segunda-feira, 30 de julho de 2012

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 7 – Discursos

       Numa narrativa é possível distinguir pelo menos dois níveis de linguagem: o do narrador e o dos personagens.

       Evidentemente, não se deve esquecer que a linguagem dos personagens varia de acordo com as condições socioeconômicas de seu meio, a idade, o grau de instrução e ainda a região em que vivem. Independente disso é possível reconhecer o que é narração (fala do narrador) e o que dizem os
personagens.
       Chamam-se discursos às várias possibilidades de que o narrador dispõe para registrar as falas dos personagens.

Discurso direto

       É o registro integral da fala do personagem, do modo como ele a diz. Isso equivale a afirmar que o personagem fala diretamente, sem a interferência do narrador, que se limita a introduzi-la. Há duas maneiras principais de registrar o discurso direto:

1. A mais convencional:

a) verbo de elocução (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.);

b) dois-pontos;

e) travessão (na outra linha).
Estirado por sobre a mesa, o administrador gritava:
Você já esteve no Alentejo?
(QUEIROZ, Eça de. A ilustre casa de Ramires. Rio de Janeiro, Ed. Ouro, 1978. p. 43.)


       Variantes da forma convencional

a) O personagem fala diretamente, isto é, sem ser introduzido, e o narrador se encarrega de esclarecer quem falou, como e por que falou.

— Sente-se — ordena a professora irritada.
(ÂNGELO, Ivan. Menina. In: ____A face horrível. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.p. 16.)


b) Em vez dos travessões para isolar a fala do personagem, encontramos outra pontuação: vírgula, ponto etc. Só permanece o travessão inicial.

— O meu projeto é curioso, insistiu o sardento, mas parece que este povo não me compreende.
(RAMOS, Graciliano. A terra dos meninos pelados. Rio de Janeiro, Record, 1984. p. 31.)


c) Várias falas se sucedem sem a presença notória do narrador; apenas se sabe o que fala cada personagem, por que há mudança de linha e novo travessão.

— O que é, meu rapaz?
— Eu queria conhecer a grande máquina.
— Não conhece ainda?
— Não.
— É novo na cidade?
— Nasci aqui.
— E como não conhece a máquina?
— Nunca me deixaram.
(LOYOLA BRANDÃO, Ignácio de.O homem que procurava a máquina. In: .0 homem do furo na mão.
São Paulo Ática 1987 p 41)


2. Usando aspas no lugar dos travessões:

a) verbo de elocução;

b) dois-pontos;

c) aspas (na mesma linha).
Ao me despedir de Palor, no Aldebaran vazio, eu disse:
“Vamos nos ver novamente?”
 (FONSECA, Rubem. Feliz Ano Novo. Rio de Janeiro, ArteNova, 1975. p. 100.)


Outras formas

       Modernamente os autores de ficção procuram inovar as formas de registrar a fala dos personagens, isto é, o discurso direto. Veja no exemplo abaixo, retirado do romance O ano da morte de Ricardo Reis, do escritor contemporâneo José Saramago, como dialogam Ricardo Reis, personagem central do livro, e Fernando Pessoa, recém-morto. Perceba que não há distinção entre as falas de cada personagem e a intervenção do narrador; cabe ao leitor identificar quem fala o quê.

(...) Fernando Pessoa explicou, É o comunismo, não tarda, depois fez por parecer irônico, Pouca sorte, meu caro Reis, veio você fugido do Brasil para ter sossego no resto da vida e afinal alvorota-se o vizinho do patamar, um dia desses entram- lhe aí pela porta dentro, Quantas vezes será preciso dizer-lhe que se regressei foi por sua causa, Ainda não me convenceu, Não faço questão de convencê-lo, apenas lhe peço que se dispense de dar opinião sobre este assunto, Não fique zangado, Vivi no Brasil, hoje estou em Portugal, em algum lugar tenho de viver, você, em vida, era bastante inteligente para perceber até mais do que isto, É esse o drama, meu caro Reis, ter de viver em algum lugar, compreender que não existe lugar que não seja lugar, que a vida não pode ser não vida. (...)
 (Lisboa, Caminho, 1984. p. 154.)


Discurso indireto

       É o registro indireto da fala do personagem através do narrador, isto é, o narrador é o intermediário entre o instante da fala do personagem e o leitor, de modo que a linguagem do discurso indireto é a do narrador:

(...) O outro objetou-lhe que por aqui só havia febres e mosquitos; o major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente que o Amazonas tinha um dos melhores climas da terra. Era um clima caluniado pelos viciosos que de lá vinham doentes...
(BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo, Ática, 1983 p. 23.)


       Perceba que nesse exemplo o narrador disse com Suas palavras o que disseram os personagens.

Discurso direto

O outro objetou-lhe:
— Por aqui só há febres e mosquitos.
O major contestou-lhe com estatísticas e até provou exuberantemente:
— O Amazonas tem um dos melhores climas da terra. E um clima caluniado pelos viciosos que de lá vêm doentes...


Do discurso direto para o indireto

       Um exercício muito freqüente que se pede nas escolas com relação a discursos é a passagem do discurso direto para O Indireto e vice-versa. Eis aqui um quadro simplificado, apresentando as principais dificuldades na passagem do discurso direto para o indireto no que se refere à fala dos personagens:

Discurso direto
Discurso indireto

Afirmação
Paulo disse:- Eu vou.
Que
Paulo disse que ia.


Interrogação
Paulo perguntou:- Choveu?
Se
Paulo perguntou se tinha chovido
.

Tempos verbais
Presente  (indicativo)
Paulo anunciou:- Estou rico.

Pretérito perfeito
Paulo anunciou que estava rico

Pretérito perfeito
Paulo perguntou irritado:
- Quem mexeu na gaveta?


Pretérito mais-que-perfeito
Paulo perguntou irritado quem  mexera na gaveta.

Futuro do presente
Paulo falou:
-Farei uma viagem de negócios.


Futuro do pretérito
Paulo falou que faria uma viagem de negócios.

Discurso Direto
Discurso indireto

Adjuntos adverbiais
Lugar: aqui
Paulo apontou:
-Aqui é meu lugar.



Paulo apontou (dizendo) que ali era seu lugar

Tempo: hoje
Paulo perguntou:
-Hoje há reunião?
Naquele dia
Paulo perguntou se naquele dia haveria reunião?


Ontem
Paulo exclamou:
-Ontem foi o dia mais feliz da minha vida!
véspera/o do dia anterior
Paulo exclamou que o dia anterior fora o mais feliz de sua vida.


Amanhã
Paulo disse:
- Amanhã estarei de volta.
No dia seguinte
Paulo disse que no dia seguinte estaria de volta.


Pronomes
Pessoais: eu
Paulo retrucou:
- Eu estou com a razão.

Ele – ela
Paulo retrucou que ele estava com a razão.

Demonstrativos: esse - este
Paulo perguntou:
- Esse carro é meu?


Aquele
Paulo perguntou se aquele era o seu carro.


Possessivos: meu – minha
Paulo murmurou:
-Meu amor é você.

Seu – Sua
Paulo murmurou que seu amor era ela.

Obs.: Nem todas as dificuldades foram aqui apresentadas, mas este gráfico dá conta do essencial. Cabe ao aluno adaptar algumas frases, por exemplo quando o verbo de elocução não for utilizado no discurso direto, ou quando ocorrerem repetições.

Continua… Discurso Indireto Livre

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

Festival Nacional do Conto

Livremente inspirado no Festival Europeu do Conto (realizado em Zagreb, na Croácia), o Festival Nacional do Conto é um projeto de difusão, discussão e fomento, e traz para Santa Catarina o debate sobre um dos gêneros literários mais populares do globo.

Para revitalizar o gênero e aquecer o debate, o festival aposta na nova geração de escritores brasileiros, também premiada e reconhecida no exterior, para promover quatro dias de dedicação ao conto.

Em 2011, Veronica Stigger, Santiago Nazarian, Ivana Arruda Leite, Marcelino Freire, Nelson de Oliveira, Joca Reiners Terron, Daniel Galera, Tony Monti, Marne Guedes e Diogo Henriques trouxeram novas ideias sobre o gênero. Para este ano, o curador Carlos Henrique Schroeder selecionou, mais uma vez, um time instigante: Elvira Vigna, João Anzanello Carrascoza, Paulo Scott, Luiz Felipe Leprevost, André de Leones, Luís Henrique Pellanda, Ricardo Lísias e Luiz Ruffato.

Serviço:
Festival Nacional no Conto
Teatro SESC Jaraguá do Sul - SC (Rua Jorge Czerniewicz, 633)
De 9 a 12 de agosto de 2012

Mais informações:
http://festivalnacionaldoconto.blog.com/

Fonte:
http://www.concursos-literarios.blogspot.com.br

domingo, 29 de julho de 2012

Sexteto em Sextilhas(Parte 5)

121 - Assis
Cada caminho trilhado
nos põe mais perto do irmão,
e cada irmão que abraçamos
nos alegra o coração,
e o coração alegrado
põe o céu em nossa mão.

122 – Ademar
Cada verso é uma emoção
que nasce dentro da gente,
mesmo sendo fantasia
deixa o poeta contente,
pois vem das hostes divinas
como se fosse um presente...

123 – Delcy
Para afastarmos da gente
os  anseios mais diversos,
a vida nos torna astros
de pequenos universos,
e  felizes  viajamos
na  nave dos nossos versos!
 
124 – Prof. Garcia
Somos poetas dispersos,
mas nunca estamos sozinhos;
cantarolamos nos campos
livres como os passarinhos,
que voam de manhã cedo
mas nunca esquecem seus ninhos!

125 – Gislaine
São assim nossos caminhos,
cheios de estrelas e mar,
com campinas verdejantes,
e  Lua pra  iluminar
os  mundos da fantasia,
lindos  para  poetar!

126 – Zé Lucas
Vem a poesia a jorrar
de tão bonita vertente,
nas horas de inspiração,
que todo poeta sente
versos entrando e saindo
pelas janelas da mente!

127 – Assis
Pelas janelas da gente
não entram versos apenas.
Entram também as saudades
de antigas e ingênuas cenas,
como o passar, nas calçadas,
de encantadoras morenas.

128 – Ademar
Temos um milhão de cenas,
no imaginário da gente,
todas criadas por nós,
seja antiga ou mais recente;
e todas ficam gravadas
no vídeo-tape da mente.

129 – Delcy
O poeta é o que mais sente
o peso de uma Saudade,
os  casos  da  Juventude,
o  Bem  da Fraternidade,
e  poetiza  com  alma...
a grandeza  da Amizade!

130 – Prof. Garcia
Faço de cada saudade
um verso em forma de flor,
de cada ilusão perdida
faço uma rosa de amor,
e da musa que me inspira
minha alma de trovador!
 
131 – Gislaine
Meu coração sonhador
sabe se fazer feliz,           
conquista muita amizade,
tem por meta e diretriz
distribuir o seu carinho
sempre com novo matiz!

132 – Zé Lucas
Eu quero, pra ser feliz,
um pedacinho de mar,
um trino de passarinho,
uma nesga de luar,
uma viola afinada
e um poema pra cantar.

133 – Assis
Se uma viola sobrar,
manda ela aqui para mim.
Quero ir com ela esta noite
cantarolar no jardim
numa seresta daquelas
que têm começo, não fim.

134 – Ademar
Não quero muito pra mim,
com pouco eu me satisfaço.
Só quero o Baú do Sílvio,
toda beleza do espaço
e a inspiração de “Quintana”
em cada verso que eu faço!

135 – Delcy
Teus versos, amigo, abraço.
Teus  desejos  eu  quisera,
sem me importar com dinheiro,
mas com um mundo de quimera,
com a inspiração de um quintana,
com  flores  de  Primavera!

136 – Prof. Garcia
Que doce a vida não era,
com a inspiração de um Quintana;
mais uns dois terços da herança
da musa camoneana,
e eu faria num minuto
o que faço por semana!

137 – Gislaine
Quando a nossa alma se irmana
em  busca  de  inspiração,
poderemos,  certamente,
plantar estrelas no chão,
e criar  novas florestas
com a força da emoção!

138 – Zé Lucas
As nossas sextilhas são
produtos de artesanato,
polidos por mãos de fada,
junto às margens de um regato,
com gosto de mel de abelha
e cheiro de flor do mato.

139 – Assis
O teu pensamento acato
com muita satisfação
e o incentivo agradeço
de todo o meu coração,
pois cada nova sextilha
me traz nova inspiração.

140 – Ademar
Com a minha inspiração
eu copulo eternamente.
Meu verso entra no cio
quase que constantemente,
e numa transa de rimas
nasce um filho de “repente”!

141 – Delcy
Essa forma diferente
que tu tens de versejar,
quase assusta quando vemos
teu  jeito  de  sextilhar,
mas o filho que procrias
consegue nos acalmar!

142 – Prof. Garcia
Fazer verso é meu cantar,
pão nosso de cada dia.
Se não fosse esse trabalho
nem sei como viveria;
porque vida de poeta
sem verso, é triste e vazia!

143 – Gislaine
O verso é nossa alegria,
e sendo a luz dos caminhos,
faz parte do nosso sonho,
transforma a dor em carinhos;
versejando de mãos dadas
não ficaremos sozinhos!

144 – Zé Lucas
Tenho andado nos caminhos
da vida correta e boa;
canto a beleza e a virtude,
mas, para este mundo à-toa,
quando acerto, ninguém nota;
quando erro, ninguém perdoa!

145 – Assis
A gente às vezes caçoa
dos desencontros da vida,
mas tudo sempre acontece
na hora certa e devida,
conforme Deus recomenda
à filharada querida.

146 – Ademar
No barco da minha vida
enfrentei muitas procelas,
foram muitas turbulências
mas finquei as minhas velas
no mar das inspirações
pra fazer versos com elas...

147 – Delcy
Buscando as cores mais belas,
a pintar,  logo me  ponho,
e as telas de minha filha
quase...quase, que as transponho,
pois  queria  ser  pintora,
ao menos, neste meu sonho!

 148 – Prof. Garcia
Curtir um mundo risonho,
é bom que se curta e vença,
mas este mundo descrente
às vezes afasta a crença,
e crendo em tudo que faço,
faço com certa descrença.
 
149 – Gislaine
A fé traz a recompensa
de nos sentirmos felizes;
dá vazão aos nossos sonhos 
firmando nossas raízes,
faz, então, que nós sejamos
uns eternos aprendizes!

150 – Zé Lucas
Cantando como concrizes,
má sorte não nos quebranta,
porque, segundo o provérbio,
"quem canta os males espanta",
e assim todas as mazelas
passam longe de quem canta.

José Benedito Leite Pinheiro Junior (Poesias: Da Janela do Meu Quarto)

APRESENTAÇÃO

A coletânea de textos que ora apresento, reúne histórias e poesias produzidas pelos estudantes do Ciclo III e IV (5ª a 8ª no regime seriado) da Escola Municipal Florestan Fernandes em oficinas de criação literárias promovida pelo Projeto Jovens Leitores1.

“Da janela do meu quarto”, primeiro trabalho editado pelo Projeto em 2005, foi uma produção individual de José Pinheiro Jr. e contou na primeira edição com a ilustração de seu amigo de classe Pedro Pacheco.

O livro passou de mão em mão despertando curiosidade e interesse na
comunidade escolar. As oficinas e as publicações semi-artesanais que se seguiram “Cantigas de Florescer” e “No Parque ver de prosa, ver de verso”, tiveram um número cada vez maior de participantes.

É justo reconhecer que o desejo das crianças e jovens de criarem seus
próprios textos foi alimentado pelos encontros com escritores paraenses, pelas rodas de conversas, rodas de leitura, visitas à bibliotecas e livrarias, contação de histórias, recitais poéticos, cantorias...

É oportuno ressaltar ainda que esta ação de estímulo a escrita aconteceu e acontece sem maiores ansiedades de formar prosadores ou poetas.

O foco da atividade está em oportunizar aos estudantes que ampliem seu repertório cultural e se exercitem com as palavras, apropriando-se de mecanismos especiais peculiares de expressão melhorando a cada nova experiência como produtores de textos.

Paulo Demétrio Pomares da Silva
Coord. do Projeto Jovens Leitores

¹ O Projeto é realizado na Escola Florestan Fernandes desde 2002 com crianças e jovens entre 10 e 15 anos. Os estudantes são estimulados a descobrir o sabor de ler e escrever através de um conjunto de ações que prevêem rodas de conversas, rodas de leituras, visitas à bibliotecas, feira de livros, livrarias, empréstimos de livros, oficinas de produção de textos, saraus, recitais poéticos, dentre outras atividades.

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DA JANELA DO MEU QUARTO
Belém, 2005

A JANELA DO MEU QUARTO

Da janela do meu quarto
Vejo um mundo diferente

Da janela do meu quarto
Vejo a verdade
De tudo o que há

De lá vejo a vida
Os pássaros
As crianças
E as razões pelas quais
Vejo um mundo tão cheio
De qualidades
E com muita fantasia.

A janela do meu quarto é mágica
Pois me ajuda a aprender a viver
De uma maneira simples e fácil.

1º, 2º, 3º, ETC... QUAL É A MELHOR?

Meus primeiros passos foram brilhantes
Pois me ensinaram a caminhar pela vida
E tiveram o mesmo efeito
De tudo o que é primeiro neste mundo
Como o primeiro beijo
Ou até o primeiro dente que se arranca.

Tudo nesta vida que se possa imaginar
Tem-se a primeira vez.

E como diria o mais sábio poeta:
A primeira vez é a melhor das melhores.

SER CRIANÇA

Lá fora, num banquinho da praça,
Ana está a admirar o céu.

-Ana, minha filha, vamos embora,
Não fique ai feito boba!!!

-Calma papai, só quero saber por que
Os peixes desse oceano tem asas.

O CÃOZINHO DO RAUL

O cãozinho do Raul morreu.

Mas para onde foi o cãozinho do Raul?
Para baixo da terra
Ou para o imenso céu azul?

A tristeza é tanta que Raul chora
Pois o cãozinho morreu de boca aberta
Como se estivesse dizendo:

“Adeus, meu amigo, até um dia”.

JARDIM FELIZ

Na varanda lá de casa
Vejo um jardim verdinho
E há também um passarinho
Que fez ali seu belo ninho

O cachorro que não bote nem a pata
Pois as formigas fazem ali
Sua grande caminhada.

O gatinho deve ter cuidado
Quando deitar nesse chão
Pois deve estar dormindo ali
O grande camaleão.

É, crianças, nada de brincar lá com faca
Pois entre as folhas deve estar
A preguiçosa dona lagarta.

HOJE TEM FESTA NO GALINHEIRO

Nasceram os pintinhos
Mais novos do pedaço

De repente ouve-se um grande canto
Lá pros lados do brejo.

Será o lobisomem? Não.
É o seu galo cantando
Pela chegada dos novos pintinhos...

JORNAL DO POETA

Extra! Extra! O leão não é mais o rei da selva
o macaco agora é quem dá as regras.
Extra! Extra! O papagaio não vai mais
fazer fofocas.

Extra! Extra! Relógios fazem greve
por salários atrasados.

Extra! Extra! esse é o jornal da imaginação
é o jornal do poeta!

PAPAGAIO TRISTE

Desde sua infância
o papagaio tem um sonho:
Quer ser cantor.
Por esse sonho largaria tudo
porém, não pode: o papagaio é mudo.

Se tiver uma solução
fale com sua imaginação
mas seja rápido
pois ele está sentindo muita dor

o papagaio mudo que sonha
em ser cantor.

BEM -TE – VI

Bem – te – vi que canta!
Bem – te – vi que chora!
Bem – te – vi que grita!
Bem – te – vi que em tudo põe o seu nome,
Diz pra mim: quem tem a beleza
mais encantadora?
(pergunta a menina)
Bem – te – vi!
Bem – te – vi!
( responde o humilde passarinho ).

O VENTO

Vem o vento leve
Vem o vento frio
Vem o vento solto
Que se esconde no barril

Vem o vento louco
Cheio de sabor
Vem o vento bonzinho
Para levar a minha dor.

BOLSA AZUL

Cedo madruga
Papai está na luta
A noite tarda, papai está em casa.

E sempre com aquela bolsa azul
( mas o que levará naquela bolsa azul? )
Serão papeis importantes
Ou quem sabe cachorro um cachorro pit-bul?

Pergunto à mamãe
Ela o protege:
“aquela bolsa nos sustenta, meu filho.
Seu pai é carpinteiro e nela só carrega
ferramentas”.

ALEGRIA DE CRIANÇA

Renata rodou o pião
pela primeira vez.

Como é grande a alegria de Renata.

Ah! Renata, queria eu ser
como você:
Feliz a cada momento
buscando conhecimento
aprendendo com a vida
e brincando com vento.

MENINO POBRE

O menino quer uma bola
Para jogar

O menino quer comida
Para se alimentar

O menino tem sonhos
Porém, realizá-los não pode,
O menino é muito pobre.

Como são grandes os sonhos do garoto!

E como ele é rico
dentro de sua própria imaginação
Pois lá tem comida, brinquedos e tudo
O que ele quiser praticar.
Então diz o garoto:

“como é bom sonhar!”

PÁSSARO NO CÉU

No alto ar
Os passarinhos gostam de brincar
Mas o tempo passa
A noite chega...
E os passarinhos logo tem de voltar.
Mamãe está preocupada.
Papai já vai chegar
Os passarinhos já estão dormindo
Para amanhã recomeçar
A vida de alegria que é brincar no ar.

QUITANDA DA MINHA RUA

Quitanda bela
Cheia de amizade
E com pouca quantia
Se compra a felicidade.

Nessa quitanda quase não há vendedor
Porque não há ódio
Muito menos rancor
Na bela quitanda do amor.

SONHO DE MENINO

Ah! menino
Por esse teu sonho
Vão imaginar
Que estás a flutuar.
Que menino sorridente tu és.
Que felicidade imensa
Tens no coração
Pois para chorar nunca tens razão.
Acho que és como
Uma flauta que toca
Musicas belas e só isso faz.
És o amor em forma de pessoa
És a prova de que os sonhos são reais.

NUNCA ME ESQUEÇA

Se fores a Salvador
Eu estarei por perto
Para aliviar qualquer dor.

Se fores a Belém
Estarei contigo também
Em qualquer lugar
A qualquer hora.

Sempre estarei contigo
Te protegendo
Como se fosse uma luz.

Sou teu salvador,
Meu nome é Jesus!

ORAÇÃO

Meu Deus,
Obrigado por mais esta oportunidade
E se permitir quero esta vida
Por toda a eternidade.

Ser poeta é bom,
É a minha maior vontade.

Meu Deus, me proteja por onde estiver
Guarde-me para sempre em seus braços
Não em lugar qualquer
Guie meus passos por onde eu andar
Pra que eu consiga viver e na vida amar.

Na vida, tenho tido muitas oportunidades
Por isso a sorte nunca me despreza
Mas quero sua benção, senhor,
Pois minha vontade mesmo
É sempre ser poeta.

Fonte:
Jandira Barreto Pereira Maués. Trilogia Contos e poesias da Escola Municipal Florestan Fernandes.

Machado de Assis (Badaladas – 29 de dezembro de 1872)

Enfim, está, pois pelas costas este ano de 72, que não foi, como aquele de que falava o Garrett, “inútil como um cônego.”

Não foi.

Quando mais não desse, deu as nossas eleições, com acompanhamento de tiro, como as do Ceará, ou simplesmente de rolo, como as da Corte.

Nada me alegra mais do que este exercício da soberania nacional... no papel;é verdade, no papel, apesar de não saber ler a soberania nacional.

Deus traga a reforma. Se não der tudo (e é difícil que dê metade) estamos esperando que dê alguma coisa. Façam os legisladores uma obra que não seja o mesmo peixe com outro molho. Não é do molho que nos queixamos, mas do peixe, e sobretudo das espinhas.

E se algum legislador me der a honra de ler estas linhas, e torcer o nariz, como quem estranha que eu meta nestes assuntos a minha colher queimada, peço a palavra para responder com esta razão decisiva:

A minha cozinheira Celestina é apenas cozinheira, aliás, perita, e, todavia.. .

E, todavia atreveu-se há dias a explicar a trovoada ao meu moleque. Verdade seja que o fez nestes termos:

— A trovoada são os astros quentes que se encontram com os outros frios. Nem é só dada a estes estudos. Tem seus laivos de poesia entre a carne e a batata. No meio das preocupações culinárias brota-lhe não raro a flor da inspiração.

Houve ultimamente belas noites de luar. Uma, sobretudo esteve maravilhosa. Que admira que a dita cozinheira se extasiasse ante esse espetáculo a um tempo delicioso e solene?

— Que noite! (exclamou ela). As ondas estão tão quietas! tão pequenas !Parecem passarinhos. Que artista seria capaz de fazer assim.. . uma peça de chita ? Ora, se a cozinheira Celestina podia assim explicar a trovoada e comentar a natureza, entendi que alguma coisa podia ela dizer igualmente da política, e firme nestes princípios (frase parlamentar), perguntei-lhe que pensava de uma câmara.

Direi a resposta da interessante senhora, não sem pedir aos leitores que lhe não torçam o nariz, em primeiro lugar porque nariz torcido fica muito feio, e depois porque da cozinha pode nascer uma boa idéia, ex fumo dare lucem.

— A cambra é como o outro que diz a cozinha. A diferença a que eu perparo a janta e os deputados preparam as leises. Meu amo às vez não gosta de uma ou outra comida, porque não saiu bem feita; as leises o mesmo. A diferença é que meu amo ralha comigo, e a cambra é que ralha com meu amo. E se meu amo, que me paga, não apreciar o meu cozinhado, faz-me sair de casa; não faz o mesmo com as leises; se meu amo não as achar boas, se estiverem ensossas, ou tiverem sal de mais, ou saírem cruas, meu amo há de tragá-las, muito caladinho...

Aqui tive pena da ignorância da pobre velha e desci da augusta indiferença com que a ouvia, dizendo-lhe:

— Sim, mas tenho o voto nas eleições...

Celestina pediu-me respeitosamente licença para rir. Admiti essa liberdade ela gargalhou uns dois ou três minutos e continuou:

— A eleição é como se meu amo, enfadado da minha janta, fosse pedir ao padeiro da esquina que influísse no caixeiro da venda para me dar uma repreensão.

Observei a Celestina que a sublimidade do meu espírito não podia compreender uma parábola tão rasteira.

Ao que ela respondeu pondo as mãos nas ilhargas:

— Que faz meu amo na eleição? Vota num homem porque tem o nome comprido, e esse vota n'outro porque tem o pescoço curto. Ora, meu amo, que tem as costas largas, fica como se lido tivesse voto.

A chegada do meu amigo Bento interrompeu esta conversa culinário-política.

Não é pessoa de cerimônia o meu amigo Bento; veio visitar-me; e companheiro de longos anos.

Antes de me despedir dele, contarei ao leitor um trocadilho que ele fez sem querer, só porque emprega erroneamente uma locução.

Achou-se há dias na polícia e ouviu falar de uma mulher que deu uma facada num homem. Facadas (pecuniariamente falando) levá-las qualquer homem; mas aquela não foi no sentido metafórico, senão no natural.

Todavia (e aqui se patenteia o coração do meu amigo Bento) ouviu falar que a mulher recorrera àquele expediente eleitoral porque o dito homem, desprezando o seu amor, andava cortejando uma viuvinha.

Bento quis a todo transe contemplar essa vítima do amor. O delegado de polícia mandou-a buscar. A vítima subiu ao gabinete.

— A senhora é que é a ré? Perguntou o meu amigo Bento com ar compungido.

— Sim, senhor.

— Tenho dó de si!

Livre da Celestina e do Bento, fui examinar os jornais de S. Paulo, que nesse instante chegaram do Correio.

Rompo cuidadosamente o selo, que estava limpo e me podia servir noutra ocasião (. . . , que toma o nome de economia), abro uma folha, e que hei de ver, leitor ? Um artigo em prosa e verso do nosso conhecido poeta e literato Martins Guimarães.
Li-o de um trago.

Quanto a falar dele há de ser no ano novo.

Não se guardam vinhos novos em odres velhos. Há escritos que requerem anos novos; sim, leitor, anos novos, muito novos, anos em flor.

Dr. Semana.
–––––––––––-
Nota:
Dr. Semana é o pseudonimo que Machado usava nestas cronicas


Fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938. Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.

Camilo Martins (Caderno de Sonetos)

PRIMAVERA INCERTA
À minha amiga Camila Rocha

Em que braços viestes parar, amada de outrora...
Logo tu que desprezastes o maior amor do mundo!
Lograstes êxito em tua investida, na doce aurora,
Da minha vida! Invadiu o sentimento num segundo!

Hoje te tenho nos braços e não te quero como antes...
Posto que a desventura vivida em mim se eternizou!
Me abraçavas e não me querias, éramos amantes...
E eu nem sabia! Beijavas-me e nada sentias! Amou?

Quando foi que cultivastes esse dom maravilhoso?...
O tempo passou, não me reconhecestes, foi um engano!
Confessa-me! Tu és cruel... O coração ainda orgulhoso...

Vida minha, Deus do céu, olhai-nos hoje aqui, juntos!
Não nos imputes essa falta, sou pecador, sou profano!
Confesso, não resisti à primavera incerta, como muitos.

II

Hoje apenas olho o passado e fico a sorrir do destino!
O que éramos, o que somos e o que seremos um dia...
Por onde andastes, que não mudastes esta alma fria?!
O peito feito muralha gélida, mesmo o astro sol à pino!

Não, não me peças pra voltar e começar outra vez...
Nem olvidastes em arriscar a vida em outros braços!
Mesmo eu te mostrando no coração os tristes laços...
Que me unia a ti, meu sabiá! Culpa da tua altivez!

Nos rasgou em trapos, nos separou todos os sonhos...
Dividiu nossos desejos... Nossos, não, meus somente!
Pois que já estavas em outro mundo! Ah! Medonhos,

Fantasmas me atormentaram por séculos e a semente,
Que plantastes em mim, ficou! Mas, hoje, eu me liberto...
Pra sempre! Tenho agora a confiança no caminho certo.

QUAL O PREÇO?

Quanto vale um amor que se aprofunda em prantos,
Numa infinda madrugada, gélida, insana e infeliz?
Insólitos goles de amarguras em taças pelos cantos,
Ainda a desventura da procura de minha flor-de-lis...

Sombrios ais que me invadem a mente em melancolia,
E esta incerteza de te encontrar, amor, em liberdade!
Os pensamentos turvos, a vontade e a alma, vazia...
Eu cá, cambaleante e sóbrio, ainda grito: Igualdade!

Para os nossos sentimentos de desilusão, e, a ilusão,
Penetra novamente em meu ser e sinto tremores...
Ao léu, no céu... Sem calma, perdi todos os amores!

É o choque entre o preço a pagar e a pura confusão...
Do que vivi e ainda o que virá! Posto que é incógnita,
Pois sei que levarei para a eternidade, essa dor infinita!

SPLASH

À minha amiga Camila Viana

Em qual constelação habitas hoje, sonho meu,
Onde fica a estrela que repousas docemente?
Por anos luz, meu coração procura o teu!...
Nessa imensidão de sóis do universo quente!

És, no meu verso, a luz que irradia e fascina,
Num fervilhar de intensos brilhos siderais...
Neste mundo de paixões eternas, minha sina,
É olhar o céu nas madrugadas primaverais!

Para sentir dentro da própria alma saudosa,
O calor do teu peito em pulsação e descompasso!
Posto que meu sentimento, feito árvore frondosa,

Segue o brilho dos meus olhos, mesmo em cansaço!
A água que encontrarei em teus lábios, será orvalho,
Que restaurará meu pobre sentimento, já em retalho!

SHIKOBA

Não reparas na minha mágoa, na minha dor?
Onde estavas, que me deixaste partir, onde?
O que fazias, enquanto eu apenas chorava, flor?
É nesse vazio que minha triste alma se esconde...

Intransponível túnel, na via láctea do coração,
Que sentimentos teus não alcançam, minha bela!
Quantas vezes disse: Sawabona! Minha canção!
Esperei de ti: Shikoba! Não, só o olhar pela janela!

Mergulhei profundamente em tua África selvagem,
Na intenção de descobrir o segredo dessa indiferença,
Mas era tão escuro o âmago e densa tua folhagem...

Que me perdi em fluidos e sons... Fugiu toda a crença!
Quis, sem mais nada esperar, apenas escapar com vida,
Ubuntu! Carrego neste meu peito, uma grande ferida.

FRIO

Noutros tempos, teu rio era menos tempestuoso,
Nadei em ti, amor, em águas tranqüilas e mansas...
Temperatura amena, sob um brilho, majestoso!
Me aliviava as tensões, alimentava me esperanças.

Não houve um dia em que em ti não me deleitava!
O mergulho em ti, era tudo em minha pobre vida,
Por horas ficava pensando em ti, quando me deitava!
Rio da minha alma, mesmo longe, depois da partida.

Lá estavas tu, em meu sonho! Deslizando em leito...
Eterno. E eu em qualquer parte do universo infinito,
Juntando à tua água, a que rola dos olhos, no peito!

Onde foi, amor, que tudo mudou? Este é o meu grito!
A qual oceano fostes se ajuntar, que águas estranhas?!
Não encontro teu delta, estou louco! Vem, me banhas..

NÃO CREIO

Esfrego os olhos, disfarço as lágrimas, pergunto a mim mesmo,
Onde errei, Deus, para que fosse assim ficando ao léu, louco?
E meu sentimento, onde estava, num inferno, andando a esmo?
Maravilhosa ilusão, indescritível visão, só cegueira... É pouco!

Quem me dera o poder de me aproximar da boa amiga lua...
Ficaria de lá apenas a observar os teus inevitáveis castigos!
Eu que sempre te declarei com amor: Minha vida é toda tua!
Ah! Como fostes cruel! Eu Imaginei que fôssemos amigos...

Íntimos assim, como a árvore e a seiva, o néctar e o beija flor!
Não posso crer que durante toda a vida, apenas me enganaste,
Onde estava teu coração, nunca pesastes minha eterna dor?!

Cada vez que me recordo, é um pedaço de mim que se vai...
Não sou hoje, mais que uma triste flor que tu despetalaste!
Sim, minha mágoa segue para o espaço infinito e nunca cai.

ATENAS

Foi se, o vigor da minha juventude, em plena primavera,
Passou veloz feito estrela cadente, em noite enluarada!
Embebedei me em fantasias loucas e em vão eu quisera,
Beber o calix da vaidade, da felicidade, na madrugada...

Ah! O destino sorriu de mim, zombou de minha decepção,
Calou, no fundo de minha alma, o desejo que me consumia!
E a verdade, logo engoli, seco, perdi em segundos o chão.
Jamais senti tanto pavor! Pés, mãos, o corpo todo tremia!

Deus, clamei em alta voz, tirai-me deste pesadelo infernal!
Por que, se me deste a vida, deixai-a ir sem que eu a viva?
Oh, não! No auge de minha florada... Vida sem rumo, banal.

Elevo os pensamentos em alucinações profundas... Soltas!
Profecia?! Quero que você, neste mundo, para nada sirva!?
Sempre, desgraças vêm a galope e alegrias em conta gotas.

MISTERY

Ao amigo Aquino Tomaz

Pergunto a mim mesmo, louco, em alucinação,
De que universo surgiste, lindo e doce encanto?
Tiraste do teu mundo o prazer desta fascinação?
Irrompeu-me cascata de lágrimas no meu canto.

Viva o planeta que te enviou! Deusa da beleza...
Salve, salve, santo buraco negro, que adentrastes!
Se minha alma não abraçasse a tua, que tristeza!
Mas o maior amor se revela, eu sei, nos contrastes.

Eternizarei teus belíssimos e perfeitos traços, amor,
Nos magistrais fractais Aquinianos! Onde o irreal,
Toma vida nas sensitivas mãos do artista e o clamor

 Que se ouve desde a constelação de órion, em côro...
Em uníssono! Fica, me envolve como aurora boreal!
Enxuga minha lágrima, pára pra sempre meu choro.

ANTES DE AMANHÃ

Eu já chorei demais! Pobres olhos de agonia!
Já formaram até arco íris nas pupilas d’água!
Ah! Manso riacho, ouço aquela brisa que caía,
E o pranto, a interromper... No peito a mágoa...

Oh! Feliz foi mesmo o dia, antes de amanhã...
Os olhos embasados pela lágrima e eu só via,
Pela rota fresta do empalidecido coração e vã
Foi minha certeza de que eu ainda te merecia!

A fonte secou e não chorarei! Já chorei demais,
O sofrimento, a dor... E minha visão se renova,
Preciso viver o dia antes de amanhã e jamais

Deixarei que o oceano me afogue na lua nova!
Feliz dia antes de amanhã! Luz da minha vida...
Louvado seja o bem viver! Sem adeus na partida.

O SABIÁ

Frágil sabiá que no galho pende,
Dias de inverno e o frio forte...
Os fracos pés que firme prende,
Um débil corpo que teme a morte.

Que cena marcante, Deus do céu!
Pombinhas voam aos magotes...
Enquanto abelhas fazem seu mel,
O lindo sabiá protege os filhotes.

Sou tal qual esse sabiá, cansado,
Nas asas conto o tempo já voado...
No peito as histórias do passado!

Meu coração de amores povoado...
E ainda canta o sabiá, feliz da vida!
Felicidade é ter a mágoa esquecida.

Fonte:
http://camilomartins.zip.net/

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 622)

Uma Trova de Ademar 

Assim que começa o dia,
envolto em profundo enlevo,
sinto o cheiro da poesia
em cada verso que escrevo.
–Ademar Macedo/RN–

Uma Trova Nacional 


Uma página arrancada,
jogada ao léu, esquecida:
assim sou eu – quase nada –
no livro da sua vida!
–Conceição A. C. de Assis/MG–

Uma Trova Potiguar 


O cego, com dedos certos,
tange a sanfona dorida,
e eu, com dois olhos abertos,
erro nas teclas da vida.
–José Lucas de Barros/RN–

Uma Trova Premiada 


1985  -  Porto Alegre/RS
Tema  -  UNIÃO  -  4º Lugar


Lábios unidos demais,
num beijo gostoso e longo,
lembram união de vogais
no mais sonoro ditongo...
–Batista Soares/CE–

...E Suas Trovas Ficaram
 
Quem de cólera enche a alma,
esvazia o coração,
ganha medo, perde a calma,
ofusca e perde a razão.
–Mário Barreto/PE–

Uma  Poesia 


Ter coragem não é matar alguém
nem sacar da pistola ou do punhal,
é buscar um lugar no social
respeitando o valor que os outros tem,
e não manchar a estrela de ninguém
para a sua brilhar e se acender;
ter no palco da luta o seu lazer
para que o seu mérito se transmita
– A história do homem está escrita
na coragem, na luta e no saber.
–Pedro Ernesto Filho/CE–

Soneto do Dia 

DOAÇÃO DE AMOR.
–Maria Nascimento/RJ–


Não quero o teu adeus de despedida,
como uma doação de liberdade,
pois, quando te doei a minha vida,
jurei amar-te além da eternidade.

Mas, se é para o teu bem, tua partida,
não fiques junto a mim contra a vontade,
porque apesar de ser mal compreendida,
Eu posso te doar minha saudade.

Por amor, te doei meu coração,
mas rejeitaste a minha doação
para não me doar também o teu ...

E na esperança de te conquistar
eu vou tentando, em vão, ressuscitar
o meu sonho de amor que já morreu.

Cândida Vilares Gancho (Como Analisar Narrativas) Parte 6 – Tema – Assunto – Mensagem

       De um modo geral o iniciante da análise literária tende a confundir tema, assunto e mensagem do texto narrativo. Considerando que estes conceitos são usados em larga escala e que provavelmente você já se deparou ou irá se deparar com eles, vamos distingui-los e esclarecê-los.

       Tema é a idéia em torno da qual se desenvolve a história. Pode-se identificá-lo, pois corresponde a um substantivo (ou expressão substantiva) abstrato(a).

       Assunto é a concretização do tema, isto é, como o tema aparece desenvolvido no enredo. Pode-se identificá-lo nos fatos da história e corresponde geralmente a um substantivo (ou expressão substantiva) concreto(a).

       Mensagem é um pensamento ou conclusão que se pode depreender da história lida ou ouvida. Configura-se como uma frase. Mas cuidado: nem sempre a mensagem equivale à moral da história. As fábulas, por exemplo, têm uma mensagem moral. Lembre-se da lebre e da tartaruga: “Devagar se vai ao longe”. Mas muitas histórias têm mensagens que contrariam a moral vigente e seriam, portanto, imorais. Um exemplo de mensagem que contraria a expectativa é o texto de Millôr Fernandes: “Galinha dos ovos de ouro”, no qual o autor recria uma história bem popular e lhe dá uma abordagem mais moderna; assim, a moral da história é irônica e, poderíamos dizer, “imoral”.

Era uma vez um homem que tinha uma Galinha. Subitamente, em dia inesperado, a Galinha pôs um ovo de ouro. Outro ovo de ouro! O homem mal podia dormir. Esperava todas as manhãs pelo ovo de ouro — clara, gema, gala, tudo de ouro!— que o tirava da miséria aos poucos, e aos poucos o ia guindando ao milionarismo. O fato, que antigamente poderia passar despercebido, na data de hoje atraía verdadeiras multidões. E não só multidões. Rádios, jornais, televisão, tudo entrevistava o homem, pedindo-lhe suas impressões, querendo saber detalhes de como acontecera o espantoso acontecimento. E a Galinha, também, ia dando aqui e ali seus shows diante de jornais, câmaras, microfones. Certa vez até, num esforço de reportagem, conseguiu pôr um ovo diante da câmara da TV Tupi. Porém o tempo passou e muito antes que o homem conseguisse ficar rico, a Galinha deixou de botar ovos de ouro. Desesperado, o homem foi ocultando o fato, até que, certo dia, não se contendo mais, abriu a Galinha para apanhar os ovos que ela tivesse lá dentro. Para sua decepção não havia mais nenhum.
 
Então o homem — espírito bem moderno — resolveu explorar o nome que lhe ficara do acontecimento e abriu um enorme restaurante, com o sugestivo nome de Aos Ovos de Ouro. E isso lhe deu muito mais dinheiro do que a Galinha propria mente dita.
MORAL: CRIA GALINHAS E DEITA-TE NO NINHO.
(ln: ______ Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro, Nórdica, 1963. p. 99.)

       Para fixar bem os conceitos de tema, assunto e mensagem, imaginemos uma história que tenha o seguinte enredo: a moça (Aurélia) gosta do rapaz (Fernando) e ele dela, mas ele é ambicioso e troca o amor de uma mulher pobre pelo de uma mulher rica. Não nos esqueçamos de que esta história se passa no Rio dê Janeiro do século XIX, quando moça que não tem dote pode ficar para “tia”. Mas o surpreendente acontece: Aurélia recebe uma herança e, então rica, pode comprar Fernando, oferecendo-lhe um dote maior do que a outra moça. Uma vez casados, Aurélia decide punir Fernando, negando-se a dormir com ele; em outras palavras, a consumar o casamento. Então Fernando, magoado em seu orgulho, junta o dinheiro do dote e o devolve a Aurélia, com intenção de partir. Neste momento, Aurélia, arrependida, atira-se aos pés do marido. Final feliz. “As cortinas cerram-se, e as auras da noite, acariciando o seio das flores, cantavam o hino misterioso do santo amor conjugal.”

       Este é o resumo do enredo do romance de José de Alencar, Senhora (cuja leitura recomendamos). Nele podemos identificar:

tema: Amor x Ambição (dinheiro).   

assunto: O casamento e a vida conjugal de Aurélia e Fernando        mensagem: O amor é mais forte que a ambição.

Continua… discursos

Fonte:
Cândida Vilares Gancho . Como Analisar Narrativas. 7. Ed. Editora Ática. http://groups.google.com.br/group/digitalsource/

Malba Tahan (O Homem que Calculava) Solução de A Aventura dos 35 Camelos

“Felizes aqueles que se divertem com problemas que educam a alma e elevam o espírito.’’
Fenelon


Para o “problema dos 35 camelos” podemos apresentar uma explicação muito simples.
O total de 35 camelos, de acordo com o enunciado da história, deve ser repartido, pelos três herdeiros, do seguinte modo:
O mais velho deveria receber a metade da herança, isto é, 17 camelos e meio; O segundo deveria receber um terço da herança, isto é, 11 camelos e dois terços; O terceiro, o mais moço, deveria receber um nono da herança, isto é, 3 camelos e oito nonos.

Feita a partilha, de acordo com as determinações do testador, haveria uma sobra.

17 1/2 +11 2/3 + 3 8/9 = 33 1/18

Observe que a soma das três partes não é igual a 35, mas sim a 33 1/8

Há, portanto, uma sobra.

Essa sobra seria de um camelo e 17/18 de camelo.

A fração 17/18 exprime a soma 1/2+1/3+1/9, frações que representam as pequenas sobras.

Aumentando-se de 1/2 a parte do primeiro herdeiro, este passaria a receber a conta certa de 18 camelos; aumentando-se de 1/3 a parte do segundo herdeiro, este passaria a receber um número exato de 12; aumentando-se de 1/9 a parte do terceiro herdeiro, este receberia quatro camelos (número exato). Observe, porém, que, consumidas com este aumento as três pequenas sobras, ainda há um camelo fora da partilha.

Como fazer o aumento das partes de cada herdeiro? Esse aumento foi feito, admitindo-se que o total não era de 35, mas de 36 camelos (com o acréscimo de 1 ao dividendo).

Mas, sendo o dividendo 36, a sobra passaria a ser de dois camelos. Tudo resultou, em resumo, do fato seguinte: Houve um erro do testador. A metade de um todo, mais a terça parte desse todo, mais um nono desse todo, não é igual ao todo. Veja bem:

1/2 + 1/3 + 1/9 = 17/18

Para completar o todo, falta, ainda, 1/18 desse todo.

O todo, no caso, é a herança dos 35 camelos.

1/18 de 35 é igual a 35/18,

A fração 35/18 é igual a 1 17/18.

Conclusão: feita a partilha, de acordo com o testador, ainda haveria uma sobra de 1 17/18 .

Beremiz, com o artifício empregado, distribuiu os 17/18 pelos três herdeiros aumentando a parte de cada um) e ficou com a parte inteira da fração excedente.

Em alguns autores encontramos um problema curioso, de origem folclórica, no qual o total de camelos é 17 e não 35. Esse problema dos 17 camelos pode ser lido em centenas de livros de recreações matemáticas.

Para o total de 17 camelos a divisão é feita por meio de um artifício idêntico (o acréscimo de um camelo à herança do cheique), mas a sobra é só do camelo que foi acrescentado. No caso do total de 35, como ocorreu no episódio com Beremiz, o desfecho é mais interessante, pois o calculista obtém um pequeno lucro com a sua habilidade.

Se o total fosse de 53 camelos, a divisão da herança, feita do mesmo modo, aplicado o artifício, daria uma sobra de 3 camelos. Eis os números que poderiam servir: 17, 35, 53, 71, etc.

Para o caso dos 17 camelos, leia: E. Fourrey, Récréations mathématiques, Paris, 1949, pág. 159. Gaston Boucheny, Curiosités et récréations mathématiques. Paris, 1939, pág. 148. Problemas famosos e curiosos da matemática.

Fonte:
Malba Tahan.O Homem Que Calculava. Ilustrações Sílvio Vitorino. Digitalização e Revisão Arlindo_San

Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa (Parte 5: Cabo Verde – 1. Lírica, continuação)

A década de cinquenta abre com Unha do horizonte (1951) de Aguinaldo Fonseca, quando já se encontrava em Portugal e havia publicado alguns poemas soltos. Poesia marcada, em muitos lances, pela angústia da «secura calada na garganta», e daí o avanço para a denúncia do drama cabo-verdiano, entendido não só no presente como que ainda diacronicamente, enquanto grava, com insistência, o seu «grito», um grito imperfeito, «porque não sai/do poço desta angústia amordaçada». A novidade de Aguinaldo Fonseca está em ter sido ele o primeiro a utilizar a «África» como substância poética cabo-verdiana, facto inédito se dermos à expressão de Pedro Cardoso — «África minha, das Esfinges berço/Já foste grande, poderosa e livre» [61] — uma conotação sentimental e não necessariamente política. No texto de A. Fonseca há, pelo menos, duas alusões a África. Uma delas, em «Magia negra»:

Das estrelas e dos grilos, Arrasta-se o vão lamento Da África dos meus Avós, Do coração desta noite, Ferido, sangrando ainda Entre suores e chicotes [62].

Do «(...) vão lamento/Da África de meus avós» instalado no «coração ferido» que ainda sangra «entre suores e chicotes» se procede a um enunciado de sofrimento inculpado a uma situação colonial.

É um tanto nesta linha que vai prosseguir, com todas as variantes possíveis, a produção poética daqueles que, tal corno A. Fonseca se associaram ao Suplemento Cultural (1958): Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Terêncio Anahory, Yolanda Morazzo. Todos, ou quase todos, bem como os elementos do grupo da Certeza, terminaram por colaborar na Claridade.

O projecto da geração da Claridade descola-se pela transgressão, pelo deslocamento da visão europeia para uma visão cabo-verdiana. Daí o rompimento com os modelos temáticos europeus e uma radical consciência regional. O ideário de Certeza enriquece a tomada de posição de Claridade pela introdução de uma visão dialéctica dada pelo marxismo. Este grupo do Suplemento Cultural, mercê da participação de alguns dos seus membros, enceta a substituição do conceito regional pelo conceito nacional. É assim que uma nova perspectiva em relação à situação colonial surge já próxima da década de sessenta, e nesta se vai prolongar e aprofundar.

Acentue-se: menos nuns que noutros; ou antes: evidente nuns e não em todos. Mas, no que à maioria é comum será o travo amargo da dominação. Vejamos em Gabriel Mariano (12 poemas de círcunstâncía, 1965).

Não, Amigos, já vos disse não!
Mais uma vez minha resposta é
Não!
Não insistam mais!
Que me importa o doce
que só a mim me dais?
Nada me separa dos meus companheiros!... [63]

Onésimo Silveira (Hora grande, 1962), um dos que primeiro ensaiaram o «convívio linguístico»: «Caba vapor — caba carvom... /Restam praias vazias e botes agonizantes» [...] «Caba vapor — caba carvom.../Nos campos dantescos de S. Vicente» M no propósito da eficaz expressão de uma sofrida realidade cabo-verdiana, demarca-se também dos poetas da Claridade pelo carácter de intervenção poética, ao jeito vocativo-imperativo.

Atrás dos ferros da prisão
É preciso levantar os braços algemados
Contra a prepotência! [65]

Ou na forma interrogativa, mas ainda subjacentemente a recusa:

Para quê chorar Se as suas mãos são limpas A sua culpa inocente E a nudez das suas vozes Bandeiras desfraldadas? [66]

E o mais determinado dos poetas cabo-verdianos, aquele que, desde cedo, envolveu o seu verbo de signos directamente combatidos, Ovídio Martins (Caminhada, 1962; Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada (1973), partidário, consciente e obstinado, de uma poesia de confrontação, empenha-se na contestação do chamado evasionismo («Não vou para Pasárgada») e ironiza:

Mordaças
A um Poeta?
Não me façam rir!...
Experimentem primeiro Deixar de respirar Ou rimar... mordaças Com Liberdade [67] dando-se numa entrega cerrada, ao «tempo cabo-verdiano», tempo «de se entupir/de raiva/de explodir em raiva».

Ainda quando da sua linguagem se verte um lirismo amorável (e isto aplica-se à quase totalidade dos poetas não só cabo-verdianos como angolanos ou moçambicanos) o poema se organiza numa intencionalidade desmistificadora. Bem iríamos sublinhando: aqui, o signo poemático é o «grito quotidiano» de quem se assume, ao nível da escrita, como militante:

No meu grito quotidiano
canto
a madrugada
a mim mesmo
renovado na terra renovada
pela nossa luta [68]

Diríamos então que à poesia declamatória, veemente, de Ovídio Martins ou de um Onésimo Silveira, responde Gabriel Mariano com um exercício de linguagem repousada, mas com um amplo efeito sugestivo, às vezes no lanço da insinuação:

Depois ninguém me acuse
de ter sido misterioso...
Apenas guardei comigo
a calma verde da terra
e a certa repetição
das madrugadas sem sono... [69]

Mesmo quando o seu discurso penetra no espaço declamativo, aí ainda o retórico se disciplina. Como no «Capitão Ambrósio», longo poema épico, em que, por transferência dis simuladora, o «Ambrósio», herói popular em tempo de fome, personifica o libertador que há-de ser festejado: «em mãos seguras erguidas/Em trilhos verdeluzindo/Luzindo a negra bandeira/Clara bandeira na frente/Na frente segue o Ambrósio!/Meu pai: manda o povo cantar/Manda o povo cantar na madrugada limpa./Manda o povo cantar com tambores e búzios/Quando Ambrósio chegar.» [70].

A presença feminina na moderna poesia cabo-verdiana é preenchida por Yolanda Morazzo que aparece integrada no grupo do Suplemento Cultural. A sua lírica de então tende a enraizar-se numa poética caracterizadamente cabo-verdiana. Mas a uma estadia em Iisboa sucede-se uma longa permanência, diríamos mesmo uma radicação em Angola. E o seu discurso tende a diversificar-se em jeito de «velas soltas» (título de um livro inédito), «velas brancas» soltas no «vento a galope» numa ansiosa determinação que alias já estava inscrita em poemas seus dos anos cinquenta: «Amanhã será uma nova Aurora» [71]. Mas é agora em Cântico de ferro (1976), que reúne alguns dos seus versos que vão desde 1956 a 1975, onde o espaço angolano é a semântica por excelência:

«Um dia se escreverá nas tuas veias/uma história de sangue triste triste/história de ódio dos algozes/cadastro rasgando o útero fértil/do café do algodão e do sisal/tentáculos de manhas e de garras/unhas envenenadas unhas verdes»[72].

Ficou-se pelo caminho, parece, um destes poetas, Terêncio Anahory (Caminho longe, 1962), na época dramática do trânsito glorioso do seu povo, ele que em 1962 se havia associado ao junta-mom: « no meio da baía um galo canta a sua canção de aurora» [73].

O discurso da revolta prolonga-se e generaliza-se com o grupo dos poetas do suplemento «Sèló» (1962), do Notícias de Cabo Verde, nascidos entre 1937 a 1941: Arménio Vieira, Jorge Miranda Alfama, Mário Fonseca, Osvaldo Osório, Rolando Vera-Cruz Martins, todos ainda sem livro publicado, com excepção para Oswaldo Osório, como adiante se regista. O universo da poesia destes poetas continua a ser o espaço cabo-verdiano. Mas à medida que o tempo avança a tendência é para a interpretação dialéctica da situação social marcada pelo colonialismo e a transparência de uma sistemática recusa.

Fala-se de «Ilhas renascidas/nuvens libertas.../Talvez um continente/À medida dos nossos desejos» (Arménio Vieira) [74].

Fala-se de «Quando a vida nascer...» e então «Rasgarei as grades/Rasgarei os açaimes/Enterrarei a dor, /Gritarei bem alto/A minha sede de viver...» (Mário Fonseca in Cabo Verde, n.° 126,1960). Parte deste grupo, durante anos silencioso (ou silenciado), ressurge mais tarde com poemas construídos no recato enganoso e publicados na revista Vértice (Coimbra).

O caso de Arménio Vieira que aí inicia, em cruel ironia, o ciclo da «animalização»:
Pensamos:

lá fora...
Isto é que fazem de nós quando nos inquirem:
— estais vivos?
E em nós
as galinhas respondem:
— dormimos. ISTO É QUE FAZEM DE NÓS!
(in Vértice, n.° 334-345,1971, p. 845)

Estamos em 1971, em África o derradeiro império apodrece. Os homens no reino da clandestinidade, a vida cresce e está prestes a romper na «manhã inflor», ao sopro de uma «coragem renovada de todos nós», na «veemente ressurreição!» (Osvaldo Osório). Os poetas sentem o halo próximo da «aurora de vitórias» e um deles, Rolando Vera-Cruz, pode num «gesto» colectivo, afirmar: «Ah! Que reflorir de sorrisos ocultos no tempo!/Um outro gesto/cálido como vontade de criança,/um outro querer/veemente de ressurreição!». Ou Jorge Miranda Alfama: «... Eu me semeei na argila/com sangue e tempo para florir». («Sèló», n.°l, 1962). [75]

É na verdade, o tempo da «ressurreição!» E com a ressurreição, que é a da liberdade, a da libertação, se organiza um novo espaço: o de uma nova escrita, o de uma nova língua, várias gramáticas. Os primeiros indícios vêm de Claridade, avolumam-se na poética das gerações seguintes, com Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Onésimo Silveira — mas ainda aqui a presença de Jorge Barbosa, a influência do grupo da Claridade é soberana. O primeiro sinal dessa libertação definitiva vem com Timóteo Tio Tiofe (heterónimo de João Manuel Varela, a ajuntar ao de João Vário) [76] com fragmentos de poemas que faria publicar no jornal Letras e Artes (1963 e 1964) e Nós Vida (Roterdão, 1972) depois incorporados em O primeiro livro de Notcha (1975) no qual Timóteo recorta o destino histórico do arquipélago:

«O nosso destino, o destino político do arquipélago é inconcebível fora do contexto africano» (palavras da sua introdução).

Longo poema, de oitenta e nove páginas, seccionado em três «partes», as partes em «discursos», recorrendo à intertextualidade, à convivência linguística, aos dados da história, da botânica, da economia, da geografia, evocando os vultos da literatura cabo-verdiana, os heróis populares, os heróis nacionais africanos, afrontando a enumeração estatística, inserindo dezenas e dezenas de palavras do espaço cabo-verdiano até então ignoradas pela poética cabo-verdiana, caldeando grandezas e misérias, mitos, revoltas, fomes, esperanças, ao modo de evocação e narração bíblica. Timóteo Tio Tiofe abala as estruturas poéticas tradicionais do Arquipélago, e organiza um discurso sereno, veemente, ao ritmo caudaloso, e assim reconstroe a gesta cabo-verdiana, a narrativa poética da epopeia histórica do ser cabo-verdiano, desde as origens até aos nossos dias:

Mas que não venham mais fomes sobre nós,
sobre nossas casas, nossos estábulos e apriscos
sobre nossas escolas e asilos.
Que não venham corvos, gafanhotos,
lestados, nordeste, harmatão ou tempestades, marés bravas,
[chuvas que danifiquem estes cereais, estas oleaginosas,
[estas árvores de fruta.
Que não venha fogo sobre nossos leitos de madeira, nossos colchões de palha, nossos lençóis de linho, sobre nossos campos de cultivo e nossas alfaias agrícolas. Nem varíola ou cólera ou epidemias de outro teor sobre nossos pais, nossas mulheres, nossas crianças. E estes canavais, estas aves de criação, estes porcos de ceva, oh  que  tenhamos   o  gozo   deles   ou  a  alegria  da   sua
[multiplicação [77].


Corsino Fortes, após a estreia no Boletim dos Alunos do Uceu Gil Eanes (1959), a seguir participa na Claridade, e no Cabo Verde, mas ainda aqui a estrutura da sua poesia é símile da dos «claridosos». O salto qualitativo (e significativo) vem com Pão <ò" fonema (1975) que objectiva a ruptura total com a tradição jorge-barbosiana. São próximas no tempo, embora de características diferentes, as experiências de um e de outro: de Corsino e Timóteo. «Encontro» natural no tempo histórico e cultural? Influências de um no outro, ou recíprocas, já que ambos, parece, teriam vivido, em comum, anseios novos? Do ponto de vista da poesia cabo-verdiana isso não será importante. Importante é fazer o registo destas duas perspectivas inéditas e, ao cabo, marcadas por características poéticas próprias, até porque no domínio da «gramática» tão afastados estão um do outro. A um certo discursivismo, a um certo barroquismo se contrapõe uma contenção visivelmente trabalhada de Corsino. Neste, numa elaboração, verso a verso, cingida ao tropo, também à convivência linguística, estrutura da linguagem ao nível mítico, metabolizada no recurso metonímico estrofe a estrofe —, a sua proposta é a de uma grande parábola: a terra do sofrimento engravidou e a sua dor agora é a dor da parturiente: a vida nova vai surgir. Ritmo repousado, na feição de lenga-lenga popular intelectualizada, a espessura de poema ganha um brilho inusitado:

Ouve-me! primogénito da ilha
Ontem
fui lenha e lastro para navio Hoje
sol semente para sementeira
Devolvo às ondas
A evocação de ser viagem E fico pão à porta das padarias
Onde
o bolor da terra
é sangue e trigo E o milho que amamos
É nosso irmão uterino
Onde
os corvos sangram do alto bibliotecas de tantas sílabas
Onde
o osso é cada vez mais espiga
a espiga cada vez mais osso Aqui Ergo a minha aliança
De pão & fonema Enquanto o vento bebe E o vento bebe meu sangue a barlavento [78]

NOTAS:
61    Pedro Cardoso, Jardim das Hespérides, 1926, p. 11.

62    Aguinaldo Fonseca, Unha do horizonte, 1951, p. 61.

63    Gabriel Mariano, «Nada nos separa» in Cabo Verde, n.°109 p. 19.

64    Onésimo Silveira, «Saga» in Claridade, n.° 8,1958, p. 70.

65    Idem, Hora grande, 1962, p. 41.

66    Idem, p. 26.

67    Ovídio Martins, Caminhada, 1962, p. 12.

68    Idem, Gritarei berrarei matarei/Não vou para Pasárgada, s/d, 1973, p. 76.

69    Gabriel Mariano, «Cantiga da minha ilha» in Mário Pinto de Andrade, Antologia da poesia africana de expressão portuguesa, 1968, p. 6.

70    Idem, «Capitão Ambrósio», 1975, p. 13.

71    Yolanda Morazzo, Cântico de ferro, 1977, p. 63

72    Idem, idem, p. 11.

73    Terêncio Anahory, Caminho longe, 1962, p. 19.

74    Arménio Vieira, «Poema» in Mákua 1,1962, p. 22.

75    Rolando Vera-Cruz, «Poema sem tempo» in Vértice, n.°s 334-335,1971, p. 849.

76    João Vário é autor de quatro livros, o primeiro dos quais Horas sem carne, 1958, retirado da sua bibliografia pelo próprio. Os outros são: Exemplo geral,  1966; Exemplo relativo, 1968; Exemplo   dúbio,   1975.  João   Vário   participou   também  na iniciativa coimbrã Êxodo (1961).

77    Timóteo Tio Tiofe, O primeiro livro de Notcha, 1975, pp. 88-89.

78    Corsino Fortes, Pão & fonema, 1974, p. 60.


Continua…

Fonte:
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa I Biblioteca Breve / Volume 6 – Instituto de Cultura Portuguesa – Secretaria de Estado da Investigação Científica Ministério da Educação e Investigação Científica – 1. edição — Portugal: Livraria Bertrand, Maio de 1977

sábado, 28 de julho de 2012

Sexteto em Sextilhas (Parte 4)

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Este debate possui 300 sextilhas. As postagens são diariamente de 30 em 30, ficando assim divididas em 10 dias.

91 –  Assis
Depois do samba, eis que a gente
precisa parar um pouco;
aproveitar a quaresma
pra fazer ouvido mouco
aos ruídos deste mundo,
a cada dia mais louco.

92 – Ademar
Eu acho que vimos pouco
no carnaval, este mês;
o mundo está mesmo louco,
e com a falta de honradez,
a mulher se fantasia
com sua própria nudez!

93 – Delcy
Hoje, eu vivo a embriaguez
que o carnaval propicia,
olhando Escolas e blocos
na  TV,  dia  após  dia,
e vibrando com o calor
dessa explosão de alegria!

94 – Prof. Garcia 
É triste, mas hoje em dia,
carnaval não presta mais;
só se escuta funk e rock
e outras drogas infernais,
matando nossas marchinhas
de passados carnavais!

95 – Gislaine
São marchinhas que jamais
sairão do coração
de quem é da velha guarda,
pois causam muita  emoção,
saudade de anos vividos
com prazer e animação!

96 – Zé Lucas
Deixei de ser folião;
dei adeus à brincadeira.
Vejo agora o carnaval
como ilusão passageira,
de três dias de loucura,
que morre na quarta-feira. 

97 – Assis
Nossa gente brasileira
de cuca fresca tem fama;
dança, canta, joga bola,
e contra nada reclama,
e ao ver o planeta em crise
diz que é problema do Obama.

98 – Ademar
Ao poeta nada inflama,
nem nos deixa cicatriz.
Essas crises não me atacam
a própria vida me diz,
só uma coisa me importa:
fazer verso e ser feliz!

99 – Delcy
O meu destino não quis
que, neste mundo, a ventura
sorrisse mais para mim!
Sem dinheiro e com cultura,
ganhei mais que muita gente:
me enriqueci de ternura!

100 – Prof. Garcia
Viver é a grande ventura
nesta nossa caminhada.
Mas o saber nos revela
todas as curvas da estrada,
e é luz que nunca se apaga
até o fim da jornada!

101 – Gislaine
Tendo a fé por aliada,
não tememos o futuro,
sabemos que nos espera
algo bom e muito puro,                     
e seguimos palmilhando
nosso caminho seguro!

102 – Zé Lucas
O que chamamos futuro
às vezes está pertinho;
pode ser alvissareiro,
quando o pintamos mesquinho;
por isso, seguir cantando
torna mais belo o caminho.

103 – Assis
Desculpem mais um pouquinho
pelos atrasos do Assis;
é que estive por uns dias
ausente, porém feliz,
curtindo as águas quentinhas
das Termas de Imperatriz.

104 – Ademar
Você, sim, é que é feliz
da forma mais inconteste,
e eu lhe faço um convite
peço que não me conteste:
venha conhecer nas férias,
as belezas do nordeste.
 
105 – Delcy
O  convite que  fizeste
ao Assis, querido irmão,
nos mostra que muito queres
teu  Nordeste, com  paixão,
mas meu Sul não fica atrás,
merece nossa  atenção!
  
106 – Prof. Garcia
Já senti a sensação
de conhecer novos lares;
visitar terras distantes
cruzar os mais belos mares,
nunca vi nada mais lindo
que nossos próprios lugares!
 
107 – Gislaine
O respirar novos ares,
faz feliz o coração.
Morarmos num paraíso
nos causa grande emoção,
mas viajar pelo mundo
nos traz nova inspiração!
 
108 – Zé Lucas
Os meus sonhos sempre vão
muito distante daqui,
atravessam céus e mares,
paragens que nunca vi,
porém, de volta, me dizem:
-teu lugar é Pirangi!

109 – Assis
Assim que houver tempo aqui,
mais o et-cétera-e-tal,
farei o que há muito eu quero:
vou pegar o meu bornal,
montar num corcel voante
e apear dele em Natal.
 
110 – Ademar
Ao chegares em Natal
vais me encontrar de joelho,
pois neste “vale de trovas”
és, de fato, o meu espelho;
e haverás de andar aqui
sobre um tapete vermelho...

111 – Delcy
Tu falas que Assis é espelho
e eu digo que ele é especial,
mas os outros do sexteto
também são bons, afinal,
por isso, eu faço um convite:
-Vamos todos a Natal!!!

112 – Prof. Garcia
Nosso trabalho, afinal,
volta com força e vigor;
muitas estrelas brilhando
mostrando luz e esplendor,
e a musa inspirando os vates
na caminhada do amor.

113 – Gislaine
Mais que lindo, é encantador
versos, poder escrever,           
deixando um pouco de nós,
neles, vamos reviver,
e algo deles vai ficar
pois, de nós, vai transcender!

114 – Zé Lucas
Sinto minha alma se encher
de uma alegria infinita;
parece que a vida canta
e o próprio silêncio grita,
quando eu monto os seis pilares
de uma sextilha bonita!

115 – Assis
Minha é a alegria infinita,
por poder, por esta via,
abraçar o Mestre Lucas
no seu belíssimo dia,
com votos de mais cem anos
a serviço da poesia.

116 – Ademar
Dediquei-lhe uma poesia,
orei e fiz uma prece,
e eu falando com Jesus
algo de bom me acontece;
e o que eu pedi pra Zé Lucas,
com certeza ele merece!

117 – Delcy
Eu também fiz uma prece
pelo nosso  Professor
e no "Universo da Trova"
falei sobre o seu  valor,
comentando os lindos versos
de Zé Lucas, cantador!

118 – Prof. Garcia
Sob o feitiço do amor
todo poeta se extasia.
Somos fiéis mensageiros
do mundo da fantasia,
e tangerinos dos versos
do reinado da poesia!

119 – Gislaine
É um reinado de alegria,
e a musa, sempre presente,
traz tanta felicidade,
de uma maneira envolvente,
que toca a nossa emoção
e nos faz sentir mais gente!

120 – Zé Lucas
Temos na esfera da mente
o nosso mundo encantado:
raios dispersos de estrelas,
imagens por todo lado,
e sempre um novo caminho
em cada verso inventado.