenhum? — perguntou Emília logo que o Jeca se afastou.

— Felizmente, não — respondeu Dona Sintaxe. — Estes já bastam para me deixar tonta.

Terminada a visita aos Vícios de Linguagem, os meninos ficaram sem saber para onde ir.

— Esperem! íamo-nos esquecendo do Visconde. Temos de continuar na "campeação" dele — disse Emília, mordendo o lábio e olhando firme para a Sintaxe, a ver que cara ela faria diante daquela "campeação".

— Isso depois — opinou Pedrinho. — Estou com vontade agora de ver como as Orações se formam.

— Pois vamos a isso — concordou Dona Sintaxe. — Há aqui perto um jardim muito freqüentado pelas Senhoras Orações.

— Quem são essas damas?

— São frases que formam sentido, ou que dizem uma coisa que a gente entende.

— E a frase que não forma sentido? — perguntou Emília.

— Isso não é nada. É bobagem. . . — respondeu Dona Sintaxe, afastando-se dali.
______________________
Continua ... Capítulo XXII: As Orações ao Ar Livre
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Carlos Neto (A Morte do Cão)


Esta poesia já havia sido publicada, contudo não estava completa, e não conseguia obter a parte que o completava, até que um leitor do blog, o Padre Getúlio de Alencar, possuía o texto completo, extraido de um único exemplar da biblioteca do Senado Federal em Brasília, e mui cordialmente enviou ao Pavilhão, o qual agradeço a atenção para divulgar esta jóia da poesia, triste, mas maravilhosa.
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Chamaram-no Gelert. Soberbo cão de raça
Que um caçador famoso, um doudo pela caça,
Mandara vir de fora a peso de dinheiro;
Era um ídolo o cão, e ao carinho doce
Dos agrados gentis, o cão acostumou-se
A consagrar também a vida ao companheiro.

Na época melhor das ótimas caçadas,
Os dois partiam sós, à luz das alvoradas,
Buscando o coração estúpido das matas,
E voltavam depois, alegres e contentes,
Despertando em redor os íncolas dormentes,
Ao compassado som de estranhas serenatas.

Quantas vezes na caça o dente das panteras,
O bramido soturno e tétrico das feras,
Ameaçaram do cão o derradeiro instante! ...
Que perigos passou, quanta arriscada empresa
Não sofrera fiel, para apanhar a presa
Que ao dono provocasse um bravo delirante! ...

Mas, depois de algum tempo o cão envelhecido,
Desdentado, sem força, exausto, entorpecido,
Já bem dificilmente acompanhava o dono.
Era um cão sem valor, inútil companhia
Que preciso se fez, de dia para dia,
Ir deixando ficar em mísero abandono.

A fortuna também girou rapidamente;
E o velho caçador tão rico, de repente,
Sentiu minguar-lhe o pão, sentiu faltar-lhe o ouro;
A morte lhe roubara a esposa muito amada,
E ele viu sua casa erma e abandonada,
Tendo um filhinho só por único tesouro.

Um dia, disfarçando o peso da desgraça
Que aos poucos lhe esmagava o triste coração,
Ele partiu, cantando às emoções da caça,
Mas quis partir sozinho, e acorrentara o cão.

0 pobre companheiro, a pérola do pranto
Descera, mas ao ver o caçador contente,
O pobre cão lá foi resignado a um canto
Deitar-se, carregando o peso da corrente.

A noite que descia,
Em silencio profundo e em trevas envolvia
A casa. De repente
Ouve-se estranho passo. E logo, frente a frente,
Negro, ameaçador, sinistro, fero, enorme,
Farejando a amplidão, faminto, um lobo avança.
E lá no berço a criancinha dorme,
Como dorme no berço uma criança ...

Nesse momento,
No turvo olhar do cão, lucila um pensamento.
O lobo se aproxima... Escancarada a porta
Encontrava-se então ... Eis repentinamente,
A ganir, a uivar, o cão forceja e corta,
Num ímpeto de amor, os elos da corrente.
Travou-se então uma horrorosa luta,
No silencio da noite, indiferente e bruta...

Surdo ranger de dentes,
Ossos que estalam, ímpetos frementes
E contrações de dor, e urros, e gemidos,
Mil instintos da raiva em gritos comprimidos,
Na sede da vingança, e baques pelo chão,
Tudo acordava em torno a quieta solidão...
E o sangue a borbulhar, e o fogo do cansaço,
E a relva machucada, estendem pelo espaço
Um acre odor de guerra ...

Depois ... o baquear d'um corpo, em cheio, em terra,
Depois... um abafado e último gemido ...
- Um preito ao vencedor por parte do vencido -
Depois, diminuindo gradativamente,
Vagaroso arrastar de um corpo indiferente.
Depois. .. depois mais nada !
Era a tragédia finda e a noite sossegada ...

Mais tarde, ao despertar da fresca madrugada,
O caçador voltara.
E vendo a porta aberta e a casa palmilhada
Com o sangue do cão,
Corre para o filhinho... anseia... estua, para,
E ao ver ensangüentado o berço da criança
E vazio... Estremece, aperta o coração
E louco de amor paterno e louco de vingança,
Apanha junto ao peito o cabo do punhal,
E vendo aos pés, a festejar-lhe, o cão,
Atira um golpe rijo ao peito do animal,
Que exânime resvala em último estertor.
Mas nisto, ouve uma voz que chama o caçador:
"Papá ... Papá!" Alucinado, incerto,
(Era a voz do filhinho. .. o filho estava perto)
Correu - e espavorido ... atônito, absorto,
O foi achar contente, e rindo, e sossegado,
Junto à casa do cão; e ali, bem perto, ao lado,
O lobo enorme ensanguentado e morto.

Fontes:
- Imagem = http://www.maedecachorro.com.br/
- Poesia completa gentilmente enviada pelo Padre Getúlio de Alencar

Cida Freitas (Poesias Avulsas)


INQUIETAÇÃO

Se alguém pensa que é ruim estar inquieto
Não sabe o que é inquietação.
É ela que empurra a gente
Para buscar, de repente,
O que nem estava nos planos.
Inquietar-se é não se conformar
É não se omitir, é não se acomodar...
Inquietar-se é questionar a vida
Quando ela está mal resolvida...
É buscar verdades, é querer saber
É perguntar a Deus que quer responder...
É discordar da hipocrisia
Da corrupção, da covardia...
É descobrir-se também construtor do mundo
Num desprendimento profundo...
Inquietar-se é querer ternura
É dizer não à violência
É projetar utopias
É construir consciências...
Inquietar-se é não aceitar discursos vazios
De quem não possui ideal...
É fortalecer-se no outro que pensa igual
Inquietar-se é ser meio louco, meio poeta
Que projeta absurdos é fazer deles sua meta
Sabendo que o absurdo é relativo...
O louco é quem ousa
E quem não ousa não vai longe...
Poeta é quem vê portas no universo
E define a vida num verso...
É quem sabe que o relativo é importante
E o que o absoluto também é relativo...
Inquietar-se é ter coragem de revirar as ilusões
De colocar-se cara a cara com a vida
E com ela aprender as lições...
Inquietar-se é descobrir que só encontra quem busca
E só busca quem se inquieta
Verdade não só de louco e de poeta.

ESPERA

Pensando bem, a vida é uma longa espera:
Espero que amanheça
Que todo bem aconteça
Que a chuva não venha forte
Que o vento não traga a morte
Espero que meus filhos cresçam
E diante dos obstáculos não esmoreçam
Espero a filha que presta vestibular
Espero o amor que prometeu voltar
Espero estar viva amnhã
E não precisar de um divã...
Espero encontrar um amigo
Que saiba dialogar comigo
Espero que o mundo se entenda
Para evitar a morte horrenda
Espero que o Sol não nos mate
E a camada de ozônio se salve
Espero que a Amazônia não seja
Apenas o pulmão que se almeja
Espero que a consciência exista
E à hipocrisia resista...
Espero que os poderosos aprendam
Que o mundo não é só deles
Espero que o ser humano se encontre
No amor, na fé, na procura
Espero que Deus me dê forças
Pra que eu dê conta do recado
Espero que a igreja mude
Seu conceito de pecado
Espero que o mundo seja
Um lugar de muita paz
Espero que tudo se ajeite
Pra que possamos ser nós
Espero que o homem compreenda
Que todos precisam ter voz
Espero viver mais cem anos
Pra compreender os enganos
Espero que a vida aconteça
Em todo momento que existe
Espero ser feliz hoje e sempre
Pois não saberia ser triste
Espero ter descoberto
Que nem tudo é quimera
E que apesar de se ir à luta
A vida é mesmo uma espera.
–––––––-

OBS: Poesia que reflete um pouco da angústia de não poder interferir em certos aspectos da vida já que somos alguém limitado nessa complexidade que é existir.
Este poema faz parte do livro: Um Pouco de Nòs editado em 1991 pela Editora EDICON - SP.

Fonte:
http://sitedepoesias.com/poesias/28144

Cida Freitas (1950)


Nasceu em 14 de junho de 1950 na cidade de Santa Mariana, Pr, onde concluiu seus estudos primários e secundários. Filha de Júlio de Freitas e Palmira Mareze de Freitas, é a segunda dos seis irmãos. Cursou Letras pela Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão, hoje, UNESPAR. Na mesma Instituição fez o Curso de Especialização em Língua Portuguesa e, posteriormente, especializou-se em Supervisão Escolar. Casou-se em 1971 com Hélio Dias França com quem teve quatro filhos: Tânia, Luci Mara, Susi e Júnior. Divorciou-se em 1990.

Profissionalmente começou como balconista em sua cidade natal aos 14 anos. Aos dezoito, prestou concurso municipal e passou a lecionar no distrito Panema em Santa Mariana. No ano seguinte trabalhou no distrito Quinzópolis, no mesmo município. Após o casamento, mudou-se para Jesuítas, 1971, ano em que lecionou Língua Portuguesa na Escola Normal (Ensino Médio) na cidade de Formosa D'Oeste.

Em 1972 transferiu-se para Cianorte e em 1974, abriu uma empresa comercial de produtos esportivos. Optou pelo ramo empresarial para poder ficar perto dos filhos. Em 1979, transfere-se para Campo Mourão, onde abre a Casa dos Esportes que funcionou até 1996.

Voltou para o magistério em 1986. Lecionou no Colégio João D’ Oliveira Gomes, FECILCAM, Colégio Integrado e, há 10 anos, trabalha como Supervisora Pedagógica no Colégio Vicentino Santa Cruz onde, em 1995, ajudou a criar o curso de Ensino Médio. Em 1996, casou-se com o professor Jacó Gimenes e juntos criaram a empresa Instituto de Cultura e Desenvolvimento da qual foi sócia proprietária. Em 2000 criou o Centro Interativo de Aprendizagem.

Começou como escritora aos 14 anos, quando venceu um concurso promovido pela Secretaria Estadual de Educação, escrevendo 40 páginas sobre Natureza.

Em 1987, incentivada pela professora Sinclair Pozza Casemiro, participou do “I Varal de Poesias da FECILCAM” ficando com três dos cinco prêmios.

Lançou seu primeiro livro, “VIDA E POESIA”, na IV Bienal do Livro, no Rio de Janeiro em 1989. Depois vieram: “DEUS ABSTRATO”; “UM POUCO DE NÓS”; “TOQUE DA ALMA” e a revista especial “MÃE”, lançada pelo Rotary Club Verdes Campos durante a XLI Conferência Distrital em Campo Mourão.

Participa das Antologias: “Benditos Alternativos e Independentes” (EDICON-SP); “Antologia de Contos, Crônicas e Poesias” (EDICON-SP); “Selectio Prima” (FICILCAM-PR); “Proseando” (EDICON-SP); “Poeta, mostra tua cara” (Edições Garatuja-RS); “Vivência” (Artes Gráficas Mourãoense-PR). Assinou, por dois anos, a coluna “Vida e Poesia” no jornal Tribuna do Interior; hoje escreve para a Gazeta do Centro Oeste em sua coluna “Pensando...”.

Possui publicações no jornal “Turismo é Aqui”, na revista do “Lions Club”, fevereiro de 2002 e em jornais alternativos. Compôs para o CD “Meu Canto em Oração” (Paulinho): “Meu Querer”; “Doce pedido” e “Oferenda”. Para o CD Meu Canto em Oração II, compôs: “Só tu, Senhor”; “Meu canto”; “Minha Senhora” e “Oração”.

Foi membro da ACICAM, onde integrou a Diretoria por três gestões consecutivas. Presidente do Fórum Popular de Cultura. Coordenadora da Associação de Educação Católica do Paraná (AEC), Núcleo de Campo Mourão.

É membro da AME Associação Mourãoense de Escritores.

Cadeira numero 8 da Academia Mourãoense de Letras.

Membro do Conselho Municipal do Turismo, coordenando a área de Cultura. Presidente da Academia Mourãoense de Letras no biênio 2008-2010.

Fonte:
http://www.academiacm.org.br/academicos/cida-freitas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.69)


Trova do Dia

Vendo o presépio tão pobre
onde nasceu meu Jesus,
o céu de estrelas se cobre
enchendo as vidas de luz.
ARLENE LIMA/PR

Trova Potiguar

Já ganhei de carro à bola
de presente de Natal,
hoje peço pela escola
e pela paz mundial.
MARCOS MEDEIROS/RN

Uma Trova Premiada

2002 > Garibaldi/RS
Tema > Natal > 5º Lugar

Que os Natais tragam à vida
mais sentimento cristão,
e a cada mão estendida
a guarida de outra mão.
CAMPOS SALES/SP

Uma Trova de Ademar

Neste natal de oração,
de muita festa e de luz,
que eu sinta no coração
a presença de Jesus!
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Natal... repicam os sinos...
banha-se o mundo de luz...
Há nos lábios dos meninos
o sorriso de Jesus!
COLBERT R. COELHO/MG

Estrofe do Dia

Quando nos seus estertores,
um ano que se esfumaça,
a tristeza vira graça,
os espinhos viram flores,
os ais se calam nas dores,
problemas têm solução,
inimigo diz-se irmão
nesta farsa natalina;
um comércio que abomina
o sentimento cristão.
FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE

Soneto do Dia

– Colombina/SP –
INVOCANDO JESUS.

Com sua luz brilhante e ao mesmo tempo mansa,
despontará no céu a estrela do pastor;
abriram-se no mundo as rosas da esperança
quando em Belém nascera Cristo, o Redentor.

Crescendo para o bem, logo desfez a herança
(maldita porque feita de ódio e de rancor)
que esmagava o seu povo e sem escudo ou lança,
criou a leis das leis, que era de paz e de amor...

Com a sua palavra humilde, ele vencia
a prepotência, a usura, a maldade, a anarquia
e todas glórias vãs do mundo enganador.

Ó Messias, por que não vens pregar de novo
tua doutrina sã, para salvar o povo
que vive deturpando os mando do Senhor?

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XX: As Figuras de Sintaxe

Durante todo o tempo da conversa sintática, Pedrinho e Narizinho estiveram a observar, disfarçadamente, várias personagens da comitiva da grande dama. Ela, afinal, percebeu o joguinho e contou serem as tais FIGURAS DE SINTAXE.

— Figuras de Sintaxe? — repetiu Narizinho sem compreender. — Que espécie de figuras são essas?

A grande dama explicou:

— Eu tenho sempre comigo umas tantas Figuras que me auxiliam no trabalho de trazer bem arrumadinhas as Orações. Vou apresentá-las a vocês.

E dirigindo-se às Figuras:

— Senhoras Figuras de Sintaxe, permiti-me que vos apresente à grande Emília, Marquesa de Rabicó, à menina do Narizinho Arrebitado e ao Senhor Pedrinho. E ali — continuou, apontando para o rinoceronte —, um grande filólogo da Uganda, que se acha de passeio pelas terras da Gramática.

As Figuras fizeram uma graciosa reverência. Em seguida a grande dama passou a explicar as funções de cada uma.

— Este aqui — disse, indicando um jeitoso figurão, é o Senhor PLEONASMO, cujo serviço consiste em reforçar o que a gente diz. Quando uma pessoa declara que viu com os seus próprios olhos, está usando um Pleonasmo, porque se dissesse apenas que viu já a idéia estaria completa. Está claro que ninguém pode ver senão com os seus próprios olhos; mas falando dessa maneira pleonástica fica mais forte a expressão. O Pleonasmo tem de ser discreto e exato; se repete, ou comete uma redundância sem que a força da expressão aumente, torna-se defeito. Tudo quanto é inútil constitui defeito.

Pleonasmo ofereceu os seus préstimos aos meninos e retirou-se, depois duma elegante curvatura.

— Esta aqui — continuou Dona Sintaxe indicando outra . Figura — é a minha amiga ELIPSE, que suprime da frase tudo quanto pode ser facilmente subentendido. Nesta Oração: Gosto de uvas e você, de laranjas, a Senhora Elipse cortou duas palavras sem que o sentido perdesse alguma coisa. Sem esse corte a frase ficaria assim: (Eu) gosto de uvas e você (gosta) de laranjas, mais comprida e menos elegante.

A Senhora Elipse deu um beijinho na boneca e retirou-se.

— E esta aqui — prosseguiu Dona Sintaxe — é a Senhora ANÁSTROFE, que inverte os termos da frase. Quando uma pessoa diz: Acabou-se a festa, em vez de dizer: A festa acabou-se, está se servindo do bom gosto da minha amiga Anástrofe.

A gentil Anástrofe quis também dar um beijo na boneca; mas Emília fugiu com o rosto, pensando lá na sua cabecinha: "Um beijo desta diaba é capaz de inverter os 'termos da minha cara', pondo a boca em cima do nariz, ou coisa parecida".

— Pois é assim, meus meninos — concluiu Dona Sintaxe depois que a última Figura se retirou. — Estas amigas valem por ajudantes preciosos. Graças ao seu concurso consigo dar muita graça e elegância às frases.

— A tal Senhora Anástrofe não será por acaso irmã duma tal Catástrofe? — perguntou Emília, de ruguinha na testa.

Dona Sintaxe riu-se da lembrança e não achou fora de propósito a pergunta.

— Perfeitamente — respondeu. — São duas palavras de formação grega bastante aparentadas. Anástrofe é formada de Ana (entre) e Strepho (eu viro). E Catástrofe é formada de Kata (debaixo) e o mesmo Strepho (eu viro). . . São, pois, irmãs por parte do pai, que é o Verbo Strepho. Uma vira entre. Outra vira de pernas para o ar. Mas ambas viram. . .

A boa dama ainda conversou com os meninos por longo tempo, explicando os muitos trabalhos que tinha na língua para que as frases andassem corretamente vestidas.

— Quer dizer que a senhora é uma espécie de costureira — lembrou Narizinho.

Dona Sintaxe achou que não.

— Costureira propriamente não. Meu papel na língua é de arrumadeira.

— E quanto ganha por mês? — indagou Emília.

— Nada, bonequinha. Trabalho de graça — trabalho por amor à limpeza e ao bom arranjo deste meu povinho, que são as frases. Mas vamos agora ver outra coisa.

Quero que vocês conheçam os Vícios de Linguagem, que eu conservo aqui por perto, presos em gaiolas.

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Continua ... Capítulo XXI: Os Vícios de Linguagem
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Lucia Constantino (Ao Mestre de Assis)

Clenir Lima Neves Ribeiro (Trovas que eu Faço Sonhando)


Brigamos... e mesmo tensa
renovei minha proposta...
Como dói, se a indiferença
traz em silêncio a resposta!

Quem num gesto de humildade
Planta o bem e não se cansa,
Na colheita da bondade
Enche o mundo de esperança

Disseste adeus... E o tormento
Na hora da despedida,
Foi sentir que, num momento,
Te perdi por toda vida !...

Mantém a calma querido
E não fique assim tristonho
Depois de um sonho perdido
Sempre se encontra outro sonho.

Quanta tristeza me invade
Nesta vida amargurada.
- Eu quero sentir saudade
Sem ter saudade de nada,

Se o rumo de minha vida
É estreito e sem espaço,
Eu sempre encontro saída
No caminho dos teus braços!...

Depois de tantos fracassos,
Na insônia tento encontrar
Algum espaço em teus braços,
Para eu dormir e sonhar !...

Mais triste que a despedida
Foi sentir nos braços teus
Que o " Depois " de minha vida
Carregaste nesse adeus !

O vento sopra tristonho,
Na solidão que me invade...
- Transforma brisas de sonho
Em vendavais de saudade...

Que importa a minha ansiedade
Desta constante lembrança!
- Meu " agora " é de saudade...
- Meu " depois" é de esperança!...

Voa a pipa em céu deserto...
Lembro o meu tempo á distância...
E esse céu era tão perto
Da rua de minha infância...

Minhas noites tem mais brilho,
Não importa meus fracassos...
- Quando acalanto meu filho
Eu sinto a vida em meus braços.

- Sorri a frágil criança
E o seu olhar reluzente,
E a própria luz da esperança
Num pedacinho de gente

Pobre espantalho!... Nem viste
Que a mais triste solidão,
É ver um pássaro triste
Nas palhas de tua mão!..

Não guardo mágoas querida
Sem revolta caminhando
Faço versos pela vida
Porque estou sempre sonhando!

Tu dizes que não me queres,
Eu venço os dias tristonhos
Porque sei que entre as mulheres
- Sou senhora dos teus sonhos'.

No momento da partida,
Disfarço, sei que é preciso...
Falsa alegria da vida,
Que vem por traz de um sorriso !...

Chega a tarde e há nostalgia
Nesta angústia desmedida...
- Que importa o nascer do dia ?
Tudo é tarde em minha vida...

É tanta dor que me invade
Com esta sua demora,
Que ao chegar, minha saudade
Há muito já foi embora.

Partiste... E em meio à lembrança
A saudade continua
Pondo luzes de esperança
Nos postes de minha rua !

Nem precisas mais voltar...
Em meu refúgio tristonho,
Envelheci de esperar...
E mais velho está meu sonho!...

Vendo a espera angustiante,
O meu relógio, sem graça,
Vai mostrando o teu semblante
Em cada instante que passa !...

Mesmo no dia tristonho
Minha esperança mantenho,
Porque nas horas que sonho
Bendigo as horas que tenho.

Foi longa a espera sofrida
Ficaste pouco, eu lamento,
Mas valeu por toda vida
Ser feliz por um momento

Fui pobre quando criança,
Mas nos meus dias risonhos,
Eu me vesti de esperança
Com retalhinhos de sonhos

Tendo a esperança por perto,
Procuro, desde menino,
Caminhar em passo certo,
Mas tropeço em meu destino !

Não me importo se demoras,
Quando a tristeza me invade;
Para que contar as horas
Se já não sinto saudade ?...

Os meus sonhos já morreram
Na vida longa e cansada,
E dentro de mim nasceram
Amanhãs cheios de nada...

Bendita mão calejada
Que trabalha a plantação
E sem colher quase nada
Planta esperanças no chão.

Sou velho, que, em minha andança,
Tenho sonhos de menino...
- E enquanto houver esperança,
Abençôo o meu destino

Se falta um sonho perdido,
No dia a dia tristonho,
Eu não me dou por vencido
E te encontro em outro sonho...

Vais ficar... Por mais que eu tente
O teu desprezo me assalta...
Quanto mais estás presente,
Mais eu sinto a tua falta !

Essa espera me angustia...
E sem ter com o que sonhar,
Vou morrendo a cada dia ! ...
Vivendo só de esperar !...

Vais voltar !... Quem sabe o dia ?
- Entre promessa e saudade,
Vou vivendo de agonia
E morrendo de ansiedade.

Pior é a dor que me assalta
Neste momento de adeus
Pois além de tua falta,
Eu sinto a falta de Deus !

Num devaneio tristonho,
Depois de tantos fracassos,
Eu abraço qualquer sonho
Para alcançar os teus braços !...

Neste amor desencontrado,
Busquei, em vão ser feliz...
- Eu quis ficar ao teu lado,
Mas o destino não quis...

Fonte:
UBT Juiz de Fora

Roberto Pinheiro Acruche (Meus Poemas n.7)

PAIXÃO OCULTA

Durante anos nos olhávamos,
trocávamos amabilidades
e falávamos sobre muitos acontecimentos...
Coisas do dia a dia, episódios da vida,
ocorrências antigas...
E a nossa amizade,
já amadurada pelo tempo,
não deixava que abríssemos
os nossos corações, para revelar
um sentimento que germinava
no peito e que a cada dia ficava mais
evidente, flagrante e manifesto.
Beijando-lhe a face,
gesto comum em nossas saudações,
ao sentir o seu perfume,
não resistindo o impulso,
exclamei:
- Quisera sentir esse seu perfume
beijando seus lábios!
Um olhar direto, súbito, ela me dirigiu;
silenciosa, espichou os braços
afastando-nos de um tenro abraço
e caminhamos.
Nada mais, apesar de conversarmos,
ponderamos sobre o ocorrido.

Mas ficou visível, claro, indubitável,
que algo mais intenso nos unia; e nossas
reações demonstraram confessadamente,
que ocultávamos o que verdadeiramente sentíamos.
Dias decorreram, sem que atrevessemos
insinuar, qualquer manifestação,
a propósito do meu repentino gesto.
Razões provocadas pelas nossas existências,
talvez, em decorrência de nossos destinos,
nos afastaram por certo período.
Até que, num inesperado encontro,
sem que nada disséssemos,
nos entregamos num beijo prolongado,
voluptuoso, fazendo revelar todo o
desejo que fluía de nossos instintos...
Antecedendo a um novo momento,
onde deleitamos toda a sensação
de uma conjunção amorosa,
com a voracidade que nossa avidez ansiava.


ILUSÃO

As pessoas me perguntam:
- Afinal, onde está aquele grande amor,
aquela paixão tão intensa, tão bonita,
que te deixava risonho, radiante,
um legítimo modelo de felicidade?
Daí, esboçando um sorriso, respondo:
- Tudo, como na vida,
um dia acaba
e o tempo germina o esquecimento...
Não existe mais nada,
Terminou.
Ah... Quem me dera fosse verdade!...
Que nada mais existisse...
Que livre desse amor me visse...
Eu não esboçaria esse sorriso triste,
não sentiria essa saudade
que me lanha o peito,
que me transforma,
que me faz desse jeito...
Autêntico modelo de infelicidade!

MEU SEGREDO

Por mais que eu queira
Não posso dizer que te amo
Mesmo te amando intensamente.
Por mais que te queira
Não posso revelar o tamanho da minha paixão.

Por mais que eu queira
Não posso estar ao teu lado
Sentindo as tuas carícias
O toque sutil de tuas mãos sedosas
O sabor dos teus beijos.

Por mais que eu queira
Também não posso te esquecer...
Tu estas em meus sonhos
Nas minhas fantasias
Nas minhas ilusões
Nas minhas orações
Nas minhas horas de nostalgia
Nas horas que canto, grito o teu nome,
que este amor me consome
e me faz sofrer...
Não posso te esquecer.

Se algum dia
Tu olhares para mim
Saberás enfim
Que não vivo apenas por viver...
Vivo, porque te amo.

Fonte:
O Autor

Casa do Poeta de Canoas (Sarau de Fim de Ano)



Eis que mais um ano se encerra. Um ano em que várias realizações foram possíveis graças ao apoio de nossos associados, colaboradores e simpatizantes. Para comemorar-mos mais este período de congregação, que nos uniu em torno de um objetivo comum: cultivar a poesia, o amor e a paz, convidamos todos para participar do:
SARAU DE ENCERRAMENTO
Quarta-feira - 15/12/2010 - 19h
CLUBE CULTURAL CANOENSE
Dr. Barcelos, 1271 - Centro / Canoas

Durante o evento serão entregues os
TRÓFEUS DESTAQUE 2010,
concedidos pela Revista SÍMBOLO aos destaques culturais do ano.

Contamos com a presença de todos nossos associados, colaboradores e simpatizantes
para promovermos mais esta confraternização de final de ano.

Um grande abraço a todos e nos vemos lá.

Maria Santos Rigo
Presidente da Casa do Poeta de Canoas

Cadastre-se no site e receba por email as notícia e novidades da Casa do Poeta de Canoas.

Fone: (51) 3476.4431 / 9669.4615
www.casadospoetas.com.br poetas@casadospoetas.com.br

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.68)


Trova do Dia

Que o Natal seja semente
de paz e amor fraternal,
despertando, em toda gente,
um verdadeiro Natal!
MARISA VIEIRA OLIVAES/RS

Trova Potiguar

Dai-nos ó, Pai, a razão,
desta santa imagem tua...
e que eu reparta o meu pão,
com quem não tem pão na rua!!!
PROF. GARCIA/RN

Uma Trova Premiada

2001 > Petróplis/RJ
Tema > “JESUS” > 47º Lugar.

Que Jesus, em meu destino
de um mundo justo e perfeito,
seja sempre o Deus-Menino
brincando, aqui, no meu peito.
JOSÉ MESSIAS BRAZ/MG

Uma Trova de Ademar

Num Natal que nos irmana,
onde o vinho é o que reluz,
numa ceia assim profana...
Não há lugar pra Jesus.
ADEMAR MACEDO/RN

...E Suas Trovas Ficaram

Papai Noel, bom velinho,
neste Natal, sob a lua,
procure meu sapatinho
sobre a janela da rua.
ADELIR MACHADO/RJ

Estrofe do Dia

O senhor, Papai Noel,
esqueceu meu endereço.
Por que é que eu não mereço
um presente aí do céu?
o guri do bacharel
todo ano tem presente,
mas, a mim, que sou carente
nunca deste um presentinho.
Tudo bem, sou pobrezinho,
mesmo assim, também, sou gente.
TARCÍSIO FERNANDES/RN

Soneto do Dia

– Adélia Victória/SP –
O CORAÇÃO E O NATAL.

Calcei as rijas botas da coragem.
Forcei a testa a se alterar ao vento.
Sai da loja, o embrulho por bagagem,
fingindo estar ao mundo desatento.

Com fitas e o cartão com a mensagem,
levava para casa, no momento,
presentes de Natal, numa embalagem
que a meu filho daria encantamento.

Pretendia afoga, na caminhada,
meu próprio coração perante a cena
da criança na rua abandonada...

Mas... foi em vão. À frente, logo adiante,
dei o pacote – me vencera a pena! –
a um pequenino e sujo mendicante...

Fonte:
Ademar Macedo

Monteiro Lobato (Emília no País da Gramática) Capítulo XIX: Nos Domínios da Sintaxe

O tráfego naquela cidade não era bem regulado. Nada de flechas indicativas das direções, nem "grilos" poliglotas que guiassem os viajantes. De modo que os meninos, em vez de darem no bairro das Sílabas, para onde pretendiam ir a fim de saber que história era aquela do Ditongo, foram parar num bairro desconhecido.

— Onde estamos? — quis saber Pedrinho.

— No bairro da SINTAXE — respondeu Quindim. — Esta cidade divide-se em duas zonas. A primeira é a zona da LEXIOLOGIA, onde todas as palavras vivem soltas, como vocês já viram. A segunda (esta aqui) é a zona da Sintaxe, onde as palavras só saem em família, casadinhas, com filhos e parentaIha. Uma família de palavras chama-se uma ORAÇÃO.

Os meninos viram que realmente não passeavam por ali palavras soltas. Apareciam sempre aos magotes, formando frases completas.

Passou um grupo que formava esta frase: O Visconde raptou um ditonguinho. Quindim explicou:

— Esta frase é uma Oração que leva na frente o chefe da família, ou o SUJEITO; depois dele vem um PREDICADO.

— Quer dizer — indagou Narizinho — que em cada Oração há sempre um chefe, que é o tal Sujeito, seguido por um Predicado?

— Sim. Eles são chamados os TERMOS ESSENCIAIS DA ORAÇÃO. O sujeito dirige tudo, faz e desfaz, manda e desmanda. Quando você diz: Tia Nastácia faz bolinhos muito gostosos, o Sujeito é Tia Nastácia — e está claro que sem esse Sujeito, adeus bolinhos! O Sujeito é sempre um Substantivo, ou frase que corresponda a um Substantivo.

— Alto lá! — exclamou Emília. — Se eu digo: Tu és um paquiderme gramatical, o Sujeito é Tu — e Tu não passa de muito bom Pronome.

— Sim, Tu é Pronome, mas está na frase representando a mim, rinoceronte, que sou um Substantivo.

Emília viu que era assim mesmo e calou-se.

— Muito bem — continuou Quindim, satisfeito de haver pregado um quinau na boneca. — Sujeito é isso. Vamos ver agora quem sabe o que é Predicada.

Ninguém sabia.

— Predicado — explicou ele — é o que se diz do Sujeito.

— Mas o que se diz do Sujeito está no Verbo, lembrou o menino. Na frase: O gato comeu o rato, o que se diz do Sujeito Gato é que Comeu o rato.

— Pois é isso mesmo — confirmou Quindim. — O Predicado está dentro do Verbo. Depois aparecem os TERMOS INTEGRANTES DA ORAÇÃO, que completam o sentido da oração e são por isso indispensáveis.

— Já ouvi falar num tal COMPLEMENTO VERBAL — disse o menino.

— Sim, e é muito importante. Como alguns Verbos não completam sozinhos o sentido da Oração, eles estão sempre exigindo outras palavras para que a Oração tenha sentido. Essas palavras que completam o sentido do Verbo são chamadas Complemento Verbal. Na Oração: O Gilson matou o tico-tico, o Complemento Verbal é Tico-Tico, e nesse caso é chamado OBJETO DIRETO, porque vem diretamente ligado ao Verbo.

— Já sei — disse Emília —, o Verbo Matar é dos tais Verbos Transitivos, que exigem Complemento.

— Isso mesmo — respondeu Quindim, admirado com a sabedoria da boneca. — Mas nesta outra Oração: O Visconde gosta de ditongos, o Complemento Verbal, De Ditongos, é chamado OBJETO INDIRETO, porque o Verbo Gostar não se liga a ele diretamente, mas precisa ainda intercalar essa Preposição De. Quem diz Gosta tem de completar a idéia dizendo Do que gosta.

— E que mais há numa Oração?

— Há os chamados TERMOS ACESSÓRIOS, que desempenham uma função secundária, limitando o sentido dos substantivos, ou exprimindo alguma circunstância. Nesta Oração: Emília está aprendendo gramática sem o perceber, este Sem O Perceber é um ADJUNTO ADVERBIAL, que exprime uma circunstância — o modo pelo qual Emília está aprendendo. Na Oração: O pica-pau pica o pau no terreiro, o No Terreiro é um ADJUNTO ADVERBIAL que explica em que lugar o pica-pau está picando o pau.

— E fora esse Adjunto Adverbial, que outro Acessório existe? — perguntou Emília, torcendo o nariz para as palavras difíceis.

— Há o ADJUNTO ADNOMINAL, que determina ou qualifica o Substantivo que ele complementa. Na expressão: Narizinho arrebitado; este Adjetivo Arrebitado é o Adjunto Adnominal do Sujeito Narizinho.

Estavam nesse ponto quando ouviram um rebuliço na praça. Era uma senhora de maneiras distintas, com lornhão de cabo de madrepérola, que vinha vindo, seguida de um cortejo de frases.

— Quem será aquela grande dama? — indagou Narizinho.

— Oh, é a Senhora Sintaxe, a dona de tudo isto por aqui. Quem governa e dirige a concordância das palavras nas frases é sempre ela. Uma senhora exigentíssima.

Os meninos foram ao encontro da grande dama, à qual Narizinho fez as necessárias apresentações. Ela gostou muito da carinha da Emília, mas achou que o chifre de Quindim podia ser menos pontudo. Depois de alguns instantes de prosa, disse Dona Sintaxe:

— Pois é isso, meus meninos. Sou eu quem faz estas palavrinhas comportarem-se como é preciso dentro das Orações. Obrigo-as a terem boas maneiras, a seguirem as regras do bom-tom. Forço o Verbo a concordar sempre com o Sujeito, e o Adjetivo a concordar com o Substantivo. Também não deixo que o Pronome discorde do Substantivo. Se não fossem as minhas exigências, as frases virariam verdadeiras bagunças. Passo a vida fiscalizando a concordância das Senhoras Palavras.

Nesse momento passou a certa distância, muito envergonhada de si própria, uma frase que dizia assim: Os gatos comeu os ratos. Dona Sintaxe ficou vermelha de cólera e chamou-a com um gesto enérgico.

— Venha cá! Então não sabe que o Verbo tem de concordar sempre com o Sujeito? Lambona! Vivo dizendo isto. . .

— A culpa é do Verbo — fungou o Sujeito. — Eu bem que o avisei. . .

Dona Sintaxe tocou dali o Comeu e pôs no lugar um Comeram.

— Agora sim — disse ela sorrindo. — Agora a frase está certíssima. Os gatos comeram os ratos. Pode ir, e nunca mais me apareça de Verbo torto, ouviu?

Dona Sintaxe encontrou mais adiante outra aleijadinha — uma Oração que rezava assim: Nós vai brincar, e consertou-a, pondo o Verbo no plural — Vamos. -

Depois, voltando-se para Emília, que estava de mãozinhas na cintura gozando a cena, explicou:

— Minha vida aqui é o que se vê. Tenho de estar fiscalizando todas estas senhoritas para que a cidade não vire salada de batatas. As frases que andam com a concordância na regra tornam-se claras como água da fonte — e a clareza é a maior qualidade que existe. Tenho também de cuidar da COLOCAÇÃO ou da ordem das palavras na frase.

— Então elas não podem arrumar-se como querem? — perguntou Emília.

— Absolutamente não. Têm de seguir certas regras para que o pensamento fique bem claro e bem vestido. A minha preocupação é sempre a mesma — clareza. As frases formam-se para exprimir o pensamento dos homens, e a boa ordem das palavras na frase ajuda a expressão do pensamento.

— A senhora tem toda a razão — concordou a boneca.

— Lá no sítio de Dona Benta o Substantivo Nastácia também gosta de dar ordem a tudo, porque a ordem facilita a vida, diz ela.

— Eu uso aqui várias regras — continuou Dona Sintaxe — umas para a ORDEM DIRETA e outras para a ORDEM INVERSA. Na Ordem Direta ponho sempre os Sujeitos antes do Verbo; ponho os Complementos logo depois das palavras que eles complementam; ponho os Adjetivos logo depois dos Substantivos que eles modificam; e ponho as palavrinhas de ligação entre os termos que elas ligam. Fica tudo uma beleza, de tão claro e simples. Mas há também a Ordem Inversa, na qual estas regras não são seguidas.

— Nesse caso a clareza deve sofrer muito — observou a menina.

— Há limites. Se o sentido da frase fica bem claro, eu deixo que a frase se afaste da Ordem Direta; mas se o sentido fica obscuro ou duvidoso, ah, não admito! O que quero saber nesta cidade é de clareza e mais clareza, porque a clareza é o sol da língua.

— E quais as regras para a Ordem Inversa? — perguntou Pedrinho.

— Uma delas é que o Verbo deve vir antes do Sujeito, se a frase está na forma interrogativa. Eu não deixo dizer, por exemplo: Ele é quem? Obrigo a dizer: Quem é ele? Nas chamadas frases OPTATIVAS e IMPERATIVAS também mando pôr o Sujeito em seguida ao Verbo, como neste exemplo: Vaze tu o que ordeno, que é frase Imperativa. Ou nesta: Seja você muito feliz, que é frase Optativa.

— E que mais?

— Os Pronomes Demonstrativos eu os ponho antes dos Substantivos por eles determinados. Digo, pois: Aquele pica-pau, e não pica-pau aquele. Este rinoceronte, e não Rinoceronte este.

Também os Numerais são escritos antes dos Substantivos por eles determinados. Assim: Três meninos, e não Meninos três.

— E os Pronomes Oblíquos, que é que a senhora faz com eles?

— Esses eu mando colocar de três modos diferentes — antes do Verbo, no meio do Verbo e depois do Verbo.

— No meio do Verbo? — indagou Emília com cara de espanto. — Como? Então a senhora corta o Verbo com uma faca para enfiar o Pronome dentro?

— Exatamente. Abro o Verbo e ponho o Pronome dentro. Nesta frase: O gato se fartará de ratos, eu posso fazer essa operação cirúrgica. Abro o Verbo Fartará e ponho o Pronome dentro, assim: Fartar-se-á. E a frase fica esta: O gato fartar-se-á de ratos — muito mais elegante que a outra.

— Tal qual Tia Nastácia costuma fazer com os pimentões. Abre os coitados pelo meio, tira as sementes e enfia dentro uma carne oblíqua.

Dona Sintaxe aprovou os pimentões de Tia Nastácia. Depois disse:

— Os gramáticos chamam PRONOME PROCLÍTICO ao que vem antes do Verbo, como em: O menino SE queimou. Chamam PRONOME ENCLÍTICO ao que vem depois do Verbo, como em: O menino queimou-SE. E chamam PRONOME MESOCLÍTICO ao que vem no meio do Verbo, como em: O menino queimar-SE-á.

— Quanta complicação para dar dor de cabeça nas crianças! — comentou Narizinho. — Eu, se apanhasse um gramático por aqui, atiçava Quindim em cima dele. . .
Nisto Emília deu uma vastíssima gargalhada.

— Que é isso, bonequinha? — perguntou a Sintaxe. — Viu o passarinho verde?

— Estou me lembrando dos pimentões mesoclíticos que Tia Nastácia faz sem saber. . . — respondeu a diabinha.
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Continua ... Capítulo XX: As Figuras de Sintaxe
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Emília no País da Gramática. SP: Círculo do Livro. Digitalizado por http://groups.google.com/group/digitalsource