sábado, 3 de outubro de 2015

A. A. de Assis (Trovia) n. 186 - outubro de 2015




Trovadores nos Jogos Florais de Curitiba, frente à Catedral Metropolitana, em Curitiba

Deixe que a gente invejosa
fale de ti com ciúme...
Para ficar mais viçosa,
a flor precisa de estrume.
Antônio Sales
Destino é força que esmaga,
credor austero, tremendo:
manda a conta e a gente paga,
sem saber que está devendo...
Barreto Coutinho
Chorei tanto aquele dia,
com saudade de você,
que meu lenço parecia
uma fralda de bebê...
Francisco Madureira
Meu destino é uma contenda,
é um eterno desafio:
– vem o Sonho, faz a renda,
– vem a Vida, puxa o fio...
Izo Goldman
O trem que te vai levar
fazendo de nós... dois sós,
apita, apita, e, a apitar,
parece chorar por nós!...
João Freire Filho
Lamentando meus fracassos,
choro a prisão em segredo:
não tenho algemas nos braços,
apenas uma... no dedo.
Lourdes Strozzi
Beijos de mãe, filha, esposa...
tantos beijos ganha a gente!
Como pode a mesma cousa
ter sabor tão diferente?
Luiz Otávio
Nosso romance foi breve...
mas que importa o tempo escasso,
se a saudade ainda escreve
teu nome em tudo o que faço?
Nydia Iaggi Martins
Vós que andais em ânsias loucas
matando a sede às paixões,
não junteis as vossas bocas
sem unir os corações!
Osmar Barbosa
Vivo, penso, sinto, falo;
temo, luto, venço, clamo;
vejo, creio, sonho, calo;
sofro, quero, choro, amo...
Paulo Edson Macedo
Quando as rezas de menino
alguém pela vida esquece,
em busca de outro destino,
a trova serve de prece.
Reinaldo Aguiar
Na vida, lutar, correr,
não me cansa tanto assim...
O que me cansa é saber
que estás cansada de mim!
Rodolpho Abbud – RJ
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Usando métodos novos,
neste calor que a derrete,
minha galinha, em vez de ovos,
deu para pôr... omelete!
Aparício Fernandes
Há trovas tão “engraçadas”
e tão repletas de “humor”,
que às vezes damos risadas,
não delas, mas sim do autor...
Benny Silva
Se tu fosses pé de pau,
eu queria ser cipó:
vivia sempre enroscado
no teu corpo dando nó...
Folclore
Menina, a graça que tens,
a maior dentre as demais,
ninguém a vê quando vens,
somente a vê quando vais...
João Carlos de Vasconcelos
Desde o começo do mundo,
o ciúme aprontou querelas.
O próprio Adão surpreendeu
Eva a contar-lhe as costelas...
João Martins de Almeida
Bebe tanto aquela dama,
com seu porte senhoril,
que todo mundo lhe chama
de “Madame Du Barril”...
João Rangel Coelho
Amor à primeira vista?
Nosso bolso anda tão raso,
que até mesmo uma conquista
deve ser a longo prazo...
Orlando Brito
O meu olhar é um peralta
que não tem jeito, mocinha:
aquilo que tanto escondes,
o sem-vergonha adivinha...
Soares da Cunha
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A natureza protesta
sempre que alguém a maltrata.
– Se matas uma floresta,
vem o deserto e te mata!
A. A. de Assis – PR
Busco paz, serenidade...
Quando acho que consegui,
percebo que é só saudade
daquilo que eu não vivi.
Adélia Woellner – PR
Trovadores versejando
em dom divino e fecundo,
com suas mãos derramando
beleza e paz pelo mundo.
Almir Pinto de Azevedo – RJ
Quando vejo uma casinha
sem nenhum luxo e de chão,
lembro a criança que eu tinha
dentro do meu coração...
Amilton Maciel Monteiro – SP
Quando, então, do céu descer
um brilho no teu olhar
é porque no entardecer
meus sonhos vão te buscar.
André Ricardo Rogério – PR
Delírio é lira do poeta,
a rima do trovador.
É liturgia completa,
quer na alegria ou na dor.
Andréa Motta – PR
As promessas que fizeste
nem a lua abençoou.
Tudo não passou de um teste,
pois você nunca me amou.
Ângela Stefanelli – RJ
Com seus cabelos grisalhos,
rodeados de netinhos,
os avós parecem galhos
repletos de passarinhos!
Antônio Juracy Siqueira – PA
Meus bons anos se passaram,
com a leitura aprendi...
Hoje as letras se apagaram
mas o saber não perdi.
Ari Santos de Campos – SC
Teu olhar tenho evitado,
pois sei que ninguém, querida,
mexe em cinzas do passado
impune às brasas da vida.
Arlindo Tadeu Hagen – MG
Resguarda a paz do rebanho,
dando a mão ao teu vizinho,
que é uma audácia sem tamanho
tentar caminhar sozinho!
Carolina Ramos – SP
Tenha paciência, senhora,
que a vida tem recomeço;
quando um amor vai embora,
outro amor manda endereço.
Clênio Borges – RS
Ter sempre a palavra certa
e a mão em paz estender;
ter a mão ao bem desperta
– isso se chama viver.
Conceição de Assis – MG
A trova, menor poesia,
síntese da inspiração.
São sete pés de maestria,
que medram no coração!
Cônego Telles – PR
Se eu voltasse ao tempo ido
de criança sem cuidados,
trocava um peito partido
por dois joelhos ralados.
Dáguima Verônica – MG
No meu mundo de magia,
tudo é possível e, assim,
eu vivo na fantasia
o que a vida nega a mim!
Delcy Canalles – RS
Na casa de quem escreve
há sempre papel no chão:
não perde tempo quem deve
segurar a inspiração!
Diamantino Ferreira – RJ
A mamãe cura o dodói,
afaga, põe atadura,
e o rosto de seu herói
se lambuza de ternura!
Domitilla Borges Beltrame – SP
Entre a fé e a insegurança,
minha alma, sem queixume,
acende e apaga a esperança
como inquieto vaga-lume.
Dorothy Jansson Moretti – SP
Corre o rio em harmonia,
sem saber que mais à frente
a ganância humana, fria,
devasta o meio ambiente.
Eliana Jimenez – SC
No volume das queimadas
vaga o lume pelo chão:
iluminando as roçadas,
vaga-lumes de carvão!
Eliana Palma – PR
Pouco importa que tu venhas
apressado, em teu fulgor,
pois trazes contigo as senhas
para os feitiços do amor!
Elisabeth Souza Cruz – RJ
Renúncia é uma ponte estreita,
onde das extremidades
podem-se ouvir, sempre à espreita,
chorando duas saudades...
Ercy Marques de Faria – SP
Meu ciúme de ti é um fato,
um ciúme que não tem fim.
O amor eu nunca reparto,
quero-te só para mim
Euclymar Porto – RJ
Minha trova aprisionei
em moldura colorida.
O fato é que ali deixei
um pouco de minha vida.
Eulinda Barreto Fernandes – SP
Velho mosteiro em ruínas,
longe das ondas do mar,
ondas que beijam cantinas
a ti não querem beijar.
Evandro Sarmento – RJ
Quando a saudade malvada
bate à porta de olhar ancho,
a insônia fica hospedada
por uns dias no meu rancho.
Flávio Stefani – RS
Toda tarde o passarinho
bate as asas, quando canta.
Quanto mais longe do ninho,
mais afinada a garganta!
Francisco Garcia – RN
Toda trova é infinita,
mesmo em sua pequenez,
pois quem a lê nem cogita  
de não ler mais uma vez!
Gislaine Canales – SC
Enterra o pinhão no orvalho,
faz seu ninho nos pinheiros.
Gralha-azul faz seu trabalho
de plantar talhões inteiros.
Hulda Ramos – PR
De tudo, apenas a dor
e um acalanto restou
do que foi um grande amor
que existiu e que acabou.
J.B. Xavier – SP
Barco no azul estelar...
ondas em rumo aparente...
é assim o meu navegar
vencedor contra a corrente!
J.B.X. Oliveira – SP
Pra descansar do trabalho,
é praia, é sol, comilança...
Dona de casa, no “malho”,
só quando dorme descansa...
Jeanette De Cnop – PR
Aprisionada à rotina
do trabalho e da vaidade,
não vi o vento em surdina
varrer minha mocidade.
Joana  D’Arc – RJ
Um homem se torna alguém
mercê dos dons que reúna.
Triste fortuna de quem
só tem seus bens por fortuna!
Josafá Sobreira da Silva – RJ
Todas as trovas que eu faço,
são tão fracas, ó Maria!
É porque no seu abraço
se encontra toda a poesia.
José Feldman – PR
O amor é cheio de enganos,
a vida é cheia de dores –
mas quero viver cem anos
e ter mais de mil amores.
José Lira – PE
Aquela noite ao teu lado
e o sabor do beijo teu
são relíquias do passado
que passou, mas não morreu.
José Lucas de Barros – RN
A esperança é algo suave,
que não apenas conforta,
mas funciona como chave
que faz abrir qualquer porta!
José Ouverney – SP
Ditoso o que vai deixando,
no chão, as suas pegadas
e os caminhos demarcando
aos que fogem de emboscadas!
Lisete Johnson – RS
Eu te agrado, tu me agradas,
e, no doce cativeiro,
sem algemas, sem ciladas,
tu me prendes por inteiro!
Luiz Carlos Abritta – MG
Só ruínas... e mais nada...
– e me entristeço de novo.
Na herança mal preservada
se perde a história de um povo.
Luzia Brisolla FuimSP
Ladeira abaixo eu descia...
mãos livres da bicicleta...
Era coisa de quem ia
ser ave, lírio ou poeta.
Manoel Cavalcante – RN
Subindo os Andes a pé,
altos cumes alcancei.
Mas foi nas asas da fé
que mais alto eu me elevei.
Mª Luiza Walendowsky – SC
Por mais simples, mais modesta
que nos possa parecer,
a vida é sempre uma festa
para quem sabe viver.
Mª Madalena Ferreira – RJ
A rosa-louca delira:
dança nos braços do vento;
ondula, volteia, gira...
e morre em deslumbramento!
Mª Thereza Cavalheiro – SP
Vejo uma gota de orvalho
pairando sobre uma rosa:
de Deus, é mais um trabalho
para torná-la formosa...
Maurício Friedrich – PR
Agora vivemos sós...
e dói, de modo incomum,
saber que o abismo entre nós
não teve motivo algum!
Newton Vieira – MG
Eu peço ao Deus da bondade:
– Não me tire a fantasia,
pois viver só realidade
é impossível, noite e dia!
Nilsa Alves de Melo – PR
Sei que é bom mudar o rumo
dos maus passos da jornada...
Mas só achamos o prumo
no final da caminhada.
Olga Agulhon – PR
Me aconchego em teu regaço
e me dás consolo e mel...
Há sonhos em teu espaço,
livro – amigo de papel!
Renato Alves – RJ
Não lamento o meu outrora
nem choro uma dor vivida.
Lamento sim, a demora,
em pôr Deus em minha vida.
Rita Mourão – SP

Quem tem lisura no peito
no proceder e ao falar,
com certeza foi eleito
para com Deus caminhar.
Talita Batista – RJ
Velho é quem, preso ao cabresto
de paixão não assumida,
busca na idade um pretexto
para ausentar-se da vida.
Thalma Tavares – SP
Sonho mantido em segredo
porque o julgamos pecado,
o nosso amor foi o enredo
de um livro não publicado.
Therezinha Brisolla – SP
Se o motivo me balança,
deixo de lado a quimera,
faço do amor esperança,
onde a razão desespera...
Vanda Alves da Silva – PR
Não sei quem é mais feliz,
quem é mais abençoado:
– Se é quem recebe ou quem diz
um simples "muito obrigado".
Vanda Fagundes Queiroz – PR
Um abraço assim, perfeito,
causou-me tanta emoção,
que ainda sinto em meu peito
bater o seu coração.
Vânia Ennes – PR
Sem erro, terei de prenda
a total felicidade,
no momento em que eu me renda
de amor pela humanidade.
Wagner Marques Lopes – MG
“Deixa esse amor que te mata!”
− É o que a prudência me diz,
mas antes ser insensata
que ser sensata e infeliz!
Wanda Mourthé – MG
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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Trovador Homenageado: Fernando Câncio de Araújo

Adeus... e foste saindo,
dizendo que voltarias...
E a saudade entrou sorrindo,
da mentira que dizias...

A ilusão da meninice
com meus netos se refez:
– agora, em plena velhice,
eu sou criança outra vez!…

A mão triste, vacilante,
de porta em porta estendida,
é o troféu mais humilhante
que o pobre ganha na vida.

A mulher do seu Ventura
tem o beijo tão sugante,
que engoliu a dentadura
do dito... 'naquele instante"…

Ao ver-te assim neste encanto,
mãos postas em oração,
fiquei invejando o santo
que olhavas com devoção.

A vida de faz-de-conta
que levo desde menino,
é brinquedo de desmonta
nas peças do meu destino...

Bimbalham sinos tristonhos
entre as horas esquecidas,
como a lembrar velhos sonhos
perdidos em nossas vidas…

Enquanto o sino da igreja
martela o bronze perfeito,
minha saudade solfeja
na catedral do meu peito…

Entre velhos e crianças
há dois sinos na medida.
Quando um bimbalha: – Esperanças.
O outro bate o “pôr-da-vida”.

Era um poeta de mão cheia,
hippie, cabelos revoltos...
Só poetava na cadeia,
detestava versos soltos!

Meus olhos cheios de mágoa
buscam as pedras do chão,
são dois riachos sem água
perdidos na imensidão…

Nas tardes calmas sentidas
Bem-te-vi - que afinidade:
– tu a cantar - tristes vidas
eu, vida triste - saudade!

Na velha igreja em ruína,
desprezada em abandono,
a cruz cansada se inclina,
boceja o sino de sono.

Nesta saudade abrangente
que maltrata qual açoite,
vejo teu vulto silente
passando dentro da noite!

No palco azul desta vida
toda paixão é uma fraude,
pois no ato da despedida
somente a saudade aplaude...

O morro grita o seu nome
num frenesi sem igual
e vai sambando com fome
a deusa do carnaval!

O nosso sonho termina
num adeus triste, exaltado,
deixando no chão da esquina
o teu retrato rasgado!

O que me importa a saudade
se os netos brincam lá fora,
a renovar a ansiedade
dos velhos sonhos de outrora?!...

Pescador dos verdes mares,
quando embarca em procissão,
nos lábios leva cantares
e no peito uma oração…

Saudade, marcas doridas
de um momento que passou;
bandeirinhas coloridas
que o tempo nunca rasgou.

Se de lágrimas brotasse
a água carente do agreste,
talvez nunca mais faltasse
inverno no meu Nordeste.

Sertanejo, envelheceste,
tal cardo nascido ao léu:
– quantas secas tu venceste
com os olhos postos no céu.

Tarde sem chuvas, de estio.
Cigarras, que afinidade,
passamos horas a fio
cantando a mesma saudade...

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Trovador Homenageado: Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho





Ao dar tudo o que ela quer,
a evitar que o amor se perca,
o corno cerca a mulher
mas a mulher pula a cerca.
___________
Após a noite que embaça
a janela do viver,
ressurge a luz na vidraça
com um novo amanhecer.
___________
Aprenda bem a lição, 
desde bem cedo, menino,
pois na vida a Educação
é base do seu destino.
___________
Canta o galo de matina
na Cantagalo florida,
saudando o sol que ilumina
duzentos anos de vida.
___________
Capiau faz dentadura
sem ter o dente frontal,
pois deste modo assegura
um sorriso natural.
___________
Com saudade do gramado,
da função desempenhada,
o gandula aposentado
corre atrás de uma pelada.
___________
 Dia das Mães! Não se esqueça
dos presentes de ninguém:
por incrível que pareça,
sua sogra é mãe também!
___________
Enquanto a gente descansa
na metade de um caminho,
um outro qualquer alcança
a outra metade sozinho.
___________
Ensinando ao aprendiz,
nosso professor Raimundo,
no quadro negro e com giz
sonhava mudar o mundo.
___________
Galopando sem receio
um indomável equino,
vou pela vida em rodeio
no cavalo do destino.
___________
Há uma lição que sem cola
pelo estudante é sabida:
– na vida a melhor escola
é a grande escola da vida.
___________
Luminar Academia,
plena de vitalidade,
a tua luz irradia,
a cultura na cidade.
___________
Manassés compositor,
com suas belas canções,
canta a vida, canta o amor,
despertando as emoções.
___________
Mostra a vida, mostra a história,
que a prática da coerência,
determina a trajetória
de uma correta existência.
___________
Natal! Campos do Jordão,
cidade em que o amor reluz,
faz de cada coração
o berçário de Jesus.
___________
O amanhecer se vislumbra
quando o sol em sua ida,
se elevando da penumbra
irradia a luz da vida.
___________
O autêntico jornalista,
expressa nos seus relatos,
correto ponto de vista
da realidade dos fatos.
___________
O garoto se insinua
perante a namoradinha:
– Minha sombra com a sua
será que fazem sombrinha?
___________

O jogador e a torcida
têm que ser disciplinados,
pois toda copa é vencida
dentro e fora dos gramados!
___________
O migrante em sua andança
parte do amado rincão.
Leva consigo a esperança
mas deixa o seu coração.
___________
O vovô vai à balada
e sem muito lero-lero,
na pista dança lambada
em compasso de bolero.
___________
Parece o craque Coalhada
com o galã falastrão:
- não aguenta uma pelada
mas diz que joga um bolão.
___________
Peão ardiloso paca,
do seu intento dá cabo:
- usa o cheirinho da vaca
para amansar touro brabo.
___________
Pela sua grande crença,
salvou-se, na Arca, Noé:
- não há dilúvio que vença
um homem cheio de fé!
___________

Proteja Deus o migrante
que com seu labor fecundo
faz de uma terra distante
a melhor terra do mundo.
___________
Quando a vejo na calçada,
de passagem pela rua,
minha sombra inconformada
ainda vai atrás da sua.
___________
Quando me sinto estressado,
fugindo da realidade,
vou do presente ao passado
pelo túnel da saudade.
___________
Quando toca Manassés
as canções de tempos idos,
tem o público aos seus pés
para os aplausos devidos.
___________
Se alastrando lentamente
qual um glaucoma, o rancor,
impede os olhos da gente
de enxergar a luz do amor.
___________
Seja de que modo for
e sem qualquer preconceito,
na casa onde mora o amor,
mora também o respeito.
___________
Teu corpo ardente, formosa,
caminho da perdição,
é uma rua perigosa
que eu subi na contramão.
___________
Toda natureza atesta
que esta vida é uma pintura,
onde Deus se manifesta
sem a Sua assinatura.
___________

Aparício Fernandes (Classificação da Trova) Trovas Populares Anônimas



        
Encerrando esta análise, temos, finalmente, as trovas populares anônimas. Sobre elas, assim se expressou J. G. , 6, de Araújo Jorge, no prefácio do livro "100 Trovas Populares Anônimas", (Editora Vecchi, 1962, Rio de Janeiro):
         "Trovas populares anônimas não são apenas trovas "eruditas" dos grandes poetas, as trovas literárias, que um dia se perdem no rio da grande popularidade, afogando seus autores, são também as trovas rústicas e imperfeitas que nascem da alma do povo, na boca dos cantadores, dos violeiros, dos sanfoneiros, dos poetas populares anônimos que enxameiam no interior do Brasil e de Portugal. Verdadeiros filões de ouro de nossa sensibilidade e de nosso espírito".
         Na síntese clara e expressiva de algumas poucas palavras, J. G. nos oferece uma esplêndida definição sobre a trova popular anônima. Quem não sente a alma do nosso povo, tão sentimentalmente romântico, nesta trova popular anônima, autêntica e deliciosa cantiga, uma das mais lindas que conhecemos?:

Vou-me embora, vou-me embora
segunda-feira que vem.
Quem não me conhece, chora,
que dirá quem me quer bem!

         Ao que tudo indica, esta trova deve ter surgido no Nordeste, uma vez que a expressão “que dirá”, significando quanto mais, é tipicamente nordestina. Quando éramos garoto e nadávamos no rio de nossa cidadezinha, ouvíamos diariamente as bravatas dos pequenos nadadores, em desafios mútuos: "Você, que é medroso, atravessou o rio, que dirá eu!"
         Outra deliciosa quadrinha popular é esta:

Todo homem é um diabo,
não há mulher que o negue.
Mas todas elas procuram
um diabo que as carregue!...

         Talvez em represália, apareceu esta quadrinha popular, muito ao sabor das mocinhas, que, mal começam a namorar, já sentem prazer em alfinetar os seus futuros maridos:

Deus, quando fêz o homem,
não precisou cerimônia:
– deu-lhe o corpo de um boneco
e a cara de um sem-vergonha.

         Muito embora "cerimônia" não rime com "sem-vergonha", a quadrinha é deliciosa; todavia, por êsse defeito de rima, não a consideramos Trova, na moderna acepção do termo. Sem dúvida poderia caber-lhe o título de trova, mas apenas no sentido mais amplo e vago da palavra, ou seja, de composição poética ligeira, despretensiosa, cantiga popular, etc.
         Concluindo, aqui ficam mais alguns exemplos de trovas populares anônimas:

O meu pai é Juca Caco;
minha mãe, Caca Maria;
ajuntando os cacos todos,
sou filho da cacaria.
___________
Ó beija-flor de asa branca,
que mora na pedra ôca,
toda menina bonita
merece um beijo na bôca!
___________
Não seja tão imprudente,
olhe bem por onde vai.
Sua mãe morreu sem dente,
de tanto morder seu pai.
___________
Dizem que o pito alivia
as mágoas do coração;
eu pito, pito e repito,
e as mágoas nunca se vão.

         Algumas vezes acontece que a trova, além de ser popular anônima, vem em linguagem chula ou caipira:

Bezerro de vaca preta
onça pintada não come.
Quem casa com muié feia
não tem mêdo de outro home.
___________
continua… Trovas mistas e trovas bipartidas

Fonte: Aparício Fernandes. A Trova no Brasil: história & antologia. Rio de Janeiro/GB: Artenova, 1972