terça-feira, 5 de julho de 2011

William Shakespeare (Sonho de uma Noite de Verão)


Vigorava em Atenas uma lei que concedia aos cidadãos o direito de casar as filhas com quem eles julgassem conveniente. Se alguma se opusesse aos desígnios do pai, este podia fazer com que a condenassem à morte. Mas como os pais em geral não desejam a morte das filhas, nem mesmo quando elas se mostram um tanto teimosas, sucedia que nunca ( ou quase nunca) fora executada a referida lei, embora não poucas vezes os pais com ela ameaçassem as raparigas da cidade.

Houve, porém, um velho, de nome Egeu, que foi realmente queixar-se a Teseu (então o governante de Atenas), de que sua filha Hérmia, a quem ele ordenara desposar Demétrio, de uma nobre família ateniense, recusava-se a obedecer-lhe, porque amava a outro jovem, chamado Lisandro. Egeu pedia justiça a Teseu e desejava que a cruel lei fosse aplicada em sua filha. Hérmia alegava, como desculpa para sua desobediência, que Demétrio anteriormente declarara amor a Helena, com quem ela mantinha amizade, e que Helena o amava loucamente. Nem essa considerável razão demovia o severo Egeu.

Teseu, embora fosse um grande e generoso governante, não tinha poder para alterar as leis de seu país. Por isso, apenas concedeu a Hérmia quatro dias para refletir sobre o assunto; no fim desse prazo, se ela ainda se recusasse a desposar Demétrio, seria condenada à morte.

Depois da entrevista com o governante, Hérmia foi procurar seu enamorado Lisandro, dizendo-lhe o perigo em que se achava: ou o abandonava e casava com Demétrio, ou perderia a vida dali a quatro dias.

Lisandro ficou muito aflito com o que ouvira; mas, lembrando de uma tia que morava a alguma distância de Atenas, num local em que a rigorosa lei não atingiria Hérmia (pois não vigorava alem dos limites da cidade), propôs que fuglssem naquela noite para a casa dessa tia, onde ambos se casariam.

– Irei encontrar-te – disse Lisandro – no bosque, a poucas milhas da cidade, naquele delicioso bosque em que tantas vezes passeamos em companhia de Helena, no aprazível mês de maio.

Hérmia concordou alegremente com a proposta e a ninguém contou a planejada fuga, a não ser à amiga Helena. Helena (pois as mulheres cometem verdadeiras loucuras por amor) resolveu contar o caso a Demétrio, embora nenhum proveito esperasse de tal traição, a não ser o triste prazer de surpreender seu infiel amado no bosque, pois bem sabia que Demétrio lá iria ao encalço de Hérmia.

O bosque em que Lisandro e Hérmia combinaram de se encontrar era o sítio predileto dessas pequeninas criaturas conhecidas pelo nome de duendes.

Oberon, o rei, e Titânia, a rainha dos duendes, com todo seu minúsculo séquito, celebravam naquele bosque suas festas da meia-noite.

Entre esse reizinho e a rainha dos espíritos ocorria naquele tempo um sério desentendimento. Sempre que se encontravam ao luar nas macias alamedas do delicioso bosque, punham-se a discutir, até que todos os gnomos se escondessem de medo nas pinhas dos carvalhos.

A causa dessa desagradável desavença era que Titânia não queria dar a Oberon um menininho, de cuja mãe ela fora amiga. Após a morte desta, a rainha das fadas roubara a criança, levando-a para ser criada nos bosques.

Na noite em que os namorados iam encontrar-se naquele bosque, Titânia passeava com algumas das suas damas de honra e encontrou Oberon, acompanhado de seu séquito de pequenos cortesãos.

– Mau encontro ao luar, orgulhosa Titânia – disse o rei dos duendes.

– Como! És tu, ciumento Oberon? Fadas, retiremo-nos! Não quero a companhia dele.

– Devagar! Não sou eu teu senhor? Por que, Titânia, se opõe ao seu Oberon? Dá-me o menino para meu pajem.

– Esqueça. Nem com todo o teu reino me comprarás o pequeno.

E foi-se embora, deixando Oberon cheio de raiva.

– Bem, vai-te! – disse ele. – Antes do amanhecer, hei de vingar tal afronta.

Oberon então mandou chamar Puck, seu ministro favorito e conselheiro privado.

Puck ( ou Camarada Robin, como era, às vezes, chamado) era um brejeiro e astuto diabrete, que costumava pregar engraçadas peças nas aldeias vizinhas. Às vezes, introduzia-se os nos currais e azedava o leite. Outras vezes, mergulhava seu leve e aéreo corpo na batedeira e, enquanto dançava lá dentro, impedia as mulheres de transformar a nata em manteiga. Também os aldeões eram mal-sucedidos, quando Puck resolvia fazer das suas no vaso de cobre em que se fabricava a cerveja, que, decerto, ficaria estragada. Quando alguns vizinhos se reuniam para beber juntos, Puck, transformado em caranguejo, pulava para dentro da caneca – se alguma velha ia beber, grudava-se nos lábios dela, derramando-Ihe a cerveja pelo queixo murcho. Logo depois, quando a mesma velhota estava gravemente sentada, a contar aos vizinhos uma triste e melancólica história, Puck puxava o banquinho em que ela se achava e derrubava a pobre de pernas para o ar. Então, os presentes apertavam a barriga, rindo perdidamente e confessando nunca terem passado hora mais divertida.

– Vem cá, Puck – ordenou Oberon ao brincalhão notívago. – Traz-me a flor que as moças chamam de amor-perfeito. O sumo dela, derramado sobre os olhos de quem dorme, fará com que, ao despertar, a pessoa apaixone-se pela primeira criatura que a viste. Quero verter um pouco do tal sumo entre as pálpebras de Titânia, enquanto ela estiver adormecida. E a primeira coisa que ela enxergar ao abrir os olhos a deixará enamorada, ainda que seja um leão, um urso, ou um macaco. E, antes que eu tire o encantamento de sua vista, o que poderei fazer com outro feitiço que conheço, hei de obrigá-la a dar-me aquele menino para pajem.

Puck, que adorava pregar peças, muito se divertiu com a idéia do amo e correu em busca da flor. Oberon, enquanto esperava a volta de Puck, viu Demétrio e Helena entrarem no bosque. Ouviu Demétrio censurar Helena por havê-Io seguido. E depois das ásperas palavras de Demétrio e das gentis queixas de Helena, relembrando-lhe o antigo amor e os juramentos passados, ele abandonou-a (como disse) à mercê dos animais ferozes, mas ela correu no seu encalço o mais depressa que pôde.

O rei dos espíritos, que sempre fora amigo dos amantes sinceros, sentiu grande compaixão por Helena. E, como Lisandro dizia que costumavam passear ao luar naquele bosque, é bem possível que ele já tivesse visto Helena nos felizes tempos em que Demétrio a amava. Assim, quando Puck voltou com a referida flor, ordenou Oberon ao seu favorito:

– Fica com um pouco desta flor. Há aqui uma encantadora ateniense que se acha enamorada de um desdenhoso jovem. Se o encontrares a dormir, pinga algumas gotas do sumo em seus olhos, mas trata de fazê-Io quando ela estiver perto, para que a dama desprezada seja a primeira criatura que ele veja ao acordar. Reconhecerás o homem pelos seus trajes atenienses.

Puck prometeu cumprir fielmente essas ordens. Oberon dirigiu-se em seguida, sem que Titânia o notasse, ao caramanchão em que ela se preparava para dormir e que era uma espécie de vale em miniatura, no qual cresciam tomilhos, primaveras e delicadas violetas, sob um dossel de rosas silvestres e eglantinas. Era ali que Titânia sempre dormia uma parte da noite; seu cobertor era uma pele de cobra que, embora pequena, era bastante ampla para cobrir uma fada.

Encontrou Titânia a dar ordens às fadas sobre o que elas deviam fazer durante seu sono:

– Algumas dentre vós têm de matar os bichos dos botões de rosa. Outra precisa caçar morcegos, para lhes tirar as asas, que servirão de capa aos meus pequenos duendes. As demais devem fazer com que a coruja, que pia de noite, não se aproxime de mim. Mas, primeiro, cantem para me adormecer.

E então elas começaram a cantar:

Para longe daqui, espinhentos ouriços!
Para longe, ó morosas serpentes rajadas!
Lagartixas e vermes, incômodos bichos,
Afastai-vos da linda Rainha das Fadas.

Rouxinol, vem tu agora,
Com a doçura de teu canto...
Vem ajudar; noite afora,
Nosso doce acalanto.

Nina, nana, nina, nana
Nada aflige, nada empana,
Nada quebra o teu soninho.
Nina, nana, nana, nina
Boa noite, bem baixinho,
Boa noite nós te damos.
Nina... nana... nina... nana...

Quando as fadas viram que a canção adormecera a rainha, deixaram-na para ir fazer os importantes serviços de que ela as encarregara. Então, Oberon se aproximou cautelosamente de Titânia e lhe instilou o sumo de amor entre as pálpebras, dizendo:

O que tu enxergares primeiro
Há de ser teu amor verdadeiro.

Mas voltemos a Hérmia, que fugira da casa paterna naquela noite, a fim de evitar a morte a que estava destinada, por se haver recusado a casar-se com Demétrio. Quando entrou no bosque, encontrou seu querido Lisandro a esperar por ela, para a conduzir à casa da tia. Mas antes de atravessarem metade do bosque, Hérmia sentiu-se muito fatigada. E Lisandro, cuidadoso ao extremo com sua querida, que lhe provara afeto arriscando a própria vida, convenceu-a de que deveria descansar até o amanhecer num macio relvado. Ele próprio deitou-se no chão a alguma distância dela e dali a pouco estavam ambos adormecidos.

Ali foram encontrados por Puck que, vendo um belo jovem a dormir, vestido à moda ateniense, e uma linda moça adormecida perto dele, concluiu que deviam ser a rapariga ateniense e seu desdenhoso amado que Oberon o encarregara de procurar. E, como se achavam sozinhos um ao lado do outro, Puck. naturalmente conjecturou que ela seria a primeira criatura que o jovem avistaria ao despertar. E assim, sem mais delongas, pingou algumas gotas do sumo nos olhos de Lisandro. Mas aconteceu que Helena passou por ali e, em vez de Hérmia, foi ela a primeira pessoa que ele viu. E, por mais estranho que pareça, tão forte era aquele filtro amoroso, que todo o seu amor por Hérmia desapareceu e Lisandro se enamorou de Helena.

Se primeiro tivesse visto Hérmia ao despertar, o equívoco de Puck não teria conseqüências, pois Lisandro já a queria bastante. Mas foi na verdade um triste acaso ele ser forçado, por um encantamento, a esquecer sua amorosa Hérmia e correr atrás de outra, deixando Hérmia adormecida num bosque à meia-noite, inteiramente só.

Foi assim que tal desgraça aconteceu: Helena, como já ficou dito, tentou correr no encalço de Demétrio, quando este tão acintosamente lhe fugira, mas não pôde prosseguir nessa desigual carreira, visto que os homens são melhores corredores do que as mulheres. Helena logo o perdeu de vista e, andando errante por ali, abandonada e triste, chegou ao lugar onde dormia Lisandro. i

– Oh! – exclamou ela. – Eis Lisandro ali deitado no chão. Estará morto ou dormindo? – Tocou-o então de mansinho e disse: – Lisandro, se estás vivo, acorda.

A isto, Lisandro abriu os olhos e ( começando o feitiço a agir) imediatamente se dirigiu a ela, em termos de delirante amor e admiração. Disse que ela tanto ultrapassava a Hérmia em beleza quanto uma pomba a um corvo e que, por sua causa, seria capaz de atravessar as chamas. E muitas outras coisas do mesmo gênero. Helena, sabendo que Lisandro era namorado da amiga e se comprometera solenemente a desposá-la, encolerizou-se ao ouvi-lo falar daquela maneira, pois pensava que ele estivesse a troçar dela.

– Por que nasci para servir de escárnio a todos? Já não basta eu nunca obter um olhar doce ou uma palavra amável de Demétrio, para que tu, Lisandro, ainda venhas cortejar-me de maneira tão desdenhosa? Eu pensava, Lisandro, que fosses um cavalheiro mais gentil...

Após dizer estas palavras, vibrando de cólera, a pobre fugiu. E Lisandro saiu correndo atrás dela, completamente esquecido de Hérmia, que continuava dormindo.

Quando despertou, Hérmia sentiu medo de se ver sozinha. Pôs-se a vaguear pelo mato, sem saber o que era feito de Lisandro, nem que caminho seguir para procurá-lo. Nesse meio-tempo, Demétrio, incapaz de encontrar Hérmia e seu rival Lisandro e já exausto da infrutífera busca, foi surpreendido por Oberon num sono profundo. Sabia o rei dos duendes, pelas perguntas que fizera a Puck, do engano em que este incorrera e, encontrando a pessoa que procurava, verteu nos olhos do adormecido Demétrio o sumo milagroso. Demétrio logo acordou e a primeira pessoa que viu foi Helena e, como antes fizera Lisandro, começou a dirigir-lhe palavras de amor. Justamente nesse instante apareceu Lisandro, seguido por Hérmia (pois, devido ao infeliz equívoco de Puck, agora era Hérmia quem corria atrás do namorado) . Então Lisandro e Demétrio, ambos a falar ao mesmo tempo, puseram-se a fazer declarações de amor a Helena, cada um deles sob a influência do mesmo encantamento poderoso.

Pasma, Helena pensava que Demétrio, Lisandro e sua outrora querida amiga Hérmia estavam todos combinados para zombarem dela.

Tão surpresa quanto Helena, Hérmia não sabia como Lisandro e Demétrio, que outrora a amavam, achavam-se agora enamorados de Helena. Para ela, aquilo não parecia brincadeira.

– Hérmia cruel – dizia Helena –, foste tu quem mandou Lisandro ofender-me com elogios zombeteiros. E teu outro namorado Demétrio, que antes quase me repelia com o pé, acaso não o mandaste chamar-me de deusa e ninfa, de rara, preciosa e celestial? Ele não falaria desse modo a mim, a quem odeia, se tu não o tivesses instigado a fazer troça de mim. Cruel, Hérmia, juntares-te a estes homens, para escarnecer de tua pobre amiga! Já esqueceste nossa amizade dos tempos de escola? Quantas vezes, Hérmia, nós duas, sentadas na mesma almofada, cantando a mesma canção, com as nossas agulhas bordando a mesma flor, fizemos ambas o mesmo trabalho, crescendo juntas como uma dupla cereja, que mal parece bipartida? Hérmia, não é próprio de amiga, não é próprio de moça, tu te aliares a homens para amesquinhar tua pobre companheira.

– Muito me espantam tuas exaltadas palavras – disse Hérmia. – Eu não zombo de ti; tu é que pareces zombar de mim.

– Ai, continua... Finge seriedade e faze caretas quando eu virar as costas; depois, pisquem os olhos uns para os outros e continuem à vontade vosso divertimento. Se tivesses comiseração, simpatia ou boas maneiras, não procederias assim comigo.

Enquanto Helena e Hérmia trocavam essas coléricas palavras, Demétrio e Lisandro as deixavam, para irem bater-se no bosque pelo amor de Helena.

Quando deram pela falta dos dois, elas se puseram uma vez mais a vagar pelos bosques, em busca deles.

Assim que todos se retiraram, o rei dos espíritos, que estivera com o pequeno Puck a escutar aquelas desavenças, disse ao último:

– Tudo isso foi por negligência tua, Puck, ou fizeste de propósito?

– Acreditai-me, rei das sombras – respondeu Puck –, foi um engano. Não me dissestes que eu reconheceria o homem por seus trajes atenienses? Contudo, não me aborreço que isso tenha acontecido, pois acho divertidíssimas as suas complicações.

– Ouviste que Demétrio e Lisandro foram procurar um local conveniente para se baterem. Ordeno-te que cubras a noite com um denso nevoeiro e faças esses dois belicosos namorados se perderem no escuro, de modo que não possam encontrar um ao outro. Imita a voz de cada um deles e, com pesadas zombarias, provoca-os a te seguirem, na impressão de que estão ouvindo os desafios do rival. Continua assim, até que eles fiquem tão cansados que não possam ir mais longe. Quando vires que eles estão adormecidos, instila o sumo desta outra flor nos olhos de Lisandro e, quando este despertar, terá esquecido seu novo amor por Helena e voltará à antiga paixão por Hérmia. Então, cada uma das duas lindas raparigas poderá ser feliz com o homem a quem ama, e todos pensarão que tudo não passou de um sonho mau. Anda, apressa-te, Puck. Vou ver com que doce amor a minha Titânia topou.

Titânia continuava dormindo, e Oberon viu perto dela um rude camponês que se perdera no bosque e que se achava igualmente adormecido.

– Este nosso amigo – disse ele – será o verdadeiro amor da minha Titânia.

Dito isso, enfiou no rústico uma cabeça de burro, a qual lhe assentava tão bem como se com ela tivesse nascido. Embora Oberon lhe fixasse a cabeça com o máximo cuidado, o homem despertou e, inconsciente do que lhe haviam feito, ergueu-se e dirigiu-se para o caramanchão onde dormia a rainha das fadas.

– Oh, que anjo vejo eu? – exclamou Titânia, abrindo os olhos, enquanto o sumo da florzinha mágica produzia seu efeito. – És acaso tão sábio quanto formoso?

– Bem, senhora – disse o parvo –, se eu tiver sabedoria suficiente para me safar deste bosque, já tenho o que me basta.

– Não queiras sair do bosque – pediu a enamorada rainha. – Não sou um espírito vulgar. Eu te amo. Fica comigo e te darei fadas para te servirem.

Chamou então quatro das suas fadas: seus nomes eram Flor-de-Ervilha, Teia-de-Aranha, Mariposa e Grão-de-Mostarda.

– Atendei – disse a rainha – a este belo cavalheiro. Saltai no seu caminho, fartai-o de uvas e damascos, roubai para ele os sacos de mel das abelhas. Vem sentar-te comigo – falou ao campônio – e deixa-me brincar com as tuas bonitas faces peludas, meu lindo burrico! Beijar-te as belas e grandes orelhas, ó alegria de minh'alma!

– Onde está Flor-de-Ervilha? – perguntou o Cabeça-de-Burro, sem ligar muito aos galanteios da rainha, mas cheio de orgulho pela gente que tinha a seu serviço.

– Pronto, senhor – respondeu Flor-de-Ervilha.

– Coce-me a cabeça – disse o campônio. – Onde está Teia-de-Aranha?

– Pronto, senhor – respondeu Teia-de-Aranha.

– Dona Teia-de-Aranha – pediu o tolo – , mate-me aquela abelha que está pousada ali naquele cardo. E traga-me a bolsa de mel. Mas não se arrisque muito, Dona Teia, e tenha o cuidado de não furar o saco. Onde está Grão-de-Mostarda?

– Pronto, senhor – respondeu Grão-de-Mostarda –, que deseja?

– Nada, sr. Grão-de-Mostarda, é apenas para ajudar Dona Flor a coçar-me. Eu preciso é ir a um barbeiro, sr. Grão-de-Mostarda, pois me parece que estou com uma incrível barba.

– Meu doce amor – disse a rainha – , que desejas comer? Vou mandar uma fada minha buscar-te algumas nozes na dispensa do esquilo.

– Eu preferia uma porção de ervilhas secas – disse o campônio, a quem a cabeça de burro dera um apetite asinino. – Mas, por favor, não deixe ninguém de sua gente perturbar-me, pois tenciono dormir um bocado.

– Dorme, então, e eu te embalarei em meus braços. Oh, como te amo! Como estou louca por ti!

Quando Oberon viu o campônio adormecido nos braços da rainha, aproximou-se e censurou-a por desperdiçar seus carinhos com um burro.

Ela não podia negá-lo, pois tinha o campônio a dormir-lhe nos braços, com a sua cabeça de burro, que ela coroara de flores.

Depois de a ter molestado por algum tempo, Oberon lhe pediu de novo o menino. E ela, envergonhada por ter sido descoberta pelo seu senhor com o novo favorito, não se atreveu a recusá-lo.

Oberon, tendo assim obtido o menino que por tanto tempo desejara para pajem, condoeu-se da desgraçada situação a que, por obra sua, arrastara Titânia, e pingou um pouco do sumo da outra flor nos olhos dela. Logo, a rainha das fadas recuperou a razão e espantou-se de sua passada loucura, confessando o quanto lhe repugnava agora a vista daquele estranho monstro.

Oberon tirou do campônio a cabeça de burro e deixou-o terminar a soneca com a cabeça que Deus lhe dera.

Estando agora de pazes feitas, Oberon contou a Titânia a história dos namorados e suas querelas noturnas. E ela concordou em ir ver, na companhia dele, como acabariam aqueIas aventuras.

O rei e a rainha encontraram os quatro namorados a dormir sobre a grama, a pequena distância uns dos outros; pois o travesso Puck, a fim de reparar seu equívoco, conseguira habilmente trazê-los a todos para o mesmo local, sem que nenhum desse pela presença dos outros. E, com o antídoto que lhe dera o rei, removera cuidadosamente o feitiço dos olhos de Lisandro.

Hérmia acordou primeiro e, vendo o seu perdido LiMndro a dormir tão perto dela, ficou a olhá-lo espantada com sua estranha inconstância. Lisandro então abriu os olhos e vendo sua querida Hérmia, recuperou a razão que o feitiço lhe havia nublado e, juntamente com a razão, seu amor por Hérmia. E começaram a falar das aventuras da noite, duvidando se aquelas coisas teriam realmente acontecido ou se haviam estado ambos a sonhar o mesmo extravagante sonho.

A esse tempo, já Demétrio e Helena estavam despertos. E tendo um suave sono acalmado o confuso e raivoso espírito de Helena, esta ouviu dele todas as confissões de amor que Demétrio ainda lhe fazia e que, tanto para sua surpresa quanto para seu prazer, ela começava a considerar sincero.

Aquelas lindas raparigas notívagas, agora não mais rivais, se tornaram de novo amigas verdadeiras. Esqueceram as más palavras trocadas, e todos serenamente conferenciaram sobre o melhor a fazer naquela situação. Logo ficou acertado que Demétrio, visto que desistira das suas pretensões acerca de Hérmia, interviria com o pai desta no sentido de ser revogada a cruel sentença de morte contra ela lavrada. Preparava-se Demétrio para voltar a Atenas com esse propósito, quando foram surpreendidos com a chegada de Egeu, pai de Hérmia, que viera ao bosque em busca da filha.

Quando Egeu compreendeu que Demétrio já não queria casar com Hérmia, não mais se opôs ao casamento da filha com Lisandro e deu consentimento para que a cerimônia se realizasse dali a quatro dias, isto e, no mesmo dia em que Hérmia devia ser executada. Nesse mesmo dia, Helena prazerosamente consentiu em casar com seu querido e agora fiel DemétrIo.

O rei e a rainha dos duendes, espectadores invisíveis dessa reconciliação, ao presenciarem o feliz desenlace daquela história de namorados, que tão bem terminara graças aos bons ofícios de Oberon, encheram-se de alegria, resolvendo comemorar as próximas núpcias, por todo o reino encantado, com jogos e festins.

Agora, se alguém se escandalizou com esta história de espírito e de suas proezas, julgando-a incrível e estranha, é só levar em conta que todos os seus personagens estiveram dormindo e sonhando e que todas estas aventuras foram visões ocorridas durante o sono: e espero que nenhum dos meus leitores seja tão desarrazoado para estranhar um lindo e inofensivo sonho de uma noite de solstício de verão.

Fonte:
Charles & Mary Lamb. Contos de Shakespeare. Tradução de Mario Quintana.

Aurélio Buarque de Holanda (À margem da “Canção do Exílio”)

pintura a óleo sobre tela de Nicéas .
As Laveiras do Rio São Francisco. pintado na Bahia em 1982.

Discorda Manuel Bandeira do receio da ênfase que levou José Veríssimo a chamar “quase sublime” à “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Admirando irrestritamente o poema, Bandeira não vê razão para o “quase”. Embora eu não morra de amores pelo sublime, estou de acordo com o poeta de A Cinza das Horas. Afinal de
contas, o bom ou mau gosto do qualificativo é questão pessoal: o certo é que a ideia nele contida me parece bem ajustada àqueles versos de 20 anos, de uma beleza tão simples e tão alta.

Esta simplicidade será uma das razões mais seguras da boa fortuna da “Canção”. Pela altura de 1943 ocorreu o centenário dela: viu-se que ainda estava bem viva, a ponto de ter recebido festas em sua honra, promovidas por aquele excelente Nogueira da Silva, um possesso da glória de Gonçalves Dias, e que parece só haver mesmo esperado a comemoração para liquidar contas com a vida.

Refletindo no segredo de tal simplicidade, vejo que ele reside em mais de um ponto. O principal é talvez o seguinte: a ausência de qualificativos. A falta desse elemento valoriza de maneira singular os substantivos do poema, dando–lhes relevo, dilatando-lhes a sugestão emocional.

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Observe-se: além dos conectivos – onde, que, como, sem que, por, para – tudo o mais são substantivos (ou pronomes pessoais) e verbos, elementos básicos da oração; advérbios de lugar – aqui, cá (a terra do exílio) e lá (a pátria distante); possessivos – minha, nosso – e o quantitativo mais (aqueles e este repetidos tantas vezes); e, por fim, o não. Nada de qualificativos.

Quanto aos possessivos e ao quantitativo, a presença deles basta para sugerir a antítese: “minha terra tem palmeiras” (e subentende-se: e esta terra não as tem), ou o segundo elemento da comparação: “Nosso céu tem mais estrelas” (do que o céu desta terra); “Mais prazer encontro eu lá” (do que aqui). Só duas vezes a comparação, ou correlação, aparece integral: “As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá”, e “Minha terra tem primores, / Que tais não encontro eu cá”. O não, nestes dois casos, serve para mostrar a inferioridade da terra de exílio; e no terceiro e último – “Não permita Deus que eu morra” – indica o receio do poeta de morrer sem tornar a ver o chão natal.

Alguém poderá lembrar-me que sozinho figura no poema e é um qualificativo. A rigor, porém, não merecerá tal denominação: falta a sozinho (como a só, está claro) a essência pictural característica das palavras daquela categoria, corno, por exemplo, azul, branco, bom, forte, largo, rico.

E por que razão a ausência de qualificativos valoriza tão fortemente os substantivos do poema, conforme foi dito? Porque o poeta usou de substantivos carregados, já por si, de um denso conteúdo sugestivo – seres e coisas da natureza, na maioria, ou abstrações: elementos que, assim despojados, nus, ganham fundo em intensidade; que se fazem valer melhor por si sós: terra, palmeiras, Sabiá, aves, céu, estrelas, várzeas, flores, bosques, vida, amores, noite, prazer, primores, Deus.

De tais elementos o mais importante é Sabiá, que, por sinal, Gonçalves Dias escreveu com inicial maiúscula. Sabiá aparece quatro vezes na poesia, e rimando com as palavras cá e lá, de tão vivo poder de sugestão, pois designam, respectivamente, o país estrangeiro e a terra natal.

Repare-se, agora, na posição destas palavras – Sabiá, cá e lá –, seguramente as mais importantes do poema, ao lado de terra e palmeiras: posição de relevo, em fim de verso; a mesma do vocábulo palmeiras, quatro vezes empregado. Na segunda estrofe, o encadeamento, somente usado nela e, em parte, na última, contribui para a variedade, quebrando o que poderia haver de monótono pela insistência em determinados efeitos de repetição e criando novo efeito. Com exceção dos substantivos finais da segunda estrofe – estrelas, flores, vida, amores –, precedidos do quantitativo mais para fim de comparação (a qual, como se viu, fica subentendida), todos os demais substantivos de fim de verso vêm desacompanhados de adjetivos de qualquer natureza. Por outro lado, todos os substantivos usados em meio de verso, fora aves, acham-se modificados por um adjetivo: “minha terra”, “nosso céu”, “nossas várzeas”, “nossos bosques”, “nossa vida”, “mais prazer”. O próprio aves está modificado por uma oração adjetiva: “que aqui gorjeiam”.

Na lista de substantivos do poema incluí noite. Normalmente, talvez não devesse fazê-lo, pois o termo é parte integrante de uma locução adverbial. Mas a palavra, aliada ao sozinho, traduz tão poderosamente o abandono do poeta que a sinto como obstinada em não se diluir no conjunto da locução. E quanto aquele sozinho, à noite é fundamente sentido (as cismas noturnas, na solidão do exílio!), é o mesmo Gonçalves Dias quem o mostra: usando-o por duas vezes, da segunda procura dar-lhe relevo, ladeando-o de travessões.

Vejamos a admirável técnica da repetição.

Dos 24 versos do poema, nada menos de sete (o 11.o, o 12.o, o 15.o, o 16.o, o 17.o, o 18.o e o 24.o) repetem na íntegra versos anteriores, e quatro (o 13.o, o 21.o, o 22.o e o 23.o) são repetições parciais. Os elementos da segunda estrofe, paralelística, não se reiteram nunca. A terceira estrofe constitui-se de dois versos novos, mais os dois iniciais da primeira.

Na quarta nota-se a repetição quase integral do primeiro verso do poema, com a simples mudança de palmeiras em primores (palavra esta, por sinal, em que a primeira letra de cada sílaba é exatamente a mesma que em palmeiras, fato possivelmente intencional); depois, um verso inteiramente novo – “Que tais não encontro eu cá” – e a repetição de toda a estância anterior, constituindo-se assim uma sextilha.

A última estrofe, sextilha também, admirável de sentimento, é um achado de poética: um verso formado de palavras inteiramente novas; outro em que aparece uma das constantes mais poderosas do poema – lá; dois que repetem parcialmente o 13.° e o 14.°, terminando o segundo deles com outra constante das mais valiosas – cá; no penúltimo verso, a repetição de nova palavra de igual natureza – palmeiras; por fim, integralmente, o verso mais repetido de toda a composição; o único, pode-se dizer, em que se apresenta um ser vivo, o Sabiá – a nota mais típica da terra pátria.Oúnico, sim; porque aves, nome também de ser vivo, é usado assim, genericamente, no plural, uma só vez, apenas para, desenvolvendo a ideia de que no lugar do exílio não havia o Sabiá, poder o poeta frisar que as mesmas aves comuns aos dois países gorjeiam na terra natal com maior beleza.

Ainda mais: o encadeamento, desprezado na terceira e na quarta estrofe, retoma aqui, na última, o seu lugar, utilizando agora o autor um expediente de efeito: a aliança daquele processo de repetição – elemento tão largamente valorizador do poema – “Sem que eu volte”, “Sem que desfrute”, “Sem qu’inda aviste” (uma sequência só interrompida pelo antepenúltimo verso – “Que não encontro por cá”) – com a iteração, no fim de cada um dos versos começados por “Sem que”, de palavras-temas várias vezes repetidas ao longo da composição – lá, palmeiras – e primores, empregada uma vez antes. E se, no encadeamento, a sequência perfeita é quebrada por aquele antepenúltimo verso – “Que não encontro por cá” – a arte do poeta fez que ele fosse quase uma repetição integral, e talvez melhorada, do “Que tais não encontro eu cá”.
Abril de 1944.

Fonte:
Revista Brasileira n. 64. Academia Brasileira de Letras.

Leon Eliachar (O Precavido)


Há seis meses que foram morar no prédio novo e há seis meses que Eurico não botava os pés na rua. A mulher vivia reclamando.

— Quando é que você vai trabalhar, Eurico? Ele repetia sempre o seu ponto de vista:

— Quem quis morar na Zona Sul foi você,não fui eu. Já lhe disse que tenho medo de ir pra rua, porque é muito perigoso. Os jornais estão aí pra não me deixar mentir.

E abria sempre nas seções policiais e exibia pra mulher:

— Olha aí: “Padeiro esfaqueou freguês por¬que reclamou o troco”... “Barbeiro degolou a manicure na porta do açougue”... “Chofer de ônibus estrangulou o guarda-civil pra não pagar a multa”... “Passageiro assaltado e despido pelo motorista de praça”...

Eurico não só tinha medo de sair como estava ficando maníaco. Passava o dia inteiro cortando jornais e colando nas paredes as manchetes poli¬ciais. Em criança, quis ser detetive, mas desistiu da idéia quando um amigo lhe disse:

— Sabe quem morreu? O Sócrates.

— Quem?

— O Sócrates, aquele nosso amigo que era detetive.

— Morreu de quê?

— No cumprimento do dever. Deu um fla¬grante na mulher de um coronel e levou bala.

Desse dia em diante, preferiu ser corretor de imóveis. Nada de flagrantes, nada de se meter com a vida dos outros. Cada um que cuidasse da sua — e já não era pouco. Mas não perdeu a mania de ler as seções policiais. Tinha verdadeira adoração por crime e quanto mais complicado melhor. Até que veio morar na Zona Sul, influenciado pela mulher. No dia em que botou os pés dentro do apartamen¬to, exclamou:

— Agora vai ser fogo pra sair daqui, Arlete. Estamos morando bem na fonte das manchetes. Isto aqui é uma verdadeira “universidade do crime”. Sujeito que mora na Zona Sul, ou mata ou morre.

Foi assim que comprou o seu primeiro revól¬ver. Mas nunca teve coragem de atirar, nem pra caçar passarinho. Tinha pena de matar bicho, muito menos gente. Mas a mulher já não agüentava mais aquele homem o dia inteiro dentro de casa, de pija¬ma, recortando e colando manchetes pelas paredes: “Vizinha do sexto assalta a vizinha do quinto”... “Matou o transeunte por causa de meio quilo de carne”... “Encontrado boiando na praia duas se¬manas depois de ter desaparecido”...

Eurico era antes de tudo um revoltado. Tinha estudado pra melhorar a ação da polícia e a prin¬cipal conclusão a que chegou foi que a polícia era deficitária de policiais. “Se fosse deputado”, dizia, “ia fazer um projeto pra erguer um monumento ao cadáver desconhecido.''

— A polícia não tem culpa. O saldo de cri¬minosos encalhados na rua é muito maior que o estoque de policiais enfileirados nos distritos.

Mas a mulher não suportava mais nem as suas manchetes nem as suas teorias:

— Amanhã faz seis meses e dois dias que você está aqui dentro, Eurico. Vai pra rua de qualquer maneira, nem que seja pra comprar cigarro.

Dito e feito. Eurico relutou um pouco, mas acabou saindo. Mal chegou na porta do edifício, ouviu quatro disparos. Não deu tempo de correr, um balaço o acertou no pé. Quando a vizinhança veio socorrê-lo, deu por falta da carteira. Disse pra mulher:

— Está vendo? E não venha me dizer que não tenho razão.

Arlete não teve outra saída:

— Foi coincidência. Ele gritou:

— Coincidência você vai ver de agora em diante pra me tirar de dentro de casa. Nunca mais.

Dois meses depois, deu ladrão em sua casa e roubou todas as jóias da mulher. Eurico nem viu, estava colando manchetes no quarto da empregada.

Fontes:
ELIACHAR, Leon. A mulher em flagrante. Círculo do Livro. Digitalizado, revisado e formatado por Susana Cap
Imagem = http://www.luzdegaia.org/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 264)


Uma Trova Nacional

Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada!
–DOMITILLA B. BELTRAME/SP–

Uma Trova Potiguar


Que o mais lindo sol desponte
sobre o milênio terceiro,
e que debaixo da ponte
ninguém ponha o travesseiro!
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada


2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Meu velho peito se inflama
sob a chama da paixão,
porque a audácia de quem ama
é maior do que a razão!
–EDMAR JAPIASSÚ/RJ–

Uma Trova de Ademar


Poetas e Trovadores,
com inspiração divina,
são os interlocutores
dos versos que Deus ensina!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Tudo a juntar-nos: o amor,
o gênio igual, a constância,
até mesmo a própria dor. . .
- Só nos separa a Distância.
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia

–HÉLVERTON BAIANO/GO–
Compreensão

O que eu construir
tem destino certo
é feito pra ruir
quando for aberto.

O que eu destruir
pelo meu caminho
se fará porvir
nesse torvelinho.

O corpo carrega
novelos de sonhos
tece e sonega
o que eu componho.

E o medo medonho
que a gente sofre
por temê-lo, ponho
guardando meu cofre.

Estrofe do Dia

Toca doze por oito na batida,
este sino de carne funciona,
o seu eco na alma excursiona
e fala toda paixão da nossa vida;
estremece na hora da partida,
tange triste no fim das ilusões,
se alimenta no fogo das paixões,
na esquerda do peito faz seu leito;
toca o ritmo silente em nosso peito
o maestro de nossas emoções.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia


–JOSÉ OUVERNEY/SP–
A Semente

Nós que herdamos de Deus o dom da fala
temos que nos ater ao seu valor,
fazendo do bom senso o seu censor,
no intuito natural de preservá-la.

Sabendo sempre, como e quando usá-la,
a vida terá muito mais sabor:
é tão fácil, tão bom falar de amor!
Basta gostar da idéia e adotá-la!

Nós precisamos da seara rica
que o bom uso da fala dignifica:
por isso Ele nos fez semeadores;

porque a palavra em qualquer solo medra:
se mal plantada, irá nascer só pedra...
- E o mundo é mais feliz... quando há mais flores!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Élbea Priscila de Sousa e Silva (Pequena e Doce Crônica)


Segunda das cinco cronicas vencedoras do V Concurso Literário “Cidade de Maringá” (Cronicas Vencedoras) Troféu Laurentino Gomes.

ÉLBEA PRISCILA DE SOUSA E SILVA
(Caçapava/SP)
PEQUENA E DOCE CRÔNICA

A sua despensa era o seu “celeiro”.

Ali ela guardava ovos de suas adoradas galinhas, as quais batizava: Branquinha, Dengosa, Gorda, Andeja e por aí afora. Estocava o feijão mulatinho da última safra, o arroz vermelho, socado no pilão, a farinha de trigo integral, as frutas do pomar... Ah! E os potes de geléia e vidros de conserva e a ardida e deliciosa pimenta dedo-de-moça... e os doces cristalizados e a goiabada cascão... e os queijos e manteiga...

Aquele celeiro de provisões e guloseimas era o orgulho de minha mãe. Era parte de seu doce mundo.

Quando chegava uma visita inesperada, ela me chamava:

- Querida, vá até o “celeiro” e traga queijo, geléia, manteiga, que eu já vou aprontar um café para a nossa amiga. E também, traga broinhas de fubá e caramelos para as crianças...

A mesa do café ficava um sonho só, com a toalha branca, de linho bordada, herança da vovó, e com os guardanapos ao lado das xícaras de porcelana. Era uma festa para os olhos e paladares.

Nós morávamos na roça, mas... cultura vem do berço, e aqueles requint3es todos acariciavam a alma de mamãe e de todos nós, filhos e marido.

Aquela mesa era o carinho concretizado de seu espírito sensível.

Quando ela se foi, com ela se foi o “celeiro”.

Ninguém continuou a tradição porque os tempos são outros...

A fazendo foi vendida, os filhos partiram e papai mora comigo.

Eu lhes conto, porém, um segredo: ele, o celeiro, se transferiu para o meu peito, e aí está sempre repleto de doces sabores, de olores suaves e da presença etérea e eterna de uma adorável quituteira.

O “celeiro” e ela vivem aqui, em cores, em meio às demais lembranças, em branco e preto.

Fonte:
AGULHON, Olga. PALMA, Eliana. V Concurso Literário “Cidade de Maringá”. Maringá: Academia de Letras de Maringá, 2011.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ialmar Pio Schneider (Soneto a Giuseppe Garibaldi)


– In Memoriam – Nascimento do herói em 4.7.1807, em Nice, França

Foi “herói de dois mundos” e lutou
pelo nobre ideal do farroupilha,
quando os imperiais ele enfrentou,
do seu barco Mazzini sobre a quilha.

Em Laguna encontra Anita que amou
e com ela então forma uma família,
e o filho Menotti em Mostardas gerou,
quando pra Montevidéu segue a trilha.

Giuseppe Garibaldi, sempre lembrado
pelos que lutam contra a tirania
e veem em seu exemplo augusta glória.

Lembrem-se: quem não evoca o passado,
vai ter, com certeza, no dia a dia,
volta à opressão que já viu na História !

Porto Alegre – RS, 4 de julho de 2011-07-04
às 13h48min. – Bairro Tristeza.
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Sobre Giuseppe Garibaldi
Conhecido como "herói de dois mundos" por ter participado de conflitos na Itália e na América do Sul, dedicou sua vida à luta contra a tirania. Ainda menino, tornou-se marinheiro e conheceu a vida no mar. Aos 25 anos chegou ao posto de capitão da marinha mercante, ao mesmo tempo que se aproximava do movimento "Jovem Itália", que lutava pela independência e unificação dos diversos Estados em que se dividia a península itálica.

Foi condenado à morte e fugiu para a América do Sul, desembarcando no Rio de Janeiro em 1835. Logo, porém, segue para o Rio Grande do Sul e se junta aos republicanos da Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, destacando-se nos combates às forças imperiais. Juntamente com o general Davi Canabarro, tomou o porto de Laguna, em Santa Catarina, onde proclamaram a República Juliana.

Em Laguna, Garibaldi conheceu Ana Maria de Jesus Ribeiro, com quem se casaria. Ela se tornou sua companheira de lutas na América do Sul e na Europa e entrou para a história com o nome de Anita Garibaldi. Pouco antes do fim da Guerra de Farrapos, foi dispensado por Bento Gonçalves de suas missões e mudou-se para o Uruguai.

Naquele país, em 1842, foi nomeado capitão da frota uruguaia na luta contra o ditador argentino Juan Manoel Rosas. No ano seguinte, exerceu papel fundamental na defesa de Montevidéu, impedindo que a cidade fosse tomada pelos argentinos.

Em 1848, Garibaldi voltou à Itália para combater os exércitos austríacos na Lombardia (norte da Itália) e dar início à luta pela unificação italiana. Fracassou na tentativa de expulsar os austríacos e foi forçado a refugiar-se primeiro na Suíça e depois em Nizza (hoje Nice, na França). Visando conquistar Roma ao papado, os liberais italianos marcharam contra aquela cidade e a tomaram. Garibaldi partcipou da campanha com um corpo de voluntários e foi eleito deputado na assembléia constituinte da República Romana.

Contudo, os franceses e os napolitanos cercaram a cidade, visando a restabelecer a autoridade papal. A cidade caiu em 1º. de julho de 1849. Garibaldi recusou um salvo-conduto do embaixador americano e empreendeu uma retirada com 4 mil soldados, sendo perseguido por três exércitos (franceses, espanhóis e napolitanos), que somavam dez vezes o seu número de homens. Ao norte da Itália, o exército austríaco, com 15 mil soldados, também aguardava Garibaldi. Durante os combates, Anita foi morta, em 4 de agosto de 1849.

Condenado ao exílio, Garibaldi morou na África, em Nova York e no Peru. Entretanto, voltou à Itália em 1854, participando da Segunda Guerra de Independência contra os austríacos. O Conde de Cavour, primeiro ministro do Piemonte (norte da Itália), nomeou-o comandante das forças piemontesas e sob seu comando a Lombardia foi tomada à Áustria. Com isso, a Itália do norte estava unificada.

Garibaldi voltou-se então para o centro do país, com o apoio de Vítor Emanuel 2º, rei do Piemonte, e de seu ministro Cavour. No centro da Itália, porém, a política e a diplomacia prevaleceram sobre as armas e os acordos com que Cavour e o rei cederam Nice e Savóia à França foram considerados uma traição por Garibaldi, que decidiu agir por conta própria. Seguiu para o sul, onde conquistou a Sicília e o reino de Nápoles.

Governante absoluto do sul da península, Garibaldi promoveu um encontro de suas tropas com as de Vítor Emanuel, que se tornou o primeiro rei da Itália unificada, ou quase. Ainda faltava libertar Veneza dos Austríacos (1866) e Roma do papa, o que Garibaldi tentou em vão em 1869, sendo derrotado mais uma vez pelos franceses.

Ainda assim, em 1871, uniu-se a eles na guerra Franco-Prussiana, onde venceu algumas batalhas, apesar das quais, a França perdeu a guerra. Não havendo aceitado o título de nobreza e a pensão vitalícia que o rei Vítor Emanuel lhe oferecera, Garibaldi retirou-se para sua casinha na ilha de Caprera, e lá permaneceu até o fim da vida.

Fontes:
Soneto enviado pelo autor
Biografia = Uol Educação

Carlos Drummond de Andrade (Antologia Poética)


O AMOR BATE NA AORTA

Cantiga de amor sem eira
nem beira,
vira o mundo de cabeça
para baixo,
suspende a saia das mulheres,
tira os óculos dos homens,
o amor, seja como for,
é o amor.

Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito.

O amor bate na porta
o amor bate na aorta,
fui abrir e me constipei.
Cardíaco e melancólico,
o amor ronca na horta
entre pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.

Entre uvas meio verdes,
meu amor, não te atormentes.
Certos ácidos adoçam
a boca murcha dos velhos
e quando os dentes não mordem
e quando os braços não prendem
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
propõe uma geometria.

Amor é bicho instruído.

Olha: o amor pulou o muro
o amor subiu na árvore
em tempo de se estrepar.
Pronto, o amor se estrepou.
Daqui estou vendo o sangue
que escorre do corpo andrógino.
Essa ferida, meu bem,
às vezes não sara nunca
às vezes sara amanhã.

Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado,
mas também vejo outras coisas:
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não posso compreender...

NÃO SE MATE

Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, pra quê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo
que não amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia.
Joaquim se suicidou e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

DENTADURAS DUPLAS

Dentaduras duplas!
Inda não sou bem velho
para merecer-vos...
Há que contentar-me
com uma ponte móvel
e esparsas coroas.
(Coroas sem reino,
os reinos protéticos
de onde proviestes
quando produzirão
a tripla dentadura,
dentadura múltipla,
a serra mecânica,
sempre desejada,
jamais possuída,
que acabará
com o tédio da boca,
a boca que beija,
a boca romântica? ... )

Resovin! Helocite!
Nomes de países?
Fantasmas femininos?
Nunca: dentaduras,
emgenhos modernos,
práticos, higiênicos,
a vida habitável:
a boca mordendo,
os delirantes lábios
apenas entreabertos
num sorriso técnico
e a língua especiosa
através dos dentes
buscando outra língua,
afinal sossegada...
A serra mecânica
não tritura amor.
E todos os dentes
extraídos sem dor.
E a boca liberta
das funções poético-
sofístico-dramáticas
de que rezam filmes
e velhos autores.

Dentaduras duplas:
dai-me enfim a calma
que Bilac não teve
para envelhecer.
Desfibrarei convosco
doces alimentos,
serei casto, sóbrio,
não vos aplicando
na deleitação convulsa
de uma carne triste
em que tantas vezes
me eu perdi.

Largas dentaduras,
vosso riso largo
me consolará
não sei quantas fomes
ferozes, secretas
no fundo de mim.
Não sei quantas fomes
jamais compensadas.
Dentaduras alvas,
antes amarelas
e por que não cromadas
e por que não de âmbar?
de âmbar! de âmbar!
férricas dentaduras,
admiráveis presas,
mastigando lestas
e indiferentes
a carne da vida!

A MÃO SUJA

Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.

A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.

E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.

Ai, quantas noites
no fundo de casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
não limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra...
A mão incurável
abre dedos sujos.

Eu era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
- o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.

Inútil reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura - transparente -
colar-se a meu braço.

Leon Eliachar (A Outra)


Amâncio tinha outra mulher. Toda a vizinhança sabia, menos ela, Iracema, que era a verdadeira. Chegara a duvidar se a mulher verdadeira é a que é casada, com juiz de paz e tudo direitinho, ou se é a outra, que aparece sem mais nem menos e toma o marido das outras. Sempre fora uma boa esposa, econômica, doméstica, não era dada a extravagâncias — no fim deu nisso que todo mundo dizia. Não sabia até que ponto um homem pode fingir dentro de casa, sem que a mulher perceba. Amâncio continuava, aparentemente, o mesmo homem. Em casa não faltava nada, nem mesmo carinho. Talvez fosse veneno das amigas:

— Deixa de ser boba, você não quer acreditar porque é ingênua. Todo mundo sabe que seu marido não é fiel. Segue até mulher na rua.

Uma amiga mais íntima chegou a dizer frontalmente:

— Não tenho nada com a sua vida, só lhe digo isso porque somos amigas há mais de doze anos. Mas o seu marido tem outra mulher. E digo mais: se você bobear, ele vai trocar você pela outra.

Iracema não queria dar ouvidos. Sempre viveu bem com o marido, não era agora que ia dar trela pras fofoquices dos invejosos. “É despeito de quem fala”, pensava consigo mesma. Mas no íntimo, muito lá no íntimo, não se mostrava assim tão conformada.

— Que é que posso fazer?

Até o porteiro do edifício já olhava pra ela como se ela fosse uma boboca, passada pra trás pelo marido. Talvez até ele estivesse levando algum pra ficar na moita, mas o seu ar zombeteiro, quando ela o cumprimentava, já estava atravessando os limites da sua paciência. Os tormentos não paravam:

— Faz macumba, sua boba.

Ela fez tudo que podia fazer: macumba, prece, cartomante, pitonisa, promessa, nada deu certo. Chegou ao cúmulo de dar trotes pelo telefone e de fazer ameaças com cartas anônimas. Estava se sentindo ridícula ante a certeza dos outros e a sua dúvida. Por mais que quisesse se afastar da idéia de que o marido a traía, os boatos e os cochichos acabaram vencendo e trazendo à tona o seu amor-próprio. Era preciso tomar uma atitude e só tendo provas concretas poderia ter coragem pra falar com o marido.

— Põe um detetive atrás dele. Uma vez aconteceu isso com uma conhecida minha e. . .

Ouviu dezenas de casos, todos semelhantes. Não agüentava mais ouvir as histórias das outras, sempre atribuídas a uma amiga ou uma conhecida. Nunca era com elas mesmas.

— Vivo muito bem com o meu marido, mas se isso que está acontecendo com você fosse comigo, não sei não.

Iracema não resistiu à pressão. Uma tarde, bateu o telefone pra uma agência dessas que resolvem problemas: “Serviço rápido e eficiente, mantendo completo sigilo”. Nem sequer deu o seu nome, inventou um qualquer, o próprio detetive disse que assim era melhor, que a agência não fazia questão, pra inspirar mais confiança.

— Às oito está bom?

— Não, senhor, às oito meu marido está em casa. Prefiro às quatro.

— Qual o endereço, por favor?

— Prefiro num lugar distante da minha casa.

— Compreendo, minha senhora.

— No barzinho Lagoa, que ele nunca passa por lá.

— Combinado, às quatro em ponto. Como é que a senhora vai vestida?

— Bem simples. Uma saia cinza e uma blusa branca, com um broche do lado esquerdo.

— Perfeito. Eu vou de terno cinza.

Iracema foi viva, achou melhor ir toda de verde, pra despistar. Às quatro em ponto, lá estava ela, tomando um guaraná, quando entrou o marido:

— Você aqui, Amâncio?

Ele puxou uma carteirinha do bolso:

— Nunca lhe disse nada, mas nas horas vagas sou detetive particular.

E começou a bronca:

— E você? Que é que está fazendo aqui a esta hora da tarde?

Iracema não teve saída. Voltaram discutindo o caminho todo, ele acusando, ela se defendendo.
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Sobre o autor = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/leon-eliachar-1922.html
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Conheça-se a si mesmo = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/leon-eliachar-conhea-se-si-mesmo.html
O homem ao quadrado = http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/03/leon-eliachar-o-homem-ao-quadrado.html

Fontes:
ELIACHAR, Leon. A mulher em flagrante. Círculo do Livro. Digitalizado, revisado e formatado por Susana Cap
Imagem = http://www.apostilahacker.com.br/

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) II – O Visconde Novo


Em virtude da lembrança da marquesa, a grande novidade daquele dia foi o reaparecimento do Visconde de Sabugosa.

Os leitores destas histórias devem estar lembrados do que aconteceu ao pobre sábio naquele célebre passeio ao País das Fábulas, quando o Pássaro Roca ergueu nos ares o Burro Falante e o Visconde. Os viajantes haviam se abrigado debaixo da imensa ave julgando que fosse um enormíssimo jequitibá de tronco duplo — troncos inconhos. Tudo porque o Pássaro Roca estava imóvel, dormindo de pé! Mas quando a imensa ave acordou e levantou o vôo, lá se foi pelos ares o pobre burro pendurado pelo cabresto, e agarrado ao burro, lá se foi o pobre Visconde.

Na maior das aflições, Pedrinho teve uma boa idéia: correr ao castelo próximo em procura do Barão de Munchausen. Só o barão, o melhor atirador do mundo, poderia com uma bala cortar o cabresto do burro. Pedrinho sabia que o barão já fizera uma coisa assim naquela viagem em que, alcançado pela noite num grande campo de neve, apeou-se para dormir e amarrou o cavalo a um galo de ferro que viu no chão — o único objeto que aparecia no campo de gelo. Na manha seguinte, com grande surpresa sua e de toda gente, acordou na praça pública duma cidadezinha, e erguendo os olhos viu no alto da torre da igreja, atado ao galo de ferro, o seu cavalo de sela! Compreendeu tudo. E que na véspera, quando chegou àquele ponto e parou para dormir, a neve havia coberto totalmente a cidadezinha, só deixando de fora o galo da torre da igreja... E ele então tomou da espingarda, apontou para as rédeas do cavalo pendurado e pum! cortou-as com uma bala. O cavalo caiu sem se machucar. O barão montou e lá seguiu viagem, muito contente da vida.

Ao ver o Burro Falante pendurado pelo cabresto a uma das pernas do Pássaro Roca, Pedrinho lembrou-se dessa história e correu a pedir socorro ao barão, o qual morava num castelo próximo.

O barão veio e com um tiro certeiríssimo resolveu o caso: cortou o cabresto do burro, sem ferir nem a ele nem ao Pássaro Roca. E o pobre burro, sempre com o Visconde a ele agarrado, caiu no mar, donde foi salvo por Pedrinho — mas o Visconde morreu duma vez. Emília encontrou-o lançado à praia pelas ondas, sem cartolinha na cabeça, depenado dos braços e das pernas, salgadinho, todo roído pelos peixes — e guardou aquele toco em sua canastrinha com a idéia de um dia restaurá-lo.

E esse dia afinal chegou, naquele “descanso-de-lagarto” do mês de abril. Emília lá estava no quarto de Tia Nastácia, insistindo com a boa negra.

Tia Nastácia arrenegava, dizia que era o mês do repouso, etc, etc. — mas quando Emília tinha uma coisa na cabeça era pior que sarna. Tanto amolou que a negra, depois de muito resmungo, resolveu acabar com aquilo — e o meio de acabar com aquilo era um só: satisfazer o desejo da boneca.

— Está bom, diabinha, faço, faço. Que remédio? Não sei por quem puxou esse gênio de sarna. A gente está descansando da trabalheira e a malvadinha aparece com as encomendas... Dê cá o toco

Emília entregou-lhe o toco do Visconde. A negra olhou bem para aquilo e riu-se com toda a gengivada vermelha.

— Che, não dá jeito! Isto nem toco é mais — é toco de toco. Melhor botar fora e fazer um Visconde completamente novo, dum sabugo fresco lá do paiol.

— Botar fora!... — repetiu Emília com indignação. — Fique sabendo que isto são os sagrados restos mortais do Visconde. Vou fazer um enterro, como se faz com os defuntos.

Tia Nastácia estava com preguiça de discutir.

— Pois enterre lá o seu defunto enquanto eu faço um Visconde novo — e encaminhou-se para o paiol de milho enquanto a boneca se dirigia para a horta. Por que a horta? Porque no fofo dos canteiros da horta era mais fácil abrir um buraco. E lá no canteiro das alfaces Emília enterrou os restos mortais do Visconde, pensando consigo: “Quem comer salada destas alfaces vai ficar sábio sem saber como nem por quê...”

No paiol, Tia Nastácia debulhou uma bela espiga de milho vermelho para obter um sabugo novo, e teve a luminosa idéia de deixar uma fileira de grãos, de alto a baixo, a fim de servirem de botões. Também teve a idéia de trançar as palhinhas do pescoço em forma de “barba inglesa”, isto é, repartida em duas pontas. E como o sabugo era vermelho, ou ruivo, saiu um Visconde muito diferente do primeiro, que era de sabugo de milho branco.

Depois de arrumá-lo muito bem, com duas compridas pernas, dois belos braços e cartolinha nova na cabeça, foi mostrá-lo aos meninos.

Emília torceu o nariz. “Está falsificado. Não presta.” Mas Pedrinho aprovou: “Está ótimo, embora pareça mais um banqueiro inglês do que um sábio da Grécia”.

— E que nos adianta banqueiro aqui? — observou Narizinho. — Melhor transformá-lo em explorador africano, como aquele Doutor Livingstone de que vovó tanto fala, o tal que andou anos e anos pelo centro da África procurando as origens do Nilo. Basta trocar essa cartola por um chapéu de cortiça com fitinha pendurada e vesti-lo dum fraque de xadrez. Eu tenho um retalho que serve, daquele meu vestido de escocês.

A idéia agradou a Emília. “Sim, serve. Um explorador africano será excelente aqui — para procurar objetos perdidos. Arranjaremos diversas origens para ele procurar.”

E foi desse modo que surgiu no Sítio do Pica-Pau Amarelo aquele grave personagem de fraque de xadrez, botões de milho no peito e chapéu de cortiça com fitinha caída atrás.

Mas o Doutor Livingstone veio ao mundo com um defeito: era sério demais. Não ria, não brincava — sempre pensando, pensando. Tão sério e grave que Tia Nastácia não escondia o medo que tinha dele. Não o tratava como aos demais do sítio. Só lhe dava de “senhor doutor”; e depois que Narizinho lhe disse muito em segredo que o Doutor Livingstone era protestante, a pobre preta não passava perto dele sem fazer um pelo-sinal disfarçado e murmurar baixinho: “Credo!”

— Mas será mesmo protestante, menina?

— É, sim, Nastácia. Tanto que já arranjou a bibliazinha que vive lendo.

A negra derrubou um grande beiço. Depois olhou para suas mãos cheias de calos e disse:

— Este mundo é um mistério!... Quando me lembro que estas mãos já fizeram uma bonequinha falante, e depois o tal “irmão de Pinóquio”, e depois um visconde que sabia tudo e agora acaba de fazer um protestante, até sinto um frio na pacuera. Credo! Deus que me perdoe...

Na primeira semana de sua vida aconteceu com o Doutor Livingstone uma tragédia que muito consternou a todos da casa. Estava ele certa tarde lendo a sua bibliazinha no quintal, quando um frangote veio vindo. O sábio fechou a Bíblia e dirigiu algumas palavras em inglês ao frango, visto como era um frango leghorn, descendente dum galo vindo dos Estados Unidos e que, portanto, devia entender alguma coisa da língua de seus avós. O frango, porém, nada entendeu (ou fingiu que não entendeu); aproximou-se mais e mais, virando a cabecinha como fazem as aves quando descobrem petisco. É que tinha enxergado os lindos “botões” vermelhos do peito do inglês...

— Do you like my buttons? — perguntou com a maior ingenuidade o sabugo, como quem diz: “Está gostando dos meus botões?” Mas em vez de responder e elogiar a beleza daqueles botões, sabem o que o frango fez? Avançou de bicadas contra o pobre sabugo e comeu-lhe cinco botões, um depois do outro! Os berros do Doutor Livingstone atraíram a atenção de Nastácia, que veio correndo com a vassoura e tocou o frango a tempo de salvar o resto dos botões. Como fossem treze, ainda ficaram oito — mas falhados. O maldito frango tinha desfeito a obra-prima de Tia Nastácia...

— Deixa estar, mal-educado! — berrou ela furiosa. — Assim que crescer mais, eu te pego e prego na caçarola — e o senhor doutor aqui há de comer a moela. Desrespeitar desse modo uma criatura de tanta sabedoria, que não faz mal a ninguém e vive quieto no seu canto lendo a sua Bíblia! É ser muito sem compreensão das coisas... Credo! — E Tia Nastácia deu um tapa na boca porque achava inconveniente pronunciar essa palavra perto dum protestante.

Desde esse dia o Doutor Livingstone ganhou um medo horrível às aves. Bastava que uma galinha cacarejasse no terreiro, ou um galo cantasse lá longe, para que o seu coraçãozinho batesse apressado, enquanto, com mãos trêmulas, ele fechava o fraque de xadrez em defesa dos oito botões restantes.

— Vejam — disse um dia Pedrinho. — Este nosso Doutor Livingstone tem cara de não ter medo de leão, nem de rinoceronte, nem de leopardo, nem de nenhuma fera africana. Mas a gente percebe que tem um medo horrível de qualquer ave das que não sejam de rapina. Sendo de rapina, isto é, das que só comem carne, ele não dá importância, nem que seja um monstruoso condor dos Andes. Mas se é ave das que comem milho, ah, o medo dele é como o de vovó com as baratas. Se vê uma galinha, empalidece; e quando um galo canta, o seu coraçãozinho pula dentro do peito como um cabritinho novo...
–––––––––––-
Continua … III – As Estrelas
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Juliana Boeira da Ressurreição (A Importância dos Contos de Fadas no Desenvolvimento da Imaginação) Parte II, final


3. Imaginado o que foi imaginado

O maravilhoso dos contos de fadas faz com que aos poucos a magia, o fantástico, o imaginário deixem de ser vistos como pura fantasia para fazer parte da vida diária de cada um, inclusive dos adultos que já se permitem em muitos momentos se transportar para este mundo mágico, onde a vida se torna mais leve e bem menos operativa.

Imaginação s. f. ( lat. imaginatio, imaginationis). 1. Faculdade que permite elaborar ou evocar, no presente imagens e concepções novas, de encontrar soluções originais para problemas. 3. Faculdade de inventar, criar, conceber”. (Dicionário CULTURAL. 1992, p. 604)

As situações reproduzidas no conto maravilhoso acontecem num espaço redigido por leis totalmente diferentes daquelas que dominam nosso mundo cotidiano, embora haja uma preferência muito grande pelos bosques e florestas. Quer dizer, neste espaço, onde dominam as leis do sobrenatural e do imaginário, não existem distâncias e os personagens podem deslocar-se com grande facilidade da terra para o céu e deste para o mar.

Com isso, o conto maravilhoso pode até introduzir a situação inicial com a famosa frase “Era uma vez, num reino muito distante...”; contudo, num mundo imaginário e sobrenatural, o que menos importa é a localização temporal. Tudo acontece de repente e a duração dos acontecimentos não é cronometrada pelas mesmas unidades temporais que vivenciamos. Por exemplo, se o autor diz ‘dia’, ele está se referindo a um momento sideral preciso que altera o dia e a noite. O tempo é apenas uma paisagem da situação vivida pelos personagens.

Num espaço e num tempo assim constituídos, não se poderia esperar que habitassem seres como a gente. Pelo contrário, este é o mundo habitado pelos seres maravilhosos: fadas, magos, bruxas, anões, gigantes, gênios, gnomos, ogros, dragões, duendes e outros seres criados pela natureza. Todos eles convivem com grande naturalidade e nada que lhes ocorre é considerado estranho. Também não conhecem o processo do crescimento biológico. São crianças e adultos, mas não sofrem a ação do tempo, já que este não existe. A velhice ou a juventude faz parte do caráter do personagem.

No espaço sobrenatural não existe tempo real, tudo acontece de repente e justamente, com total arbítrio do acaso. Os personagens existem, mas não foram criados por leis humanas. São, antes, fenômenos naturais. Por isso são seres encantados”. (MACHADO, 1994, p. 43)

Todo conto popular revela uma tendência muito grande para o encantamento: aquelas situações em que ocorrem transformações provocadas por algum tipo de magia, que não são explicadas de modo natural.

Há aquele tipo de história em que o encantamento ocorre em qualquer circunstância, pois o elemento mágico está presente em toda parte. Mas há também, um tipo de conto maravilhoso em que as transformações são privilégios de alguns seres encantados, dotados de poderes sobrenaturais. As narrativas mais significativas deste modelo são as histórias dos contos de fadas. São as histórias que, como o próprio nome diz, se concentram nos poderes mágicos das fadas, dos magos ou de algum outro ser dotado de poderes sobrenaturais.

“Fadas: são os seres que fadam, isto é, orientam ou modificam o destino das pessoas. Fada é um termo originado do latim fatum, que significa destino”. (MACHADO, 1994. p. 44)

Ainda que não se possa localizar no tempo a origem desses seres, a nossa tradição cultural se encarregou de definir as fadas como seres simbólicos, dotados de virtudes positivas e poderes sobrenaturais, concentrados em suas varinhas mágicas. Por isso, elas sempre aparecem nos momentos de grandes conflitos, quando as pessoas pensam que seu destino está tomado por uma fatalidade da qual é impossível fugir. Assim sendo, o conto de fadas torna-se uma manifestação valiosa na representação dos sonhos e dos desejos humanos, os mais profundos e significativos.

A professora com a qual realizei a entrevista diz que “o importante é que o maravilhoso acontece no mundo da magia, do sonho e da fantasia, onde tudo escapa às limitações da vida humana e onde tudo se resolve por meios sobrenaturais”. Foi bastante interessante ouvi-la contando sobre a reação das crianças nos momentos em ela conta as histórias, como trabalha com a entonação da voz e como as crianças reagem às situações vividas pelos personagens. Ela contou que é muito fácil perceber as emoções sentidas pelas crianças através de um olhar, de um sorriso, de um olhar de medo e até mesmo pela torcida de que, no final da história, o bem vença e os problemas se acabem e que sejam felizes.

Durante o relato, ela também contou:

“Tenho observado, no meu fazer pedagógico, satisfação e encantamento de crianças que variam dos 6 aos 10 anos de idade, cada vez que trabalhamos com contos de fadas. Ouvem com atenção, participam, opinam, contam estórias, etc. Através da fantasia, da imaginação, transmite-se à criança, valores que poderão auxiliá-la na sua formação, ajudando-a a superar medos, a enfrentar situações difíceis, enfim encorajando-a para alcançar o equilíbrio”.

Após leituras e comentários com a professora fiquei a pensar neste processo encantador pelo qual passa a nossa imaginação; o escritor, ao escrever, trabalha com sua imaginação para que o leitor venha a imaginar aquilo ele escreveu, e talvez o que o escritor imaginou pode não ter nada a ver com o que o leitor imaginou.

É incrível o quanto a nossa imaginação é livre; ao ouvirmos uma história ou ao lermos um livro, podemos viajar pelo mundo todo, por lugares nunca vistos, imaginando seres e situações nunca vividas antes. Por meio da imaginação podemos resolver nossos problemas, viver nosso presente, planejar nosso futuro e aprimorar nosso passado.

Imagino como é mágica a imaginação das crianças; para elas tudo parece tão real, mesmo no mundo imaginário. Quantas crianças possuem um amigo imaginário, com o qual brincam, conversam, cantam e até mesmo contam histórias imaginadas por elas mesmas. E este se torna um ser “real”, vem a ser uma realidade que vive somente no imaginário da criança. A professora acrescenta “um conto bem narrado ativa e intensifica toda uma série de experiências na criança, pois através da fala, dos gestos, da entonação da voz, o narrador atribui sentido ao que está sendo narrado”.

Comparo a imaginação infantil ao planejamento por meio de sonhos que alguns adultos se permitem passar; a diferença é que, em alguns casos, os sonhos podem se tornar realidade, e isto é o que faz com que a vontade de sonhar continue viva.

4. Hora do Conto na escola

A literatura infantil é algo que me encanta, me interessa; seguidamente converso com meus alunos do Ensino Médio sobre a relação que existe entre eles e as histórias infantis. Hoje percebo o quanto eles gostam de relembrar os momentos da infância e o quanto alguns personagem se tornaram inesquecíveis em sua vida. No entanto, considerei imprescindível compreender como se efetiva esse contato pedagógico do professor com a criança e os contos de fada, até mesmo para compreender mais o que os jovens manifestam de lembranças dessas vivências, e para poder disponibilizar este estudo aos professores que desempenham este papel. Decidi-me, pois, por desenvolver uma pesquisa exploratória, analisando a bibliografia pertinente e conversando com uma professora que atua com a Hora do Conto.

A pesquisa exploratória é vista como o primeiro passo de todo o trabalho científico. Este tipo de pesquisa tem por finalidade proporcionar maiores informações sobre determinado assunto; facilitar a delimitação de uma temática de estudo; definir os objetivos ou formular as hipóteses de uma pesquisa, ou, ainda, descobrir um novo enfoque para o estudo que se pretende realizar. Pode-se dizer que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Através dessa metodologia de pesquisa avalia-se a possibilidade de se desenvolver um estudo inédito e interessante, sobre uma determinada temática. Sendo assim, proporciona maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. De um modo geral, esta pesquisa constitui um estudo preliminar ou preparatório para outro tipo de pesquisa.

O instrumento de coleta de dados que utilizei foi uma entrevista semi-estrutura, a partir da qual apresento uma análise descritiva.

A Hora do Conto, nesta escola, é realizada uma vez por semana para alunos de pré à 4ª série. É uma atividade do laboratório de aprendizagem que oferece ainda a visita do “carro da leitura” (biblioteca ambulante que visita salas de aula uma vez por semana). Durante a visita do “carro da leitura”, todas as turmas de pré à 4ª série param outras atividades para poder ler, seja contos ou histórias em quadrinhos.

Sempre que possível, a Hora do Conto é realizada de acordo com o projeto que está sendo desenvolvido pelo currículo - contos, histórias, poesias, músicas são apresentados tanto pelas professoras responsáveis pelo Laboratório de Aprendizagem, como também pelos alunos. Algumas vezes, a Hora do Conto é enriquecida com trabalhos em dobradura, colagem, desenho e formação de textos, poesias e dramatizações.

Existe também a preocupação com o desenvolvimento da sociabilidade e desenvoltura dos/as alunos/as para se apresentarem em Horas Cívicas e festas comemorativas na escola, através de pequenas dramatizações de contos infantis, danças, músicas ou declamações de poemas.

Na conversa com a professora entrevistada, ela comentou sobre a importância do maravilhoso dos contos de fadas que concretiza imagens, símbolos, etc. como mediadores de valores eventualmente assimilados pelos ouvintes; esses valores contribuem e influenciam à formação da personalidade da criança.

A capacidade de simbolizar é fundamental para a nossa natureza psíquica e emocional, e é um atributo desejável para um desenvolvimento intelectual pleno, saudável e criativo. A professora acredita que os contos de fadas são a chave para ajudar as pessoas a desembaraçar os mistérios da realidade, e diz que talvez a resposta esteja na linguagem simbólica de que os contos de fadas se revestem, pois está ligada aos dilemas que o homem enfrenta ao longo de seu amadurecimento emocional.

Concordo com a professora entrevistada, quando a mesma diz que “Os contos de fadas têm formas diferentes de expressar idéias, mostrando sentidos profundos e inesperados às crianças e as auxiliam a compreender a sua condição humana e a lidar com os conflitos a ela inerentes”, pois os contos de fadas, de uma forma mágica, têm o poder de mexer com os nossos sentimentos mais íntimos e verdadeiros. Por meio deles as crianças se identificam com as situações vividas pelos personagens como se fosse sua própria vida; de acordo com os acontecimentos no decorrer da história, são perceptíveis as reações das crianças. E esses conflitos, vividos por meio do imaginário, são capazes de auxiliar muito no desenvolvimento emocional e humano das crianças, ajudando-as a entender, de forma mais acessível, os acontecimentos de sua vida real.

Considerações finais

Durante cada leitura que realizei para escrever este artigo mais me encantava e vibrava com cada novas descobertas. Os contos de fadas são enriquecedores e satisfatórios, eles ensinam sobre os problemas interiores dos seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. A fantasia ajuda a formar a personalidade e por isso não pode faltar na educação.

Durante os estudos, relembrei momentos de minha própria infância: o medo de alguns personagens, como a bruxa; a ansiedade para saber o que aconteceria com a Cinderela no final da história e qual seria o destino da madrasta malvada e de suas filhas. Foi muito interessante, pois hoje todas estas sensações se transformaram em lembranças encantadoras. Percebo também essas sensações quando meus alunos relatam algumas lembranças da infância: observo as expressões do rosto, do olhar, dos gestos... É impressionante como podemos aprender, criar, sonhar, imaginar por meio de nossas leituras e recordações.

Por isso, saliento a importância dos contos de fadas e da leitura no desenvolvimento da imaginação infantil: os mesmos contribuem muito na formação da personalidade, ajudam as crianças a entenderem um pouco melhor este mundo que as cercam. Se no processo de ensino se desse uma atenção especial ao emocional que existe em cada uma das crianças, este mundo seria bem melhor!

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Ricardo. Literatura infantil: origens, visões da infância e certos traços populares. Disponível em http:// www.ricardoazevedo.com/artigo07.htm. Acessado em 17-07-2005.
BARCO, Frieda Liliana Morales, RÊGO, Zíla Letícia Goulart Pereira, FICHTNER, Marília Papaléu. Era uma vez ... na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001.
BETTLLHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
CAGNETI, Sueli de Souza. Livro que te quero livre. Rio de Janeiro: Nordica, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
DOHME, Vania. A atividade lúdica como mídia educacional.... Disponível em http://www.ueb-df.org.br/artigo0.asp?art=11, acessado em 17/07/2005.
FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia. – 3.ed.- São Paulo: Saraiva, 2001.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. – 3. Ed.- São Paulo: Atlas, 1991.
MACHADO, Irene A. Literatura e redação. São Paulo: Scipione, 1994.
SOSA, Jesualdo. A literatura infantil. Literatura Infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1982.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1995
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Juliana Boeira da Ressurreição, pós-graduanda do curso de Novas Abordagens em Língua Portuguesa e Literatura da Língua Portuguesa -Faculdade Cenecista de Osório-FACOS/RS Orientadora Profa. Dra. Cristina Maria de Oliveira

Fonte da Imagem = Believe in your dreams

Antonio Manoel Abreu Sardemberg (Poemas de Amor)


AMOR E PAIXÃO

Amor é brisa suave,
é aconchego, é carinho,
vôo cadente da ave
indo em busca do seu ninho.
É bruma leve do mar
em manhã de primavera,
desejo louco de estar
com alguém que se espera.

Volúpia louca é paixão,
mar revolto, tempestade...
É amar sem a razão,
é só loucura e vontade.
Paixão é amor sem juízo,
sem norte, reta ou tino,
errante sem ter destino,
o inferno no paraíso!

Amor é paz, é ternura,
é o frescor da aragem,
a mais cálida coragem,
maior ato de bravura.
É o céu lá nas alturas,
é a mais sublime imagem!

Paixão é inconseqüência,
é demência desmedida,
é o nada, é ausência,
é o fim – a despedida!

Amor é tudo, enfim
é a vida iluminada,
é a afirmação, é o sim,
é o encontro na chegada!

SEU BEIJO


Seu beijo é favo de mel,
a seiva que me alimenta,
é pedacinho do céu,
desejo que me atormenta!

É o fogo mais ardente,
que se pode experimentar,
é sinônimo de querer,
volúpia louca de amar!

Seu beijo é tudo, enfim!
É o querer.
O gostar,
vontade imensa de ter
mas que não posso alcançar!
seu beijo é gotinha dágua,
nas profundezas do mar!

PRESA

Quero ser a sua presa,
Enroscar-me em sua teia
Sem reação ou defesa,
Ser manjar em sua mesa,
Deixar sugar o meu sangue
Até secar minha veia...

Quero ser seu alimento,
Provisão de cada dia,
Ser o seu pão, seu sustento,
E depois do acalento,
Ser sua noite de orgia.

Eu quero ser o seu vinho,
O cálice que inebria.
Ser madrugada, seu dia,
Ser seu parceiro no ninho.

Quero ser a sinfonia
Mais suave e maviosa,
Ser seu verso e sua prosa
Seu delírio e fantasia...

Quero ser a sua rima,
Sua trova e sextilha,
Sua estrada, sua trilha,
Seu fogo ardente, seu clima.

ABRAÇO

Chegou como aragem mansa
Em manhã de primavera...
Era a mais doce quimera,
A mais intensa esperança,
A desejada bonança
Que um homem quer e espera.

No rosto, abria um sorriso,
Um semblante angelical,
Um mundo pleno e total.
Era o próprio paraíso!
Nunca senti nada igual.

Nos seus olhos cor de mel
Trazia a luz que irradia
Lindo toque de magia,
Universo de esplendor
Que eu sempre quis um dia.

Seus braços aconchegantes
Eram buquê de carinho,
O afago de um ninho,
A ternura de amante,
O perfume do jasmim,
Emoção mais fascinante
Que senti dentro de mim.

E, assim, bem de mansinho,
Nossos braços se enroscaram.
E ficamos bem juntinhos
Atados como num laço...
Então eu pude sentir
Minha razão de existir
Nesse terno e doce abraço.

NOITE DE AMOR

Entro em teu quarto com meu pensamento,
Devagarinho pra não te despertar,
E pouco a pouco, em doces movimentos,
Passo em teu corpo todinho tocar!

Sinto o calor que ele me irradia,
Ouço em teu peito o coração pulsar,
Quero que a noite nunca vire dia,
Que o tempo pare, só pra te amar!

Em toques cálidos fico a percorrer,
Todo teu corpo , só para sentir,
A sensação gostosa de te ter!

E já em êxtase eu te quero tanto,
Mais, muito mais, começo a te pedir,
E você me dando todo teu encanto!

VOCÊ

No rosto traz um sorriso
terno, amigo e verdadeiro,
no peito traz um gigante,
que se abre a todo instante
e acolhe um mundo inteiro!

És ternura da mais terna,
és doçura da mais doce,
e se eu poeta fosse,
diria da forma mais Vera:
és outono, primavera,
o mais ardente verão!
És acalento, alegria,
meu sonho de cada dia,
és tudo afinal então!

E neste dia de hoje,
quero te confessar:
se eu fosse o CRIADOR,
dar-te-ia o céu, o mar,
o campo coalhado de flor,
e para arrematar,
dar-te-ia todo amor,
que se possa imaginar!

Fonte:
E-mail enviado pelo poeta
Alma de Poeta

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 263)


Uma Trova Nacional

Ante ao talento me ajoelho...
E o teu talento invulgar,
tanto me serve de espelho
como me serve de altar.
–CLÁUDIO DE CÁPUA/SP–

Uma Trova Potiguar

Em cada conto, que conto,
conto somente o que é meu,
e, dessa conta, eu desconto,
tudo aquilo que for seu.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - M/E.

Resguarda a paz do rebanho,
dando a mão ao teu vizinho,
que é uma audácia sem tamanho
tentar caminhar sozinho!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova de Ademar

Quando a lua nasce cheia,
mostra reluzentes brilhos,
como a luz que Deus semeia
nos olhos dos meus três filhos!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Em sofrer minha alma insiste,
mesmo sabendo, também,
que a dor da espera é mais triste
se não se espera ninguém...
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

–LUIZ GONZAGA FILHO/AL–
Poema do Tempo

Se alguém me perguntar agora
como foi o início de tudo,
responderei: francamente não sei!
Sei que um dia surgiu a vida
e, depois de longo momento,
surgiu o homem
e tudo passou a acontecer.
Hoje, com o homem, as ciências
a serviço do bem e do mal;
hoje, com o homem, as máquinas
a serviço da vida e da morte.
Se me perguntarem agora
o que irá acontecer amanhã.
Responderei: francamente, não sei!
Sei que existirá um Deus, eternamente.

Estrofe do Dia

Quero mostrar-lhe o desenho
Da vida, desde menino,
Um traçado do destino,
Coisas guardadas que eu tenho:
Carrego o peso de um lenho
Que Deus transforma num bem,
E quando a descrença vem,
O Mestre de Nazaré
Me devolve aquela fé
Que às vezes você não tem.
JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

–CONCEIÇÃO ASSIS/MG–
Amor, Amor!...

Amor, amor!... Assim tu me chamavas
Quando em teus braços presa me sentias
Amor, amor!... Baixinho sussurravas
E eu esquecia mágoas, nostalgias...

E de tristeza agora são meus dias...
Já não podes dizer quanto me amavas,
Não te vejo sorrir quando dormias,
Já não repousas onde repousavas...

Mas quando vou à campa onde tu dormes,
Entre ciprestes retos, uniformes,
Onde o silêncio é rei dominador,

Na voz da brisa leve eu ouço ainda
A tua voz, a tua voz tão linda,
A sussurrar baixinho: amor... amor!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

domingo, 3 de julho de 2011

JB Xavier (Antologia Poética)


NÃO TENTES ME ESQUECER

Não tentes mentir ...não para ti...
E para não te machucares,
Não tentes me esquecer...
Tu não conseguirias....
Por que terias
Que renegar nossos momentos,
As auroras que nos encontraram
Trocando juras de amor...

Terias que relembrar a dor
De nossas partidas,
As alegrias febris dos reencontros...
Terias que ouvir de novo o que nos dissemos...
As promessas,
Os passeios amenos
Pelo parque, os sonhos,
E reviver todos os nossos projetos...

Terias que ouvir de novo os inquietos passarinhos,
Festejando na areia de nossos caminhos,
Revisitar as alamedas de luz
Que um dia brilharam para nós...
E terias que ouvir de novo a voz
Deste amor que em minha alma não cala!
Terias que ouvir tua própria fala
Jurando, assim, tão solenemente,

Que irias me amar eternamente...
Minta para mim, se o desejares,
A mim, que erigi altares
Onde sagrados tabernáculos
Guardavam teu amor, que duraria para sempre,
Mas não mintas a ti mesmo, te iludindo,
Porque jamais poderias sentir a dor
Deste fim de amor, que estou sentindo...!

PARA SEMPRE EM TUA VIDA

Se de ti vieram todos os meus sonhos,
Se te amei para além de todos os limites,
E se te amo ainda,
Por que o Universo te afastou de mim,
E me deixou a assim,
Nesses descaminhos tristonhos,
Onde eternamente espero a vinda
Deste amor que nunca teve fim..?

Se de amor forrei meu caminho,
Se de rosas perfumei nosso leito,
E se de luz pintei nosso universo,
Porque da rosa me restou o espinho
Que me obriga a seguir sem ti, sozinho,
Nesta realidade falsa , a me arrancar do peito
A lágrima que me resta, ou este último verso
Que ofereço a este amor, eivado de carinho?

Ah! Se teu peito latejasse sem ar, como arfa o meu!
Se tu sentisses a vida se esvaindo, como se esvai a minha
Se eu pudesse ser teu rei, como és minha rainha
Se a Verdade cumprisse tudo o que prometeu,
Tu serias minha e eu seria eternamente teu...

Mas, hei de estar em ti, na solidão entristecida
Desta derrota com gosto de vitória dolorida,
Porque enquanto ressoar pela eternidade a tua existência ,
Haverá, de nós, mais que uma simples reticência
Porque estarei, para sempre, na história de tua vida..

TEU BRILHO EM MINHA ALMA

Esse ponto brilhante que habita minha alma,
A natureza última do meu ser,
A tradução mais exata do meu entardecer,
A ficção cuja realidade transcende e acalma,
É o que restou do sol esfuziante,
Do instante
Em que tua luz inundou meu mundo...
E brilhará assim, na eternidade,
Nesse brilho pálido onde permeia uma saudade
A iluminar o dia que se faz noite, num céu moribundo...

LEMBRANÇAS DE TI...

Hoje te visitei, ou foste tu que me visitaste?
Que importa? Mas te vi, e teu toque novamente senti
Roçando em minha pele, os beijos que beijaste,
As lágrimas de alegria das tantas que chorei por ti...

Hoje em júbilo, novamente o sol nasceu sobre o mundo
Com a mensagem de esperança que tanto me sustentou
E o dia nasceu feliz, trazendo a cada segundo
As lembranças de ti, o riso, o canto, a alegria que tanto me sustentou...

Hoje trago o coração em festa, o universo te reverencia ,
O mundo sorri, as nuvens te rendem homenagem,
O vento me entrega teu perfume, e o próprio dia
Renasce orvalhado, na suavidade de sua doce aragem...

Hoje te visitei, ou foste tu que me visitaste?
Que importa? Que importa se esse encontro ainda tem algo de tristonho?
O que importa é que revivi os momentos em que vibraste
Aos meus abraços, ainda que tudo tenha sido um sonho…

A ÚLTIMA ROSA

Oh, rosa delicada, de onde vem
Essa doçura, esse veludo que te cobre,
Se convives entre esporões, nessa tua nobre
Altivez, que te coloca no infinito, e ainda além?

De onde retiras o frescor, a cândida doçura
O pulsante carmim, a oferenda irrestrita?
E se te escondes entre espinhos, como a prata na acantita...
O que te transforma assim, nessa meiga candura?

Vem, perfumada rosa, e ocupa o vazio de minha vida
Vem enfeitar a tristeza e adornar os caminhos
Por onde trilham meus pensamentos, desconsolados e sozinhos,
Vem mostrar-lhes teu ardor e lhes curar a ferida...

Que fazes aí nesse vaso, ainda viçosa e bela,
Ainda me lembrando do dia em que em ti habitavam minhas esperanças
No vermelho dos teus anelos, a me trazer dos lábios dela as lembranças
Neste minúsculo mundo onde rebrilhas, altiva e singela...?

Oh, delicada rosa, se ao menos esses espinhos que te enfeitam
Fossem venenosas garras que ferissem,
E ao ferirem levassem meu coração às sombras, se existissem
Ainda as ninfas que de amor tanto se deleitam...

És a última rosa, o último sinal, o último sonho deste amor distante,
A última fronteira, a última carta, a última amiga que assistiu
Meu último olhar e o último aceno quando ela partiu...
És tu a única testemunha deste último instante...

E aí estás, como minha mais ensandecida dor
Como a mais terna de todas as minhas recordações
Pois foste tu que estiveste entre nossos lábios, quando nossos corações
Beijaram-se, trazendo na luz dos olhares todo o nosso ardor...

Foste meu último presente, onde ofertei a ela todo o meu amor…

ENQUANTO HOUVER UM SONHO

Se não existe o mundo sem ti, que faço aqui,
Ainda habitando o sonho?
Que imaculado céu é esse que tampouco existe
Mas pelo qual procuro ainda a estrela que se perdeu?
Se a ilusão é a mais real das consistências, por que vivo
Nessa imaginada realidade, perseguindo visões
Cavalgando Pégasus, imitiando a Fênix,
Enquanto me ombreio a Sísifo
Em sua eterna tarefa de conseguir o impossível?

E se a realidade em que vivo nada mais é que o sonho perdido,
Porque quase te posso tocar, ainda que hoje sejas apenas uma ilusão?
Por que a luz que me serve de guia nessa eterna escuridão
Flui ainda de teus olhos, e tua voz ainda ecoa,
Como sinos a dobrarem num intangível campanário?

Ó deidades e eternos condenados,
Que indolentes se banham nas águas do Aqueronte,
Deixai-me ao menos que eu me transforme também nessa ilusão,
Para que o sonho possa ser minha realidade,
E eu, assim, repouse finalmente no barco de Caronte,
Para que me conduza a Hades,
Que há de selar meu destino com seu eterno silêncio
Ao qual, há muito, já me condenaste…

Fonte:
JB Xavier

Lurdiana Araújo (Caldeirão Literário do Tocantins)


CÁLICE

Se o amor acabou,
traz-me o cálice
que finda esta vida,
transforma minha alma
nas flores, na lua.

Se o amor acabou,
acabou-se a lida.
Traz-me o cálice
sem despedida.

Esquece as juras
Sob a luz da lua,
esquece que minh’alma
desejava a tua.

Esquece o silêncio
na madrugada fria,
minh’alma partiu,
sem despedida
pra longe da tua.

VIDA

A vida é uma metáfora tão mágica,
Que confunde até o crepúsculo da aurora.
O segredo está em saber acreditar.
O pingo da chuva quando se lança
Do firmamento ao chão,
Não é um suicida,
É um aventureiro
Em busca do mar.

SAUDADE

A saudade é uma flecha doída
Corta o peito, deixa a alma traída,
Nem mesmo as mágicas do tempo
Selam esta ferida.

Tece as rendas do tempo em nossa face
Nos escraviza, nos minimiza, tira da gente
O melhor da vida.

FOGUEIRA

Coração, deixa de besteira,
O amor é apenas uma fogueira
Queima a alma inteira.

Como fogo na lareira
Vai nos queimando como madeira
Nos consumindo a vida inteira.

É uma chama traiçoeira
Quer nos sufocar, apedrejar,
Aniquilar.

Nunca tente pular esta fogueira
Uma ferida corta a carne quer não queira,
E nos aprisiona nesta chama traiçoeira.

É inútil relutar, nem mesmo nossas cinzas,
Conseguem se libertar de alguma maneira.
O amor é apenas uma fogueira, chama traiçoeira.

MEU VÍCIO

Alucinação,
Loucura,
Palavra fria,
Ternura.

Foi se o tempo
Do meu ócio,
Desejar não posso.

Estou aprisionado
No meu vício,
Já quase não existo.

Fraquejante
Eu desisto,
Não da vida,
Do meu vício.

Esta paixão suicida
Que fiz de abrigo
Roubou-me a vida.
–––––––––-

Professora, escritora, poetisa. Nasceu em Filadélfia, Estado do Tocantins. Radicada em Brasília há quinze anos, é formada em Artes/Teatro. Especialista em Arte-Educação e Tecnologias Contemporâneas. Pós-graduada em Arteterapia.

Vencedora do XXIII PRÊMIO INTERNACIONAL DE POESIA NOSSIDE 2007 em Reggio Calábria – Itália.

Livros publicados: Querido Mundo (poesia) 2005. Participou de diversas antologias.

Página pessoal: http://ideiaspoeticas.blogspot.com

Redatora do site Cerrado Poético – www.cerradopoetico.com.br