sábado, 2 de junho de 2012

Casimiro de Abreu (Carolina) VI – Perdão!


Augusto fugiu espavorido daquela casa onde deixava um cadáver; o cadáver de Fernando, punido pela cólera do Senhor!...

E ele conviveu com esse homem durante tantos anos e chamava-lhe seu amigo!...

E a mulher que ele amara pediu-lhe perdão, confessando o seu erro e o seu arrependimento!...

Ela ainda o amava...talvez! e com esta lembrança ele sentia reviver todo o amor que lhe jurara nos seus dias felizes. Cem vezes quis voltar para trás e levar nos seus braços Carolina desfalecida, que ele reanimaria com o seu hálito abrasador, mas a cabeça andava-lhe à roda, as casas pareciam cair e as pernas tremiam-lhe. Uma febre ardente devorava-lhe o cérebro.

Uma hora depois, dois médicos contemplavam-no estendido sobre a cama. 

Erguia meio corpo, apoiava-se com os cotovelos, e espraiando os olhos desvairados, perguntava com uma voz terrível: “Onde está Carolina?” 

Depois...seus punhos cerravam-se, seus dentes rangiam e murmurando: Fernando! Fernando! caía de novo sobre o travesseiro.  Era o delírio.

À claridade das velas, aquele rosto pálido, que se debatia na cama, parecia o dum espectro agitando-se sobre um túmulo. 

À meia noite cessou-lhe a febre e um sono tranqüilo e longo o conservou deitado até às 10 da manhã. 

Apenas acordou, contra a ordem expressa dos médicos, vestiu-se e saiu. 

Quem o visse na rua diria ser um fantasma. Estava desfigurado como um cadáver; só seus olhos tinham um brilho imenso. 

Dirigia-se apressado para a casa onde se desenrolara a seus olhos o drama da véspera: queria ver Carolina. 

— Quero falar à menina Carolina, disse ele à dona da casa, apenas entrou. 

— O senhor certamente enganou-se com a casa, aqui não há nenhuma Carolina. 

— Pois ela não estava aqui ontem?

— Carolina!...não senhor.

— Se eu estava aqui quando ela desmaiou ontem à tarde!

— Ah! é verdade, mas ela chama-se Amélia. 

— Mudou de nome! disse consigo o mancebo, tinha vergonha que a conhecessem! Depois dirigindo-se à mulher: Não lhe podia falar agora? 

— Ela já cá não está. Saiu ontem mesmo quase à noite, deixando-me uma carta para entregá-la a uma pessoa que a devia vir aqui procurar ontem ou hoje. Talvez seja o senhor. Queira ter a bondade de me dizer o seu nome? 

— Augusto ***.

— Justamente. Vou já buscá-la. 

— Esperava que eu viesse ontem ou hoje e não quis que eu a visse! murmurou ele apenas a mulher saíra da sala.  Compreendo-te, Carolina; tu ainda me amas e receavas que eu te repelisse agora que estás manchada, quando te havia deixado pura. Não, não! não te repilo, porque o meu coração bate da mesma maneira que batia há quatro anos; porque para mim sempre serás a mesma Carolina virgem, inocente, que eu respeitei como irmã; porque terias de mim o perdão voluntário dessas faltas que o mundo te fez cometer. Oh! para que me separei de ti? para que fiz aquela viagem?...

E abafou com o lenço as lágrimas que lhe saltaram dos olhos. 

— Aqui está a carta, disse a mulher entrando. 

Augusto recebeu-a e desceu precipitadamente as escadas. Queria lê-la em casa, porque aí ninguém viria perturbar-lhe a sua dor. 

Meia hora depois, sentado a uma mesa, lia ele a carta de Carolina. 

“ Augusto:

“Perdão! perdão! é de joelhos que to imploro. Não me amaldiçoes; por piedade, ouve-me primeiro. Bem sei que te rasguei o coração, porque tu me amavas deveras, mas já tenho expiado de sobra o mal que te fiz. Para que me deixastes tu, para fazer aquela viagem? Antes não fosses. Chorava todas as tardes debaixo do caramanchão, por ti; chorei três meses. Um dia vi Fernando. Um dia... Perdão! perdão! foi fraqueza; manchei o corpo, mas a alma ficou pura. Não amava senão a ti. Desde esse dia a tua imagem perseguiu-me sempre. Tremia diante da minha família, tremia diante de Deus, tremia diante de tudo! Era culpada! Uma noite, enfim, seduzida por aquele homem, que prometera desposar-me, reparando a falta, deixei a casa onde nascera para nunca mais voltar. Passei essa última tarde com minha mãe, que eu abracei e beijei mil vezes. Minha pobre mãe! que nunca mais te hás-de sorrir para mim! Meu pobre pai, que nunca mais me chamarás a tua Carolina! 
“Oh! Augusto! Augusto! eu tenho sofrido muito.
“Depois, meu filho foi-me arrancado dos braços, e quando pedi a Fernando os meus dias felizes, a minha honra, as carícias de minha mãe e os afagos de meu pai... ele respondeu-me com uma gargalhada e abandonou-me.
“Para onde havia de ir? Para casa de meus pais? Eles fechariam a porta à filha indigna que lhes manchara o nome. Não tinha coragem bastante para suicidar-me...arrojei-me no abismo!...
Mas todas as noites pedia a Deus nas minhas orações, que te pudesse ver ainda uma vez antes de morrer, a ti, o único que tenho amado. Deus ouviu-me, Deus puniu Fernando. 
“Adeus! parto para longe de ti; nunca mais me verás. Não, nunca mais, porque é impossível que o coração de um homem possa amar a mulher que o traiu. Mas ao menos lembra-te que Cristo perdoou a seus algozes, perdoa-me também. Oh! sim, Augusto, perdão! perdão para
CAROLINA.”

Sim, sim, perdôo-te, exclamou o mancebo deixando cair a carta das mãos: perdôo-te, porque sinto renascer todo o amor que eu julgava extinto. Carolina! Carolina! bradou ele, erguendo-se, vem a meus braços, vem, que eu te dou todo o amor que encerra o coração de um homem. 

Meu Deus! meu Deus! dai-me a minha Carolina, que eu nunca amei outra mulher no mundo...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Eleonora Cajahyba /BA (Antologia Poética)


ODE À POESIA

 Cantei o poeta e os mais altos louvores
 Do criador de mundos ignorados,
 Que flutua em hipóteses de amores,
 Dos mais distantes mares vislumbrados.

 Não cantei da Poesia seus fulgores
 De rainha dos nobres cadenciados
 Versos de gama e gema multicores,
 Dos gregos aos romanos, decantados...

 Peço perdão, com a mente genuflexa,
 Pelo tempo perdido e indiferente
 A tão augusta musa sem rival.

 Safo quedou-se pasma, mas perplexa
 Ante tua grandeza resplandescente...
 Dos séculos serás Deusa imortal!

ESTELIONATO LITERÁRIO

 De tudo existe neste velho mundo,
 Até quem faça crônica qualquer
 Sem ter um pensamento ou idéia sequer:
 Furta o mérito alheio – o mais fecundo.

 Estelionato, crime assaz oriundo
 De todo mau caráter, faz mister
 O Escrutor denunciá-lo, e assim, requer
 A Lei contra esse engodo vil e imundo.

 Mas pula esse insensato carreirista
 No talento do mais bondoso artista,
 Posando de notável escritor...

 Assim, tem grande fama de letrista,
 Até que um dia o cínico golpista 
 É descoberto... e o santo cai do andor.

BALADA DO ONTEM E DO HOJE

 Eu já cantei o amor e o afável vento,
 A tristeza, a saudade e a comoção;
 A dor, a fria morte e o sentimento
 Desfolhei rosas rubras da paixão...

 Joguei-as lá no caos do esquecimento
 E colhi-as no enlevo da oração;
 Mas chega tão pungente o desalento
 E dói na alma e tritura o coração.

 Se acaba do passado tal tristeza
 Brilha o sol e sorri a natureza
 Chovem dourados pingos pelo chão.

 Eis a dança de dois, após a luta
 Do hoje sobre o ontem; tudo assim exulta
 A inigualável paz do coração!

A PORTA

Ao poeta Clóvis Lima

 A porta é aberta no fruir da vida.
 Porém, fechando ao mundo, vem a paz.
 E, à solitude do meu leito, traz
 Com a noite, um doce abrigo, após a lida.

 Porto seguro, firme e assim sentida
 É refúgio, se a calma satisfaz;
 Às vezes, a alma chora... chora... mas
 Chorando, é quando grita a dor sofrida.

 Na clausura, é cerrada a liberdade;
 Se abre aos amantes, gozo e amenidade,
 Se a porta bate à cara, ò dor cruel!

 Ao rico empobrecido, só saudade...
 Pois fecha a porta ao pobre com maldade.
 Nada se iguala à porta, a do amigo fiel.

O TOLO

"Les sots, depuis Adan, sont en majorité."
Delavigne

 O tolo sempre quer glória e poder
 Sem atentar no absurdo que ele sonha;
 E, por mais alto que o desejo ponha,
 Mais cresce o seu desejo de querer.

 Não vê nada sombrio... só quer ver
 A vida pela face mais risonha,
 E nem pensa que existe o desprazer,
 Que isto ser-lhe-ia a máxima vergonha.

 Esta não é uma visão sofista,
 Ao contrário, revela uma realista
 Quer, deste jeito, louva a grande sorte...

 Mas, ai do tolo! Em sua pobre vida,
 Não receia da morte a despedida
 Porque ignora, sequer, que exista a morte.

O DESERTO E A LOUCURA

 A Carvalho Filho

 Antes a poética loucura
 do que a sanidade dos medíocres.
 No seu deserto há lua cheia,
 na sua loucura há preamar.

 O seu deserto é povoado de idéias,
 de imagens belas e profundas.
 A sua loucura é a lucidez dos puros
 que vêem paisagens infinitas.

 É o conflito dos extremos
 na busca da unidade.
 É o ser finito buscando
 a infinita coerência do existir.

ENGANO E VAIDADE

A Treu

Ambos erramos. Eu, quando o deixei,
Mas sentindo a constância da saudade.
Tu, quando fiquei só e, por vaidade,
Não me perdoaste, e, livre, retomei.

Tentei debalde; nunca mais amei...
Tomei-me pária, errante, na orfandade,
Buscando uma suposta afinidade.
Ó leda fantasia que sonhei!...

Vivendo assim, cansados de sofrer:
Distantes – penso em ti e tu, em mim.
Como é triste o refúgio sem nos ver...

Este é o látego amargo de perder
O verdadeiro amor, esse festim
De dois, unidos para florescer.

TUDO E NADA

Já cantei Tudo o que senti e vislumbrei:
Mulher, homem, céu, terra, fogo e o vasto mar;
E os sentimentos – dor, saudade do luar,
O amor, a nostalgia e o mundo que sonhei.

A esperança, a bondade e as rosas que plantei
No meu jardim querido, onde fico a cismar...
Penso que esqueço e sei que estou a recordar...
E o pensamento vai e volta, se o busquei.

A vida é o sonho do nosso bem ou do mal;
Essa felicidade eterna é uma ilusão
Que acalenta o inocente em pleno vendaval.

Maior dádiva é amar a vida doce e sã.
O Tudo e o Nada em nossa mente estão!
O Hoje é o Ontem, lembrado e o Porvir do amanhã.

A CASA DA COLINA

Reflete o Rio Preto a casa da colina,
Branquinha com varanda em redor e o jardim
Com rosa perfumada e orquídeas e jasmim,
Lembrando a minha infância airosa de menina.

A baixo, corre a negra água, tal serpentina,
Fecundando o sopé do morro até o fim...
Do alto, avista-se o céu, alua e tudo assim;
E à tarde o adeus do sol à estrela vespertina.

Do meu jardim de inverno, olho sempre a paisagem
Que me fez recordar os meus amados Pais
Que a contemplavam como a esplêndida miragem.

Eles partiram... Mas ela nada mudou...
Ronda-a freqüente o triste eco dos nossos ais:
Esta saudade eterna – e o vento não levou...

A MATURIDADE

É a fase da razão e do senso maduro.
Planeja-se o amanhã e o bem que delibera
Com tal filosofia... eis o fIm da quimera,
E da esperança que só vislumbra o futuro.

O sentido se aguça e o passo é mais seguro;
Surge o equilíbrio e a paz suave que acelera
Esta maturidade amena que se espera...
Sobrevém à paixão, frio amor de Epicuro.

Mas a Mulher aos trinta, esplende a formosura
E a madureza bela, elegante e outonal,
Exibindo ainda a flor da graça e da candura.

Hosana à plenitude hígida e exuberante,
Que se mantém alegre, ardente e jovial!
É a dádiva divina -o prêmio triunfante.

Fontes:

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Casimiro de Abreu (Carolina) V – Deus


Nesse magnífico dia de junho de 1852 em que Carolina na sua janela olhava para o céu e parecia murmurar uma oração à Virgem, dois jovens caminhavam conversando pela mesma rua. 

— Pois é como te digo, dizia um deles, o amor cá para mim resume-se no gozo. Para que diabo tem um homem dinheiro, senão para pagar com ele os seus prazeres? Um homem rico é feliz, tem tudo quanto quer. 

Nada inveja, nem mesmo o sultão, porque o dinheiro também pode comprar um serralho com cem mil mulheres, que todas juntas entoem um canto imenso de voluptuosidade e d’amor, cerquem um homem de carícias e encham o espaço com um concerto mágico de beijos e suspiros. 

Isso é que é vida. Se a não posso ter assim, ao menos nunca me deixei arrastar  por essas torrentes de sentimentalismo estúpido, de que tantos parvos têm morrido. Cá para mim, o amor é o prazer. 

— Tens razão, Fernando, replicou o outro: de que serve dar um homem o seu amor puro e sincero a uma mulher, se ela depois escarnece dele?

Tens razão; o amor é o prazer.

— Ora Augusto! disse Fernando soltando uma gargalhada do mais revoltante cinismo: então tu também caíste na asneira de amar com muito respeito alguma virgem encapotada? Hein? aposto que ela te pagou bem!

— Fugiu com outro, a pérfida! disse ele, e seu rosto cobriu-se da palidez da morte. 

— É porque entendia melhor da vida do que tu. 

— Oh! Fernando, tu não sabes o que eu tenho sofrido! Era a primeira mulher que amava, a única, que tenho amado. Era tão linda! parecia um anjo. Não, não! não creio que aquela mulher me traísse; foi decerto uma fraqueza d’ instante. 

— Histórias da vida! Ela aborreceu-se de ti e gostou doutro, eis o caso. Há quanto tempo foi?

— Há quatro anos.

— Há quatro anos e ainda tu pensas nisso! Se fosse há dois dias tinha alguma desculpa. É a primeira vez que tal vejo. Pois há mulher alguma que mereça as lágrimas dum homem? Há tantas!

— Mas eu amava-a!

— Ora amavas! Gostavas dela é que queres dizer. Pois bem, esquece-a; goza agora de vinte ao mesmo tempo  e estás vingado nobremente. 

— Sim, sim, quero vingar-me! bradou Augusto, e sobre seus lábios pairou um sorriso sinistro, diabólico!...

— Até que afinal! Filiei mais um campeão às minhas bandeiras. Dou-te os parabéns. Para essa vingança, à minha moda, tens quem te ajude, toca. 

E estes dois homens, que deviam saldar entre si uma dívida terrível de sangue, apertaram as mãos como amigos!

— Sim, sim, quero vingar-me, continuou Augusto, hei-de perder tantas mulheres quantas as lágrimas que ela me fez verter. 

— Bravo! bravo! isso é que se chama uma vingança sublime.

E assim conversando, tinham ambos chegado junto à escada do prédio onde morava Carolina. 

— Oh! Augusto, para principiares a vingar-te, vamos aqui ao 4º andar.

— Não vou.

— Anda, vem! O Moreira disse-me que há aqui uma rapariga muito linda. Que diabo vais tu fazer agora ao passeio? Anda, vem. 

E ambos subiram a escada, bateram ao 4º andar e entraram.

No corredor, sentiram o roçar dum vestido pelas paredes; um vulto de mulher apareceu a uma porta e fugiu de súbito. 

Seguiram essa mulher e viram-na cair sobre um sofá com o rosto oculto entre as mãos, soluçando como uma criança. 

Quando eles se aproximaram, a desgraçada ergueu-se e juntando as mãos para Augusto disse-lhe: 

— Perdão! Perdão! Fernando é que me perdeu, e caiu sem sentidos!

— Carolina! exclamaram os dois mancebos ao mesmo tempo, recuando um passo.

E só então é que esses dois homens compreenderam o papel, que deviam representar nesse drama.

— Miserável! Foste tu! bradou Augusto lívido de cólera agarrando Fernando por um braço. 

Este levou a mão ao peito, os olhos injetaram-se-lhe de sangue, sentiu vergarem-lhe as pernas e ferido por uma apoplexia fulminante caiu redondamente no chão. Na queda, roçou com a cabeça a orla do vestido de Carolina.

A justiça de Deus foi terrível!...O algoz expirou aos pés da vítima!

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 566)



Uma Trova de Ademar  

É divinamente lindo... 
É um momento singular; 
ver a luz do sol partindo 
que é para a noite chegar! 
–ADEMAR MACEDO/RN– 

Uma Trova Nacional  

Por mais que o torture a fome, 
bravo filho do Nordeste, 
não foge à dor que o consome, 
enquanto há vida no agreste. 
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP– 

Uma Trova Potiguar  

A brisa bateu na porta 
naquela noite abatida... 
Trouxe uma esperança morta 
pra minha face sem vida... 
–MANOEL CAVALCANTE/RN– 

Uma Trova Premiada  

2005 > Belém/PA 
Tema > CONTRASTE > Venc. 

Neste mundo desigual
onde o mal suplanta o bem,
o contraste social:
cada qual vale o que tem!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Nenhuma alegria enxuga 
essa lágrima dorida 
que deixo, de fuga em fuga 
nos quatro cantos da vida! 
–DURVAL MENDONÇA/RJ– 

U m a P o e s i a  

A viola é uma cruz 
que não causa ferimentos, 
o repente é uma batalha 
sem ter gesto violento; 
e é justo que eu enalteça, 
só tem versos na cabeça 
quem já nasceu com talento. 
–CHICO SOBRINHO/PB– 

Soneto do Dia  

SONETO EM LUZ E SOMBRA. 
–Larissa Loretti/RJ– 

Nos braços da saudade estás presente... 
Nos meus olhos um pranto prematuro 
não te verá, na dor que agora sente, 
nas esquinas vazias do futuro... 

Salvar o coração, infelizmente, 
sempre nos vãos do tempo, enfim, procuro.. . 
A minha vida é como um sol poente, 
que morre, pelo céu, em dia escuro... 

Só em meus versos sigo meu caminho, 
a saudade dormindo em nosso leito, 
junto a taças vazias, sem o vinho... 

Nosso amor tão imenso agora é nada, 
no projeto de vida, já desfeito... 
sombra de dor na luz da madrugada!...

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Francisco José Pessoa/ CE (Bordado)


Nemésio Prata Crisóstomo (Pavilhão!)


Trovas sobre as postagens de ontem

Beleza de produção
destes grandes trovadores
que nos enchem de emoção.
Viva, pois, os vencedores!


Também vem no Pavilhão

dois grandes maranguapenses,
a mostrar o alto padrão
dos autores cearenses!

De quebra, vem Patativa,
o grande Poeta, inconteste,
com sua verve intuitiva
cantando o nosso nordeste!

De Maputo, que hoje vive
dias de uma nova vida,
vem Adérito Mazive
com seu Beco sem Saída!

Por fim, para apresentar
novas trovas, bem ecléticas
vem o Poeta Macedo
com as Mensagens Poéticas!

É por isso que eu repito
todo dia, sem cessar:
mesmo não sendo erudito
quero fazer meu trovar!

Nemésio Prata (UBT-Fortaleza)

Casimiro de Abreu (Carolina) IV – O Mundo!


O esplêndido sol dum dia de junho de 1852 brilhava com toda a sua força.

Lisboa—a ufana—curvada graciosa para o Tejo, que lhe beija as plantas, oferecia alegre as suas torres, seus palácios, suas praças, suas ruas, aos raios ardentes desse astro vivificador.

Entranhemo-nos por essa Lisboa, labirinto como tantos outros que se chamam Paris, Londres, etc. Vereis por toda a parte desonra, infâmia, crime! Vereis a virtude esmagada pelo vício! Vereis a par da mais deslumbrante opulência, a mais horrível miséria! Vereis o pobre ajuntar as migalhas dos festins e das orgias do rico! Vereis desacatada a religião, profanado o templo, insultado o Cristo!

— E vive-se nesse inferno?! perguntareis vós. 

— Vive-se sim, porque esse abismo alcatifado de flores, tem uma atração a que ninguém resiste. Vive-se sim, porque aí pode o malvado esconder a fronte criminosa no meio da multidão, que se agita e ruge como o oceano em um dia de cólera. Vive-se sim, porque a mulher, que o mundo perdeu, pode aí facilmente furtar-se à vista daqueles, que a conheceram no seu tempo de candura e d’inocência. 

— Vinde. 

— Por aqui?!...

— Sim, por aqui; causam-vos nojo estas ruas estreitas, tortuosas e lamacentas? Também a mim. Reparai como estes prédios denegridos exalam um fétido insuportável. Tudo respira orgia, vício! Não vedes essas mulheres, que nos atraem com seus olhares voluptuosos, seus sorrisos d’amor, seus requebros lascivos? São mulheres perdidas. Coitadas! Arrojaram-nas nesse abismo de devassidão, e não há mão, que as salve! Hão-de morrer revolvendo-se nesse lodaçal imundo! Desçamos esta calçada. 

Não vedes além, aquela jovem pálida e linda encostada à sua janela? Tem seus olhos negros fitos no céu; talvez esteja passando pelo pensamento toda a sua vida. Quem sabe? 

Olhai! também tem sobre a fronte o cunho da prostituição. 

Mas reparai bem: não vos parece, assim como a mim, tê-la já visto?... Esperai! Foi...há-de haver quatro anos...numa linda quinta...chamava-se...chamava-se...Carolina...

Carolina!! Aquela virgem que passeava pensativa e bela no seu jardim...inocente como uma pomba?... Oh o mundo!...O mundo!...

E foi um miserável que a perdeu!...

Fernando! Fernando! o que fizeste!...

Onde está teu filho, malvado?!

Meteste-o na roda! Vai, mostro, vai ver se o encontras agora, no meio dessas crianças condenadas a viver, sem jamais receberem uma carícia de sua verdadeira mãe, sem que na hora derradeira se recordem que os beijos maternos lhe roçassem as faces na sua infância. 

E quando um dia, um homem puser sobre teu peito a ponta do seu punhal, exigindo-te a—bolsa ou a vida,— terás a certeza de que esse bandido não seja o teu filho?...

Ah! Fernando! Fernando! a virgem, que louca, se confiou na tua lealdade,— seduziste-a!

A mulher, que com vergonha da sua família, deixou por teus conselhos a casa paterna, — abandonaste-a!

E a desgraçada, numa noite tempestuosa, vertendo prantos de dor e arrependimento, bradou desesperada: “Fernando! Fernando! tu m’ enganaste! Augusto, perdão! Meu Deus, valei-me! que hei-de eu fazer? Oh! a culpa não é minha, levo a consciência tranqüila!” 

E lançou-se no vício!...

E não houve um braço que a sustivesse à borda do precipício!...

E as turbas, que vêm e vão, quando passam, chamam-lhe—prostituta!...

Covardes! não insulteis essa mulher. Foi um homem que a perdeu. 

Lembrai-vos que ela já foi virgem; lembrai-vos que essa rosa, hoje pálida, desbotada, murcha e estendida no solho dum lupanar, já foi um botão mimoso, que entreabria risonho num jardim florido, e que o vendaval da vida derrubou. 

Não a insulteis! resgatai-a do vício; tirai-lhe o labéu infamante, que lhe pesa sobre a fronte e Deus vos recompensará. 

Não a insulteis, que aquele pobre coração há-de sofrer  tormentos horríveis. Quantas vezes não terá ela chorado lágrimas de sangue, lembrando-se das carícias de sua mãe, do amor de seu pai, dos seus dias sossegados e felizes passados no lar doméstico! Quantas vezes não terá pensado no seu Augusto, que tanto a amava e que talvez agora a amaldiçoe!...

E essa infeliz, ralada por sofrimentos horríveis, não terá, na última hora, mão amiga, que lhe venha cerrar as pálpebras?!...

Ah! mundo! mundo! abismo insondável, que tragas tantas vítimas!...

Ah! Sociedade estúpida! que escarneces da desgraça!...

Ah! Justiça! Justiça! palavra irrisória, que nunca punes o criminoso!...

Mas há a de Deus, e essa...é justa!

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Marcelo Alencar (Amplexo)


Ilustração: Marcelo Cipis

Mãe, me dá um amplexo? 

 A pergunta pega Cinira desprevenida. Antes que possa retrucar, ela nota o dicionário na 
 mão do filho, que completa o pedido: 

 - E um ósculo também.

Ainda surpresa, a mulher procura no livro a definição das duas estranhas palavras. E encontra. Mateus quer apenas um abraço e um beijo. 

 Conversa vai, conversa vem, Cinira finalmente se dá conta de que o garoto, recém-apresentado às classes gramaticais nas aulas de Português, brinca com os sinônimos. "O que vai ser de mim quando esse tiquinho de gente cismar com parônimos, homônimos, heterônimos e pseudônimos?", pensa ela, misturando as estações. "Valha-me, Santo Antônimo!" E emenda: 

 - Pára com essa bobagem, menino! 

 - Ah, mãe, o que é que tem? Você nunca chamou cachorro de cão? E casa de residência? E carro de automóvel? 

 - É verdade, mas... 

 Mas a verdade é que Cinira não tem uma boa resposta. 

 - E meu nome é Mateus - continua o rapaz. - Só que você me chama de Matusquela. 

 - Ei, isso não vale. Matusquela é apelido carinhoso. 

 - Sei, sei. Tudo bem se eu usar nosocômio e cogitabundo em vez de hospital e pensativo? 
 E criptobrânquio no lugar de mutabílio? 

 - Mutabílio? O que é que é isso? 

 - O mesmo que derotremado, ora. Tá aqui no Aurélio. 

 Está mesmo. É um bichinho. Mas pouco importa. A mãe questiona a opção do menino por vocábulos incomuns. Mateus sai-se com esta: 

 - A professora disse que aprender palavras é como ganhar roupas e guardar numa gaveta. Quando a gente precisa delas, tira de lá e usa. Cada uma serve para uma ocasião, por mais esquisita que pareça. Igual à querê-querê roxa que você me deu no último aniversário. Lembra? 

 Como esquecer? Cinira nem se dá ao trabalho de consultar o dicionário. Sabe que a explicação para essa última provocação está no verbete camiseta.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 565)


Uma Trova de Ademar  

A Lua, sem empecilho, 
linda, meiga e apaixonada, 
põe mais beleza e mais brilho 
nos olhos da madrugada. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Nas horas más, no perigo, 
cresce amizade sincera, 
quem deixa de ser amigo 
é porque amigo não era!
–Carolina Ramos/SP– 

Uma Trova Potiguar  

A primeira foi banal, 
a segunda, em desalinho; 
nem matriz, nem filial... 
resolvi ficar sozinho! 
–Djalma Mota/RN– 

Uma Trova Premiada  

1992 > Amparo/SP 
Tema > TREVAS > M/E 

Nas trevas, sem teu olhar,
só não me entrego à aflição
porque a saudade é um luar
que disfarça a escuridão...
–Marina Bruna/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Essa gota cristalina 
que a folha verde apanhou 
é uma lágrima divina 
que a madrugada chorou!... 
–Célio Grunewald/MG– 

U m a P o e s i a  

Sei da saga do grande Virgulino,
O reinado mais intenso do cangaço,
Sei que o barro depois dum leve traço
Ganha o sopro vital de Vitalino.
Sei que Cícero Romão teve o destino
De ser santo sem a canonização,
Que um ritmo conhecido por baião
Deu a fama a Humberto e “Seu” Luiz.
Eu nasci no Nordeste e sou feliz
Por contar as histórias do sertão.
–Wellington Vicente/PE– 

Soneto do Dia  

UM NOME NO SILÊNCIO. 
–Miguel Russowsky/SC– 

Uma agenda... o silêncio... o cafezinho... 
Tenho tempo de sobra. Escrevo...paro... 
Vou desenhar um nome... ( o dela, é claro!) 
Em que lugar será que fez o ninho? 

Casou-se mal, eu sei, hoje adivinho 
Os males que lhe trouxe o fado amaro... 
Humilde...conformada... sem amparo... 
Há tantas incertezas no caminho!... 

O meu primeiro amor passando fome...(?) 
me custa imaginá-la envelhecida. 
Melhor não pensar nisso, Apago o nome. 

Amei-a. Eu era moço... Os anos correm 
e vão virando as páginas da vida. 
Também as ilusões e os sonhos morrem.