segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Benjunior (Benevides Garcia) Poemas Escolhidos 2


BALADA DA ESPERANÇA
Vivo caminhando
à procura de algo que não vem
enquanto a noite é alta
o silêncio é profundo
o céu sem estrelas
me diz de outro mundo.
Num triste sussurro
o vento aparece
trazendo uma voz,
lamentos e prece...
Baladas sem ritmo, sem nome, atroz
doces cantigas,
palavras antigas
momentos passados,
destinos traçados,
no coração de alguém
sou apenas ninguém
chorando, amando,
solitário esperando
a Solidão que não vai
o Amor que não vem…
__________________________
MADRUGADA

Madrugada
  instante de sonho
    procuras em vão
      silêncio presente
        palavras ausentes
          que não voltarão...

          Madrugada
        sonho que finda
      restos de saudade
    esperas inúteis
  momentos perdidos
de felicidade...

Madrugada
  porto do dia
    estrela cadente
      vento parado
        música distante
          amor ausente…
__________________________
NADA MAIS...

Não importa
o sofrimento que tortura
Não importa
que o céu
é infinito de amargura...
Quero apenas
ficar em paz
sozinho
a colher  
os espinhos
das flores murchas
do meu caminho...
Não importa...
Nada importa nesta vida
agora que o sonho acabou
e apenas é ilusão perdida...
Antes
entre sonhos e acalantos
havia a ternura do amor
Agora
que nada mais resta
pouco importa
a solidão
a dor
pouco importa
tudo...
e nada mais…
__________________________
OUVI ESTRELAS
                      
Ouvi estrelas
na quietude imensa
sussurros outonais apenas
Senti calor
num sol sem luz
Gerei palavras
nas águas de azul
Ouvi estrelas
na prece do vento
Compus um sonho
no sono dolente
Evoquei serenatas
na sinfonia da lua
Ouvi estrelas
no segredo dos desertos
Cantei no silêncio
das flores colhidas
Ouvi estrelas
dizendo baixinho
palavras de amor…
__________________________
PERGUNTAS PLATÔNICAS

Povoam estrelas
seres estranhos
se sonhos alcançam
o Amor sempre ausente
Parequemas só nascem
no encontro das mãos
Perguntas platônicas
nem sei
se bem sei
pois
enquanto perdure
parélios coloridos
respostas nas trevas
habitarão minh'alma
e espera
que o tempo
me faça
pantólogo imortal
da estrutura
do nada!
__________________________
PRECOCES PALAVRAS

Pioneiros que buscam
sussurros de paz
que em cinzas de guerra
contemplam o silêncio
Parti à procura
da palavra
mais pura
enquanto é tempo
no instante pequeno
Acelerai os ânimos
em precoces palavras
Pioneiros do mundo
em busca de paz!
__________________________
PRIMAVERAS PERFUMADAS

Há em mim
desejos sublimes
ofertando-me esperanças...
Tesouros ocultos de felicidade
à espera que o tempo passe...

Há em mim
saudades peregrinas
ressuscitando fantasmas...
Restos de tardes mortas
esquecidas no meu passado...

Há em mim
procuras vacilantes, temerosas
trazendo-me, no silêncio dos meus passos
primaveras perfumadas
enfeitadas pelas flores que não nasceram…

Fonte:

Arthur de Azevedo (Epaminondas)


Conquanto exercesse a profissão de advogado, e como tal fosse muitas vezes coagido a mentir, o Dr. Lacerda abominava mentirosos, e tudo perdoava ao filho, ao Epaminondas, menos falir à verdade; por isso lhe dera o nome do famoso general tebano, que nem brincando mentia.

Releva dizer que, em solteiro, no tempo em que andou de casa e pucarinha com a Esmeralda, que deixou fama nas rodas alegres da vida carioca, o Dr. Lacerda foi mais enganado por essa mulher que Cláudio por Messalina; desse amargo período da sua existência lhe ficou talvez, aquele sentimento de repulsão aliás muito louvável, por tudo quanto não fosse a expressão exata e cristalina da verdade.

Depois que a Esmeralda partiu para a Europa, e serenou a vida do seu amante, gravemente perturbada por aqueles amores infelizes e ridículos, o Dr. Lacerda, desejoso de constituir família encontrou D. Sidônia, uma excelente moça e formosa, de quem se enamorou, e que aceitou satisfeita a sua mão de esposo, porque o amava. Casaram-se.

Eram felizes, mas na sua felicidade havia uma nuvenzinha: a Esmeralda. Com o seu estimável, mas inconvenientíssimo sistema de não encobrir a verdade, fosse qual fosse, o Dr. Lacerda contara lealmente, ainda noivo, todo o seu tempestuoso passado àquela que deveria ser sua esposa.

Imprudência foi, porque D. Sidônia ficou ciumenta desse passado. A Esmeralda ainda vivia; apenas mudara de terra; poderia de um momento para outro aparecer inopinadamente, e perturbar a ventura do amoroso casal. Talvez não estivesse de todo extinta a chama antiga; bastaria, talvez, a presença daquela mulher perigosa para reacendê-la no coração do advogado.

Esses receios não se modificaram profundamente com o nascimento do Epaminondas, nem mesmo com o deslizar do tempo.

Havia já nove anos que viera ao mundo o homônimo do estadista de Tebas, quando um belo dia D. Sidônia soube, pelo próprio marido, que a Esmeralda voltara da Europa, e mais bela, mais atraente que nunca. Era a verdade, a verdade implacável, que ele não podia esconder.

A esposa sobressaltou-se, coitada, - mas o marido tranquilizou-a com estas palavras:

- Não é justo que me tenhas na conta de um homem desprezível. Não sinto por essa mulher senão asco.

- Não, não és, bem sei, um homem desprezível; és, pelo contrário, o modelo dos homens de bem; mas a natureza é fraca, e essa mulher um demônio capaz de transformar o teu caráter!

- Não creias.

- Olha, Lacerda, se eu souber que estiveste com ela... que lhe falaste... eu... nem sei que desatino farei!... Sou capaz de suicidar-me!...

- Cala-te! Não digas tolices!...

- Em todo caso, se te encontrares com esse diabo, se lhe falares, por amor de Deus não me digas nada! Ao menos por esta vez, só por esta vez, encobre-me a verdade!... Podes causar uma desgraça!... Vê como estou nervosa!...

- Isso passa.

Poucos dias depois, seriam três horas da tarde, estava o advogado no seu consultório da rua da Quitanda, em companhia do Epaminondas, que viera ter com o pai a fim de preveni-lo que D. Sidônia, viria buscá-lo para ir com ele ao dentista.

De repente abriu-se a porta do consultório, e a Esmeralda entrou como um raio.

- Ah! Lacerda, meu Lacerda, em fim te encontro!...

E, sem fazer caso do menino, a turbulenta cocote (meretriz) abraçou com veemência e beijou repetidas vezes o seu ex-amante, que em vão forcejava por se ver livre daquela intempestiva e escandalosa expansão.

- Deixe-me, senhora! Que é isto? Olhe o pequeno! É meu filho!

Mas qual! A Esmeralda, chorando e rindo ao mesmo tempo, continuava a abraçá-lo e beijá-lo cada vez com mais efusão, e o Epaminondas, atônito, pasmado, arregalava os olhos, sem se atrever a erguer-se da cadeira em que estava sentado.

Nisto, o Dr. Lacerda ouviu um frufru de saias na escada, e reconheceu os passos de sua mulher, que subia.

O pobre diabo soltou um grito de terror e, com um gesto enérgico e brutal, afastou de si a inconsequente Esmeralda.

- É minha mulher! Esconda-se!...

A cocote compreendeu tudo, e, sem dizer palavra, meteu-se numa alcova cuja porta o advogado fechou.

Todos esses movimentos se realizaram num abrir e fechar d'olhos.

D. Sidônia entrou no consultório, e, vendo o marido com o colarinho um pouco amarrotado e o laço da gravata desfeito, e o Epaminondas muito espantado, passou a vista de um para outro, e perguntou:

- Que foi?... Que se passou?... Com quem falavas tu?... Quem estava aqui?...

- Ninguém... nada... bem vês, - balbuciou o Dr. Lacerda.

Houve uma pausa.

O consultório estava impregnado do perfume da Esmeralda, um perfume indiscreto e capitoso que a anunciava de longe; felizmente, porém, D. Sidônia achava-se naquele dia atacada por um defluxo providencial, que lhe tirava completamente o olfato.

Ela voltou-se para o filho:

- Epaminondas, teu pai ensinou-te a não mentir em nenhuma circunstância da vida: dize-me a verdade: quem estava aqui?

- Uma senhora?

- Que senhora?

- Não a conheço.

- Que fez ela?

- Entrou como uma doida, e deu muitos beijos e muitos abraços em papai!

D. Sidônia fulminou com um olhar terrível o Dr. Lacerda, que, para disfarçar, atava de novo a gravata.

- Que senhora é essa? - interrogou ela com os lábios trêmulos.

O Epaminondas respondeu pelo pai:

- Uma senhora muito bonita, muito bem vestida, com um chapéu muito grande!

- Onde está essa mulher?

- Papai disse-lhe que se escondesse, e ela escondeu-se...

- Onde?

- Naquele quarto.

D. Sidônia empurrou com o pé a porta da alcova, mas não encontrou ninguém lá dentro: a Esmeralda, praça velha que não se apertava nas ocasiões difíceis, abrira outra porta, comunicando com o corredor, e conseguira descer rapidamente a escada e sair para a rua sem fazer o menor ruído.

Vendo a situação bem encaminhada, o Dr. Lacerda recobrou o sangue-frio, e, enquanto D. Sidônia revistava a alcova, disse baixinho ao filho:

- Epaminondas, é preciso mentir; senão, tua mãe mata-se!

E quando D. Sidônia voltou da alcova, recebeu-a com uma gargalhada:

- Ah! Ah! Ah! Ah!...

- Que quer isso dizer? - perguntou ela.

- Quer dizer que caíste como um patinho!

- Hem?

- Isto foi uma comédia arranjada por mim, com o auxílio do Epaminondas. Fui eu que lhe ensinei aquela história de moça bonita, de chapéu grande!

- Mas... para quê?

- Como disseste que te suicidaria se eu falasse à Esmeralda, queria ver o que farias! Mas tenho pena de te ver aflita, e não espero pelo resultado da pilhéria...

- Isso é verdade, Epaminondas?

- É mamãe, - respondeu o pequeno com um tom de convicção de quem jamais fizera outra coisa, senão mentir.

- E este colarinho amarrotado?... E esta gravata?

- Foi de propósito, minha tola, para dar um quê de verossimilhança à coisa.

- Achas então que sou tola? - disse D. Sidônia sorrindo e sentando-se tranquilamente. - Tolo és tu!

- Porquê?

- Não te lembras de que não me poderia entrar na cabeça que estivesse aos beijos com essa mulher em presença do Epaminondas!

- É verdade! Que queres? Para mim, bem sabes, não há nada mais difícil do que inventar uma peta. Vamos ao dentista!

Dali por diante, o Epaminondas começou a mentir por quantas juntas tinha.

Fonte:
Arthur de Azevedo. Contos vários.

Revista Florilégio de Trovas (n. 34 – dezembro)


Lançado o último número do ano da Revista Florilégio de Trovas.

Em suas 20 páginas:
 
Trovas do Brasil e Portugal,
 
Trovas com o tema: Respeito,
 
Trovadora Destaque: Leonilda Yvonneti Spina, de Londrina/PR,
 
Mini-biografia atualizada de José Feldman.

Faça o download em pdf, no link:
https://drive.google.com/open?id=1zvyLoSrk27KG0p_cvThDtaEdKsYZNYwH


O tema para a revista de fevereiro é: Fantasia/,
enviar a/s trova/s para revistaflorilegiodetrovas@gmail.com

domingo, 8 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 136


Nilsa Alves de Melo (Natal em Trovas)


A prévia do paraíso
terás, com muita emoção,
num "Bom Natal", efusivo,
com anos de duração!

Deixem que os outros insistam,
comam, acendam mil luzes,
cheios de brilho se vistam
sem lamentar suas cruzes.

É como um Natal de sonho,
de luzes, de animação,
felicidade que exponho
com minha alma e coração.

És luminoso cristal,
Maringá, belo torrão
onde em noite de Natal
soa a paz no coração.

Natal é festa propícia
para que demos as mãos,
e conservando a delícia
de sermos todos irmãos.

Ser bom, mas só no Natal,
é coisa muito sem graça!
Que do começo ao final
do ano: - Todo o bem se faça.

Um Natal cheio de luz
só tem sentido se atesta
que o nosso Mestre, Jesus,
é a estrela maior da festa!

Fonte:
Nilsa Alves de Melo. Temas, versos e trovas. Maringá/PR: Massoni, 2018.
Livro entregue pela trovadora.

Isabel Furini (Ele não me ama)


Não fui convidada, mas estou aqui, observando-o.

Ele vai até a janela, apoia-se no parapeito e olha para fora. Os ruídos dos motores dos carros e ônibus que trafegam pela Alameda Cabral invadem a sala (estamos no primeiro andar). A subida força os motores e o ruído é mais intenso. Há também sons incômodos de buzinas. No quarto só ele e eu. Ele continua a olhar pela janela. De repente, levanta o braço esquerdo e acena com sua mão sem a aliança (a mão direita segura o copo). Ele mostra o copo e faz sinal para que o outro suba.

Na calçada, perto do ponto de ônibus, de camisa listrada e barba sem fazer, um amigo está olhando para cima. Solta uma gargalhada e faz um gesto de negação com a mão aberta enquanto grita: Minha namorada me espera...

Ele caminha até a cozinha, abre a porta da geladeira e, com ar de satisfação, enche novamente o copo. Finge que não estou lá perto dele. Esparrama-se na poltrona verde e liga a televisão. Não quer me olhar, continua fingindo que eu não estou do seu lado. Assiste, sem interesse, a uma das tantas séries policiais sem imaginação - programas imbecis, murmura - e eu olho para ele, esperando que desligue a televisão. Mas não, ele muda de canal.

Será que ele sente prazer em me ignorar? Será que gosta de pensar que fui para sempre? Seu tolo! Adeus, falou quando começou o namoro com a loira falsificada que vendia semijoias. Adeus, disse-me novamente quando namorou a enfermeira com excesso de quilos nos quadris e cabelo avermelhado. Adeus, insistiu quando trabalhava no banco e ficava no bar com o grupo de colegas até duas ou três horas da manhã. Adeus, murmurou quando se apaixonou pela psicóloga de olhos azuis. Adeus, sorriu enquanto dava uns amassos numa mulata que conheceu em um baile de carnaval. Adeus, quando namorou a japonesinha meiga da pastelaria da esquina. Adeuses intermináveis. Adeus, falou pela última vez há duas semanas, no balcão, quando começou a namorar a professorinha da escola estadual do bairro. Mas eles brigaram e eu estou aqui outra vez. Mesmo assim ele me ignora, finge que eu não estou. Permanece sentado na poltrona verde. O que ele espera? Ah! Quer me mandar embora! Gosta de fingir, o safado. E não é o único, não! Homens gostam de demonstrar que são populares. Amados pelas mulheres. Vaidade machista. Porém, não adianta me ignorar, eu sou tenaz.

Ele se levanta preguiçosamente, caminha até a geladeira e pega duas latinhas. Bebe e assiste TV. Bebe a segunda. Traga o líquido com mais rapidez. Outra vez se desloca a passos lentos até a geladeira, mais um copo cheio. Muda de canal. Olha o telefone. O telefone não toca. Ah! Ele está esperando uma ligação. É isso. Lentamente se levanta, deixa a latinha sobre a mesa, pega o telefone e liga para alguém... Dá para escutar a secretária eletrônica, mas ele não deixa recado. Finge que eu não estou. Procura outra cervejinha. Seu caminhar é desengonçado (pode ser o efeito da cerveja). Recosta-se no sofá e pega um jornal do chão enquanto muda os canais.

Eu continuo aqui, olhando-o. Por fim, ele não pode mais me ignorar. Desliga a TV e grita: Que droga! A solidão é minha única companheira. Ah! Finalmente falou meu nome. Obrigada! Muito obrigada!

Epílogo

Eu sou a única companheira que fica quando todos o abandonam. Eu não sou um vento que passa, como alguns pensam. Eu sou uma vibração que ecoa no instante do nascimento e o acompanhará na jornada, até a morte. Sou uma vibração bem próxima da tristeza e do abandono. Uma vibração baixa que se estende desde os pés até o ventre, os ombros, os braços, os ouvidos e os olhos. Uma vibração que contrai o tórax e faz descer a cabeça. E não importa se você tem cargos, títulos, honrarias. Eu enfraqueço os homens. Torno-os crianças desamparadas. Nem tentem fugir de mim, porque eu sou persistente. Na rua, na cama, diante do computador, ao fechar o livro, ao sair do cinema, ao dirigir o carro, em algum lugar você vai pronunciar meu nome. Vai, sim... Em algum momento você vai dizer: Solidão!

Fonte:
Literatura de Isabel Furini

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) III


SÓ SE CHORA POR QUEM PARTE
Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas", p. 20
 

Choremos por quem parte sem voltar
A ser presença viva à nossa mesa
E desse imenso reino da tristeza
Desça à terra num raio de luar.

Ausente, para sempre, em nosso olhar
Terá em nosso peito a fortaleza
Que guarda a delicada vela acesa
Da memória que brilha em seu altar.

De saudade será a sua imagem
Que se esvai como um barco na viagem
No denso nevoeiro, rumo ao norte.

Só quando a sua face tão inteira
Não nos assomar, sem que a gente queira
Só então foi levada pela morte.

DORMIRÁ NAS BERMAS DAS ESTRADAS
Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas" p. 42

Dormirá pelas bermas das estradas
O sonho a que ninguém abrir o peito
Definhando ao pó sujo e tão desfeito
Onde passam pessoas apressadas.

Bastavam três palavras conversadas
Num olhar de amizade e de respeito
Pão e sopa na mesa e morno leito
Para o salvar de tão frias facadas.

Um sonho é uma riqueza sem dinheiro
Um impulso tão forte e tão inteiro
Que a vida se converte em "quero e posso!"

Num mundo tão ingrato e tão padrasto
Por vezes, quando tudo já foi gasto
O sonho é o sumo bem que ainda é nosso.

E OS TEUS OLHOS FICARAM MAIS DISTANTES
Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas", p. 97

E os teus olhos ficaram mais distantes
Quando na luz da tarde se perdeu
O aceno da partida que doeu
Como nunca me tinha ferido antes.

Fiquei parado, ali, por uns instantes
Naufragando no mar que, então, desceu
Do meu olhar que a noite ao mundo deu
Habitada por gritos suplicantes.

Tu partiste e eu fiquei de mim ausente
O tempo corre e apenas sei que sinto
Que na terra já nada mais me importa,

Errante vou seguindo inconsciente
Perdido nos sopés de um labirinto
Como se em mim já fosse a vida morta.

QUE NEM UM RASTO FIQUE NO CAMINHO
Manuel Lima Monteiro Andrade in "Mãos abertas" p. 122

Que nem rasto fique no caminho
Por onde me perdi, errando os passos
E os meus pés possam ter deixado traços
Quando avançavam sós e em desalinho.

Por mim acompanhado andei sozinho
Com glória diminuta e bens escassos
Cingi os grandes nadas com meus braços
Plantei agrura e quis colher carinho.

Em vão tentei encher meu ser de bem
Degustar o melhor que a vida tem
Mas o meu peito a graça não achou.

Fugaz e pouca foi a rainha vida
Uma estrela cadente que, perdida
Riscou o céu e logo se esfumou...

ANTE A VERDADE PURA E SEM DISFARCE
Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés", p. 192

Ante a verdade pura e sem disfarce
Dos teus olhos interrogando os meus
O coração, nesse instante do adeus
Não logrou fazer mais do que entregar-se.

E vieram as lágrimas juntar-se
Nascidas dos meus olhos tão ateus
Ao enlace dos meus braços pigmeus
Onde o teu colo em dor veio aninhar-se.

O amor falou mais alto nessa hora
Em que tu desististe de ir embora
E voltaste a aquecer a nossa cama.

A lua deu lugar à luz do dia
Das trevas despontou uma alegria
E das cinzas nasceu uma outra chama.

E EU FUI TALVEZ FELIZ SEM O SABER
Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés", p. 193

Eu fui talvez feliz sem o saber
Quando a felicidade eu procurava
E, cego, via em tudo o que encontrava
A negação do bem e do prazer.

Nessa busca ansiosa pelo ter
A minha energia dissipava
E impotente e incapaz não enxergava
Que o principal da vida é sempre o ser.

O Tempo deu-me a doce regalia
De ver agora claro o que eu não via
Que é quase sempre em vão o que sofremos.

Depois de uma procura tão a sós
Sei que a felicidade mora em nós
Se amarmos o que somos e o que temos.

DOS GESTOS COM QUE AMOR SE MANIFESTE
Maria Amélia de Carvalho e Almeida in "Ao Sabor das Marés" p. 206

Dos gestos com que Amor se manifeste
De todos o sorriso é tão primeiro
Que sendo puro, aberto e verdadeiro
Parece a luz que vem do azul celeste.

Se de um sorriso o olhar se enfeita e veste
O nosso coração bate ligeiro
Parece o peito ser quente braseiro
E de rubor o rosto se reveste.

Quando o sorriso nasce nada é feio
E as almas ficam presas nesse enleio
Que tanta coisa diz sem dizer nada.

Ficam palavras presas na garganta
E aquela que de todas mais encanta
É no fundo da alma que é guardada.

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

sábado, 7 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 135


Alcântara Machado (O Aventureiro Ulisses)


(Ulisses Serapião Rodrigues)

Ainda tinha duzentos réis. E como eram sua única fortuna meteu a mão no bolso e segurou a moeda. Ficou com ela na mão fechada.

Nesse instante estava na Avenida Celso Garcia. E sentia no peito todo o frio da manhã.

Duzentão. Quer dizer: dois sorvetes de casquinha. Pouco.

Ah! muito sofre quem padece. Muito sofre quem padece? É uma canção de Sorocaba. Não. Não é. Então que é? Mui-to so-fre quem pa-de-ce. Alguém diz ia isto sempre. Etelvina? Seu Cosme? Com certeza Etelvina que vivia amando toda a gente. Até ele. Sujeitinha impossível. Só vendo o jeito de olhar dela.

Bobagens. O melhor é ir andando.

Foi.

Pé no chão é bom só na roça. Na cidade é uma porcaria. Toda a gente estranha. É verdade. Agora é que ele reparava direito: ninguém andava descalço. Sentiu um mal-estar horrível. As mãos a gente ainda escondia nos bolsos. Mas os pés? Coisa horrorosa. Desafogou a cintura. Puxou as calças para baixo. Encolheu os artelhos. Deu dez passos assim. Pipocas. Não dava jeito mesmo. Pipocas. A gente da cidade que vá bugiar no inferno. Ajustou a cintura. Levantou as calças acima dos tornozelos. Acintosamente. E muito vermelho foi jogando os pés na calçada. Andando duro como se estivesse calçado.

- Estado! Comércio! A Folha! Sem querer procurou o vendedor. Olhou de um lado. Olhou de outro.

- Fanfulla! A Folha!

Virou-se.

- Estado! Comércio!

Olhou para cima. Olhou longe. Olhou perto.

Diacho. Parece impossível.

- São Paulo-Jornal!

Quase derrubou o homem na esquina. O italiano perguntou logo:

- Qual é?

Atrapalhou-se todo:

- Eu não sei não senhor.

- Então leva O Estado!

Pegou o jornal. Ficou com ele na mão feito bobo.

- Duzentos!

Quase chorou. O homem arrancou-lhe a moeda dos dedos que tremiam. E ele continuou a andar. Com o jornal debaixo do braço. Mas sua vontade era voltar, chamar o homem, devolver o jornal, readquirir o duzentão. Mas não podia. Por que não podia? Não sabia. Continuou andando. Mas sua vontade era voltar. Mas não podia. Não podia. Não podia. Continuou andando.

Que remédio senão se conformar? Não tomava sorvete. Dois sorvetes. Dois. Mas tinha O Estado.

O Estado de São Paulo. Pois é. O jornal ficava com ele. Mas para quê, meu Espírito Santo? Engoliu um soluço e sentiu vergonha.

Nesse instante já estava em frente do Instituto Disciplinar.

Abaixou-se. Catou uma pedra. Pá! Na árvore. Bem no meio do tronco. Catou outra. Pá! No cachorro. Bem no meio da barriga. Direção assim nem a do Cabo Zulmiro. Ficou muito, mas muito contente consigo mesmo. Cabra bom. E isso não era nada. Há dois anos na Fazenda Sinhá-Moça depois de cinco pedradas certeiras o doutor delegado (o que bebia, coitado) lhe disse: Desse jeito você poderá fazer bonito até no estrangeiro!

Êta topada. A gente vai assim pensando em coisas e nem repara onde mete o pé. É topada na certa. Eh! Eh! Topada certeira também. Puxa. Tudo certeiro.

Agora não é nada mau descansar aqui à sombra do muro.

O automóvel passou com poeira atrás. Diabo. Pegou num pauzinho e desenhou um quadrado no chão vermelho. Depois escreveu dentro do quadrado em diagonal: SAUDADE - 1927. Desmanchou tudo com o pé. Traçou um círculo. Dentro do círculo outro menor. Mais outro. Outro. Ainda outro bem pequenino. Ainda outro: um pontinho só. Não achou mais jeito. Ficou pensando, pensando, pensando. Com a ponta do cavaco furando o pontinho. Deu um risco nervoso cortando os círculos e escreveu fora deles sem levantar a ponta: FIM. Só que escreveu com n. E afundou numa tristeza sem conta.

Cinco minutos banzados.

E abriu o jornal. Pulou de coluna em coluna. Até os olhos da Pola Negri nos anúncios de cinema. Boniteza de olhos. Com o fura-bolos rasgou a boca, rasgou a testa. Ficaram só os olhos. Deu um soco: não ficou nada. Jogou o jornal. Ergueu-o novamente. Abriu na quarta página. E leu logo de cara: ULISSES SERAPIÃO RODRIGUES: No dia 13 do corrente desapareceu do Sítio Capivara, município de Sorocaba, um rapaz de nome Ulisses Serapião Rodrigues tomando rumo ignorado. Tem 22 anos, é baixo, moreno carregado e magro. Pode ser reconhecido facilmente por uma cicatriz que tem no queixo em forma de estrela. Na ocasião de seu desaparecimento estava descalço, sem colarinho e vestia um terno de brim azul-pavão. Quem souber do seu paradeiro tenha a bondade de escrever para a Caixa Postal 170 naquela cidade que será bem gratificado.

Coisas assim a gente lê duas vezes. Leu. Depois arrancou a notícia do jornal. E foi picando, picando, picando até não poder mais. O vento correu com os pedacinhos.

Então ele levou a mão no queixo. Esfregou. Esfregou bastante. Levantou-se. Foi andando devagarzinho. Viu um sujeito a cinquenta metros. Começou a tremer. O sujeito veio vindo. Sempre na sua direção. Quis assobiar. Não pôde. Nunca se viu ninguém assobiar de mão no queixo. O sujeito estava pertinho já. Pensou: Quando ele for se chegando eu cuspo de lado e pronto. Começou a preparar a saliva. Mas cuspir é ofensa. Engoliu a saliva. O sujeito passou com o dedo no nariz. Arre. Tirou a mão do queixo. Endireitou o corpo. Apressou o passo. Foi ficando mais calmo. Até corajoso.

Parou bem juntinho dos Operários da Light.

O mulato segurava no pedaço de ferro. O estoniano descia o malho: pan! pan! pan! E o ferro ia afundando no dormente. Nem o mulato nem o estoniano levantaram os olhos. Ele ficou ali guardando as pancadas nos ouvidos.

O mulato cuspiu o cigarro e começou:

Mulher, a Penha está aí,
Eu lá não posso...

Que é que deu nele de repente?

- Seu moço! Seu moço!

A canção parou.

- Faz favor de dizer onde é que fica a Penha?

O mulato levantou a mão:

- Siga os trilhos do bonde!

Então ele deu um puxão nos músculos. E seguiu firme com os olhos bem abertos e a mão no peito apertando os bentinhos.

Fonte:
Alcântara Machado. Brás, Bexiga e Barra Funda.

Álvaro Posselt (Tercetos e Quartetos)


Boneca de cera
No quartinho de bonecas
todas outras choram
você foi eleita miss!
__________________________
Busca

Encontrá-las eu preciso
Ajudar-me acho que topas
Sei que foi no paraíso
que o diabo perdeu as botas
__________________________
Coração quebrado
Relógio à prova d'água
passa o tempo
só não passa a mágoa
__________________________
Escrever

Escrever é uma gestação
O poema pode nascer
em nove meses, nove dias ou nove segundos
__________________________
Espelho

Você diz que sou pentelho
que com setenta eu estou
ou nunca se olhou no espelho
ou do espelho duvidou!
__________________________
Fofoca

Boato gera falatório
vira fofoca e assunto
pois se fosse num velório
acordaria até o defunto!
__________________________
Fora de casa

Dentro do congelador
Quer viver à sua maneira
Em cima passa até calor
O pinguim de geladeira
__________________________
O médico e o monstro
Sou do sol e sou da lua
As mudanças me consomem
Sou do campo e sou da rua
Meio santo e lobisomem
__________________________
Oração de um baladeiro

Ai, meu São Jorge
que o dragão daquela noite
não cruze mais meu caminho!
__________________________
Sintoma

A toda hora com furor
No meu peito a dor consome
Eu pensava que era amor
Diz o médico que é de fome
__________________________
Transitório

O rio vai embora
para nunca mais voltar.
A nascente chora!
__________________________
Via láctea
Neste mundo meu
sou um planeta habitado
no universo seu!
__________________________
O amor é eterno - Uma história além da vida
Isso é o cúmulo
o defunto só queria ficar
e não levá-la pro túmulo!

Ela queria compromisso sério
Os defuntos se casaram
na cruz do cemitério

Isso que é gostar
o defunto falou pra ela:
Pra sempre eu vou te amar!

Hoje em dia é uma beleza
ela lava os pratos
e ele arruma a mesa!

Precisa ver que bela ceia
tem até flores e vela
em noite de lua cheia!

Reúnem-se às sextas-feiras
Vem caveira de todo lado
e até as macumbeiras!

E assim a vida passou
Seguindo os passos da rotina
tudo se estabilizou

Veio o primeiro filho
Com as contas e as brigas
a relação ficou sem brilho!

Que tremenda desilusão
ela foi embora com o filho
Ele ficou sem chão

O defunto tanto chorou
depois caiu em depressão
e então se suicidou!

No seu reenterro
prometeu com convicção
"Nunca mais cometo esse erro!"

Mas todo defunto tem sentimento
e não demorou muito
para um novo relacionamento!

Conheceu uma moça bela
de olhos esbugalhados
e já meio banguela!

Como sempre se diz
até no mundo dos mortos
a gente só quer ser feliz!

Fonte:
Recanto das Letras

Contos e Lendas do Mundo (Irlanda: O Dedalzinho)

Era uma vez um homem pobre que vivia no fértil vale de Aherlow, junto do lúgubre monte Galtee. Como tinha uma enorme corcova nas costas, dava a impressão de que lhe haviam empurrado o corpo para cima, depositando-o nos ombros. A cabeça estava tão oprimida para baixo pelo peso, que, quando se sentava, costumava apoiar o queixo no joelho. Os habitantes da região tinham medo de se cruzar com ele num lugar solitário, embora o pobre homem fosse tão pacífico e inofensivo como uma criança recém-nascida. Mas a sua deformação era tão pronunciada, que quase não parecia uma criatura humana, pelo que pessoas mal-intencionadas tinham posto a circular histórias estranhas a seu respeito. Dizia-se que possuía profundos conhecimentos das ervas e beberagens, mas, de qualquer modo, não subsistia a menor dúvida de que era muito habilidoso e fabricava chapéus e cestos de palha e vime, angariando assim o seu sustento.

Chamavam-lhe Dedalzinho porque usava sempre no seu pequeno chapéu um ramo de erva-dedal, ou capuchinho-dos-duendes. Em troca dos trabalhos que executava, recebia um cêntimo mais que os outros, pelo que as fantasias a seu respeito decerto se deviam à inveja que suscitava.

Como quer que fosse, certa tarde o Dedalzinho dirigiu-se da cidade de Cahir à de Cappagh e, como a pesada corcova só lhe permitia caminhar muito devagar, quando chegou ao antigo monumento megalítico de Knockgrafton, situado à direita do caminho, já anoitecera. Extenuado, e desencorajado ante a evidência de que ainda lhe faltava muito para percorrer, sentou-se junto dos túmulos para descansar e contemplou, apreensivo, a lua cheia que naquele momento despontava sobre o horizonte.

De súbito, chegou-lhe aos ouvidos uma estranha música subterrânea. Prestou atenção e reconheceu que nunca ouvira nada tão belo — era como o som de muitas vozes unindo-se e misturando-se maravilhosamente entre si, de tal modo que lhe parecia ouvir uma única, apesar de, individualmente, terem sons distintos. A letra do cântico era: «Da Luan, Da Mort, Da Luan, Da Mort, Da Luan, Da Mort.» Seguia-se uma breve pausa e a música era reatada de novo desde o princípio.

O Dedalzinho escutava atentamente e quase não se atrevia a respirar para não perder uma única nota. Deu-se claramente conta de que o canto procedia do túmulo e, embora a princípio lhe proporcionasse um prazer profundo, acabou por se cansar de ouvir repetidamente o mesmo refrão sem qualquer variação. Depois de tomarem a cantar «Da Luan, Da Mort» mais três vezes, aproveitou uma breve pausa, entoou a melodia e fê-la seguir das palavras «Augus Da Cadine!», após o que se uniu às vozes do túmulo e cantou «Da Luan, Da Mort», mas, durante a pausa, acrescentou o seu «Augus Da Cadine».

Ao aperceberem-se da adição ao seu canto espiritual, os pequenos seres do túmulo alegraram-se extraordinariamente e decidiram em seguida trazer para junto deles aquele ser humano cuja destreza musical ultrapassava, de longe, a sua. Assim, o Dedalzinho viu-se levado para baixo com a rapidez de um turbilhão.

Que coisas magníficas viram os olhos da pequena criatura ao descer ao interior do túmulo, flutuando e dando voltas sobre si mesmo, mais leve que uma palha! A encantadora música manteve o ritmo como é devido durante a sua viagem, mas prestaram-lhe maior homenagem, quando o colocaram acima de todos os músicos. Tinha criados ao seu serviço, que satisfaziam tudo o que o seu coração desejava, e deu-se conta de como aqueles pequenos seres o estimavam. Numa palavra, não o teriam tratado melhor se fosse o homem mais importante de todo o país.

Depois, descobriu que sussurravam entre si e tomavam deliberações e, embora lhe agradasse a forma elegante como o faziam, começou a sentir medo. Por fim, um dos pequenos seres aproximou-se e proferiu:

Ai, Dedal, Dedal, Dedal!
Recebe um novo valor!
A tua corcova cair verás
E sentir-te-ás melhor,
E muito contente ficarás!
Ai, Dedal, Dedal, Dedal!

Mal acabaram de pronunciar estas palavras, o Dedalzinho sentiu-se tão leve e feliz que poderia alcançar a Lua de um salto, como a vaca do conto do gato e o violino. Viu com a maior alegria do mundo a corcova deslizar dos ombros para o chão. Em seguida, tentou comprovar se podia levantar a cabeça, mas fê-lo com precaução e prudência, por recear que embatesse nas guarnições daquela enorme sala. Depois, olhou em volta com o maior dos assombros, para se recrear em todas as coisas que cada vez lhe pareciam mais belas. Finalmente, ficou tão cansado de observar aquele esplêndido aposento, que sentiu a cabeça a andar à roda, a vista enevoou-se e mergulhou em sono profundo.

Quando acordou, era completamente de dia. Brilhava o sol, os pássaros cantavam e ele encontrava-se deitado junto da colina dos gigantes, enquanto algumas vacas e ovelhas pastavam pacificamente em redor. Depois de rezar as suas orações, a primeira coisa que o Dedalzinho fez foi levar a mão à corcova, mas não havia nem vestígios dela nas suas costas. Observou-se com orgulho, pois convertera-se num jovem garboso e ágil e, o que não lhe pareceu pouco, viu que vestia roupa nova da cabeça aos pés, o que o levou a depreender que se devia aos espíritos.

Pôs-se então a caminho em direção a Cappagh. Movia-se com tanta elegância e saltava tanto em cada passo, que dir-se-ia que, durante toda a sua vida, não fizera outra coisa. Ninguém que se cruzasse com ele reconhecia o Dedalzinho sem a corcova, pelo que teve muito trabalho a convencer as pessoas de que era realmente ele. E, com efeito, o aspecto também não era o mesmo.

Como se costuma dizer, a história da corcova do Dedalzinho tornou-se conhecida em toda a parte e foi acolhida com girândolas de foguetes. Num raio de muitos quilômetros, toda a gente, nobre ou simples, não falava de outra coisa.

Uma manhã, o Dedalzinho estava sentado à porta de casa, particularmente bem-disposto, quando se aproximou uma mulher idosa, que solicitou:

— Indica-me o caminho para Cappagh.

— Não é necessário, pois isto aqui é Cappagh. Mas de onde vens?

— Da região de Decie, no condado de Waterford, à procura de um homem a quem chamam Dedalzinho e, segundo se diz, as fadas suprimiram uma corcova dos ombros. O filho da minha comadre tem uma que o oprime tanto que acabará por matá-lo. Talvez se livrasse dela, se pudesse empregar um feitiço como o do Dedalzinho. Decerto compreendes agora porque venho de tão longe. Gostava, se for possível, de saber alguma coisa sobre esse feitiço.

O Dedalzinho, que sempre tivera bom coração, contou à velha, com todos os pormenores, o que acontecera: o canto das fadas no interior do túmulo, as quais o haviam aliviado da corcova dos ombros, além de que lhe tinham oferecido vestuário novo da cabeça aos pés.

A velha agradeceu-lhe, profundamente reconhecida e, imersa nos seus pensamentos, regressou a casa, satisfeita e muito feliz. Quando chegou junto da comadre, no condado de Waterford, descreveu-lhe exatamente tudo o que Dedalzinho dissera. A seguir, colocou num carro o corpo corcovado, que toda a sua vida tinha sido pérfido e malicioso, e partiu puxando-o. Tinha um longo caminho a percorrer, mas refletia: "É-me indiferente, desde que ele se livre da corcova." Ao anoitecer, chegou à colina dos gigantes e deixou-o aí deitado.

Hans Madden, assim se chamava o corcunda, não havia ainda muito tempo que se encontrava ali, quando começou a ouvir a música na colina, ainda mais agradável que anteriormente, pois as fadas entoavam a sua canção com a que tinham aprendido com o Dedalzinho — «Da Luan, Da Mort, Da Luan, Da Mort, Da Luan, Da Mort, Augus Da Cadine» -, sem interrupção. Hans, que ansiava por se desfazer da corcova o mais rapidamente possível, não esperou que elas terminassem de cantar, nem que chegasse o momento apropriado para acompanhar a melodia, como o Dedalzinho fizera. Quando havia mais de sete vezes seguidas que a tinham cantado, pôs-se a gritar sem atender ao ritmo, forma ou maneira de lhe ajustar as suas palavras, «Augus Da Dardine, Augus Da Henace», ao mesmo tempo que pensava: "Se uma adição foi boa, duas ainda serão melhores. Se deram ao Dedalzinho um fato novo, a mim talvez deem dois."

Mas, mal acabava de dizer isto, viu-se erguido pelos ares e arrastado com uma força prodigiosa para o interior da colina, onde as fadas, furiosas, gritando e uivando, o rodearam e perguntaram:

— Quem profanou o nosso canto? Quem profanou o nosso canto?

Uma delas adiantou-se e exprimiu-se assim:

Ah, Hans Madden! Ah, Hans Madden!
Mal, muito mal, entoaste
o que por nós era cantado!
Agora, estás aqui apanhado!
E que foi que ganhaste?
Ser duas vezes corcunda!
Ah, Hans Madden! Ah, Hans Madden!

E vinte das mais fortes arrastaram até ali a corcunda do Dedalzinho e colocaram-na em cima da do infortunado Hans Madden, ficando tão colada como se a tivessem cravado com pregos de doze oitavos do melhor carpinteiro. A seguir, expulsaram-no a pontapés de sua casa.

Na manhã seguinte, quando a mãe dele e a sua comadre chegaram, ao verem aquele desprezível indivíduo estendido junto da colina, meio morto e com uma segunda corcova nas costas, observaram-no com curiosidade e encheram-se de medo de também ficarem assim. Levaram-no para casa, profundamente aflitas, fazendo pena ver duas velhas tão angustiadas. Pouco depois, esgotado pelo peso da segunda corcunda e pela longa viagem, Hans morreu, deixando atrás de si uma grave maldição para todo aquele que quisesse escutar o canto das fadas.

Fonte:
Contos Tradicionais da Irlanda

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 134


Isabel Furini (Escravidão)

Fonte: Facebook

Rachel de Queiroz (O Caso dos Bem-Te-Vis)

    

Era um casal de bem-te-vis apaixonados. Voavam e pousavam, naquela primeira fase de amor de passarinho; namoro de asa e bico, entre o céu claro e a copa mais alta das árvores, ai, tão parecido com namoro de gente — com a diferença de que gente não pode voar.

Aliás, não seria o namoro desses bem-te-vis passado entre árvores; bem-te-vis urbanos, seu pouso natural são postes e fios elétricos. Esses dois voejavam e curtiam o amor junto à linha-tronco abastecedora da rede aérea da Central do Brasil, a qual serve os trens com 44 mil volts. Era perto de uma subestação, onde os fios de distribuição (em três fases) ficam muito próximos uns dos outros,

Fios juntos, paralelos — haverá poleiro mais lírico para passarinhos em estado de amor? A bem-te-vi donzela pousou no fio à direita, o bem-te-vi mancebo impetuosamente baixou sobre o fio fronteiro. E, naquela confrontação de fio a fio, trocaram o primeiro beijo.

Jamais, na história dos homens e dos bichos, teve um beijo tão tremendas consequências. Porque os inocentes passarinhos, cada um pousado no seu fio condutor de 44 mil volts, naquela rápida carícia de bico a bico, criaram um curto-circuito. Passando pela frágil cadeia dos seus corpos, a terrifica corrente os eletrocutou; mas o curto também atingiu o aparelho automático que desligou a corrente, paralisando instantaneamente todos os trens. O interruptor automático funcionou como um kamikase — conseguiu interromper a corrente, como era da sua obrigação, mas morreu no posto —, quer dizer, incendiou-se. Segundo diz o jornal, “o fogo foi nele mesmo e não chegou a desligar a energia”.

O sacrifício do automático protegeu os transformadores da subestação; assim mesmo houve tanta queima de fios e outros desastres menores que, durante quatro horas, ficou paralisada toda a rede de trens elétricos da Central do Brasil.

Por um beijo de passarinhos, meio milhão de pessoas — que é esse o número de usuários dos trens da Central no período — ficaram durante meio dia sem poder chegar ao trabalho: só o beijo imortal trocado por Helena e o pastor Páris, que desencadeou o lançamento de mil navios e causou a guerra de Troia, pode lhe ser comparado.

E é por fatos assim que a gente verifica a fragilidade da chamada civilização. Como é que dois bem-te-vis — tão pequeninos que os dois juntos não pesarão meio quilo — podem determinar tão gigantesca perturbação na vida da Metrópole, tal confusão e prejuízo a tão imensa quantidade de homens: meio milhão.

Isso acontece para quebrar o orgulho dos técnicos; eles podem muito, mas não podem tudo, e de vez em quando Deus Nosso Senhor suscita um fenômeno — servindo-se das mais pequeninas e frágeis entre as suas criaturas — no caso dois passarinhos — para pôr em xeque a soberba do homem com as suas máquinas.

A gente vê as imensas composições passando, carregadas de gente até do lado de fora, naquele estrépito de trovão que abala as pontes de concreto e aço — e aí vêm dois bem-te-vis — novo Romeu, nova Julieta — e tocam de leve os bicos numa carícia fugitiva — e as dezenas de trens se imobilizam e os automáticos se incendeiam e vai tudo numa confusão de fim de mundo.

Vocês morreram, é certo, pobre casal de bem-te-vis apaixonados; morreram, mas serviram para provar um ponto importantíssimo de filosofia: de que adianta a arrogância dos homens, se um singelo amor de passarinho tem força para reduzi-la a cinza e fumaça?

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Diogo Bernardes (Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa vol. 12) 1


[1]

À borda d’um ribeiro, que corria
Por meio d’um florido, e verde prado,
O triste pastor Délio debruçado
Sobre um tronco de freixo assim dizia:

Ah, Marília cruel, quem te desvia
Esse cuidado teu do meu cuidado?
Quem fez um coração desenganado
Amar coisa que tanto aborrecia?

Que foi daquela fé, que tu me deste?
Que foi daquel' amor que me mostraste?
Como se mudou tudo tão asinha?

Quando tua afeição n’outro puseste,
Como te não lembrou que me juraste
Que não serias nunca senão minha?

[2]

Ando, senhora minha, cá temendo
Se vós em mim cuidais, que cuidareis
Que vos não amo quanto mereceis,
Pois vivo tantos dias não vos vendo:

Ai triste, que da morte me defendo
Com esperar que cedo me vereis
Tal, que logo em mim conhecereis
Que, se vivo sem vós, vivo morrendo.

Faltando este remédio, d’outro modo
A triste vida não se valeria
Contra o mal que lhe ordena a saudade:

Mas quando verei eu, senhora, o dia
Que veja em vossos olhos meu bem todo,
E vós vejais nos meus esta verdade?

[3]

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vo-los dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.

[4]

Marília, que do Céu à terra dada
Foste, por glória sua, e nosso espanto,
Que verso louvará, que novo canto,
Formosura tão nova, e desusada?

Qual serena manhã alva, e rosada
Foi nunca tão formosa, ou qual Sol tanto
O mundo alumiou, Marília, quanto
Teus olhos, onde Amor tem sua morada?

Se estrelas, Lua, Sol sua beleza
Perdem diante ti, que desenganos
De perlas, de rubis, de neve, e rosas!

Enfim em ti juntou a natureza
Quanto reparte em mil, e em mil anos
Com mil, e mil, e todas mui formosas.

[5]

Nas águas du’a fonte um dia olhava
O seu rosto, Marília, doutras cheio,
Entregue a mil suspeitas d’um receio,
Que amor em seus amores lhe ordenava.

Mansas águas (dizia) mal cuidava
Em tão ledo começo, e ledo meio,
Que visse um fim tão triste, e tão alheio
Do bem, que do meu bom ver esperava.

De lágrimas fingidas me deixei
Vencer, triste de mim! não suspeitando
Que fossem deste amor injusto preço:

Agora, que me vou desenganando,
Bem vedes vós em mim, que me tornei
Tal, que vendo-me em vós, não me conheço.

[6]

Horas breves de meu contentamento
Nunca me pareceu, quando vos tinha,
Que vos visse tornadas, tão asinha,
Em tão compridos dias de tormento.

Aquelas torres, que fundei no vento,
O vento as levou já que as sustinha,
Do mal, que me ficou, a culpa é minha,
Que sobre coisas vãs fiz fundamento.

Amor com rosto ledo, e vista branda
Promete quanto dele se deseja,
Tudo possível faz, tudo segura:

Mas des (1) que dentro d’alma reina, e manda,
Como na minha fez, quer que se veja,
Quão fugitivo é, quão pouco dura.

[7]

Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas perdidas,
Tantos suspiros vãos, vãmente dados;

Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de coisas esquecidas
Quereis remediar minhas feridas,
Que amor fez sem remédio, ou os meus fados?

Se não tiveres já experiência
Das sem-razões d’amor, a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência:

Mas pois por vosso mal seus males vistes,
Os quais não curou tempo, nem ausência
Que bem dele esperais, desejos tristes?

[8]

Que doido pensamento é o que sigo,
Após que vão cuidado vou correndo?
Sem ventura de mim, que não me entendo,
Nem o que calo sei, nem sei que digo.

Pelejo com quem trata paz comigo,
De quem guerra me faz não me defendo.
De falsas esperanças que pretendo?
Quem do meu próprio mal me fez amigo?

Porque, se nasci livre, me cativo?
E se o quero ser, por que não quero?
Como me engano mais com desenganos?

Se já desesperei, que mais espero?
E se inda espero mais, porque não vivo
Esperando algum bem em tantos danos?
______________________________
Glossário:
(1) Cíntia – equivalente romano a Diana, era filha de Zeus e Latona, e irmã gêmea do Apolo. Homero refere-se a ela como Ártemis Agrótera, Potnia Theron: "Ártemis das terras selvagens, Senhora dos Animais". Os acadianos acreditavam que Ártemis era filha de Deméter, deusa da agricultura. É deusa da lua, da caça, dos animais selvagens, da região selvagem, do parto e da virgindade e protetora das meninas Ela às vezes era conhecida como Cíntia (Cynthia), a partir de sua cidade natal no monte Cinto. (wikipedia)
(2) Des - o mesmo que desde.

Carlos Drummond de Andrade (Peru)


Na engrenagem metropolitana, as operações mais singelas, desde que fujam à rotina, exigem longa e meditada preparação. Pelo que, desde novembro, o jornal anunciava: “Encomendem seus perus com antecedência à granja Castorina, são maiores e melhores”.

A Dona da Casa julgou de seu dever acudir à advertência, e pegou do telefone, que do outro lado estava sempre em comunicação: a cidade inteira, possuída do espírito da previdência, ou de simples esganação natalina, encomendava peru. Depois de várias tentativas, conseguiu inscrever-se. O peru chegou a seu tempo, nem maior nem menor, nem gordo nem magro, principalmente silencioso, sem o ar ofendido que têm os perus vivos. Chegou, com a fatura que lhe atestava os quilos e os tarifava em meio milhar de cruzeiros. A Dona da Casa respirou: há perus que falham, causando aflições e vergonhas imensas. Gratificou o portador e levou célere para o refrigerador o objeto de seus cuidados.

Aí apareceu a exímia Cesária, de Campo Grande, convocada por sua perícia em lidar com viventes de pluma e crista. Lançou o olhar douto sobre a peça e iniciou os preparativos.

A Dona da Casa, sem menosprezo ao saber de experiências feito de Cesária, sugeriu-lhe que nos pormenores seguisse a receita de Mário de Andrade, colhida de uma francesa e publicada nos Contos novos: deve o peru ter duas farofas, a gorda, com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga; o papo será recheado com a farofa gorda, ameixas-pretas, nozes e um cálice de xerez.

Assim foi feito.

Tinha a Dona da Casa empenho em apresentar um peru distinto, pois comeria à sua mesa o Argentino, muito versado na espécie, e que uma vez a presenteara com um imenso pavo incrustado em gelo seco, que atravessara triunfante o céu de três países e durante um mês alimentara a família e convidados. O de agora era uma ave qualquer, mas o toque literário da receita lhe imprimia o quid desejado.

À ceia, os dois casais se preparavam para a mastigação ritual, e o trinchante ia funcionar, quando um nariz, por hábito, se aproximou da superfície de ouro; deteve-se, intrigado: o cheiro não correspondia à aparência; era peculiar e inoportuno. Convidado a opinar, o Argentino sentenciou:

— Podrido.

Estava. O fenômeno manifestava-se na região posterior. As partes nobres, ainda imunes, exalavam bom odor, mas, dentro, uma luta surda lavrava, semelhante a essas comoções nacionais intestinas que ninguém percebe mas o governo denuncia.

A travessa foi repelida com temor, como se um verme fosse desprender-se dali, para desejar feliz Natal. Houve que reanimar Cesária, isentando-a de culpa: como dissera na televisão o dr. Arruda, médico da prefeitura, cinco mil perus podres, pelo menos, são vendidos para a ceia de Natal. Ninguém percebe a avaria senão depois de assada a ave. Acontece.

Comeu-se o que havia a mais, com bom humor, situações heroicas, remédios heroicos. Contou-se a história do nosso Jacinto de Tormes: na hora de servir, o garçom escorrega, pimba: peru no chão. A hostess, imperturbável, ordena: “Joaquim, leve este peru e traga OUTRO”. Com aquele não se podia fazer o mesmo; era preciso jogá-lo fora.

Aí começa outra história. A copeira informa que não havia onde guardar o peru. O caminhão de lixo não passava há três dias; os depósitos, cheios; o calor noturno aumentava…

O Dono da Casa confabulou com o Argentino e deliberaram remover com urgência la basura. Enrolaram-na em folhas de jornal e, muito dignos, saíram para a noite, com dois pacotes: o nacional com a carne, o outro com a farofa.

Caminharam em busca de um terreno baldio, mas este não havia ou estava ocupado por namorados sem lar. Entreolharam-se:

— El mar!

O mar desatava-se à frente deles, purificador, cúmplice. Diante de Cosme e Damião, antes que estes os interpelassem, foram resmungando: “Comida para os pobres”. Na praia, balanços e escorregadores estavam cheios de moças vindas da missa do galo. Sentaram-se num banco e consideraram a situação com realismo.

— Se jogarmos o peru no mar, pensam que é feto ou macumba, junta gente e nos prendem.

— Y entonces?

Disfarçaram, fazendo deslizar os pacotes para debaixo do banco; e foram saindo de mansinho. Os rádios berravam “noite feliz”.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Varal de Trovas n. 133


Elisa Alderani (Natal Tropical)


Já há tempo moro no Pais tropical,
quando chega Natal, sinto tristeza...
voltam com certeza as lembranças
tão queridas dos tempos passados
na minha tão amada Terra natal...

Estou no meio do caminho...
São quarenta Natais italianos
mais quarenta brasileiros...
Natal tropical já virou costume
neve e gelo parecem esquecidos
mas, para mim, Natal verdadeiro!

Lá precisava aquecer casa,
carro, e todos os lugares...
aqui precisa refrescar...O resultado é igual...
Chega o Natal... Presentes ... Festas...
Árvore decorada. Papai Noel... Shopping...

E o sentido do Santo Natal?
Parece perdido...
Precisa encontrar o Menino Jesus...
Vamos à procura Dele?
A estrela ainda brilha no Céu !
Aquecer o coração com a Sua presença
doando Amor, fraternidade e  perdão!

Fonte:
Poema enviado pela poetisa.
Imagem de fundo do Papai Noel obtida em Amo Frases

Contos e Lendas do Mundo (Nação Tupinambá: Terra, Fogo e Água)


Existem, espalhados por esse mundo, muitos mitos e histórias que falam de grandes cheias que representam uma segunda oportunidade para a humanidade. Este mito dos Tupinambás é uma história que fala da Terra, do fogo e da água.

No tempo em que o planeta era completamente plano, sem a menor colina, vale ou montanha à vista, a terra estendia-se a perder de vista. Não havia mares nem oceanos, apenas o número suficiente de lagos para fornecer a água de que as pessoas necessitavam para beber e as árvores para crescer.

Esse mundo, assim como o seu povo, fora criado e cuidado por alguém chamado Monan, que existia antes do princípio de si mesmo, portanto não tinha começo nem fim. Era, é e será sempre.

Monan tratava os humanos como crianças mimadas e deixava-os fazer o que queriam, desde que o respeitassem como seu criador, assim como à Terra, que fizera para nela viverem.

No começo, tratava-se de uma situação satisfatória. Todos os dias eram dias de descanso e prazer para o seu povo que, no entanto, à medida que o tempo ia passando, se foi tornando ingrato.

- Para que precisamos nós de Monan? - perguntou um, levando um fruto à boca e saboreando a sua doçura pegajosa. - Quem me dera que nos deixasse em paz.

- Temos tudo o que queremos - acrescentou um outro. - Monan não nos serve para nada.

A certa altura, as pessoas começaram a falar mal do seu criador e a criticar o mundo que este fizera para eles.

- Seria melhor que tornasse os dias mais ensolarados - queixou-se um.

- Cá por mim, não eram tão brilhantes - resmungou outro.

- Porque terá o céu este azul tão enfastiante? - lamuriou-se um outro. E o que ainda era pior, houve quem começasse a falar da Terra como se esta tivesse aparecido por acaso... esquecendo-se completamente de Monan.

No início, Monan não ligou importância ao fato. Achava que as ideias disparatadas do seu povo acabariam por passar e que, em breve, todos voltariam a sentir-se gratos como no passado. No entanto, enganava-se.

Monan, preocupado com o rumo seguido por aqueles que criara com tanto carinho, voltou as costas à Terra e aos seus habitantes, deixando-os entregues à vida sem ele. Mas quando o seu comportamento começou a tomar proporções graves, achou que lhe competia pôr termo a tal situação.

Enviou um fogo terrível do céu. Este fogo, chamado Tatá, era tão quente e violento que não só destruiu tudo o que era vivo como também fez com que a Terra se enrugasse e encarquilhasse, dando origem ao que hoje são os montes, vales e montanhas que conhecemos.

Este acontecimento teria representado o fim da humanidade, se Monan não tivesse salvo uma pessoa antes de enviar o fogo. Era-lhe muito penoso destruir todas as suas criações, daí que tenha preservado um homem chamado Irin-Mage.

Irin-Mage olhou para a Terra e viu as chamas subirem cada vez mais alto.

- Quereis que as chamas também destruam o céu e as estrelas? perguntou ao seu criador. - Se não fizerdes nada para as suster, em breve este fogo devastador chegará aqui acima e consumirá o vosso próprio lar!

Monan fez então cair do céu uma chuva abundante como nunca se vira até então nem nunca mais se voltou a ver. A água brotou das alturas em vastas cascatas, extinguindo o fogo de Tatá.

As cinzas do incêndio foram varridas para longe e surgiram então os mares e os oceanos que hoje existem. As águas, ao misturarem-se com as cinzas, tornaram-se salgadas, razão pela qual diferem das dos rios, lagos e ribeiros, alimentados por chuvadas vindas mais tarde.

A Terra, com os seus montes, vales, montanhas, oceanos e mares, parecia até mais bela do que antes.

- Irei pôr-te ali, Irin-Mage - disse Monan. - O teu lugar não é no céu.

- Fico-vos grato - retorquiu o único ser humano que sobrevivera. Além de me salvardes a vida, colocais-me num mundo maravilhoso... apesar de saber que a solidão me será muito pesada por não ter alguém com quem o partilhar.

Monan fitou-o com bondade.

- És um homem bom - disse -, o que me faz feliz por te ter escolhido. Arranjar-te-ei uma esposa com a qual possas partilhar este mundo novo. Tende muitos filhos, pois será de vós que todas as pessoas virão.

Dito isto, Monan colocou Irin-Mage na Terra, juntamente com a sua nova esposa.

O tempo foi passando e Irin-Mage gerou muitos filhos na sua esposa, porém nenhum era tão poderoso como Maira-Monan, assim chamado para homenagear o criador que dera uma segunda oportunidade à humanidade.

Maira-Monan era um feiticeiro poderoso e conhecia todos os segredos da Natureza. Gostava de viver longe de todos; no entanto, partilhava muitos dos seus segredos com os outros, tornando assim mais fácil a vida na Terra. Transmitiu às pessoas o segredo do fogo e ensinou-as a cultivar as suas próprias safras.

Os poderes de Maira-Monan eram, no entanto, muito superiores. Foi ele que transformou os animais em todas as diferentes espécies que hoje conhecemos. Quando Monan colocou os pais de Maira-Monan na Terra, depois do fogo e da cheia, forneceu-lhes muitos tipos diferentes de árvores e plantas; porém, os animais eram todos iguais. Foi Maira-Monan que, servindo-se das suas artes, os tornou diferentes uns dos outros, criando tatus, garças, piranhas, abutres, entre uma miríade de outros. Encheu a terra, a água e o ar de vida.

Algumas pessoas - naquela altura já eram muitas - tinham medo de Maira-Monan.

- Que ele queira criar todos esses tipos diferentes de animais não tem importância - comentou uma mulher. - O pior é se ele decide focar a sua atenção em nós. E se resolve achar que devemos ter uma forma diferente?...

- Ou outra cor, ou tamanho? - concordou o marido.

- E se ele achar que devemos viver no oceano como se fôssemos peixes? Quem é que irá fazer-lhe frente? - perguntou a mulher. É demasiado poderoso.

- Temos de o impedir que o faça! - exclamou o vizinho.

- Sim - entoaram em coro. - Sim!

Finalmente, traçaram um plano e chamaram Maira-Monan a uma aldeia próxima.

- Ficamo-vos gratos por terdes vindo, grande sábio - saudou o chefe da aldeia. - Temos um pedido a fazer-vos, mas antes disso gostaríamos que demonstrásseis os poderes de que tanto temos ouvido falar.

- Se assim o desejais - acedeu Maira-Monan, filho de Irin-Mage, ignorando a armadilha que lhe preparavam e divertido com a ideia de ter de provar o seu poder. - Que quereis que eu faça?

- Apenas que atravesseis três fogueiras que acendemos para esse fim disse o chefe da aldeia.

- Se isso vos der prazer - aquiesceu Maira-Monan, sendo, então, conduzido até à primeira fogueira.

Caminhou lentamente por entre as labaredas, pisando as brasas incandescentes com as solas nuas dos pés como se não fossem mais do que pedrinhas de arestas afiadas. Saiu do outro lado sem a menor chamuscadela.

- Não sei o que isso poderá provar - observou o grande feiticeiro -, mas estou pronto para a segunda fogueira.

Os aldeãos levaram-no então até à segunda fogueira. Esta continha um feitiço com o qual Maira-Monan não contava. Mal entrara no meio da chamas, vacilou e caiu sobre os joelhos, perante as exclamações de quem assistia. Tê-lo-iam realmente derrotado?

As chamas envolveram Maira-Monan, que desapareceu numa explosão de luz brilhante, à qual se seguiu um estrondo tão violento que chegou aos céus.

Aqueles que o tinham enganado fugiram em pânico, aterrorizados com o que tinham feito, sem saberem se haviam de tapar os olhos ou os ouvidos.

No alto, a explosão chegou a um espírito chamado Tupan, que apanhou o feixe de luz cegante e transformou-o em raios. Quanto ao barulhento PUM, fez dele um trovão. Desse dia em diante, Tupan passou a ser o espírito dos trovões e dos raios.

Portanto, sempre que surge uma tempestade acompanhada de raios e trovões, é em memória de Maira-Monan. Também nos faz recordar a maior de todas as borrascas que o mundo já conheceu, quando o Criador inundou a Terra e deu aos humanos uma segunda oportunidade.

Fonte:
Mitos e Lendas Sul Americanas

Jerson Brito (Sonetos Escolhidos)


A LUA POR TESTEMUNHA
(Sonetilho)

De prata, a seta alumia
Paixão e amor transbordantes
Os corpos loucos, arfantes
A dama vê, luzidia

Argêntea luz presencia
Ledice* de dois amantes
Enlevo os faz suspirantes
Imersos em fantasia

Cenário doce qu'enfeita
Assiste, linda e contente
Sorrindo, faceira, espreita

Momento por demais quente
Testemunha, satisfeita
A Lua tão reluzente…
__________________________
*Ledice - qualidade do que é ledo; alegria, contentamento.
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AMOR FUGAZ

Manhã de sol, jardim lindo, vivaz...
Meu pranto rega as rosas sorridentes
porque lembro que tu por mim não sentes
o amor que - não sabia - era fugaz.

Eu molho um beija-flor, aflito assaz,
são lágrimas que caem, insistentes.
Saudade dos teus ósculos ardentes
consome o meu viver cruel, voraz.

As marcas indeléveis dessa história
açoitam o meu peito sofredor
outrora tão feliz, leve, risonho.

Momentos que ficaram na memória
agora só me trazem grande dor,
pois eu ainda os vivo quando sonho.
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GRITOS DA NATUREZA

Gemidos abafados... Desespero!
Motores insensatos... Vai-se a vida!
A nossa natureza consumida
sem dó nem piedade... Destempero!

Florestas que se vão... Quanto exagero!
O verde cada vez é cor sumida.
Assim, a humanidade está perdida!
Se sobra pouca mata, há entrevero.

Não dá para entender o ser humano:
destrói seu ambiente, a sua casa
querendo agigantar seus capitais.

Parece irracional, por tão insano...
Não sabe que, se em volta tudo arrasa,
as cenas que já viu não verá mais.
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NUVEM DOS MEUS ENCANTOS

Oh, nuvem serena de toque macio
Às mãos tão suaves que apalpam maçã
Entrego-me inteiro em total desvario
Sentindo a magia da mais fina lã

O vento te traz em festivo assobio
Eu me refastelo na linda manhã
Aqueço minh'alma, domino meu frio
Tu és dos encantos jeitosa artesã

Eu quero em teus braços fazer meu abrigo
Dos sonhos dourados o doce recanto
Qualquer das veredas que trilhes eu sigo

Afagos gostosos, sem par acalanto
Eu tenho deveras estando contigo
E disso resulta um feliz, alto canto
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O JARDIM DOS SONHOS

Na firme relva dos meus sonhos eu caminho
Por entre cores e perfumes fascinantes
Noto sorrirem meus sentidos radiantes
Embriagados pelo enleio, um nobre vinho

Me cumprimentam joias lindas, odorantes
Vejo bailar no céu cantor longe do ninho
A melodia rara entoa o passarinho
Puro deleite a me tomar, doces instantes

Metamorfoses concluídas, matizadas
Dão mais beleza àquela cena já sublime
Plena de paz e harmonia abençoadas

Torpor, delírio, sei que em vão é tal pedido
Mas vou rogar que o despertar não se aproxime
Chegando, em breve quero estar adormecido
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PEDRA PRECIOSA

Explorador que sou encontro a mina
A reluzir me surge a joia rara
Meu coração, ao contemplar, dispara
Tanta a beleza que seduz, fascina

Tesouros lindos, explosão de brilhos
D'alta pureza a encantar o andante
Me vejo atônito naquele instante
Por um momento abandonei os trilhos

Em regozijo e dessa luz mui pleno
Logrei partir pr'a sideral viagem
Na qual notei o quanto és formosa

Felicidade, em venturoso aceno
Sorriu pra mim por meio dessa imagem
O teu olhar é pedra preciosa
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RETRATO DE UMA PAIXÃO

Meu coração flechado, incandescente
Em brasa, é só paixão, não se consome
Quanto mais queima, mais ele tem fome
Da tua chama forte e mui ardente

Mergulho em rio de fogo... Que Profundo!
Voraz a me sugar por caudaloso
Intenso, sedutor, misterioso
Império da emoção... Oh, lindo mundo!

Das armas do prazer disponho, enfim
Pros braços da loucura eu te arrebato
Pintando a nossa cena de carmim

Desejos se entrelaçam sem recato
Me vejo inteiro em ti... Te sinto em mim!
Guardei dentro do peito esse retrato

Fonte:
Recanto das Letras