quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Luiz Otávio (Jardim de Trovas) I


Aquele amor passageiro,
aquela afeição tão pura,
e esta saudade tamanha
de tão pequena ventura!…

Até o próprio mendigo
pode ser rico também:
se possui um grande amigo,
tem algo que poucos têm!

Beijos de mãe… filha… esposa…
Tantos beijos ganha a gente!
– Como pode a mesma coisa
ter sabor tão diferente?!

Ciúmes talvez não ferissem
e eu teria paz infinda,
se os homens jamais te vissem,
ou tu não fosses tão linda!…

Com tristeza a gente conta:
No mundo, que tanto ilude,
há virtude – quase afronta,
pecado, quase virtude!…

Dois anos… e a angústia, o medo
do mundo desconhecido…
– Minha mãe partiu tão cedo!
Primeiro sonho perdido!

Esta ~mágoa, sem remédio…
Esta esquisita ansiedade…
Esta doçura que é tédio…
– É o que chamamos Saudade…

Esta saudade pungente
de um bem que não volta mais,
se amargura a alma da gente,
quanto alívio ela nos traz!

Eu, amor, te procurava,
estando perto de ti…
ao meu lado, não te achava…
Agora, longe, eu te vi…

“Feliz Natal!” – você diz…
– Numa carta, já se vê.
Mas como o terei feliz,
se estou longe de você?!…

Não há maior desencanto
do que ouvir, com suavidade,
ao dizer: “Amo-te tanto!”
– “Tenho-te muita amizade…”

Não me pagaste a promessa
de me fazeres feliz
e como eu paguei tão caro
promessas que não te fiz!

Nossa casa pequenina
é um céu em miniatura!
Possui a bênção divina,
a paz… o amor… a ventura!

Por mais que na vida amemos
com loucura e intenso ardor,
jamais nos esqueceremos
do nosso primeiro amor…

Saudade – um sonho desfeito…
uma angústia… um “não sei quê…”
– Este vazio em meu peito
todo cheio de você…

Semeia sempre com calma!
Ajuda a planta a crescer!
E eleva mais a tua alma,
deixando os outros colher!…

Sentimento singular
que virtude deve ser:
sentir mais prazer em dar,
do que mesmo em receber…

Sorrias… e eu te beijei
nesse momento preciso…
Desde então ficou gravado
nos meus lábios teu sorriso…

Tua saudade, querida,
tão viva no peito meu,
é a morte dentro da vida…
é a vida do que morreu…

Tu me pedes que te esqueça…
Eu só queria, porém,
que olvidasses a quem queres,
como eu te quero, meu bem…


Fonte:
Luiz Otávio. Cantigas dos sonhos perdidos, Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964.

José do Patrocínio Filho (O homem que fora rei)


O filho do homem em guerra parte
Por um diadema de ouro fino;
Longe transmuta seu estandarte:
Quem é que o segue em seu destino?
(Canção Marcial)

Assim cantarolava Saggar-Shand, por graça de Knef-Marajá de Bikanír, no coração da Índia, e cuja estirpe já ocupava um trono, bem antes de Jesus Cristo vir ao mundo, redimir os pecados dos homens...

Assim cantarolava Saggar-Shand, na sombra da prisão de Reading, limpando com uma vassourinha de piaçaba o W,C, do segundo andar!

Com o instintivo e crudelíssimo humorismo britânico, os guardas sempre escolhiam aquele príncipe para os serviços vis e nauseabundos. De sorte que o antigo e opulento monarca passava os dias desentupindo canos gordurosos, desencardindo fossas sanitárias, ou carregando estrume para adubar a horta, em que fora transformado um grande pátio da cadeia.

Já havia cinco anos que Sua Alteza estava presa. Estivera em Wandswordt, em Brixton e viera enfim - como dizíamos - criar mofo em Reading. Era um homem de trinta e tantos anos, meão de altura, seco de carnes, os ombros largos, de uma elegância natural que denotava um longo apuro de raça. A cor baça da pele acentuava a energia dos traços fisionômicos, e a altura da sua fronte, oculta em parte nas dobras do turbante de seda enxovalhada, parecia, de fato, predestinada ao aro de uma coroa.

Bikanir - não obstante a absorção britânica no império hindu - era uma cidade maravilhosa, que, defendida pelos áridos areais de um deserto, conseguira conservar uma efetiva autonomia. Embora relativamente próxima dos territórios avassalados pela rainha dos mares, seus soberanos gozavam de uma independência quase idêntica a do emir de Cabul, que a mantém em guerras incessantes, nas fronteiras longínquas e selvagens do Afeganistão. Nenhum residente inglês fazia sombra á autoridade real do marajá de Bikanir, porque sempre fora impossível aos canhões de Armstrong transpor a alva região misteriosa, onde o caminho, às vezes, se transvia entre as areias movediças, que tragam homens e animais como os pântanos e os mares. De sorte que Saggar-Shand reinava mesmo, sob a divina proteção de Brahma, no seu palácio, incrustado de nácar, de faianças, de ouro e de marfim.

Lá se asilavam os patriotas ou os mercadores hindus enriquecidos, que as autoridades britânicas perseguiam, no afã contínuo de anular aquelas multidões milenares, para melhor escravizá-las, E assim, ai se concentravam a fortuna e a força intelectual da velha Índia, genuína e insondável.

Em vão, pela violência ou a corrupção, tinha o dominador tentado submeter Bikanir à vassalagem dos outros principados. A velha dinastia resistira e resistia, entrincheirada no areal quase intransponível. Tudo quanto o império britânico obtivera, fora um tratado de aliança em que o seu orgulho se exasperava com o tratamento de igual para igual. Mas foi nesse tratado justamente, que a pérfida Albion encontrou meio de se apossar, por fim, de Bikanir...

Saggar-Shand era um príncipe amoroso. Seu excelente coração lembrava, no recuo dos séculos, o de outro príncipe sobrenatural, filho de Maya e Souddohana, que as turbas hoje chamam Buddha. Como nos tempos do divino antepassado, via os homens transviados nos desvarios mais frenéticos, debatendo-se sem uma finalidade redentora, nem um ideal que os aperfeiçoasse, E apesar de nascido entre guerreiros, no esplendor de uma corte oriental, em que fora habituado desde a infância a se sentir acima da humanidade, seu espírito se voltara para as pesquisas metafísicas das relações do ser com o Criador.

Foi estudiosa e austera a sua vida. Debruçado sobre o texto dos vedas, sobre os livros dos persas e dos chins, sobre as páginas do Antigo Testamento, dos Evangelhos e do Alcorão, buscava sem cessar a centelha divina da Verdade. Mas sentia-se só, desamparado, coagido mesmo pela elevada esfera em que nascera, e os preconceitos que o aprisionavam no isolamento hierárquico da sua função de príncipe.

Não lhe bastava mais o convívio restrito dos mestres estrangeiros, que onerosamente fazia vir à sua corte, Queria sentir o choque vivo das ideias, ouvir a enunciação das controvérsias, no ambiente em que desabrocha a cultura moderna. E quando, enfim, subiu ao trono, senhor da sua vontade, chefe absoluto do seu reino, resolveu firmemente ver a Europa, privar com os sábios e com os pensadores, que tanto tempo admirara de longe. Reuniu a durbar (Assembleia deliberativa dos principados hindus) tomando as providências relativas ao governo do Estado em sua ausência, fez negociar a sua permanência incógnita na Inglaterra - e partiu, tão somente acompanhado por Gunga Dass, seu ajudante de ordens, e por seu velho criado Hazar Mir Kan.

No dia em que partiu, todo o seu reino veio trazê-lo à fronteira do areal. Foi uma despedida soleníssima. Defronte ao templo de Hanuman, em cujos pórticos os macacos sagrados cabriolavam e os litúrgicos pavões abriam o leque multicor das caudas - enquanto a velha Maharanéa estava em prece - desfilaram os cavaleiros da sua guarda, homens de velha raça aristocrática, envoltos na alvura imaculada dos mantos de puríssima lã. Vinham os dromedários carregados das bagagens do príncipe, em seguida. Pernaltos, a passes náuticos, passavam como sombras fantasmagóricas. Rolavam os canhões de grande gala, de ouro e prata maciça, tirados por avestruzes. Brancos touros religiosos com os cornos engrinaldados e elefantes cujas presas douradas reluziam ao sol do dia claro e memorável. Um pelotão de címbalos e fifes precedia-o, enfim. E entre estandartes, lábaros e flâmulas, rodeado dos dignatários da corte, vestidos de tela de ouro e cobertos de joias, sobre um enorme elefante da tribo dos Kumeria de Doon, ajaezado de uma rede de fios de ouro, semeada de rubis, safiras e esmeraldas, e com a cabeça ornada de um volumoso ramo de plumas, Saggar-Shand, assentado num vasto coxim de púrpura, passou como um deus, aos olhos maravilhados e pávidos dos sudras e dos párias, prosternados na poeira do caminho.

De longe, o cortejo faiscava ao sol, como uma apoteose - afastando-se num roldão de pompa majestosa. E até o pôr do sol, os regimentos, os batalhões, as baterias do exército aborígene, seguiram-no em continência pela estrada.

Só no dia seguinte regressaram, fatigados, poeirentos, cabisbaixos, como se tivessem acompanhado um funeral...

E Saggar-Shand - já agora fora do seu reino - prosseguia através do areal, onde nem um arbusto se elevava e surgiam ao luar imponderáveis, vagas e brancas formas da miragem...

Viajou. Viu as cidades-entreposto, agora sem um vestígio da índia de outras eras. atulhadas de fardos e barricas, bloqueadas de transatlânticos fumarentos. Viu a infinita vastidão do oceano encontrar-se com o céu, lá no horizonte. E viu o mundo aos poucos transformar-se, em cada porto em que o vapor parava.

A sua alma de apóstolo exultava. Parecia-lhe que nessas terras do ocidente, surgia uma outra humanidade redimida, em que todos os homens nivelados avançavam consciente e livremente para a unitária perfeição do destino!

Desembarcou com júbilo na Inglaterra. Deslumbravam-no as aparências do regime democrático. Sentia-se fraternal e feliz.

De certo, o luxo ocidental de Windsor, nem do castelo em que o hospedavam, podiam impressioná-lo pelo fausto. Mas ele admirou neles a discreta, cômoda sobriedade, tão diversa da pompa dos palácios orientais.

Tudo assim o encantava. Sobretudo as leis que garantiam a liberdade, que a todos os homens asseguravam iguais direitos, sem a intransponível barreira das castas do seu país...

Findava o mês de julho de 1914...

Em agosto, a guerra, súbito, estalou. Uma rajada trágica fustigava as nações delirantes. Ribombava, nas fronteiras da Bélgica, o canhão. A Grã-Bretanha erguia-se indignada contra a felonia cínica da Alemanha: Bethman Holweg dissera que um tratado era um farrapo de papel!

Saggar-Shand foi chamado ao ministério. Lembraram-lhe o tratado de aliança de Bikanir com a Inglaterra, Albion ia entrar em guerra e apelava para todos os seus súditos e para todos os seus aliados E, se podia contar com Bikanir, era mister que o marajá mandasse ordens para que recebessem no seu território instrutores militares ingleses e contingentes do exército britânico, que enquadrariam as tropas indianas para que elas se fossem afazendo e fraternizando com os soldados europeus.

Saggar-Shand assinou a ordem solicitada. Quis voltar - mas convenceram-no de que era inútil, posto que assumiria o supremo comando das suas forças, quando chegassem aos campos de batalha da Europa.

Alguns dias depois, porém, vieram busca-lo, a ele, a Gunga Dass e a Hazar Mir Kan. Meteram-os num automóvel fechado que rolou longa e celeremente. Por fim, parou.

- Que é?

- Estamos à porta do castelo onde esperam Vossa Alteza.

Passada a porta, o automóvel parou de novo.

- Vossa Alteza quer dar-se ao incômodo de saltar?

Saggar-Shand reconheceu então, que estava no pórtico abobadado de uma prisão - a prisão de Wandswordt.

Levaram-no sem explicações ao seu cubículo, ladeado pelos de Gunga Dass e Hazar Mir Kan...

Olhou; diante de si, os varões de ferro da janela alinhavam-se sobre o fundo azul do céu. Sentia que na penumbra da masmorra, outras criaturas choravam e gemiam, a olhar grades idênticas à sua_ E via muito longe, no fundo da Índia, o leopardo do escudo de Britannia, estrangulando a independência do seu reino,..

Os tratados?

Farrapos de papel…

A sua liberdade?

Mas que pesa a liberdade de um homem, se no outro prato da balança está a ambição e a força de um Império?

Já havia cinco anos que Sua Alteza estava presa, Tudo quanto salvara do naufrágio, fora um colar de pérolas, que sempre conseguira ocultar com a cumplicidade dos guardas. Mas, uma a uma, as pérolas passavam do fio de platina que as prendia para o bolso dos carcereiros... Porque Saggar-Shand lia até tarde e com as pérolas adquiria as velas com que alumiava, clandestinamente, o seu cubículo, depois da hora de apagar a luz.

Nunca desfalecera, nunca teve uma palavra de desânimo ou de raiva. Aceitava com uma altiva resignação os serviços cruéis e humilhantes que lhe ordenavam que fizesse.

Assim me foi contada a sua história.

Era de fato um rei?

São Luiz também esteve prisioneiro, carregado de ferros, no tempo das cruzadas. Foi, porém, entre bárbaros, há mil anos...

Contudo, pela manhã, ao abrir das portas, logo que ele avultava do cubículo, Gunga Dass e Hazar Mir Kan se prosternavam, a maneira oriental, para saudá-lo. Comovidos, no idioma pátrio, lhe chamavam coisas sublimes e monumentais:

- Estrela do Oriente! Guarda excelso da liberdade do teu povo! Filho de Brahma! Forte, entre os reis que são fortes! Salve!

Nisto, um guarda se aproximava, displicente, e batendo com o pé de leve neles, comandava de modo peremptório:

- Pronto! Vão trabalhar... Basta de asneiras!

E Saggar-Shand tomava o balde e a escova, indiferente, e ia lavar de joelhos o ladrilho - pensando em Deus...

Fonte:
José do Patrocínio Filho. A sinistra aventura: reminiscências das prisões inglesas. São Paulo: Labortexto, 2003.

Lima Barreto (Milagre do Natal)


O Bairro do Andaraí é muito triste e muito úmido. As montanhas que enfeitam a nossa cidade, aí tomam maior altura e ainda conservam a densa vegetação que as devia adornar com mais força em tempos idos. O tom plúmbeo das árvores como que enegrece o horizonte e torna triste o arrabalde.

Nas vertentes dessas mesmas montanhas, quando dão para o mar, este quebra a monotonia dó quadro e o sol se espadana mais livremente, obtendo as coisas humanas, minúsculas e mesquinhas, uma garridice e uma alegria que não estão nelas, mas que sê percebem nelas. As tacanhas casas de Botafogo se nos afigura assim; as bombásticas “vilas” de Copacabana, também; mas, no Andaraí, tudo fica esmagado pela alta montanha e sua sombria vegetação.

Era numa rua desse bairro que morava Feliciano Campossolo Nunes, chefe de secção do Tesouro Nacional, ou antes e melhor: subdiretor. A casa era própria e tinha na cimalha este dístico pretensioso: “Vila Sebastiana”. O gosto da fachada, as proporções da casa não precisam ser descritas: todos conhecem um e as outras. Na frente, havia um jardinzinho que se estendia para a esquerda, oitenta centímetros a um metro, além da fachada. Era o vão que correspondia à varanda lateral, quase a correr todo o prédio. Campossolo era um homem grave, ventrudo, calvo, de mãos polpudas e dedos curtos. Não largava a pasta de marroquim em que trazia para a casa os papéis da repartição com o fito de não lê-los; e também o guarda-chuva de castão de ouro e forro de seda. Pesado e de pernas curtas, era com grande dificuldade que ele vencia os dois degraus dos “Minas Gerais” da Light, atrapalhado com semelhantes cangalhas: a pasta e o guarda chuva de ” ouro”. Usava chapéu de coco e cavanhaque.

Morava ali com sua mulher mais a filha solteira e única, a Mariazinha.

A mulher, Dona Sebastiana, que batizara a vila e com cujo dinheiro a fizeram, era mais alta do que ele e não tinha nenhum relevo de fisionomia, senão um artificial, um aposto. Consistia num pequeno pince-nez de aros de ouro, preso, por detrás da orelha, com trancelim de seda. Não nascera com ele, mas era como se tivesse nascido, pois jamais alguém havia visto Dona Sebastiana sem aquele adendo, acavalado no nariz. fosse de dia, fosse de noite. Ela, quando queria olhar alguém ou alguma coisa com jeito e perfeição, erguia bem a cabeça e toda Dona Sebastiana tomava um entono de magistrado severo.

Era baiana, como o marido, e a Única queixa que tinha do Rio cifrava-se em não haver aqui bons temperos para as moquecas, carurus e outras comidas da Bahia, que ela sabia preparar com perfeição, auxiliada pela preta Inácia, que, com eles. viera do Salvador, quando o marido foi transferido para São Sebastião. Se se oferecia portador, mandava-os buscar; e. quando, aqui chegavam e ela preparava uma boa moqueca, esquecia-se de tudo, até que estará muito longe da sua querida cidade de Tomé de Sousa.

Sua filha, a Mariazinha, não era assim e até se esquecera que por lá nascera: cariocara-se inteiramente. Era uma moça de vinte anos, fina de talhe, poucas carnes, mais alta que o pai, entestando com a mãe, bonita e vulgar. O seu traço de beleza eram os seus olhos de topázio com estilhas negras. Nela, não havia nem invento, nem novidade como – as outras.

Eram estes os habitantes da “Vila Sebastiana” , além de um molecote que nunca era o mesmo. De dois em dois meses, por isso ou por aquilo, era substituído por outro, mais claro ou mais escuro, conforme a sorte calhava.

Em certos domingos, o Senhor Campossolo convidava alguns dos seus subordinados a irem almoçar ou jantar com eles. Não era um qualquer. Ele os escolhia com acerto e sabedoria. Tinha uma filha solteira e não podia pôr dentro de casa um qualquer, mesmo que fosse empregado de fazenda.

Aos que mais constantemente convidava, eram os terceiros escriturários Fortunato Guaicuru e Simplício Fontes, os seus braços direitos na secção. Aquele era bacharel em Direito e espécie de seu secretário e consultor em assuntos difíceis; e o último chefe do protocolo da sua seção, cargo de extrema responsabilidade, para que não houvesse extravio de processos e se acoimasse a sua subdiretoria de relaxada e desidiosa. Eram eles dois os seus mais constantes comensais, nos seus bons domingos de efusões familiares. Demais, ele tinha uma filha a casar e era bom que…

Os senhores devem ter verificado que os pais sempre procuram casar as filhas na classe que pertencem: os negociantes com negociantes ou caixeiros; os militares com outros militares; os médicos com outros médicos e assim por diante. Não é de estranhar, portanto, que o chefe Campossolo quisesse casar sua filha com um funcionário público que fosse da sua repartição e até da sua própria seção.

Guaicuru era de Mato Grosso. Tinha um tipo acentuadamente índio. Malares salientes, face curta, rosto largo e duro, bigodes de cerdas de javali, testa fugidia e as pernas um tanto arqueadas. Nomeado para a alfândega de Corumbá, transferira-se para a delegacia fiscal de Goiás. Aí, passou três ou quatro anos, formando-se, na respectiva faculdade de Direito, porque não há cidade do Brasil, capital ou não, em que não haja uma. Obtido o título, passou-se para a Casa da Moeda e, desta repartição, para o Tesouro. Nunca se esquecia de trazer o anel de rubi, à mostra. Era um rapaz forte, de ombros largos e direitos; ao contrário de Simplício que era franzino, peito pouco saliente, pálido, com uns doces e grandes olhos negros e de uma timidez de donzela.

Era carioca e obtivera o seu lugar direitinho, quase sem pistolão e sem nenhuma intromissão de políticos na sua nomeação.

Mais ilustrado, não direi; mas muito mais instruído que Guaicuru, a audácia deste o superava, não no coração de Mariazinha, mas no interesse que tinha a mãe desta no casamento da filha. Na mesa, todas as atenções tinha Dona Sebastiana pelo hipotético bacharel:

– Porque não advoga? perguntou Dona Sebastiana, rindo, com seu quádruplo olhar altaneiro, da filha ao caboclo que, na sua frente e a seu mando, se sentavam juntos.

– Minha senhora, não tenho tempo…

– Como não tem tempo? O Felicianinho consentiria – não é Felicianinho?

Campossolo fazia solenemente :

– Como não, estou sempre disposto a auxiliar a progressividade dos colegas.

Simplício, à esquerda de Dona Sebastiana, olhava distraído para a fruteira e nada dizia. Guaicuru, que não queria dizer que a verdadeira . razão estava em não ser a tal faculdade “reconhecida”, negaceava:

– Os colegas podiam reclamar.

Dona Sebastiana acudia com vivacidade :

– Qual o que . O senhor reclamava, Senhor Simplício?

Ao ouvir o seu nome, o pobre rapaz tirava os olhos da fruteira e perguntava com espanto:

– O que, Dona Sebastiana ?

– O senhor reclamaria se Felicianinho consentisse que o Guaicuru saísse, para ir advogar?

– Não.

E voltava a olhar a fruteira, encontrando-se rapidamente com os olhos de topázio de Mariazinha. Campossolo continuava a comer e Dona Sebastiana insistia:

– Eu, se fosse o senhor ia advogar.

– Não posso. Não é só a repartição que me toma o tempo. Trabalho em um livro de grandes proporções.

Todos se espantaram. Mariazinha olhou Guaicuru; Dona Sebastiana levantou mais a cabeça com pince-nez e tudo; Simplício que, agora, contemplava esse quadro célebre nas salas burguesas, representando uma ave, dependurada pelas pernas e faz pendante com a ceia do Senhor – Simplício, dizia, cravou resolutamente o olhar sobre o colega, e Campossolo perguntou:

– Sobre o que trata?

– Direito administrativo brasileiro.

Campossolo observou:

– Deve ser uma obra de peso.

– Espero.

Simplício continuava espantado, quase estúpido a olhar Guaicuru. Percebendo isto, o mato-grossense apressou-se:

– Você vai ver o plano. Quer ouvi-lo ?

Todos, menos Mariazinha, responderam, quase a um tempo só:

– Quero.

O bacharel de Goiás endireitou o busto curto na cadeira e começou:

– Vou entroncar o nosso Direito administrativo no antigo Direito administrativo português. Há muita gente que pensa que no antigo regime não havia um Direito administrativo. Havia. Vou estudar o mecanismo do Estado nessa época, no que toca a Portugal. V ou ver as funções dos ministros e dos seus subordinados, por intermédio de letra-morta dos alvarás, portarias, cartas régias e mostrarei então como a engrenagem do Estado funcionava; depois, verei como esse curioso Direito público se transformou, ao influxo de concepções liberais; e, como ele transportado para aqui com Dom João VI, se adaptou ao nosso meio, modificando-se aqui ainda, sob o influxo das ideias da Revolução.

Simplício, ouvindo-o falar assim dizia com os seus botões: “Quem teria ensinado isto a ele?”

Guaicuru, porém, continuava:

– Não será uma seca enumeração de datas e de transcrição de alvarás, portarias, etc. Será uma coisa inédita. Será coisa viva.

Por aí, parou e Campossolo com toda a gravidade disse:

– V ai ser uma obra de peso.

– Já tenho editor!

– Quem é? perguntou o Simplício.

– É o Jacinto. Você sabe que vou lá todo o dia, procurar livros a respeito.

– Sei; é a livraria dos advogados, disse Simplício sem querer sorrir.

– Quando pretende publicar a sua obra, doutor? perguntou Dona Sebastiana.

– Queria publicar antes do Natal. porque as promoções serão feitas antes do Natal, mas…

– Então há mesmo promoções antes do Natal, Felicianinho ?

O marido respondeu:

– Creio que sim. O gabinete já pediu as propostas e eu já dei as minhas ao diretor.

– Devias ter-me dito, ralhou-lhe a mulher.

– Essas coisas não se dizem às nossas mulheres; são segredos de Estado, sentenciou Campossolo.

O jantar foi. acabando triste, com essa história de promoções para o Natal.

Dona Sebastiana quis ainda animar a conversa, dirigindo-se ao marido:

– Não queria que me dissesses os nomes, mas pode acontecer que seja o promovido o doutor Fortunato ou… O “Seu” Simplício, e eu estaria prevenida para a uma “festinha”.

Foi pior. A tristeza tornou-se mais densa e quase calados tomaram café.

Levantaram-se todos com o semblante anuviado, exceto a boa Mariazinha, que procurava dar corda à conversa. Na sala de visitas, Simplício ainda pôde olhar mais duas vezes furtivamente os olhos topazinos de Mariazinha, que tinha um sossegado sorriso a banhar-lhe a face toda; e se foi. O colega Fortunato ficou, mas tudo estava tão morno e triste que, em breve, se foi também Guaicuru.

No bonde, Simplício pensava unicamente em duas coisas: no Natal próximo e no “Direito” de Guaicuru. Quando pensava nesta .’ perguntava de si para si: “Quem lhe ensinou aquilo tudo? Guaicuru é absolutamente ignorante” Quando pensava naquilo, implorava: “Ah! Se Nosso Senhor Jesus Cristo quisesse…”

Vieram afinal as promoções. Simplício foi promovido porque era muito mais antigo na classe que Guaicuru. O Ministro não atendera a pistolões nem a títulos de Goiás.

Ninguém foi preterido; mas Guaicuru que tinha em gestação a obra de um outro, ficou furioso sem nada dizer.

Dona Sebastiana deu uma consoada à moda do Norte. Na hora da ceia, Guaicuru, como de hábito, ia sentar-se ao lado de Mariazinha, quando Dona Sebastiana, com pince-nez e cabeça, tudo muito bem erguido, chamou-o:

– Sente-se aqui a meu lado, doutor, aí vai sentar-se o “Seu” Simplício.

Casaram-se dentro de um ano; e, até hoje, depois de um lustro de casados ainda teimam.

Ele diz:

– Foi Nosso Senhor Jesus Cristo que nos casou.

Ela obtempera:

– Foi a promoção.

Fosse uma coisa ou outra, ou ambas, o certo é que se casaram. É um fato. A obra de Guaicuru, porém, é que até hoje não saiu…

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 55


Odenir Follador (Centro Urbano)


          Por vezes arguto, procuro trocar o meio de locomoção habitual, fazendo uso do transporte viário de nossa cidade. E são incontáveis as situações que encontro no dia a dia dos bairros e, até mesmo no centro urbano.

          Certo dia, após desembaraçar-me da condução e da multidão que contumaz toma conta do terminal, e segui pela rua principal, quando me deparei com uma cena pitoresca, daquelas que nos deixam chocados e ao mesmo tempo embevecidos. Eis que estava à minha frente, encostada junto à parede de uma casa comercial, uma “gaiota” – dessas que são usadas pelos catadores de papéis, papelão e afins. Um artefato construído sobre rodas de motocicletas ou similares, cujas grades laterais de arame se elevam, formando um grande caixote, com grandes cabeçalhos para ser conduzida; na qual são acomodados seus pertences e os produtos do trabalho.

          O que me chamou mais a atenção, não foi o artefato em si, e sim, a família que dela se ocupavam: um casal e seus dois filhos; o pai; a mãe e a filha de uns dez anos talvez, portavam vestes rudimentares, e calçavam simples sandálias, apesar do frio cortante daquela manhã de outono.  

          Dentro da gaiota acomodado num espaço improvisado, estava o filho pequenino. Formariam um quadro comum, dentre tantas outras famílias humildes e desvalidas, sequer outro meio de sustentação, não fosse uma questão que passei a arguir: Vi estampado em seus rostos, os traços de cansaço por noites mal dormidas ou muitos outros problemas a serem resolvidos... Doenças, talvez... Mas o que eu via não era tristeza em seus rostos, e sim, uma família que apesar de nada terem de importante, tinham um sorriso especial estampado em seus semblantes! Estavam alegres, brincavam e sorriam o tempo todo.

          Continuando em meu trajeto, não consegui esquecer aquela cena pitoresca, e fiquei a imaginar: quantas famílias tem tudo ao seu alcance: boa educação; escolas particulares; bons empregos; etc. Mas a felicidade irradiante que ali eu vi estampada naquela cena descontraída e maravilhosa, eu tenho certeza, que faz falta em muitas famílias por mais abastadas que sejam.

Fonte:
Crônica enviada pelo autor

Arthur de Azevedo (Cavação)


Naquela manhã o Saldanha estava desesperado: não havia quinze dias que lhe entrara na algibeira, inesperadamente, uma bela nota de quinhentos mil réis, e já não lhe restava um níquel desse dinheiro!

É verdade que ele passou uma semana de patuscadas, uma semana cheia! A inesperada fortuna coincidira com o aniversário natalício de um dos pequenos, o Nhô-nhô, e tinha havido peru de forno e até champanhe à mesa! Que diabo, um dia não são dias!

O semi-conto de réis voou, sem que o imprevidente Saldanha empregasse dez tostões em qualquer coisa útil. A conta da venda – uma conta de cabelos brancos – ficou por pagar, não se comprou um trapinho para as crianças, tão precisadas de roupa!

O dinheiro viera das mãos de certo negociante da rua da Alfândega, que encomendara ao Saldanha uma série de artigos metendo à bulha uma companhia em liquidação, isto é, os respectivos liquidantes. O nosso homem, que tinha dedo para essa espécie de literatura, fez obra asseada: as descomposturas produziram o desejado efeito. O prosador contava com cem mil réis. recebeu quinhentos.

Foi um delírio! O Saldanha subiu radiante a rua do Ouvidor, com cócegas de comprar tudo quanto via exposto nos mostradores das lojas. Parou durante cinco minutos diante de um gramofone. – Que surpresa seria para a pequenada! – Mas resistiu e passou. Foi esse o único movimento bom que teve depois de endinheirado.

E assim vivia o pobre-diabo, desde que, por negligente e ocioso, perdera sucessivamente dezenove empregos e desesperara de obter o vigésimo. Era um boêmio incorrigível, um desgraçado, que chegara aos trinta e oito anos sem uma onça de juízo.

Um dia em que lhe pareceu, e pareceu a todos, que estava definitiva e solidamente arrumado num cartório de tabelião, o Saldanha casou-se com uma pobre moça a quem fazia versos, e não de pé quebrado, porque para esse outro gênero de literatura também não lhe faltavam aptidões.

Tanto assim que, durante muito tempo, viveu quase exclusivamente dos seus Gemidos sonoros, coleção de poesias, cujos dois mil exemplares passou um a um pelos parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos, dizendo sempre que fazia aquilo apenas para pagar as despesas de impressão, pois não mercadejava a sua musa.

Depois de esgotada completamente a edição, o Saldanha, frequentador assíduo de todas as lojas de alfarrábios, comprava por baixo preço quantos exemplares, e não eram poucos, apareciam, e vendia-os no bairro comercial, aos negociantes dinheirosos.

O expediente dava o melhor resultado, porque o poeta, frenólogo intuitivo, conhecia pela cara, ou, segundo a sua própria expressão, “pela pinta”, esses mecenas fortuitos, e, além disso, aprendera de cor uma infinidade de lábias para impingir o volume. Ou por esses motivos, ou porque as pessoas a quem se dirigia quisessem se ver livres de um importuno, a colheita era certa.

Note-se que ninguém duvidava da identidade do poeta, porque o seu retrato lá estava, litografado pelo A. de Pinho, e parecidíssimo, na primeira página dos Gemidos sonoros.

Entretanto, esse ardiloso manejo era como o enlevo d’alma da linda Ignês: não podia durar muito. Os volumes, à força de viajar dos primitivos donos para os alfarrabistas, dos alfarrabistas para o Saldanha, do Saldanha para os protetores das letras nacionais, e destes outra vez para os alfarrabistas, ficaram tão ensebados (“fatigados”, como se diz em linguagem bibliográfica), que já não havia meio de lhes dar saída.

Por isso, a mais séria, a mais firme preocupação do industrioso Saldanha era que uma nova edição dos Gemidos fizesse gemer os prelos. Por conta dele, já se sabe, porque não havia editor que se arrojasse à empresa. E essa preocupação de tal modo absorvia, que ele absolutamente não pensava noutra coisa e vivia de expedientes.

Como já ficou dito, naquela manhã o Saldanha estava desesperado. Durante os três últimos dias, ele, a mulher e os quatro filhos tinham-se alimentado com as derradeiras cinco patacas, melancólicos vestígios dos quinhentos mil réis. O homem da venda já lhe não fiava mais nada. A cozinheira abandonara-os.

O autor dos Gemidos sonoros saiu de casa sem um vintém, dizendo: – Vou cavar! – e baixou à cidade a pé. Morava lá para os lados de Estácio de Sá.

Parecia uma fatalidade! Todas as bolsas a que recorreu encontrou implacavelmente fechadas. Já tantas vezes tinham servido.

Não teve coragem de pedir cinco mil réis ao negociante que dias antes remunerara com tanta liberalidade a sua prosa agressiva. Chegou a penetrar no escritório do capitalista, mas limitou-se a comer-lhe o almoço – e comeu-o com remorsos, porque tinha deixado em casa a prole a fazer cruzes na boca.

Sem ser bom pai, pois ninguém pode ser bom pai sem ter juízo, o Saldanha era meigo e carinhoso para os filhos. Pudesse ele e comeriam todos em pratos de ouro. Em se apanhando com dinheiro, corria logo para casa, embora pelo caminho fosse esbanjando algum em companhia dos gaudérios que topava.

Depois do almoço, abundantemente regado por um magnífico virgem “vindo diretamente”, o Saldanha atirou-se de novo ao terrível trabalho de “cavação”. Passaram-se duas, passaram-se três horas, e nada, nada, nada! E os pequenos sem comer!

Ás três e meia, com o cérebro ainda escaldado pelo vinho do almoço, derreado por um calor sufocante, suando por todos os poros, o boêmio sentou-se extenuado nos degraus do chafariz do Largo do Paço, e aí, pela primeira vez na sua vida errante, atravessou-lhe o espírito a ideia nítida da dolorosa situação em que se achava. A miséria apresentou-se diante dos seus olhos com um aspecto até aquele momento estranho à sua percepção moral, e a lembrança do seu inútil passado o oprimiu tanto que as lágrimas lhe saltaram aos olhos.

Passavam, na direção das barcas de Niterói, muitos homens apressados, e o Saldanha notando que raro era aquele que não levava um embrulho enfiado no dedo.

– É para os filhos, pensava; são homens que trabalham, que têm como eu poderia ter, o ordenado certo no fim do mês… Não são ociosos nem boêmios, como eu…

Ideias negras acudiram-lhe em tropel ao cérebro avinhado, produzindo febre. As horas correram sem que ele desse fé, subjugado como estava pelo sofrimento. Numa espécie de delírio, ouvia apenas rumor – o choro dos filhos.

Quando saiu desse torpor, caia a tarde. O lusco-fusco envolvia o mar e os lados da Tijuca estavam coloridos por um crepúsculo de fogo.

As pernas trôpegas, a cabeça pesada, a língua seca, o Saldanha levantou-se com a firme resolução de tomar uma barca e, chegando ao meio da baia, atirar-se ao mar.

– É o melhor que tenho a fazer; a minha gente achará quem a ampare melhor do que eu. Os órfãos mais infelizes são os que têm pai…

Depois dessa reflexão filosófica, ele encaminhou-se para a estação das barcas, e só então se lembrou de que não tinha dinheiro para a passagem; avistou, porém, um sujeito que levava á mesma direção, e dizendo consigo: ‘vou cavar pela última vez”, dirigiu-se ao transeunte com toda a resolução:

– O cavalheiro dispõe de trezentos réis? Não tenho dinheiro comigo, estou doente, e seria para mim um grande transtorno perder esta barca.

O outro mediu-o de alto a baixo, fez uma careta, introduziu dois dedos no bolso do colete, hesitou, arrependeu-se, enfiou a mão na algibeira do casaco, tirou um caderninho de cupons de passagens, destacou um deles, e deu-o ao Saldanha, com uma expressão no rosto em que se lia perfeitamente o seguinte:

“A mim não me enganas tu; com este pedacinho de papel não irás beber.”

O boêmio agradeceu, sorrindo tristemente à ideia de que o tal pedacinho de papel era o seu passaporte para a eternidade.

O sujeito seguiu o seu caminho, e ele ia seguir também quando viu no chão outro pedaço de papel, de maiores dimensões, dobrado em quatro, que lhe pareceu – oh, fortuna – uma nota de banco.

Apanhou-o. Era, efetivamente, uma nota de cem mil réis.

Trêmulo, nervoso, abriu a nota, percorreu-a no verso e no reverso, e, desconfiado de uma alucinação dos sentidos, examinou-a à luz de um lampião aceso naquele instante.

Depois, meteu-a no bolso, e “tocou á toda” para a rua do Ouvidor, lépido,
contente, como se momentos antes não se houvesse representado um drama dentro
de sua alma.

Entrou no Café do Rio, onde ofereceu cerveja a alguns amigos depois, na Confeitaria Pascoal, arranjou um opulento farnel de comes e bebes: frangos assados, empadinhas, doces, vinho do Porto, etc.

Tomou um tílburi no 1argo de são Francisco, e ao chegar perto de casa, ainda na rua, gritou como um possesso:

– Terezinha! Cota! Chiquinha! Nhô-nhô! Eduardinho! aqui estou eu, aqui está papai com um banquete opíparo! Toca a música!

Foi um alvoroço em casa. Era de ver toda aquela criançada a com os olhos ainda vermelhos de tanto chorar.

O Saldanha abriu o embrulho na sala de jantar e, com um ar vitorioso, espalhou a comilança sobre a mesa.

– Mas dize-me: como foi que tu… – ia perguntar a esposa.

– Come! come!, interrompeu o marido; come, depois te contarei. Dá cá dali o saca-rolhas!

E desarrolhando com um estouro alegre a garrafa de vinho do Porto:

– Ah, Terezinha! decididamente sou a criatura mais feliz que o céu cobre!

E durante três dias o Saldanha não “cavou”.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 54


Carolina Ramos (Ao Embalo da Vida)


— Problemas!... Sim, só problemas!...

Enxugou o rosto com o lenço já úmido. O sol do meio dia vinha buscar água no fundo do seu ser.

Sentia-se sugado por força estranha que lhe roubava a calma. Não conseguia concentrar-se. Buscava soluções e elas se embaralhavam, a zombar da sua incapacidade. Tudo começara a passos miúdos, devagarinho. Ao embalo da vida.

De uma hora para outra, complicação geral!

Os negócios iam mal. O salário colocando coisas em prateleiras inacessíveis. Jogara na Bolsa... a Bolsa baixara como represa em tempo de seca! Por que não vendera as ações no tempo certo?! Sabe-se lá porque! Claro que, no fundo, apostara na sorte. Queria melhores cotações. Iam subir, sim... e aguardara. Quando começaram a desabar, confiara na recuperação. Agora, naufrágio à vista! Restava esperar. Esperava. Até quando? Essa a questão! Diabo! Diabo era o cerco das promissórias, cada vez mais apertado! Sempre honrara compromissos. No presente, sentia-se amarrado… - de pés, mãos e mente!

Andava nervoso, implicante... Aí a mola mestra do desentendimento com a mulher. Causa principal. Não justificativa.

Apressou o passo. O comércio fechava as portas. Sábado. Dia de descanso. Sábado azul, prometendo praia domingueira. Nem essa perspectiva o animava. Não fora almoçar em casa. A família deveria sentir-lhe a falta. Melhor! Talvez a ausência o valorizasse um pouco mais, jogando cinzas sobre a ranzinzice. Reconhecia exceder-se, de vez em quando. Mesmo assim, não dava o braço a torcer.

Andara demasiado. Sem destino, perdera-se no labirinto dos próprios conflitos. Começou a sentir cansaço. A sede. A fome. Os primeiros instrumentos de tortura inventados pela natureza e usados em qualquer época, sem serem ultrapassados.

A tarde morria. A brisa arrancou-lhe arrepios. Frio... um frio que vinha de dentro, Maior, bem maior que o de fora. O sol bocejava, perdera a agressividade, estendendo sobre a relva um manto de luz outonal, dourado e morno. Convidativo.

Recortou mentalmente um retalho de sol e embrulhou nele o coração carente e friorento. Sentiu-se melhor. A amostra tentou-o.

Sem ninguém por perto, entendeu-se na relva, deixando que o corpo rolasse sobre si mesmo, como se macio cobertor lhe envolvesse os braços enregelados. Parou, quando finda a inclinação. O azul parecia ainda rodopiar sobre ele. As pálpebras, pesadas, fecharam-se, pouco a pouco. A noite calma do sono antecipou-se àquela outra noite dona dos astros.

Quanto dormiu, nem soube. Não o despertou o cricrilar dos grilos, e, sim, a ponta da bota de um guarda em serviço.

— Ei, cara... vai curtir esse pileque noutro lugar... aqui a barra é pesada!

— Tudo bem, seu guarda. Não bebi, não... estava só descansando um pouco.

Vendo-o sóbrio, o guarda, afastou-se, desinteressado.

Testemunhas discretas da cena, as estrelas piscavam, marotas. A lua, por sua vez, escondeu o sorriso num cachecol de nuvens.

O homem ergueu-se, sacudindo as palhas e os gravetos presos às roupas, Descontraído, tomou o rumo de casa, chutando as pedras do caminho, e, com elas, os problemas que o atormentavam.

Pouco adiante, comprou uma rosa... salvo conduto para a paz.

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXI


CLASSICISMO
   
Longínquo  descendente dos helenos
pelo espírito claro, a alma panteísta,
- amo a beleza esplêndida de Vênus
com uma alegria singular de artista !

Amo a aventura e o belo, amo a conquista !
Nem receio os traidores e os venenos...
- Trago na alma engastada uma ametista,
- meus olhos de esmeraldas são serenos !

Com os pés na terra tenho o olhar no céu;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chão; nos lábios, tenho mel...

Meu culto é a liberdade e a vida sã.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã !

CONSELHOS DE AMOR...

Incoerência talvez, mas verdades da Vida,
é um mal, um grande mal, amar-se em demasia,
a mulher que se sente adorada e querida
e é pelo teu amor cercada e protegida
é aquela que terás em teus braços mais fria.

Faz-lhe, mil carícias, sim, mas vez em quando
deixa uma frase vaga e indiferente no ar...
Assim, - ela terá com que ficar pensando,
e enquanto desconfia ou fica te esperando
por tanto te querer, talvez chegue a chorar.

O pranto é a chuvarada que prepara a terra
onde lançaste um dia a semente do amor.
O ciúme é o sol que a flor em pétalas descerra,
e o teu carinho, a aragem que nos ramos erra
e conforta as raízes apagando a dor.

E' a mulher que o exige ... Ela te adora e te ama
se souberes ser bom sendo às vezes cruel.
Não te iludas porém, te arrastará na lama
se a rodeares de luxo e a envolveres na chama
de um extremoso amor constantemente fiel!

Sabe sempre pesar sobre ela o teu domínio
não cedas teu lugar nem por mal nem por bem,
se um dia descobrir que tem força e fascínio
datará deste dia o teu fatal declínio
e verás como o amor se transformou também.

Sé perdulário sempre em teu amor, procura
no entanto não perder de vista os teus carinhos.
O amor que se oferece é amor que pouco dura,
- e que a rosa macia da tua ternura
tenha pétalas... sim... mas também tenha espinhos...

Marca na vida dela o rumo dos teus passos
deixando sempre um traço de altivez, viril.
A mulher quer que o homem caia nos seus braços
quer vê-lo - o coração pulsando, os olhos baços,
tendo a vaga impressão de que ele não caiu!

CONTO PERDULÁRIO

Hei de gastar minha alma – a alma dos poetas
é como a luz do Sol ou como o luar,
deve espalhar-se, para embelezar
e iluminar as sombras mais discretas...

Como as águas que cantam, irrequietas,
deve o silêncio, um pouco, musicar,
ou como a onda que se ergue, - a alma dos poetas
deve de espumas enfeitar o mar!

Cumpro assim o meu destino, e neste bando
de versos, perdulário a vou gastando,
e quanto tenho de alma já nem sei...

E hei de esbanjá-la mais, de instante a instante,
e morto – hão de encontrá-la ainda estuante
nos versos onde a vida a desperdicei !

CORAÇÃO SOLITÁRIO

A noite está fechada na janela aberta.
Uma rua perdeu-se na sombra lá embaixo.
Não existe esta rua - é um beco surrealista
que fugiu de algum quadro louco que não vi.

Ouço meu coração ardente e solitário
com sua música estranha de piano bêbado.
No espelho, meu olhar: duas chamas de estrelas.
Não  sei  se é o vento,  sei que  há  música  na   noite.

Há música no quarto, nas cortinas, música
nos meus cabelos despenteados, nos meus dedos,
no meu rosto, entra e sai pela janela.

Música indefinida a encher a solidão:
- estou no ventre da noite a mexer com os meus sonhos,
ouço o meu coração ardente e solitário.

DESÂNIMO

Apoio as minhas mãos sobre os meus próprios ombros
olho para os meus olhos entulhados de escombros
que a luz em vão escancara,
e grito para mim mesmo, para a minha boca,
com a voz cansada e rouca:

- Para!

Sensação de vazio, de morte, de paz...
Para que seguir mais? Para que seguir mais?

DESCULPA

Me desculpem, amigos, se não consigo sujar o sonho,
torná-lo indecifrável e apocalíptico,
se não consigo lambuzar o símbolo,
se não posso turvar a imaginação.

Me desculpem, amigos, meu jeito é este mesmo de ser poeta,
e a água da minha onda, por mais profundo que seja o mar,
é azul e transparente,
e os peixes tem suas formas, e as algas não tem suas formas,
e as estrelas do mar florescem cinco pontas,
como as palavras que luzem.

Me desculpem, amigos, se venho assim transparente como o  fundo de aquário
num parque para crianças e curiosos,
e se vos ofereço estes velhos símbolos de uma velha e  primitiva poesia
que chegou com os peixes à terra, talvez antes da presença  do homem.

DESEJO ORIENTAL

Quero que sejas assim, sempre nova,
sempre diferente,
lírica e sensual
pecadora e inocente,
- imagem pura do bem,
visão estranha do mal,
- nas "mil e uma noites" do meu desejo
oriental...

Terás então o meu amor
se isto conseguires...
- que o meu desejo é assim: volúvel, multicor,
como o arco-íris…

DESEJOS... NA MANHÃ DE SOL

Na manhã de sol
bela e serena,
depois de um dia de chuva
depois que à noite ventou,
- tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou . . .

Devia ter na boca rubra
um gosto de uva
um gosto bom de vinho,
e quando ela me olhou,
- pensei na fruta madura que o vento da noite derrubou
à margem do caminho...

Ah! o garoto que fui!  Ah! o garoto que sou!
Na inquietação da minha vida,
nas voltas do meu caminho,
sempre a vontade incontida
de desejar as frutas do quintal vizinho!

Na manhã de sol
bela e serena,
- depois de um dia de chuva,
- ah! o garoto que sou!
tive desejos de apanhar aquela mulher morena
que passou!

Fonte:
J. G. de Araújo Jorge. Os Mais Belos Poemas Que O Amor Inspirou. vol. 2. SP: Ed. Theor, 1965.

Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete” (Prazo: 7 de Outubro)


A ACADEMIA DE CIÊNCIAS E LETRAS DE CONSELHEIRO LAFAYETTE torna públicas as normas para o Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete”, que será regido pelas seguintes disposições:

DOS OBJETIVOS


Art.1. O “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete” foi instituído em 1994 pela Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette – ACLCL – e vem sendo concedido anualmente, com os objetivos de incentivar e divulgar a cultura literária, tanto em prosa como em verso, e estimular a produção e a divulgação das obras de poetas e prosadores em língua portuguesa.

DA ABRANGÊNCIA

Art.2. Poderão participar do concurso quaisquer escritores em língua portuguesa, que possuam maioridade civil na data da inscrição, observada a legislação dos países de origem.

DAS CATEGORIAS

Art.3. Os trabalhos poderão ser inscritos nas categorias abaixo discriminadas e deverão obedecer às características a elas pertinentes:

a) Conto;
b) Crônica;
c) Poema (exceto soneto);
d) Soneto.

Art.4. Os trabalhos deverão ser inéditos, inclusive em meio eletrônico.

Parágrafo único – Caso seja detectada a participação de trabalho que não seja inédito, se a detecção for feita antes da premiação, o trabalho será desclassificado; se for feita depois, o prêmio será cassado, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis.

DA INSCRIÇÃO

Art.5. A inscrição dar-se-á com o envio dos trabalhos e da documentação exigida para:

Concurso Literário Internacional “Prêmio Cidade de Conselheiro Lafaiete”,
Caixa Postal 111,
Conselheiro Lafaiete – MG,
CEP.:36.400-970.

Art.6. O prazo de inscrição é de 26 (vinte e seis) de janeiro a 07 de outubro de 2019.

§ 1º. Para a inscrição de trabalhos será considerada a data da postagem.

§ 2º. Os trabalhos inscritos fora do prazo estarão automaticamente desclassificados.

§ 3º. Deverá constar como remetente o mesmo endereço do destinatário, ou seja, Caixa Postal 111, 36.400-970, Conselheiro Lafaiete, MG, para que não haja identificação.

Art.7. Os trabalhos deverão ser enviados em 3 (três) vias, impressos em um só lado do papel, e deverão conter, no cabeçalho da primeira folha, nesta ordem: a categoria em que concorrem, o pseudônimo do autor e o título do trabalho.

Parágrafo único – Qualquer informação, no trabalho ou em seu teor, ou em qualquer parte do envelope externo, que identifique o autor, tornará o trabalho, automaticamente, desclassificado.

Art.8. Juntamente com o(s) trabalho(s), deverá ser enviado um envelope lacrado, identificado externamente apenas com o pseudônimo do autor e o nome das obras com as quais concorre, e dentro do qual deverão estar:

a) O nome completo do autor e o seu pseudônimo;
b) As categorias e os nomes dos trabalhos com os quais concorre;
c) O endereço convencional completo do autor e o número de ao menos um telefone para contato;
d) Endereço eletrônico (e-mail) para contato, podendo ser de uma pessoa conhecida;
e) Cópia legível do documento de identidade do autor.

Parágrafo único – Será automaticamente desclassificado o concorrente que for identificado usando o mesmo pseudônimo com que concorreu nas versões anteriores deste concurso.

Art.9. As inscrições serão gratuitas.

DO JULGAMENTO

Art.10.
O julgamento dos trabalhos será feito por uma junta de 3 (três) julgadores para cada categoria.

Parágrafo único – Os nomes dos julgadores, de ilibada reputação e de reconhecida capacidade linguística e literária, serão indicados pela Comissão Organizadora e aprovados pela Assembleia Geral Ordinária da ACLCL.

Art.11. O julgador atribuirá a cada trabalho, individualmente, nota de 5 (cinco) a 10 (dez), admitidas três casas decimais.

Art.12. Não será admitido empate em uma mesma categoria, nas 5 (cinco) primeiras colocações.

DA DIVULGAÇÃO DO RESULTADO

Art.13. O resultado será encaminhado aos participantes do concurso, pelo e-mail indicado na documentação de inscrição até o dia 30 (trinta) de novembro de 2019 (dois mil e dezenove).

DA PREMIAÇÃO

Art.14. Serão concedidos, aos autores dos trabalhos que obtiverem as 5 (cinco) primeiras colocações em cada categoria, os seguintes prêmios:

1º. lugar – troféu, certificado e publicação, sem ônus para o autor;
2º. e 3º. lugares – medalha, certificado e publicação, sem ônus para o autor;
4º e 5º. lugares – certificado.

Parágrafo único – As publicações dependerão de autorização prévia e expressa, do autor.

Art.15. Independente da classificação anterior, será concedido prêmio especial aos três trabalhos que obtiverem melhor colocação, versando sobre a Cidade de CONSELHEIRO LAFAIETE, em cada categoria, desde que tenham obtido no mínimo 70% dos pontos possíveis.

Art.16. Os originais não serão devolvidos sob nenhuma hipótese e, após divulgados os resultados, serão incinerados.

Art.17. A solenidade de premiação será realizada em solenidade da ACLCL, no Município de Conselheiro Lafaiete, em data, local e horário a serem divulgados até a data de divulgação do resultado do concurso.

Parágrafo Único – Caso não possa comparecer à solenidade de premiação, é facultado ao ganhador fazer-se representar.

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art.18. Os prêmios dos que não comparecerem e não se fizerem representar, ficarão à disposição na sede da ACLCL, mediante contato prévio, até 90 (noventa) dias após a solenidade de premiação, e poderão ser enviados aos agraciados mediante reembolso das despesas de postagem.

Art.19. Os inscritos, pelo simples ato de inscrição, declaram concordar com todas as disposições do presente edital.

Parágrafo único – O não cumprimento, por qualquer inscrito, das disposições deste edital, tornará a inscrição sem efeito.

Art.20. Os casos omissos serão resolvidos pela Comissão Organizadora, cuja decisão será irrecorrível, respeitadas as leis maiores.

Conselheiro Lafaiete, 25 de janeiro de 2019.

Moises Mota da Silva
Presidente

Concurso de Poesia da Ordem dos Velhos Jornalistas (Prazo: 30 de agosto)

  
Poeta não é somente o que escreve.
É aquele que sente a poesia, se extasia sensível ao achado de uma rima à autenticidade de um verso”. Cora Coralina

CONCURSO DE POESIA LIVRE


Objetivo:

O Concurso de Poesia da Ordem dos Velhos Jornalistas, em parceria com a UEI, tem como objetivo principal estimular a construção, a pesquisa, o estudo; além de descobrir e promover autores dessa manifestação literária, contribuindo com a fomentação da leitura e o estímulo da Poesia, fonte da sensibilidade e da percepção do belo .

Categorias:

O Concurso se divide em duas categorias:

Categoria Municipal – Ribeirão Preto
destina-se aos nascidos(as) ou residentes na cidade Ribeirão Preto/ SP.

Categoria Nacional – Brasil
destina-se aos nascidos(as) ou residentes no Brasil.

Cada participante deverá se inscrever em uma única categoria.

Tema: Livre.

A poesia deve ser inédita – para este concurso. Inéditas são poesias nunca publicadas em qualquer mídia oral, escrita, televisiva ou internet entre outros meios de comunicação.

No texto, não é permitido o nome do autor(a) ou nenhuma informação que possa identificar o autor(a).

A POESIA DEVE SER DE UMA SÓ LAUDA – DIGITADA CORPO 12 ARIAL - ESPAÇO 1,5 – NÃO PODE ULTRAPASSAR 32 VERSOS.

DAS INSCRIÇÕES E ENTREGA DA POESIA

Período: 23 / 07 / 2019 até 30/08/2019.

As inscrições são gratuitas.

A poesia deve ser enviada em dois envelopes:

Num envelope grande (pardo) enviar três cópias da poesia sem a identificação do autor(a), apenas o título da poesia, o pseudônimo e o endereço

Âmbito Municipal:
“Concurso de Poesia Livre da Ordem dos Velhos Jornalistas”
Rua Simão Von Zen ,nº15. Parque Xangrilá
Campinas/SP.
CEP: 13098-627

Âmbito Nacional:
 “Concurso de Poesia Livre da Ordem dos Velhos Jornalistas”
Rua Jácomo Rossi, 222 –Jardim Paulistano.
Ribeirão Preto – SP.
CEP: 14090-343

No segundo envelope (pequeno), contém os mesmos dados do envelope grande – por fora (lacrado). Dentro, acompanha pequeno currículo do(a) autor(a), nome da(o) autor(a) e pseudônimo correspondente, endereço, contato (celular ou residência) correio eletrônico(e-mail), cópias (simples) do RG e comprovante de endereço.

As inscrições são gratuitas, os autores(as) devem enviar uma única poesia.

As inscrições e envio da poesia somente pelo correio.

Em nenhuma hipótese, será aceito material de inscrição cuja data do carimbo de postagem dos correios seja posterior à data limite para inscrição. Serão desclassificadas as poesias que enviarem dados incompletos ou errados.

SELEÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

As poesias serão analisadas por uma comissão formada por três jurados: estudiosos, responsáveis pela seleção e classificação dos poemas.

Serão selecionadas três poesias de cada categoria.

A decisão da comissão é irrecorrível.

RESULTADOS

O resultado final será divulgado, e a entrega dos Prêmios será
durante a Oitava Mostra dos Escritores Locais e Regionais no dia 22/09/2018 à partir das 11hs.

PREMIAÇÃO

Categoria Municipal

Primeiro lugar: troféu e diploma
Segundo lugar: medalha e diploma
Terceiro lugar: medalha e diploma

Categoria Nacional

Primeiro lugar: troféu e diploma
Segundo lugar: medalha e diploma
Terceiro lugar: medalha e diploma

DISPOSIÇÕES GERAIS

Todas as poesias inscritas não serão devolvidas aos participantes.
Os autores(as) das poesias premiadas cedem os direitos autorais da poesia inscrita vencedora para a Ordem dos Velhos Jornalistas e para União dos Escritores Independentes; no entanto, tem a autorização para publicar a poesia vencedora por outros meios.

A Comissão de jurado não se responsabiliza por cópias, plágios ou fraudes.
Os autores(as) ao se inscreverem, concordam com o presente regulamento, Outros casos ausentes neste regulamento serão decididos pela comissão de jurados.

Apoio Portal do Poeta Brasileiro e Academia Nacional de Letras

MAIS INFORMAÇÕES: (016)988498994\
HELENA AGOSTINHO.
Presidente da UEI.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Trovadores Potiguares que Deixaram Saudades (F – J)


Eu vi teu rastro na areia
pela derradeira vez
e dei-lhe um milhão de beijos
pensando no pé que o fez...
Ferreira Itajubá † (?)

Aquelas nuvens esparsas
nos horizontes risonhos
bem parecem lindas garças
no lago azul dos meus sonhos.
Francisco Alcaniz (Chico Traíra)
Assu, 1926 -1989


Estradas longas, compridas...
Caminhos despovoados:
– são minhas mágoas sofridas,
– meus lamentos desprezados.
Francisco Amorim
Assu, 1889 -1992


No sepulcro quero apenas
inscrição da minha idade;
e no lugar de verbenas,
um poema de saudade.
Francisco Mota † (?)

Descendo o rio da Vida,
e indo ao mar buscar encanto,
vou deixando na descida
os retalhos do meu pranto...
Francisco Bezerra
Pau dos Ferros, 1920 – ???? Natal


No sertão, sol causticante,
meu pai de enxada nas mãos,
foi morrendo a cada instante
por mim e por meus irmãos!...
Francisco Macedo
Natal 1948 – 2012


Já sofri demais ao léu
por esse mundão afora...
Se tiver direito ao céu
só não desejo ir agora.
Gilda Moura † (?)

Pelos mais árduos caminhos
da vida por onde fores,
verás sempre entre os espinhos
nascer as mais belas flores.
Giovani Xavier
Martins 1923 – ???? Natal


A grandeza que te invade
e a força que te conduz,
é ter a credulidade
de uma alma cheia de luz.
Haroldo Duarte
Sobral/CE 1953 – ???? Natal


As nossas mágoas doridas
vivem hoje num clamor:
– romance de nossas vidas,
comédia do nosso amor...
Hercílio Sobral Crispim † (?)

Chuva que turva as estrelas
não caia com força, não!
há largas brechas nas telhas
do meu frágil coração!
Hilda Araújo † (?)

Entre verdes manguezais,
e um vetusto casario,
ninguém te esquece jamais,
ó Potengi, nosso rio.
Hilton da Cruz Gouveia
Palmares/PE 1920 – ???? Natal


Olhando o céu azulado,
vendo a beleza do mar,
vejo um sol belo e dourado
iluminando o meu lar.
Ivaniso Galhardo 
1915 – ????


Quando a viola ponteia
a mais saudosa canção,
a lua vem e prateia
todo o céu do meu sertão.
Ivanosck Galhardo † (?)

Quando a noite veste o espaço
de lantejoulas de luz,
Natal parece um pedaço
do presépio de Jesus!
Jaime Wanderley † (?)

Teu olhar doce e castanho,
brilhando com forte luz,
modelou bem o tamanho
dos braços da minha cruz.
Jayme Paulo Filgueira
Caicó 1934 – ???? Natal


Lá, no céu, bem curiosa,
a lua branca altaneira,
espreita maliciosa
os cabarés da Ribeira.
João Alfredo
Natal 1943 – 2004


Natal é cidade amada,
do Potengi a consorte.
– É bela joia engastada
no Rio Grande do Norte.
João Carlos de Vasconcelos † (?)

À sombra de uma palmeira
de um solar colonial,
aquela velha porteira
parece um cartão postal...
Jonas Ramos da Cunha † (?)

Não quero corais de pranto
no dia da minha morte...
– Vou me enterrar no chão santo
do Rio Grande do Norte.
José Amaral † (?)

O cego, com dedos certos,
tange a sanfona dorida,
e eu, com dois olhos abertos,
erro nas teclas da vida.
José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte 1934 – 2015 Natal/RN


Quando tu pisas, morena,
é tão leve o teu andar,
que eu penso que tu tens pena
de o próprio chão machucar...
Josué Tabira da Silva
Natal 1889 – ????


Sou um homem rico. Vede
vós que sofreis de ambição:
– uma cabocla, uma rede,
um cachimbo e um violão.
Junquilho Lourival
Natal 1895 – ????


Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva

Carlos Drummond de Andrade (Caso de Recenseamento)


O agente do recenseamento vai bater numa casa de subúrbio longínquo, aonde nunca chegam as notícias.

— Não quero comprar nada.

— Eu não vim vender, minha senhora. Estou fazendo o censo da população e lhe peço o favor de me ajudar.

— Ah, moço, não estou em condições de ajudar ninguém. Tomara eu que Deus me ajude. Com licença, sim?

E fecha-lhe a porta.

Ele bate de novo.

— O senhor, outra vez?! Não lhe disse que não adianta me pedir auxílio?

— A senhora não me entendeu bem, desculpe. Desejo que me auxilie mas é a encher este papel. Não vai pagar nada, não vou lhe tomar nada. Basta responder a umas perguntinhas.

— Não vou responder a perguntinha nenhuma, estou muito ocupada, até logo!

A porta é fechada de novo, de novo o agente obstinado tenta restabelecer o diálogo.

— Sabe de uma coisa? Dê o fora depressa antes que eu chame meu marido!

— Chame sim, minha senhora, eu me explico com ele.

(Só Deus sabe o que irá acontecer. Mas o rapaz tem uma ideia na cabeça: é preciso preencher o questionário, é preciso preencher o questionário, é preciso preencher o questionário.)

— Que é que há? — resmunga o marido, sonolento, descalço e sem camisa, puxado pela mulher.

— É esse camelô aí que não quer deixar a gente sossegada!

— Não sou camelô, meu amigo, sou agente do censo…

— Agente coisa nenhuma, eles inventam uma besteira qualquer, depois empurram a mercadoria! A gente não pode comprar mais nada este mês, Ediraldo!

O marido faz-lhe um gesto para calar-se, enquanto ele estuda o rapaz, suas intenções. O agente explica-lhe tudo com calma, convence-o de que não é nem camelô nem policial nem cobrador de impostos nem emissário de Tenório Cavalcanti. A ideia de recenseamento, pouco a pouco, vai-se instalando naquela casa, penetrando naquele espírito. Não custa atender ao rapaz, que é bonzinho e respeitoso. E como não há despesa nem ameaça de despesa ou incômodo de qualquer ordem, começa a informar, obscuramente orgulhoso de ser objeto — pela primeira vez na vida — da curiosidade do governo.

— O senhor tem filhos, seu Ediraldo?

— Tenho três, sim senhor.

— Pode me dizer a graça deles, por obséquio? Com a idade de cada um?

— Pois não. Tenho o Jorge Independente, de catorze anos; o Miguel Urubatã, de dez; e a Pipoca, de quatro.

— Muito bem, me deixe tomar nota. Jorge… Urubatã… E a Pipoca, como é mesmo o nome dela?

— Nós chamamos ela de Pipoca porque é doida por pipoca.

— Se pudesse me dizer como é que ela foi registrada…

— Isso eu não sei, não me lembro.

E voltando-se para a cozinha:

— Mulher, sabes o nome da Pipoca?

A mulher aparece, confusa.

— Assim de cabeça eu não guardei. Procura o papel na gaveta.

Reviram a gaveta, não acham a certidão de registro civil.

— Só perguntando à madrinha dela, que foi quem inventou o nome. Pra nós ela é Pipoca, tá bom?

— Pois então fica se chamando Pipoca — decide o agente. — Muito obrigado, seu Ediraldo, muito obrigado, minha senhora, disponham!

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho (Resultado Final)

Realização da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG

Categoria: Poesia

Classificação geral


Primeiro Lugar:
“Chaves e fechadura”
Cláudio Rogério Trindade
Ijuí-RS;

Segundo lugar:
“Desencontro”
Evandro Ferreira
Caucaia-CE

Terceiro lugar:
“Ao Dom Juca-Desrenato...”
João Bosco de Castro
Bom Despacho -MG.

Menções Honrosas:

4º lugar:

“O banquete”
Antonia Aleixo Fernandes
São Paulo-SP;

5º lugar:
“Homofobia”,
Valter Bitencourt Júnior
Salvador-BA;

6º lugar:
“Após Maria da Penha”
Marina Barreiros Mota
Palmas-TO;

7º lugar:
”Aprendizado”
Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas-RS;

8º lugar:
“Divagações”
Cláudio de Almeida Hermínio
Belo Horizonte-MG;

9º lugar:
“Transmutação”
Érika Lourenço Jurandy
Rio de Janeiro-RJ;

10º lugar:
 “Aos lábios de uma rosa”
Fernando Catelan
Mogi das Cruzes-SP;

11º lugar:
“Juju, a Anta sabe sabe”,
Rosilene Alves
Padre Paraíso-MG;

12º lugar:
“Para que serve a saudade?”
José Feldman
Maringá-PR;


13º lugar:
“Caminho amarelo”
Fátima Sampaio
Belo Horizonte-MG;

14º lugar:
“Sou poeta” 
Teresa C.C. M. Azevedo
Campinas-SP; e

15º lugar:

“Chuvas do Sertão”
Walter Luiz Cid do Nascimento
João Dourado-BA.

Categoria: Crônica

Classificação geral


Primeiro Lugar:
“Tempos”
Amalri Nascimento
Rio de Janeiro-RJ;

Segundo lugar:
“Domingos de saudade”
Marina Barreiros Mota
Palmas-TO

Terceiro lugar:
“Renascendo das cinzas”
Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Rio de Janeiro-RJ.

Menções Honrosas:

4º lugar:

“Cabo Maninho...”,
João Bosco de Castro
Bom Despacho-MG;

5º lugar:
“Um chafariz de refresco”
Celso Gonzaga Porto
Cachoeiriha-RS;

6º lugar:
Contemplas o mar...”
Juracy Nonato Ferreira
Santa Helena de Minas, MG;

7º lugar:
“Ma Petit Fille (Blonde)
Vânia Rodrigues Calmon
Vila Velha-ES;

8º lugar:
“A política do açougue”
Marcelo de Oliveira Souza
Salvador-BA;

9º lugar:
“O armário do meu quarto”
Caracy Teixeira Bessa
Salvador-BA;

10º lugar:
“Solidão”
Margareth das Dores Rafael Moreira Costa
Itambacuri-MG;

11º lugar:
“Ouse pensar... e contribua com uma sociedade melhor”
Lucivalter Almeida
Nazaré-BA;

12º lugar:
“Boneca de carne”
Carmelita Ribeiro Cunha Dantas
Aparecida de Goiás – GO;

13º lugar:
“Hoje”
Odyla Paiva
Rio de Janeiro-RJ;

14º lugar:
“A cidade vista sob o olhar altruísta”
Odenir Follador
Ponta Grossa-PR e

15º lugar:
“Quantum e a realidade da multiplicidade”
Sílvio Parise
East Providence – EUA

Fonte:
Academia de Letras de Teófilo Otoni

Lançamento da Coletânea 100 Sonetos de 100 Poetas (25 de agosto em Fortaleza)


O Instituto Horácio Dídimo de Arte, Cultura e Espiritualidade tem a grata satisfação de convidar a todos para o lançamento da coletânea "100 Sonetos de 100 Poetas" que acontecerá às 17h30min do dia 25/08/2019 no Espaço Juvenal Galeno da XIII Bienal Internacional do Livro do Ceará, no Centro de Eventos do Ceará, na Av. Washington Soares, 999 - Edson Queiroz - Fortaleza-CE.

A coletânea, que conta com participação de 100 poetas sonetistas de todo o Brasil,  foi organizada por Luciano Dídimo com a colaboração dos professores Bôscoly Morais e Carlos Gildemar Pontes, sendo enaltecida com o  prefácio de Sânzio de Azevedo, um dos maiores especialistas cearenses em  Teoria do Verso!

Na ocasião o livro poderá ser adquirido pelo preço promocional de R$20,00 a unidade, com desconto de 25% na compra de 10 unidades (R$150,00).

Confira abaixo a lista dos 100 poetas participantes:

    Adriano de Alvarenga Azevedo – Ideal de Paz
    Airton Uchoa Neto – Andropausa
    Alana Girão de Alencar – A… calma
    Alan Bezerra Torres – Metanoia
    Ana Maria Nascimento – Presença de Outono
    Ana Néo – Antissoneto
    Antônio Francisco Pereira – A Travessia
    Antônio Ortiz – Soneto de meu pai
    Arielvaldo Vianna – Dilemas de Ícaro
    Arlindo Tadeu Hagen – O Breu da Ausência
    Batista de Lima – Outonal
    Bôscoly Morais – Ninho Vazio
    Bruno Paulino – Poema do Peregrino
    Caio Fraga – Soneto Resoluto
    Carlos Gildemar Pontes – Na luz da tua imagem
    Carlos Vargas – Cristo: Alimento da Igreja
    Carlos Vazconcelos – Em defesa do soneto
    Célia de Paula – Entardecer
    Daniel Perroni Ratto – Soneto da Busca
    Décio Romano – Soneto 113
    Diana Balis – Verdade
    Dimas Carvalho – O Espelho
    Diogo Fontenelle – Soneto ao Eu-Menino
    Edir Pina de Barros – Confissões
    Edmar Freitas – O Tempo
    Elimax de Andrade – Solidão
    Elvira Drummond – O Muro e a Ponte
    Estela da Paz – Soneto à Rainha do Carmelo
    Eugênia Carra’h – As Pérolas da Vida
    Fabiana Guimarães – Primeiro Soneto
    Fernando Saboia – Soneto para a Alma
    Francisco Lopes Neto – Cânticos, 6
    Francisco Silvino – O Tempo
    Gilliard Santos da Silva – Soneto de Esperança
    Giselda Medeiros – Insanidade
    Gonzaga Mota – Sentido da Vida
    Guiomar Frota – Saudade
    Henrique Beltrão – Soneto Torto
    Inês Carolina Rilho – Ecoando n’alma
    Isabel Furini – Batalha Poética
    Ismar Dias de Matos – Diamantina
    Israel Batista de Sousa – Rosemary
    Izaíra Silvino – Sonho Alentado
    Jader Soares – Vira-lata
    João de Arimateia de Melo – Líquidas Palavras
    José Feldman – Mistérios da Vida
    José M. M. Pedro – Antes que surja o amor
    Josenir Lacerda – Anseio
    José Valdivino – Carmelitas
    J. Udine – A Morte do Velho Monge
    Júlio César Martins Soares – A mulher nasce do sonho
    Júnior Bonfim – Eu Sou
    Karla Karenina – Soneto do Amor Passado
    Kléber Cação – Tentativas Vazias
    Leo Rocha – Sinestesia da Fome
    Linhares Filho – À Amada do Octogenário
    Luciano Dídimo – Sonetos e Sonatas
    Lucineide Souto – Então
    Magna Maricelle – Terra à vista
    Manoel Virgílio – Nada
    Márcio Catunda – O Filho Pródigo
    Marcos Antônio de Abreu – Soneto do Amor 
    Marisa Maria Ribeiro – Morada Poética
    Marli Voigt – Palco das Flores
    Mary Nascimento – Renascimento
    Michelle Gomes Moreira – Detalhados Segredos
    Mihai Eminescu (Tradução de Luciano Maia) – Veneza
    Nádya Gurgel – Redondilhas Menores Doridas
    Nahor Lopes de Souza Junior – Não sou poeta
    Nealdo Zaidan – Prova Irreal
    Nicodemos Napoleão – Filosofia
    Nilze Costa e Silva – Navegando
    Oliveira de Castela – Sonito
    Oswald Barroso – Amor sem medida
    Oswaldo Francisco Martins – Amor e Bem Verdadeiros
    Paulo Roberto Coelho Ximenes – Magia no Mundaú 
    Paulo Roberto de Oliveira Caruso – Soneto Decassilábico de Guia
    Pedro Bezerra de Araújo – Caminhar, Errar, Perdoar
    Pedro Francisco Alves – Força do Equilíbrio
    Pedro Ernesto – Os Falsos Heróis da Modernidade
    Pedro Sampaio – Soneto à Liberdade
    Roberto Coelho – Onde florescem os sonhos?
    Roberto Ferrari – Paixão Sentida
    Rosanni Guerra – Quartos Vazios
    Sânzio de Azevedo – Versos ao Sono
    Sônia Cardoso – Manhã
    Sônia Nogueira – Serenidade
    Stélio Torquato Lima – Fugaz
    Tetê Macambira – Soneto do Querer
    Tito de Andréa – Para Lyria
    Totonho Laprovitera – Feliz e Satisfeito
    Túlio Monteiro – E há pó de estrelas pelas estradas
    Vianney Mesquita – Espirituosidade Comedida
    Vicente Delgado Carreto – Razone tendrá la muerte
    Vicente de Paula Maia Santos Lima – Sorriso de Criança
    Vicente Freitas – Soneto ao meu pai morto
    Vicente Vieira – Louco Poeta
    Virgílio Maia – Soneto de Iracema e de Martim
    Wilamy Carneiro – Soneto de Amor!
    Xico Torres – Ide

Instituto Horácio Dídimo
www.institutohoraciodidimo.org
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Instagram: @institutohoraciodidimo
Facebook: Instituto Horácio Dídimo
 
Fonte:
Luciano Dídimo
Site: www.lucianodidimo.com

domingo, 4 de agosto de 2019

Varal de Trovas n. 53


João do Rio (Emoções)

         
           A Henrique de Vasconcellos.

Ontem, às 6 horas da tarde, fui buscar ao clube da rua do Passeio o velho barão Belfort, que me prometera mostrar, três dias antes, a sua cara coleção de esmaltes árabes. O barão jogava e per­dia com um moço febril, que à lapela trazia um crisântemo amarelo, da cor da sua tez. Ao ver-me, disse amavelmente

— Estamos a jogar. O Osvaldo ganha como um inglês e com a alucinação de um brasileiro. Estou perdendo e apreciando este bom Osvaldo, que ainda tem emoções.

Os seus olhares seguiam, frios e argutos, o jogo do bom Osvaldo, e, a cada cartada, tamborilando os dedos na mesa, Belfort sorria um sorriso mau, entre desconfiado e satisfeito. De repente, porém, as pupilas acenderam-se-lhe. Pôs as duas mãos nervosas na mesa, e perguntou, enquanto mais pálido o moço estacava:

— E tu não jogas?

— Não.

— Fazes bem. Um escritor do tempo de Balzac dizia que o jogo era para a mocidade o veneno da perdição. O veneno! ora vê tu, o veneno!

Sorriu com delicadeza.

— O Osvaldo permite? Vou embora sem mais um real. Até amanhã. E não deixe de tomar água de flor de laranja...

Levantou-se, mirou as unhas brunidas, mirou a gravata, e saiu, deixando o jovem só naquele salão que o pleno verão tornara deserto. Acompanhei-o, não sem olhar para traz. O moço pendia a cabeça na sombra, e assim pálido, com um pálido crisântemo, os seus olhos tinham chispas de susto e de prazer.

Embaixo, no vestiário, o barão deixou que lhe enfiassem o paletó, mandou chamar o coupé[9], e partimos discretamente, sob a tarde luminosa e cor de pérola. Belfort aconchegou-se à almofada de cetim malva, acendeu uma cigarrilha do Egito com o seu monograma em ouro, e, enquanto o carro rodava, indagou:

— Que tal achaste o Osvaldo? É o meu estudo agora. Havia meia hora que me roubava escanda­losamente... Não lhe disse nada. Ainda é possível salva-lo...

— Quer perde-lo? indaguei habituado ás excen­tricidades desse álgido ser.

— Oh! não, quero gozá-lo. Tu sabes, o homem é um animal que gosta. O gosto é que varia. Eu gosto de ver as emoções alheias, não chego a ser o bisbi­lhoteiro das taras do próximo, mas sou o gozador das grandes emoções de em torno. Ver sentir, forçar as paixões, os delírios, os paroxismos sentimentais dos outros é a mais delicada das observações e a mais fina emoção.

— Oh! ser horrível e macabro!

— Seja; horrível, macabro, mas delicado. É por isso que eu não quero perder o Osvaldo, quero apenas gozá-lo. Preciso não limitar a minha ação humana aos passeios pelo Oriente, às coleções autênticas e a alguns deboches nos restaurantes de grão tom. Mas daí a perde-lo, c’est trop fort...

— Pois não imagina o mal que fez ao pobre Osvaldo. O rapaz estava horrivelmente pálido!

— Tal qual como o outro. Que exemplar, meu caro! que caso admirável! Esse pequeno há seis meses odiava o víspora. Hoje tem a voracidade de ganhar, e tamanha que já rouba. Amanhã arde, queima, rebenta numa banca de jogo. Ah! o jogo! É o único instinto de perdição que ainda desencadeia tempestades nos nervos da humanidade. O Osvaldinho é tal qual o outro, o Chinês, a minha última observação.

— O Chinês?

Belfort soprou o fumo da cigarrilha, sorrindo.

— Imagina que vai para um ano fui apresen­tado a um rapaz chamado Praxedes, filho de uma chinesa e de um negociante português em Macau. O homem falava inglês, estava no comércio, e vinha de Xangai, com um carregamento de pote­rias e bronzes por contrabando, para vender. Simpatizei com ele. Era imberbe, ativo, paciente, dizia a cada instante frases amáveis, e casara com uma interessante rapariga, a Clotilde — Clô para os íntimos. Conversou da China, dos boxers, confessou o contrabando e levou-me a vê-lo. Que vida feliz a daquele casal!

O Praxedes saía pela manhã, trabalhava, voltava para o jantar, e não se largava mais de junto da Clô. Não tinha um vício, nunca tivera um vício, era um chinês espantoso, sem dragões e sem vícios! Estudei-o, analisei-o. Nada. Legisla­tivamente moral.

Uma noite em que o convidara para jantar, jogamos. Adivinharia alguém que cratera esperava o momento de rebentar nessa alma tranquila? A senhora, a Clotilde, cantava no meu piano, com voz triste, a ária do suicídio da detestável Gioconda. Eu estava receoso que depois surgissem variações sobre o bailado das Horas. Disse-lhe despreocu­pado 

— “ Quer jogar?” 

— “ Não sei”. 

“É sempre agradável ensinar mesmo o vício”. 

— “ Então en­sine”. 

Pegou das cartas, olhou-as indiferente, mas as minhas palavras ouvia-as desvanecedoramente. Jogamos a primeira partida. Os seus olhos come­çaram a luzir. Jogamos outra. 

— “ Mas isso assim sem dinheiro? Ponhamos dois tostões ”. 

— “ Pois seja ”. 

Perdi. 

“ Redobra-se a parada?” 

— “Oito tostões?” 

— “ Sim”. 

— “ Pois seja” 

À meia noite jogávamos a dez mil réis, e Clotilde, muito cansada, já sem cantar, fazia inúteis esforços para o arrancar à mesa.

Deitei-me sem conclusões, e só no dia seguinte, quando o chinês enleado apareceu pedindo outra partida, é que compreendi o assombro. A paixão estalara, — a paixão voraz, que corrói, escorcha, rebenta... Invejei-o, e, como homem delicado, jo­guei e perdi No outro dia, Praxedes voltou. Levei-o ao clube, à roleta, donde saiu a ganhar pela madru­gada.

Ah! meu caro, que cena! que fina emoção! O jogo, quando empolga, domina e envolve o homem, é o mais belo vício da vida, é o enlouquecedor espetáculo de uma catástrofe sempre iminente, de um abismo em vertigem. O Chinês era patético. Com os dedos trêmulos, assoando-se de vez em quando, os olhos embaciados, quase vítreos, o Pra­xedes rouquejava num estertor silvante que parecia agarrar-se desesperadamente à bola: 27, 15, 2ª dúzia! 27, 15, 2ª dúzia! E a bola corria, e a alma do pobre esfacelava-se na corrida, esforçando-se, puxando-a para o numero desejado, num esforço que o tornava roxo...

Jantei no clube só para não perder algumas horas o interesse desse espetáculo. Também durante três dias e três noites Praxedes não deixou a roleta. Estava pálido, fraco. A gente do clube, vendo-o ganhar, ganhar mesmo uma fortuna, já o tratava de dom Praxedes. Ao cabo de uma semana, entre­tanto, a chance desandou. Praxedes começou a perder bruscamente com gestos de alucinado, espalhando as fichas como quem arranca pedaços da própria carne.

— “Calma, meu caro, dizia-lhe eu “. — “ Impossível! impossível!”, murmurava ele.

Pediu-me dinheiro, dei-o, pediu a outros, deram-­lho. Pediu mais — deixou de ser o dom Praxedes, recebeu recusas brutais. Acabou não voltando mais ao clube. Eu, porém, sentia-o em outros antros, definitivamente preso à sua cruz de horror, à cruz que cada homem tem de carregar na vida...

Certa noite, meses depois, encontrei-o numa batota da rua da Ajuda, com o fato enrugado e a gravata de lado. Correu para mim.

“Foi Deus que o trouxe. Estou farto de peruar. Isto de mirone[1] não me serve. Empreste-me cinquenta mil réis para arrumar tudo no 00. Ah ! está dando hoje escandalo­samente. Faremos uma vaca[16]? Vai dar pela certa.”

Agarrou a nota como um desesperado, precipi­tou-se na roda que cercava o tableau da direita: 

“Tenho aqui cinquentão; esperem!” 

E caiu por cima dos outros, com o braço esticado.

O duble-zero falhou. Ele voltou cínico: 

“ É preciso insistir; deixe ver mais algum. Não dá? Olhe, escute aqui, hipoteco-lhe uma mobília de quarto, serve? ”

Compreendi então a descabida vertigem da­quela queda. Tive pena. Arrastei-o quase à força para a rua, fi-lo contar-me a vida. Estava desem­pregado, abandonara o emprego, vendera o mobiliário, as jóias da Clô, os vestidos, as roupas, mu­dara-se para uma casa menor e alugara a sala da frente. A cábula [2], a má sorte, a guigne perseguiam-no, e, pendido ao meu braço o miserável soluçava: “

 — Havemos de melhorar, empreste-me algum. estou sem níquel !”

Deixei-o sem níquel, mas fui ao outro dia ver a Clotilde, uma flor de beleza, com os olhos verme­lhos de chorar e as roupas já estragadas. Ia sair, arranjar dinheiro... 

— “ E seu marido? ” 

— “ Meu marido está perdido. Anda por aí a jogar. Há dois dias não o vejo; hoje não comi...”

 — “ Aban­done-o! ” 

— “ Abandona-lo eu? E a sociedade, e ele? Que seria dele? ”

 — “ Ora, ele! ” 

— “Ele ama-me, ama-me como dantes. Mas que quer? Veio-lhe a desgraça. Às vezes brigo, mas ele diz­-me: Ai ! Clô, que hei de fazer? É uma força, uma força que me puxa os músculos. Parece que desen­rolaram uma bola de aço dentro de mim, tenho de jogar. E cai em prantos, por aí, tão triste, tão triste que até lhe vou arranjar dinheiro, que saio a pedir...”

É espantoso, pois não? O homem tinha uma bola de aço e a fidelidade da mulher! Só esses seres especiais conseguem coisas tão difíceis!

Um instante o barão calou-se. O coupé rolava pela praia, e a noite, caindo, desdobrava por sobre o mar a talagarça [3] fuliginosa das primeiras sombras.

Respeitei a Clotilde, por sistema, já assustado com as proporções emocionais do marido. Ao outro dia, porém, Praxedes. com sorrisinhos equívocos na face escaveirada: 

“ Esteve com a Clô, hein? Con­servada apesar da desgraça, a minha mulherzinha, pois não?...” 

Recuei assombrado. Aquele homem bom, digno no fundo, aquele homem que amava a mulher, para arranjar dinheiro .com que satisfazer as cartas e a roleta, mercadejava-a aberta, cínica, despejadamente. 

— “Que queres tu? inda­guei áspero, tem vergonha, vai, some-te! ”

— “Eu hipoteco uma mobília. Só quinhentos, só quinhentos!”

Era a alucinação. Corri-o, e esperei ansioso como quem espera o final de uma tragédia, porque tinha a certeza do paroxismo daquele vício. Afinal há de haver seis meses, antes do meu encontro com o Osvaldo, li, na cama, às 3 da manhã, este bilhete desesperado 
“Venha. Praxedes matou-se. Estou sem ninguém. Acuda-me. — Clô”.

Ai ! menino, não sei o que senti. A minha vontade era ver, era saber, era acabar logo. Precipitei-me. Quando cheguei, às voltas com a polícia que queria levar o corpo para o Necrotério, Clotilde, desgre­nhada, com os lábios em sangue, caiu nos meus braços. 

— “ Então, como foi isso? ” 

— “ Sei lá como foi! Tinha que ser! A desgraça! Estava doido. Hipotecou a mobília, os juros eram semanais. Não arranjei dinheiro e o judeu levou-a. Dormi no chão. Ontem não apareceu. Hoje estava eu a dormir quando o senti que caminhava. Risquei o fósforo. Era ele, lívido, embrulhando a casaca do casamento. Não sei o que me deu. 

— “ Onde vais?” 

— “Vou ver se arranjo uns cobres, respondeu. Pre­ciso jogar, sinto uma ânsia, não posso mais.” 

— “Estás doido!” 

— Não estou, Clô, não estou, fez ele arregalando os olhos. Eu fui cruel: olha que se ven­des a casaca ficas sem roupa para o enterro. Ele parou. “ Para o enterro? para o meu enterro? É melhor mesmo, é melhor mesmo, eu não posso mais !” 

E, de repente. desesperado, começou a ba­ter com a cabeça pelas paredes. Praxedes ! Praxe­des ! Não faças isso! Praxedes! Gritei, solucei. Qual! Cada vez arrumava o crânio com mais força de encontro às quinas das portas. O som, ah! esse som como me ensandece! Ainda o ouço ! E ele todo em sangue, todo em sangue... Agar­rei-o. Arrastou-me até à janela, voltou-se, deixou-se cair em cheio com a nuca na sacada, esticou o pescoço desesperadamente e rodou... Oh! o horror! salve-me! salve-me!”

Abri o grupo dos agentes, fui ver Praxedes. Estava cor de cera, com a cabeça fendida e os lábios coagulados de sangue roxo. E o olhar vítreo, a mão recurva, assim, sob a luz da madrugada, pareciam seguir ainda e acompanhar o mal a que o impelira a sua bola de aço.

Esse recorde de emoção desesperada prostrou-me. Nunca vi sentir tão vertiginosamente.

O carro parara. O barão saltou, subiu de vagar as escadas de mármore, enquanto no interior do palacete retiniam campainhas elétricas.

— Preciso sentir vendo os outros sentir, fez mirando-se no alto espelho do vestiário. Só assim tenho emoções. Garanto-te que o Osvaldo acaba como o chinês de Macau, mas por outro meio — com a morfina talvez. Só os chineses morrem às cabeçadas por sentir demais !

E fomos jantar tranquilamente na sua mesa florida de cravos e anêmonas brancas.
__________________________
Notas:
[1] Aquele que observa o jogo, sem dele fazer parte.

[2] Má sorte, caiporismo, azar.

[3] Tecido ralo, por sobre o qual se tece um bordado.
 

 Fonte;
João do Rio. Dentro da Noite.