quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 558)


Uma Trova de Ademar  

Sedento dos teus abraços 
Num desejo que é só nosso, 
quero correr pra os teus braços, 
mas de muletas... Não posso!... 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

Floresta amiga, perdoa 
o fogo, a serra, a agressão... 
A Humanidade ainda é boa... 
- Certos homens é que não! 
–JOÃO FREIRE FILHO/RJ– 

Uma Trova Potiguar  

Todo o prazer do egoísta 
de pronto se torna morno, 
quando lhe foge da vista 
a cobiça sem retorno. 
–MANOEL DANTAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

1987 - Porto Alegre/RS 
Tema:  REGRESSO - M/E 

Caminhei pelo infinito,
vaguei por milhões de espaços...
Até lá estava escrito
o meu regresso aos teus braços!
–GISLAINE CANALLES/SC– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Alguém falou, com carinho, 
que Jesus está voltando, 
e que já vem a caminho... 
mas como está demorando! 
–RENÊ BITTENCOURT/RJ– 

Uma Poesia  

Inda guardo as batidas do pilão, 
com mamãe, de manhã, pilando arroz, 
eu mais novo, mais forte e mais disposto, 
no rojão, eu na frente, ela depois; 
nunca vou me esquecer desta contenda, 
o pilão do passado virou lenda, 
mas não sai da memória de nós dois! 
–PROF. GARCIA/RN– 

Soneto do Dia  

Soneto ao Soneto 
–REGINALDO ALBUQUERQUE/MS– 

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade... 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!

terça-feira, 22 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas), parte 12, final


45

As almas compreensivas
avançam ao perdoar.
Carregam pedras – as “vivas”,
mal saindo do lugar.

46

O perdão é coisa santa,
vista sob humilde lente:
um poder que nos encanta –
poder da alma, somente.

47

Que ofício ele adotaria?...
Andei pensando bastante...
Em tormenta ou calmaria,
o perdão – bom navegante.

48
O ser humano cansado
de ódio e de insensatez,
ao perdão faz um chamado
e se resolve de vez.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Clevane Pessoa (Juiz de Fora em Trovas)


As almas de muita gente
são como o rio profundo:
- A face tão transparente,
e quanto lodo no fundo!...
(Belmiro Braga )

Voltaste enfim e eu confesso
que já prevejo, querida,
na alegria do regresso,
novo adeus de despedida.
(Célio Grunewald)

Quanta gente gostaria
de ter a vida da gente,
sem saber que isto seria
trocar tristeza somente.
(Cezário Brandi Filho)

Há na tragédia da fome
este mistério profundo:
É Cristo quem se consome
em cada pobre do mundo.
(Clevane Pessoa de Araújo)

Na Vila Rica de então,
quis o destino imprevisto,
que um pobre artista sem mão
esculpisse as mãos de Cristo.
(Dormevilly Nóbrega)

Quando a miséria desponta,
lá no morro, a garotada,
brincando de faz-de-conta,
tudo tem, não tendo nada.
(Dulcídio de Barros M. Sobrinho)

A saudade é simplesmente,
um claro espelho encantado,
mira-se nele o presente
e ele reflete o passado.
(Geralda Armond )

Não julgues pelo semblante
a honra alheia, meu filho:
- Na lua, a face brilhante
oculta a face sem brilho.
(Hegel Pontes)

Todo sonho é dolorido,
porque nele nós supomos,
que somos (sem termos sido)
o que pensamos que somos.
(José Antonio Jacob)

Relógio, legado antigo
que minhas horas recorda...
quem lhe dará corda, amigo,
quando acabar minha corda?...
(José Carlos de Lery Guimarães )

Juntamos nossos farrapos
naquele rancho sem flor:
era a miséria dos trapos
numa fartura de amor.
(J.Guedes)

Passa por mim, não me vê...
- Talvez não me olhe jamais...
Não me conhece porque
eu a conheço demais!
(Manoel de Oliveira Costa )

No boteco do Zé Galo
tanto a sujeira se agrupa
que servem bife à cavalo
com mosquito na garupa.
(Messias da Rocha)

Na hora incerta do revés,
pensa o marido nas ruas:
- Bebo duas... volto às dez
ou bebo dez... volto às duas!
(Osvaldo Mascarenhas)

Não há criança vadia...
E as que esmolam a teus pés
são anjos que Deus envia
para saber quem tu és.
(Roberto Medeiros)

A mentira é sonho lindo
neste meu mundo encantado.
Sonhando, minto dormindo,
mentindo, sonho acordado.
(Sinval Cruz)

Seu critério nas consultas
é talvez dos mais sutis:
é cobrar contas adultas,
pelas curas infantis.
(Sylvio Machado )

Fonte:
Trovas selecionadas por Clevane Pessoa, de 1960 a 1980.

Lola Prata (DÔ (Caminho))


Luas e sóis nos encontram a bordo. Água salgada até onde o olhar divisa. Caminhamos sobre essa água. Lar azul-marinho.

Mitiko, Shira e Yoko, pequenos rebentos de meus ramos, companheirinhas de tabi (viagem). Marido de doce espírito caminhante abre as neblinas da tristeza, deitando em nós as sementes de futuro. Enxuga nossas lágrimas com mãos jovens e calosas. Na sua face nada se nota, são como lágrimas nos olhos de peixe.

O tempo malvado traz fome. Traz sede. Traz saudades das cerejeiras, da cabana coberta de palha. Dói. Doeu deixar velho pai e velha mãe.

Estrelas da madrugada mexem-se no ritmo das vagas e das marolas inquietas. Céu dançante que preenche a insônia das cento e sessenta famílias aventureiras, vindas da direção do sol-nascente.

O vento toca flauta nos mastros do Kasato Maru. O vapor responde com as baforadas fumacentas. O silêncio ardido de cada coração ouve o estranho diálogo enquanto se distrái vendo a lua em banho de mar, vaidosa, se sacudindo como espada em mão de samurai.

Desenho ideogramas na memória de meu nikki (diário) de bordo, para não deixar Mitiko, Shira e Yoko esquecerem da saga. Será como makura-no-kotobá (palavras do travesseiro). A gorda valise de nossa roupa, onde descanso a cabeça, dita cada lembrança. Assim, faço dô para dentro de mim.

Pequenos rebentos querem liberdade, mas não podem correr. Perigo. Mar agitado pode engoli-las. Todos os rebentos ficam prisioneiros, enxertados nas mãos de suas mães. Brotos tenros têm que ser cuidados...

E, infinitamente, nuvens brancas passam em brancas nuvens. Esperamos. Esperamos. Esperamos. Muita paciência. Muito incômodo. Sofrimentos. Em tudo, porém, se sobressai o sonho-esperança que ilumina a treva da preocupação.

Na manhã de mil flores, ao apito de alegria, atracaremos. Deixaremos para trás o azul. Para a frente, o verde que nos dará a sobrevivência. Na terra marrom, pisaremos com reverência. Com respeito. Com delicadeza. Quando a ferirmos, será para fecundá-la. Assim, não zangada, gerará árvores que darão flores, que darão frutos.

Chegaremos na nova terra quando ela estiver vestida de fuyú (inverno). Inverno invejoso de nátsu (verão) quente e gostoso. Sempre nátsu no Brasil de brasa, falam por aí.

Bendito o porto firme e seguro que nos receberá! Leva o nome dos iluminados cristãos: Santos.

Fonte:
Texto enviado pela autora

Amosse Mucavele (Apresentação)

Nina Rizzi

Á Nina Rizzi

Ando PENSATIVO
100 MOTIVO , dissocio-me da alma do gato de que me SIRVO
comovido pelo baile das mascarás que dançam na MESA ,onde o espirito do felino dita a sentença.
movo , o PRATO,
do lado da cozinha assisto o PARTO.
da carne que coze na OFICINA, e da panela testemunho a CHACINA dos ingredientes que jazem no pranto do PRATO do dia.
pego no garfo, afio as espadas do apetite com o semblante do meu líame (amor e angústia)
retiro-me da MESA , rodopio pela CASA, caminho em direcção a capoeira do meu lobo
e de seguida
penso ao alto no CRAVO
ACTIVO o amor nos olhos da rosa antes de ficar BRAVO
ponho o meu pensamento em pé
cavo bem ao fundo o sentimento que torna VIVO
este amor que o passáro canta ainda dentro do OVO
sento debaixo da árvore
TIRO o chulé do cansaço que cobre a alvorada do homem NOVO
ATIRO os silêncios costurados na primavera dos frutos que se embebedam no vôo do corvo
aos POUCOS à COPOS alcanço os TOPOS de um sonho erguido nos TRÓPICOS
e por fim activo, de forma radiante o meu uivo nos ouvidos do Globo:
eu não sou nada , sou apenas um sonhador.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Manuel Bandeira (Meus Primeiros Versos)


BERIMBAU

Os aguapés dos aguaçais
Nos igapós dos Japurás
Bolem, bolem, bolem.
Chama o saci: - Si si si si!
- Ui ui ui ui ui! uiva a iara
Nos aguaçais dos igapós
Dos Japurás e dos Purus.

A mameluca é uma maluca.
Saiu sozinha da maloca -
O boto bate - bite bite...
Quem ofendeu a mameluca?
- Foi o boto!
O Cussaruím bota quebrantos.
Nos aguaçais os aguapés
- Cruz, canhoto! -
Bolem... Peraus dos Japurás

De assombramentos e de
espantos!...

DEBUSSY

Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma
criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase
adormecer o balança
- Psio... -
Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.

O MENINO DOENTE

O menino dorme.

Para que o menino
Durma sossegado,
Sentada a seu lado
A mãezinha canta:
- "Dodói, vai-te embora!"
"Deixa o meu filhinho."
"Dorme... dorme... meu..."

Morta de fadiga,
Ela adormeceu.
Então, no ombro dela,
Um vulto de santa,
Na mesma cantiga,
Na mesma voz dela,
Se debruça e canta:
- "Dorme, meu amor."
"Dorme, meu benzinho..."

E o menino dorme.

NA RUA DO SABÃO

Cai cai balão
Cai cai balão
Na Rua do Sabão!
O que custou arranjar aquele
balãozinho de papel!
Quem fez foi o filho da
lavadeira.
Um que trabalha na composição
do jornal e tosse muito.
Comprou o papel de seda,
cortou-o com amor, compôs os
gomos oblongos...
Depois ajustou o morrão de pez
ao bocal de arame.

Ei-lo agora que sobe - pequena
coisa tocante na escuridão do
céu.

Levou tempo para criar fôlego.
Bambeava, tremia todo e mudava
de cor.
A molecada da Rua do Sabão
Gritava com maldade:
Cai cai balão!

¨
Subitamente, porém, entesou,
enfunou-se e arrancou das
mãos que o tenteavam.

E foi subindo...
para longe...
serenamente...
Como se o enchesse o soprinho
tísico do José.

Cai cai balão!

A molecada salteou-o com
atiradeiras
assobios
apupos
pedradas.

Cai cai balão!

Um senhor advertiu que os
balões são proibidos pelas
posturas municipais.

¨
Ele foi subindo...
muito serenamente...
para muito longe...

Não caiu na Rua do Sabão.
Caiu muito longe... Caiu no
mar - nas águas puras do
mar alto.

BALÕEZINHOS

Na feira-livre do arrabaldezinho
Um homem loquaz apregoa
balõezinhos de cor:
- "O melhor divertimento para as
crianças!"
Em redor dele há um ajuntamento
de menininhos pobres,
Fitando com olhos muito redondos
os grandes balõezinhos muito
redondos.

No entanto a feira burburinha.
Vão chegando as burguesinhas
pobres,
E as criadas das burguesinhas
ricas,
E mulheres do povo, e as
lavadeiras da redondeza.

Nas bancas de peixe,
Nas barraquinhas de cereais,
Junto às cestas de hortaliças
O tostão é regateado com
acrimônia.
Os meninos pobres não vêem as
ervilhas tenras,
Os tomatinhos vermelhos,
Nem as frutas,
Nem nada.

Sente-se bem que para eles ali
na feira os balõezinhos de cor
são a única mercadoria útil e
verdadeiramente indispensável.

O vendedor infatigável apregoa:
- "O melhor divertimento para
as crianças!"
E em torno do homem loquaz os
menininhos pobres fazem um

círculo inamovível de desejo
e espanto.

PENSÃO FAMILIAR

Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros
chatos.
O sol acaba de crestar as
boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelos!
resistem.
E as dálias, rechonchudas,
plebéias, dominicais.

Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de
“restaurant-Palace”
Encobre cuidadosamente a
mijadinha.
Sai vibrando com elegância a
patinha direita:

- É a única criatura fina na
pensãozinha burguesa.

PORQUINHO-DA-ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava.
Porque o bichinho só queria
estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos
mais limpinhos
Ele não gostava;
Queria era estar debaixo do
fogão.
Não fazia caso nenhum das
minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi
a minha primeira namorada.

Fonte:
Meus primeiros versos, - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2001 (Literatura em minha casa). Volume 4 (Cecília Meireles; Manuel Bandeira ; Roseana Murray)

Drauzio Varella (Na Traseira do Caminhão)


Quando eu tinha sete, oito anos, virou moda na minha rua chocar caminhão: pendurar-se na traseira do veículo e saltar na virada da esquina. Uma vez, choquei o caminhão de lixo e quando pulei na frente de casa, meu pai, que chegava do trabalho, estava parado no portão com cara de quem não gostou da gracinha. Recebi o mais detestável dos castigos: domingo inteiro de pijama na cama.

Cabeça-dura, repeti a façanha outras vezes, até que decidi chocar a caminhonete do seu Germano, o alemão da fábrica em frente, só para me exibir para os meninos, que morriam de medo dele. Sentei na calçada ao lado da caminhonete. Dois operários puseram umas caixas na carroceria. Seu Germano, saindo para o almoço, deu a partida. Eu pendurado atrás. Infelizmente, na esquina, em vez de diminuir a velocidade ele acelerou, e me faltou coragem para pular.

Fomos na direção do largo Santo Antônio, cada vez mais depressa, eu com os ossos batendo na lataria, morto de medo de cair. Ao chegar no largo, duas senhoras me viram naquela velocidade e gritaram para parar. Seu Germano nem ouviu. Com os braços cansados, fiz um esforço para saltar para dentro da carroceria, mas a caminhonete pulava feito cavalo bravo nos paralelepípedos da rua e eu não consegui. Tentei de novo e não deu. Mais uma vez, pior ainda. Então, fiquei apavorado. Achei que ia morrer e que meu pai ia ficar muito triste, porque ele sempre dizia: "Deus me livre, perder um de vocês".

Talvez o medo da morte tenha me dado força na quarta tentativa: esfolei a canela inteira, mas consegui passar a perna e impulsionar o corpo para dentro. Caí no meio das caixas, com o coração disparado, e chorei. Quando a caminhonete parou na porta do seu Germano, achei melhor ficar quietinho entre as caixas, até ele voltar para a fábrica depois do almoço. Também não deu certo: ele resolveu descarregar a caminhonete e me encontrou escondido. Tomou um susto tão grande que até pulou para trás:

- Menino dos infernos! Como veio parar aqui?

Expliquei que só queria chocar até a esquina, mas a velocidade tinha sido tanta... Ele ficou enfezado e disse que ia contar para o meu pai. Pedi para não fazer isso porque eu ia apanhar, mas ele não se importou, falou que era merecido até. Mostrei as pernas esfoladas, ele não se comoveu. Por fim, contei dos domingos de castigo na cama. Nesse momento, brilhou um instante de compaixão no olhar dele:

- Seu pai deixa você de pijama, deitado o domingo inteiro?

- Só quando eu desobedeço muito.

- Está louco! Teu pai é severo como o meu, na Alemanha. Entre na caminhonete que eu te levo de volta.

No caminho, ele me deu conselhos e me contou do pai. Achei que os castigos do pai dele eram muito piores. O meu nunca tinha me trancado no guarda-roupa a noite inteira. Seu Germano concordou em manter segredo, desde que eu prometesse nunca mais chocar veículo nenhum. Desde então, apesar do jeito bravo, ele ficou meu amigo. Quando me encontrava, às vezes dizia:

- Não vá esquecer: menino que cumpre a palavra merece respeito.

Fonte:
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Esopo (Fábula 18: A Porca e o Lobo)


Uma porca acabava de parir os seus porquinhos, quando um lobo veio visitá-la. No fundo, este só pensava em devorar um dos porquinhos, mas não sabia bem o que fazer. Então, perguntou à porca como estava de saúde, dizendo-lhe: "Se alguma vez te puder ser prestável, procura-me. Talvez necessites de fazer exercício e apanhar um pouco de ar puro. Se quiseres, tenho muito gosto em tomar conta da tua família." Contudo, a porca tinha percebido o plano do lobo. "Muito obrigada, Sr. lobo", disse ela, "percebo-te muito bem, e o maior favor que podes fazer aos meus porquinhos é ficares bem longe!"

Moral da história

Não há ardil tão perigoso como o que é tramado por uma pessoa que se faz passar por amiga.


Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 557)


Uma Trova de Ademar

Ao ter fé eu me propus
chegar aonde eu quiser;
pois quem tem fé em Jesus
tem quase tudo o que quer!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Voltei... Cabisbaixa eu vinha,
com o orgulho lá no chão...
Melhor do que estar sozinha
e coberta de razão!
–JEANETTE DE CNOP/PR–

Uma Trova Potiguar


Apesar das cicatrizes
no atelier dos momentos,
pintei lembranças felizes
em meus nobres sentimentos.
–HÉLIO ALEXANDRE/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Quanto mais por ti eu peno,
mais gosto eu tenho em penar.
O mundo inteiro é pequeno
para a glória de te amar!
–COLOMBINA/SP–

Uma Trova Premiada


2012 - Ribeirão Preto/SP
Tema: CIDADÃO - 4º Lugar


Sê cidadão! Pois é rara,
a virtude de quem sonha
em primeiro por na cara
os adornos da vergonha.
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Poesia


Me livrei de manhãzinha
d'uma noite mal dormida,
não vi a minha querida
coar café na cozinha,
nem o grito da galinha
rasgando a roupa do chão,
nem o gesto do meu cão
mexendo a ponta do rabo;
eita troço ruim do diabo
viver longe do sertão!
–ZÉ DE MARIANO/PE–

Soneto do Dia

Alguém me Espera.
–OLGA DIAS FERREIRA/RS–


Alguém me espera, quando chego ao lar,
e me acarinha em grande faceirice,
corre pra mim, querendo me beijar,
lembrando os tempos bons da meninice.

E vem, carícias mil solicitar,
a saltitar com toda a brejeirice,
buscando a mim para poder brincar,
ao tom singelo de tanta arteirice.

Assim se passa o tempo tão risonho,
no qual o mundo mais parece um sonho,
mostrando a vida em que feliz eu fico.

Desanuvia-se o olhar tristonho,
afasto o tempo, antes, tão enfadonho,
e brinco solta com meu cão, Eurico!

Osman Lins (Conto: Os gestos)


O conto Os gestos, de Osman Lins, pode ser classificado como uma narrativa lírica, ou seja, em uma primeira acepção ou significado substantivo dos gêneros, o conto configura-se parte da Épica, obra – poema ou não – de extensão maior, em que um narrador apresenta personagens envolvidos em situações e eventos. Em uma segunda acepção ou significado adjetivo dos gêneros, o conto configura-se parte da Lírica, que é todo poema de extensão menor, na medida em que nele não se cristalizam personagens nítidos e em que, ao contrário, uma voz central, quase sempre um "Eu", nele exprime seu próprio estado de alma.

O caráter lírico do conto é demonstrado, não somente nas sentimentais, profundas e angustiadas reflexões da personagem central, André, mas também na pouca cristalização de todas as personagens, a começar pelo próprio protagonista. Sabe-se que já é velho, e tem sua vida restrita ao quarto. Perdera sua voz, e a partir daí, passou a comunicar-se apenas pelos gestos, tentando esquecer-se do uso das palavras, e resignando-se ao silêncio. A comunicação com seus familiares dá-se de forma fria e distante. Sua mudez, e conseqüente impossibilidade de expressão, desencadeia a série de reflexões que constitui a maior parte da narrativa.

As características das demais personagens são definidas apenas com a intenção de se configurar os elementos coadjuvantes para a exposição do tema central, a interioridade de André. Sua esposa, chamada apenas por "mulher", caracterizada pela frieza e indiferença, e por uma postura pragmática, não compreende nem sente o que se passa pelo espírito do marido. Rodolfo, o amigo, representa características inversas às da esposa. Sua presença provoca efusões de contentamento em André, trazendo-lhe alívio e alegria, talvez pela vitalidade ou pela roupa clara de marinheiro que lhe sugere a liberdade das viagens. Lise, a filha mais velha, apesar dos traços alongados definidos pelos anos, possui ainda a infância em sua boca e olhos. Com o olhar pálido e frágil e um ar de mistério, é a mais bondosa da casa. Trata o pai com carinho, tentando amenizar sua angustiosa situação. Nos atos dessa filha, André encontra ternura e alento: "Lise é um anjo". Mariana, a filha mais nova, está entre menina e moça, com seu "cinto justo, queixo para cima, alteando os seios novos". Tudo para ela gira em torno de sua recém-chegada adolescência, e sua suposta beleza.

Essas personagens coadjuvantes podem ser classificadas como personagens planas: ser íntegro e simples, marcada por uma ou poucas características. Já André, apesar de sua pouca cristalização ou definição, pode ser classificado como personagem esférica: ser complexo, com vários traços característicos, e pontos profundos que podem constituir momentos de mistério e desconhecimento, que podem vir a tornarem-se grandes revelações. Por outro lado, parte dessa pouca cristalização ou definição da personalidade das personagens, constitui parte da coerência interna do conto, limitando ou convencionalizando a caracterização da personagem de acordo com a proposta do conto, no caso, a impotência do ser humano, e sua incapacidade de expressar sua interioridade.

A construção da ambientação em Os gestos, constitui também importante participação na concepção do conto. Sobretudo no parágrafo inicial, com a descrição da paisagem que a personagem vê da janela de seu quarto, imagem descrita dentro do início da primeira cena do conto, ocorrida no inicio da manhã. Unidade essa que inclusive marca o tempo da história da narrativa: uma manhã. "Do leito, o velho André via o céu nublar-se, através da janela, enquanto as folhas da mangueira brilhavam com surda refulgência, como se absorvessem a escassa luz da manhã. Havia um segredo naquela paisagem". Osman Lins denota nessa passagem o ambiente básico da vida de André na ocasião: o leito, a janela, o céu e a mangueira. E demonstra a já aguçada sensibilidade do protagonista, que percebe detalhes minuciosos daquela singela paisagem. Esse pode ser considerado o espaço real da narrativa. No decorrer do conto, há passagem em que o espaço amplia-se, mas no âmbito imaginário: aos demais cômodos da casa e ao quintal, onde "grandes panos brancos soprados pelo vento – numa fila interminável de lençóis...", e a lugares amenos, lacustres e marítimos, ligados à sua juventude.

O tempo manifesta-se no conto de forma similar ao da ambientação. O tempo da história é de uma manhã, mas as incursões do protagonista por suas reflexões, por seus fluxos de consciência, remontam a um tempo e espaço psicológicos, tornando essa manhã um período mais rico e preenchido, o que pode causar ao leitor a impressão de um tempo decorrido maior que o tempo da história, ou seja, de uma manhã.

Dentre os demais elementos utilizados usualmente para a análise de narrativas, o foco narrativo é um dos mais explorados pelo autor no conto. A narração é feita em 3ª pessoa, por um narrador onisciente seletivo, em razão do uso da exposição direta ou simultânea da análise do pensamento de uma personagem central, sem indícios da presença de um narrador (discurso indireto livre), e da larga utilização da cena. A utilização deste tipo de narrador possibilitou ao autor atingir o lirismo encontrado em toda a obra. A análise dos fluxos de consciência e dos pensamentos da personagem central permitiram a realização de uma dicção intimista, sensível e verossímil, e um grande aprofundamento psíquico na construção da personagem.

Por esse foco narrativo – narrador onisciente seletivo, em detrimento ao onisciente múltiplo seletivo –, tudo o que é transmitido ao leitor é feito através das sensações, pensamentos e sentimentos da personagem central. A caracterização das demais personagens é concebida através do olhar do protagonista, ou seja, um enfoque parcial.

O conteúdo e o enredo formam também elementos fundamentais para o conto Os gestos. Osman Lins utilizou neste a mudez – uma impotência humana frente à rudez da vida, assim como outras incapacidades humanas são utilizadas nos demais contos da obra: a impossibilidade do amor, a psicose, a morte etc. –, como elemento desencadeador de novas percepções e novos sentidos, que possibilitam à personagem vislumbrar novos sentimentos – em relação à vida e a seus parentes próximos –, novas imagens e sons, e memórias antes escondidas.

A incapacidade humana explicita-se nos momentos em que André é incapaz de exprimir-se, como na cena em que contempla a paisagem pela janela no início da manhã, ou na passagem em que rasga o papel oferecido pela filha para escrever o que tencionava dizer num momento em que gesticulava freneticamente, ou na cena em que percebe a transformação da filha de menina para adolescente. Fatos que levam André a um sentimento de indignação em relação à sua condição, ou talvez em relação à condição humana em geral – a incapacidade de expressão dos sentimentos – concluindo tristemente: "‘Isso é inexprimível’, pensou. ‘E que não é? Meus gestos de hoje talvez não sejam menos expressivos que minhas palavras de antes’". Osman Lins deixa claro que a interioridade do ser humano é quase inexprimível. Pode-se fazer algum esboço, nada mais. Isso em razão da disparidade da interioridade dos seres humanos. Seria possível essa troca de impressões somente se houvesse uma grande afinidade entre os seres, como explicitado em uma passagem de Elegíada, conto da mesma obra: "Isso eles não saberão. É íntimo demais, exige um nível de compreensão mútua demasiado grande para ser revelado. Não lhes contarei". Ou seja, não é possível expressar um sentimento interior, mas é possível falar sobre ele, trocar-se impressões, desde que seja um sentimento comum, presente em ambos os interlocutores.

Essa impossibilidade de expressão culmina em uma situação de incompreensibilidade e isolamento entre as personagens, presente em quase todo o enredo do conto. André é despertado de sua reflexão descrita no início do conto – fluxo de consciência – com a chegada de Rodolfo, pessoa por quem André tem afeição, por sentir nele uma compreensão de sua situação interior, e por sentir nele características que se afinam com as suas, como sensibilidade, gosto pela alegria e pela liberdade. Em contrapartida, os amigos são observados pela esposa, inquieta com a presença da visita, não percebendo a simpatia entre os dois, nem a alegria do marido. Com a saída de Rodolfo inicia-se o fato mais central e desencadeador do enredo: a chuva apanha Rodolfo de surpresa na rua, e André torna-se frenético, buscando alguma forma de ajudar o amigo, e toca a sineta chamando todos da casa, que ao chegarem não compreendem suas intenções. André tem uma reação colérica ante essa incompreensão dos familiares, e as três mulheres saem do quarto confusas. André volta à reflexão, e só é despertado com a chegada de Lise para servir-lhe um lanche. A atitude carinhosa da filha o faz arrepender-se de sua anterior reação colérica, e angustiar-se por não poder pedir-lhe desculpas. Mariana entra no quarto, demonstrando suas características de distância em relação ao pai, egoísmo e vaidade – "Papai agora virou menino", "abriu e fechou as gavetas, sem procurar coisa alguma, escrutando disfarçadamente o espelho com enlevo". As filhas saem do quarto, e André retorna aos fluxos de consciência e fecha os olhos. Ao abri-los, depara-se com Mariana em sua frente, de costas para a janela. André inicia a contemplação do que ele chama de um momento único: "ela cruzava um limite: quando se afastasse, os últimos gestos da infância estariam mortos".

No parágrafo final do conto, André parece querer concluir a lição que aprendera naquela manhã. Conclui explicitamente que as sensações, impressões, sentimentos, enfim, a interioridade de cada um, não é exprimível em palavras, mas talvez em gestos. Talvez os gestos transmitam mais significado que as palavras. E por isso devam ser guardados, na memória, no coração, na alma, "Fechou os olhos, para conservar durante o maior tempo possível aquela visão".

Fonte:
Paulo Antonio F. Gonçalves, Escritor e Pesquisador em Ciências Humanas, em Passeiweb

2º CIELLI da UEM/PR (Resumo de Simpósio de Estudos Linguísticos) Parte 2


2º CIELLI - Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários

O resumo havia sido publicado na UEM em parágrafo único, mas para facilitar a leitura dos leitores do blog, dividi em parágrafos.


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Vanderci de Andrade Aguilera
Catarina Vaz Rodrigues
ESTUDOS GEOSSOCIOLINGUÍSTICOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO


Os estudos dialetológicos no Brasil bem cedo despertaram a atenção de filólogos, docentes da Língua Portuguesa e até mesmo de autodidatas. Desse interesse nasceram reflexões e obras como as de Amaral (1920) e Nascentes (1923), dando o impulso inicial para que outros pesquisadores se voltassem não apenas para os fatos linguísticos do português europeu, mas para o português que se transplantou para a România Nova, seja materializado na pena do escritor, seja articulado na boca do povo. Nascentes reconhece que o Dialeto Caipira (AMARAL, 1920) foi o inspirador de O Linguajar Carioca tanto na metodologia de coleta dos dados como na estruturação da obra: ambas discutem aspectos fonéticos, lexicais e morfossintáticos das duas realidades linguísticas - a paulista e a carioca.

Nesta mesma linha teórica, e na sequência, vêm os trabalhos sobre os falares nordestinos, de Marroquim (1934) e sobre os falares mineiros e goianos, de Teixeira (1938), mostrando para a academia pelo menos uma parte do Brasil linguístico real. Essas obras dialetológicas pioneiras vão instigar pesquisadores da época para a elaboração de um atlas linguístico do Brasil. Assim é que Silva Neto (1957) e Nascentes (1958 e 1961), amparados pelo Decreto de 1952 que atribuía à Casa de Rui Barbosa a responsabilidade pela coordenação e desenvolvimento de tão ousado projeto, lançam para este fim as sementes teórico-metodológicas sob a forma de bases e guias. Se a ideia de um atlas nacional não frutificou de imediato, a proposta foi se enraizando pouco a pouco pelas Faculdades de Letras de tal modo que, em menos de 40 anos, cinco atlas afloraram sucessivamente em pontos diversos: na Bahia, em Minas Gerais, na Paraíba, em Sergipe, no Paraná enquanto outros estavam em gestação na Região Sul, no Ceará, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nos últimos anos do século passado, lança-se o projeto do Atlas Linguístico do Brasil com uma proposta mais moderna que associa os princípios teórico-metodológicos da Geolinguística aos da Sociolinguística.

Dessa grande árvore, brotaram inúmeros ramos em quase todos os 26 estados brasileiros, tais como no Pará, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Espírito Santo, entre outros. Cardoso (2002), diretora presidente do ALiB, lembra muito bem que a fusão dos princípios geolinguísticos com os sociolinguísticos nasceu de dois aspectos fundamentais:

“(i) o reconhecimento das diferenças ou das igualdades que a língua reflete e

(ii) o estabelecimento das relações entre as diversas manifestações linguísticas documentadas e circunscritas a espaços e realidades pré-fixados”.

Além desses aspectos, concordamos com Moreno Fernández (1998) quando reafirma que “as atitudes do falante influem decisivamente nos processos de variação e mudança linguística que se produzem nas comunidades de fala, pois uma atitude favorável ou positiva pode fazer

(i) uma mudança cumprir-se mais rapidamente;

(ii) que em certos contextos predomine o uso de uma língua ou de um dialeto em detrimento de outra(o);

(iii) que certas variantes linguísticas se confinem a contextos menos formais e outras predominem nos estilos cuidados.

Diante desse panorama produtivo e multifacetado e sabendo que a língua não é somente um complexo de variedades regionais, mas também uma superposição de variedades sociais que implica valores a elas atribuídos, propomos o presente Simpósio com os seguintes objetivos:

(i) congregar pesquisadores de várias IES para apresentar estudos e projetos de Geolinguística e de Sociolinguística, inclusive de crenças e atitudes sociolinguísticas, em andamento no Brasil;

(ii) descrever e discutir aspectos da variação diatópica e diastrática do português;

(iii) discutir aspectos teóricos e metodológicos relacionados aos estudos geossociolinguísticos.

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Cláudia Valéria Dona Hila
Elvira Lopes Nascimento
FERRAMENTAS DE ENSINO E PRÁTICAS EM SALA DE AULA


Na perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 2006; 2008) a atividade do professor é instrumentada. Isso quer dizer que a relação entre o docente e o seu objeto de ensino é mediada por inúmeras ferramentas, as quais:

(a) asseguram o encontro do professor com o objeto teórico a ser internalizado;

(b) contribuem para modificar os modos de pensar, agir e falar tanto dos alunos como também dos próprios professores;

(c) apresentam-se semiotizadas e

(d) conseguem promover a reflexão daqueles que delas se utilizam.

Schneuwly (2000) argumenta que as ferramentas podem ser de natureza material e discursivas. Entre as primeiras se incluem as sequências didáticas, as oficinas, os projetos temáticos e os inúmeros materiais de sala de aula que, se adequados ao planejamento do professor, funcionam como mediadores do processo de ensino-aprendizagem, tais como: os livros didáticos, os paradidáticos, os textos de divulgação cientifica, os textos literários, as obras de referência, os livros de consulta, os jornais, as revistas, os jogos, os vídeos e os próprios gêneros textuais, em diferentes mídias e linguagens. Entre as segundas, se incluem as ferramentas de natureza discursiva, como as ações e os gestos didáticos dos professores ao presentificar o objeto em sala de aula (NASCIMENTO, 2011).

Hila (2011) amplia essa discussão exemplificando outras ferramentas significativas para o movimento de internalização, tais como: as sessões reflexivas, os planos de aula, a reescrita, o estilo individual de cada professor, dentre outras. Colaborando com a discussão, Wirthner (2004;2007) compreende que as ferramentas didáticas ainda definem, em grande parte, o ensino, pela maneira como se propõem a abordar, apresentar ou recortar o objeto a ser ensinado e, nesse sentido, elas também influenciam as concepções de ensino e de linguagem daqueles que as empregam. Por isso mesmo, o uso de ferramentas em sala de aula pode ser uma fonte de aprendizagem e de desenvolvimento tanto para o professor, como para o aluno e, sendo assim, conhecer as potencialidades das inúmeras ferramentas que o docente têm a sua disposição é fundamental para o processo formativo de todos aqueles envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Dessa forma, o objetivo desse simpósio é reunir trabalhos que, diante das práticas de linguagem, nos eixos de ensino- leitura, produção e análise lingüística- evidenciem o papel das ferramentas (de quaisquer natureza) para gerar práticas significativas em sala de aula, exatamente porque auxiliam o processo de internalização e podem gerar o desenvolvimento dos alunos. As dificuldades encontradas na formação inicial e continuada de professores de Língua Portuguesa para promoverem a internalização de diferentes objetos teóricos justificam a organização deste simpósio, por propiciar reflexões tanto sobre os subsídios prático-metodológicos que dão suporte à formação, quanto ao desenvolvimento de ferramentas didáticas, considerando a sua relação e adequação ao projeto de ensino do professor, assim como quanto à busca de identificação e compreensão dos agires realizados por professores durante o planejamento, elaboração e aplicação dessas ferramentas. O conhecimento, a discussão e a aplicação de procedimentos pedagógicos atualizados é o fio condutor dos pesquisadores integrados a este simpósio.

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Sírio Possenti
Sonia Aparecida Lopes Benites
FÓRMULAS E ESTEREÓTIPOS: RELAÇÕES E CONDIÇÕES DE FUNCIONAMENTO


Textos-fórmulas, como provérbios, ditados, máximas, adivinhas, piadas e slogans são enunciados que apresentam estruturas linguísticas relativamente fixas, em geral breves, além de um determinado ritmo. Seu funcionamento se caracteriza pela repetição, que os legitima, tornando-os reconhecidos e reconhecíveis em uma comunidade de falantes. Considerando essa forma de funcionamento, Maingueneau (2006) classifica-os em:

a) fórmulas autônomas ou destacadas, independentes do contexto, com significante e significado inalteráveis, memoráveis;

b) fórmulas destacáveis, estruturas passíveis de serem destacadas de um texto e convertidas em pequenas frases que passam a circular de forma também autônoma.

De fato, algumas dessas frases são criadas exatamente para isso, como é o caso dos slogans publicitários e políticos. Embora tenham um contexto histórico bastante relevante, não possuem um contexto textual imediato imprescindível para seu “funcionamento”. Contudo, existem também aquelas que são destacadas de seus contextos textuais originais – e o são graças a essa estrutura frasal específica, somada a seu conteúdo generalizante e a um ethos solene. Nestes casos, apesar de fazerem parte de um texto, sua estrutura faz com que se sobressaiam dentre os outros enunciados e passem a ser empregadas como fórmulas.

Maingueneau (2010) falará, assim, em destacamento constitutivo, para referir-se a enunciados que nascem destacados (como os provérbios e os slogans publicitários), e em destacamento por extração, para fazer menção às citações. A aforização é exatamente o regime enunciativo implicado em um enunciado destacado por extração. Em outras palavras, o regime de enunciação aforizante torna um enunciado passível de ser destacado de seu contexto original. Por fim, lembramos os estereótipos sociais, elementos também caracterizados pela cristalização, e que podem ser vitais para o funcionamento de um texto, tanto na medida em que implicam posições ideológicas ou culturais quanto por serem cruciais para o próprio gênero em que aparecem (para muitas piadas, por exemplo).

A estereotipia, segundo Amossy (2005), “é a operação que consiste em pensar o real por meio de uma representação cultural preexistente, um esquema coletivo cristalizado” (p. 125). Situando-se em certo tipo de exterior constitutivo, ela é condição (parcial, pelo menos) de funcionamento dos textos-fórmulas, e está fortemente ligada ao humor e às verdades correntes, além de desempenhar “papel essencial no estabelecimento do ethos” (AMOSSY, 2005, p. 125).

O presente simpósio tem os seguintes objetivos: reunir estudos sobre os textos-fórmulas e estereótipos e suas eventuais relações mútuas; estudar as condições de funcionamento dos textos-fórmula (sua circulação, seus sentidos, suas eventuais adaptações), relacionando-os com as verdades correntes ou com pretensas formulações de verdades. Poderão ser tomados como objetos de análise, entre outros, os provérbios, os slogans e as piadas que operam com clichês e estereótipos.

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Vera Wannmacher Pereira
Onici Claro Flôres
LEITURA E ESCRITA: ESTUDOS PSICOLINGUÍSTICOS E INTERFACES


O Simpósio “Leitura e escrita: estudos psicolinguísticos e interfaces” propõe-se a considerar as dificuldades evidenciadas por estudantes dos diversos graus de ensino (fundamental, médio e superior) em relação à leitura (compreensão/ interpretação) e à escrita. As dificuldades dos estudantes evidenciam-se nos escores alcançados em Língua Portuguesa em provas oficiais nacionais (SAEB, ENEM, ENADE) e internacionais (PISA), manifestando-se com intensidade nos comentários dos professores, dos familiares, dos empregadores e da sociedade em geral.

Nesse quadro, a leitura e a escrita constituem-se em prioridade educacional de grau máximo, exigindo espaços e financiamentos públicos para o desenvolvimento de pesquisas e demandando condições mais favoráveis para seu ensino. Em vista disso, o presente Simpósio enfoca justamente o tema - leitura e escrita, examinando cada um dos tópicos, individualmente, e em suas inter-relações. Do ponto de vista teórico, a temática situa-se na área de estudos da Psicolinguística, segundo a qual a leitura e a escrita são consideradas como processos cognitivos, que exigem do leitor e do escritor procedimentos diferenciados, embora convergentes.

Dessa forma, este Simpósio assume a relevância dos trabalhos de interfaces da Psicolinguística – internas (Estudos do Texto e do Discurso, Pragmática) e externas (Literatura, Psicologia, Sociologia, Informática, Educação, Fonoaudiologia, Neurociências). A presente proposta de trabalho relaciona as pesquisas sobre leitura e escrita que, teoricamente, tanto podem ser abordadas em separado como em conjunto, considerando-as interativamente. É útil, então, salientar que, se existem questões não respondidas em relação à leitura, apesar do número de pesquisas feitas e de pesquisadores envolvidos, há que acrescentar que as dúvidas e dificuldades se avolumam quando se aborda a escrita. Não se escreve em um só gênero nem em um só tipo de sequência.

A ocasião social que faz emergir a necessidade social da escrita tem suas exigências e elas precisam ser atendidas, a fim de que o papel da atividade social da qual a escrita faz parte seja preenchido. Assim, mesmo adultos alfabetizados têm muitas dificuldades de leitura e de escrita, mesmo profissionais têm de se esforçar bastante para compreender um texto e escrever da forma requerida. Enquanto isso a vida social prossegue em seu ritmo e avultam e se diferenciam os gêneros discursivos (BAKTHIN, 2003) em circulação. O certo é que, a partir do momento em que se assume a tarefa de escrever um texto até o momento de dar-lhe o destino para o qual se fez necessário escrevê-lo, atravessam-se distintas fases - a de pré-escrita, a de escrita, propriamente, e, por fim, a de revisão ou pós-escrita, segundo o destaca Soares (2009). Em suma, os dois processos se relacionam, mas não se reduzem um ao outro, exigindo planejamento de atividades que possam levar a bom termo tanto leitura quanto produção escrita.

Quanto à metodologia, o Simpósio ora proposto está aberto para investigações bibliográficas e de campo, assim como para estudos teóricos e aplicados. Em vista disso são oportunos trabalhos que proponham reflexões teóricas, bem como que apresentem resultados decorrentes de aplicações, configurando-se como relatos de pesquisas. Considerando o recorte teórico, são participações pertinentes as que estejam centradas exclusivamente na Psicolinguística, as que estejam assentadas em movimentos com interfaces internas (com outras áreas da Linguística) e com interfaces externas (com outros campos de conhecimento).

Desse modo configurado, o Simpósio tem como objetivo primordial ensejar o debate entre professores e pesquisadores da linguagem sobre o tema “leitura e escrita”, buscando contribuir para o desenvolvimento da Psicolinguística, para a elucidação de problemas de pesquisa, para o levantamento de caminhos produtivos para o ensino e o aprendizado tanto da leitura quanto da escrita e para o aclaramento de suas inter-relações.

Fonte:
http://www.cielli.com.br/programacao_geral

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Wagner Marques Lopes/ MG (O PERDÃO em trovas), parte 11


41

Dique na orla do mar
contém a forte caudal:
o perdão sabe estancar
o espraiamento do mal.

42

Amor – a melhor doutrina.
O perdão – o dom perfeito.
Assim o ser elimina
a bagagem dos defeitos.

43

O perdão, em qualquer meio,
não se mostra interesseiro:
é doação sem receio –
alma entregue por inteiro.

44

Um bom convívio se alcança
se este trio vem a nós:
chegam Perdão e a Esperança...
E surge a Paz logo após.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Ricardo Azevedo (Histórias que o Povo Conta) O Gato e o Burro


CONTO ACUMULATIVO

Neste tipo de conto, o herói tem um problema e para resolvê-lo faz uma série de tentativas que vão se repetindo de forma sucessiva. Todos os elementos que entram na história são retomados, sempre na mesma ordem, até o fim. A acumulação é uma técnica de memorização muito antiga.


O GATO E O BURRO

O gato e o burro saíram para dar uma voltinha. No meio do caminho encontraram uma árvore.

- Quer valer como eu consigo trepar na árvore mais depressa que você? - perguntou o gato.

- Apostado! - respondeu o burro.

Os dois saíram correndo mas, claro, o gato venceu fácil.

O bichano ficou lá no alto miando e dando risada do burro.

O burro não gostou nem um pouco. Esperou o gato descer, deu uma mordida e arrancou seu rabo fora.

- Me dá meu rabo! - gritou o gato.

- Não dou!

- Me dá meu rabo!

- Só dou se você me arrumar um copo de leite quente.

O burro e o gato foram conversar com a vaca. O gato pediu:

- Vaca, me arranja um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a vaca:

- Só se você me arrumar capim.

O burro e o gato foram conversar com o barranco. O gato pediu:

- Barranco, me arranja um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o barranco:

- Só se você me arrumar água.

O burro e o gato foram conversar com a represa. O gato pediu:

- Represa, me arranja água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E a represa:

- Só se você me arrumar uma enxada para tapar meus buracos.

O burro e o gato foram conversar com o ferreiro. O gato pediu:

- Ferreiro, me arranja uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o ferreiro:

- Só se você me arrumar um par de sapatos, que eu ando descalço.

O burro e o gato foram conversar com o sapateiro. O gato pediu:

- Sapateiro, me arranja um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o sapateiro:

- Só se você me arrumar um saco de pão, que eu estou com fome.

O burro e o gato foram conversar com o padeiro. O gato pediu:

- Padeiro, me arranja um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

E o padeiro:

- Só se você me arrumar trigo.

O burro e o gato foram conversar com um trabalhador que plantava trigo no campo. O gato pediu:

- Trabalhador, me arranja um pouco de trigo para eu dar para o padeiro para ele me dar um saco de pão para eu dar para o sapateiro para ele me dar um par de sapatos para eu dar para o ferreiro para ele me dar uma enxada para eu dar para a represa para ela me dar água para eu dar para o barranco para ele me dar um pouco de capim para eu dar para a vaca para ela me dar um copo de leite quente para eu dar para o burro, que não quer devolver meu rabo?

O trabalhador estava ocupado e não gostou de tanta falação:

- Burro não toma copo de leite quente!

Depois pegou um pedaço de pau e saiu correndo atrás do burro e do gato dando cada pancada que até ardia de tão doída.

Fonte:
Azevedo, Ricardo. Histórias que o povo conta : textos de tradição popular. São Paulo : Ática, 2002. - (Coleção literatura em minha casa ; v.5)

Nilto Maciel (Teoria do Amor Socrático)

O professor Mendes não sabia com precisão quando ti­vera a idéia de escrever seu inconcluso livro. E não se arrisca­va sequer a falar do ano.

— Mais ou menos — instavam seus amigos.

— Pode ter sido em 64, muito antes, ou muito depois; não sei.

Bem, se não se lembrava do tempo da fecundação, disses­se então por que decidira criar a obra — exigiam os outros. Por querer celebrizar-se? Por admiração ao filósofo? Por pu­ro diletantismo?

Mendes ou não levava a sério as preocupações dos cole­gas, ou também vivia em dúvida:

— Se não me engano, nasci para escrever este livro — e abanava um bloco de folhas escritas a mão, como se desse ba­nanas ao mundo inteiro.

As tais folhas andavam sempre entre as páginas de um livro impresso e este debaixo do braço, o que as fazia suadas, amassadas e emporcalhadas. Dias e dias com o mesmo livro, embora já o tivesse lido e relido.

— Ainda com a República? — ignorava alguém.

E Mendes aproveitava a observação para mostrar suas “anotações filosóficas” ao curioso. Alguns bons minutos de leitura, quer o outro tivesse pressa, quer pudesse perder tempo.

As pessoas queixavam-se constantemente da impertinên­cia de Mendes.

— Ele enche o saco com essas suas anotações — lastimava-se uma.

— O pior é que não escolhe suas vítimas. Podia chatear apenas seus colegas de Filosofia — opinava outra.

Para Mendes, todo ouvinte era um ouvinte, bastava ter ouvidos. Com certeza, iria entender tudo e gostar do texto.

Apesar de ninguém saber exatamente quando a primeira idéia germinara naquele crânio incompreendido, o certo é que o livro há anos vinha sendo escrito. Ou anotado, como o pró­prio Mendes dizia.

Um de seus amigos pilheriava: primeiro conhecera o li­vro, depois o autor. Até aí nada de engraçado, porque geral­mente o leitor não conhece o escritor.

— Ocorre que não fui leitor, mas simplesmente ouvidor. O leitor foi ele, o Mendes — contava o piadista. — Primeiro leu para mim umas anotações filosóficas e só depois se apre­sentou: — “Sou Pereira Mendes, filósofo”.— “Prazer em co­nhecê-lo”.

Os ouvintes da pilhéria se enchiam de curiosidade: quan­do havia ocorrido o fatídico primeiro encontro dos dois?

— No primeiro dia de aula do primeiro ano de minha car­reira de professor.

— Então já faz algum tempo! — admiravam-se todos.

— Se não ocorrer nenhum incidente na minha vida, deve­rei me aposentar daqui a dez anos.

Ao tempo do fato, Mendes devia ser ainda estudante, tal­vez calouro de faculdade.

Estranhavam ainda seus ex-mestres, colegas, amigos, alu­nos, todos quantos o ouviam diariamente, o não se apresentar ele como Apolodoro. Assinava-se A. Pereira Men­des, quer nos artigos que escrevia para a revista da escola, quer em documentos e papéis da vida civil.

— Não quero que digam: dedicou-se à filosofia só porque tem nome de filósofo.

Do nome do filho passavam à pessoa do pai. Com toda a certeza, o falecido José Mendes adorava filosofia.

– De jeito nenhum — replicava o professor. — Aliás, ele mal sabia ler. Não ia além dos jornais mais vagabundos.

E completava a informação: a lenda falava de um vizinho do pai, um sujeito metido a intelectual, como autor da idéia do nome.

De qualquer forma, aquele nome o levara a se interessar por filosofia. Primeiro procurou saber quem diabo tinha sido o tal Apolodoro.

— Para vocês terem uma idéia de como meu pai era um idiota, escutem só esta: ele me disse que Apolodoro era um influente político do tempo de Getúlio, um ex-tenente revo­lucionário, ou coisa assim.

E durante muito tempo o menino acreditou na história política de seu nome. Só descobriu a verdade quando chegou ao ginásio, às aulas de latim. Falavam de Apolo, e para Apolodoro foi um pulo.

Mendes nunca se mostrou um menino prodígio, desses que lêem Homero aos sete anos de idade. Pelo contrário, só lia o estritamente exigido pelos professores: sonetos da Esco­la Mineira, capítulos do Iracema, trechos de Rui.

Só às portas do vestibular conseguiu ler dez páginas so­bre o pensamento grego, onde o jornalista falava de Sócrates, Platão e Aristóteles, além de meia dúzia de nomes de boa pro­núncia.

— Havia Apolodoro?

— Nesse tempo eu era doido por Fátima e passava dias e noites a imaginar encontros aventurosos, palavras amorosas e beijos sulfurosos.

No entanto, a vida também passava. Mendes ingressou na faculdade, meteu-se no movimento estudantil, leu centenas de jornalecos, distribuiu panfletos incendiários e quase pe­gou em armas. Quando parou para de novo sonhar amores, Fátima havia casado com um comerciante de São Paulo e sumido para sempre.

Mendes queria ser jornalista. Se não fosse possível, advo­gado. Não havia vaga, porém, nem para uma nem para outra. Restava um lugarzinho na Filosofia.

— Do assunto eu só conhecia mesmo o amor platônico.

— Donzelo até essa idade? — brincavam os amigos.

Não, ele até poderia ser considerado um estróina prema­turo. Freqüentava cabarés desde os treze anos, na compa­nhia de um primo. Chegavam a gazear aulas, para ir atrás das mulheres, em pleno dia.

— Ainda me lembro da primeira vez. A mulher riu, mas eu me fiz forte, como se fosse experimentado garanhão.

Esse relacionamento com as raparigas se estendeu ao lon­go da vida de Mendes, a tal ponto de nunca querer se casar. Morou com os pais até a mãe morrer. A seguir, o velho também deu adeus à vida. Os irmãos e as irmãs então já tinham constituído suas famílias, cheios de filhos.

— Eu só casaria com aquela que eu amasse muito, e eu nunca encontrei este amor — confessava.

Não admitia as chamadas repúblicas de rapazes. Coisa de homossexuais enrustidos, defendia-se. Preferia viver só. Ha­bitavam sua casa, porém, livros, discos e quadros. A bibliote­ca tomava conta de quase tudo, da sala ao quarto. Pura ma­nia de colecionador, porque nos últimos tempos mal conse­guia ler uma página por semana.

— Primeiro preciso ler tudo sobre Sócrates.

Sua escrivaninha vivia abarrotada daquilo que conside­rava essencial ao seu interesse: histórias da Grécia antiga, di­cionários de filosofia e grego, obras filosóficas, especialmen­te o Banquete, Fédon, Memórias de Sócrates, Apologia de Sócrates e outras relacionadas ao mestre de Platão. No entanto nem só de filosofia vivia Mendes. As mulheres ocupavam lugar es­pecial em sua mente. Como Maria Helena.

Tratava-se de uma secretária epicurista, que conhecera num bar. Em suas conversas, no entanto, nenhuma filosofia tinha vez. Falavam de si mesmos, generalidades, palavras à toa. Primícias de cópulas sonhadas.

— O amor não precisa de filosofia — justificava-se.

Apesar disso, não abandonava nunca as folhas soltas de seu projeto de livro sempre espremidas entre as páginas de um filósofo qualquer, grego ou troiano. E, aqui e ali, relia para os amigos suas obscuras anotações, repletas de acrologias, agnosias e alegorias.

— Eu precisava saber mais sobre Xantipa, que tipo de amor havia entre ela e Sócrates — comunicava aos amigos, em meio à leitura.

Na faculdade, nem o mais humilde funcionário desconhe­cia o livro de Mendes. O livro e suas lacunas.

— Não descobriu nada ainda sobre o amor de Xantipa? — indagava o porteiro.

— Não.

— Nem vai descobrir — atrevia-se o outro. — O amor é o mesmo em qualquer época e em todo lugar – ensinava.

Professor e porteiro se perdiam então em longas digres­sões pelos caminhos do conhecimento. Cuidavam, formava-se verdadeira assembléia ao seu redor, composta de funcioná­rios, alunos e professores. Muitas vezes chamaram a polícia, a fim de dispersá-los. Do contrário, ninguém trabalhava nem es­tudava — garantia o diretor.

Além da filosofia ou, mais especificamente, de Sócrates, se deixava seduzir por outras manias o celibatário Mendes. Assim, adorava também música e pintura. Em todas as pare­des de seu pequeno apartamento havia quadros e mais quadros. A maioria reproduções de pinturas famosas, como A Banhista, As três graças e Mona Lisa.

— Para mim não existe mulher mais bela em toda a pintu­ra universal.

— Você sabe que é um auto-retrato? — provocava-o um colega.

– Se for, não deixará de ser mulher, para mim.

Chegou a confessar que a personagem de da Vinci só per­dia em beleza para um retrato de sua mãe quando jovem. No entanto nem só por figuras pictóricas apaixonavam-se os olhos filosofais de Mendes. Assim, além da pretérita Fátima, da epicurista Maria Helena, de tantas e tantas mulheres, morava também em seus sonhos Rosana, tida por alunos e profes­sores como a ninfa da escola.

— Pena que ele tenha chegado tarde — debochava a garota.

E isto — apaixonar-se por moças bonitas — constituía-se uma quarta ou quinta mania nele.

— Quem sabe, Mendes, ela muda de idéia — confortava-o um amigo.

— Não se preocupe comigo — resignava-se. — Afinal, as mulheres são efêmeras.

E Sócrates voltava à baila, e também a cicuta, os sico­fantas, Xantipa, Platão, Apolodoro, ele mesmo, suas famosas “anotações” para o sempre inconcluso O amor socrático.

— Mas o que vem a ser mesmo esse amor socrático? —impacientou-se, um dia, seu melhor amigo.

— Se eu soubesse, já teria concluído o livro — aborreceu-se Apolodoro.

E o aborrecimento virou ira, o sentimento pelo melhor amigo desfez-se e as “anotações filosóficas” para o livro ter­minaram reduzidas a mil pedaços de papel, que voaram, por todo o resto do dia, pelo pátio da Filosofia.

Fonte:
Nilto Maciel. Contos Reunidos. vol. II. Porto Alegre, RS: Bestiário, 2010.

Marcelo Coelho (Elefantes)


Meu primeiro dia na escola foi bem ruim. Hoje em dia as crianças não sabem direito como é o primeiro dia em que a gente entra na escola. Elas começam muito pequenas, com três anos estão no maternal. Comigo foi diferente. Eu já era meio grande. Tinha seis anos.

Imagine. Seis anos. Quer dizer que, desde que eu nasci, até ter seis anos, eu ficava em casa. Sem fazer nada. Brincava um pouco. Mas meus irmãos eram muito mais velhos, e criei o costume de brincar sozinho. Era meio chato.

Até que chegou o dia de entrar na escola. Minha mãe foi logo avisando.

- Olha, Marcelo. Lá na escola, não pode ficar falando palavra feia. Bunda, cocô, xixi. Não usa essas palavras.

Tocaram a buzina. Era o ônibus da escola.

Eu estava de uniforme. Calça curta azul, camisa branca.

Eu tinha uma camisa branca que me dava sorte. Era uma com uma pintinha no colarinho. Gostava daquela pintinha preta. Mas no primeiro dia de aula justo essa camisa tinha ido lavar. Fui com outra. Que não dava sorte.

Bom, daí a aula começou, teve o recreio, eu não conhecia ninguém, tirei um sanduíche da lancheira, o lanche sempre ficava com um gosto de plástico por causa da lancheira mas eu não sabia disso ainda, porque era a primeira vez que eu usava lancheira, então tocou o sinal e fui de novo para a classe.

Até que deu certo no começo. A professora explicou alguma coisa sobre os elefantes. Falou que eles tinham dentes grandes, e que esses dentes eram muito valiosos.

Então ela perguntou:

- Alguém sabe qual o nome dos dentes do elefante?

Ou melhor, ela falou assim:

- Alguém sabe para que servem os dentes do elefante?

Vai ver que ela queria perguntar: "Qual o material precioso que é tirado das presas do elefante?".

O fato é que eu sabia a resposta, e gritei:

- O marfim!

A professora me olhou muito contente. Os meus colegas também me olharam, mas não pareciam tão contentes.

Ela brincou:

- Puxa, você está afiado, hein?

Eu não respondi, mas fiquei inchado de alegria, como se fosse um elefantezinho. Dentes afiados.

Tinha sido um bom começo.

Mas aí vieram os problemas.

Fui ficando com a maior vontade de fazer xixi.

Segurei.

A professora continuava a falar sobre os elefantes.

Assunto mais louco para um primeiro dia de aula.

E a vontade de fazer xixi ia aumentando.

Cruzar as pernas não adianta nessa hora.

Olhei para um coleguinha no banco da frente. Tive inveja dele. Ele estava ali, tranqüilo. Sem nenhum aperto. Como é que seria estar no lugar dele? Pedir para ser ele, pedir emprestado o corpo dele por algum tempo? Como alguém pode ficar sem vontade de fazer xixi? Sem nem pensar no problema?

Eu estava ficando meio desesperado. Eu era meio tímido também. Levantei a mão. A professora perguntou o que eu queria.

- Posso ir no banheiro?

- Espere um pouco, tá?

Ela devia estar achando muito importante aquela história toda sobre elefantes. Começou a explicar como os elefantes bebiam água. Eles enchiam a tromba, seguravam bem, e daí chuáá...

Levantei a mão de novo.

- Preciso ir no banheiro, professora...

Ela nem respondeu. Fez só um gesto com a mão. Para eu esperar mais.

Na certa, ela estava pensando que, no primeiro dia de aula, é importante não facilitar. Não dar moleza. Devia imaginar que todo mundo inventa que quer ir ao banheiro só para passear um pouco e não ficar ali assistindo aula.

Professora mais chata.

Levantei a mão pela terceira vez.

Eu realmente não agüentava mais.

Só que a professora nem precisou responder.

Tinha tocado o sinal. Fim da aula.

Era só correr até o banheiro.

Levantei da carteira. A gente era obrigado a sair em fila.

Faltava pouco.

Claro que não deu.

Fiz o maior xixi. Dentro da classe.

Logo eu, que nunca fui de fazer grandes xixis. Mas aquele foi fenomenal. Parecia um elefante. Coisa de fazer barulho no chão. Chuáá...

A professora chegou perto de mim.

- Você estava apertado? Por que não me avisou?

Eu não soube o que responder. Mas entendi algumas coisas.

A coisa mais óbvia é que, quando você tem vontade de fazer xixi, vai e faz. Coisa mais chata é ficar pedindo para alguém deixar a gente ir ao banheiro. Banheiro é assunto meu.

Outra coisa é que as pessoas, em geral, não ligam para o que a gente está sentindo. Para mim a vontade de fazer xixi era a coisa mais importante do mundo. Para a professora, a coisa mais importante do mundo era ficar falando de elefantes.

É como se cada pessoa tivesse um filme dentro da cabeça. E só prestasse atenção nesse filme. Filme dos elefantes, filme do xixi.

Mais uma coisa. Quando a gente precisa muito, a gente tem de gritar para valer. Eu devia ter gritado:

- Professora, tenho de fazer xixi.

Ou, se quisesse evitar a palavra feia:

- Professora, tenho absoluta urgência de urinar.

Não seria bonito, mas até que seria certo dizer:

- Vou dar uma mijada, pô.

Mas o pior é ficar levantando a mão e dizendo baixinho:

- Professora, posso ir no banheiro?

Vai ver que eu estava falando tão baixo que ela nem escutou.

As pessoas nunca escutam muito bem o que a gente diz.

Uma última coisa.

Aquele xixi não teve importância nenhuma. Eu fiquei envergonhado. Ainda mais no primeiro dia de aula. Só que, alguns dias depois, o vexame tinha passado. Tudo ficou normal. Tive amigos e inimigos na classe, fiz lição, respondi chamada, e nem a professora, nem meus amigos, nem meus inimigos, ninguém se lembrou do meu xixi.

Sabe por quê? É porque já estava passando outro filme na cabeça deles. Cada pessoa tem outras coisas em que pensar: a briga que os pais estão tendo, o irmão mais velho que é chato, o presente que vai ganhar de aniversário...

Só eu liguei de verdade para o caso do xixi. As outras pessoas estão sempre tratando de assuntos mais sérios. Elefantes, por exemplo.

Fonte: 
Era uma vez um conto. São Paulo : Companhia das Letrinhas, 2002.
Moacyr Scliar; José Paulo Paes; Milton Hatoum; Marcelo Coelho; Drauzio Varella

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 556)


Ademar e Clevane Pessoa (MG)
Uma Trova de Ademar 

Demonstra muita coragem 
esse sertanejo irmão, 
que, mesmo com a estiagem, 
não deixa nunca o sertão! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

A vida, pregando peça, 
mostra quem é mesmo amigo, 
quando a lida recomeça, 
e ninguém segue contigo. 
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Orgulho é doença triste 
que nos condena a estar sós, 
sem nos deixar ver que existe 
um ser maior do que nós. 
–WELLINGTON FREITAS/RN– 

Uma Trova Premiada  

2012 - Bandeirantes/PR 
Tema:  TRAVESSIA - Venc. 

Enfrento sem medo a lida, 
porque Deus é minha luz. 
Na travessia da vida 
o Seu Amor me conduz. 
–AGOSTINHO RODRIGUES/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

O meu vício é controverso,
tem dependência e vicia.
Sou dependente do verso,
rima, métrica e poesia!
–FRANCISCO MACEDO/RN– 

Uma Poesia  

Sou um fã de Antônio Conselheiro,
O primeiro comunista do Brasil,
Admiro Marinês, Gonzaga, Gil
E o suingue de Jackson do Pandeiro.
Sei da vida de Pinto do Monteiro,
O maior cantador desta Nação,
Mestre Zinho, Jacinto e Azulão
São os nomes da música de raiz.
Eu nasci no Nordeste e sou feliz
Por contar as histórias do sertão.
–WELLINGTON VICENTE/PE– 

Soneto do Dia  

Dupla Estiagem 
–DEDÉ MONTEIRO/PB– 

Quando Deus manda, lá por seus motivos,
dois anos secos para os sertanejos,
se os mesmos anos são consecutivos,
tombam por terra todos os desejos.

Pelas estradas, tristes, pensativos,
vão-se arrastando, como caranguejos,
milhares desses pobres semivivos,
deixando a vida sobre seus rastejos.

A nossa terra, que com chuva é rica,
faltando a mesma, desprezada fica,
tombando a seca sobre os ombros nus.

O sol resseca todas as alfombras
e os bichos brutos vão procurar sombras
nas sombras magras dos mandacarus.

Esopo (Fábula 17: A Raposa e o Crocodilo)

Uma raposa e um crocodilo estavam a discutir a pureza das suas árvores genealógicas. O crocodilo falou demoradamente acerca da sua famosa família e da grandeza dos seus antepassados.

"Não precisas de dizer mais nada", disse-lhe a raposa, sorrindo sarcasticamente, "porque não há melhor prova da tua origem que a tua pele. És tão feio, que não há dúvida de que descendes duma longa linhagem de aristocratas."

Moral da história

Os grandes gabolas e mentirosos acabam quase sempre por se trair.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.