sábado, 18 de agosto de 2012

Thomas Mann (O Escritor e sua Missão)

(Resenha e comentários da obra são de Rafael Bán Jacobsen, extraídos de http://www.amalgama.blog.br/02/2012/o-escritor-e-sua-missao-thomas-mann/)

Título original:     
Autor: Thomas Mann (1875-1955)
Tradução: Kristina Michahelles
Editora: Zahar
Assunto: Ensaios
Edição: 1ª
Ano: 2011
Páginas: 208


Sinopse

Thomas Mann tem uma vasta e relevante produção não ficcional, pouco conhecida e/ou publicada no Brasil. Para divulgá-la, a Zahar está lançando a série Thomas Mann - Escritos & Ensaios, com volumes organizados especialmente para o público brasileiro. Este primeiro volume, 'O escritor e sua missão', reúne 12 ensaios a respeito da obra (e muitas vezes também a vida) de expoentes como Tolstói, Goethe, Dostoiévski, Hermann Hesse, Shaw, Heinrich Heine, Ibsen, Zola e Tchekhov. São textos escritos por Mann em contextos variados: homenagens em datas comemorativas de Goethe e Tolstói, necrológio para George Bernard Shaw e Hugo von Hofmannsthal, prefácio a uma edição de Dostoiévski, resposta a uma pesquisa de um jornal no caso de Ibsen... E versam sobre temas não menos diversos, tais como os pontos de aproximação entre as obras de Ibsen e Wagner, papel de Goethe como representante da era burguesa, a relação entre Dostoiévski, sua doença e sua produção literária. Eruditos e instigantes, os ensaios oferecem uma luz original não apenas sobre outros autores, mas também sobre o próprio Mann, pois dialogam com sua produção ficcional, refletindo os interesses, preocupações e desafios que o estimularam ao longo de sua trajetória.

Em alguns momentos, o leitor terá a impressão de que o autor comenta seus próprios textos ao analisar os escritos alheios. Um livro essencial para se aprofundar não apenas na obra de escritores modernos europeus e o contexto em que foram realizados os seus escritos, mas também no próprio pensamento de Thomas Mann.

Resenha:

O artigo que abre o volume intitula-se “Sobre Heinrich Heine”. Trata-se de um pequeno texto em que Mann elogia a obra desse poeta alemão de origem judaica que foi, provavelmente, o primeiro sujeito a receber a alcunha de “último dos românticos” e que foi celebrizado pela musicalização que compositores como Schumann, Brahms e Schubert fizeram de seus versos. O artigo visava defender a construção de um monumento em homenagem a Heine, projeto que, na época, estava atravancado pelo furor antissemita que grassava na Alemanha.

O segundo texto é “Ibsen e Wagner”. Nele, Mann estabelece um paralelo entre as obras do compositor Richard Wagner, famoso por “O Anel dos Nibelungos”, seu ciclo operístico megalomaníaco (no melhor dos sentidos), e a dramaturgia de Henrik Ibsen, partindo de uma observação casual de Hermann Levy, um famoso regente de Bayreuth, que, ao assistir pela primeira vez a uma peça de Ibsen, teria dito: “Ou bem isto é ridículo, ou é tão grandioso quanto Wagner.” Mann advoga que Ibsen e Wagner, na comédia de costumes e na ópera, respectivamente, foram capazes de transcender os gêneros que cultivaram, criando, a partir de sua matéria bruta, algo novo e perfeito.

A seguir, o [terceiro] ensaio “Tolstói – no centenário do seu nascimento” apresenta um retrato semiliterário do romancista russo. Mann o enaltece como um homem de fibra e personalidade, representante dos melhores valores e do espírito épico da segunda metade do século XIX, uma espécie de profeta que, mesmo quando tencionava deixar a arte de lado para transmitir lições e opiniões, escrevia com criatividade e imensa lucidez, tanto que, nas palavras de Mann, foi capaz de conceber “o romance social mais poderoso da literatura mundial”: Anna Karenina.

[Quarto ensaio] O necrológio “In memoriam Hugo von Hofmannsthal” focaliza muito mais a relação de amizade de Mann com o poeta e dramaturgo austríaco do que a obra deste, a qual, pelo menos no Brasil, é mais conhecida através dos libretos que ele escreveu para várias óperas de Richard Strauss. Não deixa de ser interessante apreciar, através dos relatos de Mann, um pouco dos bastidores da cena literária alemã do começo do século XX, da camaradagem e das trocas entre os autores de então, e ainda deparar com percepções preciosas de Mann, como a seguinte descrição da pessoa de Hofmannsthal:

“Ele tinha uma maneira de compreender antes que o próprio interlocutor compreendesse, de aperfeiçoar e dar sequência a coisas que capturava no ar, fazendo com que a conversação transcorresse com leveza onírica e jocosamente inteligente.”

O quinto texto, “Discurso sobre Lessing”, é um ensaio caudaloso no qual Mann disserta sobre a obra de Gotthold Ephraim Lessing, poeta, dramaturgo, crítico de arte e filósofo, autor de Laocoonte, ou Sobre as fronteiras da pintura e da poesia, um clássico da teoria estética, enaltecendo-o como um tipo “fundador, em que vidas futuras se reconhecem”, um dos espíritos “mais crentes, bondosos e esperançosos que já viveram e se preocuparam com o humano”. Mann defende o status de poeta muitas vezes negado a Lessing pela crítica, aborda sua tendência à polêmica (descrevendo um célebre embate teológico em que Lessing se envolveu e ao final do qual acabou proibido de publicar textos sobre religião) e ainda traça um instigante paralelo entre ele e Lutero, tendo ambos como exemplos de personalidades libertárias, questionadoras e à frente de seus tempos.

[Sexto ensaio] Em “Goethe como representante da era burguesa”, Mann parte de três possíveis maneiras de avaliar a significância e o impacto de Goethe na cultura: a primeira, mais modesta, seria considerá-lo como o mestre do classicismo alemão que, de fato, forjou a noção de uma cultura alemã; a segunda, grandiloquente, mas não necessariamente exagerada, consistiria em colocá-lo entre os “grandes vultos que já passaram pela Terra”, um desses expoentes cuja influência se estende por milênios e que, por isso, acabam adquirindo aura mítica; a terceira, uma espécie de meio-termo entre as duas primeiras abordagens, seria alçar Goethe à condição de representante da “era burguesa”, isto é, o período histórico que se estende desde o século XV até a virada do século XIX. A partir daí, Mann busca retratar o autor de Werther e Fausto como um típico burguês, de “modos simples e educados”, amante da boa comida e da bebida, que se agradava da rotina e do fato de pertencer a um estrato social confortavelmente mediano, o qual seria propício ao talento, pois, nas palavras do próprio Goethe, “encontramos todos os grandes artistas e poetas nas classes médias”. Levando-se em conta o contexto histórico, é plenamente justificado o esforço de Mann para retratar Goethe dessa forma: trata-se de uma resposta aos nazistas que, na época, em 1932, ganhavam cada vez mais poder e buscavam legitimar seus ideais e suas doutrinas deturpando a imagem de grandes pensadores germânicos, como Goethe, o qual, não raro, era convenientemente descrito por eles como populista e ultranacionalista.

O sétimo ensaio que compõe o volume é “Dostoiévski, com moderação”, um prefácio redigido por Mann para uma coletânea de romances do autor russo publicada nos Estados Unidos. Aqui, Mann demonstra seu fascínio pela condição de epilético e pelo estigma de homem doente sob o qual vivia o autor de Os Demônios, condição essa que abarcaria a “grandeza religiosa dos amaldiçoados, do gênio como doença e da doença como gênio, do tipo do atormentado e do possesso, no qual o santo e o criminoso se tornam um só”. Analisa, então, a repercussão dessa doença de êxtases e convulsões sobre a personalidade marginal de Dostoiévski e sobre a sua produção literária, chegando, em certos momentos, a tecer saborosas (porém equivocadas) especulações sobre uma eventual origem psíquica da epilepsia:

“Em minha opinião ela indubitavelmente tem suas raízes no campo sexual e é uma forma selvagem e explosiva de sua dinâmica, um ato sexual deslocado e transfigurado, uma devassidão mística.”

A partir da convicção nietzscheana de que as situações de exceção condicionam o artista, “todas as situações que são profundamente aparentadas e entretecidas com sintomas doentios”, e da pré-existência do conceito de “super-homem” na obra de Dostoiévski (mais especificamente nas falas da personagem Kirilov, em Os Demônios), Mann estabelece ainda um diálogo entre o romancista russo e o filósofo niilista alemão.

[Oitavo] Segue-se o texto congratulatório “Hermann Hesse – homenagem ao seu 70º aniversário”. Nesse artigo, mais uma vez, Mann apoia-se na sua relação pessoal com o escritor comentado para tratar de assuntos universais – aqui, mais especificamente, o conflito entre a visão crítica de certos intelectuais alemães (ele próprio e Hesse inclusos) e a tacanhice ideológica e estultice patriota dos diversos setores sociais que serviram de substrato ao crescimento do nazismo ou que por ele se deixaram contaminar. Um dos primeiros pontos de contato que Mann apresenta para ilustrar sua proximidade com Hesse é o fato de ambos terem sido chamados de “miseráveis” por um certo compositor de Munique porque ambos não compactuariam com a crença de que os alemães seriam “o maior e mais nobre dos povos, ‘um canário entre rolinhas’”. A visão compartilhada de Mann e Hesse acerca da presunção e do provincianismo germânico é sintetizada em uma sentença no melhor estilo “pá de cal”: “Na Alemanha, aliás, os insatisfeitos com a cultura alemã foram sempre os mais alemães de todos.”

[Nono] Em “Bernard Shaw”, mais um necrológio contido na compilação, Mann escreve sobre aquele que, sem dúvidas, foi seu dramaturgo favorito, ressaltando o apreço que o autor dublinense tinha pela Alemanha, esse país que reconheceu sua importância para o teatro antes mesmo dos países de língua inglesa, muito embora a influência da cultura germânica sobre a obra de Shaw fosse mínima e mesmo que seu conhecimento nesse âmbito fosse “fragmentário e casual”. Outro aspecto abordado por Mann é o influxo da música na obra de Shaw, socialista radical capaz de se dedicar com idêntica paixão ao estudo de O Capital ou da partitura de “Tristão e Isolda”. Shaw era um homem austero, dado a banhos frios, vegetariano, que gostava de escrever em uma cabana de simplicidade franciscana, e essas características, que se poderiam chamar de tendência ascética de Shaw, não passam incólumes à leve (mas constante) acidez de Mann, como mostra o trecho a seguir, um excerto particularmente divertido quando lido por olhos vegetarianos:

“Na imagem de Shaw (…) há algo de magro, de vegetariano e de frígido que, para mim, não combina com a imagem de grandeza. (…) A batalha pesada (que lembra o titã Atlas) e a carga muscular e moral de um Tolstói; Strindberg, que passou pelo inferno; a morte de Nietzsche como mártir na cruz do pensamento nos insuflam esse respeito trágico. Nada disso no caso de Shaw.”

E lança, então, uma pergunta provocadora, cuja resposta deixa propositalmente em aberto: “Estaria ele acima disso ou não estaria ele à altura disso?”.

O décimo artigo, “Gerhart Hauptmann”, versa sobre o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1912, um romancista e dramaturgo alemão cuja obra, inicialmente de tendências naturalistas (vide as peças “Antes da aurora” ou “Os tecelões”), converteu-se em algo muito mais próximo de um simbolismo metafísico de forte inspiração religiosa (a novela Herege de Soana é um exemplo). Mann gasta um bom pedaço do artigo para explicar que o fato de ter se inspirado em Hauptmann para criar o cativante mas desajeitado e naïf Mynheer Peeperkorn de A Montanha Mágica foi uma homenagem, e não uma traição. Porém, ao tratar da concepção dessa caricatura, Mann não está se justificando ou pedindo escusas de qualquer tipo à opinião pública; ele está, em realidade, tratando de um tema fundamental na arte da escrita: a modelagem de personagens literárias.

O penúltimo texto, “Fragmento sobre Zola”, é uma das raras referências ao escritor francês dentro da obra ensaística de Thomas Mann. Embora ele defenda a proposta estética de Zola, considerando que seu naturalismo “se alça ao plano do simbólico e se vincula intimamente ao mítico”, é o engajamento social do autor de Germinal que o fascina sobretudo, especialmente sua intervenção no famoso caso Dreyfus, em que um oficial judeu do exército francês, em flagrante manifestação de antissemitismo, foi injustamente acusado de traição à pátria.

Encerrando a compilação O escritor e sua missão, está o belíssimo “Ensaio sobre Tchekhov”. Certa vez, no começo de sua carreira literária, quando a fama do escritor já eclipsava a do médico, Tchekhov, eternamente modesto, insatisfeito e desconfiado do próprio talento para as letras, escreveu: “Será que estou ludibriando o leitor, já que não sou capaz de responder às questões mais importantes?”. E foi essa frase que tocou fundo no espírito de Mann a ponto de fazê-lo se debruçar sobre a biografia de Tchekhov. E, de fato, o ensaio de Mann elenca e esmiúça várias passagens da vida do russo, buscando, pelo veio biográfico, explicar a gênese e a importância de sua obra, essa obra que, ao contrário das criações de Tolstói e Dostoiévski, “abriu mão da monumentalidade épica” e, mesmo assim, conseguiu encerrar em si “toda a vasta Rússia de antes da revolução, com sua natureza eterna e suas eternas condições sociais ‘desnaturadas’”.

* x * x *

Comentários:
Esse caleidoscópio de ensaios, um bem temperado aperitivo da obra não-ficcional de Mann, certamente atrairá escritores (e candidatos a escritores) em busca de “conselhos” desse gigante da literatura universal sobre o ofício (até mesmo por causa do título escolhido para a coletânea, que parece insinuar algo nessa direção). Tais leitores poderão se desapontar, porque, de fato, o livro está longe de ser um “manual de criação literária” ou coisa parecida. Contudo, para quem tem sede de colher alguma dica sobre o assunto, é possível sim garimpar algumas delas entre as observações do próprio Mann e citações que ele busca em outros autores para ilustrar suas argumentações. Eis algumas delas, transcritas em uma salada proposital, sem delimitar claramente o que é original de Mann e o que é invocado por ele a partir de outros:

"A genialidade na arte seria então o elemento da surpresa e do encanto que causa pasmo, o elemento da ousadia que só pode ser conhecido em suas realizações.

(…) como ensina a estética de Schopenhauer (…) as obras mais elevadas se contentam com um mínimo de ação.

Há a dolorosa constatação de que a palavra apenas consegue elogiar a beleza física, nunca reproduzi-la, há o desafio aos poetas de abrir mão da descrição, da narrativa da beleza, para, em seu lugar, pintar para nós o bem-estar, o afeto, o amor, o encanto que a beleza causa, pois com isso, diz Lessing, “tereis pintado a beleza ela mesma”.

Uma obra-prima não pode parecer obra-prima.

Apesar de tudo, parece que um artista, um criador (…), não tem como não afirmar a vida e lhe ser fiel.

Sinto que, sobre o demoníaco, deve-se “poetar” e não apenas escrever.

Foi o pintor e escultor francês Degas quem afirmou que um artista deve se aproximar de sua obra como um criminoso executa seu ato.

Pois a única forma de lidar com o que é poético, irracional, é por meio da literatura, e não por intermédio da palavra que analisa e dissocia.

A insatisfação consigo mesmo constitui um elemento básico de todo talento genuíno."

Fonte:
http://anatoli-oliynik.blogspot.com.br/2012/08/o-escritor-e-sua-missao.html

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Jogos Literários de Montargil 2012 (Classificação Final)

GRUPO DE PROMOÇÃO S.C.MONTARGIL

Tema: A ESCOLA

QUADRA



Foi por não ter ido à escola
com a atenção que é devida,
que ando, hoje, a pedir esmola
na outra escola : a da Vida.

João Baptista Coelho—S.Domingos de Rana
………………………………………………………………

Da escola tenho saudade
e do tempo que lá andei,
porque foi lá de verdade
qu’ a ser homem comecei.

Victor Manuel Capela Batista—Barreiro
………………………………………………………………….

Porque a escola me educou,
Porque a escola me instruiu,
Muito daquilo que sou
Foi na escola que floriu

Maria Ruth Brito Neto—Lisboa
……………………………………………………………………………...

Minha Escola, minha amiga,
Tudo o que ensinaste outrora
É o elo que me liga
A tudo o que sou agora.

José António Palma Rodrigues—Ganilhos-Aljubarrota
……………………………………………………………………………….

Sempre bom em redação,
Escrevia cartas d’amor,
sucedeu haver meninas,
com queixas ao professor…

Júlio Siva Máximo Viegas---Queijas
………………………………………………………………………………

Dando cor ao universo
Desde a treva à luz suprema,
A escola, mais do que verso,
É, no seu todo um poema.

João Batista Coelho—S.Domingos de Rana
……………………………………………………………………………..

Com a escola fiz-me à vida
E a vida deu-me saber
Que a vida só é valida
Com um constante aprender.

Maria Ruth Brito Neto—Lisboa
………………………………………………………………………………….

Na minha Escola Primária
O ensino foi muito rico
Mas na Escola Secundária
Arranjei um namorico

Celeste Maria da Silva Avó Charneca—S.Miguel de Machede
………………………………………………………………………………..

Dos velhos tempos da escola
o que mais me apraz registar
É que levava na sacola
o importante pra trabalhar.

Miguel Mendes—Montargil
……………………………………………………………………………….
10º
Bata branca, lá ia eu
Prá escola, oh alegria!
Realizei sonho meu ,
Ensinar no dia a dia.

Isabel Maria dos Anjos Viegas—Carnaxide
……………………………………………………………………………..
1º do ALENTEJO,de MONTARGIL e da EBI

Miguel Mendes


:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

CONTO CURTO


A ESCOLA DE E PARA A VIDA
Maria Albertina Guerra Dordio Caldeira Martins
PORTALEGRE
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::


REDACÇÃO-A MINHAESCOLA
Fernando Máximo
AVIS
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

ESCOLA PARA SEMPRE
João Manuel da Silva Rogaciano
ALVERCA
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

A FALTA DAS LETRAS
Vítor Manuel Capela Batista
BARREIRO
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

O SORRISO DA CÉLIA
Maria João Lopes
Gaspar  de Oliveira
COIMBRA
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

A ESCOLA QUE TEMOS
Maria Rita dos Santos Romão
LOURES
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Áásáá, Éééé, Iiiii, Óóóó, Uuuu!
Fernandino Lopes
AVIS
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

ESCOLAS
Fernando Máximo
AVIS
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

NA MINHA ESCOLA
Victor Manuel Capela Batista
BARREIRO
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
10º
FELIZ O QUE RECORDA VELHOS TEMPOS
Júlio Silva Máximo Viegas
QUEIJAS
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

1º ALENTEJO
Maria Albertina Guerra Dordio Caldeira Martins
PORTALEGRE

Obrigado a todos os participantes e parabéns aos premiados.

Atribuição dos prémios no Espetáculo “Pátio da Cultura” a Realizar na Casa do Povo de Montargil, dia 8 Setembro, pelas 15.30h.

Fonte:
Lino Mendes

Miguel Sanches Neto (A Mulher e a Poeta)

Em sua obra, a angolana Paula Tavares dedica atenção aos ritos da África

Historiadora e prosadora, Ana Paula Tavares (Huíla, Angola, 1952) é também poeta e assume nesta última área o nome artístico de Paula Tavares, talvez para marcar uma diferença, insinuando ao leitor que são duas mulheres distintas em uma só. Este pequeno jogo aponta para questões mais profundas em sua produção poética, publicada na íntegra pela primeira vez no Brasil: Amargos como os Frutos: Poesia Reunida.

O seu território é o lirismo amoroso, em variações fragmentárias dos cantos de Sulamita, agora ambientados na África, o que lhe dá uma originalidade muito grande. Seu verbo vai deixando o espaço mais literário de Ritos de Passagem (1985), em que as construções poéticas são preponderantes, para incorporar progressivamente as vozes ancestrais. Mesmo neste seu primeiro livro, encontramos os frutos da terra, as temáticas tribais e uma presença modificante do corpo feminino, embora estes elementos tão caros à autora apareçam sob um olhar, digamos, mais estético, visível na própria forma dos poemas, com uma disposição gráfica que dialoga com a modernidade.

De O Lago da Lua (1999) até a última coletânea, Como Veias Finas na Terra (2010), o elemento étnico se faz mais denso e passamos a uma poesia que pertence, como linguagem, à poeta e, como voz, às mulheres africanas em geral. É neste sentido que a duplicidade se manifesta no interior da obra, conjugando as duas autoras nomeadas, a Ana Paula historiadora e a Paula poeta, uma escritora com um olhar focado nos produtos da literatura e outro nas tradições populares da África.

A sua poesia é, em inúmeras passagens, ritualística; ou seja, existe em consonância com uma concepção antropológica da palavra. Nenhuma imagem talvez seja mais forte do que a do sangue, não um sangue vertido em lutas, em guerras, ou, para dizer de outra forma, nos campos de combate essencialmente masculinos, mas o sangue da fêmea:

“No lago branco da lua / lavei meu primeiro sangue / Ao lago branco da lua / voltaria cada mês / para lavar / meu sangue eterno / a cada lua // No lago branco da lua / misturei meu sangue e barro branco...” (p.73)

O barro do Gênese e o sangue são metáforas da mesma ordem: da fertilização, dos inícios, da continuidade da vida. Esta vida de que fala Paula Tavares é dolorosa por conta das condições históricas de seu povo, tem um travo amargo, deixa marcas, suja a pessoa, daí a busca da água que tudo limpa.

As suas vozes femininas, tão doídas, acabam representando o próprio país. Esta equivalência faz com que as trajetórias das mulheres sejam uma metonímia da África. Como se a mulher fosse a pátria mais enraizada, por estar mais tragicamente vinculada à terra. Uma das tradições dramatizadas nestas vozes é a da jovem dada em casamento em troca de bois, numa relação de contiguidade da mulher e do animal sagrado. Daí vem a sua força telúrica, que a autora explora cifrando em um código poético: “Trouxe o canto / Não é claro, mãe / Mas tem os pássaros certos / Para seguir a queda dos dias / Entre o meu tempo e o teu” (p.168). Entre duas gerações, duas histórias femininas, a da terra e a da cultura, nasce esta poesia sob o signo do duplo.

Se a poeta diz que de onde ela vem, deste país mítico e histórico, “empresta-se o corpo à casa” (p.197), numa visão da mulher como morada, como eixo do mundo, podemos dizer que a sua poesia, marcada por uma denominação de origem, faz do corpo linguagem, onde se abrigam os ancestrais africanos e a cultura europeia adquirida, ponto de encontro do eu e do outro.

Serviço:
Amargos como os Frutos: Poesia Reunida, de Paula Tavares. Editora Pallas, 288 págs. Poemas.

Fonte:
Gazeta do Povo.  Caderno G.  11 março 2012 (texto e imagem)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 640)

Uma Trova de Ademar 

Lágrimas, águas em fugas,
que num trajeto indolente,
deixam escritos nas rugas,
os sofrimentos da gente...
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Não julgues por esquecida
a mágoa de outra pessoa:
silêncio de quem revida
é igual... ao de quem perdoa!
Sérgio Ferreira da Silva/SP–

Uma Trova Potiguar 


Vem das águas cristalinas
e vem da espuma do mar,
o sal das brancas salinas
do meu rincão potiguar!
–Prof. Garcia/RN–

Uma Trova Premiada 


2010/11  -  Montes Claros/MG
Tema  -  RENÚNCIA  -  2º Lugar


Renúncia, cruel desmando
do destino a que me oponho,
a todo instante voando
nas asas de um novo sonho...
–Darly O. Barros/SP–

...E Suas Trovas Ficaram 


Em cada oração que reza,
num gesto sempre bem visto,
todo cristão que se preza
conversa com Jesus Cristo!
–João Sobreira/CE–

Uma  Poesia 


A brincadeira de “Tica”,
as galinhas de pereiro,
o banho lá no barreiro,
tudo na lembrança fica;
as frutas de uma oiticica
que eu não podia comer,
garanto: quando eu morrer
vou levar tudo na mente;
meu passado é tão presente
que eu não consigo esquecer.
–Ademar Macedo/RN–

Soneto do Dia 

MINHA CASA.
–Waldir Neves/RJ–


Ela é um velho chalé de toques suburbanos.
Modesta, do portão à fachada singela,
nada existe invulgar, por fora ou dentro dela,
capaz de comover sicranos nem beltranos.

Mas é a mesma onde vi, já se vão tantos anos,
pela primeira vez abrir-se uma janela
aos raios matinais da ensolarada umbela,
sublime no esplendor dos halos soberanos.

No seu mesmo aconchego acolhedor de outrora,
intensamente eu vivo, em meu “aqui e agora”,
a paz familiar e as bênçãos da amizade.

Em saudade é comum que ela more na gente;
mas Deus me deu, estranha e afortunadamente,
a ventura maior de morar na Saudade...

Yuri Al’Hanati (O Livro Certo para a Pessoa Certa)

O cenário atual da literatura no Brasil não é dos mais favoráveis, a julgar pela última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, levantada pelo Instituto Pró-Livro. O estudo, que foi publicado em março deste ano e será lançado em formato de livro na Bienal do Livro de São Paulo estima que apenas metade da população brasileira lê, e os que leem não consomem mais do que dois livros inteiros por ano, aumentando décimos de uma média que, historicamente, sempre foi baixa.

Porém, alguns dados complementares da pesquisa guardam em si pequenas esperanças de reversão do quadro a longo ou, quem sabe, curto prazo. Por exemplo, a falta de gosto pela leitura não é um empecilho, já que 62% dos entrevistados dizem gostar pelo menos um pouco de ler. E embora 87% dos que não leem afirmem nunca ter ganhado um livro, 88% dos que ganharam garantem a importância do presente para despertar o interesse por ler.

O valor de um livro presenteado, portanto, pode ser maior do que se supõe. É no que acredita o comerciante Cássio Busetto, 36 anos. “Eu sempre parto do princípio de que se alguém não gosta de ler é porque nunca foi apresentado aos livros certos. E por livro certo me refiro aos livros de qualidade e também do interesse da pessoa, que possam trazer conhecimento ou uma visão de mundo interessante.” Busetto tem o costume de dar livros de presente para as pessoas quando sabe que há um mínimo interesse pela literatura, mas é criterioso. “Procuro dar um livro que combine um pouco o gosto dela com o meu, para não presentear com algo que eu considero de mau gosto. Quando a pessoa não lê, mas tem algum interesse, procuro dar algo mais leve e agradável, um entretenimento que possa levar a leituras mais densas.”

Hillé Puonto, pseudônimo da anônima autora do blog Manual Prático de Bons Modos em Livrarias, já ajudou muita gente a encontrar esse presente, e afirma: “o que mais percebo entre as pessoas que vão à livraria atrás de um livro como forma de presente é a necessidade de se comunicar com o presenteado. Há muitas que gostam de compartilhar experiências. Eu, por exemplo, adoro presentear meus amigos com livros que tenham, de alguma forma, representado algo para mim.”

Quem recebe o presente confirma as opiniões acima. O mestrando em estudos literários da Universidade Federal do Paraná, Arthur Tertuliano, 25 anos, ganha quase sempre um livro como presente, e diz que o mimo desperta seu interesse. “Às vezes, fico muito curioso com o que a pessoa pode estar querendo dizer com ‘este livro é a sua cara’, ou dou prioridade para lê-lo quando eu sei que ela está ansiosa para comentar sobre ele”, conta, citando como exemplo o livro Duna, de Frank Hebert, que ganhou de um amigo. “Estou lendo este não só porque a dedicatória é excelente, mas porque sei que meu amigo gosta bastante do livro e gostaria de comentá-lo comigo.”

Indicação valiosa

Esse compartilhamento de experiências no ato de presentear é outro fator de peso para criar leitores. A pesquisa aponta que o regalo representa 21% do acesso a livros e a indicação das pessoas é o terceiro maior fator de influência na hora de escolher um livro para ler, ficando atrás do título do livro e do tema. “Eu tenho um amigo que costuma pensar bastante nos presentes e, há três anos, os livros que ganho dele de aniversário estão entre os melhores que recebo”, comenta Tertuliano, concordando que uma boa indicação faz toda a diferença: “você pode dar algo no estilo do que a pessoa gosta, apresentando algo de que ela ouviu falar, mas com que nunca teve contato direto, ou mesmo abrindo seus horizontes em algum sentido.”

E a principal indicação acontece na sala de aula: 45% dos entrevistados que leem garantem que foi o professor que os influenciou ao hábito, mais do que a mãe (43%) e o pai (17%). O professor de ensino médio e ex-livreiro das Livrarias Curitiba, Claudecir Rocha, 32 anos, acredita que é só uma questão de fisgar o potencial leitor pelo título certo. “É preciso indicar algo agradável antes de apresentar o que eles precisam estudar. Se um aluno de ensino médio tiver de ler só Dom Casmurro, ele nunca mais vai ler Machado de Assis na vida, mas um conto do Machado já é mais apetecível”, afirma, e completa contando sua própria experiência: “li com meus alunos o conto ‘Feliz Ano Novo’, do Rubem Fonseca, e agora eles adoram o escritor. É só uma questão de despertar a curiosidade, e a pessoa nunca mais deixa de ler.”

Fonte:
Gazeta do Povo. 5 agosto 2012. Caderno G

Nilton Manoel (Didática da Trova) Parte 7

CAPITULO III

 PRÁTICA DA TROVA EM SALA DE AULA


Trovador, grande que seja,
tem esta mágoa a esconder:
- a Trova que mais deseja
jamais consegue escrever.
                       LUIZ OTAVIO


 A trova vem fazendo história através dos séculos. O intercâmbio  com os trovadores portugueses é freqüente, principalmente, através dos concursos anuais de trova. Fernando Pessoa, poeta, é autor do poema Psicografia, composto de três quadras de onde, a primeira estrofe, tornou-se popularizada pela imprensa  trovadoresca,  por estar na conceituação de trova literária. Vejamos o poema:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.    
(27/11/1930)

Podemos notar pelo “E” da segunda quadra ( quinto verso ) a dependência com a primeira. O mesmo ocorre com a terceira quadra (nono verso) que se “amarra” a segunda quadra com “e assim”.  A primeira quadra não tem nenhuma dependência com os versos posteriores, deixando-a livre no conceito de trova literária, aceito por gramáticos e filólogos, mas, ainda, não incorporado no vocabulário da literatura brasileira. A trova é um poema autônomo, monostrófico, em redondilha maior (heptassílabo), com rimas alternadas e não tem titulação. Nesta conceituação,  Luiz Otavio, em Trovas e Trovadores, ano III, nº 25, fevereiro de 1968, reporta-se ao poema Mãe de autoria de Barreto Coutinho. Vamos ler o texto jornalístico do antigo órgão oficial da UBT- Nacional?

EU VI MINHA MÃE REZANDO.
Em crônicas e introduções de livros tenho repetido que classifico a Trova quanto a sua origem em: popular (anônima), literária (também chamada erudita) e popularizada. (...) Desejo apenas relembrar que denomino de trova popularizada  a que é lida,repetida, algumas vezes até modificada pelo próprio povo, e que, aos poucos, vai perdendo o nome do autor. Sofre um processo de “folclorização”.

A trova de Barreto Coutinho, por muito tempo, anônima, correu mundo, mas conforme o texto de Luiz Otávio:

Nos III Jogos Florais de Juiz de Fora, aos quais não pude comparecer, foi premiado em 3º lugar o veterano poeta pernambucano, residente em Curitiba, Barreto Coutinho e que este lhe mostrara um recorte de jornal pernambucano, no qual se lia um poemeto intitulado “Mãe” em oito quadras setissilábicas, entre as quais a quinta, era justamente a famosa trova, com o primeiro verso diferente:“Uma vez vi-a rezando”, perfeitamente compreensível, pois havia o título (“Mãe”) e as quadras anteriores falavam em mãe.

                 Adiante Luiz Otávio escreve

Mas o povo, que às vezes é um colaborador perspicaz e inteligente, destacou essa quinta quadra que é de tal valia, de tanta riqueza de sentimento e de força de expressão, que teria mesmo de se libertar do Poema e
criar vida autônoma, emancipada. E surgiu então, o primeiro verso modificado para: “Eu vi minha mãe rezando”. E a quadra ou quadrinha que era ligada as suas irmãs, adquiriu asas e voou... Voou... correu mundo... é admirada,querida, recitada, repetida...”

O  poema editado no jornal A Província, Recife-PE, 28 de janeiro de 1912, trazia a quadra assim:

Uma vez vi-a rezando,
Aos pés da Virgem Maria...
Era uma santa escutando
 O que a outra santa dizia


 Com relação a primeira quadra de Autopsicografia não houve necessidade  de ajuda; é autônoma por si só. A trova de Barreto Coutinho, foi “contemplada”  com pequena inovação à oralidade, (Uma vez vi-a rezando’ para “eu vi minha mãe rezando”). Tornou-se autônoma e antológica. Vamos analisar a metrificação das duas:

Eu/vi/mi/nhá/ mãe/ re/zan/do ( até a última tônica, sete sílabas)
Aos/ pés/ da /Vir/gem/ Ma/ri/a
(sete sílabas poéticas na tônica )
...E/ra u/ma /san/ta es/cu/tan/do 
(sete )
O/que a ou/tra /san/ta/ di/zi/a. 
(sete)

O mesmo ocorre com a quadra intacta de Fernando Pessoa:

O/ po/e/ta é um/ fin/gi/dor/
Fin/ge/ tão /com/ple/ta/men/te
Que/ che/ga a/ fin/gir /que é /dor/
A/ dor/ que/ de/vê/rãs/ sem/te.


Continua…

Fonte:
Nilton Manoel. A Didática da Trova. Batatais, 2008.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dorothy Jansson Moretti (Folhas Avulsas)

FOLHAS   ESPARSAS

Quando a tarde ao cair, toda dourada,
lenta transmuda em gradações cambiantes,
sinto minha alma, sensibilizada,
afinar-se ao sabor dos tons mutantes.

E os versos que componho em tais instantes,
assumem cor ardente ou desmaiada:
vivos, do leve Alegro aos sons vibrantes,
tristes, do grave Adágio à dor velada.

São notas desprendidas da Sonata,
dispondo um clima de jovial Cantata,
ou da Pavana o sufocado grito,

São folhas soltas, pelo vento esparsas,
verdes ou murchas, voam como garças,
deixam meus sonhos no azul do infinito.

E X T R A V A G A N T E

Sempre cultuo a forma clássica do verso,
a musicalidade, a rima bem sonante;
e às vezes, se obedeço a algum impulso inverso,
jamais descarto o ritmo, que em mim é constante.

Até posso assumir um estilo diverso
que o esteta vai chamar ambíguo e extravagante:
ser clássica e moderna, ser reverso e anverso,
mas sem trair a escola ou ser deselegante.

Nem sempre, então, atento à rima num soneto,
como se livre fosse o verso, branco (ou preto),
nem respeito o hemistíquio num alexandrino.

Acolho a inspiração como ela bate à porta,
trazendo-me no dorso a rima certa, ou torta...
E o ritmo? Ah, esse é música! Eu não desafino!

E S P A Ç O N A U T A   E   A    T E R R A

Às vezes me surpreendo imaginando
o que deve sentir um astronauta,
a olhar da altura a Terra divagando,
seguindo a órbita, no espaço, incauta.


Quem sabe há de cismar:”Como é pequena!
Que interesse terão os homens nela?
Guerras, paixões a fervilhar na arena,
longe assim, não são mais que bagatela”.

A ambição a exigir supremacia,
autos, litígios e burocracia...
que importam as urgências do planeta?

O tempo aqui é inócuo e sem remissa...
Não se discute a pressa ou a preguiça
com que a areia se esvai pela ampulheta.

E N T Ã O. . . T A L V E Z . . .

Quando o instante fatal chegar ao mundo,
e a Terra viva os últimos momentos,
quando convulsos no abismo profundo,
rugirem surdamente os elementos;

quando as águas dos mares e dos rios
em cálido vapor se transformarem,
e até o sol se apagar e ficar frio
e os astros pelo céu já não brilharem;

quando os altivos e ásperos rochedos
em lava ardente e flâmea se fundirem
e tombarem montanhas e penedos,
e Terra e Céu, por fim, se confundirem...

Então... talvez meu amor incandesça,
riscando o espaço qual astro cadente,
e de meu ser pra sempre se despeça,
e se apague a teus pés, enfim contente.

A    P A R Á B O L A    E    O    V E R B O

Em linguagem translúcida e despretenciosa,
ao alcance do povo rude que o escutava,
Jesus ia ao encontro de uma alma ansiosa,
e as coisas mais sutis, assim lhe revelava.

Um lírio, uma semente, uma ave ruidosa,
uma ovelha, um pastor... em tudo ele encontrava
o símbolo perfeito, a idéia imaginosa,
que em singular parábola identificava.

Então aqueles homens simples, iletrados,
podiam, pela fé singela iluminados,
reconhecer a essência que a verdade exala.

E aos doutos fariseus diziam, sem receio:
“É Ele o Emanuel! É o Verbo que já veio!
Jamais homem algum falou, como ele fala!”

N A T A L    D E    O U T R O R A

Dos ramos do pinheiro reluzente
lindas esferas pendem, caprichosas;
e eu vejo em cada uma a cena ambiente
refletida nas cores luminosas.

A mesma sala, o piano, a claridade
vazando pelas dobras da cortina;
os mesmos quadros que, apesar da idade,
resistem mudamente ao tempo e à ruína...

Onde, porém, se esconde o antigo encanto?
A procurar-lhe a sombra em cada esfera,
meus olhos tristes varrem cada canto,

e evoco ainda imagens tão distantes...
Ah se voltasse tudo a ser como era!
Ah se o Natal voltasse a ser como antes!

Fonte:
AVSPE

Dorothy Jansson Moretti

biografia atualizada

Nasceu em Três Barras , SC, indo para Itararé, SP, aos dois anos de idade.

Fez o Curso Primário no então "Grupo Escolar de Itararé", hoje "Tomé Teixeira".

Continuou os estudos em Castro e Londrina, PR, onde paralelamente lecionou Inglês, graduando-se posteriormente em São Paulo , Capital.

Começou a escrever poesias aos dezesseis anos, fazendo acrósticos em álbuns de recordações de pessoas amigas. Esporadicamente  escrevia artigos para os jornais "O Itararé"(extinto), e para  "O Guarani".

Mudou-se para Sorocaba, SP, em 1956, e nessa cidade publicou durante algum tempo, poesias e crônicas nos jornais locais   "Cruzeiro do Sul", "Diário de Sorocaba" e "Folha de Sorocaba" (extinto).

Em 1970 mudou-se para a capital de São Paulo, tendo lecionado Inglês em cinco escolas dessa cidade: No "Colégio Anglicano de Santo Amaro", no "Ginásio Estadual de Vila Leopoldina", no "Colégio Estadual Profa. Marina Cintra", no "Colégio Estadual  Amadeu Amaral", e no "Instituto Mackenzie", onde se aposentou em 1987.

É Sócia Honorária da Academia Sorocabana de Letras,
pertence à União Brasileira de Trovadores,
à Casa do Poeta  "Lampião de Gas" de São Paulo, da qual foi Secretária Geral no biênio  1987-1988,
bem como do jornal poético da Casa, o "Fanal", onde continua escrevendo poesias e trovas. 

Publica, ainda hoje, crônicas e poemas nos jornais de Itararé “O Guarani” e “Tribuna de Itararé”. É também sócia correspondente de várias academias de letras do país.

Tem poemas publicados em jornais, revistas e antologias de alguns estados brasileiros.

Participou de inúmeros concursos, alguns internacionais, tendo recebido troféus e diplomas na capital e no interior de São Paulo, e em várias cidades de outros estados.

Recebeu Medalha de Honra ao Mérito no Colégio "Amadeu Amaral", da capital, por ter feito a letra do Hino dessa escola, bem como  o histórico e a poesia em comemoração aos setenta anos de sua fundação, em 1979.

Recebeu Diploma de Honra ao Mérito, de Poeta do Mês e de Musicista , na Casa do Poeta, onde colaborava nas reuniões lítero-musicais, declamando poesias, cantando e tocando piano.

Recebeu ainda da Casa do Poeta de São Paulo, diploma e medalha de Sócia Benemérita  "Por seu importante destaque como benemérita defensora da cultura e difusão das Artes Poemáticas" (dizeres textuais do diploma), honraria que muito a sensibiliza.

Mudou-se em 1989 para Curitiba, PR, e nessa cidade publicou seu primeiro livro, "Frasco Vazio", pequena seleção de algumas de suas trovas premiadas.

Envia há muitos anos, crônicas, trovas e poesias para os jornais "Tribuna de Itararé", e "O Guarani", os quais, graciosamente, têm divulgado os seus escritos.

Em parceria com o Maestro Gerson Gorski Damaceno, fez a letra do Hino a Itararé, lançado a 28 de Agosto de 1989, como hino oficial da cidade. Na mesma data, aniversário de Itararé, recebeu seu Título de Cidadã Itarareense.

O Elos Clube de Itararé concedeu-lhe Diploma de Sócia Honorária, títulos ambos , que muito a sensibilizam e dignificam.

Em 1995 voltou a residir na cidade de Sorocaba, SP, onde, no ano  2000,  publicou um livro de sonetos intitulado "Folhas Esparsas",  do qual  em 2006 fez uma 2a. edição;  no ano 2002 publicou um livreto intitulado "Trovas ao Vento”, e em 2006 um outro também de trovas, intitulado  “Chá da Tarde”, que lhe valeu, em 2007, na categoria Poesia, o “Prêmio Anual Sorocaba de Literatura”.

Participa com trovas de quatro Coletâneas do Site www.sorocult.com, bem como dos "Sorocultinhos", coleção infantil que é distribuída gratuitamente às crianças carentes de várias instituições do  Município de Sorocaba, onde reside.

Fontes:
Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores
UBT Nacional

Luiz Vilela (1942)

Luiz Vilela (Ituiutaba/MG, 1942) 

Formou-se em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Estreou na literatura aos 24 anos, com o livro de contos Tremor de terra, pelo qual recebeu o Prêmio Nacional de Ficção em Brasília. Participou de vários projetos literários, como A Revista e a Página dos Novos, editada pelo jornal Estado de Minas.

Luiz Vilela também foi premiado no I e II Concurso Nacional de Contos, do Paraná.

Seus contos, romances e novelas já foram publicados em vários países, como Estados Unidos, Alemanha, França, Inglaterra, Itália, Suécia, Polônia, República Tcheca, Argentina, Paraguai, Chile, Venezuela, Cuba e México.

Depois de residir em São Paulo, e passar períodos nos Estados Unidos da América e na Espanha, Luiz Vilela vive desde meados dos anos 1970 em sua cidade natal.

Estudos sobre a sua obra já são vários nas universidades brasileiras, com alguns trabalhos também no exterior. Destacam-se O diálogo da compaixão na obra de Luiz Vilela, de Wania Majadas, lançado em 2000, Goiás, e em 2012, Minas Gerais, e a tese Faces do conto de Luiz Vilela, de Rauer Ribeiro Rodrigues, defendida em 2006 na Unesp de Araraquara.

Obras

Tremor de terra (contos, 1967)
No bar (contos, 1968)
Tarde da noite (contos, 1970)
Os novos (romance, 1971)
O fim de tudo (contos, 1973)
Contos escolhidos (antologia, 1978)
Lindas pernas (contos, 1979)
O inferno é aqui mesmo (romance, 1979)
O Choro no travesseiro (novela, 1979)
Entre amigos (romance, 1983)
Uma seleção de contos (antologia, 1986)
Contos (antologia, 1986)
Os melhores contos de Luiz Vilela (antologia, 1988)
O violino e outros contos (antologia, 1989)
Graça (romance, 1989)
Te amo sobre todas as coisas (novela, 1994)
Contos da infância e da adolescência (antologia, 1996)
Boa de garfo e outros contos (antologia, 2000)
Sete histórias (antologia, 2000)
Histórias de família (antologia, 2001)
Chuva e outros contos (antologia, 2001)
Histórias de bichos (antologia, 2002)
A cabeça (contos, 2002)
Bóris e Dóris (novela, 2006)
Amor e outros contos (antologia, 2009)
Perdição (romance, ed. Record, 2011)
Participa de diversas antologias de contos, no Brasil e no exterior.

Prêmio Jabuti
Em 1974, recebeu o Prêmio Jabuti pelo livro de contos O Fim de Tudo.

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Luiz_Vilela

Luiz Vilela (Fazendo a Barba)

 O barbeiro acabou de ajeitar-lhe a toalha ao redor do pescoço. Encostou a mão:

 — Ele está quente ainda...

 — Que hora que foi? — perguntou o rapazinho.

 O barbeiro não respondeu. Na camisa semi-aberta do morto alguns pêlos grisalhos apareciam. O rapazinho observava atentamente. Então o barbeiro olhou para ele.

 — Que hora que ele morreu? — o rapazinho tornou a perguntar.

 — De madrugada — disse o barbeiro; — ele morreu de madrugada. Estendeu a mão:

 — O pincel e o creme.

 O rapazinho pegou rápido o pincel e o creme na valise de couro sobre a mezinha. Depois pegou a jarra de água que havia trazido ao entrarem no quarto: derramou um pouco na vasilhinha do creme e mexeu até fazer espuma.

 O rapazinho era sempre rápido no serviço mas àquela hora sua rapidez parecia acompanhada de algum nervosismo: o pincel acabou escapulindo de sua mão e foi bater na perna do barbeiro, que estava sentado junto à cama. Ele pediu desculpas, muito sem-graça e mais descontrolado ainda.

 — Não foi nada — disse o barbeiro, limpando a mancha de espuma na calça; — isso acontece...

 O rapaz, depois de catar o pincel, mexeu mais um pouco, e então entregou a vasilhinha ao barbeiro, que ainda deu uma mexida.

 Antes de começar o serviço, o barbeiro olhou para o rapaz:

 — Você acharia melhor esperar lá fora? — perguntou, de um modo muito educado.

 — Não, senhor.

 — A morte não é um espetáculo agradável para os jovens — disse. Aliás, para ninguém...

 Começou a pincelar o rosto do morto. A barba, de uns quatro dias, estava cerrada.

 Através da porta fechada vinha um murmúrio abafado de vozes rezando um terço. Lá fora o céu ia acabando de clarear; um ar fresco entrava pela janela aberta do quarto.

 O barbeiro devolveu o pincel e a vasilhinha; o rapaz já estava com a navalha e o afiador na mão: entregou-os ao barbeiro e pôs na mesa a vasilhinha com o pincel.

 O barbeiro afiava a navalha. No salão, era conhecido seu estilo de afiar, acompanhando trechos alegres de música clássica, que ele ia assobiando. Ali, no quarto, ao lado de um morto, afiava num ritmo diferente, mais espaçado e lento: alguém poderia quase deduzir que ele, em sua cabeça, assobiava uma marcha fúnebre.

 — É tão esquisito — disse o rapazinho.

 — Esquisito? — o barbeiro parou de afiar.

 — A gente fazer a barba dele...

 O barbeiro olhou para o morto:

 — O que não é esquisito? — disse. — Ele, nós, a morte, a vida, o que não é esquisito?

 Começou a barbear. Firmava a cabeça do morto com a mão esquerda, e com a direita ia raspando.

 — Deus me ajude a morrer com a barba feita — disse o rapazinho, que já tinha alguma barba. — Assim eles não têm de fazer ela depois de eu morto. E tão esquisito...

 O barbeiro se interrompeu, afastou a cabeça e olhou de novo para o rosto do morto — mas não tinha nada a ver com a observação do rapaz; estava apenas olhando como ia o seu trabalho.

 — Será que ele está vendo a gente de algum lugar? — perguntou o rapazinho.

 Olhou para o alto — o teto ainda de luz acesa —, como se a alma do morto estivesse por ali, observando-os; não viu nada, mas sentia como se a alma estivesse por ali.

 A navalha ia agora limpando debaixo do queixo. O rapazinho observava o rosto do morto, seus olhos fechados, a boca, a cor pálida: sem a barba, ele agora parecia mais um morto.

 — Por que a gente morre? — perguntou. — Por que a gente tem de morrer?

 O barbeiro não disse nada. Tinha acabado de barbear. Limpou a navalha e fechou-a, deixando-a na beirada da cama.

 — Me dá a outra toalha — pediu; — e molhe o paninho.

 O rapaz molhou o paninho na jarra; apertou-o para escorrer, e então entregou ao barbeiro, junto com a toalha.

 O barbeiro foi limpando e enxugando cuidadosamente o rosto do morto. Com a ponta do pano, tirou um pouco de espuma que tinha entrado no ouvido.

 — Por que será que a gente não acostuma com a morte? — perguntou o rapazinho. — A gente não tem de morrer um dia? Todo mundo não morre? Então por que a gente não acostuma?

 O barbeiro fixou-o um segundo:

 — É — disse, e se voltou para o morto. Começou a fazer o bigode.

 — Não é esquisito? — perguntou o rapazinho. — Eu não entendo.

 — Há muita coisa que a gente não entende — disse o barbeiro.

 Estendeu a mão:

 — A tesourinha.

 Na casa, o movimento e o barulho de vozes pareciam aumentar; de vez em quando um choro. O rapazinho pensou alegre que já estavam quase acabando e que dentro de mais alguns minutos ele estaria lá fora, na rua, caminhando no ar fresco da manhã.

 — O pente — disse o barbeiro. — Pode ir guardando as coisas.

 Quando acabou de pentear, o barbeiro se ergueu da cadeira e contemplou o rosto do morto.

 — A tesourinha de novo — pediu.

 O rapaz tornou a abrir a valise e a pegar a tesourinha.

 O barbeiro se curvou e cortou a pontinha de um fio de cabelo do bigode. Os dois ficaram olhando.

 — A morte é uma coisa muito estranha — disse o barbeiro.

 Lá fora o sol já iluminava a cidade, que ia se movimentando para mais um dia de trabalho: lojas abrindo, estudantes andando para a escola, carros passando.

 Os dois caminharam um bom tempo em silêncio; até que, à porta de um boteco, o barbeiro parou:

 — Vamos tomar uma pinguinha?

 O rapaz olhou meio sem jeito para ele; só bebia escondido, e não sabia o que responder.

 — Uma pinguinha é bom para retemperar os nervos — disse o barbeiro, olhando-o com um sorriso bondoso.

 — Bem... — disse o rapaz.

 O barbeiro pôs a mão em seu ombro, e os dois entraram no boteco.

Fonte:
Ítalo Moriconi (seleção). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000.

Aníbal Lopes (O Amor é Natural)

A nostalgia de uma geração
que tanto cultivou a afeição,
sente-se hoje hostilizada
pelos génios da modernidade
que fabricam a felicidade
que vendem devidamente esterilizada.

Nascidos na sombra do engano
acabam por causar dano
com os seus valores fabricados.
Com falsos juízos de valor
dão outro sentido ao amor
sem a expressão pura dos apaixonados.

Tudo surge como fruto de pecado
e querem fazer-te culpado
da rua rebeldia de sentimentos.
Mas a sua existência frustrada
só pode ser ignorada
por tão ausente de fundamentos.

A sua tão frágil concepção
do que diz respeito ao coração,
parece-me irónica decadência.
O amor é simplesmente natural
tal como um alimento essencial,
mas o amor não é uma ciência.

Fonte:
Poema enviado por Lino Mendes/Portugal

Carina Isabel M. Cardoso (Luzia)

Por aqueles corredores com pisos soltos, paredes encardidas e descascadas, Luzia transitava todos os dias, vendo sua vida passar sem perceber o dia lá fora.

Mulher magra e muito alva, com aparência cansada e desleixada de quem tem pouco tempo para si, mas ainda mostrando-se bela, apenas descuidada, ela segue mais uma vez para o quarto da mãe doente e moribunda. Luzia cuida da mãe com todo o zelo que uma filha pode dispor à sua progenitora, apesar de seus olhos não esconderem o desprezo por aquela mulher que apesar de velha e doente ainda consegue ser tão cruel, com uma língua tão ferina.

Apesar de religiosa, D. Matilde não tinha nem de longe um coração puro, tinha um olhar que só passava frustração, mágoa e inveja a quem o fitasse. Nada de bom se aprendia com aqueles olhos negros e fundos, mesmo sendo tão experientes e sábios.

D. Matilde sempre foi uma mulher ligada à igreja, querida pelos que compartilhavam sua fé, tão caridosa, tão solicita aos necessitados que a comunidade ajudava, mas, dentro de casa sempre levou a família com mãos de ferro, nunca dando a menor mostra de carinho e afeição pela única filha e nem ao marido que sempre fez de tudo para agradá-la, bancando todos os seus caprichos, até mesmo concordando que Luzia, por ser a única filha, não deveria se casar enquanto os dois ainda estivessem vivos, que ela deveria era cuidar dos pais e da casa, pois eles não tinham mais ninguém por eles, e mesmo que ela se casasse e morasse perto não seria suficiente, teria que morar sempre com eles, até o fim.

Quando o pai faleceu, Luzia perdeu sua única alegria de estar ali, pois o pai era um homem muito gentil, e apesar de fraco, nunca retrucou uma palavra maldosa de sua esposa, mesmo assim sua relação com ele era muito boa, ela procurou aceitar que o pai agia dessa maneira para manter as coisas em harmonia.

Agora que estavam sós, apenas as duas vivendo na casa, as coisas eram levadas na base da diplomacia entre elas, e ao entrar naquele quarto escuro, fétido e triste ela se preparava para ouvir qualquer coisa de sua mãe, e quando entrava aquela troca de olhares, o ódio com que aqueles olhos negros e profundos das duas se encontravam, chegava a doer na alma. E, D. Matilde não aceitava o fato de estar tão doente, sempre colocando a culpa na filha, pois se não a tivesse parido com certeza sua saúde estaria muito melhor, não teria perdido tanto tempo cuidando de uma criança e sim de si mesma, e não precisaria de ajuda de ninguém.  Era inaceitável para ela ter que ser guiada até o banheiro, tomar banho na cama, mas Luzia mesmo com tantos motivos para odiar sua mãe, não conseguia apenas se sentia muito pequena diante daquela mulher na cama, emagrecida e doente. Queria apenas um pouco de respeito, afinal ela se abandonou completamente para estar ali, não amou, não estudou, não viveu nada além daqueles corredores com pisos soltos e paredes encardidas, ouvindo as amigas de sua mãe dizer o quanto ela era boa e generosa, o quanto ela deveria ser grata por ter nascido em um lar tão abençoado, e aquelas palavras acabavam por diminuir ainda mais sua esperança de respeito, apesar de seu tamanho, ela se imaginava quase invisível aos olhos negros, profundos e cheios de rancor com os quais sua mãe a fitava entrando no quarto trazendo sua comida, esperando até que ela desse a última garfada e para limpar a boca da mãe.

Rezava todas as noites para que aquela fosse a última de sua sina, já não aguenta mais, não o trabalho a ser feito, mas sim o desprezo, mas então outro dia recomeçava e com ele a sina que parecia não ter fim, e a cada dia que passava ficava mais difícil encarar aqueles olhos, aquele rancor. E então, aquela menina que tanto lutou para não ter aqueles olhos, os viu no espelho quando refletia a sua imagem e não a dela; viu a mesma amargura, o mesmo mal, sem saber de onde veio o dela; sabia exatamente o quando e o porquê seus olhos se tornaram brilhantes como duas pedras de ônix; mas o brilho não era bom, não era agradável, e então ela soube que era hora de acabar com sua sina, foi até o seu algoz e com toda a coragem que o mundo poderia lhe dar naquele momento, em uma última tentativa de viver bem, abraçou sua mãe, disse que a amava e que iram ter novas regras em casa a partir daquele momento; não suportaria mais aquelas palavras cruéis, os olhares de desdém, o rancor e a culpa, tomaria as rédeas da situação e que a mãe pensasse o que quisesse daquilo. Foi então que viu sua mãe chorar pela primeira vez em sua vida de quarenta e dois anos, um choro verdadeiro e sentido, vindo da alma, como se descarregasse o peso acumulado a vida inteira, mas nunca explicou o porquê daquele choro tão dolorido, mas a partir daí as coisas ficaram diferentes, Luzia conheceu o amor e casou-se, teve filhos e ninguém mais soube de D. Matilde, o que houve com ela só a filha sabe, e o motivo daquele choro também não foi revelado...

Luzia nunca mais pisou naquela casa de pisos soltos e paredes encardidas…

Fonte:
Clic – Palavra de Mulher
http://sorocult.com/palavrademulher/escritora.php?codigo=53

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 639)

Uma Trova de Ademar 

Ganhei diversos troféus
mas me falta um na lista:
ganhar o reino dos céus...
A derradeira conquista!
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Prá não cometer deslizes
afirmo, sem hesitar...
Seu poema CICATRIZES!
“Marcou” – Vou sempre lembrar!
–Décio Rodrigues Lopes/SP–

Uma Trova Potiguar 


Não me tire dessa lista
não cabe a mim essa cova,
pois poeta cordelista
também aprecia trova.
–José Acaci/RN–

Uma Trova Premiada 


2011  -  CTS-Caicó/RN
Tema  -  PEGADA  -  12º Lugar


Deus me cobre de bonanças
e me guia estrada além
porque, nas minhas andanças,
sigo as pegadas do Bem.
–Antônio Juraci Siqueira/PA–

...E Suas Trovas Ficaram 


A primavera aos oitenta
só não está mais vazia,
porque a saudade a sustenta
e é seu pão de cada dia.
–Miguel Russowsky/SC–

Uma Poesia 


Só o presente me diz
tudo que fiz no passado,
caminho certo ou errado,
nas caminhadas que fiz,
só mesmo o destino quis
modificar minha mente,
o corpo velho e doente
mantém as rugas da cara.
A saudade não separa
o passado do presente.
Zé Vicente/PB–

Soneto do Dia 

ANJO NEGRO.
–Divenei Boseli/SP–


Tentando em vão ouvir a voz do sino
sepulto nas sepultas pedras brutas,
eu perguntei ao mar: - com que permutas
o som que eu tento ouvir com desatino?

Assim foi quando eu quis, do meu destino,
sondar os socavãos das próprias grutas
que guardam até hoje, hostis e astutas,
meu barco sem timão: meu próprio tino.

Mas, vendo entardecer o meu desgosto,
a lua branca e o sol, já quase posto,
descerram do mistério o denso véu

e um anjo cor da noite, abrindo a trilha,
levou-me ao céu recôndito da Ilha
e eu cavalguei o mar dentro do céu!

Fonte:
Seleção por Ademar Macedo

Márcia Tiburi (1970)

Márcia Angelita Tiburi (Vacaria/RS, 6 de abril de 1970)

Graduada em filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1990), e em artes plásticas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1996); mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1994) e doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1999) com ênfase em Filosofia Contemporânea.

Seus principais temas são ética, estética e filosofia do conhecimento.

Publicou diversos livros de filosofia, entre elas as antologias As Mulheres e a Filosofia (Editora Unisinos, 2002),  O Corpo Torturado (Ed. Escritos, 2004), e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero (2008, Edunisc), Seis Leituras sobre a Dialética do Esclarecimento (2009, UNIJUí).

 Publicou também os ensaios: Crítica da Razão e Mímesis no pensamento de Theodor Adorno (EDIPUCRS, 1995),Uma outra história da razão (Ed. Unisinos, 2003), Diálogo sobre o Corpo (Escritos, 2004), Filosofia Cinza - a melancolia e o corpo nas dobras da escrita (Escritos, 2004) e Metamorfoses do Conceito (ed. UFRGS, 2005). 

 Em 2008 publicou Filosofia em Comum - para ler junto (Record). Publicou em 2009 em parceria com Denise Mattar o livro Maria Tomaselli, sobre a artista homônima.

 Em 2010 publicou o infantil Filosofia Brincante (Record) e Diálogo/Desenho (ed. SENAC). Publicou em 2011 Olho de Vidro, a televisão e o estado de exceção da imagem (Record).

 Publicou os romances Magnólia em 2005 indicado em 2006 ao Jabuti de melhor romance e o segundo volume da série Trilogia Íntima chamado A Mulher de Costas em 2006 (ambos pela Ed. Bertrand Brasil). Em 2009 finalizou com o romance O Manto(pela Ed. Record), a série intitulada Trilogia Íntima.

 Em 2012 publica o romance Era Meu esse Rosto pela Editora Record. Ainda no prelo encontram-se os livros Diálogo/Dança e Diálogo/Fotografia pela editora do SENAC-SP.

 Como escritora, já participou de diversos eventos literários, entre eles a Jornada Literária de Passo Fundo, a Fliporto, o Festival da Mantiqueira, a Tarrafa Literária de Santos, as Bienais do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, as feiras de Ribeirão Preto, de Porto Alegre, de Santa Maria, a Panamazônica de Belém, e diversas outras.

 Escreveu para várias revistas e jornais e desde 2008 é colunista da Revista Cult.

 É professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, professora convidada da Fundação Dom Cabral. Realiza palestras sobre filosofia, ética e educação e temas relacionados.

Fontes:
http://www.marciatiburi.com.br/curriculo.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Márcia_Tiburi

Marcia Tiburi (O Desejo do Tempo)

 Os antigos gregos tinham em Chronos, deus do tempo, a imagem do pai todo poderoso devorador dos filhos. Ele criava, ele mesmo aniquilava. O tempo cronológico é apenas o tempo que passa. Mas a experiência do tempo não passa tão simplesmente, somos nós que passamos por ela. Nos constituímos, em nossa interioridade, a partir dela. Como dizia Santo Agostinho, o tempo é algo complexo demais, sendo muito difícil para cada um explicá-lo. Tanto quanto é fácil de entender, pois estamos nele desde sempre. O tempo nos possui e não o contrário.

UM DIA DE CADA VEZ

É melhor viver um dia de cada vez? É provável que ouçamos ou pronunciemos esta frase em vários momentos da vida. Quando incertezas e desesperanças se põem em cena é a reflexão sobre o tempo (seja ele dito na forma dos dias, das horas, do tempo ao tempo) que sustenta nossas ponderações. Ou na básica ansiedade que move o cotidiano, quando não compreendemos as próprias direções, quando, sem perspectiva ou foco, parece que não buscamos nada. Ansiosos quando queremos muito, nem sempre sabemos bem o que queremos. E nos angustiamos porque estamos no tempo, medido, e não na eternidade, desmedida. A vida exige solução, mas o tempo é o limite de toda vontade. Por isso, ele também é possibilidade.

A frase traz uma sabedoria básica na forma de um conselho sobre o uso e a compreensão do tempo, do qual depende o desejo, nome que se dá ao modo de nos relacionarmos ao futuro, o nosso e o que compomos junto de outros. A frase nos diz sobre um modo de tratar com a frustração comum na sociedade de hoje: a da ausência do desejo que diz respeito a uma incapacidade de criar projeto de vida. Ou seja, o que fazer da vida dentro de seu limite. “Um dia de cada vez” significa: “vá com calma, aproveite o tempo presente”, mas por outro lado, também diz “esqueça a totalidade da vida”. Aí conhecemos o conflito com a “temporalidade” sobre o qual vivemos cegos. Se pensarmos em termos de vantagens, talvez não seja frutífero ter em mente a vida inteira, o todo do que podemos fazer com o tempo que dispomos, pois não há certeza sobre o que virá. Porém, sem pensar no todo da vida, que é o tempo que temos para viver, talvez fique difícil orientar-se dentro dela. Sem sabermos do nosso tempo, estamos perdidos de nós mesmos, sem futuro. A dimensão do tempo é mais que psicológica e metafísica, ela é também prática. Põe-nos diante de nossa liberdade de decisão, define o destino, ou o tempo, que devemos construir.

 A experiência do tempo pode ser uma experiência de angústia, de que algo desconhecido nos espreita. Só o desejo é a cura desta sensação de opacidade da vida. O desejo não é tormento, mas o caminho para sair dele. Ela não vem do nada. Nasce do tempo experimentado em seu limite, do fato de que há a consciência perturbadora da existência que é a morte. Enquanto esperamos seguimos a “viver um dia de cada vez”. No tempo que é sempre medida, a soma dos dias, compõe o sentido da vida, o valor da eternidade.

OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA

Assim como damos “limites” às crianças para que possam orientar seus desejos, seus quereres e poderes, nós, mesmo adultos, deveríamos nos reorientar no nosso limite com a vida, a que chamamos tempo. O tempo, todavia, não é a mera duração da vida. A duração é só o tempo do relógio, ela se parece mais com o espaço que percorrem os ponteiros no mostrador. Nosso modo de compreender o tempo é o que nos orienta na vida: o tempo do trabalho, o tempo do lazer, o tempo do conhecimento, do amor, o tempo interior, o tempo domesticado pela vida orientada e administrada que vivemos. O tempo é um radar que nos ensina aonde ir, nossas urgências, os caminhos que precisamos escolher diante da impossibilidade de seguir todos.

 A frase sobre o dia a dia a ser vivido de um em um, nos serve de antídoto quando vivemos esta frustração tão específica que é a do tempo que não aprendemos a experimentar em seus dois pólos, o do todo fora de nós (a família, a sociedade, a história, o planeta) e o do que se elabora em nossa interioridade. De um lado, vivemos o nosso tempo pessoal, o tempo de cada individualidade, de cada um que experimenta seu corpo, seu sentimento, medos, anseios, possibilidades, e sua noção de morte. O tempo individual é sempre o tempo da insegurança. Buscamos os outros: filhos, maridos, amigos, trabalho, para participarmos do tempo coletivo onde, ao partilharmos a insegurança com as demais individualidades, a eliminamos. Para tudo isso é preciso sempre muita atenção sobre o que estamos vivendo.

A AVAREZA DO TEMPO

Por outro lado, todos aqueles que sabem o valor do tempo, costumam pensá-lo em analogia com o dinheiro: tempo é dinheiro. Quem dispensa tempo, dispensa dinheiro ou, em termos mais técnicos, dispensa lucro. Mas o que é o lucro senão a vantagem que temos em relação aos outros, ao trabalho, à vida? O lucro é um “a mais”, mas a vida não vai nos dar mais tempo. Logo, tempo não é necessariamente dinheiro, mas justamente o que nos logra se a vida não foi bem vivida. Se o avaro economiza dinheiro, quem economizar tempo não poderá ser avarento, a rigor, o tempo é algo que sempre se multiplica. O tempo se multiplica na generosidade. É uma questão de organização. O desejo só surge como mensagem na garrafa àquele que entendeu a função de seu tempo próprio no tempo coletivo.

Fonte:
Revista Vida Simples. Janeiro de 2007. Ed. 49. P. 56-57.
http://www.marciatiburi.com.br/textos/odesejodotempo.htm

Marcia Tiburi (Entre a Ficção e a Filosofia)

A escritora Márcia Tiburi participa de dois eventos em Curitiba em que discute sua produção literária e sua relação com a leitura   

Como muitos escritores brasileiros, a gaúcha Márcia Tiburi divide sua produção literária com atividades acadêmicas. Ela é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, em São Paulo. Para ela, porém, não há uma distinção clara entre a filosofia e a literatura. “Embora sejam coisas diferentes, uma ensina a outra. Quando eu faço filosofia, eu trabalho com conceitos, e quando eu faço literatura, trabalho com a imaginação. A descoberta da literatura ajuda a minha filosofia, e vice-versa”, explica em entrevista por telefone à Gazeta do Povo.

A escritora chega hoje a Curitiba para dois eventos, em que discute mais a fundo as relações de sua produção artística: primeiro, conversa com o músico Heitor Humberto, da Banda Gentileza, às 20 horas, no Teatro Sesi durante o Sesi Zoom Cultural, evento voltado ao público jovem que reúne artistas de diferentes áreas. Depois, na quarta-feira, às 20 horas, Márcia bate um papo com o público sobre sua obra e a importância da leitura, no do projeto Paiol Literário, promovido pelo jornal Rascunho, em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, o Sesi Paraná e a Fiep, no Teatro do Paiol.

A escritora, autora dos romances Magnólia (2005), A Mulher de Costas (2006) e, mais recentemente, Era Meu Esse Rosto (2012), entre outros, foi comentarista semanal do talk show feminino Saia Justa, exibido pelo canal pago GNT, junto com Luana Piovani, Monica Waldvogel e Maitê Proença, e afirma que falar com o público é um exercício constante. “Meu trabalho como professora e escritora é articular com alunos, jornalistas, leitores, e não há muita diferença para mim. Mas percebo como meus leitores, quando conversam comigo em encontros literários, preferem falar de filosofia, que é uma experiência construída unicamente da reflexão, e não exige o conhecimento de uma narrativa.”

Atualmente, a escritora vai além do romance e do texto acadêmico. Colunista da revista Cult desde 2008 e cronista do site Vida Breve, ela explica como os diferentes gêneros são parte fundamental de sua vida: “Quando eu escrevo literatura, há um outro esforço, o da estética escrita. Eu entro no reino das sensações, das imagens, tudo bem diferente do território da razão filosófica. E eu gosto das duas coisas. Já pensei se deveria largar uma, mas percebi que não passo sem elas. E sei que não estou sozinha, porque sei de outros que seguiram pelo mesmo caminho, como Camus, Sartre e Simone de Beauvoir.”

Fonte:
Gazeta do Povo. Caderno G. 16 de agosto de 2012.

Rosângela Boyd de Carvalho (O Negro na Literatura Brasileira: a necessidade de um novo paradigma de crítica social e literária)

A história da África e seus habitantes, especialmente os que foram trazidos para o Brasil como escravos e seus descendentes, ou seja, todos nós, transformou-se, ainda que tardiamente, em componente curricular obrigatório. Talvez não a obrigatoriedade mas o privilégio de saber sobre o continente africano devesse nos impulsionar a descobrir mais sobre uma terra tão íntima e ao mesmo tempo estranha, próxima e distanciada.

Há mesmo quem chegue a pensar que a África é um país e não um continente. E normalmente esse país é pensado como um lugar onde habitam povos “primitivos” que vivem em tribos em meio à floresta cheia de animais selvagens. (ADINOLFI, 2005: p.1)

Estes e outros estereótipos encontram-se amplamente divulgados pelos meios de comunicação e pelo próprio sistema educacional, ainda representando extensões do pensamento europeu do final do século XIX, até então considerado científico, mas que veiculou informações menos científicas do que ideológicas sobre o continente africano, a fim de justificar o sistema de dominação colonial.

Forjou-se um conceito de raças humanas pressupondo uma hierarquia em cujo topo estava, evidentemente, o branco (caucasiano). Na base estariam os povos africanos e outros de pele escura, como os aborígenes australianos, vistos como “incapazes”, “preguiçosos”, “atrasados”, “selvagens” que só poderiam ser salvos pela ação da colonização européia. (Idem, Ibdem)

O outro lado da moeda que estampa o africano incapaz e atrasado revela o branco superior e desenvolvido. A teia de conceitos confunde ciência com ideologia, individualidades com estereótipos, verdades com vontades, onde se tece uma outra forma de cativeiro: a escravidão simbólica que irá castigar incansavelmente a auto-estima dos afrodescendentes.

O texto literário do século XIX, ansioso por configurar nossa identidade nacional, deixa escapar as contradições de uma sociedade que deseja acompanhar os modelos da modernização européia, beneficiando-se ainda da herança nefasta da escravidão.(SCHWARZ, 1990) A literatura oficial brasileira, acompanhando o modelo social hierarquizado, teria desprestigiado as atuações das etnias diferenciadas até o início do século XX, à exceção de Lima Barreto e Solano Lopes que, mesmo assim, só bem mais tarde receberam algum reconhecimento. A representação dos negros na literatura ficaria restrita a alguns estereótipos, entre os quais, aqueles do negro dócil, castigado, submisso, ou, por outro lado, bestial, instintivo, carnal. Assim, ocorreu um processo que substituiu a invisibilidade por uma visibilidade estereotipada, que felizmente existiu para que pudesse ser desmentida, tal como aparece em Solano Trindade ao revelar o homem negro como um ser humano em sua complexidade, sujeito de uma escritura:

    Eu tenho orgulho de ser filho de escravo…
    Tronco, senzala, chicote,
    Gritos, choros, gemidos,
    Oh! que ritmos suaves,
    Oh! Como essas coisas soam bem
    nos meus ouvidos…
    Eu tenho orgulho em ser filho de escravo.


No entanto, a literatura encontra-se povoada por estereótipos de todas as cores: desde o Gaúcho de Alencar, que cavalgava pelos pampas sem subjetividade, à donzela pálida e assexuada, passando pelo índio homenageado por bom comportamento, o português rústico, o sertanejo jeca ou o nordestino retirante. Quanto à representação do negro, identificam-se dois grupos de autores: um deles representando os personagens negros a partir de estereótipos que apenas reproduziriam o modelo social hierarquizante; e um outro que busca subverter essa representação. Porém, talvez seja impróprio compará-los e, principalmente, cobrar dos primeiros o amadurecimento de uma consciência étnica e crítica que se construiu a partir de um processo histórico e estético que apenas o segundo grupo vivenciou.

Então, podemos indagar: Quando os negros participam da produção literária em forma de estereótipo, não seria possível encontrar do outro lado dessa moeda desvalorizada o branco também preso ao seu próprio estereótipo? Ah! Mas aí seria um estereótipo positivo, já que o europeu seria representado como o Senhor, como aquele que segura o cabo do chicote. No entanto, se compreendemos essa representação como “positiva”, não estaríamos compartilhando o mesmo ideário, a mesma concepção eurocêntrica que preparou tais dicotomias? Será que a concepção da negritude é uma capacidade epitelial?

Talvez esse sentimento dependa menos da origem do que da capacidade de duvidar de verdades construídas para proteger interesses, ou da vontade de verdade ocidental, que engendrou conceitos como raça, pureza, desenvolvimento etc. (NIETZSCHE, 1992) No entanto, reproduzir a ideologia dominante não caracterizaria necessariamente uma literatura não-negra, mas uma literatura não-crítica. Mas isso é igualmente uma classificação imprópria, principalmente se levarmos em consideração que os silêncios do texto também significam algo; que nós podemos detectar o que foi silenciado, como detectamos o silenciamento dos personagens negros, de seu aprisionamento em estereótipos, do mesmo modo que podemos observar o sacrifício e o sofrimento de Peri e Iracema, por mais que Alencar desejasse afirmar a harmonia do encontro entre o colonizador e o índio, ou tapar o sol com a peneira, como diz o ditado popular.

Uma outra personagem feminina, desta vez não uma índia mas uma mulata, teria recebido um tratamento inadequado pelo poeta Gregório de Matos. É em relação ao tratamento dispensado à mulher que o poeta estabelece uma nítida distinção entre as raças. Assim, ele retrata a mulher branca como um ser angelical – anjo no nome, angélica na cara – para deixar patente a sua inacessibilidade como ser superior, enquanto a visão que projeta da mulher negra corre em direção contrária, de modo que o rebaixamento no seu tratamento contrasta com a divinização emprestada à mulher branca. Daí, enquanto Maria é definida como santa, anjo ou deusa, à personagem Jelu não seria dispensado tratamento semelhante, restando-lhe os atributos que pertenceriam ao “sórdido”, “impuro” ou “bestial”

Assim, em contraste com a visão de amor platônico retratada no soneto que Gregório dedica a Maria, Jelu é transfigurada, sem a menor cerimônia, em gata dissoluta.(NASCIMENTO, 2006:p.59) Portanto, o poeta seiscentista ainda não transgride uma concepção de mundo baseada em dicotomias e hierarquias. No entanto, observando isso, poderíamos nos perguntar se tal paradigma classificativo é facilmente superável.

Afinal, quando um determinado paradigma de escolha nos incomoda – carnal em vez de espiritual, pureza em vez de luxúria, bestial em vez de humano, puta em vez de santa –, isso significa que ainda estamos operando nos termos de seu modelo dicotômico e hierarquizante, ou seja, que não superamos ainda a velha cartilha do pensamento ocidental que classificou os africanos como inferiores, incapazes e feios, enquanto ressaltava a inteligência, a beleza e a superioridade do europeu.

No fundo, o que efetivamente nos incomoda é a possibilidade de sermos identificados como pertencentes aos “impuros” ou “inferiores”, mas não propriamente a existência do modelo cultural que opera com dicotomias. Ora, pensando ou sentindo nesses termos, embora não conscientemente, o trabalho de crítica não está livre de reproduzir a mesma concepção de mundo daqueles que, antes de escravizarem os africanos, escravizaram os paradigmas de verdade e autoproclamaram-se modelos de excelência cultural, social ou racial.

Referências

ADINOLFI, Maria Paula Fernandes. “Africanidade: diversidade e unidade nas sociedades africanas”. In Cartilha do Museu Afro-brasileiro. Salvador: CEAO/UFBA, 2005. p.1

NASCIMENTO, Giselda Melo. O negro como objeto e sujeito de uma escrita. Londrina: UEL, 2006.

NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. São Paulo: Duas cidades, 1990.
–––––––––––––
* ROSÂNGELA BOYD DE CARVALHO é Mestre em Literatura Brasileira pela UFF; Pós-Graduada em Cultura e Literatura Africana pela UCB; Profª. Titular de Literaturas na Faetec e Feuduc.

Fonte:
Artigo enviado poe Antonio Ozaí da Silva, da Revista Espaço Acadêmico, da Universidade Estadual de Maringá, n76, setembro de 2007, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/076/76carvalho.htm

Cristovão Tezza (O Território do Escritor)

A língua é o espaço que forma o escritor. Tentar compreendê-la (essa tarefa impossível) será, portanto, um bom caminho para compreender a atividade da literatura. A questão é que há tantas línguas - e isso no universo do mesmo idioma - quanto há escritores. Quando falo de língua, não se trata apenas do simples depósito de palavras que circulam em uma comunidade, nem de um sistema gramatical normativo às vezes mais, às vezes menos estável numa sociedade, numa estação do ano, num sexo, numa região, numa família ou em parte dela, num lugarejo, numa classe social, naquela rua, num determinado dia, num livro - e quase nunca num país inteiro.

A língua em que circula o escritor jamais é uma entidade unitária. Não pode ser, em caso algum, uma ordem unida. Porque a matéria da literatura não é um sistema abstrato de regras e relações, uma análise combinatória de fonemas ou um conjunto de universais semânticos - como tem sido a língua para uma corrente considerável dos cientistas da língua. Justamente por serem abstratos, justamente por serem apenas fonemas e justamente por serem universais, esses elementos primeiros são desprovidos de significado - servindo a todos, não servem a ninguém. De fato, não chegam a se constituir em "língua", uma vez que deles se suprimiu a outra parte indispensável da palavra: o falante.
 
O falante - o homem que tem a palavra - é portanto o verdadeiro território do escritor: a língua real e concreta é ele. E em que sentido ele pode ser considerado uma entidade universal? Isso interessa, porque no exato momento em que uma palavra ganha vida, na voz do falante, ela ganha também o seu limite: o pé no chão, que não é qualquer chão, o espaço, que é esse espaço, e não outro, o ar que se respira, o tempo, o dia, a hora, toda a soma das intenções muito específicas convertidas no impulso da palavra; e, é claro, a ninguém interessa o que a palavra quer dizer de velha (isso até o dicionário sabe), mas o que ela quer dizer de nova, isto é, o que é novo e surpreendente no que se diz. Esse espetáculo das vozes que falam sem parar no mundo em torno, ou nesse mundo em torno, nesse exato momento, é a vida indispensável de quem escreve. É nessa diversidade imensa e imediata que se move quem escreve, o ouvido atento.

Mas há ainda um terceiro complicador na palavra, além da sua matéria mesma e além daquele que fala. Porque, se desdobramos a palavra, descobrimos que quem lhe dá vida não é exatamente o falante. Ninguém no mundo fala sozinho. Mesmo que, numa redução ao absurdo, isso fosse possível - ou seja, uma palavra que dispensasse os outros para fazer sentido - ela seria uma palavra natimorta, um objeto opaco à espera de um criptólogo que lhe rompesse o isolamento, como um Champollion diante de uma pedra no meio do caminho, mas então a suposta pureza original auto-suficiente estaria destruída.
 
Assim, surge outro território essencial de quem escreve: o território de quem ouve, a força da linguagem alheia, dos outros, num sentido duplo - interessa tanto o que os outros nos dizem (e somos nós que damos vida a essas palavras que vêm de lá, antes mesmo de se tornarem voz), quanto o que nós dizemos (e são eles, os outros, que dão vida ao que dizemos, antes mesmo de a gente abrir a boca). Para a palavra e para tudo que significa, os outros não são uma escolha, mas parte inseparável. Mesmo solitários, de olhos e ouvidos fechados, isolados na mais remota ilha do mais remoto oceano, no fundo de uma caverna escura e silenciosa, mesmo lá ouviríamos, em cada palavra apenas sonhada, a gritaria interminável dos que nos ouvem.

Enquanto isso, é sempre bom lembrar que nesse trançado infinito de vozes o que trocamos não são símbolos e códigos neutros; nem sinais de computador, nem mensagens unilaterais; a vida da linguagem está no fato de que não ouvimos ou lemos apenas sons ou letras, mas desejos, medos, ordens, confissões; de que não falamos ou escrevemos sinais, mas intenções, pontos de vista, sonhos, acusações, defesas, indiferenças. Ninguém entende a linguagem como certa ou errada (exceto nos cadernos escolares), mas como verdadeira, mentirosa, bela, nojenta, comovente, delirante, horrível, ofensiva, carinhosa... É exatamente nesse pântano inseguro dos valores que se move o escritor. E é apenas nesse terreno de valores que a forma da palavra pode ganhar seu estatuto estético, a sua dignidade poética, historicamente flutuante.

A língua do escritor é uma entidade necessariamente impura, contaminada, suja de intenções, povoada previamente de muitas outras línguas (do mesmo idioma ou fora dele), de milhões de vozes. Se nessa diversidade essencial está a riqueza de quem escreve, nela também está a sua fronteira necessária, e, em última instância, a sua ética. Para formar a minha palavra, eu preciso da palavra do outro compartilhando com ela a força e o valor de origem - esse o meu limite. A palavra que eu tomo em minhas mãos, como ensina Bakhtin, não é nunca um objeto inerte - há sempre um coração alheio batendo nela, uma outra intenção, uma vida diferente da minha vida, com a qual eu preciso me entender, se pretendo significar. Assim, a minha liberdade de criação, a minha palavra, tem na autonomia da voz do outro o seu limite. O que parece a natureza mesma da linguagem, o seu duplo, talvez possa se transformar, para o escritor, na sua ética.

Para encerrar, voltamos à questão primeira: se tudo que significa, significa aqui e agora, na urgência do tempo da vida e no limite do espaço dos nossos passos, em que sentido a língua é uma entidade universal? Entre a língua que falam os brasileiros e a que falam os franceses e os americanos e os nigerianos e os esquimós e os tupis, e dentro de cada uma delas, entre os que são a e os que são b, há uma relação universal de sinais ou uma relação muito específica de força? Só vejo uma resposta: de força, é claro, mas pode se tornar universal, desde que a universalidade se entenda como uma escolha, uma penosa construção da cultura e nunca como uma dádiva dos deuses, uma imposição política ou uma essência mesma da linguagem. O desejo da comunhão universal será sempre, também, matéria prima do escritor, porque a arte, ao contrário dos homens, ou é generosa ou não existe - mas isso, mais uma vez, é outra história.

Fonte:
coletânea Do músculo da Boca - Textos do Encontro "Galego no Mundo" - Santiago de Compostela, 2000. Disponível em http://www.cristovaotezza.com.br/textos/contos/p_territorio.htm