sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Irmão de Pinóquio – VI – Miragens


Enquanto lá na floresta Pedrinho pensava no melhor meio de vingar-se da boneca, Narizinho resolvia dar um passeio pelo pomar. Costumava fazer isso nas tardes agradáveis, sempre em companhia da sua companheira. Naquele dia, porém, Emília fez luxo.

— Não posso hoje — disse mostrando o cavalinho. – Estou ensinando o ABC a este analfabeto, que anda com vontade de ler a história do Pégaso, do Bucéfalo, do cavalo de Tróia e outras “cavalências” célebres.

Narizinho não gostava de passear só, por isso correu os olhos pela sala em procura de algum outro companheiro. Só viu o triste irmão de Pinóquio, que Pedrinho havia jogado para cima do armário.

— Coitado! — exclamou. — Porque é feio como o Diogo e morto como um defunto, ninguém faz conta dele. Vou levá-lo comigo.

Talvez que os ares do ribeirão lhe façam bem.

Pescou-o de cima do armário com o cabo da vassoura e lá se foi com ele ao pomar, rumo do ribeirão, onde havia aquele velho pé de ingá de enormes raízes de fora. Sentou-se na “sua raiz” (havia outra de Pedrinho e outra do Visconde), recostou a cabeça no tronco e cerrou os olhos, porque o mundo ficava três vezes mais bonito quando cerrava os olhos. De todos os lugares que ela conhecia era aquele o mais gostado. Fora ali que vira pela primeira vez o príncipe das Águas Claras, e era ali que costumava pensar na vida, resolver seus problemazinhos e sonhar castelos.

O sol ia descambando no horizonte (“horizonte” era o nome do morro atrás do qual o sol costumava esconder-se) e seus últimos raios vinham brincar de acende-e-apaga brilhinhos na correnteza. Volta e meia um lambari prateava o ar com um pulo.

De repente Narizinho ouviu um bocejo — ahhh! Olhou... Era Faz-de-conta que se espreguiçava, como quem sai de um longo sono.

Achando aquilo a coisa mais natural do mundo, a menina apenas disse:

— Ora graças! eu tinha certeza de que os ares do ribeirão fariam você mudar.

— Eu sou sempre o mesmo — respondeu o boneco. — Não mudei. Não mudo nunca. Quem muda são vocês, criaturas humanas. Você mudou, Narizinho.

— Como isso? — exclamou a menina franzindo a testa. – Estou no que sempre fui...

— Parece. Tanto mudou que está entendendo a minha linguagem e vai ver coisa que sempre existiu neste sítio e no entanto você nunca viu. Olhe lá!

A menina olhou para onde ele apontava e realmente viu um bando de lindas criaturas, envoltas em véus de finíssima tule, dançando por entre as árvores do pomar. No meio delas estava um ente estranho, de orelhas bicudas como as de Mefistófeles, dois chifrinhos na testa e cauda de bode. Soprava músicas numa flauta de Pã, isto é, numa flauta feita de canudos incões, tal qual a casa de barro que umas vespas chamadas “Nhá Inacinhas” haviam feito na parede do fundo da casa de dona Benta.

— Oh! — exclamou a menina recordando-se. — Ainda ontem vi num dos livros de vovó uma gravura com uma cena igualzinha a esta. São as ninfas do bosque e o homem é um fauno.

Apesar de ter falado baixo, as dançarinas ouviram aquelas palavras e, não se sabe por que, fugiram numa corrida louca em todas as direções. O fauno até deixou cair a sua flauta.

— É minha agora! — gritou Narizinho correndo a apanhá-la.

— Ganhei uma flauta de Pã!...

Mas, ai! Agarrou a flauta com tanta força que a moeu, porque era de barro e estava cheia de vespas, que voaram numa grande aflição atrás das ninfas. Só ficou uma, presa entre o polegar e o fura bolos da menina.

— Que vespa esquisita! — exclamou ela, examinando atentamente a prisioneira. — Parece uma velhinha coroca.

— Hein? — murmurou Faz-de-conta chegando e olhando. – Estou reconhecendo esta vespa. Quando o tronco de pau de que fiz parte era árvore viva, cheia de flores cada mês de setembro, muitas vezes a vi lá em nossos galhos. Desconfio que é uma fadazinha disfarçada em vespa.

— Se é fada — disse a menina duvidando — por que não fugiu com as outras e deixou que eu a pegasse?

— Porque queria conversar com você — respondeu a vespa.

A menina arregalou os olhos tomada de grande alegria.

— É fada mesmo, Faz-de-conta! E das que falam, porque há umas que só fazem tlim, tlim, tlim, como aquela fada Sininho que gostava de Peter Pan. Que pena Pedrinho e Emília não estarem aqui. Vão ficar danados de eu ter visto fadas antes deles.

A vespa-fada contou-lhe sua vida desde que nasceu e disse que já de muitos anos andava a correr mundo atrás de um alfinete mágico sem o qual não poderia ser, bem, bem, bem, fada das que podem tudo e viram uma coisa noutra. Esse alfinete era uma varinha de condão das mais poderosas, que andava perdida entre os mortais. Ao ouvir aquilo o coração da menina pulou dentro do peito. Lembrou-se logo do alfinete que tia Nastácia havia dado à boneca e imaginou que talvez fosse o tal alfinete mágico. Para certificar-se indagou...

— Não era um alfinete de pombinha carijó?

— Isso mesmo! Como sabe? — exclamou a fada, admiradíssima.

Narizinho viu que havia feito asneira dizendo aquilo, pois a vespa poderia tomar o alfinete da boneca, impedindo-a de vir a ser uma famosa fada de pano — coisa que nunca existiu. Quis remendar a imprudência e disse:

— Sonhei. Sonhei a noite passada com um alfinete assim, isto é, mais ou menos assim. Não era de pombinha, não, agora me lembro. Era de galo ou bicho parecido. Como a senhora sabe, os sonhos são sempre atrapalhados.

— Mais atrapalhadas são as mentiras de nariz arrebitado! — disse a vespa, fugindo da mão da menina e indo pousar num galho de árvore. — Estou vendo que você sabe onde está o alfinete e não quer me contar.

Faz-de-conta chegou-se ao ouvido da menina e cochichou:

— Não caia nessa! Não conte! Você lá sabe se ela merece? Com fadas é preciso muita cautela, porque se algumas são anjos de bondade, outras são más como bruxas.

— Estou ouvindo tudo! — disse a vespa lá do galho. — E para castigo vou dar uma ferroada bem venenosa na ponta do nariz dessa menina má. Esperem aí!...

E começou a inchar, a inchar, até ficar do tamanho duma enorme aranha caranguejeira. E arreganhou os terríveis ferrões e lançou-se contra a menina.

— Acuda, Faz-de-conta! — berrou Narizinho fechando os olhos.

Ela sabia que o melhor meio de escapar dos grandes perigos era fechar os olhos, bem fechados, como a gente faz nos sonhos quando sonha que está caindo num precipício.

De um pulo Faz-de-conta colocou-se entre a vespa e a menina, pronto para sacrificar a vida em sua defesa. O boneco era feio, mas tinha a alma heróica. E como estivesse desarmado, puxou do prego que prendia sua cabeça ao corpo, como quem puxa duma espada e investiu contra a vespa. Ao fazer isso, porém, sua cabeça caiu por terra, rolou morro abaixo e foi mergulhar — tchibum! — no ribeirão.

A vespa assustou-se ao ver tão estranha criatura avançar para ela de prego em punho e sem cabeça. Assustou-se e — zunn! – desapareceu no ar...

— Pronto? — perguntou a menina sempre de olhos fechados.

Ninguém respondeu.

— Ela ainda está aí? — perguntou de novo.

Ninguém respondeu.

Narizinho foi então entreabrindo os olhos, com muito medo, e afinal abriu-os de todo. Mas deu um grito de horror, ao ver o boneco na sua frente, de prego na mão e sem cabeça.

— Que é isso, Faz-de-conta? Que fim levou sua cabeça?

O boneco está claro que nada respondeu. Só tinha boca e ouvidos na cabeça e como a cabeça rolara morro abaixo não podia ouvi-la nem responder.

— E agora? — disse consigo a menina. — Este lugar me parece muito perigoso, e sem auxílio de Faz-de-conta podem me acontecer grandes desgraças. Se ao menos houvesse aqui por perto alguma casinha...

Olhou em redor e viu não muito longe uma fumaça. “Deve ser casa”, pensou, e correu para lá. Era casa, sim, a mais linda casa que ela viu em toda a sua vida, com trepadeiras na frente e duas janelas de venezianas verdinhas.

A menina bateu — toc, toc, toc...

— Entre quem é! — gritou de lá dentro uma voz.

Narizinho abriu e entrou e deu um grito de alegria.

— Capinha! Que felicidade encontrar-te aqui!

— E a minha felicidade de receber tua visita ainda é maior, Narizinho! Há quanto tempo te espero!...

Abraçaram-se e beijaram-se e ficaram de mãos presas e os olhos postos uma na outra. Era ali a casa da Menina da Capinha Vermelha, cuja avó havia sido devorada pelo lobo. Capinha já tinha estado no sítio de dona Benta no dia da recepção dos príncipes encantados e ficara gostando muito de Narizinho e Emília, tendo-as convidado para virem passar uns dias com ela.

— Mas por que não me avisaste da tua visita, Narizinho ?

— É que cheguei aqui por acaso. Vi-me só na floresta, depois que meu guia perdeu a cabeça, e não sei o que seria de mim se não fosse a fumacinha de tua casa, que vi de longe. E vim correndo, mas sem saber quem morava aqui.

Narizinho contou então tudo o que lhe havia acontecido e a terrível desgraça que sucedera a Faz-de-conta.

— Que coincidência! — exclamou Capinha. — Não faz minutos eu estava tomando banho no ribeirão e um objeto, feito castanha de caju veio rolando pela água abaixo até esbarrar em mim. Peguei-o, olhei e vi que era uma cabeça, com boca, nariz e tudo. Quem sabe se não é a cabeça de Faz-de-conta? Está guardada no bolso do meu avental.

Foi lá dentro e trouxe a cabeça.

— É essa mesma! — exclamou Narizinho satisfeitíssima daquele inesperado e feliz desenlace. — Vou consertar o meu João, já, já.

Foi um instante. Em meio minuto a cabeça do boneco estava outra vez no lugar e ele em condições de falar e contar tudo o que acontecera enquanto a menina estivera de olhos fechados. Quando Faz-de-conta concluiu a narrativa, Capinha suspirou e disse:

— Quem me dera ter um companheiro leal e valente como este! Vivo tão sozinha nestas solidões...

Narizinho prometeu que viria visitá-la sempre que pudesse.

— E não deixe de trazer a Emília. Gostei muito dela.

Narizinho contou-lhe, então, em grande segredo para que alguma vespa escondida por ali não pudesse ouvir, que a boneca estava na posse do alfinete de pombinha, que era uma vara de condão e poderia, portanto, de um momento para outro, virar uma poderosa fada — e uma fada que nunca existiu no mundo: a Fada de Pano.

— Pois ela que se transforme e apareça por aqui para brincarmos de virar.

Nisto surgiu João Faz-de-conta, que tinha saído para o terreiro a fim de refrescar a cabeça. Vinha muito alegre, dizendo:

— Adivinhem quem passou por aqui! Peter Pan. Conversou comigo meio minuto e lá se foi, voando, para a Terra do Nunca, onde mora. Disse que qualquer dia aparece no sítio de dona Benta para brincar com Pedrinho.

— Que pena não ter portado um minuto para tomar café conosco! — exclamou Capinha. — Ele sempre me visita e gosto muito dele.

Narizinho, que já conhecia Peter Pan, fez várias perguntas a respeito desse extraordinário “menino que jamais quis ser gente grande” e de sua inseparável companheira, a fada Sininho. E ainda estava a ouvir histórias dele, quando Faz-de-conta deu um berro de desespero, apontando para a estranha figura que acabava de pular a cerca do quintal com uma enorme faca de matar mulher na mão.

— Feche os olhos, Narizinho! — gritou ele. — Barba Azul vem vindo!...

A menina, para salvar-se fechou os olhos com quanta força teve...
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Continua… VII – O Alfinete

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Paraná em Trovas Collection - 37 - Marita França (Curitiba)


Sandra Castiel (Os Mistérios da Cachoeira de Samuel)

Ao longo de minha vida e de minha profissão, já ouvi histórias referentes às diversas regiões do Brasil. Porém, tão ricas como as nossas não há. A selva amazônica é guardiã de mistérios impressionantes. Não é à toa que seus antigos habitantes traziam à ponta da língua uma boa história, verdadeira para quem a contava. Como amante de mistérios e genuína amazônida, creio em todas.

Nos dias de hoje, grande parte da população da Amazônia vive distanciada da natureza. Isso não acontecia no passado. A floresta e os seres que nela habitam faziam parte de nossa vida. A natureza exuberante – árvores gigantescas, animais exóticos, igarapés caudalosos e banhos de rio – era o cotidiano das pessoas, e isso se traduzia no respeito que todos, crianças e adultos, nutriam por esse universo.

Cenário presente na nossa infância era a cachoeira do Samuel. Sempre que o Madeira baixava, na estação seca, formava-se uma agradável praia de água doce, um paraíso para os banhistas. Porém era preciso muito cuidado, pois aquelas águas eram traiçoeiras e misteriosas.

Lembro-me de uma amiga de minha mãe que se livrou do afogamento pela ação providencial de um caboclo da região que se encontrava no local. Mais tarde, em nossa sala, contava a história toda, ainda em estado de choque. Segundo ela, quando começou a entrar na água, uma voz soprou em seu ouvido: - Não entra! – Mas ela achou que era impressão, não deu importância ao fato e avançou praia adentro. De repente, faltou-lhe o chão e, quando estava afundando, tornou a escutar a voz sussurrando: - Bem feito! Eu não avisei?

Nenhuma história envolvendo a cachoeira de Samuel é tão impressionante como a contada por uma de minhas irmãs mais velhas, protagonista de um episódio fantástico. Ela devia ter uns quatro, cinco anos de idade, e era uma criança muito inocente. Minha mãe foi com uma amiga e os filhos de ambas passar o dia em Samuel. Enquanto as mães conversavam sentadas na faixa de areia, as crianças divertiam-se à beira d’água, na parte mais rasa, pulando, virando cambalhota, enfim, essas coisas de criança. Foi assim que Leninha, sem se dar conta do perigo e sem que os outros notassem, afastou-se do grupo, alguns metros longe da beira.

Quando quis voltar, não conseguiu: uma forte correnteza a empurrara rapidamente para longe, mais longe, cada vez mais. Então começou a afundar. Seu corpo vinha rapidamente à tona conforme o movimento da corrente, subindo e descendo. Numa das subidas viu à sua frente, boiando, uma grande cabeleira negra espalhada na superfície da água, como se alguém estivesse emergindo das profundezas. Desesperada, já engolindo água, Leninha agarrou-se aos cabelos e sentiu que eram firmes como um tronco de árvore. Percebeu também que eles a puxavam na direção contrária à correnteza. Segurando os misteriosos cabelos com as duas mãos, a menina foi levada vagarosamente até onde podia ficar de pé e chegar em segurança à praia onde estava o grupo de crianças.

Assim que saiu da água, Leninha avistou, poucos passos à sua frente, de costas, a dona dos longos cabelos. Era uma mulher morena e corpulenta. Trazia no torso nu e em ambos os braços belos enfeites de contas e penas. Na cabeça, a vasta e molhada cabeleira negra. A mulher voltou-se e sorriu para a criança, que lhe retribuiu o sorriso. A índia misteriosa caminhou uns três metros e desapareceu diante dos olhos de Leninha, que, inocentemente, correu para perto da mãe.

Minha irmã jamais esqueceu a cabocla dos longos cabelos que a salvou da morte nas águas turvas da cachoeira do Samuel. Seria ela a representação feminina da Cachoeira? Jamais saberemos.

Assim é nossa Amazônia: frondosa e caudalosa, cheia de mistérios…
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Sobre a Autora:
Sandra Maria Castiel Fernandes é natural de Porto Velho. Possui formação em Letras. É professora de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literatura Infantil. Pós-graduada em Língua Portuguesa e Metodologia do Ensino Superior. Mestre em Educação. Pesquisadora na área da Educação Especial e em temas que envolvem a história de Rondônia. Sandra Castiel possui três livros publicados: dois sobre a história de Rondônia e um sobre teatro infantil; quatro artigos em revistas especializadas em Educação e dois livros em andamento. Escreve e dirige peças de teatro infantil. Gosta de escrever crônicas literárias. Sandra Castiel é membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia, cadeira n. 36, cujo patrono é seu antigo professor, Enos Eduardo Lins.

Fonte:
Texto publicado no jornal eletrônico Gente de Opinião em 03/12/2011. Disponivel em Debates Culturais 

Projeto de Trovas para uma Vida Melhor (3ª Etapa – 4º Concurso – Resultado)

TEMA: PRUDENCIA

GRUPO: 1 – NACIONAL

1º LUGAR 

Prudência é a justa medida
do passo que vamos dar:
a bitola que, na vida,
nos ajuda a não errar !
ALBA HELENA CORRÊA
NITERÓI - RJ
2º LUGAR

Prudência é bom, mas somente
dentro da exata medida.
Se ela é demais, priva a gente
de grandes feitos na vida!
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
MARINGÁ – PR

3º LUGAR

No prenúncio de um fracasso,
a prudência determina,
recuar, sem medo, um passo
antes de seguir na sina.
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO
JUIZ DE FORA – MG

MENÇÃO HONROSA

1.
Livre arbítrio... Inteligência
a serviço da razão...
É o básico da prudência
para qualquer decisão!
FRANCISCO NEVES DE MACEDO
NATAL – RN

2.
Prudência é pesar nos pratos
da balança da razão,
um a um ,todos os atos,
antes de os por em ação...
DARLY O.BARROS
SÃO PAULO- SP

3.
Quem tem prudência na vida
não pensa em "olho por olho";
as ofensas não revida...
mas põe "a barba de molho"!
MYRTHES MAZZA MASIERO
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

4.
Os anos trazem prudência
e imensa sabedoria
para a boa convivência
na lida de todo dia.
LEONILDA YVONNETI SPINA
LONDRINA – PR

5.
Se na rotina do dia
prevalecer a prudência,
haverá só calmaria
nesta terrena existência.
LEDA COLETTI
PIRACICABA- SP

MENÇÃO ESPECIAL


1.
Virtude que faz prever,
evitando inconveniência,
a prudência deve ser
a cautela da existência.
JOEL HIRENALDO BARBIERI
TAUBATÉ – SP

2.
Que Deus dê perfume às flores,
inspiração aos artistas,
saúde aos trabalhadores
e prudência aos motoristas!
RENATA PACCOLA
SÃO PAULO – SP

3.
Neste mundo em que a atitude
poderá causar um mal,
a prudência é uma virtude
de expressão universal.
NEI GARCEZ
CURITIBA – PR

4.
Devemos andar na linha
e com prudência também,
"tino e caldo de galinha"
não fazem mal a ninguém!
VANDA ALVES DA SILVA
CURITIBA – PR

5.
A prudência é uma balança
que equilibra a nossa vida
ao dosar, com temperança,
a tentação desmedida.
ELIANA JIMENEZ
CAMBORIÚ - SC
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GRUPO: 2 – NACIONAL


1º LUGAR

Com prudência vou seguro,
pelos caminhos da vida,
clareando todo o escuro,
até a porta de saída.
LUIZ MORAES
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

2º LUGAR

Levando uma vida vã,
perdi bem cedo a Inocência,
mas conquistei sua irmã
que hoje me ampara: a Prudência.
ANDRÉ BUENO OLIVEIRA
PIRACICABA – SP

3º LUGAR

Aquele que tem prudência
se propõe em ter cautela...
Não conhece negligência,
e, por todos, ele zela.
GLÓRIA TABET MARSON
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

MENÇÃO HONROSA

1.
Com prudência, dom de Deus,
vou seguindo meu caminho;
tendo o carinho dos meus
enfrentando todo espinho.
DIVA RICO
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

2.
Corações onde ressoam
os sonhos da adolescência,
se adultos se tornam, voam,
se neles houver prudência!
MIFORI
MOGI DAS CRUZES – SP

3.
Podemos ser surpreendidos
com toda nossa prudência
e acabarmos envolvidos
nas malhas da inconsequência.
ABILIO KAC
RIO DE JANEIRO – RJ

4.
Dirigindo com prudência
nada lhe acontecerá.
A Divina Providência
vida lhe assegurará.
MARIA CONCEIÇÃO DE PAULA
São José dos Campos - SP

5.
Prudencia, melhor virtude,
se não se quer confusão...
Quem toma tal atitude,
nunca tem desilusão.
NADIR NOGUEIRA GIOVANELLI
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS –SP

MENÇÃO ESPECIAL

1.
Toda prudência é virtude
que permite discernir
o tamanho da inquietude
disfarçada no porvir.
MARILENA ESBERARD DE LAURO MONTANARI
SÃO PAULO – SP

2.
Não dirija sem total
condições de dirigir.
Use a prudência, afinal,
por que do mundo sair?
GILSON FAUSTINO MAIA
PETRÓPOLIS – RJ l

3.
Fitei no teu verde olhar
implorando só clemência.
Cupido rindo ao mirar,
amiga tenha prudência.
SONIA NOGUEIRA
FORTALEZA – CEARÁ

4.
Por detrás de qualquer ato,
algo bom ou mau se esconde;
com prudência o substrato
vem correto e nos responde...
FÁBIO SIQUEIRA DO AMARAL
BOM JESUS DOS PERDÕES – SP

5.
Se a prudência for a luz
A guiar os passos de alguém
É Deus mesmo que o conduz
Nos caminhos para o Bem
DOM ANTÔNIO AFFONSO DE MIRANDA
TAUBATÉ – SP
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GRUPO: 3 – ALUNOS
NÃO HOUVE TROVA CLASSIFICADA

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GRUPO INTERNACIONAL - Língua Portuguesa


1º LUGAR

Desempenhar altos cargos
É preciso competência!
P'ra não ter gostos amargos
Tenha pois, muita PRUDÊNCIA...
ANTÓNIO BOAVIDA PINHEIRO
LISBOA - PORTUGAL

2º LUGAR

Se a prudência não faltar
aos governos das Nações,
com a justiça a reinar,
brilha a paz nos corações
ISAURA MARTINS
TÁBUA - PORTUGAL

3º LUGAR

Porque é tão desmazelado
a gastar mais do que tem?
Ser prudente e ser poupado,
nunca fez mal a ninguém!
CLARISSE BARATA SANCHES
GÓIS - PORTUGAL

MENÇÃO HONROSA

1.
Viva com muita prudência
para uma vida exemplar;
e com certa persistência
consegue afortalezar!
JORGE A. G. VICENTE
RTE DES DAILES 42- SUIÇA

MENÇÃO ESPECIAL

(não houve trova classificada nessa categoria)


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GRUPO INTERNACIONAL - Língua Espanhola


1º LUGAR

La prudencia es el tesoro
que debemos conservar
como pulcro cáliz de oro
que se lleva en un altar.
HÉCTOR JOSÉ CORREDOR CUERVO
BOGOTÁ DC - COLOMBIA

2º LUGAR

Prudencia, blanca virtud,
que nos permite crecer.
Es vivir en plenitud
protegiendo nuestro ser.
GISELA CUETO LACOMBA
UNION CITY N. J. – CUBA

3º LUGAR

Aquel que escucha consejos
sabe valuar la prudencia,
esa misma que los viejos
valoraron con paciencia...
MIGUEL ÁNGEL MUÑOZ CORTES
GRANADA – ESPAÑA

MENÇÃO HONROSA

1.
Me regalo la prudencia,
el recato y la verdad
para sembrar con sapiencia
el valor de la amistad.
RAMÓN ROJAS MOREL
CORRIENTES – REPÚBLICA ARGENTINA

2.
No te burles de los viejos
y ponga siempre atención,
pues con prudencia y consejos
nos dan siempre la razón.
BLANCA LUZ RAMIREZ VALENCIANO
CALI - COLOMBIA

3.
La prudencia es el gran puerto
donde todo es lealtad,
es en la vida gran huerto
de paz, valor y bondad.
SUSANA STEFANIA CERUTTI
BUENOS AIRES - ARGENTINA

4.
Es un gran don la prudencia,
con ella se gana, amigo.
En paz duerme la consiencia,
del hombre sabio es abrigo.
MARÍA CRISTINA FERVIER
SALTO GRANDE (SANTA FE) – ARGENTINA

5.
El sólo hablar sin prudencia
es cosa de idos e idiotas,
ya que no hay ninguna ciencia
que aplauda las palabrotas.
RICARDO DUCOING
TIJUANA BAJA CALIFORNIA - MÉXICO

MENÇÃO ESPECIAL

1.
Que Dios me de inteligencia
en el momento de actuar.
Me revista de prudencia
cuando deba aconsejar.
LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI
SANTIAGO DEL ESTERO – ARGENTINA

2.
Toda mi ilusión navega
con prudencia por tus ríos,
esperando ver que llega
tu barca, tu y tus bríos.
ALICIA BORGOGNO
CAÑADA DE GÓMEZ – ARGENTINA

3.
Prudencia quiero sembrar
en niños, mozos, y viejos
y así poder cosechar
De la paz mil de reflejos.
GARIBALDY MARTÍNEZ
SANTO DOMINGO – REPUBLICA DOMINICANA

4.
Así marca tu existencia
has mejor la humanidad,
no carezcas de prudencia
mucho menos de humildad.
FREDDY RAMOS CARMONA
CANCÚN QUINTANA ROO - MEXICO

5.
Manejando con prudencia
evitarás accidentes,
de funesta consecuencia
con muertes sin precedentes...
CARLOS IMAZ ALCALDE
NOGENT LE ROTROU - FRANCIA


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Grupo de Julgadores:
Antonio Augusto de Assis -
Arlindo Tadeu Hagen -
Carolina Ramos -
Cláudio de Moraes -
Conceição de Paula -
Francisco N. Macedo -
Gislaine Canales -
José Valdez Castro Moura -
Luiz Antonio Cardoso -
Myrthes Mazza Masiero -
Vanda Alves -
Cristina Chaves -

Fonte:
MIFOR

Trova Ecológica 62 - Wagner Marques Lopes (MG)


Maria Helena Bandeira (As Estrelas, As Galáxias, O Universo)

Quando a gente está sozinha em casa, todos os barulhos são importantes. 

Os móveis rangem, o tapete ganha vida, os pingentes do lustre estalam perversamente.

O silencio é povoado de sons e no momento que a campainha tocou foi como se uma bomba explodisse dentro do meu ouvido. Levantei-me num choque e fui atender ao seu chamado.

Antes, espiei pela janelinha:

Lá estava eu, do outro lado, aguardando que a porta se abrisse.

Procurei me acalmar e usei um ardil.

"Quem é?"

Mas eu não me intimidava e respondi que era Antonio, o porteiro.

Não tive remédio senão abrir a porta.

Continuando o plano anterior, fingi não ter me reconhecido.

O pretexto era banal: a água iria ser fechada por uma hora para consertos no prédio.

Desprezei a falta de imaginação e também representei meu papel. Agradeci e fechei a porta delicadamente.

Então era assim.

Corri até o banheiro e olhei minha imagem refletida no grande espelho sobre a pia. No cristal eu estava obediente e senhora de mim. Seguia meus movimentos com precisão. Ali fora capturada e permanecia tranqüilamente às minhas ordens.

Fiz mais alguns movimentos, todos repetidos simetricamente pelo meu inverso. Tranqüilizada, voltei ao trabalho e aos ruídos familiares do meu silêncio interior.

Na hora do almoço, a dúvida me assaltou: quando passasse pela portaria será que eu estaria lá, fingindo ser o porteiro-chefe?

Havia um meio de descobrir.

Desci e lá estava eu sentada no banquinho ao lado do portão.

Procurei não dar importância e saí calmamente para o restaurante onde fazia as refeições.

Quando o garçom chegou, foi preciso usar astúcia novamente: o garçom também era eu.

Disfarcei e olhei para os lados: os fregueses, sentados nas mesas ao redor, todos eram eu e fingiam não me reconhecer.

Resolvi agir como eles e continuei nossa comédia. Escolhi os pratos, almocei, paguei a conta e saí, como se nada de estranho tivesse acontecido.

Na calçada, entre um e outro transeunte, eu me avistava a andar apressado.

O jornaleiro era eu e nos cumprimentamos indiferentes.

Passeava pela rua e nos meninos que brincavam com a bola, na garota de bicicleta, na jovem de mini-saia, em muitos me reconhecia, mas já não importava.

Todas as pessoas, aos poucos, rapidamente, cada vez mais depressa, iam se tornando meu espelho.

E vagavam, separadas de mim, em corpos que eu não controlava.

As lojas eram eu.

Cada tijolo e pedra da calçada também eram meu outro.

E eu era as árvores e os telhados. O céu era eu e as estrelas que brilhavam sobre minha cabeça. E eu era o Sistema Solar, era a Galáxia e o Universo.

Eu era tudo e, então, finalmente, era Ninguém.
===============
Sobre a autora:
Maria Helena Bandeira é carioca, jornalista, artista plástica e escritora.
Menção especial do Prêmio Guararapes (União Brasileira dos Escritores) - livro de poesia inédito).
Conto brasileiro do mês da "Isaac Asimov Magazine".
Colabora para o fanzine "Somnium" e em vários sites literários, como blocos Online,
onde se dedica a uma série literária.


Fonte:
Scarium

Lendas e Contos Populares do Paraná (Cobra Gigante / Sucuri / Cigana Bartira / Burza, o lobisomem / O lobisomem/ O monstro da Fazenda Três Marcos/ Lenda do Lobisomem)

AGUDOS DO SUL
A lenda da cobra gigante


Há muitos anos atrás, em Agudos do Sul, existia um campo de futebol onde atualmente é a praça. Num dia, ao lado esquerdo da igreja católica atual acontecia o primeiro cruzeiro, celebrado por um missionário. Ao mesmo tempo, alguns homens disputavam uma partida de futebol. Neste jogo ocorreu uma briga entre os jogadores e o missionário acabou sendo atingido por um tiro. A partir daquele momento, revelou-se que Agudos do Sul possuía um mistério.

Este acontecimento foi como um pressentimento.

O grande mistério é a cobra gigante que se posiciona debaixo da cidade. Dizem que sua cabeça fica na antiga igreja, que se localizava, mais ou menos, 500m à frente da igreja atual. Dizem que a cada sete anos ela tenta se mexer.

Há seis anos atrás, a igreja teve que passar por uma reforma, pois suas paredes estavam trincadas. Acredita-se que o motivo foi porque ela tentou se mexer, mas Nossa Senhora da Imaculada Conceição está com os pés sobre a sua cabeça. Se, porém, algum dia ela conseguir sair de baixo da terra, a cidade se transformará numa lagoa, foi o que também revelou e alertou o missionário.
ALTAMIRA DO PARANÁ
Sucuri


A lenda da sucuri é muito comentada pelos antigos de nossa cidade, principalmente pelos pescadores que, muitas vezes, deixaram de descer o rio Piquiri por medo da cobra gigante que corria o mato e as águas, assustando pessoas e virando os barcos.

Conta-se, inclusive, que num certo ponto do rio, em determinado momento, a água começa a borbulhar e ferver de repente, sendo esse fato provocado, segundo o povo, pelo acordar e sacolejar da sucuri gigante.

Dizem, ainda, que há pouco tempo dois valentes moradores conhecidos de nossa cidade, em luta direta venceram a grande cobra. Nestas histórias muitos acreditam, outros duvidam, mas todos sabem e comentam sobre elas.
ANTONINA
Cigana Bartira


Dizem que há muito tempo em Antonina, um grupo de ciganos acampou no local onde hoje fica a praça Coronel Macedo. Uma jovem cigana chamada Bartira, filha do chefe dos ciganos, foi se refrescar mergulhando próximo ao local onde hoje ficam as ruínas Coronel Macedo. Contam que a moça tinha uma égua branca de cabeça preta, sua fiel companheira. Mas, naquela tarde a pampa retornou sozinha ao acampamento. Preocupados, buscaram pela jovem e a encontraram morta, afogada, após bater a cabeça em uma pedra.

Como a moça era cigana, o padre não permitiu que seu corpo fosse abençoado na igreja e enterrado no cemitério. Por isso, seus pais a sepultaram no próprio acampamento. A pampa ficou muito triste, não saía de perto do local onde repousava Bartira. O animal foi vendido e os ciganos foram embora, mas a pampa continuou vagando à procura da dona, até aparecer morta no local onde hoje está o coreto da cidade.

Com sua pelagem pampa, corpo branco e cara preta, certas noites o que se via era uma pampa-sem-cabeça. Algumas pessoas dizem que ouvem a pampa-sem-cabeça batendo os cascos pela praça, onde, por vezes, a cigana Bartira aparece para matar as saudades de sua companheira.
ANTONIO OLINTO
Burza, o lobisomem


Nas redondezas onde moro, havia um homem barbudo e cabeludo cujo nome ninguém sabia, mas chamavam de Burza. Ninguém entendia o que ele falava, mas mesmo assim conversavam com ele.

Contam os moradores, que certa noite os irmãos dele estavam na casa de um vizinho e viram um lobisomem. Conseguiram agarrá-lo, deram um jeito de amarrar o bicho e o colocaram num galinheiro. No outro dia foram ver, era o Burza que estava lá no galinheiro preso.
ANTONIO OLINTO
O lobisomem


Em um pequeno lugar chamado Porto de Pedra, próximo a Antonio Olinto, moravam famílias ucraínas, uma delas era da minha bisavó. Ela conta uma história de lobisomem. Perto de sua casa moravam duas senhoras e todas as noites de lua cheia um cachorro aterrorizava as velhinhas, com uivos e arranhões na porta.

Certa noite, uma delas teve coragem e levantou. O lobisomem estava na porta. Ela pegou um facão e saiu correndo atrás do animal, decepando-lhe a orelha direita. No outro dia, seu afilhado veio até sua casa para emprestar açúcar, a velhinha olhou para sua orelha e reparou que estava cortada. Perguntou-lhe o que havia acontecido, ele foi embora sem dizer uma só palavra.
ARAPOTI
O monstro da Fazenda Três Marcos


A pessoa que narrou este fato diz que é a mais pura verdade. Em uma tarde, foi ela mandada por seu patrão contar quantas pilhas de madeira haviam sido deixadas na floresta pelos madeireiros. Como o acesso ao local era muito difícil, usou o cavalo para se locomover. Quando passou pela porteira, o cavalo não queria mais andar, então tentou controlar o animal. Pegaram um caminho entre os pinos e já na metade do percurso sentia arrepios pelo corpo todo, ouvia gemidos e o animal parecia que também pressentia que algo estava errado.

Quando faltavam dez metros para o cavaleiro chegar até as pilhas de madeira, algo assustador aconteceu. Uma sombra com aspecto horrendo apareceu diante deles. O animal se ergueu, derrubando-o no chão, e depois disso começou a relinchar e corcovear, diante daquela imagem, que flutuava a uns 10 cm do chão. O homem ficou paralisado por alguns segundos, até que aquela sombra se materializou à sua frente. Parecia uma esfera de fogo. Ele não acreditava no que estava se passando, quando, de repente, a sombra e a esfera de fogo atingiram as pilhas de madeira, que pegaram fogo rapidamente, passando de uma pilha à outra.

O cavaleiro rapidamente fez montaria e saiu a galopadas. O animal só foi parar quando chegaram à uma pequena porteira, quando o homem olhou para trás e não viu nenhum vestígio sequer da assombração. No outro dia, juntamente com o patrão e outros dois peões, voltaram ao mesmo local e constataram que nada estava fora do lugar. Depois desse acontecimento, ninguém mais tem coragem de voltar ao lugar.
ARAUCÁRIA
Lenda do lobisomem


Segundo relato do senhor Arnoldo Schmidt: “certa noite de lua cheia, quando voltava de viagem do Portão (Curitiba), de carroça, devo ter visto um lobisomem, mais ou menos à meia-noite na subida do Marqueto, próximo a Araucária. Com os cavalos já cansados fui surpreendido pelo espanto que os animais sofreram, quase atirando a carroça fora da estrada. Firmando as rédeas, olhei à minha direita, notei um animal estranho, maior que uma cabra, usando três pernas para locomoção e a quarta, a direita, levantada, aparentava um rabo. De cor baia, amarelada, as patas até a altura do joelho eram brancas. Caminhando pelo barranco que margeava a estrada, adiantou-se. E os cavalos refugando, chegaram até a empinar-se. Transposta a subida, o bicho foi visto novamente rondando a venda do Wachowicz, que ficava no alto do morro. Teria eu sonhado? Mas, e os cavalos? Outras pessoas idôneas também contavam fatos como os meus que não pareciam invenção”.
ARAUCÁRIA
Lobisomem


Romão Wachowicz relata depoimentos de algumas pessoas não nominadas, “contados com tanta seriedade como se fossem depoimentos sob juramento”.

Entre Guarapuava e Lagoa Grande, em Araucária, media 300 quilômetros. O senhor Paulo morava no distrito de Pinhalão. recebeu uma carta com a triste notícia de que seu irmão em Lagoa Grande estava muito doente. Ao anoitecer, dirigiu-se à bodega próxima, para dissipar as tristezas.

– Por que essa tristeza? Pergunta um velho caboclo.
– Meu irmão ficou doente e mora muito longe daqui.
– Se quiser eu levo você.
– De jeito nenhum... Você não tem cavalos, nem carroça; vai de quê?
– Isso é comigo. Se quiser, ainda hoje vamos fazer uma visita ao seu irmão, mas você terá que fazer o que eu mandar.
– Se o preço não for muito alto, concordo.
– Espere um pouco. Daqui a pouco estou de volta com todo o equipamento. Sem demora apareceu um enorme cachorro de três pernas, sendo que a quarta estendia-se em forma de cauda.
– Sente-se! grunhiu entre os dentes o negro animal.
– Não, não! Estou esperando pelo veículo encomendado
– É esse mesmo.
– Mas eu tratei com o Benedito.
– Eu sou o Benedito!, obedeça! Trato é trato! grunhia o canzarrão, com os olhos verdes brilhando.

Paulo coçava a cabeça e não sabia o que fazer. O cachorrão fez um movimento e envolveu-o, grunhindo decidido. O passageiro, com um pulo, envolveu-se nos longos pelos do dorso do animal.

O lobisomem urrou alegremente:

– Segure-se, porque vamos!
Meia hora mais tarde, estavam em lagoa grande, 300 quilômetros adiante!
Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

J. G. De Araújo Jorge (Quatro Damas) 2a. Parte

“ALGUMA COISA "

Que ao menos acontecesse alguma coisa...
De bem ou de mal...

Por exemplo:
- Que este sonho despencasse do 10. andar
e virasse notícia de jornal…

" ALPINISTA "

Escalei um sonho de amor
mas rolei sobre o abismo
e me encontraram morto...

Quando um dia me acharam
abriram a minha mão
e te encontraram...
....................................................

Eras a pura Edelvais
inacessível,
que eu quisera colher
e apertara ao coração...

Sim... Fizera o impossível...
Mas em vão…

" ALVORADA ETERNA "

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!

" AMA-ME COMO EU SOU... "

Ama-me como eu sou
sem me perguntar pelo antes de ti,
por esses momentos meus, nublados, sem razão,
pelo passado, em pedaços perdido nas viagens,
- sem querer saber a história das tatuagens
que marcam o coração...

Ama-me como eu sou
(para que perguntar?)
- marinheiro que por tantos mares, inutilmente
se procurou. . . e perdeu,
com tão pouco talvez para te dar,
mas tão pouco, tão eu...

Ama-me como eu sou.
(e sê o que tu és:
humilde, terna, boa,)
- não queiras amarrar-me nem tolher-me
nem ser sombra a seguir-me presa aos pés...
Deixa-me livre, como um velho barco
afeito às ondas pela proa
e aos ventos, pelo convés...

Concede-me a solidão
(que precisam da solidão os que foram do mar...)
Concede-me a solidão, nos meus momentos
de zero, ou de temporal, em que caio em mim mesmo,
como coisa inútil!
e egoísta, e sofrido,
só preciso de mim para voltar...

Sê o que tu és
(humilde e boa, sempre disposta a se dar
sem recompensas,
alegre, toda vez que volto e atiro amarras
para ficar )
- feliz porque cheguei sem ter saudades
sem deixar para trás nada mais do que mar...

Ama-me como eu sou,
(não queiras mudar-me, amor, pois bem sabes que é tarde
e já não há mais tempo)
e o coração quem te diz,
- abriga-me em teus braços, que eu neles renasço e vivo,
que eu não sou senão um homem infeliz
que ainda fazes feliz . . .

"AMOR DE FANTASIA"

O pior, para mim, é ter que encontrar-te todo dia,
falar contigo como a uma estranha,
ver-te linda e distraída,
estender-te a mão, em cumprimentos banais,
quando tu és afinal (que importa se não sabes?)
- a minha Vida ...

Em vão me confesso num olhar de ternura
que procura teus olhos, além,
onde ninguém pode chegar,
e o coração se alvoroça! e paro, e me contenho,
numa angústia apaixonada...
E linda, e distraída,
tu nem percebes nada...

Iludo o meu desejo, (esse Fauno em travesti
de velho Pierrot)
a imaginar mil coisas de poeta e de louco,
Ah! se eu fosse o teu Senhor!)
- e te atiro palavras, como serpentinas
displicentes,
para distrair os outros, os intrusos, - presentes
a este singular carnaval
do meu amor...

Ah! se soubesses o quanto és minha,
nesses instantes proibidos
da imaginação,
mas profundamente verdadeiros,
- tu, linda e distraída,
boneca e criança,
talvez acendesses, na distancia dos teus olhos
para os meus olhos marinheiros
e para a minha vida,
alguma esperança.

" ANTES... DEPOIS... "

Antes de ti
mesmo acompanhado
eu continuava cada vez mais sozinho...

Depois de ti
mesmo sozinho
estou cada vez mais acompanhado…

" AO SONETO "

Tu me lembras o pátio de um mosteiro
retangular, fechado, onde as arcadas,
- as quadradas arcadas, - sobre os pisos
jogam luzes e sombras, silenciosas.

São quatorze as arcadas ao redor...
E as palavras caminham de sandálias...
Bem no meio do pátio, entre a folhagem
de um secreto jardim, sussurram águas.

É em ti que os poetas, - monges sem clausura –
se recolhem na vida tantas vezes
e se põem a rir ou a chorar,

entoando seus cantos como rezas,
e ao ouvi-los depois, nem mesmo sabem
se é sua, a música... ou se é a voz da fonte…
-
Fonte:
JG de Araujo Jorge. Quatro Damas . 1. ed., 1964.

André Carneiro (Entre Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica)

Foto por Sophia Pedro.

Se perguntarem a escritores, professores, críticos e jornalistas do mainstream quais são os melhores contos brasileiros já publicados, nessa seleção certamente aparecerão Missa do Galo de Machado de Assis, Negrinha de Monteiro Lobato, O homem que sabia javanês de Lima Barreto, O pirotécnico Zacarias de Murilo Rubião, Feliz aniversário de Clarice Lispector, A terceira margem do rio de Guimarães Rosa, A caçada de Lygia Fagundes Telles, Uma vela para Dario de Dalton Trevisan, Feliz ano-novo de Rubem Fonseca… Os especialistas do mainstream, mesmo lidando com uma produção tão vasta, quando convidados a votar sempre chegam muito perto da unanimidade.

Então me questionei se na ficção científica brasileira também existiria algo parecido com essa unanimidade. Um cânone já consolidado. Essa dúvida me motivou a perguntar aos escritores, professores, críticos e jornalistas apaixonados pelo gênero quais são os melhores contos brasileiros de FC já publicados.

A eleição foi bastante informal. Muitos eleitores usaram exclusivamente o critério afetivo na hora da escolha: votaram nos contos que marcaram fundo sua razão emocional. Outros preferiram o critério histórico e literário, elegendo as narrativas fundadoras, que estabeleceram as balizas do gênero no Brasil. Outros escolheram o contemporâneo, privilegiando a ficção curta produzida já no século 21. Três critérios bastante legítimos, em minha opinião.

Não havia uma lista prévia preparada por mim. Pedi a cada especialista que votasse em três contos, de tudo o que ele já conhecia. O primeiro conto votado recebeu três pontos, o segundo dois pontos e o terceiro um ponto. Amigos gentilmente me avisaram que a unanimidade dificilmente apareceria. Foi o que aconteceu. Mas devagar foi surgindo na retina um desenho mais ou menos fixo, querendo permanecer. Os dez contos e os dez autores mais votados representam, talvez, o princípio da consolidação de um cânone. O resultado da eleição foi:

Os dez contos mais votados:

A escuridão, de André Carneiro (25 pontos)
A ética da traição, de Gerson Lodi-Ribeiro (20 pontos)
Eu matei Paolo Rossi, de Octavio Aragão (13 pontos)
Mestre-de-armas, de Braulio Tavares (13 pontos)
O homem que hipnotizava, de André Carneiro (6 pontos)
Pendão da esperança, de Flávio Medeiros Jr. (6 pontos)
Água de Nagasáqui, de Domingos Carvalho da Silva (5 pontos)
Assassinando o tempo, de Cristina Lasaitis (5 pontos)
Cão de lata ao rabo, de Braulio Tavares (5 pontos)
Um braço na quarta dimensão, de Jerônymo Monteiro (5 pontos)

Os autores mais votados:

André Carneiro (42 pontos)
Braulio Tavares (33 pontos)
Gerson Lodi-Ribeiro (25 pontos)
Octavio Aragão (14 pontos)
Fábio Fernandes (12 pontos)
Jerônymo Monteiro (10 pontos)
Ivanir Calado (10 pontos)
Cristina Lasaitis (10 pontos)
Fausto Cunha (8 pontos)
Carlos Orsi Martinho (7 pontos)

Votaram:
Ademir Pascale, Alfredo Suppia, Álvaro Domingues, Ana Cristina Rodrigues, Arnaldo Pinheiro Mont’Alvão Júnior, Ataíde Tartari, Bruno Cobbi, Carlos Angelo, Cesar Silva, Clinton Davisson, Cristina Lasaitis, Daniel Borba, Edgar Indalecio Smaniotto, Edgard Refinetti, Fábio Fernandes, Fausto Fawcett, Fernando Moretti, Flávio Medeiros, Francisco Skorupa, Gerson Lodi-Ribeiro, Gian Danton, Guilherme Kroll, Hugo Vera, Ivo Heinz, Jorge Luiz Calife, José Carlos Neves, Lucio Manfredi, Luiz Bras, Luiz Roberto Guedes, Marcello Simão Branco, Marco Bourguignon, Marcos Vilela, Mary Elizabeth Ginway, Matias Perazoli, Miguel Carqueija, Mustafá Ali Kanso, Octavio Aragão, Rachel Haywood Ferreira, Ramiro Giroldo, Ramon Bacelar, Richard Diegues, Roberto de Sousa Causo, Rodolfo Londero, Rynaldo Papoy, Saint-Clair Stockler, Silvio Alexandre, Simone Saueressig, Sylvio Gonçalves e Tibor Moricz.

Fonte:
Cobra Norato

Roberto de Souza Causo (Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica)

Editora: Devir Livraria
Edição: 1ª
Ano: 2010
Número de páginas: 192

Sinopse

O primeiro conto o mais antigo, denomina-se “Nova Califórnia” segue com o enredo fixando-se em algumas críticas austeras referentes à política e a sociedade. No primeiro conto, escrito por Lima Barreto, onde um químico se instala em uma pequena cidade e causa admiração e indignação aos moradores quando ficam sabendo que o cientista roubava ossos do cemitério da cidade em busca de material para fazer ouro. Mas no final, todos os moradores apoiam o químico que busca a formula que criou. Um exemplo clássico de sovinice, da ganância, que excedem os limites da moral em busca de beneficio, podemos dizer; - lei de levar “eu” a vantagem em tudo.

O segundo data de 1929, é “A Vingança de Mendelejeff”, de Berilo Neves, o primeiro escritor brasileiro a publicar ficção cientifica. Esse conto é melodramático, contem preconceitos políticos inacreditáveis, com histórias cômicas, com um cientista maluco.

Outro conto o “Delírio”, de Alfonso Schmidt de 1934, considero mais espirita do que ficção cientifica sobre pessoas em fase terminal ou como dizem os espiritas desencarnando, relata experiências do além, com fantasia e ficção, mas religiosa.

De André Carneiro “O Homem que Hipnotizava”, de 1963 se fixa numa descrição que envolve hipnose feita por um homem que tenta iludir as pessoas sobre sua vida.

“Sociedade Secreta”, de 1966, autor Domingos Carvalho da Silva, fala sobre o inverso da utopia, de um futuro tecnológico e coletivo, que sobreviventes de uma era anterior sentem-se fora do contexto, o autor parece querer relacionar ao ambiente da ditadura militar, um anticomunismo.. O protagonista demonstra ser sobrevivente do capitalismo e da democracia, o inimigo é coletivismo e foi escrito no período do governo Castelo Branco.

De Jerônymo Monteiro, “Um Braço na Quarta Dimensão”, de 1964, é uma história trágica e intrigante de um caiçara pobre residente na cidade de Mongaguá que carrega uma maldição.. o dom da desmaterialização ao sentir perigo, e quando se materializa novamente surge em maior risco do que ao se desmaterializar.

A próxima história trata de um encontro com OVNIS e os misteriosos tripulantes complicados pelo fato do personagem principal que faz os contatos imediatos é um fugitivo do manicômio.

“Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes Telles, (1977), trata da ditadura militar, satirizada pelo autor, refere-se a um militar que vai a uma casa de campo organizada para reuniões com assessores do governo de Washington que o auxiliarão combater a repugnante praga de ratos que está acabando com a cidade, Uma boa história de terror.. mas um conto que não está muito para ficção.. mas muito bom!!

1977, Marien Calixte, escreveu “O Visitante”, apresenta à viúva de um pescador que se envolve com um misterioso homem que a engravida, o homem louro, olhos azuis. Começam a surgir comentários a respeito de uma linda luz que surge do céu nos dias que a mulher recebe o visitante que parece um alienígena, no mais parece no relato uma entidade encantada do folclore, um ser fantástico.

“Uma Semana na Vida de Fernando Alonso Filho” publicado em 1984, escrito por Jorge Luiz Calife. A história se passa no futuro, acontece com população de habitantes do planeta Vênus, que esta se transformando num segundo planeta terra, e está numa era de chuvas, essa história segue convenções da ficção cientifica, ou seja, ficção original. Na imaginação do autor em Vênus só existiria rocha.. assim segue parece interessante..

Bráulio Tavares em 1989 escreve “Mestre-de-Armas” seu conto fixa-se em desenvolvimentos sociais e políticos, ou seja, ciências naturais critica ao militarismo, imperialismo da ficção, descreve a depressão da carreira de um guerreiro do espaço a caminho do espaço, imortalização. Critico a idealização da conquista militar do espaço.. ficção cientifica muito boa!!

“O fruto Maduro da Civilização” de Ivan Carlos Regina (1993), enredo pessimista, com conotação cientifica, tecnológica, e atual sobre um autêntico trabalho de discussão do homossexualismo de uma forma que só mesmo a ficção científica poderia propor.

Cid Fernandez (1998) escreveu “Engaiolado”, texto interessante. Retrata a ufologia, mistério que assombra um pobre imigrante do interior que chega à Capital é envolvente, original, suspense admirável.

“Controlador”, de Leonardo Nahoum (2001) é uma história a respeito de peregrinos de uma religião que busca a morte em outro mundo que seja dominado por um ser artificial, de poderes quase divinos, capaz de transformar a realidade à sua vontade, o conto toma rumos divergentes do idealismo do protagonista, o semideus, o fim é marcante.. muito recomendável..

Vale a pena!!! A leitura Os melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica - Fronteiras: editado por Roberto de Souza Causo é uma seleção de exemplos marcantes da ficção científica nacional, reunindo autores que se firmaram dentro do gênero, ao lado de grandes nomes da literatura brasileira que ousaram escrever ficção científica. Inclui quatorze narrativas publicadas originalmente ente 1910 e 2001, para definir o gênero a partir da variedade de temas e estilos. Afinal, o país da maior diversidade do mundo e de culturas diferenciadas, muitas raças e também de um país em que as fronteiras culturais se aproximam e se fundem.

Essa seleção de contos da mais alta qualidade de grandes autores brasileiros. Apresenta personagens variados, desde químicos loucos e personagens que tramam constantemente, Este livro é uma agradável mistura de sociologia, crítica e ficção!

Fonte:
Shvoong – Resumos e Críticas

Luiz Bras (Paraíso Líquido)

Desenho da capa feito por Teo Adorno

Essa coletânea reúne treze contos sobre o futuro. Sobre a maneira como o ser humano está modificando o ser humano. Evitei os temas mais explorados pela ficção brasileira contemporânea — periferia, violência urbana, dramas conjugais, adolescentes desnorteados etc. — e procurei privilegiar os menos abordados: o indivíduo diante das novas tecnologias, dos avanços da medicina, das futuras crises sociopolíticas etc. De certa forma, troquei conscientemente as personagens comuns de hoje pelas subjetividades incomuns de amanhã.

Paraíso líquido significa uma mudança importante na minha vida e na minha literatura. Fugir do lugar-comum foi o que eu tentei com mais afinco ao escrever cada narrativa dessa coletânea. Se hoje em dia, depois de Oswald, Rosa e Clarice, tornou-se praticamente impossível renovar a linguagem literária, procurei ao menos renovar a temática.

O modo como a tecnologia está mudando a sociedade, para o bem e para o mal, é assustador. Já faz algum tempo que o homem vem modificando fisicamente o homem. Nunca estamos satisfeitos com o que somos. Esse processo de modificação começou externamente, com as tatuagens tribais, os piercings, os adereços na cabeça, no nariz, nos lábios, no corpo todo. Com a evolução da medicina, o interior do corpo foi invadido por próteses e dispositivos não orgânicos. Mais recentemente, o cérebro também começou a receber implantes.

Anos atrás percebi que existe muito escritor talentoso escrevendo sobre a periferia das grandes cidades, os dilemas da classe média, as guerras conjugais e o cotidiano difícil das pessoas comuns. Se também começasse a escrever sobre tudo isso, eu seria só mais um entre as feras da literatura. Então decidi procurar outro assunto. Foi assim que comecei a escrever sobre a sociedade e os dilemas do futuro. Sobre a maneira como as novas tecnologias estão modificando o ser humano e provocando novas crises sociais e existenciais.

Terracota Editora

Fonte:
http://luizbras.wordpress.com/paraiso-liquido/

3º Congresso Internacional CBL do Livro Digital


O 3º Congresso Internacional CBL do Livro Digital terá como tema “A nova cadeia produtiva de conteúdo – do autor ao leitor”.

Será realizado nos dias 10 e 11 de maio de 2012, no Centro Fecomercio de Eventos em São Paulo/SP.

Assim, para falar sobre os novos rumos desse efervescente mercado, o congresso, organizado pela Câmara Brasileira do Livro, trará importantes temas para discussão:

• perspectiva para o livro: hoje e amanhã
• o autor: peça chave para um mundo de leitores
• o Direito Autoral aplicado ao livro digital
• proteção de conteúdo e a questão dos metadados
• o livro digital na sala de aula
• biblioteca digital: o case da Bibliothèque Interuniversitaire de Santé Paris

Fonte:
Câmara Brasileira do Livro

Nilto Maciel (O Bom Selvagem) 3a. Parte

REGRESSO

Com muito esforço chego aqui. Não foram poucos os momentos em que o desvanecimento me sugeriu deixar de lado essa ideia de escrever sobre mim mesmo. Primeiro porque me reconheço pobre de palavras. Segundo porque meu passado, escrito ou não, não será outro nunca, a menos que eu minta. Terceiro porque não vejo grandes recompensas para mim no fato de contar minha vida.

De outras vezes, porém, tenho sido impelido a dar continuidade à minha obra. Impele-me, por exemplo, a vaidade. Serei um escritor, terei um livro. Além disso, sei da existência de milhares de livros pequenos, ora porque copiam obras maiores, ora porque não traduzem nada de relevante, embora seus autores usem e abusem do vocabulário e não arredem pé da sintaxe. O escritor, não sendo máquina, fatalmente foge aos mecanismos gerais e, errando, realiza aquilo de que só ele é capaz – a invenção. Assim sendo, meu passado ninguém pode modificar, mas eu tenho a plena liberdade de narrá-lo como bem eu entender. Posso ainda imaginá-lo, em vez de resgatá-lo dos labirintos da memória.

Contradigo-me mais uma vez, se disser que poderei ser recompensado, se acaso conseguir fazer do bobo dos salões parisienses-romanos um homem plenamente consciente de si mesmo.

Não me interesso mais por recompensas. Ficarei feliz, no entanto, se meu livro servir para que outros vejam o índio como o portador da cultura vindoura ou, pelo menos, fonte de inspiração para um novo mundo.

E aqui retomo o ímpeto dos primeiros momentos e já não quero relembrar a viagem à Europa. Ainda assim, dentro de meu coração estão todos os lugares onde estive, avenidas de Paris, praças de Roma, o mar, pedaços de minha terra.

Relembro o regresso à Missão. Completava 17 anos de vida e só almejava rever minha formosa Aroia. Voltar ao Boqueirão, rever meus parentes, minha terra, os bichos, o mato.

Fui recebido como herói. Todos me olhavam cheios de curiosidade e me faziam perguntas as mais inocentes. Satisfiz a todos, inclusive com presentes. Um vestido para a irmã, um par de meias para a mãe, isto para fulano, aquilo parra sicrano. E uma carícia sem fim na passada menina Aroia, agora mais bonita, cheia de corpo, feita moça, chamada por todos Lucina.

Aroia mal sabia ler, seus pais e antepassados nunca chegaram a chefes. Nela não havia nada que a distinguisse das outras mocinhas. A mesma cor da pele, os mesmos olhos negros. No entanto, eu a amava desde menino. Atraía-me nela qualquer coisa esquisita – a faceirice do andar, os olhos de mistério, o pecado prometido.

De nada eu podia me queixar e via tudo vivo, belo, colorido. Não havia ainda parado para pensar e nem necessitava disso. Minha vida tinha sido até então um interessante movimento ritmado de alegrias. Como se nunca meu povo tivesse se dividido. Como se jamais um estrangeiro houvesse pisado nossas terras com intenção de tomá-las. Como se fossem apenas um sonho breve – mentirinha de pernas curtas – os acontecimentos que terminaram por fazer de mim a mascote dos europeus.

Como fui egocêntrico! O mundo pegava fogo ao meu redor e eu a me sentir adorado. No entanto, eu próprio me queimava, embora não sentisse na pele o ardor das labaredas, tanto dormia ou parecia morto.

MESTRE-ESCOLA

Nesta terrível noite de insônia relembro o que fiz e podia ter feito na vida.

Há dias nem olho para a História do Brasil e os padres devem estar ansiosos para ver concluído meu trabalho. Talvez me chamem de preguiçoso. Pode pensar todas as hipóteses, padre Tonelli, inclusive que estou reescrevendo o tal livro. Ou mesmo inventando tudo, desde o começo. Na verdade, estou desiludido e decepcionado. E não é de hoje. Por que nossa História deve remontar a antes que o rei Fernando falecesse? Por que nossa História deve ter situados seus primórdios na ocidental praia lusitana? Por que nossa História deve afluir de Leão, Aragão, Navarra e Castela? Na verdade, padre Tonelli, eu queria falar do tempo de Tadugo, Bacororo, Itubori, dos personagens de nossos mitos e nossas lendas. Partir do mato e dos rios do Brasil. Porém, senhores padres, quem escreveu a História do Brasil foram os filhos das Dinastias de Borgonha e Avis, e nós, os primeiros filhos desta terra, nunca escrevemos nada. A História do Brasil engatinhou no estrangeiro. É como se quisessem contar minha vida e começassem assim: “Em 1495 Carlos VIII invadiu a Itália, quando Leonardo da Vinci iniciava a pintura da Última ceia. Quatro anos mais tarde, Miguel Ângelo esculpiu a Pietá. Etc, etc. Aos 15 anos de idade o índio Bokodori visitou Roma e ...”

Não sei dar os motivos dessa “decisão” de relatar minha vida, justamente agora e quando chegava às últimas páginas da tradução que me foi confiada pelos padres. Alguma coisa a motivou, tenho certeza. E por que agora e não antes? Nunca me ocorreu contar minha epopeia, mesmo quando li romances, biografias, diários, memórias. As vidas dos outros sempre me pareceram infinitamente mais maravilhosas do que a minha. Já agora vejo o maravilhoso não mais nas ações heróicas por si mesmas, mas no contexto da narrativa.

Haverá alguma relação entre a decisão de escrever minha história e a tradução que empreendo? Possivelmente sim. Basta constatar que traduzir é também escrever. Copiar, ler são igualmente exercícios intelectuais, de criatividade. Ninguém lê ou copia sem ferir, modificar, recriar o texto lido ou copiado.

Não é essa a relação principal, no entanto. Porque traduzi a Bíblia e não escrevi minha história. A Bíblia é judaica e muito antiga. Já a História do Brasil é portuguesa e brasileira, e eu alcancei a declaração de guerra pelo governo brasileiro aos Impérios Centrais. Eu tinha 19 anos de idade, havia dois com Lucina vivia, e ela se apaixonou por outro.

Esta talvez seja a quarta revolução mais importante na minha vida. Na primeira, quando os padres me descobriram, eu me sentia tão diferente dos meus companheiros que até os via como pequenos animais.

Na segunda, quando conheci a Europa, senti-me diferente e até superior aos europeus. Nada me parecia estranho, como se eu fosse anterior a eles. Aprendi suas línguas e seus costumes, numa rapidez e facilidade fora do comum, como se apenas tivesse vivido alguns anos na selva. Alguns dias.

A terceira revolução em minha vida se deu quando reencontrei Aroia e com ela me casei. Senti-me o único homem capaz de ser dela.

Logo após regressar da Europa, arranjaram-me os padres a função de mestre-escola, na própria colônia. Por isso, a mim chamam professor Daniel. Nos primeiros dias dediquei-me de corpo e alma aos alunos. Ministrava-lhes aulas de aritmética, gramática, geografia, história, religião, tudo, sem deixar de contar episódios de minha viagem e estada nas capitais europeias. O tempo das aulas, porém, parecia-me curto demais. Uma ou duas horas por dia mal davam para ensinar o á-bê-cê. E os meninos não aprendiam nada. Aquilo me chateou e fez perder o gosto pela escola. Preferia caçar ou estar em casa. Sobretudo caçar. Como eu me sentia feliz no mato, feito um bororo! Aquela vidinha parada, sem sentido, me aborrecia. Vigiado o tempo todo pelos padres, tanta reza e besteira, conversa e mais conversa, tudo me mandava de volta ao mato. E, enquanto eu caçava, Aroia me atraiçoava.

O primeiro filho dela não me pertenceu, e ela acabou saindo de casa. Passou a viver com o outro, enquanto eu mais me escondia no mato, já demitido da escola.

Eu não podia viver só, porém. E também deixei nossa casa. Digo nossa porque esta casa não é minha, é dos ventos e da chuva, do sol e da poeira.

No Boqueirão havia muitas mulheres e nunca estive solteiro. Ora, o mato me dava caça a qualquer hora e o mundo andava cheio de mulheres. Para que lamentar o pecado (como diziam os padres) de Lucina? O que quiser a vontade, quanto desejar o corpo, tudo seja feito. Assim tenho passado.

Nessa época já ia bem adiantada a História do Brasil e só se falava em guerra. Mas eu não queria saber de nada disso. Guerra maior eu vivia. Talvez esteja aqui a razão por que deixei a tradução justamente nesse ponto. Que a História do Brasil espere por mim. Eu sou mais importante. Vou contar primeiro a história de Bokodori. Ou do professor Daniel Álvares.

METEOROLOGISTA

Para não perder o fio da meada, tive de reler todo o meu manuscrito. Minha pretensão é escrever sempre em linha reta. Nada de zigzags. Basta de desordem. Também não é só questão de encadeamento. Pois se eu não tivesse o cuidado de passar uma vista nessa gaforina, talvez narrasse agora um capítulo mais adiantado de minha vida ou recontasse a viagem à Europa.

Nesses dias andei muito em pensamentos e recordei seguidas vezes todo o meu caminhar pela terra. Às vezes emaranhava tudo, passando da infância imediatamente para hoje, por associação de ideias. Ou partia de um fato mais recente para um quase esquecido, de tão distante no tempo. Cheguei a enxertar, em fatos vividos, momentos imaginados ou desejados. Se eu escrevesse tal qual pensei, ninguém me entenderia.

Ando tão desatinado que não posso repousar direito. De noite quase não durmo e de dia é essa inquietação.

Eu falava da traição de Aroia e contive as palavras. Naquele dia eu não me sentia disposto a entrar em detalhes. Não queria incriminar minha mulher e muito menos perder-me em lamentações. Pensei mesmo em não tocar no assunto, esquecê-lo, como venho fazendo com outros. Porém, ele é fundamental para mim. Talvez até eu me descubra mais, se conseguir passá-lo a limpo.

Escrever isto tem sido uma descoberta de mim mesmo, como se eu fosse um animal enterrado e aos poucos me livrasse do peso do mundo, me limpasse da lama que me cobre. Conhecer-se é limpar-se, aperfeiçoar-se, purificar-se.

Agora meu desejo é outro. Não mais o de culpar Lucina. Porque ainda vivemos juntos e temos nossos filhos. Além disso, não durou muito nossa separação. Porém, o grande arquiteto da volta dela foi padre Pittini.

Quais os motivos desse empenho dele? Talvez por me conhecer desde menino e me considerar seu filho e protegido. Ou queria evitar a propagação de hábitos anárquicos na Missão? Ora, sua religião condena tais práticas.

Para selar mais eficazmente sua diplomacia, padre Pittini não voltou a me falar da escola e me propôs uma outra ocupação – a de cuidar do observatório meteorológico. Noções de meteorologia não me faltavam e eu até gostava de prever o tempo, por minha conta. De qualquer forma, li alguns manuais sobre o assunto e, aos poucos, me familiarizei com os termos técnicos e usuais daquela ciência: névoa, cerração, garoa, chuva, granizo, trovoada, vento calmo, frente fria, etc. E lá me pus a observar o céu e fazer anotações no quadro sinótico. Daniel Álvares, previsor do tempo. Quando chovia no meu sonho, ao meu redor caíam trombas-d'água e eu acordava sobressaltado.

Aquilo cedo me cansou e, às vésperas de bom tempo, debaixo de um céu avermelhado, corri ao padre e entreguei-lhe meu posto. No dia seguinte peguei da enxada e fui cuidar da terra. Mais me valiam os pés no chão do que os olhos no céu. No entanto, assim não pensavam os padres. Viviam a me chamar de volta ao observatório. Nunca haviam encontrado meteorologista tão bom. Porque até sem ajuda dos aparelhos eu sabia da chuva que iria cair. E, se eu servia tanto para prever o tempo, por que me chamaram de preguiçoso, quando fiz a proposta de pagamento?

– Você pede muito dinheiro porque não quer trabalhar – disseram.

Continuei a arar a terra. Porque me servia. Eu me sentia mais bororo, como sou.

ÍNDIO DE NOVO

Estou cansado. Não sei, porém, de que estou cansado. Talvez disso, talvez daquilo. Mas não me importa saber por que estou cansado, pois de qualquer forma estarei cansado. Ou não é cansaço o que sinto? Não será outra coisa?

Hoje padre Tonelli perguntou como ia a tradução. Pedi mais um tempinho. Ele mostrou compreensão. Não vou deixar inconcluso meu trabalho, até porque a minha história não vai muito longe. Já narrei meus vinte primeiros anos, mais da metade do tempo vivido. E não quero misturar uma coisa com outra. Eu poderia começar em Delfim Moreira e terminar em mim, ou partir da gripe espanhola e chegar à minha experiência meteorológica. Talvez até escrevesse um bom romance. Mas, se o fizesse, ou esqueceria Epitácio Pessoa ou meu romance teria um capítulo inteiramente político. Porque nada de relevante ocorreu comigo nesse tempo. Todo ele eu dediquei à vida de lavrador, até conseguir tornar a ser um autêntico bororo.

Chamaram-me de burro porque voltei a ser índio. Pode ser burro um índio que aprendeu línguas cultas, como o francês? Talvez ser inteligente para eles signifique ser burguês. Mas eu fui burguês, convivi no meio da burguesia, habitei os burgos mais exemplares, como Paris e Roma. Poderão dizer ainda terem sido os brancos, os padres e os burgueses que me fizeram inteligente. Não posso negar: aprendi o francês com eles. No entanto, quem aprendeu fui eu. E aceitei aprender. Dispus-me a aprender. Quis aprender. Portanto, sou inteligente, sem deixar de ser índio, miserável e camponês.

Aos poucos, esquecia-me dos hábitos adquiridos junto aos padres e demais brancos. Só de vez em quando visitava padre Pittini, a seu convite. Retirava do cesto calça e camisa, recordava palavras cristãs e rumava para a sede da Missão. Ele me fazia as mesmas perguntas de sempre, se eu não havia esquecido de rezar, se louvara a Deus e a Santa Mãe Igreja, se vivia em paz com Dona Lucina e os filhos, se isso mais aquilo. Oferecia-me café com pão, sentados à mesa, rezávamos de novo e eu voltava para ser Bokodori no meio do mato. E nem sabia de plantio de café, de secas no Nordeste e de uma tal Semana da Arte Moderna.

Talvez eu já não fosse mais índio, apesar de viver no mato. Quem sabe a Europa me havia transformado em português. Ou os padres e seus ensinamentos. E eu passei a frequentar mais assiduamente a casa dos padres, mesmo sem convite. Já quase não tirava a calça e a camisa do corpo. Já dava bom-dia a Aroia e a chamava novamente de Lucina. Sonhava mais uma vez com navios, observatórios e talheres.

Ia eu, assim, passo a passo, ao encontro do esquecido Daniel Álvares, quando a Ordem resolveu substituir o padre Pittini por outro na direção da Missão. A notícia não me agradou. Eu gostava daquele cristão, que sabia me cativar com palavras, gestos, sorrisos. Apesar disso, sentia-me impelido cada vez mais ao convívio com os padres e os brancos de uma maneira geral.

Fiz uma visita ao novo diretor. Achei-o um tanto sério e calado. Talvez se sentisse cansado da viagem. Nos seguintes dias, como de costume, entrei para o refeitório, tomei café, conversei, perambulei. E jamais pude esquecer o que me fez o tal padre. Ofensa grave, meus filhos e meus leitores. Como se eu fosse um selvagem que de repente invadisse sua casa. Um malfeitor, um inimigo dele e de todos os padres. Um desconhecido, um forasteiro de hábitos e língua estranhos. Um cão dos infernos que viesse para atormentá-lo. Maldito padre Grottanelli!

De início, não percebi nada, embora, a seguir, pudesse ver com clareza tudo. À boa fé, não sei como aquilo aconteceu. Eu me aproximava da casa e, de longe, avistei o diretor. Ele também me viu e correu a fechar a porta. Não me lembro de ter maldado nada na ocasião. Talvez entrasse poeira na sala e o bom padre quisesse evitar trabalho. Podia não ter percebido minha aproximação. E, mesmo que tivesse, talvez não quisesse me ofender. Por isso não me ofendi. Com o mesmo espírito, dirigi-me à porta do lado. Possivelmente lá estaria ele, o santo padre, a me esperar de braços abertos e sorriso bondoso. E estava, de fato. Braços abertos, sim, porém para fechar-me também a segunda porta. Para me negar uma xícara de café e sua própria companhia. Café que me ensinaram a beber e cristianismo que me ensinaram a viver.

Cordeiro de Deus que tirais os pecados do mundo, tende piedade de mim e fazei com que a esperança volte a me habitar.

É muito tarde já. Lucina e os meninos dormem. Não sinto sono. Apenas vontade de andar, cansar o corpo, esquecer certas passagens de minha vida.

E nunca ter ódio de ninguém.

Fonte:
Nilto Maciel. Vasto Abismo. Brasília: Ed. Códice, 1998.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 443)

Uma Trova Nacional 

No seu cortejo de luz,
entre estrelas a brilhar,
a lua cheia reluz
como um farol, sobre o mar.
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova Potiguar


Se eu me for, antes de ti...
Levarei, dos nossos traços,
cada noite que vivi
na cortina... dos teus braços.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada


2009 - Ribeirão Preto/SP
Tema: LINHA - M/H


Na linha da nossa vida
nós temos a curva e a reta;
encontramos a guarida
quando à dor a inveja injeta.
–ELISA ALDERANI/SP–

Uma Trova de Ademar


Num resgate de memória,
um país sério procura
mostrar ao povo uma história
de sua própria cultura.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Acalma a fúria incontida,
domina o tédio e o rancor,
que a calma equilibra a vida
e a vida é feita de amor!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia

A Arte de Viver
–SUELY NOBRE FELIPE/RN–


O homem que tripudia e maldiz o versejador
Desprezando e renegando seus sentimentos
Aflorados em pele nua, em pele sua
É, obviamente, um homem de alma impura
Crua, deve ser sua comida
Indolor e incolor, o seu amor
Insípidas, as suas horas
Um homem sem auroras!
Desafortunado de querer
Desprovido de prazer
Desconhece, pois, a arte de viver.

Estrofe do Dia

Uma prostituta mancha
a moral e o destino,
num restaurante grã-fino
a milionária lancha;
uma gangue se desmancha
num tiroteio em favela,
um bêbado cutuca a goela
pra vomitar na calçada;
são senas que a madrugada
mostra a quem visita ela.
–BIU SALVINO/PB–

Soneto do Dia

Retrato da Vida
–PROF. GARCIA/RN–


Já fui moço, seu moço, e não me esqueço,
De tudo quanto fiz na mocidade.
Deus, que é Pai, me deu tudo que mereço,
E eu agradeço a Deus, tanta bondade.

Este dom de poeta eu ofereço,
Aos amores da eterna flor da idade,
Que fizeram de tudo um recomeço,
Afastando de mim, tanta saudade.

Mas o tempo não para, e a vida passa,
E eu me vendo no espelho, já sem graça,
Conto as rugas que aumentam meu desgosto,

E me pondo a pensar no que já fiz,
Rogo a Deus, que me faça ser feliz,
Abraçando estas rugas do meu rosto!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (Presente por Presente)

Um grande fidalgo que se tinha perdido numa floresta, foi dar de noite à choupana de um pobre carvoeiro. Como este ainda não chegara, foi a mulher que recebeu o ilustre personagem. Acolheu-o da melhor maneira, desculpando-se da triste hospitalidade que ia dar-lhe, pois que unicamente batatas cozidas lhe poderia oferecer. Cama não a tinha, portanto dormiria na palha. Mas o estrangeiro estava morto de fome e de cansaço; as batatas souberam-lhe que nem faisões, e dormiu deitado na palha melhor que num leito de príncipes. Ao outro dia de manhã declarou isto mesmo à pobre mulher, gratificando-a, ao despedir-se, com uma moeda de ouro. O desconhecido, porém, dissera-lhe que a guardasse como lembrança, e a boa camponesa julgou que seria talvez uma medalha, sentindo não lhe ver um buraquito para a trazer ao pescoço. Quando o carvoeiro chegou a casa, contou-lhe logo tudo, mostrando-lhe a moeda preciosa. O carvoeiro examinou os cunhes e o valor da moeda de ouro, e disse para a mulher:

– Este forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!

E o bom do homem não podia conter-se de alegria, por sua alteza achar as suas batatas ainda melhores do que faisões.

– No mundo inteiro, ponderou ele triunfante, não há terreno igual para batatas. Pois hei-de levar-lhe um cesto delas, já que as achou tão boas.

E foi-se imediatamente para o palácio com um grande saco de batatas escolhidas.

Os lacaios e as sentinelas, ao princípio, não o queriam deixar entrar; mas insistiu energicamente, dizendo que não vinha pedir nada, e que pelo contrário vinha trazer alguma coisa.

Foi, pois, introduzido na saia da audiência.

– Meu senhor, disse ele ao príncipe:

Vossa Alteza dignou-se o outro dia pedir hospitalidade a minha mulher, e dar-lhe uma peça de ouro, em troca de uma enxerga miserável e de um prato de batatas cozidas. Pagastes de mais, ainda que sois uni príncipe rico e poderoso. Por isso venho trazer a Vossa Alteza um cestinho das batatas, que vos souberam melhor do que faisões. Dignai-vos aceitá-las, e se voltardes alguma vez a ser nosso hóspede, lá as encontrareis sempre ao vosso dispor.

A honrada simplicidade do camponês agradou ao príncipe, e, como estava num momento de bom humor, fez-lhe a doação de uma quinta com trinta jeiras (ver nota ao final) de terra.

Ora o carvoeiro tinha um irmão muito rico, mas invejoso e avarento, que, sabendo da fortuna do irmão mais novo, disse consigo: «Porque não me há-de suceder a mim outro tanto? O príncipe gosta do meu cavalo, pelo qual lhe pedi sessenta Libras, que ele me recusou. Vou-lho levar de presente: se deu ao João uma quinta com trinta jeiras de terra, só por um cesto de batatas, a mim com certeza me há-de recompensar ainda mais generosamente».

Tirou o cavalo da estrebaria e conduziu-o para defronte das portas do palácio; recomendou ao criado que o segurasse, e, atravessando com ar altivo as alas dos Lacaios, penetrou na sala da audiência.

– Ouvi dizer que Vossa Alteza gosta do meu cavalo; não tenho querido vendê-lo, mas dignai-vos consentir que eu o ofereça a Vossa Alteza.

O príncipe viu logo aonde o nosso homem queria chegar, e disse consigo: Ora espera, tratante, que vais ter o que mereces!

Depois, dirigindo-se a ele:

– Aceito a dádiva, mas não sei como agradecer-ta condignamente. Oh! boa lembrança: eis aqui um cesto de batatas mais saborosas do que faisões. Custaram-me trinta jeiras de terra; parece-me que é um bom preço por um cavalo, que eu poderia ter comprado por sessenta libras.

E entregando-lhe o cesto, mandou-o embora.
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Nota
JEIRA =Medida de terreno que varia de 19 a 36 hectares, conforme o país.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.