domingo, 8 de abril de 2012

Luiz Lyrio (A Vida é Dura, Mas é a Vida... )


Sabe, moça, a vida é dura mesmo. É difícil, às vezes, penosa. Principalmente para quem não nasceu em berço de ouro ou, como diz o povão, “virado pra lua”. Por isso, não ouça os vendedores de ilusões que buzinam nos seus ouvidos conselhos fantasiosos.

Sabe aqueles que vivem dizendo para você, através da grande mídia, para “correr atrás do seu sonho”, mesmo que ele seja bem maior do que a agilidade e o tamanho dos passos que suas belas pernas podem dar? Esses são uns raros felizardos que tiveram sorte, bons padrinhos e certa dose de competência e talento. São poucos entre bilhões de terráqueos. Muitas pessoas boas e talentosas, moça, morrem correndo atrás dos seus sonhos, algumas de forma trágica. Algumas até devoradas por rotweillers.

Por isso, moça, sonhe sonhos possíveis. De preferência, sonhe junto com outras pessoas sonhos que vão trazer uma vida melhor para muitos. Que tal um mundo mais justo, onde as pessoas vivam com mais dignidade? Riqueza, fama e poder, moça, são coisas boas sim. Só que a competição desenfreada e o vale-tudo instituído na sociedade par se “chegar lá”, muitas vezes, não compensa o sacrifício. E, principalmente, não compensa os riscos. A chegada ao topo, às vezes, pede um preço que não vale a pena pagar. Quanta gente infeliz no mundo cheia de dinheiro, bens, depressão e drogas!

Sei que é duro, moça, chegar ao fim do mês e fazer e refazer as contas, cortar gastos, economizar nas coisas básicas para continuar a sobreviver. Sei que é duro morar num barraco caindo aos pedaços ou trabalhar para pagar o aluguel e não sobrar dinheiro para a gente se alimentar direito. Sei que a tentação é grande. E, quando o rico e famoso lhe bota seus olhos desejosos e lhe enche de presentes, você se ilude e acha que, um dia, ele vai lhe ajudar a “sair do buraco”.

Mas não é bem assim que as coisas acontecem, na maioria das vezes, moça. Desde tempos imemoriais, o homem usa seu prestigio, riqueza e poder para seduzir, usar e depois descartar as mulheres. Quanto mais bem sucedido o sujeito, mais canalha ele costuma ser. Essa é a lei da vida. Desde tempos imemoriais, prevaleceram os sistemas econômicos e políticos que privilegiaram o egoísmo e a busca do prazer individual a todo custo. Hoje, vivemos num mundo que incentiva o consumismo e a busca frenética do dinheiro. O “vencedor” é aquele que atropela seus concorrentes, acumula mais riquezas e defende seu patrimônio com unhas e dentes. E a mulher que tenta encurtar o caminho para uma vida farta, buscando, de alguma forma, colocar-se sob as asas de um rico e famoso, muitas vezes, corre um grande perigo.

Ah, mas eu sei me cuidar! Comigo essas coisas não acontecem, você diz. Não, moça, todo muito sabe se cuidar, mas contra bandido violento e psicopata endinheirado não existem formas de se precaver. E eles existem aos montes vivendo entre nós. São os “vencedores”, que impressionam as mulheres porque são capazes de tomar decisões rápidas e remover os obstáculos que os separam de suas metas. Não têm medo de nada. Nem de matar quem se colocar no seu caminho e ameaçar seu patrimônio. Eles se acham acima da lei. Aliás, eles se acham acima de tudo e de todos. Sempre acreditam na impunidade, no poder do prestígio e do dinheiro, e na competência de seus advogados também “vencedores” para cometer seus crimes sem prestar contas à justiça. Ah, moca, é muito triste dizer isso, mas dinheiro e bens, nas mãos de certos homens, só servem para facilitar a prática do mal.

Vai, moça, trabalha, estuda, rala pra valer. O mundo está mudando e as mulheres, a cada dia que passa, têm mais chances para conquistar um bom emprego e viver uma vida digna. Talvez essa vida não seja tão farta como a daquelas mulheres que vivem sob a proteção (e o jugo) de um sujeito rico e famoso, mas é uma vida digna. Vai à luta, moça! Não em busca de um sonho de princesa, mas em busca do sonho de se tornar uma pessoa digna. Procure sim, seu príncipe encantado. Muitos deles andam por aí, disfarçados de plebeus. São rapazes cheios de dignidade e amor pra dar. Não têm dinheiro, nem são famosos. Mas têm disposição para lutar por uma sobrevivência digna. Talvez sua história com um deles não dure, Mas a vida é assim mesmo. Se você souber escolher seu parceiro e fugir daqueles que passeiam entre as colunas sociais, os cadernos de esportes e as páginas policiais dos jornais, e se evitar, principalmente, qualquer homem que tenha o péssimo hábito de erguer a mão para agredir uma mulher, o máximo que você vai conseguir, após uma separação, será um divórcio. E aí, você recomeçará sua vida. Ao contrário de muitas outras que, desossadas e concretadas, não terão nova chance e nem o direito a um enterro digno.

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/espaco/luiz_lirio/luizlirio.htm

Luiz Lyrio (Universo em Destempero)


Menção Honrosa no VI Concurso Newton Braga de Poemas

A terra, contrariada e furiosa, treme.
O vento, que assobiava, agora geme.
Eu, nessas horas, finjo que não ligo,
enquanto as pessoas buscam abrigo.

E cada um reage de modo variado:
Enquanto um, covarde, foge apavorado,
e outro, inutilmente, só esconde a cara;
a coragem, na Terra, se torna coisa rara.
O ar, vítima de asfixia, fica carregado
e o velho sol se esconde atemorizado.

Ninguém a enfrenta
e o clima esquenta.
Nuvens acinzentadas
e faíscas eletrificadas
tomam conta do céu.
Pássaros voam ao léu.

O universo todo, também a ela devotado,
cheio de raiva, transpira em bicas, revoltado.
O planeta azul fica roxo e, solidário a ela,
sem titubear, toma partido na querela.

E, então, expelidos do seu interior mais profundo,
e saindo por todos os poros vulcânicos do mundo,
devastadores, correm incandescentes rios de lava,
quando minha e/terna e linda namorada fica brava.

Fonte:
http://poesiemtodaparte.blogspot.com

Luiz Lyrio (Homenagem em Belo Horizonte)


Luiz Lyrio terá homenagem na Câmara Municipal de Belo Horizonte.

Amanhã, segunda feira, 09 de abril, o escritor Luiz Lyrio será homenageado in memoriam, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, sua cidade natal. Uma rua terá seu nome.

O início será às 19 horas.

Professor e escritor, Luiz Paulo Lírio de Araujo (Luiz Lyrio) é natural de Belo Horizonte.

Faleceu em 8 de agosto de 2009.

Formado em História pela UFMG, lecionou durante trinta anos em várias escolas das redes pública e particular de Minas Gerais.

Publicou os livros
GRÊMIO LIVRE: UM EXERCÍCIO DE CIDADANIA (1998),
NOS IDOS DE 68 (2004),
MARCAS DE BATOM (2OO4) e
ABDUÇÃO (2007).

Entre 1998 a 2002, produziu um vídeo sobre Grêmios Estudantis e proferiu palestras sobre o assunto em várias escolas.

Entre 2002 e 2006, editou ESTALO, a revista, publicação voltada para divulgação de trabalhos de novo autores.

Entre 2004 e 2008, colaborou com o jornal O Espigão de Belo Horizonte.

Desde 2002, várias crônicas suas tem sido publicadas no Jornal O TEMPO de Belo Horizonte.

Em 2005, por sua crônica “ALICE NO PAÍS DAS ARMADILHAS”, foi agraciado com o PRÊMIO DESTAQUE no V Concurso Rubem Braga de Crônicas (Cachoeiro do Itapemirim – ES).

Em 2006, teve seu conto “PARA QUE CAMINHAR?” classificado em 6o lugar para publicação em livro no CONCURSO LITERÁRIO FLIPORTO – 2006 (Porto de Galinhas (PE)).

Em 2007, teve seu conto CORPO FECHADO selecionado no VI Prêmio Literário Livraria Asabeça (São Paulo – SP) para publicação em antologia,.

Teve um de seus contos premiado com MENÇÃO HONROSA no II CONCURSO CLAUDIONOR RIBEIRO DE CONTOS (Cachoeiro do Itapemirim – ES) e ganhou Menção Honrosa no 5º CONCURSO LITERÁRIO GUEMANISSE DE CONTOS E POESIAS, tendo seu conto PASSAGEM DE ANO publicado em 2008 no livro ELOS E ANELOS da Editora Guemanisse (Teresópolis – RJ).

Em 2008, a Mazza Edições lançou uma nova edição do livro NOS IDOS DE 68.

Membro Correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e da Academia de Letras de Teófilo Otoni (ALTO), e representante do Movimento Abrace em Aracaju.

Fonte:
http://www.joaquimevonio.com/espaco/luiz_lirio/luizlirio.htm

Ialmar Pio Schneider (Soneto de Páscoa)


Jesus, que ressuscitas neste dia,
faze que todo o aflito coração,
ontem triste, renasça na alegria
e na esperança da Ressurreição...

Fizeste ver àquele que não via,
com Teu sangue nos deste a Redenção;
Tua Doutrina sempre ficaria
nas palavras que nunca passarão!

E porque Teu amor foi o mais forte
que o Mundo teve, permanecerás
provando que também venceste a morte.

Filho de Deus, ó Cordeiro Pascal,
aclara-nos e deixa-nos a Paz
até voltares pra o Juízo Final !...

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Henrique Bonamigo (A Melodia da Felicidade)


O autor é de Três de Maio / RS

Ao passar pela varanda da velha casa de madeira senti uma daquelas emoções que causam a um só tempo surpresa e enternecimento. Uma jovem rodopiava e cantarolava em volta de uma mesa onde um toca-discos rodava uma música que havia sido para mim sinônimo de alegria e encanto. A garota girava com tanta graça e simpatia que me fez lembrar a protagonista do filme “A noviça rebelde” nos Alpes austríacos, cenas semelhantes, estórias diferentes mas em ambas a música estava presente como coadjuvante ou como protagonista na composição do enredo.

Parei ao lado da área e senti o coração acelerar quando a voz doce e maviosa da cantora Giane entoava o inesquecível estribilho:

"Dominique, nique, nique
Sempre alegre esperando alguém que possa amar...
O seu príncipe encantado seu eterno namorado
Que não cansa de esperar."

- Desculpe-me não pude resistir, está música encantou a minha vida num passado distante...

A jovem baixou o volume e aproximou-se do lugar onde eu me encontrava.

- Outras pessoas ao passarem por aqui já me disseram coisas semelhantes, o fato é que parece que Dominique cativou muita gente no passado.

- Minha mãe cantarolava está música enquanto trabalhava e a noite utilizava a melodia como sonífero para seus pequenos...

- É verdade?!

- É uma emoção muito forte, vejo-me naqueles lugares onde vivi a alegria e a felicidade dos dias da minha infância, impressiona-me a magia que há nesta música capaz de evocar vivências e trazê-las ao presente de forma tão real... É bom demais!

- A estória da melodia tem algumas notas de tristeza...

- É verdade, a criadora da melodia que ficou conhecida como “Irmã sorriso”, parece que não teve muita sorte em sua trajetória...

- De qualquer maneira Dominique é uma música que fascina... creio que por passar uma gostosa sensação de simplicidade e pureza.

- Simplicidade e pureza... parecem qualidades banais, fáceis de serem encontradas, mas é engano, basta escutar os “sons” de hoje para perceber isto.

Enquanto nos apresentáva-mos um ao outro, os acordes de Dominique inebriavam o meu coração com generosas porções de pura felicidade, de sensações que só havia sentido naquele tempo em que passávamos os dias embalando sonhos infantis e adolescentes sob o ritmo da música que hoje vou chamar de “A melodia da felicidade” pelo que ela representou em minha vida.

Despedi-me de Sanda com a certeza de que havia feito uma bela amizade. “Leve Dominique com você” disse-me ela antes do “tchau”. Depois de alguns passos, virei-me para acenar para ela e ouvir um pouco mais de Dominique...

Uma lágrima caída a rolar dos olhos seus...

Duas lágrimas caídas a rolar dos olhos meus levaram-me até os lábios o sabor amargo e doce de uma emoção impossível de ser descrita.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos Fantásticos" - Edição Especial 2012 - Fevereiro de 2012

Caldeirão Poético do Rio Grande do Sul II


CRISTINA CECCAGNO
( Pelotas / RS)
[(In) definição


procuro nas palavras de outras pessoas
algo que defina o que sinto por ti
pela insanidade que nos envolve
pela tua ausência

nada nos define
nada nos enquadra

procuro nas lembranças
uma pista do tempo que vivemos
do tempo que perdemos
e do que se perdeu ao longo do tempo

nada nos define
nada nos enquadra

procuro nos andarilhos
o movimento certo para seguir adiante
para acertar o passo
para dançar a música certa
para inventar um ritmo

nada nos define
nada nos enquadra

procuro a ti
nos mesmos lugares
e só te encontro dentro de mim
isso me define: tua
isso me enquadra: pra sempre.

DENISE MULLER GARATEGUY
(Montenegro/ RS)
Todas as tuas cores


Tateio
Teus bolsos,
Encontro
Sementes
E
Nos teus olhos
Vejo
Encardidas ilusões
Há pedras
De todos os tipos
Segurando portas
Por sobre a mesa
Há os vasos de flores
De tomates
E
De pimentas
Há os gatos
Os livros
Os acordes
E as letras

A dura indecisão
Transbordando copos
E pensamentos

Os sonhos
Nos escapam...

Tua presença
Vinga-se
De mim
Na perfeição
De ser
Como
És

GILBERTO MONTEIRO MAZOT
(Porto Alegre / RS)
Cadafalso de mim


Trancado em meu baú de desejos, sonhos, loucuras,
Meu coração faz-me cadafalso de mim.

Atuando meu teatro interior,
Faz-me sorrir,
Aplaudir
Despedaçar-me de chorar por ti.

Contraceno no espelho a consciência inconsciente
de que teu desejo é meu desejo.
Desejo que se torna meu por incorporar tudo o que sente.

Se sente frio,
Frio eu sinto,
Se fome sente,
Sinto fome,
Se pensa em mim,
Teu amor me consome!

IONITA KÉSIA PEREIRA
(Sapucaia do Sul / RS)
Não se afaste de mim


Não se afaste de mim
Além de meu olhar

Não se declare com ardor
Além do “eu te amo”

Não cesse seu carinho
Além de um abraço

Não se desnude em você
Além de sua alma

Não dê causa à embriaguez
Além de meus beijos

Não se revele em cores
Além de seus sonhos

Não queira estar comigo
Além de um momento chamado sempre

E não esperarei de você
Além de seu amor por mim.

ISABEL CRISTINA SILVA VARGAS
(Pelotas / RS)
Louvação


Cantam os pássaros
Saudando o sol
A vida que aqui transborda.
Ao seu canto
Acrescento minha prece
Cheia de amor e saudade
Louvando tua preciosa vida
Que a todos encantou.

JULIANO PAZ DORNELLES
(Porto Alegre / RS)
Poeta dos Versos Profanos


Sobrevoando campos verdejantes
Bebo da água da fonte
E navego no mar da tranquilidade

Sangue latino, sonho americano
O andar de um peregrino
Em um terreno plano

Sentimento divino, corpo humano
Espírito vivo, ‘Eu me amo’

Tantra hindu, ritual xamânico
Cartas de vinte e dois arcanos

Deuses gregos, mitos africanos
‘Eu sou o que sou’
O poeta dos versos profanos

Registrando momentos de magia
Dia após dia, ano após ano
Alegro-me na sabedoria
E pela paz reclamo

MARCELO ALLGAYER CANTO
(Cachoeirinha / RS)
Quem é você?


Quem é você?
Que acalma meu coração
Pelo sabor de todas as noites
Seja em qualquer estação.

Quem é você?
Que com sua simplicidade
Me mostra a possibilidade
De um viver despreocupado
Regado pelo amor.

Quem é você?
Que não precisa me procurar na noite,
Pois me encontra dia a dia
Sem clamor, mas com a vida ganha.

Quem é você?
Que me conquistou pela paciência
Seguindo meus passos “descalçados”
Pelas ilusões de meus dias.

Quem é você?
Que ratificou meus caminhos
Com seus doces e suaves carinhos
Me salvando dos despropósitos.

Quem é você?
Você é a minha amada!

MARIA OLINA CARDOSO FEIJÓ
(Pelotas / RS)
Índigos e cristais


Às vezes procuro e não encontro
fotos e molduras, rotas e esquecidas.

Pela razão do estar e permanecer
em linhas fazer-me presente aos distantes
comprometida: encéfalo entre tarjas e confetes.

Paredes, estantes, recantos de lembranças
móveis abatidos e solitários
jogados em vértices da sala, ignoram
busca incessante... Tem que ser assim?
São lembranças que o tempo traz
na ausência de mim.Talvez...
não queira reencontrar-me
em poeiras corroídas pelo tempo,
Ainda que tenha que percorrer
escombros vitais. Trilhar por estradas
tortuosas e sombrias. Sinto o desejo
de tudo esquecer.
Homens comem os cães,
Cães comem o pão... amassou

Quero!...Viver em bolsa amniótica
coberta por células fetais
no estreito mundo dos inocentes
rompendo o casulo de índigos e cristais.

MARTA TREVISOL
(Frederico Westphalen / RS)
Mulher


Enfim, o que sou,
Mulher, mãe, amante...
Sonhos
Apenas fantasia
Criada na imaginação
De um homem
Enfim, hoje sou o quê...
O desejo obscuro,
O sonho irreal
De um homem solitário.
Enfim, o que sou?
Neste mundo real
Onde a magia do sonho
Do amor encantado.
Transformou-se em modernidade
Fragmentos, compilados
Nos fios da internet
E a mulher, mãe, amante,
Ficarão solitárias.
No mundo real
De um homem só.

NEUSA MARIA TRAVI MADSEN
(Lajeado / RS)
Infinita liberdade


Quando eu me for desta vida,
quero liberdade infinita !
Quero poder estar em múltiplos espaços:
Na brisa que move o mundo,
no afeto dos abraços,
no olhar de meus filhos e netos,
no sentimento mais profundo...
Quero poder estar no gorjeio dos pássaros,
no perfume das flores,
na amizade, na paixão, nos amores...
Quero estar na labuta
e na vitória de meus sucessores...
Quero poder estar na paciência,
no perdão, na fé, na benevolência.
Quero estar na aceitação, na compreensão,
nas palavras de conforto e alento,
para amenizar o sofrimento.
Quero estar na emoção, na afeição,
na solidão, na harmonia e no perdão...
Estar nos acordes de minhas canções preferidas,
para animar as pessoas queridas.
Quero estar na alegria, na poesia,
nos afazeres do dia a dia;
Quero estar na luz do sol,
num pedaço do céu azul,
nos raios do luar,
para os poetas e enamorados inspirar...
Quero alcançar a infinita liberdade
Para poder amenizar a saudade...
Quero ser amor e felicidade !

VILMAR WIEDERGRÜN
(Santa Rosa / RS)
Voa, saudade


Voa, voa saudade
Procure até encontrar
O infinito não é longe
Um dia ela há de voltar

Voa, voa saudade
Sua parceira dor fica comigo
Quanto mais ela me invade
Mais me sinto seu amigo.

Um poeta não vive sozinho
Tem amiga melhor que a dor?
Faz doer bem de mansinho
O coração cheio de amor.

Portanto saudade, vá
E se puder traz minha vida
O coração quer parar
Está tão fraca a sua batida…

VIVIANE LUCHESE
(Caxias do Sul / RS)
Quantas primaveras?…


é o que todos perguntam.
Mais uma primavera?! quantas primaveras?!!
Não são primaveris os dias
Não sei ao certo quantas estações floridas se deram
tenho ciência apenas de que tive algumas
Infelizmente, parece-me mais próprio contar os invernos
talvez porque na noite gélida tenha essa res nascido
ou porque o frio tenha lhe exigido mais destreza
Não sei se são os aprendizados obtidos nas tempestuosidades que lhe fazem melhor recordar do frio, que foram muitos, ou se porque as alegrias do calor solar sempre passam tão depressa.
Não me apraz ser mais uma sombra vivente
Mas o sol estava em ti e derretia os cristais de gelo que se cumularam na minha alma
Quando foras, deste lugar ao inverno e com ele
o frio
e, até agora ao menos, insiste ele em ficar aqui
como uma cúpula de cristal circundando todo e qualquer sentimento gélido,
conservando cada lembrança e fazendo queimar o espírito
Como podem ser infernais os dias em que a paz predomina
Como podem ser ardis as noites frias e solitárias

Um eterno inverno se apodera de mim
Perséfone se perdeu no Hades
e mesmo que por metade não retornou de seu reino tão sombrio
levando consigo o brilho destes olhos que vos dizem estas coisas
esterilizando também este coração,
que nada mais espera colher
que labuta apenas por coação celestial
que vive morto, e não vive e,
de fato está morto desde então.
---
Fontes:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. “Grandes Poetas, Grandes Versos" - Edição Especial - Fevereiro de 2012.
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Os mais belos Poemas de Amor" - Edição 2011.

Alcantara Machado (As Cinco Panelas de Ouro) Parte I


Dona Esmeralda Foz era filha de Dona Gertrudes Lemos que em Jataí-Estação muito fez pelo espiritismo. Tidoca Lemos morreu desprevenido, Dona Gertrudes ficou nervosa com a incerteza do destino que tivera a alma do marido. Daí o ter entrado para sócia contribuinte do Centro Espírita Amigos de Jesus. Logo na primeira reunião Tidoca apareceu pigarreando seco (velho cacoete dele), disse que estava bem, mandou lembranças para os amigos, recomendou insistentemente à mulher que não deixasse de pagar os vinte mil-réis que ele morreu devendo ao Tenente Euclides (orador oficial do Centro), falou nos deveres de amor e caridade para com o próximo e se despediu pigarreando seco. Dona Gertrudes virou espiritista fanática. Porém não pagou os vinte mil-réis ao Tenente Euclides. O que foi um dos motivos do cisma havido no Amigos de Jesus e imediata fundação do Companheiros de Cristo com Dona Gertrudes no cargo de primeira-secretária.

Por essa época Dona Esmeralda tinha seus dezesseis-dezessete anos e já por qualquer coisa ria demais ou chorava demais. Ou ria depois chorava, chorava depois ria. Diziam para ela: O Inacinho do Areão caiu do cavalo. Ela ia e ria que era um despropósito. Acrescentavam: Bateu com a cabeça numa pedra, morreu. Ela ia e desandava a chorar soluçado de cortar o coração. Dá uma boa médium, pensou Dona Gertrudes. E levou a filha no Centro.

Até então a médium preferida do Companheiros de Cristo era a filha do presidente Maestro Angiolini. Chamada Celeste Aída. Logo se estabeleceu uma rivalidade tremenda. Porque Angiolini achava ruinzinhas as comunicações feitas por intermédio de Esmeralda. Espiritismo é como música. Precisa coração. O coração é que comanda. E a Esmeralda só tinha cabeça. Por seu lado Dona Gertrudes atrapalhava com apartes caçoistas os discursos que os espíritos ditavam para Celeste Aída. A diretoria aí resolveu consultar Pai Jacob, protetor do Centro. Um médium de pencinê veio especialmente de São Paulo. Pai Jacob entrou nele e decidiu a questão a favor da filha do presidente. Dona Gertrudes protestou inflamada dizendo que a coisa lhe cheirava a tribofe. Esmeralda principiou a chorar. Dona Gertrudes agarrou na mão dela, antes de sair deu uma gargalhada satânica, gritou para Salvini: - Você, seu carcamano, quando nasceu te jogaram duas vezes na parede: uma vez grudou, outra não! Esmeralda compreendeu, largou de chorar e riu até a mãe dizer chega com dois beliscões.

Meses depois Dona Gertrudes se mudou para Jataí-Vila e casou a filha com um moço muito bom, Nicolau Foz, empregado da Luz e Força e oposicionista vermelho. Dias depois morreu de susto. Tarde da noite explodiu perto da casa dela uma fábrica de fogos. Dona Gertrudes foi encontrada já fria apertando contra o peito O Triunfo na Vida Terrena pelo Magnetismo Pessoal do professor E. Bedlamite de Columbus, Ohio, U.S.A. Morreu de susto.

A filha sofreu muito. Gostava da mãe. E morta a mãe passou a gostar do único bem do espólio: uma cachorrinha peluda. Muito vagabunda mas muito célebre. Tinha sido presente de uma comadre da de cujus. Dona Gertrudes a recebeu novinha com dias apenas. E já batizada Goiabada. Nome horrível que Dona Gertrudes resolveu mudar. Consultou a filha, a filha pediu um dia para pensar, pensou e sugeriu dois a escolher: Florzinha e Violeta. Dona Gertrudes recusou, passou em revista outros e afinal se decidiu por Dorotéia Cabral. Daí a celebridade. Toda gente fez questão de conhecer Dorotéia Cabral. E Dona Gertrudes explicava: - Os animais não são nossos irmãos inferiores? Pois então, ué! Devem ter nome de gente! Por isso o genro se animou um dia a observar: Se a cachorrinha tem direito a nome de gente tem direito a apelido. Dorotéia Cabral é muito comprido: fica sendo Tetéia. Dona Gertrudes não discordou. Fez porém uma restrição: - Não há dúvida. Tetéia está bem. Mas só na intimidade.

Enquanto crescia o amor de Dona Esmeralda (que não tinha filhos) pela Tetéia grandes sucessos modificavam a vida do país. E Jataí-Vila (cidade, cabeça de comarca, mas sempre Jataí-Vila para distinguir de Jataí-Estação onde passavam os trilhos da Boigiana) foi teatro de muitos e variados acontecimentos. Com seus quatro mil e setecentos vizinhos há muitos anos vivia empenhada em furiosa luta política: de um lado os partidários de Zéquinha Silva desde cinco lustros chefe do situacionismo, de outro os do Major Mourão (alentejano de nascimento) e seu braço direito Nicolau Foz. Aqueles eram os perrepistas. Estes os oposicionistas. Luta local só. Os antiperrepistas também pertenciam incondicionalmente ao P. R. P. Mas ao P. R. P. estadual, ao governo. Nunca ao de Zequinha Silva. A ambição deles era constituir um dia com sua gente o P. R. P de Jataí-Vila. Obedeciam â orientação de um deputado que em Jataí-Estação era situacionista, em Jataí-Vila oposicionista. E tecia seus pauzinhos na Capital junto aos chefões para derrubar o tiranete de Jatai-Vila que a oposição não se cansava de apontar como indigno dos nossos foros de civilização e cultura.

A coisa porém continuava no mesmo pé sem dar esperanças de modificação próxima. Até que veio o movimento revolucionário de outubro de 1930. Então principiou uma emulação desesperada. Todas as provas iniludíveis de dedicação à causa da legalidade (o que eqüivalia dizer à causa sagrada do Brasil unido) foram dadas pelos dois partidos. Zéquinha Silva telegrafava solidariedade aos Presidentes da República e do Estado, o Major Mourão imediatamente fazia o mesmo. Fazia mais: estendia essa solidariedade inabalável ao Ministro da Guerra ao Ministro da Marinha, ao Presidente da C. D do P. R. P., ao Secretário da Justiça e ao Chefe de Policia do Estado. E quando Zéquinha resolveu organizar um batalhão patriótico a oposição anunciou a formação de dois: infantaria e cavalaria. Porém Zéquinha Silva contava com maior número de elementos. Trinta e dois sujeitos pegados à força pelo Subdelegado Tolentino foram convenientemente calçados e seguiram logo sob o comando do cabo do destacamento. Este levava uma carta do diretório para o Secretário da Justiça pedindo que os voluntários de Jataí-Vila fossem aproveitados na faxina dos quartéis da Capital "para sossego de suas respeitáveis famílias. cujo patriotismo honra sobremaneira as nossas gloriosas tradições bandeirantes". Passados uns dias a Viúva Mané Bindão (inventora e fabricante única de um doce chamado "beija-me-devagar") recebeu carta do filho dizendo que a coisa em Itararé estava bem preta. A Viúva Mané Bindão foi na casa do Zéquinha e amaldiçoou a família Silva até a última geração. A oposição pulou nas ruas de contentamento Pulou um dia só entretanto: o governo mandou perguntar para o Major Mourão se os homens dele seguiam ou como era. O major respondeu que estavam de partida. Foi uma vergonha. O Afonso Henriques. filho do major, afundou no mato com dois primos. Antônio Vicente de Camargo Júnior, um dos chefes oposicionistas. declarou que não criara filho para carne de canhão. E assim todos. Até que Nicolau teve uma idéia. Três léguas para o norte em São Benedito do Alecrim, nas divisas de Minas, havia dois batalhões em pé de guerra: um paulista aquartelado no Grupo Escolar Marechal Deodoro, outro mineiro no Grupo Escolar Marechal Floriano. Os dois prédios ficavam na mesma rua. Mas seus ocupantes trocavam gentilezas. Cada batalhão só esperava a hora de aderir ao adversário. Pois então: era comunicar para o governo que o pessoal oposicionista de Jataí-Vila iria reforçar a tropa de São Benedito do Alecrim. E estava tudo arranjado.

Não estava. O governo mandou ordem para os homens partirem sem demora para a Capital. Aí seria resolvido o destino deles. Que remédio? O Major Mourão recrutou três matadores profissionais, dois ladrões de cavalos, um preto maluco que pensava que era relógio e vivia no Largo da Matriz movendo os braços que nem ponteiros, um surdo-mudo de nascença e um tal Chico Rosa mais conhecido por Chico Perna-de-Pau. Os matadores e os ladrões custaram cem mil-réis por cabeça: quinhentos mil-réis que o major desembolsou sem a mulher saber. A Filarmônica Doutor Quirino tocou o Hino Nacional, Antônio Vicente fez um discurso patriótico, os homens subiram num caminhão, o Laudelino Pinto do Centro Cultural gritou: "Que cada um traga uma orelha do Bernardes, são os meus votos sinceros!", e toca para Jataí-Estação pegar o trem. A Filarmônica em outro caminhão e os chefes oposicionistas num torpedo foram escoltados.

- Assim a gente tem a certeza de que os maganos embarcam - disse o major.

- Que não desertam antes de chegar na estação - corroborou Nicolau.

- Eu sapeco outro discurso neles quando o trem chegar - prometeu Antônio Vicente.

Seguiram já a noite vinha descendo. Daí a vinte minutos estavam chegados. Estação pequetita, encheram a plataforma. A Filarmônica iniciou imediatamente a Canção do Soldado Paulista. E o major dava suas últimas instruções aos bravos de Jataí-Vila quando o chefe da estação chegou todo transtornado.

- Seu major!

Seu major suspendeu as instruções, ficou esperando.

- Seu major! Deu-se!

- O quê?

- A coisa!

- Hein?

- A coisa! O Washington! Não percebo, homem!

- A REVOLUÇÂO VENCEU!

- Estás doido!

O chefe da estação ficou possesso:

- Eu, doido? O senhor é que está maluco! Se não é analfabeto leia isto!

Tirou do bolso um papel, encostou na cara do major. O major pegou no papel, deu para Nicolau ler. Nicolau leu:

- 5-0-9. 7-1-3. Centenas invertidas pelos cinco...

O chefe deu um pulo.

- Não é esse!

Arrancou o joguinho das mãos do Nicolau, meteu no bolso, puxou outro papel, leu, deu para Nicolau ler. Nicolau leu três vezes. Ia ler outra vez com os olhos cada vez mais esbugalhados mas o major não deixou.

- Dize lá do que se trata, vamos!

Nicolau devolveu a cópia do telegrama para o chefe, o chefe saiu correndo para avisar outros. Nicolau puxou o major e Antônio Vicente de lado e falou:

- A revolução venceu no Rio! O Washington fugiu!

O major rugiu:

- Lérias! Aquilo é um homem, homem! Não sabe o que é fugir!

- Telegrama oficial, seu major!

- Pois se é oficial, a revolução não venceu! Telegrama oficial só pode ser do governo! O governo está de pé!

Antônio Vicente procurou chamar o major à razão. O maior teimou. Começaram a discutir. O sino da estação anunciou a saída do trem de Engenheiro Abrunhosa: daí a minutos estava em Jataí. Um vivório se ouviu longe. Cousa indistinta. Os três abriram bem os ouvidos.

- Júlio! - disse o major. - Que é que lhe dizia eu?

- Getúlio! - disse Nicolau. Ouvi perfeitamente.

- Escutem! suplicou Antônio Vicente.

O vivório foi se chegando. Começou o foguetório também.

- Júlio! - disse o major. - Não tem discussão!

- Getúlio! - disse Nicolau. - Getúlio Vargas!

- Esperem! - pediu Antônio Vicente.

Esperaram. O foguetório não deixava os três perceberem bem o vivório. Mas de repente juntinho deles explodiu com tanta violência um Viva o Doutor Getúlio Vargas que os três até recuaram de susto. E Chico Perna-de-Pau repetiu o viva. O major indignado ia gritar com o Chico mas os matadores profissionais e os ladrões de cavalo sacaram das garruchas e deram de atirar para todos os lados. O major se agachou atrás de um banco gritando:

- Não me matem que eu sou português!

Chico Perna-de-Pau perguntou:

- Quem é que é português?

Antônio Vicente subiu no banco e gritou desvairado:

- Abaixo a plutocracia!

Os voluntários de Jataí-Vila, esgotadas as munições, corresponderam:

- Viva-a-a!

Antônio Vicente tornou a gritar:

- Abaixo os opressores do povo!

E os voluntários de Jataí-Vila delirantes:

- Viva-a-a!

A estação já estava cheia de revolucionários. O trem chegou. Vivórios e mais vivórios. O trem partiu. O major no meio do povo bradava:

- Que eu sabia que vinha lá isso sabia! Mas, caramba rapazes, nunca pensei que viesse já! Viva Jataí-Vila!

- Morra! - berrou um mulato no ouvido do major. - Isto aqui não é Jataí-Vila!

O major pediu muitas desculpas mas o mulato não queria desculpas. Queria dez puas para beber à saúde do Isidoro. E exigia um viva ao Isidoro.

- Viva - disse o major. - Toma lá cinco mil-réis que dez não tenho.

O Nicolau conferenciava na sala do telegrafista com o Doutor Querido que desde a monarquia era oposicionista na zona.

- Está feito!

Disse e saiu à procura dos companheiros. Arrancou o major das mãos de um italiano recém-chegado da Penitenciária que já obrigara o major a dar três morras (Morra Mussolini, Morra Matarazzo e Morra D'Annunzio), interrompeu um discurso de Antônio Vicente sobre a Revolução Francesa, arrebanhou com promessas os músicos e os voluntários, saiu com eles da estação. Em dois tempos conseguiu convencer todos a voltar imediatamente para Jataí-Vila tomar conta do governo.
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continua...
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Fonte:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/alcantara-machado-obras/contos-avulsos.php

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 6. A Grande Criadora


Podes dar tratos a imaginação
e conceberes o que se afigura
a ti mesma, um absurdo, uma loucura,
coisa além dos sentidos, da razão.

Podes imaginar uma aventura
a mais estranha, sem ter céu nem chão,
e o que de mais ousado na Criatura
cheque às raias da tua concepção.

Podes tudo pensar, tudo criares
em histórias e cantos singulares,
o que o sonho não pode e a alma não deve,

e ainda assim, hás de ver que não és louco,
que tudo o que pensaste é nada e é pouco
ante o que a própria Vida vive e escreve!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (A Menina, as Aves e o Sangue)


Aconteceu, certa vez, uma menina a quem o coração batia só de quando em enquantos. A mãe sabia que o sangue estava parado pelo roxo dos lábios, palidez nas unhas. Se o coração estancava por demasia de tempo a menina começava a esfriar e se cansava muito. A mãe, então, se afligia: rola o dedo e deixava a unha intacta. Até que o peito da filha voltava a dar sinal:

- Mãe, venha ouvir: está a bater!-

A mãe acorria, debruçando a orelha sobre o peito estreito que soletrava pulsação. E pareciam, as duas, presenciando pingo de água em pleno deserto. Depois, o sangue dela voltava a calar, resina empurrando a arrastosa vida.

Até que, certa noite, a mulher ganhou para o susto. Foi quando ela escutou os pássaros. Sentou na cama: não eram só piares, chilreiações. Eram rumores de asas, brancos drapejos de plumas. A mãe se ergueu, pé descalço pelo corredor. Foi ao quarto da menina e joelhou-se junto ao leito. Sentiu a transpiração, reconheceu o seu próprio cheiro. Quando lhe ia tocar na fronte a menina despertou:

- Mãe, que bom, me acordou! Eu estava sonhar pássaros- .

A mãe sortiu-se de medo, aconchegou o lençol como se protegesse a filha de uma maldição. Ao tocar no lençol uma pena se desprendeu e subiu, levinha, volteando pelo ar. A menina suspirou e a pluma, algodão em asa, de novo se ergueu, rodopiando por alturas do tecto. A mãe tentou apanhar a errante plumagem. Em vão, a pena saiu voando pela janela. A senhora ficou espreitando a noite, na ilusão de escutar a voz de um pássaro. Depois, retirou-se, adentrando-se na solidão do seu quarto. Dos pássaros selou-se segredo, só entre as duas.

Mas o assunto do coração suspenso foi sendo divulgado e chegaram ao subúrbio curiosos da cidade. Vieram estudiosos a solicitar o caso daquele acaso. Até médicos questionavam a mãe:

- Angina de peito ela teve?

- Sim, doutor: sempre ela foi anjinha de peito- .

Precisar de ajuda? Que não, doutor, essa menina é feita assim mesmo, levinha como ar em pulmão de ave. Mas o médico insiste, promete mundos sem fundos. Que a fenomenosa miúda podia ficar em memória da ciência. Mas a senhora mãe deveria participar. Era preciso tudo controlar: batimentos, calores, suspiros. Tarefa para mãe a tempo inteiro, se pediam obséquios.

- Se eu sei contar, doutor? Só os padre-nossos e aves que nos mandam rezar na confissão- .

Por uns dias ela ainda segurou o pulso frio da menina. Quase desejava que o peito não desse resposta. Afinal, quando o coração lhe pulsava a menina esquentava-se, a ponto de rubra febre. A filha resistia, com doçura: queria era sair, brincar.

- Desde dois dias, mãe. Desde isso que não bate- .

A senhora desistiu das medições. Que a deixassem só, ela com ela. E, de noite, os pássaros enchendo o escuro. A mãe expulsou os exteriores mirones. Fossem todos, levassem seus títulos, promessas, indagações.

Com o tempo, porém, cada vez menos o coração se fazia frequente. Quase deixou de dar sinais à vida. Até que essa imobilidade se prolongou por consecutivas demoras. A menina falecera? Não se vislumbravam sinais dessa derradeiragem. Pois ela seguia praticando vivências, brincando, sempre cansadinha, resfriorenta. Uma só diferença se contava. Já à noite a mãe não escutava os piares.

- Agora não sonha, filha?

- Ai mãe, está tão escuro no meu sonho!-

Só então a mãe arrepiou decisão e foi à cidade:

- Doutor, lhe respeito a permissão: queria saber a saúde de minha única. É seu peito... nunca mais deu sinal- .

O médico corrigiu os óculos como se entendesse retificar a própria visão. Clareou a voz, para melhor se autorizar. E disse:

- Senhora, vou dizer. a sua menina já morreu.

- Morta, a minha menina? Mas, assim...?

- Esta é sua maneira de estar morta- .

A senhora escutou, mãos juntas, na educação do colo. Anuindo com o queixo, ia esbugolhando o médico. Todo seu corpo dizia sim, mas ela, dentro do seu centro, duvidava. Pode-se morrer assim com tanta leveza, que nem se nota a retirada da vida? E o médico, lhe amparando, já na porta:

- Não se entristeça, a morte é o fim sem finalidade- .

A mãe regressou a casa e encontrou a filha entoando danças, cantarolando canções que nem existem. Se chegou a ela, tocou-lhe como se a miúda inexistisse. A sua pele não desprendia calor.

- Então, minha querida não escutou nada?-

Ela negou. A mãe percorreu o quarto, vasculhou recantos. Buscava uma pena, o sinal de um pássaro. Mas nada não encontrou. E assim, ficou sendo, então e adiante.

Cada vez mais fria, a moça brinca, se aquece na torreira do sol. Quando acorda, manhã alta, encontra flores que a mãe depositou ao pé da cama. Ao fim da tarde, as duas, mãe e filha, passeiam pela praça e os velhos descobrem a cabeça em sinal de respeito.

E o caso se vai seguindo, estória sem história. Uma única, silenciosa, sombra se instalou: de noite, a mãe deixou de dormir. Horas a fio sua cabeça anda em serviço de escutar, a ver se regressam as vozearias das aves.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 534)


Uma Trova de Ademar

Queria ao fim da jornada,
na manhã do meu adeus,
ver o brilho da alvorada
na luz dos olhos de Deus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Na história de tua vida
sou apenas, sem escolha,
uma sentença esquecida
no rodapé de uma folha.
–MARINA BRUNA/SP–

Uma Trova Potiguar


Ninguém é pedra polida,
se não mudar de conduta;
pois, a pedreira da vida
é feita de pedra bruta!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


1976 - Nova Friburgo/RJ
Tema - CULPA - 6º Lugar


Se te alegra eu ser culpada
por um mal que nem conheço,
aceito a culpa, calada,
e finjo até que mereço.
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Tenho culpas e, realmente
muitas delas me consomem.
Cometo-as porque sou gente,
confesso-as porque sou homem.
–JOSÉ MARIA M. DE ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

P á s c o a – (Acróstico)
–PINHAL DIAS/PORTUGAL–


Paz que vem ressuscitar
Amigos no seu abraçar
Sentir essa renovação
Com toda a família unida
O ser d’alma convertida
Amor p’la Ressurreição.

Estrofe do Dia

Deus me deu cinco filhos e, feliz,
eu cumpri para os céus essa missão;
sinto neles a minha própria vida
como os dedos que toco, em cada mão,
quando rezo por todos, de hora em hora...
São pedaços de mim que vejo fora
porém nunca tirei do coração.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Última Página
–OLAVO BILAC/RJ–


Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
numa palpitação de flores e de ninhos.
Doirava o sol de outubro a areia dos caminhos
(lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
e o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passas as estações e passam as mulheres...
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!

Irene Coimbra (Poesias Avulsas)


O MENININHO E A TORNEIRA

A aula da primária
já havia começado,
quando aquele menininho
veio sentar-se ao meu lado.

E olhando para mim
com olhar interrogador,
parecia esperar
uma manifestação de amor.

E quando lhe sorri
pra mim sorriu também,
e aproximando-se mais de mim,
essa frase disse assim:

- Na minha casa tem tornera!

Tomada de surpresa
pela frase inusitada,
por um breve momento
não consegui dizer nada.

Mas olhando bem pra ele
pude logo entender,
o que com aquela frase
ele queria dizer.

E enquanto entusiasmado
continuava a falar,
eu ia percebendo
um brilho em seu olhar.

- Dentro de casa. O vô qui pois. Saiu água!

Não precisou dizer mais nada
e sua realidade vi,
era a primeira vez
que uma torneira entrava ali.

Abraçando-o com carinho
fiquei a imaginar,
a importância que tinha
uma torneira em seu lar.

Aquele menininho
que diante de mim estava,
era como um professor
que entrelinhas me ensinava.

Com ele aprendi
a parar de reclamar
por coisas insignificantes
que faltavam em meu lar.

Jamais irei esquecer-me
daquela simples lição,
pois ela ficou gravada
dentro de meu coração.

PRECISO CORAGEM

É preciso coragem
para não revidar com palavra agressiva,
quando se foi atingida de forma ofensiva.

É preciso coragem para não fingir,
quando todos ao seu lado estão a mentir.

É preciso coragem para dizer a verdade,
no meio de tanta falsidade.

É preciso coragem para silenciar,
quando se tem vontade de gritar.

É preciso coragem
para dizer a mensagem que deve ser dita,
mesmo que depois a vejam como maldita.

É preciso coragem para espalhar alegria,
mesmo vivendo em agonia.

É preciso coragem para dizer “Não”,
diante de uma grande tentação.

É preciso coragem pra continuar lutando,
mesmo em tudo fracassando.

MEXERICOS DE PAPEL

Há três horas estou aqui
esperando a inspiração,
com o papel à minha frente
e a caneta na mão.

De repente ouço a caneta
falando com o papel,
que a inspiração que espero
já foi pro beleléu.

O papel ri da caneta
e ela dele também,
e juntos riem de mim
porque a inspiração não vem.

E os dois mexericando
ali em minha frente,
dizem que não consigo
porque é vazia minha mente.

Perco a paciência de vez
ao ouvi-los dizer assim,
e meu primeiro impulso
é de dar neles um fim.

Pego a caneta bem firme
e a aperto entre os dedos,
enquanto o papel me olha
branco de tanto medo.

Nesse momento os dois
começam uma gritaria,
e entre seus gritos vejo
nascer a minha poesia.

A REVOLTA DA CANETA

A caneta de repente
fica toda revoltada,
e me encarando com fúria
diz que eu sou a culpada.

Diz que já se cansou
de todos os meus rabiscos,
e que está decidida
a parar com tudo isso.

Que a aperto entre os dedos
e que rabisco demais,
e nem por um minuto
consigo deixá-la em paz.

Que não tenho piedade
pois quando estou escrevendo,
sou incapaz de perceber
o quanto está sofrendo.

Que a pressão de meus dedos
sobre ela é tão forte,
que por muitas, muitas vezes
desejou até a morte.

Que eu não ligo pra ela
e não tenho coração,
e que já está farta
de ver seu trabalho em vão.

Diz que já não aguenta mais
ver as folhas que rabisco,
em pedacinhos rasgadas
e mandadas para o lixo.

Que se for pra continuar
com essa situação
ela desiste de tudo
e vai para outra mão.

DISPUTA SOBRE O TECLADO

Ligo o computador
e faço a conexão,
enquanto os dedos se agitam
na maior animação.

Cada dedo no teclado
quer passar uma mensagem,
alguns falam coisa séria,
outros falam só bobagem.

Às vezes olho, espantada,
para a tela à minha frente,
sem querer acreditar
no que saiu da minha mente.

Vejo os dedos, ansiosos,
pulando sobre o teclado,
como se estivessem todos
dançando um sapateado.

Olho pra eles bem séria
e falo com autoridade:
“Ou vocês me obedecem
ou os castigo sem piedade.”

“Será que não percebem
as bobeiras que ali estão?
Parem de escrever tolices
e prestem mais atenção”.

Nesse momento minha alma
como sempre a interferir
joga em mim toda a culpa
pelo meu modo de agir.

“Não queira culpar seus dedos
pelo que acabam de escrever,
você mesma é a culpada
com esse seu jeito de ser.”

“Você não sabe o que diz”
falo então pra minha alma,
“Fique aí no seu canto
e não me tire a calma.”

Os dedos, indiferentes,
sobre as teclas vão saltando,
e palavras pra todo lado,
vão todos eles jogando.

Tento, em vão, controlá-los
pra que não escrevam bobeira,
mas, indisciplinados,
fazem à sua maneira.

Só depois de muito tempo
e com o micro desligado,
é que acaba a disputa
dos dedos sobre o teclado.

“NADA SE CRIA, TUDO SE COPIA...”

“Nada se cria, tudo se copia.”
Foi isso que ouvi dizer,
quando comecei a escrever.

Mas minha única vontade
era escrever uma mensagem,
sem de ninguém copiar
e pra todo mundo eu passar.

Vi então, em minha mente,
aparecer, de repente,
palavras e mais palavras
que em frases se tornavam.

Como se estivesse a beber
da água de uma nascente,
comecei a escrever
tudo que me vinha à mente.

E, enquanto ia escrevendo,
eu tinha a sensação,
de que um anjo invisível
guiava minha mão.

Deixei-me levar assim,
sem me preocupar com nada,
pois sabia que no fim
a mensagem seria dada.

E como um raio de luz
incidindo em minha mente,
a mensagem apareceu
assim de repente:

“É preciso ter coragem
pra passar uma mensagem,
pois todo aquele que uma mensagem passou,
de alguma maneira alguém o crucificou.”

Fonte:
União Brasileira de Escritores

Irene Coimbra


Irene Coimbra de Oliveira Cláudio, filha de Juvenal Coimbra de Oliveira e de Carmem Palicer de Oliveira, nasceu no município de Patrocínio Paulista, SP.

Passou a infância e adolescência na tranquila cidade de Itirapuã.

Aos dezoito anos mudou-se para a cidade de Franca e aos vinte para Ribeirão Preto, onde reside até hoje.

Casou- se com Paulo Cláudio, de cuja união nasceram Fernando e Aline.

É professora de idiomas, escritora, poetisa, produtora e apresentadora do programa "Ponto & Vírgula" na TV/RP Canal 9.

Membro da Academia Ribeirãopretana de Letras.

Livros publicados:
Pedaços de um Diário (1997);
Dr. Hanamaikai e outros contos (1998);
Simplesmente Poemas (2000);
Meu Diário Meia Sete (2004);
Entre Poemas (2004);
Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas (2006).

Prêmios :
III Torneio Cultural CPERP (Casa do Poeta e do Escritor de Ribeirão Preto);
Troféu Apolo - 2004 - Campeã.

Em suas horas vagas dedica-se a pesquisas literárias e de outras áreas

Fonte:
União Brasileira de Escritores

Vicência Jaguaribe (A Última Visita)


A autora é de Fortaleza / CE

Quando o último dos irmãos morreu, os herdeiros resolveram vender o casarão da família. Lá a avó criara todos os filhos e de lá o marido e ela própria haviam partido em sua viagem definitiva. Lamentei profundamente aquela venda. Mas ninguém tinha dinheiro para restaurar a enorme casa praticamente em ruínas. Vendêramos, na verdade, o terreno, o local. A estrutura de alvenaria estava condenada.

Antes da entrega da chave ao comprador, senti vontade de rever a casa. Sozinha, entrei no casarão, maior por estar vazio. Fechei a porta e dispus-me a percorrer os aposentos. De repente, a casa ganhou vida — som, cheiro, cor e movimento. E um estranho frio que me fez cruzar os braços.

A sala de visitas enfeitou-se com as modestas cadeiras de vime e com o rádio. Ouvi, então, a voz de minha avó, perguntando quem estava ali. Assustei-me. E, como uma criança que acaba de ser surpreendida fazendo arte, recuei para o vão da janela. Mas a voz tornou a soar e tive de responder:

— Sou eu, vovó. Vou entrando. — Resolvi mergulhar naquele cenário que tinha certeza (tinha mesmo essa certeza?) ser fruto de minha imaginação. Mas eu não quisera penetrar aquele planeta habitado somente por lembranças — as lembranças de meus mortos? Então? Agora não fazia sentido recuar. Tinha de ir em frente. Também não sabia se estava sentindo medo ou se era só a emoção das lembranças.

Enfiei-me pelo comprido corredor, atravessei a sala de jantar e entrei na copa. Sentada diante da almofada, a avó criando suas peças de renda. Era assim que eu a recordava sempre.

No primeiro momento, assustei-me. Não, assustei-me, não, surpreendi-me. Pois era de se esperar que a avó estivesse exatamente ali, diante da almofada, tecendo suas peças de renda. Os dedos ágeis jogavam os bilros de uma mão para outra. De vez em quando, reunia-os todos na mão esquerda, e a mão direita subia até o papelão, para mudar a posição dos espinhos que marcavam os arabescos do desenho da peça.

A avó parou o movimento das mãos e encarou-me:

— Que é que você faz aqui, minha filha?

Sua voz soou entre triste e preocupada. Perdera o tom autoritário que sempre a caracterizara.

— Vim ver a casa. A senhora sabe que ela foi vendida?

— Sei. E fiquei com pena. Uma casa tão boa! Que guarda grande parte da história de nossa família! Mas entendi. Ela se tornou um estorvo, não foi?

— Não é bem assim, não, vovó — tentei contemporizar.

Ela baixou novamente a cabeça e voltou aos seus bilros.

— Onde está a Aldenora, vovó? — Perguntei sobre a menina que ela havia criado e que morrera há alguns anos.

— A Aldenora foi para a casa dos pais. Você gostava dela, não gostava?

Respondeu-me, sem tirar a vista dos bilros e do papelão. De repente, parou as mãos e tirou do bolso do vestido uma peça de renda, enrolada em um fino pedaço de madeira. Entregou-me.

— É para você. Faça uma blusa de cambraia de linho e enfeite com ela.

Nesse momento, senti um aroma que me trazia a infância e, junto com ela, a Aldenora. Era o aroma do arroz temperado da avó, no qual, depois de pronto, ela salpicava uma colher de vinagre. Minha avó levantou-se e dirigiu-se ao velho fogão a lenha.

— Vou tirar o arroz do fogo, senão ele queima.

Mudei por um instante a direção do olhar e, quando voltei a procurar minha avó, não mais a vi. Nem a ela, nem à almofada, nem à cadeira. Olhei para as mãos e lá estava a peça de renda. Então não fora ilusão. Voltando-me para a área descoberta que acompanhava as salas e ia até o quintal, assustei-me: a trepadeira de pequeninas flores cor de rosa, que formava um grande caramanchão, estava mais viva e bonita do que nunca. Enfiei a renda no bolso da calça jeans e puxei um galho longo e cheio de flores. Mas esta trepadeira morrera juntamente com a vovó! E ninguém conseguira que pegasse novamente. Como é que estava tão bonita agora? Enrolei o flexível galho no pescoço, à guisa de colar.

Transpus a cozinha olhando para o fogão a lenha, cujas chamas crepitavam como se alguém acabasse de alimentá-lo com as finas achas que a vovó conservava no chão. E, em cima da chapa, a panela da qual exalava o cheiro de arroz temperado e salpicado de vinagre. Apressei o passo e ganhei o quintal. O grande quintal de minha avó, com uma cacimba que fornecia água também para a casa vizinha, onde morara, por muito tempo, uma enteada sua — a tia Adélia.

No meio do quintal, cordões de estender roupa, com algumas peças penduradas, molhadas como se alguém as tivesse lavado há pouco. Abaixei-me e recolhi uns galhos de boa-noite plantados na cova de um coqueiro. Olhei em frente. Lá, o quarto grande que abria para a outra rua e que, no meu tempo de criança, já se encontrava em ruína. Pegado a ele, outro espaço coberto — o depósito da lenha que alimentava o fogão, com as achas subindo até o teto, exatamente como antes, e o portão pelo qual se podia entrar e sair do casarão. Ali gostávamos de brincar, sempre debaixo dos carões da vovó — este não era lugar pra brincar; podem se machucar na lenha; pode aparecer uma cobra...

Resolvi sair pelo portão mesmo. Não me daria o trabalho de percorrer toda a casa para alcançar a porta da frente. Ou era medo o que sentia? Fosse o que fosse, como havia trazido a chave do portão — no meu tempo de criança, ele só tinha uma tramela e um ferrolho por dentro —, resolvi que sairia mesmo por ali. Olhei em direção à casa, como a despedir-me de minhas lembranças. Vindo em minha direção, já no meio do quintal, minha avó, acompanhada de um grupo de pessoas relativamente numeroso. Algumas não consegui identificar, mas outras, sim — ou porque com elas havia convivido ou porque as vira em fotografia.

Mesmo com as pernas fraquejando e sentindo a cabeça rodar, resolvi sair daquele local impregnado dos fluidos da morte. Abri o portão e, sem olhar para trás, transpus a soleira e tranquei-o. Cheguei em casa tremendo.

— De onde você vem desse jeito? E o que é isso no seu pescoço?

— Da casa da vovó — respondi, enquanto puxava o galho de trepadeira, que trazia como um colar. Que significava aquilo? O que tinha nas mãos não era aquele galho cheio de flores, mas um galho seco, sem flores, um galho morto.

— E na mão, o que você tem?

Abri a mão e lá estavam folhas e flores secas de boa-noite. Escorregando-me do bolso da calça, minha tia viu a bela peça de renda de almofada. Pegou-a e começou a desenrolá-la.

— De onde você tirou isso, menina? Que peça linda! — Era a voz de uma prima que comercializava artesanato.

— Comprei no mercado — menti —, mas só tinha essa peça. Não sei nem quem me vendeu. — Fechei a mentira, para não ter que dar explicações.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos Fantásticos" - Edição Especial 2012 - Fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 533)


Uma Trova de Ademar

Teve um chilique o Oscar
ao ver seu filho, um nissei,
ser o primeiro lugar
numa passeata gay.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Joga ao mar, que já morreu!
– Não!... Tô vivo... por favor...
– Cala essa boca, Tadeu,
quer saber mais que o doutor?...
–JOÃO ELIAS DOS SANTOS/SP–

Uma Trova Potiguar


É por demais assanhada
a galinha do vizinho:
já tem a costa pelada
por excesso de carinho...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada


2002 - Garibaldi/RS
Tema - “LIVRE” Venc.


Esta é uma antiga lorota
que jamais se esclareceu:
- Se Judas nem tinha botas,
como foi que ele as perdeu?
–A. A. DE ASSIS/PR–

...E Suas Trovas Ficaram


Ao se pesar, a Constança,
que é gorda e não pesa pouco,
comenta sobre a balança:
- Esse ponteiro está louco!...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Estrofe do Dia


Sou um bonito “coroa”,
e potente garanhão
que sem gastar um tostão
pega muita mulher boa,
seja direita ou a toa
o vate aqui não se nega;
tem uma que não sossega
e que não pode me ver...
Mas, porém vou lhe dizer
é porque a pobre é cega!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Show ao Vivo
–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–


Num cineminha, desses mal cuidados,
em que a higiene deixava a desejar,
por abrigar casais de namorados,
se fez o preferido do lugar...

Mas era a sua fama de amargar!
E apesar de ficar preocupados,
antes mesmo do filme começar,
os casais já se punham alojados...

Era um tumulto na bilheteria,
toda vez que na tela se exibia
um filme pornográfico agressivo...

Também difícil quem não abusasse!
Por mais que o “lanterninha” se esforçasse,
na plateia o espetáculo era ao vivo!

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas - Canto V: O Gigante Adamastor) Análise do Canto


Inspirado em Homero e Ovídio, o episódio do Gigante Adamastor é o mais rico e complexo do poema. de natureza simbólica, mitológica e lírica. Ele se compõe de vinte e quatro estrofes (canto V, 37 - 60), assim distribuídas:

Estrofes 37-38: introdução (2)

Estrofes 39-48: Adamastor 1 (10)

Estrofe 49: transição (1)

Estrofes 50-59: Adamastor 2 (10)

Estrofe 60: epílogo (1)

Como se vê, há uma distribuição muito equilibrada das partes: das vinte e quatro estrofes, quatro se destinam à introdução, transição e epílogo; as vinte restantes, divididas ao meio, apresentam o herói da seqüência. Tanto Vasco da Gama como o Adamastor aparecem como narradores e como personagens.

No plano histórico, simboliza a superação pelos portugueses do medo do “Mar Tenebroso”, das superstições medievais que povoavam o Atlântico e o Índico de monstros e abismos. Adamastor é uma visão, um espectro, uma alucinação que existe só nas crendices dos portugueses. É contra seus próprios medos que os navegadores triunfam.

No plano lírico é um dos pontos altos do poema, retomando dois temas constantes da lírica camoniana: o do amor impossível e o do amante rejeitado.

Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, apaixonou-se pela nereida Tétis. Não correspondido, tenta tomá-la à força, provocando a cólera de Júpiter, que o transforma no Cabo das Tormentas, personificado numa figura monstruosa, lançada nos confins do Atlântico.

Este episódio é importante, pois nele se concentram as grandes linhas da epopéia:

1. O real maravilhoso (dificuldade na passagem do cabo).

2. A existência de profecias (história de Portugal).

3. Lirismo (história de amor, que irá ligar-se mais tarde, à narração maravilhoso da Ilha dos Amores);

4. É também um episódio trágico, de amor e morte;

5. É um episódio épico, em que se consolida a vitória do homem sobre os elementos (água, fogo, terra, ar);

Enredo

37 - A viagem da esquadra é rápida e próspera até uma nuvem que escurece os ares surgir sobre as cabeças dos navegantes.

Porém já cinco sóis eram passados
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.

38 - A nuvem escura que surgiu vinha tão carregada que encheu de medo os navegantes. O mar, ao longe, fazia grande ruído ao bater contra os rochedos. Vasco da Gama, atemorizado, lança voz à tempestade perguntando o que era ela, que ela lhe parecia mais que uma simples tormenta marinha. Repare que o cenário aterrador fará a imagem do Gigante ainda mais terrível e assustadora.

Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
"Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"

39 - Vasco da Gama não havia terminado de falar quando surgiu uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, de postura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra e de dentes amarelos. Esta passagem é meramente descritiva.

Não acabava, quando uma figura
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.

40 - A figura era tão enorme que poder-se-ia jurar ser ela o segundo Colosso de Rodes. Surge no quarto verso a introdução da fala do Gigante, cuja voz fazia arrepiar os cabelos e a carne dos navegantes.

Tão grande era de membros, que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!

41 - O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaram aos confins do mundo. Repare na ênfase que se dá ao fato de aquelas águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante diz que aquele mar que há tanto ele guarda nunca foi conhecido por outros.

E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar nos longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d’estranho ou próprio lenho:

42 - Já que os portugueses descobriram os segredos do mar, o gigante lhes ordena que ouçam os os sofrimentos futuros, conseqüências do atrevimento de cruzar os mares.

Pois vens ver os segredos escondidos
Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo largo mar e pola terra
Que inda hás de sojugar com dura guerra.

43 - O gigante afirma que os navios que fizerem a viagem que Vasco da Gama está fazendo terão aquele cabo como inimigo. A primeira armada a que se refere Adamastor é a de Pedro Álvares Cabral, que perdeu ali quatro de suas naus: o dano - o naufrágio – foi maior que o perigo, pois os navegantes foram surpreendidos.

Sabe que quantas naus esta viagem
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas!
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insufridas,
Eu farei d’improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo!

44 - O gigante afirma que se vingará ali mesmo de seu descobridor, Bartolomeu Dias, e que outras embarcações portuguesas serão destruídas por ele. As afirmações são ameaçadoras, como se verá: o menor mal será a morte.

Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança.
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus verei, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!

45 - É citado D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, e sua vitória sobre os turcos. O gigante continua ameaçador: junto a ele continua a haver perigo.

E do primeiro ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá a turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.

46 - Nesta estrofe o gigante cita a desgraça da família de Manuel de Sousa Sepúlveda, cujo destino será tenebroso: depois de um naufrágio, sofrerão muito.

Outro também virá, de honrada fama,
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a fermosa dama
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.

47 - O gigante diz que os filhos queridos de Manuel de Sousa Sepúlveda morrerão de fome e sua esposa será violentada pelos habitantes da África, depois de caminhar pela areia do deserto.

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e preclaros
À calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pisada longamente
Cos delicados pés a areia ardente;

48 - Os sobreviventes do naufrágio verão Manuel de Sousa Sepúlveda e sua esposa, que morrerão juntos, ficarem no mato quente e inóspito.

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes míseros ficarem
Na férvida e implacábil espessura.
Ali, despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão.

49 - O gigante continuaria fazendo as previsões se Vasco da Gama não o interrompesse perguntando quem era aquela figura maravilhosa. O monstro responderá com voz pesada porque relembraria seu triste passado.

Mais ia por diante o monstro horrendo
Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - Que és tu? Que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

50 - O gigante se apresenta: ele é o Cabo Tormentoso, nunca conhecido pelos geógrafos da Antigüidade, última porção de terra do continente africano, que se alonga para o Pólo Sul, extremamente ofendido com a ousadia dos portugueses.

Eu sou aquele oculto e grande Cabo
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompônio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.

51 - Adamastor diz que era um dos Titãs, gigantes que lutavam contra Júpiter e que sobrepunham montes para alcançar o Olimpo. Ele, no entanto, buscava a armada de Neptuno, nos mares.

Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e Centimano;
Chamei-me Adamastor e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano;
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

52 - Adamastor cometeu a loucura de lutar contra neptuno por amor a Tétis, por quem desprezou todas as Deusas. Um dia a viu nua na praia e apaixonou-se por ela, e ainda não há algo que deseje mais do que ela.

Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa;
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a princesa;
Um dia a vi, coas filhas de Nereu,
Sair nua na praia e logo presa
A vontade senti de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.

53 - Como jamais conquistaria Tétis porque era muito feio, Adamastor resolveu conquistá-la por meio da guerra e manifestou sua intenção a Dóris, mãe de Tétis, que ouviu da filha a seguinte resposta: como poderia o amor de uma ninfa agüentar o amor de um gigante?

Como fosse impossíbel alcançá-la
Pola grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la
E a Dóris meu caso manifesto.
De medo a Deusa então por mi lhe fala.
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: - Qual será o amor bastante
De ninfa, que sustente o dum Gigante?

54 - Continua a resposta de Tétis: ela, para livrar o Oceano da guerra, tentará solucionar o problema com dignidade. O gigante afirma que, já que estava cego de amor, não percebeu que as promessas que Dóris e Tétis lhe faziam eram mentirosas.

Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano.
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.

55 - Uma noite, louco de amor e desistindo da guerra, aparece-lhe o lindo rosto de Tétis, única e nua. Como louco, o gigante correu abrindo os braços para aquela que era a vida de seu corpo e começou a beijá-la.

Já néscio, já da guerra desistindo,
Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era a vida
Deste corpo e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

56 - Adamastor não consegue expressar a mágoa que sentiu, porque, achando que beijava e abraçava Tétis, encontrou-se abraçado a um duro monte. Sem palavras e imóvel, sentiu-se como uma rocha diante de outra rocha.

Oh! Que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei cum duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo
E junto dum penedo outro penedo!

57 - Adamastor invoca Tétis, perguntando porque, se ela não amava, não o manteve com a ilusão de abraçá-la. Dali ele partiu quase louco pela mágoa e pela desonra procurando outro lugar em que não houvesse quem risse de sua tristeza.

Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Daqui me parto, irado e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.

58 - Os Titãs já foram vencidos e soterrados para maior segurança dos deuses, contra quem não é possível lutar. Adamastor anuncia, então, seu triste destino.

Eram já neste tempo meus Irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos,
E, por mais segurar-se Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos.
E, como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado imigo,
Por meus atrevimentos, o castigo:

59 - A carne do gigante se transformou em terra e os ossos em pedra; seus membros e sua figura alongaram-se pelo mar; os Deus fizeram dele um Cabo. Para que sofra em dobro, Tétis costuma banhar-se nas águas próximas.

Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam;
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas.

60 - O gigante desapareceu chorando e o mar soou longínquo. Vasco da Gama ergue os braços ao céu e pede aos anjos que os casos futuros contados por Adamastor não se realizem.

Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos que Adamastor contou futuros.

Fonte:
Passeiweb

Amosse Mucavele (Fazer, Dizer e Sentir a Literatura: Por Uma Retórica da Razão)


Os remos dispensam
Temos as mãos
Para a navegação
Sangare Okapi- in Mesmos Barcos ou Poemas de Revisitação do Corpo


“ Eu escrevo para adiar a minha a morte ”, É a partir desta voz do escritor argentino Jorge Luís Borges, que estes jovens cumprimentem-se a caminhar de ouvidos abertos para o “lugar” onde a palavra se enamora com a língua. Este ‘lugar’ de encontros constantes entre a realidade e a ficção.

Já que “De facto, por mais heterodoxos ou abrangentes que sejamos, não podemos nos articular directamente com a tradição mundial, que aliás não existe em estado pronto. Todos nos articulamos nalgum lugar, retomado ou inventando tradições parciais. sendo” lugar” naturalmente é uma noção variável ,que no momento devido a nova onda de internacionalização , esta passando por uma redefinição decisiva .”[1]

Esta voz estimula-nos a escutar o brado da nossa capacidade leitoral, a ler o manual das nossas verdes mãos, isto é Kuphaluxar (divulgar, dinamizar) de braços abertos com os pés assentes no chão do nosso solo pátrio e interpretar sem nenhum vinculo politico as maravilhas do mundo da literatura, como um mecanismo de assimilação e a aprendizagem para com a própria vida.

Esta aprendizagem “ não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.”(Mia Couto-O outro Pé da Sereia )

A tonalidade deste chamamento exprime-se nas “harpas” e “farpas” que esta aventura apresenta ao longo do seu percurso e desperta- nos atenção aos voos que os nossos sonhos podem querer descrever nesta infindável distancia.

Eduardo White reflete esta dicotomia nos versos deste poema:

Escrever é uma droga antiga
Uma bebedeira que queima com a lentidão a cabeça,
Traz a luz desde as vísceras
O sangue a ferver veias tubulantes
Traz a natureza estimulantes das paisagens que temos dentro.


As imagens que compõem “as nossas fronteiras interiores”, o brilho “das paisagens que temos dentro” e os instrumentos de que a escrita se serve (a droga), se alimenta ( a bebedeira), se aconchega (a natureza), se ilumina ( a luz), se move (o sangue), mostram-nos o quão difícil é, e longa é a viagem neste’’(…) espaço essencial (a literatura -o bold é meu) que é necessário cercar de altos muros como pedia Pessoa . Porque é ai que nós somos o que somos, é ai que somos tais que não podemos vender, nem ninguém nos pode comprar. ou se quisermos rasgar os últimos véus de Ísis e ser humildes, é lá que habita alguma coisa que, em nós mesmo é melhor do que nós(…). [2]

Olhando atentamente para as nossas leituras, e sendo nós o tipo “de leitores que não podem ler livros sem se lerem nos livros. Ou antes sem que os livros os leiam.” [3]

Assim começamos a por os “remos” a “navegação” (dinamizando a cultura e declamando de forma activa) e a cada dia o nosso “rio chamado tempo” aumenta (va) os seus afluentes, dai que sentimos a necessidade de “dispensar” ‘’os remos” e começarmos a utilizar “as mãos para a navegação”.

As nossas mãos detêm uma escrita em construção que poucas vezes surpreende pela sua fraca qualidade estética e artística, assim sendo concorrendo a nenhum espaço nos jornais (quase com poucas paginas destinadas as artes e letras).

As mesmas que logo a priori tem um sonho de resgatar do silencio total em que esta embrulhada a literatura moçambicana que “ comparada as grandes, a nossa literatura é pobre e fraca, mas é ela, não a outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem, e se não amarmos, ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as tomará do esquecimento. Descaso ou incompreensão. Ninguém além de nós, poderá dar a vida a essas tentativas muitas vezes débeis, outras vezes fortes.” [4]

E nesta perspectiva que o kuphaluxa promete acelerar substancialmente o progresso sociocultural deste País:

- Democratizar a literatura, divulgar a literatura moçambicana, criar o gosto e o habito de leitura, usar a palavra como arma de intervenção social, tornar a escrita como uma charrua e o papel em branco como os sulcos que esperam a semente (melhorada pelo musculo erudito e adubada pela transpiração).

Foi devido aos escassos meios de divulgação da literatura moçambicana seja dentro ou fora, ou mesmo da própria literatura lusófona (onde os editores, críticos, e Professores de literaturas Africanas de expressão portuguesa cingem os seus prestigiosos estudos, as suas ricas analises, ensaios e publicações a uma dúzia de nomes. Ex: Mia Couto (Moçambique), Pepetela (Angola), que de uma ou de outra forma limita os anseios de um universo de 7 países vistos como periféricos (os Africanos e os Asiáticos), todavia em Moçambique guarda(va)-se uma distancia de séculos sobre a literatura brasileira contemporânea(1990-2011) ,pois as obras que existem nas livrarias continuam as do Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, etc., e sobre a literatura Portuguesa (José Saramago e António Lobo Antunes) e Angolana( Pepetela,e Luandino Viera).

Dada a esta paragem no tempo da literatura lusófona, criamos um espaço ( o blog do kuphaluxa, uma espécie de relatório das nossas actividades, achamos pouco e mais tarde nasceu a Revista Literatas) de dialogo intercultural, de divulgação da literatura lusófona, que logo a priori deixou de pertencer ao Kuphaluxa(Moçambique) o Brasileiro Pedro Du Bois foi o primeiro a acreditar no projecto ,a Lurdes Breda( Portugal) e seguiram-se mais outros escritores experimentados nos seus países e além fronteiras ( graças ao facebook conseguimos angariar mais colaboradores) a juntarem-se a estes jovens desconhecidos vindos de “uma nação que ainda não existe” [5] e logo tornou-se num lugar de convívio, e divulgação da cultura lusófona.

Do colectivo jogo do Tsilana aos Traços das Dores e dos Sonhos Individuais

Os discípulos têm sombras no coração e a realidade da carne ameaçada do Mestre é mais forte do que o testemunho da palavra. Mas o Mestre acredita que as aparências morrem e que certas mortes são o começo da vida.”[6]

Perante este triste cenário de ser residente de ” uma nação que ainda não existe” com os seus problemas ( vive-se uma realidade exterior a nossa, onde as tempestades ocidentais apoderam-se da nossa cultura ),revestidos de um quotidiano (i)real, (in)característico, dentro deste cenário há uma voz que fala verdades ,ela que é a voz do povo , a força revisitadora , e ressuscitadora da nossa cultura dos contos orais na típica maneira de contar estorias ( karingana ua karingana)

Não será esta preocupação reflectida neste hipotético exercício de escrita criativa desenvolvida por estes jovens?

Sintetizo: escrita criativa, pois ainda não são escritores, indo na acepção do Alcir Pécora sobre a ideia da criação literária afirma:

Não parece haver nada relevante sendo escrito , essa é a mais provável razão desse poço , desse mar de coisa escrita [7]

Ainda na esteira de Pécora:

Exactamente porque não é preciso, escrever pode ser tudo menos uma actividade entre outras quaisquer. Escrever é um acto que, de saída, já deve uma explicação: ele tem de reinventar sua própria relevância , a cada vez , ou então se condenar a ser apenas uma ideia torta de novidade; o retorno do mesmo, piorado. [8]

Este kuphaluxa é um pequeno núcleo dotado de ideias progressistas, visão realista, universalista, solidariedade social, privilegiado por uma retórica da razão. Este núcleo revisita todos os projectos literários que acompanharam a história do País.

Aliás Fátima Mendonça na sua proposta de periodização da literatura moçambicana, de 1986, afirma que “nas mais jovens gerações de escritores moçambicanos encontram-se hoje ressonâncias de metáfora e da paralaxe do Craveirinha, do verso seco e angustiado do Knopfly (…) há uma herança literária a construir-se." [9]
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Notas
1 Robert Scharwz – Sobre a Formação da Literatura Brasileira in Sequencias Brasileiras pag.22-Companhia das Letras 1999
2 Eduardo Lourenço in Carta melancólica aos Leitores Jovens do nosso País pag-17,17-30 de Junho j.letras 2009
3 ibidem
4 Robert Scharwz in Sequencias Brasileiras pag 22 op.cit.
5 José Craveirinha
6 Eduardo Lourenço artigo citado
7 2006 pag pag 93-op cit por Andrea Catropa in Escassos Vasos Comunicantes –A relação entre critica e poesia Brasileira Contemporânea pag 35 in Protocolos Criticos-Itau Cultural 2008
8 2006 pag. 97
9 Sangare Okapi –Um Projecto Chamado Oasis-Da Existencia Colectiva á Afirmacao Individual:in Memorial AEMO pag-57


Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 532)


Uma Trova de Ademar

Para dar fim aos tormentos,
qual fênix a renascer;
deletei os sofrimentos...
Pus emoções no viver.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Celebra-se esta semana
o martírio de Jesus:
pela redenção humana
morreu, pregado na cruz!...
–ANTÔNIO SIÉCOLA MOREIRA /MG–

Uma Trova Potiguar


Relembrando a mocidade
te vejo a cada momento,
no feitiço da saudade
que adorna o meu pensamento.
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - CTS-Caicó/RN
Tema - PEGADA - 2º Lugar


Quando a chuva se derrama
na rua, guris sem nome,
mergulhando os pés na lama
deixam pegadas de fome.
–ADILSON MAIA/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Como a boca, a pena explica
Reservas do pensamento;
A letra da pena fica,
Palavras, leva-as o vento.
–SOARES BULCÃO/CE–

Simplesmente Poesia

Morrer no Cais
–DJALMA MOTA/RN–


Aporto minha saudade
nas águas que morrem
no cais da solidão.
Sequer ouço o meu
suspiro, abafado pelos
murmúrios das ondas
que morrem na praia.
Assim como as ondas,
murmuro os meus ais
morto de saudades,
morto de desejos...
No cais...

Estrofe do Dia

Deus! só Deus! é o grande bem,
que a humanidade abençoa.
Cura aleijados e cegos,
Deus nunca faz nada à toa;
só Jesus tem o direito
de curar a dor do peito
pelo amor de quem perdoa!
–PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Constatação
–THALMA TAVARES/SP–


Cobra-me o tempo os juros do descaso
ao qual submeti minha estrutura.
Não cogitei da idade nem do prazo
que a resistência óssea perdura.

Pulei, dancei, corri sem fazer caso
de que não sou de ferro, mas criatura
sensível ao desgaste da ossatura
que não deve deixar-se ao mero acaso.

Meu espírito é moço e ainda me pede
tarefas que hoje o corpo mal concede,
e que nem sempre são realizadas.

Ainda tenho, bem sei, talento e garra,
mas esse meu orgulho agora esbarra
na velhice das pernas entrevadas.