segunda-feira, 27 de maio de 2019

Participe da Coletânea de Poesias da ALIUBI (Prazo: 30 de Junho)


15º. Coletânea de Poesias  “ Poesia Nossa de Cada Dia”  -  Edição 2019

A Associação dos Literatos de Ubiratã  -  ALIUBI, continua em 2019 fazendo o que mais ama, dar continuidade à missão de difundir as artes literárias.

Trinta e um ( 31 ) anos nos palcos da poesia, convida a você, poeta, a participar desta Coletânea, enviando sua(s) poesia(s) via e-mail: aliubinet@hotmail.com ou via correio.

O autor poderá inscrever quantos trabalhos quiser. Obs. Cada página corresponde a uma inscrição.

A taxa de inscrição por página é de R$75,00 ( Setenta  e Cinco Reais ), e o autor terá o direito de utilizar um (1) patrocínio no rodapé de cada página inscrita.

Cada Inscrição dará direito ao autor receber uma cota de dez (10) exemplares da 15ª Coletânea Poesia Nossa de Cada Dia 2019  que será entregue na cerimônia de lançamento que realizar-se-á na cidade de Ubiratã/PR, com local e data a serem definidos e informados aos autores antecipadamente.

Aos que não puderem comparecer no cerimonial, os livros serão despachados via correios com despesas sob responsabilidade do autor. 

As Inscrições encerram-se em 30/06/2019.

Para dirimir qualquer tipo de dúvida, contate aliubinet@hotmail.com

A ficha de inscrição, detalhes do depósito, endereços, etc. podem ser baixados em .doc para preenchimento e envio por email ou pelos correios em:

https://drive.google.com/open?id=1oyP6iSOLzyz3j5aNSN4Xs_vsazA6TCoB

Joacir Zen Ranieri
Presidente da ALIUBI



J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XIII


MAS PARA QUE CONTAR?

Quando passas por mim depressa, indiferente,
e não me dás sequer, um sorriso... um olhar...
- como um vulto qualquer, em meio a tanta gente
que costuma nos ver sem nunca nos notar...

Quando passas assim, distraída, nesse ar
de quem só sabe andar olhando para a frente,
e finges não me ver, e avanças sem voltar
o rosto... e vais seguindo displicentemente...

- eu penso com tristeza em tua hipocrisia...
Ninguém sabe que a tive ao meu amor vencido
e que um dia choraste... e que choraste um dia...

Mas para que contar?... Que sejas sempre assim!
E que ninguém descubra nunca em tua vida
as razões por que passas sem olhar para mim!...

MASCARADOS

Mascarados os dois. Eu, mascarado
na hipocrisia com que levo a vida,
tu, na aparência inútil e fingida
que usas na rua com o maior cuidado ...

Passas por mim e segues ao meu lado
como outra qualquer desconhecida,
- quem há de imaginar nosso passado
e a intimidade entre nós dois perdida ?...

Ninguém... Certo ninguém pensa e adivinha
porque eu não digo e porque tu não dizes
Que eu já fui teu... e que tu foste minha...

Mas, quantas vezes, amargurado penso
em como nos sentimos infelizes
no Carnaval do nosso orgulho imenso !

MENTIRA...
 
Tanta coisa passou...  E, no entanto, vivemos
noutros tempos, felizes, como namorados...
- Nossa vida... ora a vida, era um barco sem remos,
levando-nos ao léu... a sonhar acordados...

Ontem juntos, felizes... hoje, separados,
- (não pensei que este amor chegasse a tais extremos...)
E sorrimos em vão... sorrimos conformados
na mentira cruel de que a tudo esquecemos. . .

Cruzamos nossos passos muita vez: - é a vida!
- eu, volto o rosto (fraco à paixão que ainda sinto),
tu, recalcando o amor, nem me olhas, distraída...

Mentira inútil, cruel... se ontem, tal como agora,
tu sabes que padeço, sabes quanto eu minto,
e eu sei quanto este amor te atormenta e devora !

MEU CALVÁRIO

Ando sempre a seguir-te... a buscar-te distante
como a visão que anseio e os olhos me seduz,
- e espero te encontrar, sentir de perto a luz
do teu olhar feliz em êxtase constante...

Mas tu foges de mim, foges a cada instante,
e eu que a este andar eterno já me predispus,
embora às vezes pare, - sigo logo adiante
sem mesmo perceber que esse amor é uma cruz!

Não sei se hás de ser minha! O teu afastamento
cresce à frente de mim, - no entanto, o imaginário
desejo de alcançar-te ergue o meu desalento...

E, após tanto sofrer, sentir-me-ei consolado,
- se ao cair no caminho... e ao fim do meu Calvário
for morrer sobre a cruz dos braços teus pregado!

MEU CÉU INTERIOR

Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
- não tentes decifrar... – mil corações
nós os temos num só, todos diversos...

Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas... e as constelações...
- no céu das minhas íntimas visões,
no "meu céu interior..." cheio de versos.

Não procures o poeta compreender...
- Os versos que umas coisas nos desnudam,
Outras coisas, ocultam, sem querer...

Uns, são felizes... Outros, ao contrário...
- No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são contas de um rosário!...

MEU CORAÇÃO

Eu tenho um coração - um mísero coitado
ainda vive a sonhar... ainda sabe viver...
- acredita que o mudo é um castelo encantado
e criança vive a rir batendo de prazer...

Eu tenho um coração, - um mísero coitado
que um dia há de por fim, o mundo compreender...
- é um poeta, um sonhador, um pobre esperançado
que habita no meu peito e enche de sons meu ser...

Quando tudo é matéria e é sombra - ele é uma luz...
Ainda crê na ilusão... no amor... na fantasia...
- sabe todos de cor os versos que compus...

Deus pôs-me um coração com certeza enganado:
- e é por isso, talvez, que ainda faço poesia
lembrando um sonhador do século passado!…

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 1. SP: Ed. Theor, 1965.

Carolina Ramos (O Segredo de Alice)


Se não tivesse dado com a língua nos dentes, ninguém saberia de nada. Culpava-se, socando o peito: — mea culpa... mea culpa!

Mulher é isso mesmo, acaba sempre escorregando no vício da tagarelice. Pior que pisar em sabão!

Guardava o segredo, hermeticamente, há tanto tempo, driblando situações, desviando abelhudos, fugindo a questionamentos que favorecem uma abertura. Evasiva, mas, determinada.

Bastara um momento de descuido e... Bem... "não adianta chorar sobre o leite derramado", é o que ouvira sempre da avó. E as avós sabem o que dizem, que a escola da vida ensina mais que qualquer outra e elas tiveram dias sem conta para decorar as lições.

Lá se fora o segredo, como água entre os dedos!

— Olá, Alice!… Olha, eu soube, um dias destes, pela Renata que...

Era isso… seu segredo, tão bem guardado, já assumira os guizos múltiplos de um autêntico Polichinelo e andava sacudido, por aí, mais do que chocalho em mão de criança!

A humanidade é mesmo assim. Fareja mistério ou segredinho à-toa, e pronto: — não sossega enquanto não traz tudo à tona, sob foco de um holofote, se possível! É por isso que, nem os sarcófagos escapam... os túmulos não são respeitados. As múmias perturbadas em seu sono milenar. E tudo por quê? Porque guardam em si segredos seculares, que fazem cócegas na planta dos pés, nos dedos de multidões bisbilhoteiras, e excitam a curiosidade de sucessivas gerações!

— Oi, Alice... Então é verdade que...

Alice não confirmou... nem negou. Aprendia, aos poucos, segundo as necessidades, a ser enigmática, usando a ambiguidade com habilidade crescente.

Mal contendo a irritação indagou:

— Quem é que lhe disse?

— Bem, o Saulo me disse que a Roberta soube através da amiga de uma amiga… que é sua amiga, também.

O ping-pong da fofocagem em plena função! Uma cortada em regra, desativou o adversário.

— Então, foi assim? Pois não é nada disso! Todo esse mundo de gente, que não tem o que fazer, está muito mal informado. Eu que sou a interessada, não sei nada de nada! Até outro dia …

Perdeu alguns amigos, que se sentiram hostilizados, repelidos ou simplesmente desprestigiados por terem sido os últimos ou penúltimos a saber.

Determinada, Alice fincou pé e colou os lábios. Ninguém, mas, ninguém mesmo, dali para frente, haveria de saber um fiapo a respeito. Cumpriu o que disse! Segredo é segredo!

E se você, leitor amigo, arriscou um olho até o último parágrafo, para ver se pescava alguma coisa, sabe que perdeu tempo, que Alice decidiu a questão nos seguintes termos:

— Sou um cofre. Tranquei-me e perdi a chave.

— Não conto... não conto... não conto. E, ponto final.

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

Arthur de Azevedo (Chico)


Um dia o Chico, moço muito serviçal, muito amigo do seu amigo, foi chamado à casa do Dr. Miranda, que o conhecia desde pequeno, e abusava sempre do seu caráter obsequioso e humilde.

– Mandei-te chamar, meu rapaz, para te incumbir de uma comissão que só tu poderás desempenhar a meu gosto.

– Estou às suas ordens.

– Conheces a Maricota, minha irmã. É uma tola que, em rapariga, enjeitou bons casamentos, sempre à espera de um príncipe, como nos contos de fadas, e agora, que vai caminhando a passos agigantados para os quarenta, embeiçou-se por um tipo que costuma passar cá por casa e nem ela, nem eu, sabemos quem é.

– Ele chama-se…?

– Alexandrino Pimentel. É o nome com que assinou a carta, assaz lacônica, em que declarou à Maricota que a amava e desejava ser seu esposo. Já me disseram – e é tudo quanto sei a seu respeito – que esteve empregado na estrada de ferro, onde não esquentou lugar. Preciso de mais amplas e completas informações a respeito desse indivíduo e, para obtê-las, lembrei-me de ti que és esperto e conheces meio mundo.

O Chico dissimulou uma careta.

– Minha irmã, continuou o Dr. Miranda, já fez 37 anos, mas é minha irmã, e eu, como chefe de família, farei o possível para evitar que ela se ligue a um homem que não seja um homem de bem, não achas?

– Certamente.

– Portanto, meu rapaz, peço-te que indagues e me venhas dizer quem é, ao certo, esse Alexandrino Pimentel, que quer ser meu cunhado. Peço-te igualmente que desempenhes essa comissão com a brevidade possível, pois uma senhora de 37 anos, quando lhe falam em casamento, fica assanhada que nem um macaco a quem se mostra uma banana.

O Chico pôs-se a coçar a cabeça e não disse nada. Bem sabia quanto era espinhosa tal comissão, mas não tinha forças para recusar os seus serviços a pessoa alguma, e muito menos ao Dr. Miranda, que era o seu médico, já o havia sido de seus pais e nunca lhes mandara a conta.

– Está dito?

– Está dito. Vou indagar quem é o tal Alexandrino Pimentel, e pode contar que dentro de três ou quatro dias terá os esclarecimentos que deseja.

No mesmo dia, o Chico foi ter com um velho camarada, empregado antigo da Central, e perguntou-lhe se conhecia um sujeito que ali tinha estado algum tempo, chamado Alexandrino Pimentel.

– Um bêbado! – respondeu prontamente o outro.

– Bêbado?

– Bêbado, sim! Foi por isso que o Passos o pôs na rua!

– Mas não se terá corrigido?

– Não sei; nunca mais ouvi falar nele. Quem te pode informar com segurança é o Trancoso. – Sim, que ele era casado com a filha do Trancoso, por sinal que não se dava com o sogro.

– Casado?

– Casado, sim!

– Quem é esse Trancoso?

– Um ex-colega meu, aposentado há uns quatro anos. Mora lá para os lados de Inhaúma.

– Podes dar-me um bilhete de apresentação para ele?

– Pois não!

No dia seguinte o Chico estava em Inhaúma, à procura do tal Trancoso, que já lá não morava; havia seis meses que se mudara para Copacabana, onde adquirira uma casinha; entretanto o pobre rapaz não esmoreceu diante de uma tremenda maçada, e no outro dia, depois de duas horas de indagações, batia à porta do Trancoso.

Veio abrir-lha um velho asmático, envolvido numa capa, lenço de seda ao pescoço, carapuça enterrada até às orelhas, barba por fazer, cara de poucos amigos.

Quando o Chico pronunciou o nome de Alexandrino Pimentel, o velho enfureceu-se, gritando que nada tinha de comum com “esse bandido”!

– Mas não é ele seu genro?

– Foi por desgraça minha, mas já o não é, pois deu tantos desgostos à minha filha, que a matou!

– Eu desejava apenas tomar algumas informações a respeito desse homem. Trata-se de coisa grave. Ele pretende casar-se em segundas núpcias, e foi a família da noiva que me pediu para…

– Pois, meu caro senhor, as informações que lhe tenho a dar são as seguintes: o sujeito de quem se trata é malandro, bêbado, devasso jogador e bruto. Bruto a ponto de bater, como batia na sua própria mulher! Se a tal senhora, com quem ele se pretende casar, quiser passar fome e ser armazém de pancada, não poderá escolher melhor! E agora, meu caro amigo, que tem as informações que desejava, passe muito bem! Deixe-me em paz, porque sou doente, e as visitas aborrecem-me!…

Dizendo isto, o velho foi empurrando o Chico para a porta da rua. Este saiu perfeitamente edificado a respeito de Alexandrino Pimentel, mas, ao ar livre, refletiu que todas essas informações, partindo de um homem tão apaixonado e tão grosseiro, poderiam ser, pelo menos até certo ponto, injustas; por isso pôs-se de novo em campo e, indaga daqui, pergunta dacolá, chegou, depois de conversar com dez ou doze pessoas fidedignas, à firme convicção de que tudo aquilo era a pura expressão da verdade.

Essas pesquisas tomaram-lhe mais tempo do que três ou quatro dias dentro dos quais prometera voltar à casa do Dr. Miranda. Quando voltou, já os amores de Maricota e Alexandrino haviam assumido proporções consideráveis, e o Dr. Miranda tinha revelado à irmã que o obsequioso Chico se incumbira de tomar informações a respeito do pretendente.

– Que diabo! Julguei que você não me aparecesse mais. – exclamou o médico ao ver então o seu cliente gratuito.

– A coisa deu mais trabalho do que eu supunha, e eu não quis fazer nada no ar. Trago-lhe informações seguras!

– Boas ou más?

– Péssimas.

O Dr. Miranda chamou a irmã, que acudiu logo.

– Olha, Maricota, aqui tens o Chico; vai dizer-nos quem e o teu Pimentel.

– Pois diga! – resmungou Maricota com um olhar zangado, adivinhando os horrores trazidos pelo Chico.

Este voltou-se para o Dr. Miranda e disse-lhe:

– O senhor coloca-me numa situação difícil. Julguei que isto não passasse de nós dois, mas agora, em presença de D. Maricota, sinto-me acanhado e receoso, porque não posso dizer senão a verdade, e a verdade é muito desagradável.

– Minha irmã é a principal interessada neste assunto, redarguiu o doutor, e deve até agradecer-lhe o trabalho que você teve com esse inquérito. O seu dever de amigo está cumprido; ela que o ouça e faça o que entender; é senhora das suas ações.

O Chico, arrependido já de se haver metido naquele incidente de família, contou minuciosamente as diligências que fizera e o resultado a que chegara.

Quando ele acabou o relatório:

– Tudo isso é calúnia, calúnia, calúnia torpe! – bradou Maricota, fula de raiva e batendo o pé. – E quando seja verdade, gosto dele. Ele gosta de mim, e havemos de ser um do outro, venha embora o mundo abaixo!

Não houve palavras que a convencessem de que tal casamento seria um desastre. Diante da vergonha, com que ela ameaçou o irmão de sair de casa para ir ter com o seu amado, o Dr. Miranda curvou a cabeça, e o casamento fez-se.

Fez-se, e não há notícia de casal mais venturoso!

Alexandrino, que se empregara numa importante casa comercial, era um marido solícito, dedicado, carinhoso e previdente; não ia a passeio ou a divertimento sem levar Maricota; não bebia senão água; não jogava senão a bisca em família – e todas essas virtudes eram naturalmente realçadas pela terrível perspectiva de que ele seria o contrário.

– Maricota apanhou a sorte grande! – diziam os amigos e parentes, inclusive o Dr. Miranda.

Este, desde que as virtudes do cunhado se manifestaram, começou a tratar com frieza o informante.

O pobre Chico perdeu o amigo e o médico, foi odiado por Maricota por ter pretendido frustrar a sua aventura, e o regenerado Pimentel, quando soube da comissão que ele desempenhara, segurou-o um dia com as duas mãos pela gola do casaco, e sacudiu-o dizendo-lhe:

– Eu devia quebrar-te a cara, miserável, mas perdoo-te, porque és um desgraçado!

Moralidade do conto: ninguém se meta na vida alheia, principalmente quando se trate de evitar um casamento serôdio.
___________________
Nota:
Serôdio – atrasado, tardio.

domingo, 26 de maio de 2019

Amélia Luz (Pedaço)


Quando a conheci era mesmo cheia de graça. Uma beleza original misturando traços exóticos num corpo perfeito que chamava a atenção de todos. Tão logo chegou à cidadezinha foi trabalhar no bar do Sr. Manoel, um velho português que se estabelecera na rua principal. O bar servia refeições, bebidas, salgados e doces e no fundo mantinha uma escondida casa de jogo.

Assim “Pedaço”, (assim a apelidaram, era mesmo um pedaço de mulher), começou então a conhecer um pouco da vida. Bonita, sorridente, andar provocante em que suas ancas largas se jogavam com elegância chamando a atenção de todos. Acho que na sua ingenuidade nem sabia o poder de sedução que tinha. Sr. Manoel era ranzinza e exigente e também parecia ter ciúmes dela uma vez que se sentia como seu “proprietário”. Na casa dos quase setenta ter ao lado uma mulher daquele porte era coisa rara.

Sempre alegre, saia cantando, servindo a clientela com um especial bom humor que contagiava o ambiente e atraia fregueses, além dos seus dotes culinários que prendiam pelo tempero e pelo paladar dos seus deliciosos quitutes. Com chuva ou sol lá estava ela brincando e fazendo piadas com todos que por ali passavam. Era quase inacreditável ver sempre a brancura do seu belo sorriso iluminado pelo seu olhar brilhante que provocava simpatia. Cantarolando, zombeteira cruzava a cidade fazendo suas piadas conquistando pelo seu poder da comunicação.

Certo dia apareceu no bar um homem de longe. Chamava Zé Carreteiro e dizem que tinha chegado lá das bandas da Bahia. Homem experiente transportava madeira e ficava na cidade hospedando-se na pensão ao lado do Bar do Portuga. A sua vida começou a mudar. Um forte relacionamento surgiu e Pedaço conheceu o amor. Entregou o seu coração ao Zé Carreteiro como também o seu corpo virgem cheio de tanta pureza.

Ele prometera tudo, casamento, casa, cobrindo-a de presentes baratos como perfumes e roupas do velho bazar da esquina. Tudo era novidade. Ela teria, vejam só, um marido. Sairia das rabugices do seu Manoel e iria viver uma vida de dama da sociedade além de viajar na boleia do caminhão e conhecer as estradas que tanta curiosidade lhe despertavam por que os casos do Zé a motivavam a sair mundo afora.

Caiu por amor totalmente apaixonada pelo parrudão do Zé, um baianão bem apresentado que levava todo mundo na conversa. Tinha boa lábia e uma prosa que encantava. Foi assim que ela se entregou. Passou a morar no quartinho da pensão e para acompanhar os carretos deixou o trabalho e saía toda feliz ao lado do Zé para onde o vento a levasse. Que vidão! Nunca pensou que teria tanta sorte.

O tempo foi passando e nada de casamento. Certo dia o Zé foi viajar sozinho. Disse para ela que teria que vazar o sertão da Paraíba e que ela ficasse esperando. Não deixaria de mandar sempre notícias.  Pela madrugada tomou o rumo do Nordeste e partiu não se sabe para que destino. Pedaço ficou esperando. Os dias, as semanas, os meses. Ansiosa vivia de olho no posto de gasolina na esperança de ver o Zé chegar e apear da carreta trazendo de novo a alegria em seus braços. Só que o Zé não mais voltou e o seu coração foi murchando de saudade. Nunca mais sorriu, nem contou as suas pilhérias. Entristeceu de uma dor profunda e adoeceu. A saudade era tanta que Pedaço acabou consolando-se na bebida. O que lhe dava uma falsa coragem para prosseguir. Virava copos e nem podia trabalhar. Embriagada passava pelas ruas desleixada, sem cuidar da sua aparência. Até que foi encontrada no mesmo quartinho onde vivia com Zé, abraçada com o seu retrato. Havia morrido de tristeza, havia morrido de saudade. Deixara para sempre de ser Pedaço!

Fonte:
A Autora

Vinicius de Moraes (Libelo)


De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?

E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é pra ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor de cheirar?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos pra mexer na terra e arranhar uns acordes no violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não vale morar...

- Mas a terra foi escravizada, e é preciso por ela lutar!

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de casa e de bar?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?

- Mas o amigo foi ludibriado, e é preciso por ele lutar!

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o desatino o carrega em sua onda sem rumo?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor.

Ialmar Pio Schneider (A Leitura que Atrai é a que Fica)


Se alguém me perguntar o que estou lendo atualmente, responderia que é um dos livros mais conhecidos e apreciados em todo o mundo depois da Bíblia. E com justa razão: as qualidades e os defeitos do ser humano, como indivíduo e não como peças de uma sociedade fria e desumana, tecem o pano de fundo destas aventuras sensacionais que ninguém se cansa de ler e reler ao longo dos tempos”. Isto li na contracapa deste romance que atravessa décadas e gerações e todos encontram em suas páginas aventuras cinematográficas insuperáveis. Lembro-me que o li na adolescência em texto reduzido e agora o faço em edição de texto integral. Assisti a alguns filmes que fizeram baseados em sua história. Sempre com sucesso. E o lema perdurará – “Todos por um, um por todos.”
 
Sabe-se que os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, pai, eram na realidade quatro com a incorporação do jovem e belo d’Artagnan, que tanto atrai o público feminino e as aventuras de capa-e-espada que empolgam os leitores. Seus nomes serão sempre lembrados: Athos, Porthos, Aramis e d’Artagnan, e quantas pessoas conhece-se com os nomes que os pais escolheram para os seus filhos. Isto prova a força que a literatura criativa e engenhosa exerce sobre o público de todas as idades.

Mas por que me ocorreu escrever a respeito deste famoso romance daquela época romântica da França? Justamente para justificar o título desta crônica despretensiosa. Também por que ouvi professores abordando o tema de leitura em um programa de rádio, em que uma pesquisa acusou que cerca de 60% disseram que leem livros regularmente, 24% o fazem ocasionalmente e 17% simplesmente não.

É possível que a enquete demonstre a realidade, não obstante saiba-se que hoje em dia a leitura de livros para entretenimento só seja realizada por aficionados, uma vez que existem tantos outros canais de diversão, tais como cinemas, TV aberta e a cabo, Internet, etc.

Outrossim, o desemprego que grassa em nossa sociedade leva as pessoas a procurarem se especializar em moderna tecnologia que abrange, com certeza, a Informática. Acontece que não sei até quando isto é válido, uma vez que a leitura sistemática de bons livros de assuntos os mais variados, sempre nos abre novos horizontes e a visão de empreendimentos de sucesso.

Aos que rebatem dizendo que não têm tempo para ler, respondo com a resposta que ouvi de uma psicóloga em programa de TV: “Não é a falta de tempo o problema para não lerem, e sim a falta de prioridade”. Digo mais: é a falta de gostar de ler. E está, mais uma vez, formado o círculo vicioso: não sabe, por que não lê; e não lê porque não sabe.

Espero que me compreendam, ou reflitam. Um dos nossos melhores poetas escreveu: “Ler um livro é desinteressar-se a gente deste mundo comum e objetivo para viver noutro mundo. A janela iluminada noite adentro isola o leitor da realidade da rua, que é o sumidouro da vida subjetiva. De vez em quando passam passos. Lá no alto estrelas teimosas namoram inutilmente a janela iluminada. O homem, prisioneiro do círculo claro da lâmpada, apenas ligado a este mundo pela fatalidade vegetativa de seu corpo, está suspenso no ponto ideal de uma outra dimensão, além do tempo e do espaço. No tapete voador só há lugar para dois passageiros: leitor e autor.” Augusto Meyer (1902-1970), À Sombra da Estante: “Do Leitor”. – Dicionário Universal de Citações – Paulo Rónai.

Quero acrescentar que o escritor acima citado, foi nosso representante na Academia Brasileira de Letras para a qual foi eleito em 12.05.1960.

(Publicado em 23 de julho de 2003 – no Diário de Canoas)

sábado, 25 de maio de 2019

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) IX


AQUI NÃO SOMOS NADA

Já não te vejo tão bonita e atraente!
Como nos tempos...
Que te amei perdidamente.

Ao te encontrar nas ruas, ou em salões.
Feliz ou infelizmente,
Já não me chamas atenção,

Com aquele rosto deslumbrante...
Que me encantava!
E me deixava vencido,
E com aquele sorriso zombador.
Que me deixava...
Mais e mais entristecido!

Agora sentes que perdeste aquele encanto...
Aquele charme que feria e magoava,
O tempo fez questão de castigar-te.
Para saberes que tudo muda,
E que aqui não somos nada.

DEIXÁ-LAS CONTENTES

Às vezes penso que não mais existo!
E sei o motivo desta solidão.
Até porque em minha vida,
Tive vários amores...
E muitas desilusões.

Fazia tudo para agradá-las,
Presentes caros...
Para deixá-las contentes.
Mas depois de ganharem os mesmos,
Ficavam tristes diziam estar doentes.

Um dia resolvi acabar...
Com essas chantagens!
Que me deixavam irritado.
Disse para a última que viveu comigo,
De hoje em diante...
Podes procurar outro namorado.

Pois jamais desejarei viver a teu lado,
E posso até por isso sofrer sozinho.
Pois não tenho mais fé no amor,
Que infelizmente...
Deu-me poucas alegrias...
E muita tristeza e dor.

ÍNDIA

Índia és das brasileiras a mais bela,
Das brasileiras, és a mais singela.
Cheia de simplicidade e amor.
És a flor que perfuma o ambiente,
És o sol que ilumina esta gente,
Enchendo o coração de luz e calor.

Este teu corpo moreno!
Que o belo sol irradia.
Transmite luz e alegria.
Para todos os teus irmãos.

És a fonte da humildade,
Banhada de esperança.
Com os cabelos soltos Ao vento...
Pedindo apoio cristão.

Pois o teu povo sofrido!
Até então quase extinguido,
Vê em ti a salvação.
Sabem que és guerreira forte.
E que não temes a morte,
Com o bodoque na mão!

MULHER SACROSSANTO SER

Como és divina ò sacrossanto ser...
Apesar de seres humana!
Pois fostes agraciada...
Com uma missão suprema
De ajudar o homem a garantir a espécie,

Sendo cheia de luz e paz...
A transbordar-te o ser,
Procuras sempre a irradiar o amor,
Em qualquer lugar que estejas!
Mesmo na alegria ou na dor

Fazes partes de um mundo...
Onde a tristeza impera
Somente tu!
Com esse amor que emanas
Podes iluminar o mundo!
Salvando a raça humana.

SONHO COM ELA

Sonho com ela em minhas noites tristes,
Em que busco uma alegria,
Talvez uma ilusão incerta.

Não sei se isto me acontece,
É por ser romântico...
Ou um simples poeta.

Há vejo bela no leito macio,
E a imagino toda deslumbrante.
Eu há enlaçando aquele corpo nu,
E ela aceitando esse belo instante.

Ah! Se esse sonho que revelo agora,
Fosse verdade só por um instante...
Seria eu o mais feliz dos homens.
E deixaria de ser um sonhador
Um delirante.

Fonte:
O Autor

João Libero R. Marques (A Flor e o Espinho – Um amor impossível)


Era um belo jardim. Realmente bonito. Tinha flores as mais diversas, Margaridas, Cravos, Dálias, Lírios e outras mais. Tinha o Girassol, alto, bonito e que passava seus dias a perseguir a luz do sol, tão necessária para sua sobrevivência. Tinha a Sempre-viva, que mesmo depois de colhida, sobrevive por muitos anos, como se fosse imortal e que fecha suas pétalas quando está frio e as abre no calor. Flor muito rara, mas este jardim as tinha.

Tinha Lírio-do-vale, Jasmim, Glicínia, Gardênia, flores cheirosas que davam um perfume especial àquele jardim. E a rainha do jardim: a Rosa Vermelha. Ah! Ela era linda! Vermelha como o sangue, altiva e seu perfume era delicioso! Toda roseira tem espinhos. Ela não era exceção. Mas, tinha um espinho diferente!

Ele era surpreendentemente belo para um espinho. Era grande, saia do galho com um corpo mais forte e mais grosso do que o comum, numa cor vermelha parecida com a cor da Rosa Vermelha. Da metade para a ponta, era diferente de todos os espinhos já vistos, ele ia do vermelho, para o coral, laranja e a ponta era amarela, da cor do Girassol, lindo!

Os dias foram passando e uma manhã, uma leve brisa balançou a roseira, e a Rosa Vermelha apareceu no campo de visão do Espinho, linda, maravilhosa, brilhante pois estava molhada pelo orvalho noturno. Ele se maravilhou com aquela visão, mas oh! A Rosa Vermelha balançou e ele teve certeza que ela olhou para ele. Ficou feliz e ao mesmo tempo triste por não poder tocá-la, acaricia-la...

O Espinho foi tomado então por um sentimento novo, apaixonou-se pela Rosa Vermelha, mas sabia que era um amor impossível. A Rosa Vermelha, por sua vez, notou aquele Espinho diferente, belo e colorido e se apaixonou por ele! Ficaram assim, apaixonados e se vendo cada vez que a roseira balançava. Um dia, uma tempestade açoitou aquele belo jardim. Balançou diversas plantas. A roseira balançou muito, a ponto da Rosa Vermelha se soltar do galho!

Ela caiu, e na queda caiu sobre o Espinho, que desesperadamente tentou se balançar para que ela não o atingisse, mesmo que seu coração pedisse o contato. Mas, o destino resolveu a questão! A Rosa Vermelha caiu sobre o espinho e sangrou. O vento continuou fustigando a roseira e a Rosa Vermelha finalmente caiu e foi levada pela enxurrada!

O Espinho, desesperado, nada pode fazer. Depois que o tempo acalmou e tudo voltou ao normal, o sol voltando a brilhar, aquele Espinho, lindo, colorido, apaixonado, foi diminuindo, perdendo suas cores, tornou-se um espinho simplesmente, seco, marrom e sem vida!

Fonte:

Leandro Bertoldo Silva (Livre como um Passarinho)


“Algumas lembranças são confusas: umas me fazem rir, quando lembro que chorei. Outras me fazem chorar, quando lembro que rimos juntos”.
(Bob Marley)

“Pronto! Todo o esforço valeu a pena! Cheguei neste auditório como Alvinho e saio como Doutor Alvarenga Peixoto! As intermináveis provas, as leituras que me tiraram o sono… Tudo aqui neste diploma. Agora é ir para a advocacia e ser livre como um passarinho…”.

Recordar-se dessas palavras ditas há vinte anos, naqueles minutos fugidos para o café, enquanto olhava a rua pelas grades da janela de seu escritório, fazia-o lembrar do amigo de infância de quem um dia sentiu pena por não ter, como ele, estudado as letras. Agora, sentia pena de si no meio daquelas repartições, petições e processos igualmente intermináveis, enquanto, em algum lugar lá fora, talvez em alguma praia ouvindo o barulho do mar e sentindo a leve brisa do vento em seus cabelos, Tonho, o amigo iletrado, vendia seus biscoitos da sorte. Assim pensava quando foi interrompido por ter sido chamado, às pressas, para mais uma audiência, no mesmo instante em que um passarinho voou do peitoral da janela levando no bico um pedacinho de “sonho”…

Fonte:
Leandro Bertoldo Silva. Entrelinhas: Contos mínimos. Disponível Árvore das Letras