sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 354

 

Folhetim Doce Aconchego das Trovas (n. 5 – agosto de 2020)

 

Você pode baixar no link:
https://drive.google.com/file/d/1kKDWnwiaHGQktrwu1S8gu7Ac34TDzbVH/view?usp=sharing

Em suas 48 páginas há 222 trovas, tendo em seu conteúdo:

Panaceia de Trovas,

Trovas premiadas no Equador,

Trovadores homenageados: Elisabete Aguiar (Portugal) e Lairton Trovão de Andrade (Pinhalão/PR),

Lista dos Novos Veteranos até julho de 2020.

Dicas para fazer trovas e

Concursos de trovas com inscrições abertas.

Solicito aos organizadores de concursos que me enviem as trovas premiadas para que possam ser divulgadas no Folhetim.

Sempre lembrando que podem enviar suas colaborações com suas trovas ou mesmo de trovadores de sua região, vivos ou falecidos para gralha1954@gmail.com.

Uma ótima leitura.

abraços fraternos,
José Feldman

A. A. de Assis (Rocamora, Pioneiro do Rádio)


Meados da década de 1960. Chico ia passando de jipe, brecou, abriu a porta, mandou-me entrar: “Vamos até Marialva?”. Não perguntei para quê. Fui. Chegamos a uma torre que ele erguera no ponto mais alto da vizinha cidade. “Sobe?” Subimos. Uma vista fascinante. Diante de nós aquele verde e vasto planalto onde Maringá se destacava como futura metrópole. Chico, um idealista. Um sonhador contagiante.

Seu propósito era a partir dali retransmitir sinais de tevê para a região. Por um aparelhinho portátil ele me mostrou que poderia jogar som e imagem nas casas da população pioneira. Como de fato se deu. Captou, ainda em preto e branco, a TV Coroados de Londrina e garantiu que logo nos traria também sinais de emissoras paulistas. Em pouco tempo o sonho virou realidade. Veio em seguida a TV Tibagi de Apucarana, depois a TV Cultura de Maringá. Mas a história há de sempre se lembrar de que tudo isso começou graças à ousadia e à competência de um gênio chamado Chico.

Francisco Dias Rocamora, nascido em Mococa-SP, cresceu em São José do Rio Pardo. Concluiu o ginásio e ao mesmo tempo um curso de eletrônica por correspondência. Em 1941, com 16 anos, já se sentindo preparado para enfrentar a vida, mudou para São Paulo. Conseguiu logo emprego numa firma importante, especializada em eletrotécnica. Em 1943, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, essa empresa passou a funcionar a serviço das Forças Armadas. Chico foi escalado para trabalhar na fabricação de transmissores. Anonimamente, ganhou status de herói.

Declarada a paz no mundo, Chico Rocamora voltou para Rio Pardo, montou uma oficina e fez-se rádio-amador PY2-AEV. Nesse meio tempo ouviu falar das novas cidades que estavam sendo abertas no norte-noroeste do Paraná e que ofereciam ótimas oportunidades aos profissionais que tivessem qualquer especialidade técnica. Decidiu: “Vou montar uma estação de rádio nessa tal de Maringá”.

Veio para cá em 1950. Maringá estava começando. O jovem Rocamora chegou com a mala cheia de ferramentas e a cabeça cheia de sonhos. De imediato requereu licença para instalar sua emissora de rádio. Aconteceu, porém, que a concessão já havia sido liberada para outro arrojado sonhador, Samuel Silveira. Foi um baque, todavia ele não perdeu o pique. De uma forma ou de outra o projeto seguiria adiante. Os dois logo se conheceram, tornaram-se amigos, juntaram forças.

No dia 15 de junho de 1951, a voz bonita do grande Chico solenemente anunciava: “Senhoras e senhores, esta é a ZYS-23, Rádio Cultura de Maringá, inaugurando as suas atividades”.

Rocamora era o diretor técnico, locutor comercial, locutor esportivo e tudo o mais que fosse necessário. Aos dois fundadores somaram-se mais tarde Joaquim Dutra, Carlos Piovezan e Reginaldo Nunes Ferreira. A Rádio Cultura se expandiu, multiplicou-se, virou Rede Paranaense de Rádio.

Francisco Dias Rocamora morreu em Campinas em 2018, aos 93 anos.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 16-7-2020)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Pedro Du Bois (Poemas Escolhidos) 7


ENGANO

Ser no engano
desengano: a hora do tempo
desmedido dos andares.

Ter estado aqui em outro estado.
Cortar passagem entre o povo
impensável da espera

Saber do fim aproximado e rasgar
em versos o sofrimento acobertado
da esperança: desenganar a imagem
empobrecida das águas turvadas
em cada dia. Adiar a sensação
convincente das emendas
e buscar em frestas o erro
percebido: estar aqui agora
e ainda.
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INVENÇÕES

Invento o tempo das respostas: respondo
todas as perguntas: interpreto no texto
o avesso do poeta: a publicidade escapa
do controle na pergunta e se faz verdade
consumida em tolo dia de respostas

altero o sentido em respostas
amplas de argumentos parcos
                                 restritos
                                aos sofrimentos
                               aflorados
                              à mente

minto as perguntas banais
da sobrevivência e me auxilio
da leitura quando nas respostas
                a invenção consome a hora
                em que devia estar dormindo.
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MINHA VIDA

Minha vida é a travessia
a travessura
o atravessado

(do planalto
à praia pela planície)

geográfico dos sentidos
ao ficar recolhido
nos abraços da amada

- ter ido embora
sem medo
do regresso -

no elementar direito de ser discreto
nas imediações do avesso e direto
em relação ao topo das esperas

o rosto acomodado
no travesseiro e os olhos
fechados em sonhos.
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RESTOS

A limalha de ferro
aparas
a madeira
recortada
em papel

escrevo em grafite
na folha
arrancada à raiz

rasgo a estrada
em pedras cinzeladas.
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RETENÇÃO

A retenção da hora no dia
acabado em capítulo de novela

- a irrealidade dos fatos
consumida no abstrato
espaço negado ao corpo -

a afobação na voz do eremita
diariamente em mesmas coisas

- sobre o dia de hoje: céus
se sucedem em arcos
e a íris dos olhos conflita.
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REVER

Revejo
como colocadas as coisas
entre mesas com pessoas
buscando em garfadas
enfrentar seus pensamentos

rever
ajuda?

rever
prejudica?

rever: como não ser
visto novamente.
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TANTOS

Em tantos estávamos
reunidos: uns aos outros
vazios em ciúmes
não reconhecidos

adultos significantes em sustos
inconcebíveis na idade percorrida
aguentávamos o vento e nas penas
dos pássaros flutuavam pesadelos

estávamos reunidos na imensidão
da casa: na peça principal diante
da mesa decomposta em pratos
e copos derramados. Reviramos
o lixo e não encontramos
a palmatória do mundo
nos gestos de frustrações
e raivas

em tantos estávamos na idade
passada em acovardadas idas
e retornos.
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TENRA


A planta
Fixa
Fixada
Em terra

Tenra vida

Onde o machado
Veneno
Tormenta
Mão
Age em desacordo

A flor
Seca
Entre folhas
Do caderno
Como lembrança.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Isabel Furini (Marketing?)


O vendedor disse que a cliente tem pescoço de cisne, olhos de tigresa, aparência de coelhinha, andar de gazela

Márcio caminhou pelo shopping, e entrou na lojinha que vendia bijuterias finas e peças de prata legítima. Exposição de semijoias distribuídas estrategicamente em vitrines. De um lado, pulseiras; do outro, anéis; ao lado da coluna dourada, os colares.

Um vendedor, de gravata azul, mostrava um colar de prata e semijoia a uma freguesa que gostara do produto, mas achara muito caro.

- O colar ficará lindíssimo na senhora... A senhora tem pescoço de cisne - disse o vendedor.

A mulher sorriu.

Márcio olhava uma gargantilha de prata com cristal quando o vendedor, entusiasmado com o sorriso da cliente, acrescia:

- O colar ficará belíssimo na senhora, a senhora tem olhos verdes de tigresa.

A mulher sorriu e, desta vez, olhou o chão acanhada.

Feliz com o êxito, o vendedor continuou:

- A senhora deveria levar o colar, ficará esplêndido, pois a senhora parece uma coelhinha de revistas masculinas. Ficará esplêndido sim - continuou - e a senhora chamará a atenção, pois tem andar de gazela...

- Vou levar!... - decidiu a mulher.

O vendedor parabenizou-a pela compra e aproximou-se de Márcio.

- Preciso de um presente para minha esposa. Aniversário de casamento...

A compradora saiu da loja sorridente. O vendedor começou a mostrar as semijoias para Márcio. O senhor deve ter bom gosto e apreciar esta gargantilha. A mulher entrava no carro e Márcio não resistiu e falou.

- Não quero elogios... Não acha que o senhor exagerou ao elogiar a moça? Ela nem é tão bonita...

- Elogiar? Exagerar? Não! Não!.. - exclamou o vendedor. - Essa mulher realmente tem pescoço de cisne, olhos de tigresa, aparência de coelhinha, andar de gazela... Ela parece um ornitorrinco!

Fonte:
Olho Vivo

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 353

 

Aparecido Raimundo de Souza (Comédias da Vida na Privada) Parte Nove


A ELEGÂNCIA DO OURIÇO

DONA MARGARIDA, aos oitenta e sete anos completos e bem vividos, foi em espaços idos, a derradeira voz bradativa do grande passado vitorioso em que viveu. Com o avanço dos cabelos brancos e sendo devorada pelos janeiros inexoráveis, deixou de ser a linda e encantadora senhora de outrora, o pedestal sobre o qual constituiu todos os momentos de sua trajetória pontilhada de glórias e triunfos.

Vive, hoje, a pobrezinha, aparafusada aos cuidados desastrosos de uma miséria indigesta, enfurnada numa casinha humilde, contendo apenas um quarto, uma sala cozinha e banheiro simples, sem os benfazejos da modernidade e pior, sem saúde, dinheiro, sem amigos mais chegados, caminhando, vez em quando, em companhia de seu fiel escudeiro, um pau de arrimo dos cafundós do ronca.

Passa seus dias sentada em uma cadeira de balanços doada pela Comunidade. A pedido dela, vizinhos próximos, fazem a gentileza de ora colocarem o assento na varanda, ora na sala. Do alpendre ela espia a rua larga que levanta uma poeira dos diabos, quando passa um carro. Quando na sala, revê retratos anosos, numa tentativa de relembrar seus pares, muitos dos quais se mudaram de mala e cuia para o pequeno cemitério local.

O resto das fotografias, são vultos encanecidos e carcomidos pelos sumiços das efígies, cujos rostos se evaporaram em processos amarelentos em conformidade com os desgastes dos tempos. Seus trezentos e sessenta e cinco dias de cada novo ano que chega, fluem tristes e vazios, descoloridos e de prazeres cada vez mais desfalecidos. A vida desta pobre alma, na verdade, não tem outra saída; outro porque; senão chorar e esperar pacientemente pela hora de ir; de vez; experimentar a mortalha que a acompanhará para a viagem sem regresso à terra dos sepulcros selados.

Cansada de tudo, distante dos familiares, atormentada pelas frialdades que a degradam, divorciada dos filhos e netos, esquecida pelas noras, genros e irmãs, acha que a hora do adeus já deveria ter chegado. “Será que Jesus se esqueceu de mim?”.  De repente, agarra a pensar numa maneira rápida e rasteira de acabar, de vez, com a própria existência. Sem dar na vista, logicamente e para não alardear a atenção dos bisbilhoteiros. Com este pensar meio que macabro, se arrasta numa eternidade pesada, o corpo apertado num vestido comprido de chita esmaecido até o prédio de uma UPA que o prefeito construiu recente no antigo prédio da rodoviária. Quer ser atendida por um clinico geral, por um cardiologista e, de lambuja, por um geriatra.

Custa realizar seus intentos, apesar da ancianidade (os velhinhos não tem vez neste país), a marcar um horário com os médicos pretendidos. Consegue. O derradeiro deles, se faz muito requisitado e a sua agenda praticamente superlotava a cada dia. Finalmente, depois de muitas idas e vindas, quase seis meses diariamente na portaria da UPA, pinta uma brecha com o cardiologista. Ao se avistar, finalmente com o postremo (o último dos três), e falar, ou melhor, de repetir incansavelmente os esboços de suas dores e desprazeres, quase ao cimo da consulta, indaga, como quem não quer nada, qual a posição exata de um órgão importante, que bate desde sempre dentro de seu peito: o coração.

O especialista (aquele dia) de plantão, meigo e carinhoso, que a atende, em atenção ao avançado das rugas e refolhos da paciente, acha por bem examina-la com acuidade e lhe dar a informação pleiteada. O papo descontraído rola por uns vinte minutos (apesar da agenda complicada com pessoas gritando na recepção) e,  em resumo, se sucedeu mais ou menos assim:

- Então, doutor!. O que me trouxe até sua beira e dos outros dois anteriores, foi o seguinte. Como o senhor mesmo me disse, no geral estou ótima. Aguento, ainda, seguir adiante, sem que careça me preocupar com o caixão. Preciso saber, do senhor, pequenos detalhes com relação a determinados pontos fracos do meu corpo....

- Sou todo ouvidos, minha linda. Pode perguntar o que quiser. Como os demais colegas que a atenderam, procurarei fazer o meu melhor.

- Agradeço, doutor a sua paciência e compreensão.

O médico muda um pouco o rumo da prosa:

- Antes de lhe dar os esclarecimentos que deseja, se me permite – diz o doutor, a certa altura -, posso lhe confessar um particular? Sabia que a senhora lembra muito, mas muito mesmo, uma avó minha, que faz uma fileira de anos não vejo?

- É, doutor? – Me fale um pouco dessa pessoa.

- Eu gostava de morar com ela. Foi quem me criou. Esteve comigo o tempo todo, praticamente a minha infância inteira.
 

- Entendo...

- Olhando agora, para a senhora -, imagine, me veio à memória a ternura da voz dela, não sei explicar o motivo. Vi, na senhora, os mesmos olhos calmos que ela possuía, o rosto como se torneado por mãos hábeis, a boca bem feita...

Faz uma pausa, sorri e continua:

- De nascença carregava um acantoma* do lado do nariz. Que loucura! Percebo o vento batendo em seus cabelos, meu avô chegando dos serviços da fazenda e a ajudando a colocar a mesa para o almoço...

- Continue, meu filho...

- A senhora, nestes poucos minutos em que está aqui sentada, me fez surgir, do nada, um amontoado de coisas que trago guardadas dentro de recordações que, por mais que eu queira, ou tente esquecer, não me deixam...

- Doutor, acredite. Fico feliz em saber que, aos oitenta e sete, ainda sirvo para alguma coisa.

- Que é isso, dona Margarida. A senhora é uma mulher e tanto. Eu diria que vale ouro.

Dona Margarida sorri e coloca a sua mão direita sobre as do médico:

- Neste ponto lhe dou completa e inteira razão, meu jovem. Quando moça, aí pela faixa dos dezoito ou vinte, por valer, realmente ouro, acabei dando muito no prego para um mancebo alto e forte. A criatura tinha um bigodinho à Charlie Chaplin. Me encantei com ele. Amor ao primeiro colar de pérolas. Trabalhava na Caixa Econômica Federal. Me comeu, aos poucos, todas as joias de valor.

Ambos se abrem em farta gargalhada a esta tirada quase infantil daquela pobre criatura desgastada pelo furor dos encarquilhos:

- Que bom que a senhora existe, dona Margarida. Ganhei meu dia proseando com a senhora. Mudando as páginas dos nossos assuntos, o que a senhora queria, de fato, saber?

Dona Margarida se pôs séria:

- Doutor, me dissipa uma curiosidade. Vou lhe fazer a mesma pergunta que fiz ao clínico geral e ao geriatra aqui mesmo nesta sala. Hoje, pela minha idade, sei que o corpo da gente sofre mudanças e se transforma... Enfim, pela minha compleição esquelética, uma dúvida me persegue: qual a posição exata do meu coração?

O doutor cachina* gostosamente alto e explica:

- O seu coração, dona Margarida está situado na reta da sua linha mamária, ou seja, para que a senhora compreenda, ele se acha atrás do osso esterno (este osso é um osso igual a uma gravata). Aliás, é ele que segura todas as suas costelas. Este osso, ou esta gravata, está voltado para o seu lado esquerdo. Para não confundir a sua cabecinha branca, grosso modo, eu simplificaria dizendo que o seu coraçãozinho se acha alojado e batendo perfeitamente bem dois dedinhos abaixo do seu seio esquerdo.

Dia seguinte, dona Margarida se torna manchete de primeira página no jornal de maior circulação da cidade. Com direito a foto e entrevista exclusiva. O assunto se fez tão envolvente e inesperado, tão atraído e flanqueado, que pega e não só pega, deixa a população inteira do bairro em pavorosa repulsão e desespero:

"MULHER IDOSA AO TENTAR SUICÍDIO ACERTA O SEU JOELHO ESQUERDO”.
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* Vocabulário:

Acantoma = tumor benigno que se forma a partir da camada espinhosa da epiderme.

Cachina = rir, zombar, gargalhar.

 Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. “Comédias da vida na privada”. RJ: AMC-GUEDES, 2020.

Luiz Damo (Poemas Escolhidos) II


CIÚME

Quantas flores exalam seu perfume!
E as estrelas não param de brilhar.
Muitas pessoas morrem de ciúme
por não conseguir seus rumos trilhar.

Envoltas no rancor, ninguém assume,
aquilo que a vida tem pra lhes dar,
tanta inveja de quem alcança o cume
e assim as deixa sem poder andar.

Num escuro pranto, à sombra da dor,
noites caíram trazendo o seu manto,
levando nos braços todo o fulgor.

E o brilho do céu repleto de encanto
devagar também vai perdendo a cor
restando as trevas a causar espanto.
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DECLARAÇÃO

A pedido da parte interessada
uma declaração pode ser feita,
se for de amor deverá ser perfeita,
para não ferir a pessoa amada.

Se o destino for a própria "Receita",
nunca ocorra vê-la mascarada,
e assim, quem a lê, veja retratada.
na escrita somente a verdade eleita.

"Saibam todos quantos virem num ato"
além dos que possam manifestar,
todo teor legado num contrato.

Enquanto muitos tentam demonstrar,
nobres valores, frutos deste fato,
outros seguem vasto campo a plantar.
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ECOS DO TEMPO

Foram os rastros de antigos verões
n'algum lugar do passado, escondidos,
que transformaram modestos galpões
em templos de luzes na alma floridos.

Se chorarmos os nobres dons perdidos
quiçá, deixados nos velhos porões,
choramos porque não foram vividos
ou guardados como vivos brasões.

O tempo passou, restaram sinais,
gravados na fronte do nosso ser,
cujos momentos voltarão jamais.

Pairam ecos dum suave entardecer
nos confins das belezas siderais
num reluzente e eterno alvorecer.
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EMOÇÕES

É dos melhores momentos vividos
que preservamos as recordações,
muitos pedaços de sonhos perdidos
formam castelos de divagações.

São vastos campos, serenos, ungidos,
pela brisa mansa das pretensões,
formam pequenos sinais protegidos
lidos à sombra das ternas canções.

Muitos caminhos que foram seguidos,
talvez só contenham provocações
entre tantos espinhos escondidos.

Que nas fronteiras das conjugações,
nenhum tempo e modo fique abolido
nem banido um verbo das emoções.
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PALAVRAS

Nas entrelinhas da conversação
as palavras são ditas sem sentir,
às vezes escondem toda intenção
de a meta alcançar ou nela seguir.

A síntese da tese entra em ação
numa antítese que faz persuadir,
do pensamento fiel transmissão
tudo o que somos nos faz refletir.

No espelho da vida com vibração
seu sereno brilho quer transmitir,
na mesma grandeza e Igual direção.

Simples fonemas procuram abrir
mais do que mera comunicação,
um canal de voz pra todos ouvir.
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SONHOS

Temo tanto, tudo quanto me ataca,
tento em todos os momentos lutar,
estreito pranto, tão pouco retrata,
as torturas que terei de enfrentar.

No túnel do tempo a terra resgata
centenas de pontos a despontar,
qual touro perdido na densa mata
forte e raivoso querendo atacar.

No topo do monte ou numa cascata,
constantes gritos se fazem notar,
para relembrar uma serenata.

Enquanto no sótão pra pernoitar
deitam cantigas, talvez a sonata,
repletas de luz, até o despertar.

Fonte:
Luiz Damo. Pétalas do Quotidiano. Caxias do Sul/RS: Lorigraf, 2012.
Livro enviado pelo poeta.

Contos e Lendas do Mundo (Thor, o Deus do Trovão)

Thor, assim como Odin, O Ancião, chegou ao norte através da imigração, que em tempos remotos tiveram lugar na Ásia e Asgard. Aqui ele teve de lutar com os primeiros habitantes da terra, que por causa de seus esconderijos em montanhas e tocas, bem como de sua estatura gigantesca e ferocidade, eram chamados de Jattar (Gigantes), Trolls e Bergs-boar (moradores das montanhas). Daí vindo todas as tradições sobre gigantes e coisas do gênero.  Aquelas pedras lisas, em forma de cunha, que às vezes são encontrados na terra, são chamadas Thorwiggar, isto é, cunhas de Thor: segundo se conta, por estas terem sido arremessadas por Thor em algum troll. Em muitos lugares onde as pradarias são vizinhas das montanhas, histórias eram contadas de como trolls se enchiam de terror quando trovejava, e como eles, então, transformados em diversas formas, embora a maioria frequentemente como grandes bolas ou novelos, rolavam das montanha, procurando abrigo entre os camponeses, que, bem ciente do perigo, sempre os mandavam de volta com suas foices; e em diversas ocasiões acontecia que o trovão golpeava e estremecia a foice, e assim o trolll com um gemido, voltava para a montanha.

Meteoritos são encontradas em muitos lugares e são monumentos a Thor. Embora nem sempre de grande magnitude, eles são, no entanto, tão pesado que quase nenhum homem pode levantá-los.  Estes, diz-se, Thor usa como brinquedos.  Dos meteoritos em Linneryd em Smaland se diz, que Thor, passando por ali com seu pajem, encontrou com um gigante, e perguntou a ele para onde ele ia. ”Para Valhalla”, respondeu o gigante,” para lutar com Thor, que com seu raio queimou meu gado e casa.”

“É pouco aconselhável para ti, para medir forças com ele,” Thor respondeu, ”porque eu não posso imaginar que tu és o homem o bastante para levantar essa pequena pedra em cima dessa maior.” O gigante indignado, pegou a pedra com toda sua força, mas não foi capaz de tirá-la do chão, pois Thor tinha jogado um encanto sobre ela. O pajem de  Thor, em seguida, fez uma tentativa, e levantou a pedra como se tivesse sido uma luva. O gigante desferiu um golpe em Thor que o deixou de  joelhos, mas Thor com seu martelo revidou e matou o gigante. Ele agora jaz  sob a grande pilha de pedras do lugar.

Thor era adorado na alta Gothland junto com outros deuses. O Thorbagge (Stercorarius scarabseus) era sagrado para ele. Existe uma superstição relativo a este besouro que ainda existe, que tem sido transmitida de pai para filho, que se qualquer um em seu caminho encontrar um thorbagge repousando desamparado em suas costas, e colocá-lo em seus pés, ele expiará sete pecados; isso porque Thor no tempo do paganismo foi considerado como um mediador com uma força sobrenatural, ou o Todo Poderoso. Na introdução do cristianismo, os sacerdotes se esforçaram para aterrorizar as pessoas no culto aos antigos deuses, dizendo a seus adeptos que eles eram maus espíritos pertencentes ao inferno.  E o pobre thorbagge pobres, foi então renomeado como Thordjefvul ou Thordyfvel (o diabo de Thor), nome pelo qual ainda é conhecida na Suécia. Ninguém agora pensa em Thor, quando encontra a criatura indefesa descansando em seus costas, mas o compatriota de boa índole raramente pensa em passá-lo a seus pés, tentando a expiação de seus pecados “.

Que a lembrança e a veneração por Thor eram longamente  retidas na Noruega e em Bohuslän, aparece de muitas tradições. De alguns marujos de Bohuslän, cerca de cem anos desde atrás, é relatado, que, enquanto a serviço de um navio holandês de Amsterdam, caçando baleiras perto da Groenlândia, eles foram afastados de seu curso conhecido, e  observaram por muitas noites luzes de uma fogueira em uma ilha ou na terra, e entre alguns dos marinheiros, estavam homens de Bohuslän, que foram tomados pelo desejo de visitar o local e ver o que as pessoas faziam lá. Assim, tomaram o bote do navio barco e remaram para o local.

Tendo desembarcado e se aproximado do fogo, eles encontraram um velho sentado se aquecendo perto da fogueira, que imediatamente perguntou-lhes de onde eles vieram.

“Da Holanda”, respondeu o homem de Bohuslän.

“Mas de que lugar de lá você veio?” perguntou o velho.

“De Safve em Hisingen” respondeu o marinheiro.

“Tu conheces Thorsby?”

“Sim, também.”

“Sabes onde fica Ulfveberg?”

“Sim, muitas vezes tenho passado por lá, porque há um caminho direto de Gotemburgo para Marstrand através Hisingen para Thorsby.”

“Aquelas grandes pedras e montes de terra ainda estão em seus lugares?”

”Sim, todos, mas uma das pedras que está prestes a cair”

“Conte-me mais” –  disse o velho pagão – “Tu sabe onde o altar de Glosshed está e se ele ainda está são e salvo?”

Ao ouvir do marinheiro que não, o velho disse:

“Faça com que o povo em Thorsby e Thores-bracka não destruam as pedras e os montes sob  Ulfveberg e  acima de tudo mantenham  o altar Glosshed seguro e intacto, e assim terás um bom vento para o local para o qual viajas.”

Tudo isso o marujo prometeu cumprir na sua volta para casa.  Ao perguntar ao velho o seu nome, e por que ele tão ansiosamente perguntava por esses objetos, ele respondeu o marinheiro:

“Meu nome é Thorer Brack, e minha morada é lá, mas agora sou um fugitivo.  No grande monte ao lado de Ulfvesberg minha raça inteira está enterrada, e no altar de Glosshed nós realizamos nossa adoração aos deuses.”

Eles então se separaram do velho e tiveram ventos favoráveis de volta para casa.

O Poço de Thor

Desde a época do paganismo existe um poço em Smaland, na freguesia de Skatelof, que é notável para um deplorável evento. No local onde o poço está agora, uma moça, diz-se, encontrava-se com seu amante, e de depois de suspeitar de sua infidelidade, o assassinou. O deus Thor fez com que o poço cuspisse o sangue de suas águas.

Em consequência da mudança que a religião pagã tinha sofrido na cabeça  das pessoas, o nome do deus Thor foi mudado para “Hehge Thor” (Santo Thor), o festival da Ascensão de Nosso Salvador, foi chamado de “Helig Thor’s-dag”, literalmente Holy Thor‘s-day, Dia Sagrado de Thor, (Quinta-feira Santa), e Skatelofs Kalla foi chamado de ‘Helige Kalle Thor.

Pesquisa em documentos antigos, apontam que uma determinada música  era cantada nas cercanias desse poço, quando a população do país, toda véspera de quinta-feira Santa, reuniam-se ali para jogar e fazer oferendas.

Fonte:
Northern mythology : comprising the principal popular traditions and superstitions of Scandinavia, North Germany, and the Netherlands, compilado por Benjamin Thorpe. Londres, 1851. Disponível em Casa de Cha

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 352

 

Rubem Braga (A Minha Glória Literária)

"Quando a alma vibra, atormentada..."

Tremi de emoção ao ver essas palavras impressas. E lá estava o meu nome, que pela primeira vez eu via em letra de forma. O jornal era O Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, dos alunos do Colégio Pedro Palácios, de Cachoeiro de Itapemirim, estado do Espírito Santo.

O professor de Português passara uma composição: "A lágrima". Não tive dúvidas: peguei a pena e me pus a dizer coisas sublimes. Ganhei dez, e ainda por cima a composição foi publicada no jornalzinho do colégio. Não era para menos:

Quando a alma vibra atormentada, às pulsações de um coração amargurado pelo peso da desgraça, este numa explosão irremediável, num desabafo sincero de infortúnios, angústias e mágoas indefiníveis, externa-se, oprimido, por uma gota de água ardente como o desejo e consoladora como a esperança; e esta pérola de amargura arrebatada pela dor ao oceano tumultuoso da alma dilacerada é a própria essência do sofrimento: é a lágrima.

É claro que eu não parava aí. Vêm, depois, outras belezas; eu chamo a lágrima de "traidora inconsciente dos segredos da alma", descubro que ela "amolece os corações mais duros" e também (o que é mais estranho) "endurece os corações mais moles". E acabo com certo exagero dizendo que ela foi "sempre, através da História, a realizadora dos maiores empreendimentos, a salvadora miraculosa de cidades e nações, talismã encantado de vingança e crime, de brandura e perdão".

Sim, eu era um pouco exagerado; hoje não me arriscaria a afirmar tantas coisas. Mas o importante é que minha composição abafara; e tanto que não faltou um colega despeitado que pusesse em dúvida a sua autoria: eu devia ter copiado aquilo de algum almanaque. A suspeita tinha seus motivos: tímido e mal falante, meio emburrado na conversa, eu não parecia capaz de tamanha eloquência. O fato é que a suspeita não me feriu, antes me orgulhou; e a recebi com desdém, sem sequer desmentir a acusação. Veriam, eu sabia escrever coisas loucas; dispunha secretamente de um imenso estoque de "corações amargurados", "pérolas da amargura" e "talismãs encantados" para embasbacar os incréus; veriam...

Uma semana depois o professor mandou que nós todos escrevêssemos sobre a Bandeira Nacional. Foi então que – dá-lhe Braga! – meti uma bossa que deixou todos maravilhados. Minha composição tinha poucas linhas, mas era nada menos que uma paráfrase do Padre Nosso, que começava assim: "Bandeira nossa, que estais no céu..."

Não me lembro do resto, mas era divino. Ganhei novamente dez, e o professor fez questão de ler, ele mesmo, a minha obrinha para a classe estupefata. Essa composição não foi publicada porque O Itapemirim deixara de sair; mas duas meninas – glória suave! – tiraram cópias, porque acharam uma beleza.

Foi logo depois das férias de junho que o professor passou nova composição: "Amanhecer na fazenda". Ora, eu tinha passado uns quinze dias na Boa Esperança, fazenda de meu tio Cristóvão, e estava muito bem informado sobre os amanheceres da mesma. Peguei da pena e fui contando com a maior facilidade. Passarinhos, galinhas, patos, uma negra jogando milho para as galinhas e os patos, um menino tirando leite da vaca, vaca mugindo... e no fim achei que ficava bonito, para fazer pendant com essa vaca mugindo (assim como "consoladora como a esperança" combinava com "ardente como o desejo"), um "burro zurrando". Depois fiz parágrafo, e repeti o mesmo zurro com um advérbio de modo, para fecho de ouro:

"Um burro zurrando escandalosamente".

Foi minha desgraça. O professor disse que daquela vez o senhor Braga o havia decepcionado, não tinha levado a sério o seu dever e não merecia uma nota maior do que cinco; e para mostrar como era ruim minha composição leu aquele final: "um burro zurrando escandalosamente". Foi uma gargalhada geral dos alunos, uma gargalhada que era uma grande vaia cruel. Sorri amarelo. Minha glória literária fora por água abaixo.

Fonte:
Rubem Braga. Crônicas transcritas. Publicada em 1960.

Nilsa Alves de Melo (Trovas Temáticas) 3


DECRETO

Se, num decreto, eu pudesse
no mundo  a fome sanar;
diria, a Deus, numa prece:
-Sede o primeiro a assinar!
- - - - - -
 

Será por que "não pegou",
aquele decreto escrito?
- Porque, antes, não se escutou
na voz do povo o seu grito!
- - - - - –

DENTES

Conserve o sadio hábito
de os dentes sempre escovar
para ter cheiroso hálito
em qualquer hora e... ao beijar.
- - - - - -

Dentes sadios e fortes,
protetores da saúde,
não dependem só da sorte,
mas de cuidado amiúde.
- - - - - –

Dentista, meu caro amigo,
vou lhe contar um segredo:
- Na broca, vejo um perigo,
e da agulha tenho medo!
- - - - - –

Faça um favor aos seus dentes,
mesmo que ninguém insista:
- De nunca deixar pendentes
as visitas ao dentista.
- - - - - –

Se quiser sofrer bem menos,
da dor de dentes fugir,
não faça asseio de menos,
tenha instruções a seguir
- - - - - -

DOÇURA

Diz uma lenda tão pura,
que um bonequinho viveu
devido a tanta doçura.
que do artesão recebeu!
- - - - - –

Em meio a tanta ansiedade,
muitos andam à procura
de quem tem a caridade
de os acolher com doçura.
- - - - - –

Peço-vos, Deus da doçura,
a posse deste alto dom,
por ela ser a moldura
do coração meigo e bom.
- - - - - –

Quando você está envolvido
pela graça da doçura,
é como se fosse ungido
com essência da mais pura.
- - - - - –

DROGA

A droga é uma falsidade,
dela procure escapar.
Quem a oferece é a maldade
que quer ver você penar.
- - - - - –

Fuja de qualquer convite
da droga, tão enganosa;
a quem lhe oferece, evite,
não caia na sua prosa.
- - - - - –

Vê que a droga é uma armadilha
que te prende e te maltrata;
diz que vai ser maravilha,
depois, aos poucos, te mata.
- - - - - -

FUGA

Ás vezes pensada fuga,
dos caminhos é o melhor,
pois o discutir só ajuda
a mudar para o pior.
- - - - - –

Quando em meio à má contenda,
em ferir ou ser ferido,
busque a fuga, não ofenda.
Grande é quem tiver cedido.
- - - - - –

Uma fuga pode ser
a melhor das decisões.
Serás nobre por querer
paz e amor que divisões.
- - - - - -

GRINALDA

Esta tão grande ternura
da grinalda em brancas flores,
mostra a graça que perdura
na prole dos seus amores.
- - - - - –

Filha querida, a grinalda,
a par da sua beleza,
seja sinal que respalda
sua promessa e inteireza.
- - - - - –

Grinalda de flor tão bela?
- Guardo duas, com unção;
esta, das bodas, e aquela
da primeira comunhão.


Dê um desprezo à humilhação
que parte de gente à toa;
sucesso e satisfação,
essa turma não perdoa!

Essa louca atividade
dará lugar ao labor,
se gente de toda idade
ao tempo desse valor.
- - - - - –

LIBERDADE

Dizem que a morte seria
um voo à felicidade.
Prefiro, com galhardia,
uma vida e a liberdade!
- - - - - –

Liberdade tão falada,
cantada por toda gente,
mas a deixam encerrada,
por puro medo, somente.
- - - - - –

Mesmo escrava, muita gente
dá impressão de ser verdade
que se orgulha da corrente
que preenche a sã liberdade.
- - - - - –

Não precisa alto QI
para ver o cabedal
da liberdade que aqui
se tem: - Na Terra Natal.
- - - - - –

O melhor da liberdade
é saber dizer, sincero,
um sim e um não, de verdade,
sem fugir do bem que eu quero.
- - - - - –

LIÇÃO

Com minha lição primeira
veio tanto amor e afeto,
que foi, direta e certeira,
brilhando no meu intelecto.
- - - - - –

Leve ou difícil lição
vem logo ao entendimento
se passar pela emoção
alegre de um sentimento.
- - - - - -

Lição que ficou é aquela.
que com afeto foi dada
pela mestra santa e bela:
- Nossa mãe, de Deus amada.
- - - - - –

O mundo é uma grande escola
e a vida, mestra exigente;
não seja aluno que enrola,
nem, na lição, displicente.
- - - - - –

LUGAR

Males não verás que tomem
do amor um pouco sequer,
se for "no coração do homem
o lugar de uma mulher".*
(* Rabindranath Tagore)
- - - - - –

O mal que sofreste, esquece.
Lugar terá, na memória
todo o bem, qual rica messe,
nos campos da tua história.

Fonte:
Nilsa Alves de Melo. Temas, versos e trovas. Maringá/PR: Massoni, 2018.
Livro entregue pela trovadora.

André Kondo (A Dança)


- Por favor, me ensine a dançar?

O senhor Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Pedaços de tofu flutuavam como icebergs em um mar em chamas. O vapor subia exalando a alma das algas cozidas.

Após algum tempo, o mestre da dança tomava a tigela em suas mãos. Logo, haveria sabor de oceano entre seus dentes.

— Por favor, me ensine a dançar?

O ser humano é estranho. Pergunta a mesma coisa várias vezes, como se isso fosse capaz de, por si só, gerar uma resposta. Ono não perguntava para a sopa de misô se ela poderia ser sopa de misô. Não perguntava ao vapor se ele poderia fazer o favor de subir às suas narinas, nem para o sabor se ele poderia permanecer em sua boca, após sorver a soja de seu caldo.

— Por favor, me ensine a dançar?

Ono terminou a sopa. Mas as perguntas não cessaram. Já havia se passado um bom tempo, desde que o jovem Takeda se encantou com um espetáculo de dança dirigido pelo senhor Ono. Assistiu a dança sentado na penúltima fileira, trazido ali apenas para agradar uma amiga pela qual se sentia apaixonado desde criança. Mas, ao final do espetáculo, sua carnal paixão se decompôs. A partir dali, seu único amor seria a dança. A dança do senhor Ono.

— Por favor, me ensine a dançar?

Takeda era persistente. Acreditava que na vida e na dança, o mais importante era a persistência. Era preciso repetir centenas de vezes o mesmo passo para compreendê-lo, para só depois ousar dar o seguinte. E repetir o seguinte outras centenas de vezes. Assim, passo a passo, aprenderia a coreografia. E de coreografia em coreografia criaria o seu repertório de vida para os palcos do mundo. Sentiria o mesmo que os dançarinos do espetáculo de butô do senhor Ono sentiam: liberdade.

Takeda sentiu que, ao contrário do que o amor pela amiga na plateia proporcionava, um sentimento de aprisionamento, a dança no palco era um amor que libertava. Havia, claro, uma aparente dependência entre os elementos que dançavam em conjunto, porém, como no sistema solar, há o movimento em torno do Sol — a dança — e o movimento em torno de si — o corpo.

O amor que sentia pela amiga de infância passou a ser percebido como o movimento da Lua em torno da Terra. O brilho do amor que sentia pela amiga nada mais era do que a ilusão do amor verdadeiro, refletido em seu rosto de mulher. Sendo assim, um falso sentimento.

A dança por sua vez lhe pareceu autêntica. Claro que ela poderia ser uma prisão também, mas era uma prisão mais espaçosa. Imagine um microrganismo encerrado em uma poça de água. Mesmo estando preso, seria o mesmo que estar livre, pois os limites da poça, infinitamente maior do que ele, nunca seriam encontrados. Assim para Takeda se apresentou o universo da dança. Que lhe importava o infinito, se ele nunca encontraria os limites do finito?

— Por favor, me ensine a dançar?

O senhor Ono não respondia.

Takeda perguntou aos demais alunos de Ono como eles haviam obtido consentimento para iniciarem seus estudos na dança com o mestre. Não havia resposta única. Cada um havia conquistado o direito de se apresentar com Ono de maneira distinta. Apenas uma coisa parecia unir todas as aceitações: a sinceridade. Aproxime-se da dança da forma mais natural e ela a aceitará. Poucos foram aceitos. Muitos desistiram.

Para Ono, a dança não apenas merecia a verdade. A dança era a própria verdade. E a verdade existe mesmo que as perguntas não sejam feitas.

Ao final de mais uma aula, Ono dirigiu-se novamente ao restaurante em que costumava tomar sopa de misô. Takeda o aguardava. Um ano já havia se passado desde o primeiro pedido. Porém, naquele dia, Takeda não estava sozinho como das vezes anteriores. Sua antiga amiga de infância o acompanhava. Não era mais apenas sua amiga, era agora a sua namorada. Como isso havia acontecido?

Takeda havia pedido a amiga em namoro, uma única vez. Foi naquela noite em que a levou ao espetáculo de dança do senhor Ono, que ela tanto queria ver. Com a ausência da resposta, envergonhou-se e nunca mais teve coragem de pedi-la novamente. Tentou esquecê-la, convencendo-se a todo custo de que havia encontrado outra paixão: a dança.

No ano que se seguiu, evitou a amiga. Ignorou-a. Concentrou-se apenas no desejo de aprender a dançar e em não permitir uma nova recusa em sua vida. Todavia, a amiga o procurou após um ano. Tímida como sempre fora, com muito custo conseguiu dizer:

— Sim — um sim que ecoou por um longo ano. O sim era a resposta ao pedido de namoro.

— Por que resolveu aceitar agora? — Takeda estava confuso.

— Não respondi naquela noite, porque pensei que já estivesse claro que sempre desejei isso. Sempre achei que desde sempre fomos namorados e que, por isso, a resposta não era necessária. Pensei que você soubesse que o meu sorriso já era o sim a cada dia em que nos víamos.

Takeda compreendeu.

Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Sem dizer uma única palavra, Takeda sentou-se à mesa de Ono. O jovem tomou a tigela, que Ono lhe oferecia em silêncio há tanto tempo, e sorveu vagarosamente o oceano. Ono sorriu.

Desde a primeira vez, Takeda já havia sido aceito pela dança.

Viver é assim.

Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 351

 

Fernando Sabino (Aflições de um Noivo)


EIS QUE se instalava na porta da cozinha o meu consultório sentimental:

— Doutor, estou precisando de um conselho seu.

Imediatamente me veio à cabeça o conselho de Manuel Bandeira a uma jovem, que lhe perguntou o que ele aconselharia a quem quisesse iniciar-se na literatura: o de não pedir conselhos a ninguém. É o único conselho que sei dar.

Mas o homem, pelo jeito, não parecia estar pensando em iniciar-se na literatura:

— Eu sei que o senhor entende dessas coisas e sempre quis me ajudar.

Eu, entender dessas coisas? Devagar com o andor que o santo é de barro: que coisas? O que estava pintando mesmo era uma facada daquelas fundas, eu que me preparasse. Sempre quis ajudá-lo apenas a arranjar lugar melhor para passar a noite, como faxineiro do prédio onde eu morava. Era aflitivo sabê-lo escondido na garagem como rato: a água com que lavava os carros acabava inundando o cantinho onde ficava a cama dele, os sapatos saíam boiando. Vivia gripado. Por obra de que às vezes vinha a sugestão, diga-se a bem da verdade sempre atendida, de uns trocados para comprar remédio, tomar uma injeção de vitamina C no botequim ali da esquina. Só que agora a conversa era mais enfeitada, a doença mais grave, ia exigir no mínimo um transplante.

— O senhor é homem entendido — insistiu ele: — Pode me dar um adjutório...

A palavra “adjutório” me rendeu: dava um ar de algo vagamente religioso, como se ele me pedisse uma oração qualquer que o livrasse da sua aflição. Fosse o que fosse, agora eu lhe daria o que tivesse no bolso, e ainda o que não tivesse — no que dependesse de mim naquela noite ele tomaria um porre e esvaziaria a alma até o rabo.

Adjutório! E eu, que jamais tivera oportunidade de usar aquela palavra!

Mas o adjutório que ele queria de mim era outro. As coisas de que me julgava entendedor não se compravam com dinheiro e nem encontrariam na bebida a solução.

Limpando a garganta, começou por declinar a sua qualidade de noivo: havia ficado noivo.

— Ah, sim... Noivo — murmurei idiotamente, sacudindo a cabeça.

— E acontece que tem um sujeito lá no prédio onde trabalha minha noiva que está se fazendo de engraçado com ela. O que é que eu faço?

E essa, agora? Propor-lhe que baixasse o braço no tal sujeito, sobre violentar meus princípios de sagrado repúdio à violência, seria uma insensatez: via-se que eu só faria humilhá-lo, era magrinho e mirrado, não aguentava uma gata pelo rabo. Quando muito seria capaz de surrar a própria noiva, partindo da suposição de conivência dela com as graças do outro, desde que tomasse como provocação feminina o fato de ela própria as haver denunciado. Foi, pelo menos, o que ele logo confirmou:

— Toda noite ela vem com essa história: ora é uma piadinha que ele disse, ora é um papo furado pra cima dela. Ontem a coisa engrossou: teve o descaramento de dizer pra minha noiva que me largasse de banda e se mandasse com ele. Como é que eu posso dormir com um troço desses na cabeça, doutor? Tenho que tomar uma atitude, que diabo.

Aconselhei-o como pude: que tomasse uma atitude, sim, mas que tivesse calma, não perdesse a cabeça, para a coisa não dar em desgraça. Quem sabe se pedisse ao outro com jeito, que parasse de chatear? Sem que se humilhasse, hein? Com calma, mas com energia, sendo preciso usasse uma ameaça velada, já de longe, como por exemplo a expressão “de homem para homem”... Hein? Afinal de contas, que diabo, a noiva dele vai ver que estava exagerando, só para fazer ciúme, convinha apurar primeiro, não fosse partindo logo para a ignorância.

— É isso mesmo, doutor, é isso mesmo — ele concordava sério.

Ao fim, para surpresa minha, falou que, pensando bem, o melhor era acabar com aquele noivado logo de uma vez, não ia “dar mesmo em nada”. E para provar que aproveitara bem o adjutório, aproveitou também a ocasião, e, de homem para homem, me pediu cem cruzeiros emprestados.

Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar! RJ: Record, 1985.

Fabiano Wanderley (Versos Di Versos) 1


A DOR

É uma insuportável sensação,
que só a razão pode entender,
mensurando, a sua extensão,
para dirimir o desprazer.
E, se acaso, chega ao coração,
provarás, de fato, o que é sofrer,
ao sentir uma enorme aflição,
por não suportar o padecer.

E, se for por falta de carinhos,
tal como uma coroa, de espinhos,
ela aumentará teu amargor.
Mas, ante a essa dor, serás um forte
e a enfrentarás até a morte,
por um ideal: Um grande amor!
****************************************

A FONTE DA VIDA

Ele é quem me faz um forte
por que me conduz,
é minha trilha, a estrada,
meu sol, a minha luz.

Ele é quem sabe os caminhos
e as pedras que tem.
Quem nos revela os espinhos
e as flores, também.

Ele é a fonte da vida,
do amor, da razão,
é a fé, que hoje habita,
em meu coração.

Suas palavras serenas,
verdades nos traz
e com seus preceitos,
mantemos a paz!
****************************************

À MULHER, QUE EU AMO

Queria lhe dizer tudo que sinto,
cada vez, que eu miro, os olhos seus,
dentro dele, todo o seu amor, pressinto,
no momento, em que você, procura os meus...

És ternura, és mulher, és timidez,
meu castigo, meu destino, meu tormento,
na verdade, vives, no meu pensamento,
és a única mulher a quem amei!
****************************************

EU E A VIDA

Eu e a vida,
meus devaneios,
sonho menino,
os meus enleios.

Eu e a vida,
quanta lembrança,
vento maroto
de esperança.

Pois, a vida faz
o que o mundo tem,
só a vida é...
Somos ninguém!
****************************************

EU, VOCÊ E A LUA

Bem junto ao mar, um crepúsculo do sol,
no infinito azul, raios sobre o mar,
nossos pensamentos, lá vão se aninhar,
é o entardecer, que se faz presente,
tudo envermelhece, de repente.

A noite não tarda a cair,
deixando em nós uma grande sensação,
nossos desejos começam a fluir,
é o amor, é a força, é o coração.

É a magia, é a natureza nua,
estamos sós, ao som, de um leve vento,
é o encanto, é o prazer, que se acentua,
nada, nos importa no momento.

Estamos sós...
Eu, você e a lua!
****************************************

O CANTO DO ACAUÃ

Ele tem um canto triste,
que ecoa toda manhã
e a natureza o assiste,
no pé da serra ou na chã.

Com seu canto venturoso
faz a seca recuar;
seu lamento, majestoso,
diz que a chuva vai chegar.

Ele canta, ele persiste,
na copa de um flamboyant,
pois, o seu presságio, existe:
É o canto do Acauã!
****************************************

O POTENGI

Tens nascente, tens destino,
és aquoso, uma vertente,
um espelho cristalino,
um filão de água corrente.

És romântico, és divino,
quase estático, aparente,
resoluto, peregrino,
no teu rumo tão silente.

És de fato majestoso,
em teu leito sinuoso,
pelas terras de Poti.

Tens um por do sol flamante,
um luar exuberante,
és o rio Potengi!

Fonte:
Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley. Versos Di Versos. Natal/RN, 2014.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 350

 

Lima Barreto (A Consulta)


O prefeito de polícia estava naquele dia muito atarefado em providenciar a captura do Elefante Branco e, por isso, não pudera dar começo à audiência pública que tinha marcado.

Sua Excelência ainda conferenciava com o diretor das investigações, que lhe mostrava as impressões digitais do imenso paquiderme, impressões obtidas em um casebre abandonado do bairro da Saúde.

Pondo uma imensa lente sobre os desenhos que o diretor lhe apresentava, o prefeito perguntou:

— Doutor, elefante tem dedos?

O sábio diretor titubeou e por fim concordaram, o prefeito e o seu subordinado, que esse animal não possui dedos.

— Resolveram encaminhar as pesquisas para outros pontos e a audiência teve começo.

A primeira pessoa a entrar foi uma senhora. Dizemos senhora, porque em estilo administrativo e comercial todas as mulheres são senhoras. A diferença de tratamento entre elas fica reservado para outras ordens de estilo, entre as quais os daqueles que frequentam os clubes chiques e os bares noturnos.

Tratava-se de Madame Déchue, que foi logo dizendo ao prefeito:

— Vossa Excelência há de saber que ando pior do que o judeu errante.

— Quem é a senhora? — perguntou a poderosa autoridade colocando melhor o pince-nez.

— Eu sou Madame Déchue.

— Ahn!

— Não tenho onde morar.

— A senhora sabe que Lustosa, Garibaldi, Manzini e outros dão essa função à polícia?

— De andar tocando os viventes daqui para ali?

— A senhora é espirituosa.

— Não me creio assim, embora leia com atenção os seus despachos publicados nos jornais.

— Afinal... Nós não estamos aqui a trocar espírito... Que quer a senhora?

— Quero saber onde devo morar.

— Onde não houver famílias. Isto está em Rimato, Salvador Rosa e outros.

— Mas, doutor, em toda a parte há famílias. Já morei no Méier e a polícia fez-me mudar de lá porque era lugar de famílias. Mudei-me para a tal rua, porque não era de famílias... Agora...

— Pode ficar certa de que com isso nada tenho. A polícia só faz mudar; o resto é lá com vocês.

Fonte:
Lima Barreto. Contos.

Lairton Trovão de Andrade (Panaceia de Trovas) VIII


A cada dia que passa,
torna-se coisa bem rara
ver cidadão com a graça
de ter vergonha na cara.
- - - - - -
A fé é luz, luz radiante,
que dissipa a escuridão;
por ela, se vai avante
no trilho da perfeição.
- - - - - –
A paz interior alcança,
com o juízo da razão,
quem, ao invés da vingança,
ao agressor dá o perdão.
- - - - - –
A paz que tenho em minh'alma,
nada tem de algum perjuro;
traz-me da esperança a calma
na busca do bom futuro.
- - - - - -
A saudade que dói tanto
é um amor que em mim ficou,
e que sinto, em meio ao pranto,
por um bem que não voltou.
- - - - - –
Dá-se equilíbrio e vigor,
quando há perfeita equação,
entre uma vida interior
e sua real ação.
- - - - - –
Dê graças por ser capaz
de avivar sua paciência;
- é o bom coquetel de paz,
compreensão, amor e ciência.
- - - - - -
Dos meus tempos de criança
aos nossos dias até,
a presença da esperança
dá-me firmeza na fé.
- - - - - –
Este mundo é mascarado,
cheio de contraste... Pensem:
"Uns vencem sem ter lutado,
outros lutam, mas não vencem".
- - - - - -
Eterno porto seguro
hei de ter sempre comigo;
fidelidade eu te juro,
meu sempre presente amigo.
- - - - - -
Eu vivo ainda o preceito
de honrar pessoas de bem.
Saudade eu tenho no peito
de quem me foi mais Alguém.
- - - - - –
Eu vou sempre caminhando
na seara do meu destino.
Paz e amor vivo plantando,
para ter fruto mais fino.
- - - - - -
Felicidade eu desejo
e a procuro noite e dia;
volvendo ao passado, vejo:
"Fui feliz e não sabia".
- - - - - –
Meu coração de poeta
é feliz e quer o bem;
vê, no amor, a sua meta,
pois só isso lhe convém.
- - - - - –
Minhas rosas e meus cravos,
floridos em meu jardim,
são as vozes dos meus bravos
que falam de amor por mim.
- - - - - -
Não sofre de solidão
o semeador de amizade;
vê no outro sempre um irmão...
e planta fidelidade.
- - - - - –
Naquela estrada sombria,
contemplei linda miragem;
era o sorriso e a alegria
enfeitando a tua imagem.
- - - - - –
Noite clara, lua cheia,
- de doçura e resplendor -
a praia com branca areia
inspiram o trovador.
- - - - - –
No seio desta estação,
seu amor tão puro e terno
criou, com sua paixão,
dias mais quentes no inverno.
- - - - - –
Ó amena chuva de flores,
de lindas rosas vermelhas,
espalhais, por onde fores,
fragrâncias mil em centelhas.
- - - - - -
O bom pai é professor,
todo filho é sempre aluno;
educando-o com amor,
segue o filho o melhor rumo.
- - - - - –
Para meu norte seguir,
tenho por guia a Família,
luz que ilumina o porvir
e mostra segura trilha.
- - - - - –
Prezo aquela gentileza
que não é exterioridade,
e que vê, no irmão, nobreza
da mais alta dignidade.
- - - - - –
Quão profunda realidade
tem a flor que se procura!
Toda flor morre, é verdade,
mas deixa o odor da ternura.
- - - - - -
Quem fala tudo o que quer,
diz além do seu querer.
Prudência, em tudo o que vier,
nos ensina a bem viver.
- - - - - –
Quem, nesta dura vivência,
quiser paz e segurança,
que tenha santa prudência,
e o céu virá por herança.
- - - - - -
Sem parto, jamais há vida,
sem morte, nenhum adeus;
sempre tem uma acolhida
quem tem fé e busca Deus.
- - - - - -
Sonho infindo quero ter
com teologal esperança;
semeio o bem no viver
pela bem-aventurança.
- - - - - -
Uma lágrima furtiva,
que brotou destes teus olhos,
transformou-te em doce diva,
ilusão dos meus escolhos.

Fonte:
Lairton Trovão de Andrade. Perene alvorecer. 2016.
Livro enviado pelo autor.