terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Valéria Polizzi (Fora do Normal)


Na sala de aula, Caio pediu a Aninha uma borracha emprestada. 

— Pode pegar aí dentro da minha mochila — disse ela e continuou seu papo com Alice.

Caio abriu a mochila e enfiou a mão procurando. Sentiu um objeto pequeno no meio dos livros. De plástico? Sim. Mas plástico mole, quadrado, fininho. Apalpou. Seria uma embalagem? E com um anel maleável dentro? Trouxe a mão ao alcance dos olhos. Ah, uma camisinha. Uma camisinha?!

Num gesto brusco, com as faces ruborizadas, voltou a mão lá para as profundezas da mochila. E atordoado pensou. "Minha nossa, o que isto está fazendo aqui, nas coisas da Aninha?! A mais novinha da classe, a menorzinha, meiga, boazinha?!"

— Achou, Caio?

— O quê?! Ah, a borracha, Aninha? Achei. Quer dizer, não! Mas deixa pra lá. O Pedro tem uma. E ele foi em direção ao melhor amigo. Que aliás, era apaixonado por Aninha. "Por Aninha? Da camisinha?! O Pedro precisa saber disso!", decidiu Caio. E baixinho para o companheiro segredou:

— Cara, uma bomba. A Aninha não é quem a gente pensa! E contou tudo a Pedro, que revoltado contou pro Juca, que pasmado deixou escapar pro Plínio, que por distração babou pra Nanda, que envergonhada avisou Aninha, que rindo contou à Déia, que uma fera berrou pra classe inteira:

— Quer dizer, moçada, que menino pode andar munido de camisinha, que é chique, bom pra prevenção. E nós, meninas, não?!

— Não vem com esse papo, Déia. Quem anda com camisinha na bolsa é porque tá a fim de transar!, berrou Pedro lá do fundo.

— Ué, e menina não pode ter vontade de transar?! — contestou Alice, firme.

— Eu nem tenho vontade ainda — emendou rápido Nanda — mas isso não me impede de carregar uma!

— Se eu pegar namorada minha com isso na bolsa, termino! — berrou Juca.

— Vai ver que é por isso que ninguém quer te namorar! — gritou Aninha.

— Que bagunça é essa, gente?!, reclamou a professora de Matemática, entrando na sala. E depois da explicação e de muito bate-boca de toda a turma, ela resolveu: 

— Chega! Vamos começar nossa aula! Aninha, me dê aqui a tal camisinha. E respirando fundo: — Hoje vamos ter uma aula diferente!

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Academia Paranaense da Poesia (Boletim de Março de 2013)


“Os Espelhos são usados para ver o rosto. A Arte  para ver a alma”      
                                                                                                                   ( George B. Shaw)

OFICINA PERMANENTE DE POESIA                                                                                                                                                                                  

Projeto Academia Paranaense da Poesia e Biblioteca Pública do Paraná – VOLUNTARIADO DA POESIA desde 2002 (de março a junho e de agosto a novembro) - todas as quintas-feiras, das 18 às 19 h: Aula sobre Poesia por um dos poetas da nossa Academia ou de outros poetas do Paraná ou do Brasil – das 19 às 19:45 h: Declamação de Poemas pelos participantes da Oficina.  Rua Cândido Lopes 133 - 3º andar 

07/03 – Tribuna livre: Declamação de Poemas (temas livres) pelos participantes.

14/03 – A poesia de Castro Alves – Poetisa  Lilia  Souza

21/03 – Trovas de Ademar Macedo (Homenagem Póstuma) – Poeta  Nei Garcez

28/03 – Véspera da Sexta-feira Santa: Não haverá Oficina

09/03 – SÁBADO DA SERESTA – Música e Declamação de Poemas – das 17:30 às 21 horas, no Restaurante San Domingos: Rua Voluntários da Pátria,  368 – 1º andar – Café Colonial.

19/03 – TARDE DE MÚSICA E POESIA – 17 horas, no Centro de Letras do Paraná – Rua Prof. Fernando Moreira, 370 – Temas do mês de Março e Temas Livres.
O Espaço “Cinco minutos com meu Patrono” será apresentado pelo poeta Sylvio Magellano,  que falará sobre o seu Patrono  Leôncio Correia.

COMO O ÚLTIMO SÁBADO DESTE MÊS, DIA 29, COINCIDIU  COM A SEMANA SANTA,  NÃO HAVERÁ O NOSSO TRADICIONAL ALMOÇO.

ANIVERSARIANTES DO MÊS DE JANEIRO, FEVEREIRO E MARÇO NA GALERIA DA SAUDADE: 
03/01 Emiliano Perneta; 
13/01 Carmen Carneiro; 
19/01 Emilio Sounis; 
21/01 Scharffenberg de Quadros; 
04/02- Horácio Ferreira Portella; 
01/03 Argentina de Melo e Silva; 
11/03 Tasso da Silveira 

Sua presença e sua alegria fazem a festa da Poesia

Roza de Oliveira
Presidente

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia VI)

EM HORAS INDA LOURAS, LINDAS

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna !
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos....
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

EMISSÁRIO DE UM REI DESCONHECIDO
Emissário de um rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anômalo sentido...

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido...

Não sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

Mas há ! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...

EM PLENA VIDA E VIOLÊNCIA

Em plena vida e violência
De desejo e ambição,
De repente uma sonolência
Cai sobre a minha ausência.
Desce ao meu próprio coração.

Será que a mente, já desperta
Da noção falsa de viver,
Vê que, pela janela aberta,
Há uma paisagem toda incerta
E um sonho todo a apetecer ?

ALÉM-DEUS

I) Abismo
II) Passou
III) A Voz de Deus
IV) A Queda
V) Braço sem Corpo Brandindo um Gládio

I) Abismo


Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando -
O que é ser-rio, e correr?
O que é está-lo eu a ver?
Sinto de repente pouco,
Vácuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente é oco –
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo - eu e o mundo em redor –
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus...

E súbito encontro Deus.

II) Passou

Passou, fora de Quando,
De Porquê, e de Passando...,
Turbilhão de Ignorado,
Sem ter turbilhonado...,

Vasto por fora do Vasto
Sem ser, que a si se assombra...

O Universo é o seu rasto...
Deus é a sua sombra...

III) A Voz de Deus

Brilha uma voz na noute...
De dentro de Fora ouvi-a...
Ó Universo, eu sou-te...
Oh, o horror da alegria
Deste pavor, do archote
Se apagar, que me guia!

Cinzas de idéia e de nome
Em mim, e a voz: Ó mundo,
Sermente em ti eu sou-me...
Mero eco de mim, me inundo
De ondas de negro lume
Em que para Deus me afundo.

IV) A Queda

Da minha idéia do mundo
Caí...
Vácuo além de profundo,
Sem ter 
Eu nem Ali...
 
Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus! Além-Deus! Negra calma...
Clarão de Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...

V) Braço sem Corpo Brandindo um Gládio

Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela Deus?...
E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida –
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?

ENTRE O BATER RASGADO DOS PENDÕES

Entre o bater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou : como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões.

Foi em vão que o Rei louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia _
Tudo morreu, sem rastro e sem razões.

A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendões rotos
'Strelam no absurdo campo desolado
Uma derrota heráldica de ignotos.

ENTRE O LUAR E A FOLHAGEM

Entre o luar e a folhagem,
Entre o sossego e o arvoredo,
Entre o ser noite e haver aragem
Passa um segredo.
Segue-o minha alma na passagem.

Tênue lembrança ou saudade,
Princípio ou fim do que não foi,
Não tem lugar, não tem verdade.
Atrai e dói.

Segue-o meu ser em liberdade.

Vazio encanto ébrio de si,
Tristeza ou alegria o traz ?
O que sou dele a quem sorri ?
Nada é nem faz.
Só de segui-lo me perdi.

ENTRE O SONO E SONHO

Entre o sono e sonho,
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.

Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.

Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.

E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.

Fonte:
Fernando Pessoa. Cancioneiro.
Imagem formatada com sobreposição de figuras modificadas com imagens obtidas na internet, sem identificação do autor.

Carol Carolina (Cristais Poéticos)

SONHO E FANTASIA
-
Sonhei que era rainha
E reinava num castelo
Uma fada por madrinha
Tudo fino muito belo

Sapato com flor de ouro
Pura riqueza de se ver
Não tinha nada de couro
Bonito de fazer doer

Vestido de seda pura
Coisa fina com certeza
Mais parecendo pintura
A roupa de realeza

Minha vida de rainha
Teve fim e se acabou
Ao sol minha cadelinha
Latiu alto me acordou

Quero dormir novamente
E quem sabe recomeçar
O meu sonho envolvente
Para ao castelo voltar

ANDANDO NA CHUVA

 Andando na chuva
 Numa tarde calma
 Afoguei as mágoas
 Eu e minha alma

 Eu e minha alma
 Aqui lembrando
 De coisas minhas
 Continuei andando...

 Continuei andando
 Sem ligar para nada
 Vendo meu reflexo
 Na calçada molhada

 Na calçada molhada
 Nada para descrever
 Só o coração sentindo
 Não vou te esquecer

NOITE DE HORRORES...RONDEL

Meu amado RS está de luto e meu coração também. Como gaúcha que sou lamento a morte de 235 flores em pleno desabrochar.
Um vento devastou todas as flores do jardim
Deixando tudo cinzento e sem as belas cores
O dia amanheceu triste e uma sensação ruim
Desespero, lamentos, grandes perdas, dores

Não existia mais o suave perfume do jasmim
No ar a fumaça preta, espessa de mal odores
Um vento devastou todas as flores do jardim
Deixando tudo cinzento e sem as belas cores

Como poder entender algo inesperado assim
Tantos sonhos perdidos e junto seus amores
Misto de dor e saudade que jamais terão fim
Noite sofrida envolvida pelo circo de horrores
Um vento devastou todas as flores do jardim

ESPERANÇA (Indriso)

Linda e renovada eis a esperança
De grandes olhos verdes é dotada
 Sorriso largo igual de uma criança

Companhia que fala embora calada
Só energia nos traz sua presença
 Com ela é mais leve a caminhada

Perfumada como a flor da laranjeira

Te quero junto comigo a vida inteira..

CHEGA LOGO PRIMAVERA

Chega logo primavera
Vem meus olhos encantar.
Trazendo lindas flores
E pássaros a cantar.

Vem com o teu colorido
Inundar os nossos campos
Daquelas flores pequeninas
Parecendo grandes mantos.

Traga azaleia, margarida e
Vasinhos com violetas
Pois estas quero entregar
Aos nossos amados Poetas.

Hortência, amarilis e gerbera
Copo-de-leite, gerâneo e jasmim
Rosas, muitas rosas variadas
Mas as rubras por favor,todas prá mim.

Te pareço egoista Primavera?
Mas te dou uma boa razão.
As rubras enlevam minhàlma
E afagam o meu coração.

Fontes:
http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=241039
http://poetisacarolcarolina.blogspot.com/
Imagem = obtida no facebook do Espaço Das

Paulo Cardozo Costa (Tributo à Natureza)

Tela de Baltazar Guimarães Silva (Zarico)/ MG
De oculta fonte provinda
Inaudita força portando
Instala-se no vácuo, abstrata,
Grandiosa missão programada
A criar o que não existia
Dando início a todas as coisas
Respeitando beleza e harmonia

Lançando as sementes da vida
Por todo o orbe, exultante,
Vibra de amor e desejo
De ver concluída a façanha
E com arrojadas medidas
Propagar-se obra tamanha
Nas formas já consentidas

Inicia-se, então, a tarefa
Povoa-se o espaço em aberto
Produz-se milhões de estrelas
Todo universo é coberto
Mantendo forma e textura
Seguindo as mesmas premissas
Variando só a moldura

Partindo das formas mais simples
Buscando o desenho perfeito
A perfeição é a meta
Do já traçado conceito:
Do pouco notado verme
Em marcha constante, correta,
Ao gigante paquiderme

No solo já preparado
A vida toma suas formas
Viceja tênue a gramínea
Sobeja o gigante carvalho
Povoando todo o recanto
Formosa e pujante verdura
Faz do solo seu manto

É grande a labuta, se sabe.
Mas grandiosa é sua missão
É obra que nunca termina
E que consolida a razão
Não há obra em segredo
Apenas se espera a ocasião
Pois não há nem tarde nem cedo

Traçados os paralelos
Do orbe em construção
Busca-se a parte mais bela
Obra prima da criação
E moldada é a espécie
Que vem coroar com orgulho
A tão sagrada missão

Fisicamente perfeito
Capaz de vencer qualquer travo
E executar qualquer feito
É sensível e um bravo
Movido por seu tirocínio
Dotado de força e razão
Já despreza qualquer patrocínio

E investe com galhardia
Sem consultar a razão
Pressupondo-se com autonomia
Para ditar os caminhos
Que o levem à consagração
Porém, os percalços à frente
O conduzem à meditação

A criadora que ao mundo
Tal criatura gerou
Sofre agora por seu feito
Não sabendo onde errou
De agonia é sua voz
Sua obra mais perfeita
É agora seu algoz

Calcada em seus estertores
Combalida e mal resistente
Suplica por atenção
Ainda no tempo presente
Pois apesar de sua pujança
Ante o que à frente vislumbra
Resta-lhe pouca esperança
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* Nascido em Alegrete, RS, no ano de 1935, mudando-se para Porto Alegre aos dois meses de idade. Em 1999 mudou-se para Canela, onde reside atualmente. É casado, tem dois filhos e quatro netos. O pai era mestre de música, com quem estudou, além de desenho e pintura. Quando adolescente fazia histórias em quadrinhos para vender. Aos l4 anos fundou com amigos um jornal que durou alguns meses. Colaborou em jornais escolares enquanto estudante. É formado em contabilidade e estudou ciências econômicas até o segundo ano. É aposentado da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Faz da Literatura, mais lendo que escrevendo, seu passatempo favorito.
Fonte:
http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1386&class=04

Marina Strachman (Peça Teatral: Bom Demais pra Ser...)

Esta narrativa é uma obra de ficção que envolve personagens reais, imaginando o que seria deles se morressem; o que estas personagens, que foram tão importantes em vida deixaram de bom, de realmente bom depois que se foram. A peça pretende mostrar que o que realmente importa, é a essência da pessoa, e não seus bens!

Peça teatral: Bom demais pra ser...
Autora: Marina Strachman

Baseado em “Um conto de Natal” de Charles Dickens

 Enredo

Esta narrativa é uma obra de ficção que envolve personagens reais, imaginando o que seria deles se morressem; o que estas personagens, que foram tão importantes em vida deixaram de bom, de realmente bom depois que se foram. A peça pretende mostrar que o que realmente importa, é a essência da pessoa, e não seus bens!

Cenário

Dividido em três espaços. Uma sala, com TV tudo de última geração com lap top, com televisão e som ligados. Outra um “campo” de futebol e na outra, dois carros um vermelho e um preto no trânsito, tudo separado por biombos.

Descrição dos Personagens

Asdrúbal – Têm 40 anos, pai de família, um executivo que só faz trabalhar, não dá atenção à esposa e nem ao filho.

Marilda a linda – Têm 30 anos, só fala de regime, ginástica e calorias, não dá atenção ao filho e ao marido.

Junior – Têm 10 anos, cabelo penteado como o Neymar, usa roupa de grife, tem Ipod, Ipad, e wii, e sempre todos ligados e brinca sozinho.

Uesley Uilson – Jogador de futebol profissional, bom jogador, mas é trapaceiro, encrenqueiro.

São Januário – Um garoto bonito, muito bom jogador, e uma pessoa do bem.

Beto Esperto – Joga bem, mas tem mania de querer ser mais esperto que os outros e só se dá mal.

Leila – motorista do carro vermelho, chorona, desempregada, frustrada, acha que sua vida é um erro atrás do outro.

 Beka – Amiga de Leila, está no carro, mas não agüenta mais.

Renato – Um jovem muito feliz, motorista do outro carro.

Mauro – amigo de Renato, companheiro pra tudo.

Três Anjos da Guarda – Um para Asdrúbal, outro para Uesley e o terceiro para Leila.

Abertura
Narrador

Vivemos hoje a nossa vida, uma vida boa, bacana, mas se deixássemos esta vida pra trás agora, já! O que teríamos deixado para trás?!

(Pausa, música mais alta - por meio minuto)

 Narrador prossegue:

- No mundo atual, mundo dos vivos, malandros, espertos a vida segue segue.

Ilumina-se um de cada vez as três cenas, a família na sala, o jogo de futebol, os carros no trânsito.

Cena I

(Cenário -  Sala da família, com Asdrúbal, Marilda a linda e Junior)

Narrador

-Era uma vez...

(Música e foco de luz passando sobre os objetos e as pessoas da cena da família)

Narrador – Asdrúbal é um super executivo de uma multinacional que tem escritórios em Londres, Nova Deli, Hong Kong e Rio de Janeiro. Como o fuso horário varia muito de um escritório para outro, Asdrúbal passa os dias conectado a algum computador, não tem tempo de folga e viaja muito, mas é muito rico, possui helicóptero, avião particular, iate, casa de campo e de praia e dá para esposa e para o filho tudo o que pedem, sem discutir.

 (Enquanto o narrador fala, mostra Asdrúbal falando em dois celulares, em línguas diferentes, na frente do computador que está ligado. Quando o narrador finaliza, entra o filho e a esposa discutindo.)

 Asdrúbal (aos gritos) – vocês não percebem que estou trabalhando?! Preciso resolver este assunto urgente!

Marilda a linda – Você está SEMPRE trabalhando e resolvendo alguma coisa urgente. Não percebe que este assunto é URGENTE também?!

Junior – é pai, a mamãe....

Marilda a linda (interrompendo) – Já disse que não gosto que você me chame assim, sou Marilda a linda!

Junior (chorando) – eu sou a única pessoa do mundo que não pode chamar a mãe de mãe!!!

Asdrúbal (em seus celulares)- Sorry, but I have a problem here. (e desliga os telefones, olhando muito feio para os dois!) – Venha cá, meu filho, não chore que o papai compra para você aquele Jet Ski, último modelo.

Junior (enxugando as lágrimas rapidamente)– Obaaaa, agora, pai, agora?!?!

 Marilda a linda (interrompendo) – é sempre assim, para ele você compra tudo, e pra mim nada. Já faz DOIS dias que pedi uma mixaria para fazer novamente minha plástica de barriga e você nem respondeu!

Asdrúbal- Desculpe minha linda, tem toda a razão, aonde está meu talão de cheques. (pegando o talão na pasta) – Quanto é minha linda, 500 mil está bom?! Não, não, é pouco por toda esta beleza, querida leve logo um milhão e aproveita renove seu guarda roupa. Se quiser ir para Miami, o jatinho estará disponível amanhã!

 Marilda a linda (beijando o marido) – é por isso que TODAS as minhas amigas morrem de inveja do MEU Asdrúbal!

Narrador – Asdrúbal volta ao telefone, para acabar de resolver os problemas dos escritórios.

- Cena II –

(Cenário – campo de futebol, Uesley Uilson,São Januário, Beto Esperto, brincando com a bola)

Narrador – Uesley Uilson é um jovem de 17 anos, que joga futebol tão bem que já têm alguns times atrás dele, mas ele bebe e usa drogas, seu melhor amigo, Beto Esperto, é um perna de pau que acha que joga MUITA bola, neste time existe também o goleiro São Januario, ótimo jogador, joga bem, é voluntário em duas ONGs é um garoto do bem.

 São Januário – Uesley, não te disse para você parar de beber e jogar bola que você ganha mais?! 

Beto Esperto (com desdém) – Se fosse só bebida o nosso problema, tava moleza!

Uesley Uilson - (interrompendo) – Cala boca, Beto! E Januário, o que é que você tem ficar me dando conselho, se conselho fosse bom, ninguém dava de graça!! (rindo), Né não Betão!!

(Betão e Usley, rindo)

São Januário – Olha cara, o negócio é o seguinte: tem uma conversa que o Santos tá querendo te contratar pra jogar com o Neymar, mas pra isso, você tem que deixar de faltar em treino por causa de bebida.

Beto Esperto (com desdém) – Eu já disse que, se fosse só bebida o nosso problema, tava moleza! Você com esse apelido encardido de São Januário, só quer dar bons conselhos...

 (Uma voz lá de dentro- Beto Esperto, fica quieto que este papo não é com você, você quando está bem, serve pra esquentar banco, não sei se você percebeu, mas nem no banco tu tá escalado!. Uesley, esta conversa do São Januário é séria, mas, só vai funcionar se você por 3 meses comparecer aos treinos sem estar drogado, ou bêbado, ou os dois!) E os três saem jogando bola.

- Cena III –

(Mostram os dois carros parados no farol, um vermelho com a Leila ao volante e a Beka ao lado, e no outro no carro de cor prata Renato dirigindo e Mauro ao lado)

Narrador – Leila a motorista do carro vermelho, é uma chorona, desempregada, frustrada, acha que sua vida é um erro atrás do outro. Beka, sua grande amiga, está tentando ajudar, até lhe ofereceu um ótimo emprego, que Leila recusou, mas a Beka está cansada desta amiga que parece gostar de sofrer.

(No carro vermelho)

Leila (com a maquiagem borrada de tanto chorar)- eu não sirvo pra nada MESMO, perdi meu emprego, perdi o noivo e agora estou a um passo de perder meu apartamento! EU VOU ME MATAR!

 Beka – Ah, pois não! Mas se mata sozinha que estou descendo do carro. Eu já te ofereci o cargo de gerente geral em meu escritório, mas você me respondeu que: trabalhar com a amiga só pode dar errado... você gosta é de reclamar!

(No carro preto)

Mauro – Renato olha só que mulherão no banco do passageiro!

Renato – Só se for, porque a motorista toda borrada tá parecendo que saiu do baile de halloween!

(os dois caem na gargalhada)

(No carro vermelho)

Beka – Você ouviu isso, sua louca?! Até quando você vai se fazer de vitima, olha só que dupla “tudo bom” aí do lado! E parece que estão rindo de nós!

(No carro preto)

Renato (dirigindo-se para Beka no outro carro)– Oi! Nós estamos indo no Shopping, você quer vir?!

(Leila engata uma primeira e sai correndo com o carro)

Beka (assustada e gritando) – Pára o carro já que eu vou descer! Você precisa de um médico urgente!

Apaga-se a luz do cenário.

- Cena IV–

(Nesta cena camas são necessárias)

Narrador – e o dia acabou e todos foram dormir...

Mostra cada um deitado em sua cama... Asdrúbal em seu lap top, enquanto Marilda pensa em suas plásticas, e Junior está dormindo. Beto Esperto, em sua cama bebendo a segunda garrafa de vodka, Uesley tentando jogar a garrafa de bebida fora, mas acaba bebendo... e São Januário fazendo suas preces antes de se deitar. Leila desmaiada ao lado de MUITOS remédios que ela ingeriu, Beka em sua cama preocupada com Leila, pedindo que o anjo da guarda olhe por sua amiga, Renato e Mauro cada um dormindo em sua cama.

Narrador – Me enganei, agora sim, e o dia acabou e todos foram dormir.

E mostra todos dormindo.

Narrador – E eles sonham, sonham com o seu futuro, e com o que será de cada um deles....

Anjo da Guarda de Asdrúbal  – Asdrúbal, sou seu Anjo da Guarda, estou aqui para te ajudar: você é um homem bem sucedido financeiramente, mas sua vida é uma droga... sua mulher só quer saber do seu dinheiro, e seu filho que tanto quer seu amor, não consegue ganhar nem um abraço! Você nunca fez uma boa ação na vida! Veja o que será de você depois que morrer:

Mostra a parte do cenário do céu, e Asdrúbal, sozinho, ninguém vem conversar com ele. E ele está, olhando para seu filho que está brincando, e sua esposa que está adorando estar sozinha com o dinheiro da herança que ele deixou.

Asdrúbal se desespera.

Anjo da Guarda de Asdrúbal prossegue - Asdrúbal, este quadro pode mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem muita coisa boa para fazer ainda, que tal?!

Asdrúbal (acorda assustado) – Marilda minha linda, tive um sonho e preciso mudar! Querida, amanhã vou começar a instruir meus diretores, para ter mais tempo com vocês. Também vou ajudar a quem eu puder, mas por enquanto...

Asdrúbal corre para o quarto do Junior e o abraça e beija.

- Cena V–

Anjo da Guarda de Uesley  – Uesley Uilson, sou seu Anjo da Guarda, estou aqui para te ajudar: você é um menino ainda, tem um lindo futuro pela frente, mas sua vida é só beber e se drogar, Deus te deu um Dom de jogar bola maravilhosamente, mas você prefere as drogas... Veja o que será de você depois que morrer:

Mostra a parte do cenário do céu, e Uesley Uilson, sozinho, ninguém vem conversar com ele. E ele está, olhando para o nada, pois não tem nada nem para olhar

Anjo da Guarda de Uesley  prossegue -  Uesley Uilson, este quadro pode mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem muita coisa boa para fazer ainda, que tal?!

Uesley Uilson acorda MUITO assustado e diz para si mesmo: Véio eu preciso mudar já!

Ele liga para São Januário e diz:

- São Januário, preciso muito da sua ajuda, tive um sonho e eu preciso mudar, você me ajuda?!

 São Januário – Uesley, claro que sim, aliás, eu vou adorar poder te ajudar! 

- Cena VI –

Anjo da Guarda de Leila  – Leila, sou seu Anjo da Guarda, estou aqui para te ajudar: você é uma mulher inteligente, bonita e que ainda, tem um lindo futuro pela frente, mas sua vida é só reclamar, você acha que a responsabilidade é sempre do outro, nunca é sua! A sua vida pode mudar mas... E preste atenção a este detalhe: VOCÊ  e somente VOCÊ é a responsável por suas escolhas.

Veja este é seu futuro... mostra Leila pedindo esmola.

Anjo da Guarda de Leila  prossegue - Leila, este quadro pode mudar, se for da sua vontade, você é jovem, tem muita coisa boa para fazer ainda, que tal?!

Leila acorda MUITO assustada e diz para si mesma: Eu não tinha percebido que passava por cima das minhas responsabilidades!

Liga para a Beka e diz:- Beka, você tem a partir de hoje uma nova amiga, e eu quero sim o emprego que você me ofereceu, você verá de agora em diante, sou uma pessoa melhor!

Narrador – E eles se tornaram pessoas melhores, e você?!

- Cena VII –

Narrador - E enquanto isso na lanchonete do bairro. Em uma mesa, dividindo uma pizza, contando estórias e se divertindo estão, Leila, Beka, Renato e Mauro.

Leila – Quero propor um brinde a minha amiga que não me abandonou quando mais precisei e ao que sobrou de legal daquela época, A Beka, ao Mauro e ao meu amor, o Renato!

 Beka – Ah, isso merece um brinde mesmo, Leila, você é outra pessoa, eu não sei o que te fez mudar assim pra melhor, mas eu agradeço! Posso confessar que pedi muita ajuda para seu anjo da guarda!

Mauro – Renato e você achando que ela parecia uma assombração!rsrsrsr Ainda bem que nos encontramos novamente, e foi incrível vê-las ajudando as crianças a refazer a mata ciliar daquela nascente!

Renato – Ainda bem que nos encontramos novamente, e foi incrível vê-las ajudando as crianças a refazer a mata ciliar daquela nascente!

Beka – Ei rapazes, semana que vem tem uma distribuição de mudas de arvores da região e meu escritório vai emprestar dois caminhões, será uma ação no fim de semana inteiro, pois vamos promover também a plantação na beira do rio, topam?

(Renato, Leila e Mauro)- Ah, Beka com certeza e você não vai se livrar de nós tão cedo!

Narrador - E na outra mesa, estão....Mostra a mesa com Asdrúbal, Marilda e Junior. Eles estão comendo uma salada!

Junior – Quero mais alface e tomate, mamãe!

 Marilda a linda (que está grávida) – Claro meu querido, eu também vou repetir. Asdrúbal amor, pede um suco de laranja pra mim?

Asdrúbal- Claro. Ah, Marilda, eu quero te agradecer a dica das empresas que investem em ações ambientais, eu estou adorando trabalhar com está área! Aliás, filho, este fim próximo fim de semana, vamos plantar arvores na beira do rio, e escolhemos você e a Marilda para representarem a empresa, vocês aceitam?

 Marilda a linda (beijando o marido) – é claro querido, nossa vida mudou pra melhor agora, eu me sinto melhor e sou uma mãe de verdade agora, eu curto estar com vocês!

Junior – é mesmo mamãe, agora a gente pedala juntos, e almoça juntos!

Asdrúbal- eu só tenho a agradecer por aquela noite! Sou outra pessoa e serei pai de gêmeos!

Narrador – e entrando na lanchonete... São Januario e Uesley. Uesley está triste.

 São Januário – Uesley, você tá bem? 

Uesley Uilson – To sim Janú, mas to muito triste! Nunca pensei que o Beto fosse morrer assim de overdose!! Sabe acho que é uma mistura de sentimentos... afinal, se não fosse por você, eu ia acabar assim também!

São Januário – Olha cara, mas você conseguiu, teve uma tremenda força de vontade e conseguiu ficar um ano inteiro longe da bebida e das drogas!

Uesley Uilson – E agora é seguir em frente! Este ano vou jogar no Santos e agradeço a Deus todos os dias por eles terem te contratado junto comigo, pois você é meu parceiro, irmão e amigo!

Apaga-se a luz do cenário.

 __________________
Marina Strachman - arquiteta e urbanista, mestre em desenvolvimento regional e meio ambiente e especialista em educação ambiental.

Fonte:
Educação Ambiental em Ação
http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1387&class=06

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia V)

DO VALE À MONTANHA

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte, cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por casas, por prados,
Por Quinta e por fonte,
Caminhais aliados.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por penhascos pretos,
Atrás e defronte,
Caminhais secretos.

Do vale à montanha,
Da montanha ao monte,
Cavalo de sombra,
Cavaleiro monge,
Por quanto é sem fim,
Sem ninguém que o conte,
Caminhais em mim.

DURMO. SE SONHO, AO DESPERTAR NÃO SEI

Durmo.
Se sonho, ao despertar não sei
Que coisas eu sonhei.
Durmo.
Se durmo sem sonhar, desperto
Para um espaço aberto
Que não conheço, pois que despertei
Para o que inda não sei.
Melhor é nem sonhar nem não sonhar
E nunca despertar.

BRANDO O DIA, BRANDO O VENTO

É brando o dia, brando o vento
É brando o sol e brando o céu.
Assim fosse meu pensamento !
Assim fosse eu, assim fosse eu !

Mas entre mim e as brandas glórias
Deste céu limpo e este ar sem mim
Intervêm sonhos e memórias...
Ser eu assim ser eu assim !

Ah, o mundo é quanto nós trazemos.
Existe tudo porque existo.
Há porque vemos.
E tudo é isto, tudo é isto !

ELA CANTA, POBRE CEIFEIRA

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,

Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso !
Ó céu ! Ó campo ! Ó canção !
A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve !
Entrai por mim dentro ! 
Tornai
Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !

ELA IA, TRANQÜILA PASTORINHA

Ela ia, tranqüila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...

"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora _

Só sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...

ELAS SÃO VAPOROSAS
Minuete Invisível

Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar...

Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos...
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos...

Passam e agitam a brisa...
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora...

Passam nos ritmos da sombra...
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene...

E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio...

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar ...

EM BUSCA DA BELEZA
Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Coisa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.

Fonte:
Fernando Pessoa. Cancioneiro.
Imagem formatada com sobreposição de figuras modificadas com imagens obtidas na internet, sem identificação do autor.

Simone Pedersen (O Condutor)

Mais uma vez eu chego à Estação da Luz. São seis horas da manhã. O orvalho ainda umedece o ar, e os pássaros esticam as asas preguiçosamente. Entro no trem que conduzirei até a Estação de Santos, no litoral paulista. A viagem demora quase três horas. Lá, almoço e, à tarde, reconduzo minha máquina de volta à capital paulista. É um privilégio conduzir esse trem dos anos cinquenta, todo restaurado,viajando pelos mesmos trilhos que possibilitaram o desenvolvimento da região.

Quando apito o trem, escuto os passageiros aplaudirem. Nenhum meio de transporte é tão romântico como esse. Entramos na natureza em trilhas sinuosas, como uma cobra se esgueirando pelo mato. Invadimos a privacidade da mata, que se desnuda em flores, plantas, árvores e caídas de água.

Terra que um dia foi virgem, já que índio não macula a castidade da natureza, a Mata Atlântica é surpreendente.  Já vi onça pintada, macaco prego, pássaros de todas as cores – inclusive tucanos – voarem alto com medo do rugir do trem. Hoje, acostumados, eles parecem me aguardar.

Faço essa viagem uma vez por semana, aos domingos. É o melhor dia de trabalho na Ferrovia. As pessoas que viajam transbordam felicidade. Algumas passam o dia na cidade portuária, outras gostam de salgar a alma na praia. Crianças entoam canções alegres com arranjos de gargalhadas. Balões coloridos cambaleiam pelo teto do vagão, como se estivessem tontos de sono, mas sempre voltam misteriosamente para as mãos da criança que os chama.

Vários passageiros repetem a viagem. O filme que passa pelas janelas é demasiadamente rico em detalhes para ser saboreado uma única vez. São tantas espécies de plantas e flores. Nem o arco-íris é tão colorido. Costumo fazer uma pausa bem no meio da Mata Atlântica, quando as pessoas podem absorver um pouco desse lugar raro. O cheiro de mato tem o poder de desarmar qualquer cara enfezada.

Eu conduzo o trem como conduzo minha vida: com muita responsabilidade. O trem é um ninho cheio de filhotes, e eu sou a ave mãe. Tenho que zelar pela segurança dos passageiros. Eu sei que eles se sentem no colo da infância, com esse leve balançar. As memórias acordam, e aquele bem-estar que sentíamos quando a mãe assoprava um machucado, ou dava um beijo de boa-noite, toma conta de nosso ser. Confortante. Morno. Aconchegante. Assim é o trem.

Reconheço os casais enamorados de longe. Sentam-se bem pertinho um do outro, mesmo que haja muitos lugares vagos. Prestam atenção em cada flor, em cada pássaro e em cada palavra que o outro fala. Trocam emoções através de olhares úmidos e leves toques nos lábios. As mãos, unidas, não se soltam nem por um minuto. Já levei muitos casais assim em minhas viagens, das idades mais variadas: adolescentes de jeans rasgados e tatuagens de dragões, casais com filhos pequenos e outros que já viveram mais tempo juntos que eu de vida, e ainda são namorados.

O que eu mais gosto é quando entram crianças! Ah, crianças entendem o mundo sem os óculos da realidade. Elas cumprimentam felizes os seres que não mais enxergamos: gnomos, fadas e sacis. Algumas, mais atrevidas, gritam para eles viajarem junto! As mais corajosas colocam a mãozinha para fora da janela quando eu paro o trem e cumprimentam elfos.

Outro dia, uma menina veio me pedir para conduzir o trem bem devargazinho porque vários hobbits estavam pegando carona sobre o vagão dela. Eles estavam a caminho do porto aonde chegaria um barco com amigos de um reino distante. Eu respondi que faria o possível, afinal, não queria machucar nenhum deles, mas que deveriam ocupar os seguros assentos dentro do trem. Não resisti e completei que eles precisavam pagar pelas passagens também.

Ela saiu resmungando alguma coisa que não entendi muito bem. Para não contrariá-la – nem os hobbits – eu reduzi a velocidade.

Eu aprendi que, quando o trem entra na Mata, ele passa a fazer parte dela, como a linha se torna parte da costura na roupa. E a Mata passa a ser parte do trem. Já vi estrelas tão baixas que pareciam estar na frente da minha janela no vagão-condutor, clareando o caminho em dia de tempestade. Vi corujas de olhos gigantes piscando para mim. Levei um susto quando um macaco risonho me jogou uma banana. Pela carinha dele, não queria me machucar, apenas me presentear. Ouvi papagaios falando “Bom dia, Seu Jorge”, como se houvéssemos sido apresentados. Por isso, eu não duvido que hobbits peguem carona de vez em quando...

Uma vez, vi um piquenique real: D. Pedro II com o pai e a mãe, a arquiduquesa Dona Leopoldina, no topo da Serra do Mar. Os portugueses viviam encantados com a beleza exótica do Brasil. Eu apitei o trem, e eles me olharam assustados. O pequeno Pedro correu acenando com as duas mãos.

Mas o que eu mais gosto é de passar perto da queda-d’água. Alguns passageiros ficam aterrorizados com a altura. Eu não! Adoro ver sereias pulando do alto, descendo em piruetas ornamentais como serpentinas em salão de carnaval; ver botos cor-de-rosa tomando sol na parte rasa, enquanto índios crianças assistem ao balé das garças vermelhas.

Nunca comentei com meus amigos da Ferroviária o porquê de eu querer sempre trabalhar aos domingos. Eles ririam de mim. Guardo esse segredo, mas, quando meus netos me visitam, conto a eles as histórias com todo o colorido dos detalhes. Eles vibram e comentam o que viram quando viajaram no meu trem. Dizem que é somente no Expresso Turístico que isso acontece. Eu respondo que não, que os mundos coexistem em harmonia. Nós só precisamos de um olhar atento para enxergá-los; e de coragem para acreditar.

Bem, é hora de iniciar uma nova viagem. Quem sabe o que me aguarda hoje? Quem sabe se você não é um dos meus passageiros?

Fonte:
http://www.asesbp.com.br/escritores/escritores51c.html

Lélia Coelho Frota (Teia de Poesias)

"ALVÍSSARA"
Ele falava em torres
ela pensava em nuvens.
Ele cruzava rios
dificeís, altiplanos,
os sábios pensamentos.
Ela, sirgo e cetim
fiava as camisinhas
limiar da promessa
do menino do sim.
Nos dias tão azuis
a fonte deslumbrada
jorrava luminosa
o excesso claro - riso
desfalecendo em brisa -
morrer, morrer de amor.

" DENTRO DA VIOLETA "

A minúscula ninfa
divaga na piscina:
tênue gota de orvalho.

Eis que chora e descora
a inútil flor dos anos,
de haste assaz quebradiça.

Lança mão da própria
voz que ágil se ilude:
coisas da juventude.

Sente uma dor antiga,
morrerá, se não a der
perdível, na cantiga.

Desventurada lua
se esgarça pela várzea.
Cruéis pressentimentos!

Pardais madrugadores
entrecortam de vôo
o queixoso negrume.

Surge outro novo dia,
quem sabe? traz na fronte
sonhos mais displicentes.

" MODINHA "

O que a boca sugere
e o espelho revela não
é o rosto dela
não é sua emoção.

Esse volteio alado
o riso alcantilado não
é roteiro dela
não é seu timbre usado.

Essa flor no cabelo
o exato poema não
é ornato dela
não é sua canção.

O coração girando
rondós contraditórios
os olhos diluídos
em breu ressentidíssimo.

Esse é o jeito dela
esse é o verso dela.
- Que recato mineiro!
Lágrimazinha dela.

“JOÃO SEBASTIÃO”

João Sebastião
É cruzamento da linha.
Adeus verões, perfil humano,
monólitos, élitros, verdores.
A dinamite do concreto aqui
se realiza.
Bach pulveriza
todo contato terra.
Polifonicamente o órgão mói
todo humano cuidado:
aquilo que exulta e aquilo que dói.
Cuidado!
Sob o sopro ardente do arcanjo
Deixamos sem reticência o qualquer pó
para a nudez maior da claridade.

CARNAVAL

O caminhão do trio elétrico
teve que vir da Bahia
para animar as arquibancadas de aço.

Brilha
Cometa
anúncio de cigarro intergalático.

Os corações espectadores.

Frenesi, pula o trio
sob a chuva
na avenida
vazia à espera da escola
que corta
rio de luz
a massa do público paralisado
na sombra.

Turistas de nós mesmos.

Mas ainda há ainda tem
O Bloco do Barril da Rua Estela
estrela proletária do Jardim Botânico
sambando à beira das inacessíveis moradas.

LIBERDADE
Passo pelo fio
de pérolas do Rossio:
não quero comprar flores
quero ver o rio.

AMOR TIRANO

Invejável clausura
Tem o fauno da fonte
da Avenida da Liberdade.
Não sabe o que é saudade:
ele dura.

PROJETO

Sim, iremos para a América do Sul
para as quadras de tênis vazias
para os parques de diversão silenciosos
movidos pelos anúncios luminosos.

UMA DOR

1.
O vento soprava árvores da esquerda.
Ao fundo, o menino tocava o violão
preso no ombro, como um pequeno navio adernado.
Uma dor
no mundo
rachava tudo fino e longe,
cinema mudo.

2.

Acordar é fechar as pálpebras.
Nossos olhos só escrevem
por cima, muito por cima.
E quando abrimos as janelas
É só o vento que está ali.

Existe uma dor
solta no mundo.

E eu quero deixar meu emprego, meus cabelos
minha família
para ir atrás dela
bicho com fome.

AMAROAMAR

Montemuro, serra,
 vai, coração, erra,
 esfacela-te em mágoa
 nostálgica de Mozart
 no antiqüíssimo quarto
 de outra alta paixão
 para aumentar a sede
 de Deus, e seu falcão.
 preza ao céu conceder-te
 uma alforria leve
 a resvalar na sorte
 desta que se quis  pura
 desta que se quis casta
 e cada vez mais se afasta
 da seráfica altura.
 Pode ser que no escuro
 se rompa a trasmontana
 porta do puro amor
 aorta que me leva
 — sangue derramadíssimo —
 ao horto felicíssimo
 onde um bater de pálpebra
 uma treva minúscula
 seja morrer: cidade
 da afinal claridade.

COMPASSO DE NERVAL

 Porque sempre princesa desterrada
 a viúva, a quebradiça, a desolada
 a esperar a mão que me levante
 e me leve e me liberte e me incorpore
 a uma feudal jurisdição
 onde amada, eu seja sujigada
 a pesadas correntes de paixão
 que liguem e me larguem
 que generosamente domestiquem
 minha arredia vontade de fundir-me
 num amplo levantamento acompanhado —
 ave ditosa que só voe no compasso
 da certeza do solo do seu dono.

HIPÓTESE DE MAIO

Sobre a mesa o relógio
anuncia meu tempo
que se desfaz em crivo
de aflito pensamento.
De que jardins me evado
de que amores provenho
de que enredo impreciso
se armara o que estou sendo
entre meus dicionários
fragmentos de retratos
os rútilos canários
enfunadas cortinas.
Os amigos inquietos
o silêncio a aumentar
concêntrico, severo
em torno das conversas
além da ausência,
além dos constantes afetos.
Resíduos de passeios
em paisagens alheias
empinham-se em gavetas —
cartas de amor nos seus
macios envelopes
risadas e conchinhas
a voz que fala sempre
no fundo da sonata
diletantes poemas
todos concordemente
citando o  coração
ladeado de flores
zéfiros sorridentes
(e os sabia chorosos).
As gavetas estufam
o que nelas se havia
adquire vida própria
um sitiado encanto
e expulsa da memória
de que participava
com escassa competência
eu, que leve o lembrava.
O conteúdo humano
desse ditoso espólio
palpita, e entretanto
— semicerrados olhos
agitar de cambraia —
invencível o sono
se engolfa na dolência.
Sono maior que o escuro
a corromper a luz
diuturna nostalgia
de um sonho, não sei mais
ao certo o que seria.
Coágulo sombrio
adensando-se em zona
fechada, onde me perco
neste mês-de-maria
pensando o que seria
de mim, no dissolvido
rumor que me povoa
sem conduzir à fala
da sempre poesia
sem revelar o muito
de amar que pretendia
antes de antes, não sei
ao certo o que seria.
Mas bem que perfazia
um circuito profundo
onde a primeira imagem
(início e ata finda)
que ainda se reflete
é a da jovem correndo
pela campina, soltos
cabelos, e as glicínias
a descer pelos ombros
prendendo-se na boca
primavera garrida
pelo azul florentino.
Na mão direita tinha
uma roseira viva
juritis entoavam
campestres ladainhas
e pela transparência
de sua carnação
via-se-lhe o coração
com um só nome gravado
a rubro, fulcro infenso.
Corria na campina
fantástica, e ainda
posso lembrar que em fuga
amava sempre, e ria.

Fontes:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/072-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/lelia_coelho_frota.html

Lélia Coelho Frota (1938 – 2010)

Lélia Coelho Frota (Rio de Janeiro 11 de Julho de 1938 - 27 de maio de 2010 ) foi uma crítica de arte, curadora de arte, poetisa, tradutora e antropóloga brasileira.

É autora de inúmeros livros sobre arte e cultura brasileiras.

Seu foco de estudo é a arte brasileira, pesquisando principalmente as manifestações da arte popular.

Foi responsável pelas representações brasileiras nas Bienais de Veneza de 1978 e 1988 e curadora da exposição Brésil, Art Populaire Contemporain, no Grand Palais (Paris, 1987) e fundadora do Museu de Arte Popular Edson Carneiro.

Premiações

Foi agraciada com o Prêmio Jabuti (Câmara Brasileira do Livro) em 1979, na categoria poesia e o prêmio Olavo Bilac pelo livro Menino Deitado em Alfa (Editora Quíron, 1978).

Membro da
"Associação Brasileira de Critícos de Arte" (A.B.C.A.);
"Associação Internacional de Critícos de Arte";
"Associação Brasileira de Antropologia";

Diretora do "Instituto Nacional do Folclore"(F.U.N.A.R.T.)
Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Diretora do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.

Livros Publicados
Mitopoética de 9 Artistas Brasileiros (Rio de Janeiro, Funarte, 1978);
Ataíde (São Paulo, Editora Nova Fronteira, 1982);
Mestre Vitalino (Editora Massangana, 1986);
Burle Marx: Paisagismo no Brasil (Câmara Brasileira do Livro/Brasiliana de Frankfurt, 1994) [1];
Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro (Editora Aeroplano, 2005).

Fontes:
http://cantoepalavras.blogspot.com.br/2009/06/072-os-eternos-momentos-de-poetas-e.html
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/brasil/lelia_coelho_frota.html

Amadeu Amaral (Memorial de Um Passageiro de Bonde) 8. Brinquedos

No bonde em que voltei da cidade, hoje à tardinha, vinham crianças com brinquedos.

Perto de mim, um senhor idoso e barbeado fazia ver ao filho de seis anos como funcionava um galante volantim mecânico, que o pequeno, mais por comprazer ao tipo velho, inutilmente lidava por acionar.

Mais adiante, uma senhorita loura, sopesava uma bola nas pontas dos dedos compridos, fazendo-a girar velozmente, com prazer, como sentindo nas papilas, a carícia de uma tatilidade nova, e uma sensação ótica inédita na rotação dos gomos bancos, azuis, amarelos e escarlates. E essa dança de cores parecia emanar, pela mão translúcida e ágil, como um vago punhado de flores e de borboletas, de toda aquela pessoa que se diria a própria Primavera a viajar de bonde.

Perto, uma menina embezerrada olhava esse exercício e essa bola com um ar de proprietária complacente, estéril de uma bola.

Na cidade, quando lá perambulei à cata do bonde, havia azáfama nas lojas de brinquedos e novidades. As crianças eram poucas, porque geralmente os grandes não gostam de sair com crianças e porque, nestes dias de festas, preferem fazer-lhes a clássica surpresa. -Na verdade, os grandes é que se divertem com os presentes que fazem; e, não satisfeitos, ainda se reservam, no seu egoísmo, o direito de saborear a surpresa dos presenteados. É com delícias que aproveitam, entre Natal e Reis, a concessão feita pelos costumes para mergulhar a sua infantilidade envergonhada no mundo maravilhoso das coisas inúteis e bonitas.

Outrora, mais ou menos até Rousseau, considerava-se a criança como um homem pequeno. Os próprios artistas as presentavam como adultos em escala menor. Muito custou reconhecer-se que o homem é que é uma criança crescida. Entretanto, dir-se-ia que isso entra pelos olhos.

Para as crianças ainda não crescidas, tudo é brinquedo.

O brinquedo especializado é uma invenção que os grandes fizeram para se divertirem com eles e com as crianças. Estas muitas vezes, se vêem reduzidas ao papel de usufrutuárias, ou menos ainda, ao de guardas e conservadoras dos bonitos objetos. Para elas, coitadas, tudo é brinquedo. Uma toalha enrolada, que se revestiu de um casaco velho, faz o papel de uma boneca perfeita, ainda melhor do que a própria boneca perfeita. Um cabo de vassoura pode ser um cavalo sem rival, com vantagem de não impor ao dono sua raça, nem os acidentes da sua forma ou do seu caráter, mas com a capacidade preciosa de ser árabe ou ponney pangaré ou ruano, fuá ou poleiro, à vontade. Uma galinha, um ferro de engomar, um grilo ou uma caixa de fósforos são divertimentos mais interessantes e de mais durável prestigio de que o macaco de pau que sobe por um cordel, do que o trenzinho de ferro com túneis e estações, do que o palhaço que gira sobre o calcanhar de pinho e tilinta soalhas e guizos de lata. – Estas observações não são originais, mas apesar disso são justas.

É verdade que os petizes recebem com ânsias esses presentinhos de festas, e fazem a propósito um pouco de rumor. É o atrativo da novidade. É a pressa de ver e experimentar. É oprazer de dizer "meu". É a tentação de fazer inveja aos outros pequenos. É, sobretudo, a mímica do desejo, do alvoroço, da cobiça, do egoísmo apropriador, que os grandes lhes têm ensinado e que os pequenos vão executando, numa adaptação mecânica do sentimento confuso e alvorecente aos recortes do gesto distinto e expressivo.

As crianças amam acima de tudo a espontaneidade da sua própria imaginação, que os brinquedos, quanto mais complicados e perfeitos, mais embaraçam. Ou então preferem a complicação extrema e sempre nova das coisas vivas. Se por natureza são assim, devia deixar-se obrar a natureza. Mas os adultos querem o artifício, todos os gêneros de artifício, e impõem-os às crianças, perturbando-lhes o viço da curiosidade espontânea e da livre investigação. Por isso mesmo, a ciência é o último luxo da humanidade, sendo o seu primeiro desejo.

Fonte:
Domínio Público

Katia Canton (Poema para Dalí)

Era uma vez
Um sonho de menino
Estranho,
Versátil,
Admirável.
De repente, o tempo não existia mais
Tinha parado,
Congelado,
suspendido.
O relógio começou a escorregar por entre as suas mãos
E o tempo foi derretendo.
O menino então falou comigo:
"eu penso, eu digo e falo
o que vem na mente.
E você sente"
Juntos, escrevemos automaticamente
Tudo o que vem à cabeça
Sem censura
nem suspiro.
A gente se entende.
As imagens que surgem do texto são bonitas.
Surgem Dalí e daqui
Tem sol, tem mar, têm casas e árvores
E tem gente estranha.
As cenas são improváveis
E o ritmo é de um sincopado que não existe,
nem nas mais exóticas músicas que ouvimos.
Apenas sonho de meninos?
Se eu fosse um artista
surrealista
Eu também sonharia assim
Perguntaria teu nome
E no meio da fome
Pediria pra você ficar e pintar comigo
Eu iria me nutrir da tua mão de chocolate
E da tua pele de pêssego.
Juntos, iríamos passar tinta, comemorar
e colorir todos os sonhos do mundo.

Fonte:
Revista Nova Escola: Contos

Teatro de Ontem e de Hoje (Roda Viva)

Espetáculo que radicaliza as propostas tropicalistas iniciadas em O Rei da Vela e promove seu diretor José Celso Martinez Corrêa à condição de expoente teatral do movimento. Espetáculo agressivo, síntese da ira e da rebeldia contra um momento político que divide a sociedade, entre a aceitação do regime militar ou a luta contra ele.

Tomando o texto de Chico Buarque em torno da vida de um ídolo da canção popular, figura manipulada, quer pela indústria fonográfica, quer pela imprensa, o encenador vê nele a possibilidade de acirrar a crítica à sociedade de consumo, uma das pontas de lança do tropicalismo. Apoiado na eloqüente cenografia e nos figurinos criados por Flávio Império, alcança o limite entre a ação no palco e seus desdobramentos na platéia. Numa passarela que invade o espaço da platéia, ocorrem muitas das cenas criadas para provocar os espectadores.

Tachada como emblema do "teatro agressivo" pelo crítico Anatol Rosenfeld1, a montagem reflete um momento em que o teatro assume esse tom violento, de confronto, de cobrança de atitudes frente a uma situação sociopolítica tensa e insustentável.

Na crítica ao espetáculo, Marco Antônio de Menezes descreve: "A cortina já está aberta quando você chega: enormes rosas à esquerda, enorme garrafa de Coca-Cola à direita, enorme tela de TV no fundo, uma passarela branca avançando até metade da platéia. [...] A campainha toca três vezes, a platéia faz silêncio, ruídos estranhos saem dos alto-falantes, na tela de TV aparece uma frase: 'Estamos à toa na vida'. [...] Entra o coro, com longas túnicas vermelhas e mantilhas pretas. Canta um triste Aleluia, rodeia Benedito. Aparece o Anjo da Guarda (Antônio Pedro), o empresário de TV, com asas negras, cassetete de policial na cintura, maquiagem de palhaço de circo: 'Benedito não serve, nós precisamos de um ídolo! Você será Ben Silver!' E o coro joga para trás as túnicas e mantilhas, é agora um grupo de jovens iê-iê-iê que canta: 'Aleluia, temos feijão na cuia!' [...] O espetáculo não está somente no palco, o coro invade a platéia, conversa com ela, e o empresário pede um minuto de silêncio em homenagem ao ídolo: cada participante do coro olha fixamente um espectador (agora todos já entendem por que a bilheteria insistiu em vender ingressos da primeira fila). [...] O minuto termina, Ben Silver é carregado para o palco num grotesco andor feito de long-plays e fotos de cantores, conduzido por grotescas caricaturas das 'macacas de auditório', que no fim do primeiro ato o levam embora, deitado sobre uma cruz de madeira, nu, cansado sob o peso do próprio sucesso. [...] Ben Silver, esgotado pelo sucesso, procura o consolo de sua mulher [...] para um linda cena de amor que é repentinamente interrompida pela câmara (sic) de TV e pelo Capeta (o jornalista desonesto) [...]. E juntos, o jornalista e o Ibope decretam o fim da carreira de Ben Silver: 'O ídolo é casado! E além de tudo, é bêbado!' Uma procissão de três matronas antipáticas tenta salvar o ídolo exigindo que ele faça caridade. Mas nada adianta, Ben Silver acabou. Só há uma solução: transformá-lo em Benedito Lampião, o 'cantor de protesto', vestido de nordestino, falando de 'liberdade' e de 'vamos lutar'. A esquerda festiva o aclama, o jornalista vendido perde sua porcentagem e a vontade de elogiar o Lampião. O Ibope, vestido de papa, decreta novo fim para Benedito Lampião. Para manter o prestígio, ele deve suicidar-se. [...] A platéia sai do teatro evitando sujar os saltos dos sapatos Chanel nos restos do fígado de Benedito Silva que o coro das fãs devora no final. [...] Tudo é caricatura do religioso no espetáculo, que, como atividade religiosa, se desenvolve em todo o teatro, palco, galerias, platéia (O teatro com que sonhava Antonin Artaud). Para criar o ídolo, ele é liturgicamente paramentado, peça por peça de seu ridículo traje prateado. [...] os atores se dirigem agressivamente à platéia, fazem perguntas, pedem assinaturas em manifestos, sacodem e encaram os espectadores (a censura de 14 anos me parece muito pouco severa para o espetáculo). Ben Silver se encontra com a esposa coroado de espinhos, nu, como o Cristo. A tentativa de salvar o ídolo em decadência é encenada como uma procissão, liderada pelo Capeta (seria a peça toda uma Missa Negra?) - que satiriza o jornalista marrom - usando como cruz o conhecido 'X' de lâmpadas empregado pelos fotógrafos. E a primeira cena entre Benedito e sua mulher é uma caricatura da Visitação de Nossa Senhora. [...] Elementos cristãos, aliás, são misturados com rituais pagãos (o fígado de Prometeu, as orgias de Dionísio), até com rituais políticos (a foice-e-martelo no chapéu nordestino de Benedito Lampião). José Celso, na realidade, mais que dirigir, celebrou Roda Viva".2

Por empregar em modo crítico símbolos eclesiásticos e da sociedade de consumo, e desvendar os bastidores de atuação do mercado cultural - demolindo mitos e padrões, escancarando escândalos e negociatas - Roda Viva encontra sérias oposições tanto entre a crítica e o público, e arregimenta, detratores, quanto entusiastas. Após bem-sucedida temporada no Rio de Janeiro, o espetáculo é invadido pelo Comando de Caça aos Comunistas - CCC, nas apresentações em São Paulo, onde parte do cenário é destruída e o elenco espancado. Numa viagem a Porto Alegre, nova agressão se registra, o que leva a produção a suspender sua carreira.

Notas

1. ROSENFELD, Anatol. O Teatro Agressivo. In: TEATRO Paulista 1967. São Paulo: IDART, 1968.

2. MENEZES, Marco Antônio de. Roda Viva, de Francisco Buarque de Holanda. Jornal da Tarde, São Paulo, 2 fev. 1968. Divirta-se, p. 1.


Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural

Danglei de Castro Pereira (Sousândrade: tradição e modernidade) Parte IV

2.3 Romantismo críticoÉ justamente por essa postura consciente em relação ao cânone tradicional de seu tempo que se pode ligar Sousândrade a um romantismo crítico ou titânico. Segundo Vizzioli (1993, p. 154), o romantismo titânico foi marcado por uma profunda racionalização do ímpeto emotivo primário dos românticos, o que levou muitos autores a imprimirem ao sentimentalismo característico dessa escola um tom racional que, em alguns aspectos, vale-se de procedimentos clássicos, caracterizando um romantismo mais lúcido e racional. Tal postura, segundo o crítico, não implicou uma negação dos preceitos emotivos do Romantismo, antes, formulou-se como uma “das contradições intrínsecas da própria dinâmica do Romantismo”.

Conforme já mencionado, a vertente titânica pressupõe uma postura consciente em relação ao fazer poético, levando a uma modulação da emotividade através do trabalho racional com a linguagem. Em Sousândrade, essa racionalização do ímpeto emotivo é percebida quando o poeta apresenta o elemento natural contaminado pela figura do colonizador e não como a projeção equilibrada desse paradigma.

Outra forma de percebermos a racionalidade do discurso sousandradino é a manipulação da tradição literária dentro de sua obra, pois é comum observarmos no interior dO Guesa um constante diálogo intertextual com obras como A Odisséia de Homero, Eneida de Virgílio, Fausto de Goethe, Os Lusíadas de Camões, entre outras.

Oh, podeis, cortezãos, aperfeiçoando,
            O prémio de ter das ‘ilhas dos amores!’’
            E os lares de Penelope bordando,
            São sós os que honram aos navegadores.
– E onde existe Camões? E aonde Homero?
            Aquelle, em Portugal; e á humanidade
            Este eterno guiando, que primeiro
            As virtudes ensina da amizade,
 (O Guesa. Canto VI, p. 137)


Evidencia-se, nessa passagem, a adoração ao clássico como modelo estético a ser seguido, já que autores e obras consagrados são evocados como referência para a produção poética sousandradina. O aperfeiçoar em busca do prêmio dado aos portugueses, na “Ilha dos amores”, bem como a indicação de que Homero guia os passos do poeta mostram que Sousândrade tem uma certa predileção por esses autores e pela arte que eles representam, ou seja, o discurso clássico. Ao longo do poema as interferências clássicas se fazem presentes como pontos intertextuais. O eu-poético de O Guesa vislumbra um equilíbrio idílico nessas obras e, por isso, coloca-as como prolongamento da pacificação do sujeito. Nos versos que seguem, temos uma visão desse processo:

Vê do arrependimento o incanto adeante
E ouve do amor-primeiro esse murmúro
D’alvoradas de Anninhas; e a que o Dante
Sentia o grande amor, o amor venturo.

– Chega odysseu viajor: para ele correm
A mulher nobre, a muito amada filha,
Os contentes escravos, que não morrem
Já tendo protector. E ao da familia
Doce quadro, risonho qual um sonho,

Parado estava o jovem peregrino
E eu aos olhos de vós, sem arte o ponho,
Que vejais ser da terra o que é divino.

(O Guesa. Canto VI, p. 145)


O eu-poético projeta uma paz na indicação da chegada de Odisseu a sua pátria. O poeta associa a essa personagem, também em périplo, à situação de O Guesa, que vaga pela América em busca da paz.

Nessa medida, cria-se, por meio da consciência crítica, uma linguagem que relaciona a tradição poética à emotividade romântica. A linguagem passa por uma racionalização do traço emotivo. Prova disso é a rigidez formal observável no poema. Na maior parte de O Guesa temos uma métrica regular em quartetos decassílabos, o que remete a uma reminiscência épica no interior do poema. Mesmo nos momentos de irrupção inovadora, encontrados em Tatuturema e Inferno de Wall Street, contidos nos Cantos II e X, respectivamente, é perceptível uma estrutura regular, sendo as estrofes estruturadas de maneira a resguardar a homogeneidade do restante do texto.

Nessa tentativa de racionalizar o impulso emotivo, o poeta maranhense atinge a modernidade uma vez que se posiciona criticamente face à tradição para criar sua maneira romântica de trabalhar o discurso. É bom ressaltar que a modernidade concretiza-se na manipulação consciente da tradição para a instauração do novo, ou seja, o moderno pode ser entendido como um constante questionamento da tradição. Assim, o próprio Romantismo pode ser entendido como um ponto de partida rumo à modernidade.

Na busca dessa racionalidade, o poeta maranhense, muitas vezes, vai da ironia à sátira em uma velocidade vertiginosa e conturbada. Daí dizermos que a ironia sousandradina materializa-se na dilaceração do veio romântico “epigonal” e na exposição lúcida de uma sociedade corrompida pela cobiça. No fragmento que segue podemos observar um exemplo desse comportamento na inusitada poética sousandradina.

(Xèques surgindo risonhos e disfarçados em Railroad-managers, Stockjobbers, Pimpbrokers, etc., etc., apregoando:)
– Hárlem! Erie! Central! Pennsylvania!
= Milhão! cem milhões!! mil milhões!!!
– Young é Grant! Jackson,
                            Atkinson!
Vanderbilts, Jay Goulds, anões!

(O Guesa, Canto X, p.231)


Neste excerto, a equiparação dos substantivos próprios por meio do uso do verbo ser – único verbo da estrofe – liga os termos e pressupõe uma gradação, expressa pelos dois versos iniciais. Essa gradação, fundamentada pela cobiça, faz com que as personagens citadas, resumidas ironicamente ao termo “anões”, prolonguem uma atitude depreciativa em relação à realidade, que aparece degradada. Cantada nessa estrofe, a contaminação da pureza pela negatividade estabelece a tensão entre os termos que passam a ser vistos negativamente.

Esse posicionamento crítico revela um olhar distinto face ao elemento natural. O Romantismo epigonal, como vimos, tende a ver positivamente a relação homem/natureza. O índio (elemento de brasilidade) e o branco são aproximados e, às vezes, identificados. Essa visão pode ser observada na obra de José de Alencar quando este coloca em pé de igualdade o branco colonizador e o índio Peri.

Em O Guesa o espaço natural, impregnado pelo elemento externo, degrada o equilíbrio e contamina a essência nacionalista tão valorizada pelo Romantismo. A ironia sousandradina advém da consciência da degradação, imposta ao elemento de brasilidade: “Tangendo o boi do arado. O povo infante/ O coração ao estupro abre ignorante” (Canto II, p.21). Desse modo, o natural serve ao poeta como instrumento de crítica, pois revela a contaminação dos valores inerentes à cultura brasileira, que incorpora os traços civilizados e, nesse processo, corrompe o veio genuinamente nacional.

A constatação dessa situação cria uma aversão ao colonizador, visto como responsável pela degradação:

 (MUXURANA histórica)

– Os primeiros fizeram
As escravas de nós;
Nossas filhas roubavam,
Logravam
E vendiam após.
(O Guesa, Canto II, p. 25)

Os “primeiros”, entendidos como os europeus, agem negativamente sobre o traço nacional, sendo caracterizados como ladrões e aproveitadores. O uso de “vendiam” traz à cena a exposição dos fins mercantilistas que moviam a ação do colonizador.

O olhar crítico em relação ao elemento natural revela uma espécie de inversão de papéis, observada no fragmento abaixo:

(Escravos açoitando ás milagrosas imagens:)

– Só já são senhôzinhos
Netos d’imperadô:
Tudo preto tá fôrro;
            Cachorro
Tudo branco ficou!
(O Guesa. Canto II, p. 28)


No excerto acima, a inversão pode ser verificada na rubrica “Escravos açoitando ás milagrosas imagens”. O verso “tudo preto tá fôrro” remete a uma possibilidade de liberdade; a ação de açoitar indica, no entanto, uma prisão cultural. Ao usar um instrumento de punição contra a própria cultura civilizada, iconizada pelas “milagrosas imagens”, o escravo incorpora a perspectiva do branco, perdendo suas particularidades culturais, tornando-se, assim, uma projeção degradada do homem civilizado.

Observa-se ainda em algumas passagens de O Guesa uma postura melancólica do enunciador-poético não apenas diante do passado, como também de uma conseqüente perda das “origens”:

Mas o egoismo, a indifferença, estendem
            As éras do gentio; e dos passados
            Perdendo á origem chara estes coitados,
            Restos de um mundo, os dias tristes rendem.

Quanta degradação! Razão tiveram
            Vendo, os filhos de Roma, todos barbaros
Os que na patria os olhos não ergueram,
Nem marcharam á sombra dos seus labaros.

O estrangeiro passa: que lhe importa
A magnolia murchar, se elle carece
Tão só d’algumas flores?... Anoitece
N’um somno afflicto a natureza morta!

[...]

Selvagens – mas tão bellos, que se sente
Um barbaro prazer n’essa memoria
Dos grandes tempos, recordando a história
Dos formosos guerreiros reluzentes:

[...]

Selvagens, sim; porém tendo uma crença;
De erros ou bôa, acreditando n’ella:
Hoje, se riem com fatal descrença
E a luz apagam de Tupana-estrella..
(O Guesa, Canto II, p. 21-2)


Nessa passagem, as “éras” do gentio figuram como ponto de constatação de uma descaracterização da pureza primitiva em contato com o traço europeu. Numa inversão de valores, os brancos, “os filhos de Roma”, os detentores da cultura (supostamente civilizados) são “bárbaros” que agridem e destroem o espaço natural. A expressão “anoitece”, associada à “morte da natureza”, parece remeter à participação dos nativos no processo de degradação. Estes, por sua vez, “não erguem os olhos”, negligenciando sua própria natureza primitiva, tornando-se, assim, agentes de sua destruição.

Nesse sentido, é a morte cultural que determina a melancolia do discurso que, por esse motivo, torna-se um grito pela efetiva distinção de nossa realidade frente ao externo. Sousândrade, diferentemente de sua geração, enquadra-se na visada nacionalista menos por cantar o espaço interno recheado de beleza e plenitude, do que por revelar conscientemente a situação degradada de nossa cultura face ao externo.

(Viola rindo:)

– D’este mundo do diabo
Dom Cabral se apossou,
E esta noite d’Arabia
            Astrolabia
Desde então se bailou.
(O Guesa, Canto II, p.30)


Daí termos, na poética do maranhense, um posicionamento distinto em relação ao “ufanismo” romântico. Sousândrade busca o desnudamento da artificialidade desse movimento e, por esse motivo, pode ser entendido como um romântico titânico. Esse desnudamento é perceptível quando o poeta introduz, em um tom de galhofa e ridicularização, no Canto II de O Guesa, poetas como Vitor Hugo, Byron, Lamartine, além de poetas de nosso Romantismo como Gonçalves Dias, Magalhães, entre outros:

(Beatos pasmadores)

–  Branca estatua de Byron
Faz cegueira de luz?
== Breu e brocha á criada!
            E borrada:
Ô, ô, ô, Ferraguz!             (Risadas)
            (Pasmadores impios)

Lamartine é sagrado?
== Se não tem maracás,
Ô, ô, ô,! – vibram arcos
Macacos,
Tatús-Tupinambás.
(O Guesa. Canto II, p.36)


A crítica ao discurso corriqueiro do Romantismo fica evidente pela incorporação do elemento “maracás” (instrumento musical utilizado em rituais indígenas) que, associado à interrogação e a uma “cegueira de luz”, remete diretamente à artificialidade do discurso romântico. A ridicularização de Byron e Lamartine, perceptível pela sonoridade em eco do fonema /o/ e pelas risadas aproximadas ao termo “macacos”, indica a dominação do traço nacional, metaforizado no elemento “Tatú-Tupinambá”.

continua…

Fonte:
Revista Linguagem em (Dis)curso, volume 4, número 2, jan./jun. 2004

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia IV)

COMO INÚTIL TAÇA CHEIA

Como inútil taça cheia
Que ninguém ergue da mesa,
Transborda de dor alheia
Meu coração sem tristeza.

Sonhos de mágoa figura
Só para Ter que sentir
E assim não tem a amargura
Que se temeu a fingir.

Ficção num palco sem tábuas
Vestida de papel seda
Mima uma dança de mágoas
Para que nada suceda.

COMO UMA VOZ DE FONTE QUE CESSASSE

Como uma voz de fonte que cessasse
(E uns para os outros nossos vãos olhares
Se admiraram), p'ra além dos meus palmares
De sonho, a voz que do meu tédio nasce

Parou... Apareceu já sem disfarce
De música longínqua, asas nos ares,
O mistério silente como os mares,
Quando morreu o vento e a calma pasce...

A paisagem longínqua só existe
Para haver nela um silêncio em descida
P'ra o mistério, silêncio a que a hora assiste...

E, perto ou longe, grande lago mudo,
O mundo, o informe mundo onde há a vida...
E Deus, a Grande Ogiva ao fim de tudo...

CONTA A LENDA QUE DORMIA

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada

A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.

Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
- Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

CONTEMPLO O LAGO MUDO

Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos

Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

CONTEMPLO O QUE NÃO VEJO

Contemplo o que não vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.

Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.

Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.

Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
Não sinto, não sou triste.
Mas triste é o que estou.

DA MINHA IDÉIA DO MUNDO

Da minha idéia do mundo
Caí...
Vácuo além do profundo,
Sem ter Eu nem Ali...

Vácuo sem si-próprio, caos
De ser pensado como ser...
Escada absoluta sem degraus...
Visão que se não pode ver...

Além-Deus ! Além-Deus!  Negra calma...
Clarão do Desconhecido...
Tudo tem outro sentido, ó alma,
Mesmo o ter-um-sentido...

DE ONDE É QUASE O HORIZONTE

De onde é quase o horizonte
Sobe uma névoa ligeira
E afaga o pequeno monte
Que pára na dianteira.

E com braços de farrapo
Quase invisíveis e frios,
Faz cair seu ser de trapo
Sobre os contornos macios.

Um pouco de alto medito
A névoa só com a ver.
A vida? Não acredito.
A crença? Não sei viver.

DE QUEM É O OLHAR

De quem é o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando ?
Por que caminhos seguem,
Não os meus tristes passos,
Mas a realidade

De eu ter passos comigo ?

Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim próprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo
- É uma nódoa esbatida

De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Se acenderem as velas
E não houver apenas
A vaga luz de fora
– Não sei que candeeiro
Aceso onde na rua
-Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que é minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido é nulo

E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

DITOSOS A QUEM ACENA

Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida !
São felizes : têm pena...
Eu sofro sem pena a vida.

Dôo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...

E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.

DIZEM QUE FINJO OU MINTO

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo.
Não. Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê !

DIZEM?

Dizem?
Esquecem.
Não dizem ?
Disseram.

Fazem?
Fatal.
Não fazem?
Igual.

Por quê
Esperar ?
Tudo é
Sonhar.

DOBRE

Peguei no meu coração
E pu-lo na minha mão

Olhei-o como quem olha
Grãos de areia ou uma folha.

Olhei-o pávido e absorto
Como quem sabe estar morto;

Com a alma só comovida
Do sonho e pouco da vida.

DORME ENQUANTO EU VELO...

Dorme enquanto eu velo...
Deixa-me sonhar...
Nada em mim é risonho.
Quero-te para sonho,
Não para te amar.

A tua carne calma
É fria em meu querer.
Os meus desejos são cansaços.
Nem quero ter nos braços
Meu sonho do teu ser.

Dorme, dorme, dorme,
Vaga em teu sorrir...
Sonho-te tão atento
Que o sonho é encantamento
E eu sonho sem sentir.

DORME, QUE A VIDA É NADA!

Dorme, que a vida é nada!
Dorme, que tudo é vão!
Se alguém achou a estrada,
Achou-a em confusão,
Com a alma enganada.

Não há lugar nem dia
Para quem quer achar,
Nem paz nem alegria
Para quem, por amar,
Em quem ama confia.

Melhor entre onde os ramos
Tecem docéis sem ser
Ficar como ficamos,
Sem pensar nem querer,
Dando o que nunca damos.

Dorme sobre o meu seio

Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.

Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O 'spaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.

Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...

No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.

Fonte:
Fernando Pessoa. Cancioneiro.
Imagem formatada com sobreposição de figuras modificadas com imagens obtidas na internet, sem identificação do autor.