Imagem criada por Alex Koti
Eu estava conversando com minha filha que dizia que tinha ganhado um cachorro e estava muito feliz porque havia E muito tempo ela nos pedia um cachorro, a mim e ao pai, mas nós achávamos melhor ela ter um cachorro quando estivesse com mais idade e pudesse cuidar dele. Ela dizia que ia cuidar do seu cachorro, dar banho, ração, catar as pulgas, e levá-lo pra passear. Nunca mais ia ficar longe dele. Todas as suas amigas, suas primas, e até as professoras do colégio tinham cachorro, menos ela. Na mão dela havia uma espécie de coleira feita com um cinto; o cachorro amarrado ao cinto era o seu velho ursinho de pelúcia. Então ela me perguntou se eu tinha visto seu cachorro. Eu disse que sim.
- Qual é a cor dele?
- Amarelo, eu disse.
- Não, não é amarelo, ele é preto! - E disse que eu não estava vendo direito o cachorro dela.
- Estou sim, eu disse.
Aí ela me perguntou se ele era bonito.
- Claro que é! Uma beleza! - Achei que ela ficaria feliz com a resposta.
- Não, não é, ele é feio, muito feio, mas eu gosto dele assim mesmo, respondeu. - E repetiu que eu não estava vendo o cachorro e que ele estava ficando muito triste, e ela achava que ele ia começar a chorar.
- Estou, estou vendo sim, não se preocupe, disse eu.
- Então como ele é, grande ou pequeno?
- Ah, ele é grande.
- Não é, ele é muito pequeninho, não sabe andar, acho que vou ter que levá-lo no colo.
- Mais uma pergunta, mamãe, disse ela: Ele tem rabo ou cortaram o rabo dele?
- Espera, deixa eu olhar bem. Acho que cortaram o rabo dele, disse.
- Não, nada disso! Ele tem rabo, olha.
- Está bem, filha, acho que você tem razão, a mamãe está precisando de óculos.
Então ela falou: Vamos, Bobo, vamos passear e pegou o cachorro do chão abraçando-o no colo. - Ela não é mais sua avó, disse no ouvido dele. Referia-se a mim.
Nesse momento, o pai chegou. Disse para ele que tínhamos novidade. Então contei que nossa filha tinha ganhado um cachorro de presente e estava muito feliz. Antes que ela fizesse todas as perguntas e ele errasse as respostas, perguntei se ele estava vendo o cachorro.
- Que cachorro? Disse ele.
- O cachorro que está no colo de nossa filha, meu bem.
- Que filha? Disse ele me olhando fixo.
---------------
Lívia Garcia-Roza
carioca, é psicanalista e autora de "Quarto de Menina" (1995), "Meus queridos estranhos" (1997), "Cartão Postal" (1999), "Cine Odeon" (2001), "Solo feminino: amor e desacerto" (2002), "A palavra que veio do sul" (2004), "Meu marido" (2006) e "A cara da mãe" (2007) e "O sonho de Matilde" (2010). Organizou a antologia "Ficções Fraternas" (2003) e integra as coletâneas "Boa companhia - Contos" (2003), "25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira" (2004) e "35 segredos para chegar a lugar nenhum: Literatura de baixo-ajuda" (2006).
Os livros Cine Odeon e Solo feminino foram semifinalistas no Prêmio Jabuti.
Fonte:
Suplemento Literário de Minas Gerais -Setembro-Outubro/2010 numero 1.332.
- Qual é a cor dele?
- Amarelo, eu disse.
- Não, não é amarelo, ele é preto! - E disse que eu não estava vendo direito o cachorro dela.
- Estou sim, eu disse.
Aí ela me perguntou se ele era bonito.
- Claro que é! Uma beleza! - Achei que ela ficaria feliz com a resposta.
- Não, não é, ele é feio, muito feio, mas eu gosto dele assim mesmo, respondeu. - E repetiu que eu não estava vendo o cachorro e que ele estava ficando muito triste, e ela achava que ele ia começar a chorar.
- Estou, estou vendo sim, não se preocupe, disse eu.
- Então como ele é, grande ou pequeno?
- Ah, ele é grande.
- Não é, ele é muito pequeninho, não sabe andar, acho que vou ter que levá-lo no colo.
- Mais uma pergunta, mamãe, disse ela: Ele tem rabo ou cortaram o rabo dele?
- Espera, deixa eu olhar bem. Acho que cortaram o rabo dele, disse.
- Não, nada disso! Ele tem rabo, olha.
- Está bem, filha, acho que você tem razão, a mamãe está precisando de óculos.
Então ela falou: Vamos, Bobo, vamos passear e pegou o cachorro do chão abraçando-o no colo. - Ela não é mais sua avó, disse no ouvido dele. Referia-se a mim.
Nesse momento, o pai chegou. Disse para ele que tínhamos novidade. Então contei que nossa filha tinha ganhado um cachorro de presente e estava muito feliz. Antes que ela fizesse todas as perguntas e ele errasse as respostas, perguntei se ele estava vendo o cachorro.
- Que cachorro? Disse ele.
- O cachorro que está no colo de nossa filha, meu bem.
- Que filha? Disse ele me olhando fixo.
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Lívia Garcia-Roza
carioca, é psicanalista e autora de "Quarto de Menina" (1995), "Meus queridos estranhos" (1997), "Cartão Postal" (1999), "Cine Odeon" (2001), "Solo feminino: amor e desacerto" (2002), "A palavra que veio do sul" (2004), "Meu marido" (2006) e "A cara da mãe" (2007) e "O sonho de Matilde" (2010). Organizou a antologia "Ficções Fraternas" (2003) e integra as coletâneas "Boa companhia - Contos" (2003), "25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira" (2004) e "35 segredos para chegar a lugar nenhum: Literatura de baixo-ajuda" (2006).
Os livros Cine Odeon e Solo feminino foram semifinalistas no Prêmio Jabuti.
Fonte:
Suplemento Literário de Minas Gerais -Setembro-Outubro/2010 numero 1.332.
Um comentário:
Nossos castelos de areia podem não ter uma boa estrutura mas os muros que construimos a volta como proteção, os mantém ali...indefectíveis.
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