sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Estante de Livros (“Til”, de José de Alencar)


Til é um romance de José de Alencar publicado em 1830, o terceiro romance regionalista de Alencar tem sua ação numa fazenda situada no interior paulista, por volta de 1846. Segundo o projeto explicitado na nota de abertura do romance “Sonhos d’ouro”, o regionalismo permitiria descobrir, nas regiões "onde não se propaga com rapidez a luz da civilização", as tradições, os costumes e a linguagem de timbre brasileiro.

SINOPSE

Berta é uma menina que foi rejeitada quando nasceu, sendo criada por uma viúva chamada Nhá Tudinha, a qual tinha um filho chamado Miguel. Berta, moça "pequena, esbelta, ligeira, buliçosa", é uma garota de quem todos gostam, e por quem a maioria dos mancebos suspira de amor. Ela e Miguel (os quais são irmãos de criação, pois Miguel é filho de Inhá Tudinha) são muito amigos dos filhos de dona Ermelinda e Luís Galvão: Afonso e Linda (Linda tem o mesmo nome da mãe, Ermelinda, por isso é conhecida pela alcunha de Linda). Afonso e Miguel são apaixonados por Berta, e Linda está apaixonada por Miguel, porém Berta trata a todos como irmãos. Luís Galvão também cuida de um sobrinho, órfão de pai e mãe, chamado Brás, que tem problemas mentais. Luís tenta enviá-lo para a escola, porém ele não consegue aprender, o que leva seu professor, o Domingão, a bater-lhe muito com a palmatória. Berta se compadece do pobre coitado, que se convulsiona em prazer e alegria ao ver o sinal do til(~). Portanto, ela resolve ensinar-lhe o alfabeto e, assim, ela relaciona todas as letras do alfabeto às pessoas que Brás conhece, sendo que ela representa o til.

Jão Bugre, mais conhecido como Jão Fera, é um temido matador de aluguel da província de Santa Bárbara. Ele nutre um carinho especial por Berta, e sempre a observa quando ela vai visitar a negra Zana, que vive em uma casa caindo aos pedaços. Zana também tem problemas mentais, e tem um grande terror quando chega perto do quarto da casa, onde parece que ela revive uma terrível lembrança. Jão Fera foi contratado por um estranho, chamado Barroso, para matar o fazendeiro Luís Galvão. Quando Berta descobre isso, impede Jão Fera de concluir a sua atrocidade, salvando a vida de Luís Galvão. Jão Fera, antigamente conhecido como Jão Bugre, por causa da cor da sua pele, foi encontrado na fazenda pelo pai de Luís Galvão, quando tinha por volta de um ano de idade. Não se sabe o que aconteceu com seus pais, mas especula-se que, após uma grande enchente que ocorreu na região, seus pais tenham sucumbido à força das águas e só ele tenha sobrevivido. Jão Bugre tinha grande respeito por Luís Galvão, livrando-o de várias brigas que ele arranjava.

Ambos se apaixonaram por Besita, a moça mais bonita de Santa Bárbara. Quando Jão descobriu que Luís estava apaixonado por Besita, resignou-se com seu sentimento, por amor ao seu irmão de criação. Besita, no entanto, não correspondia ao amor de Luís Galvão, devido à sua má fama de mulherengo e aproveitador. Ela também sabia que Jão a amava, porém ele a pediu que aceitasse Luís Galvão. O pai dela não aceitou o pedido de casamento de Luís Galvão, e enganou a filha, dizendo que ele não queria nenhum compromisso. Por fim, Besita casou-se com Ribeiro, filho de um rico fazendeiro da região. No dia do casamento, Ribeiro foi resolver uns negócios em Itu, a respeito de uma herança que recebera. Ribeiro perseguiu o administrador de seus bens até o Paraná, a fim de receber sua herança, e depois disso, caiu na "gandaia". Nesse meio tempo, em uma noite, Luís Galvão enganou a negra Zana, mucama de Besita, e se passou por Ribeiro. Luís passou a noite com Besita, que ao amanhecer, viu o erro que cometera. Besita deu à luz uma menina. Somente Zana e Jão Bugre sabiam do seu segredo.

Jão Bugre só não matou Luís Galvão a pedido de Besita, que intercedeu pela vida dele. Depois de dois anos, enquanto Jão Bugre estava fora da fazenda, Ribeiro volta para casa e inflama-se de raiva ao ver sua esposa com a criança, que ele sabe não ser sua filha. Ribeiro começa a esganá-la, quando chega Jão Bugre para tentar salvá-la. No seu último suspiro, Besita pede para que Jão proteja sua filha, e Zana chega ao quarto e vê sua ama morrer. Ribeiro foge para Portugal, e Jão tenta cuidar da menina. Inhá Tudinha chega na fazenda e leva a menina para criá-la. Jão fica transtornado com a morte do seu objeto de amor, e torna-se um jagunço, ganhando assim a alcunha de Jão Fera.

Passados quinze anos, Ribeiro volta de Portugal, agora conhecido como Barroso, e deseja terminar a sua vingança. Vai para Santa Bárbara e contrata Jão Fera para matar Luís Galvão. Nenhum dos dois se reconhece, mas Luís Galvão é salvo por intermédio de Berta. Vendo seu plano inicial fracassar, Ribeiro planeja uma vingança mais engendrada: matar Berta e Luís Galvão e tomar o lugar dele como marido de dona Ermelinda. Para isso, maquina junto com dois escravos de Luís Galvão, Faustino e Monjolo, para, na noite de São João, trancarem os negros na senzala e atearem fogo no canavial. Assim que Luís Galvão saísse para apagar o incêndio, eles o jogariam ao fogo; Ribeiro apareceria para salvar a plantação e tentaria conquistar o amor de dona Ermelinda.

Jão Fera descobriu a trama e, na noite de São João, quando Luís Galvão tentava apagar o incêndio, matou Monjolo, Faustino e outro jagunço contratado por Ribeiro, o Pinta, salvando a vida de Luís Galvão. Após esse episódio, perseguiu o Ribeiro, que só sobreviveu por intermédio de Miguel e Berta. Ribeiro fugiu, mas, alguns dias depois, voltou para matar Berta. Jão Fera, que há pouco havia escapado da Justiça, pois havia se entregado às autoridades, salvou Berta e matou o Ribeiro. Berta, ainda sem saber de sua história, ficou horrorizada e Jão Fera fugiu, se entregando novamente às autoridades.

Dias depois, Luís Galvão e sua família vão para a festa do Congo na vila de Piracicaba, para onde Inhá Tudinha, Miguel e Berta também vão. Afonso escapa de seus pais para ir falar com Berta, porém aparece um homem estranho que diz: "Teu pai matou a mãe dela; tu queres matar a filha, e duas vezes!". Após isso, o estranho dirige-se a Luís Galvão e diz: "Teu sangue mau quer teu sangue bom! Toma cautela...". Então, ouve-se que a cadeia fora arrombada. O estranho era Jão Fera, que havia escapado da cadeia.

No caminho de volta, Luís Galvão conta acerca do seu passado à sua esposa, e depois Berta descobre o seu passado. Berta não aceita como pai Luís Galvão, por conta do que ele fez no passado, e diz que o único pai que ela conheceu fora Jão Fera, que sempre zelou por sua segurança. A única coisa que ela pede é que ele dê permissão para que Miguel se case com Linda, contra a vontade de dona Ermelinda. Miguel é enviado para estudar em São Paulo e, ao final de dois anos, voltar para se casar com Linda. Ele ainda tenta convencer Berta a ir com ele para serem felizes juntos, mas ela, por amor à amiga, não o faz. O livro acaba com Berta e Inhá Tudinha acenando para Miguel e Jão Bugre roçando a terra.

PERSONAGENS

Berta: personagem principal, descrita como "pequena, esbelta, ligeira, buliça, altruísta";

Afonso: irmão de Linda e apaixonado por Berta;

Besita: mãe de Berta, assassinada pelo seu marido, Ribeiro;

Brás: deficiente mental, sobrinho de Luís Galvão;

Chico Tinguá: dono da hospedagem da estrada de Santa Bárbara, amigo de Jão Fera.

Domingão: professor de "primeiras letras", um "mestre latagão de verbo alto e punho rijo";

Dona Ermelinda: esposa de Luís Galvão, não conhece o passado do marido;

Faustino: pajem de Luís Galvão, participante da trama para matar seu amo. Foi morto por Jão Fera;

Gonçalo Suçuarana: também conhecido como Pinta, jagunço, tinha inveja da fama ameaçadora de Jão Fera. Foi morto por Jão Fera;

Nhá Tudinha: viúva, mãe de Miguel e mãe adotiva de Berta;

Jão Fera: também conhecido como Jão Bugre, jagunço, apaixonado por Besita (mãe de Berta) na juventude, zela por Berta à pedido de sua amada;

Linda: filha de Luís Galvão e amiga de Berta, apaixonada por Miguel;

Luís Galvão: pai de Linda e Afonso, marido de dona Ermelinda;

Miguel: filho de Inhá Tudinha, inicialmente apaixonado por Berta, passa a gostar de Linda à pedido de sua amada;

Monjolo: escravo de Luís Galvão, participante da trama para matar seu amo. Foi morto por Jão Fera;

Ribeiro: também conhecido como Barroso, marido de Besita, matou sua esposa por ciúmes;

Zana: mucama de Besita, enlouqueceu após presenciar a morte da ama;

Fonte:
Wikipedia

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 436

 


Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 9 e 10

MILAGRE


— Não se faça de besta — disse o sacristão da igreja do Divino Salvador à insólita figura que se postara à sua frente, na noite de quinta-feira, quando ele varria a capela-mor. — Para mim você não é mula sem cabeça, pois tem cabeça e é simplesmente mula fugida do pasto do coronel. Saia imediatamente daqui.

— Coloquei cabeça para falar com ele, pois mula sem cabeça não tem língua. Seja compreensivo e peça ao senhor vigário para me desencantar, ouvindo-me em confissão.

— O senhor vigário não pode ouvir em confissão nem mula sem cabeça nem simples mula. Vá dando o fora.

O sacristão ia pegar da vassoura para brandi-la contra a visita inconveniente, quando uma luz se acendeu no candelabro principal do altar-mor, e a essa luz o corpo do animal se foi convertendo gradativamente no de uma bela mulher arrependida.

O sacristão perdeu a fala. Que é mesmo que ele podia falar, depois disto?
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NASCEU UMA NINFA

Ao nascer a menina, os pais debateram longamente o nome que iriam dar-lhe. Como não chegassem a entendimento, decidiram abrir ao acaso o dicionário, e a palavra mais bonita que fosse encontrada na página seria a eleita.

Por isso ela se chamou Oréade. Os pais explicaram às pessoas curiosas que se tratava de ninfa, habitante dos bosques, talvez de Viena, e das montanhas, possivelmente do Sul de Minas. E todos acharam lindo este nome.

Oréade cresceu igualmente linda, mas sua beleza tinha alguma coisa de vegetal, que começava nos olhos verdes, de um verde-musgo, e continuava na doce penugem dos braços, característica de certas folhas amáveis ao tato. Oréade tinha jeito de árvore e de água; seu sorriso era úmido, lembrava a transparência das fontes.

A moça não tinha mor encanto por festas, embora a alegria se estampasse em suas feições. Preferia caminhar a esmo pelas estradas em torno da cidade, subir aos morros, e lá em cima se quedava escutando a música dos passarinhos e outras vozes naturais.

Uma tarde ela não voltou do passeio. Por mais que a procurassem noite afora, e nos dias seguintes, não foi encontrada. Apareceu meses depois de manhãzinha, para uma visita que disse ser breve, e apresentou um fauno a seus pais:

— Meu marido.

Eles compreenderam imediatamente que o nome da filha não fora escolhido por força do dicionário, mas de um destino impreterível.

Abençoaram a união, e o casal voltou para a serra do Encantamento.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XIV


A inveja pode matar
muitas almas, lentamente.
Nunca tente alimentar
esta maldade latente.
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Antes de exigir respeito
procure-o manifestar,
se esse for o seu direito,
seu dever é respeitar.
- - - - - -
Antes dos primeiros passos
o bebê sempre engatinha
e às vezes para nos braços,
do 'paizão' ou da 'mãezinha'.
- - - - - -
Ao buscares no passado,
soluções para o presente,
segue o rumo já traçado
com primor, anteriormente.
- - - - - -
Ao mostrar-nos os caminhos
que haveremos de seguir,
o mundo aponta os espinhos
que ousam os passos ferir.
- - - - - -
À sombra do firmamento
que engalana nosso ser,
perpassam o sol e o vento
fazendo a vida crescer.
- - - - - -
As vertentes do sucesso
formam ricos mananciais,
que vão regar o progresso
nas estâncias sociais.
- - - - - -
Cada batalha vencida
mostra nova sensação,
de que pra tudo na vida
existe uma solução.
- - - - - -
Com grande rigor na luta,
determinação de andar,
não terá barreira astuta
que impeça de caminhar.
- - - - - -
Dentre as múltiplas opções
que fazes todos os dias,
dumas tens satisfações,
de outras, dores e fobias.
- - - - - -
De posse da liberdade
o homem segue seu caminho,
se andar à luz da verdade
vencerá qualquer espinho.
- - - - - -
Muitas formas vão rolando
para expor o pensamento,
a mais fácil é falando
com total discernimento.
- - - - - -
Na corrida contra a morte
todos sonham co'a vitória,
não seja por mera sorte
entrar nas portas da história.
- - - - - -
Na espessa mata do mundo
onde o sol nunca aparece,
pode estar lá, bem no fundo,
a flor que de luz carece.
- - - - - -
Nos momentos derradeiros
em que a vida se despede,
sempre, gestos verdadeiros,
nosso ser, em prece pede.
- - - - - -
O Criador do universo
do tempo tem o comando,
o homem no mundo, disperso,
à vida segue remando.
- - - - - -
O rigor das intempéries
faz brotar a destruição,
ceifando vidas em séries
numa triste rendição.
- - - - - -
Os nossos investimentos
que normalmente fazemos;
são bem-estar e alimentos
e sonhos que em nós trazemos.
- - - - - -
Pela morte, todo o ser,
se sente fragilizado,
chora a dor de não poder
se tornar eternizado.
- - - - - -
Precisamos entender
que devemos começar
e nunca das mãos perder
a vontade de avançar.
- - - - - -
Riquezas não satisfazem
os corações machucados,
pelas feridas que trazem
nos velhos sonhos truncados.
- - - - - -
Sentir insatisfação
é sintoma da mudança,
cria nova relação
do real e da esperança.
- - - - - -
Sob a luz dos nossos atos
ou da conduta legal,
prefaciamos muitos fatos
dando à conclusão o aval.
- - - - - -
Todo mal se for tratado
dentro do tempo devido,
marcas não terá deixado,
nem sinais de ter havido.
- - - - - -
Todo o pássaro que voa
liberdade quer mostrar,
no cantar também ecoa
algo que busca encontrar.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Aparecido Raimundo de Souza (Coriscando) 4: Ao Pé da Letra


ZAROLHITO, O DONO DA OFICINA,  foi chamado à depor na delegacia de polícia do bairro onde tem, há muitos anos, o seu comércio. A confusão toda se deu com um promotor público e um funcionário novato, que fora contratado recentemente. Logo que se identificou na recepção, foi levado pelo funcionário à presença do delegado.

Escrivão de Polícia:
- Seu nome, por favor?

Zarolhito:
- Zarolhito Chimblego de Oliveira.

Escrivão de Polícia:
- Chimblego com ‘bl’ ou com ‘br?’.  

Zarolhito:
- Acho que com ‘bl.

Escrivão de Polícia:
- O senhor  não sabe se é com ‘bl’ ou com ‘br?’.

Zarolhito:
- Não seu policial. Deve ser com os dois, senhor.

Escrivão de Polícia:
- Está com a sua identidade?

Zarolhito:
- Estou.

Escrivão de Polícia:
- Me deixa ver, por favor.

Zarolhito entregou o documento ao escrivão. Este copiou o nome do pai, da mãe, o dia e mês de nascimento e, por fim, perguntou o endereço.

Zarolhito:
Rua das Cabras Desmamadas, nº 69, bairro Olival da Amanda.

Terminada as perguntas de praxe, o escrivão sinalizou ao delegado, sentado ao lado, que a testemunha estava identificada e pronta para responder as perguntas.

Delegado:
- Seu Zarocito, eu sou o delegado Pinóquio.

Zarolhito:
- Desculpe, seu delegado. Não é Zarocito, é Zarolhito.

Delegado:
- Que seja. Meu escrivão escreveu errado. Mas vamos lá: o que aconteceu na sua oficina, sexta-feira passada com seu funcionário, o Luiz dos Parafusos?

Zarolhito:
- Aconteceu o seguinte, seu delegado Pinópilo...

Delegado Pinóquio:
-... Pinóquio, seu... Como é mesmo o nome? Zarolhito. Continue...

Zarolhito:
-... O doutor, não sei lá das quantas, que fiquei sabendo depois, era da justiça,  foi jogado à força, contra o capô do seu próprio carro, pelo meu funcionário, o Luiz dos Parafusos. Eu vi com estes olhos que a terra haverá de comer.

Delegado Pinóquio:
- E o senhor saberia esclarecer por que esse elemento agiu dessa forma?

Zarolhito:
- Acho que por burrice minha, doutor, eu não me expressei direito e disse ao Luiz - coitado mais burro que eu - eu falei com todas as letras que o novo cliente era pro motor.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Estante de Livros (A Tragédia da Rua das Flores, de Eça de Queirós)


texto de Claudia Sousa Dias*

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O romance póstumo de Eça de Queirós – mantido “na gaveta” durante décadas quer pela delicadeza do tema tratado – um incesto entre mãe e filho, fato que chocaria de sobremaneira a sociedade portuguesa -, quer pela crueza das situações e realismo com que dotou algumas das principais personagens fazem deste romance um dos mais vanguardistas da época. Trata-se, nitidamente de uma versão mais realista de Os Maias. Esse realismo encontra-se, simultaneamente, expresso tanto na crueza da linguagem, como no tom amargo e cético contido nas entrelinhas do discurso. A semelhança entre as personagens principais é mais do que evidente, o que nos dá a sensação de que Os Maias são a versão adocicada e idealizada deste romance, mais cru e muito ao estilo balzaquiano.

Algumas personagens mantém-se, como é o caso do Dâmaso que, para além do nome, conserva a figura, a boçalidade nos modos e no vocabulário, a personalidade mesquinha e o desejo de mostrar o “chique” que não tem. Mais velho, independente e abastado que em Os Maias, a constância nas atitudes é tal, que tudo indica tratar-se de uma personagem inspirada num indivíduo ou num grupo de pessoas com quem o autor convivia diariamente pela abundância de pormenores com que é caracterizado.

Outras personagens sofrem ligeiras alterações quanto à sua situação socio-económica ou de temperamento mas mantêm, essencialmente, o seu papel na trama.

Genoveva é muito semelhante, mas ao mesmo tempo, muito mais credível do que Maria Eduarda Maia, a típica heroína romântica. A protagonista de A Tragédia da Rua das Flores é, pelo contrário, uma mercenária que não hesita em prostituir-se com o objetivo único e simples de “cardar” um pedante Dâmaso. Ao contrário da imagem de estátua grega de Maria Eduarda, a beleza loura de Genoveva tem algo de ave de rapina, acentuada pelo perfil aquilino que o autor lhe confere. Trata-se de uma mulher dura, profundamente egoísta, colérica e cínica, cujas atitudes não granjeiam a simpatia do público, sobretudo na época em que foi escrito o romance (finais do sec. XIX). A manifestação do lado mais obscuro do seu caráter só é atenuada quando se apaixona por Vítor uma vez que, para conquistá-lo, tem de adocicar a sua forma de ser.

Vítor é a versão plebeia de Carlos da Maia. Menos sofisticado, mais romântico e sentimental está mais limitado devido à sua situação financeira pouco desafogada.

Timóteo é o tio abastado de Vítor, um Afonso da Maia mais brusco, menos cavalheiresco, menos britânico, mas igualmente inflexível e puritano quanto às características daquela que julga ser a esposa ideal para o seu único herdeiro. Um autêntico Armand de A Dama das Camélias.

O pintor Camilo Gorjão tem o discurso escabroso de João da Ega, com o mesmo diletantismo ideológico que tanto num personagem como no outro os impedem de escolher um estilo ou um tema e desenvolvê-lo. Ambos manifestam, também, o desânimo perante o fato de não terem um público à altura das suas criações excepcionais. Contudo, Camilo Gorjão, é desprovido da jovialidade de Ega, acomoda-se durante um largo período de tempo à sua situação, apesar de insatisfeito. Camilo é, sobretudo, um esteta que ainda não encontrou a sua identidade como pintor. Sem conseguir decidir-se entre a arte apolínea (sóbria, sem excessos, típica dos clássicos gregos, preocupada com as proporções e a harmonia estética) e a arte dionisíaca, a sua verdadeira tendência – orientada para o excesso nas cores nas forma e nas atitudes, que é a atitude que orienta a sua vida privada.

Joana, a mulher do pintor, é de uma beleza escultural e rosto romano, por quem Vítor sente como que uma atração irresistível e animal. Joana é uma personagem cuja alma se encontra nos antípodas de Genoveva. É uma jovem ignorante mas sem o menor vestígio de calculismo e de uma total transparência na fisionomia por onde perpassam todas as emoções. É também diferente de Aninhas, a amante dependente do dinheiro do protetor e da paixão por Vítor. Ambas têm em comum a falta de sofisticação e de requinte, mas esta última é destituída do encanto da simplicidade bravia e inocência de Joana.

Outra personagem de grande interesse é, apesar de periférica, D. João da Maia, proveniente de uma das famílias mais antigas e aristocráticas de Portugal. Ateu e republicano, “de maneiras delicadas, hábitos finos e predileções literárias” é um indivíduo exaltado pela arte, sibarita, mas generoso apesar de empobrecido. Respeitado e amado, ninguém menciona os seus defeitos em voz alta. Com o ar de “príncipe bom rapaz” faz lembrar um Carlos da Maia empobrecido.

Joana Coutinho, uma das frequentadoras das soirées de Genoveva, torna-se amiga íntima de Vítor, depois da morte desta – uma relação intelectual. Trata-se de uma jovem etérea de aparência perfeita, de espírito independente e idealista, um tipo não muito apreciado pelo autor devido à sua aparente frigidez.

Apesar de se referir ao romance A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, A Tragédia da Rua das Flores é mais uma transposição da tragédia de Sófocles, Édipo Rei. O tema do incesto entre mãe e filho, especialmente nos moldes em que foi concebido – Genoveva é uma cocotte venal e não a digna rainha Jocasta – é especialmente provocador para a época, principalmente pela crueza da linguagem e pelo fato de Eça não tentar pintar a personalidade de Genoveva com as cores românticas: enquanto que Maria Eduarda é caracterizada como a mulher ideal, Genoveva nos é mostrada como a típica mulher fatal, produto típico da sociedade mundana da belle époque.

As principais diferenças em relação ao autor clássico, é que a atitude de Vítor não interfere no destino do pai e, além disso, o jovem não chega a ter consciência da transgressão, logo não é afetado pela culpa ou remorso.

ATITUDES, INDÍCIOS E PRESSÁGIOS

Na cena inicial, observamos uma mulher loira e requintada que chama a atenção do público masculino num camarote do Teatro nacional de S. Carlos, contrastando vivamente com o visual das portuguesas típicas da elite lisboeta.

Em seguida, especula-se sobre a sua identidade e origens. Apesar do seu requinte e sofisticação, há algo na sua toilette e comportamento que trai o seu aparente verniz aristocrático: um bracelete em forma de serpente enroscada no braço, lembrando Sarah Bernhardt, com dois coruscantes olhos de rubi a denunciarem o verdadeiro caráter da dona. Por outro lado, a excessiva familiaridade com um homem vulgar, bajulador e fisicamente pouco interessante, eliminam de uma vez por todas a hipótese de tratar-se de uma senhora, ou de uma princesa como inicialmente se chegou a suspeitar. O comportamento é positivamente inadequado. Os gestos são os de uma mulher mundana. Trata-se de alguém cujo encanto provém unicamente do luxo e da sofisticação patentes, respectivamente, no vestuário e nos gestos de sedução estudados até ao mais ínfimo pormenor. Do contato com artistas e intelectuais, limita-se a repetir aquilo que ouviu dizer aos homens considerados então de gênio superior.

A mulher ideal para fascinar um jovem literato romântico, devoto de Byron e Tennyson, com tendência a uma mórbida melancolia.

Vítor avista-a e, a partir de então, os dados estão lançados. A trajetória da fatalidade é impelida como que por uma força física, semelhante à de uma seta disparada por Eros.

Entretanto, há vários tipos de presságios e indícios ao logo da obra que permitem ao leitor mais atento vislumbrar o desvendar da trama. Por exemplo: logo no primeiro capítulo, no teatro nacional de S. Carlos, uma das principais personagens da peça, Sir Galahad, garante estar ali para punir os amores culpados. E, por várias vezes, é também referida alguma vaga semelhança relativamente às feições de Vítor e Genoveva.

Por outro lado, em vários momentos da narrativa, afigura-se a possibilidade de, através de um informador privilegiado, desviar o curso da tragédia, o que devido a uma série de contratempos, acaba por ser frustrado.

A verdade só vem de cima, após o confronto de Genoveva com o Tio Timóteo, altura em que se dá o reconhecimento da fatalidade numa cena que em tudo lembra o segundo ato de La Traviata de Verdi – até pela presença de violetas e camélias nos vasos da sala onde se dá o encontro.

Também na última ida a S. Carlos, Genoveva enverga uma toilette em tons de vermelho e preto, as cores do sangue e da morte. Outro presságio de morte é dado a entender quando Genoveva afasta Vítor da janela em obras à qual foi retirada a varanda, alertando-o para o perigo das vertigens, seguido da afirmação sinistra do carpinteiro “Era um saltozinho bonito…”. E o último beijo trocado entre os dois amantes antes da chegada do tio traduz o sabor da despedida e da saudade antecipada…o toque de romantismo é aplicado a tudo o que se relaciona com a conduta de Vítor.

A Tragédia da Rua das Flores mostra-nos um Eça especialmente corrosivo, num romance que não foi escrito para agradar às audiências. É por isso que as cantoras do S. Carlos são nos dadas a ouvir a “ganir” enquanto o tenor Sarrotini “muge com furor garibaldino”. Genoveva é constantemente tratada de “bêbada” por várias personagens. A palavra “chulo”, tirada diretamente do vernáculo, é várias vezes mencionada em vez do vocábulo de “proxeneta” - mais utilizado no discurso literário clássico e muito menos expressivo. Tal como quando se refere às “atoucinhadas ancas” do Palma.

Uma obra que se torna irresistível pelo fiel retrato de uma época falsamente puritana onde, salvo raríssimas exceções, a mediocridade é elevada à categoria de excelência.

O Eça menos popular. Mas nem, por isso menos acutilante. Um tiro certeiro nos tabus da sociedade lisboeta nas últimas décadas do século XIX.

Fonte:
*Artigo de Cláudia  Sousa Dias, no blog Há Sempre um Livro

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 435

 


Silmar Böhrer (Croniquinha) 11


Vivemos num tempo de tanta informação e conhecimento para avançar na vida e esquecemos o essencial. Vivemos os atropelos, busca incessante, essa corrida para chegar não sei aonde. E então esquecemos que esquecemos de nós mesmos, que olvidamos nosso principal, nosso EU verdadeiro. Onde está a frase basilar atribuída a Sócrates, que se lê no pórtico do templo do deus Apolo, na Grécia: " Conhece-te a ti mesmo ".

A menos que conheçamos nosso nós - - a seara interior - não conseguiremos produzir os alimentos necessários para abastecer o espírito - nossos pensares - e o corpo - a catedral da existência. Talvez estejamos deslocados, distanciados de nós mesmos. Talvez precisemos de adubos e sementes para fertilizar e produzir algo importante para uma vida válida, vívida, vigorosa. Bem escrevera o lorde inglês: " We must know our self, yes !".

Basta buscarmos !

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

I Concurso de Trovas Troféu Gislaine Canales



Foram recebidas um total de 150 trovas, do Brasil, Japão e Portugal.
Breve os certificados serão enviados aos premiados.
Em virtude de haverem várias trovas homenageando Gislaine Canales, foi criada a menção homenagem, premiando assim mais 5 trovadores/as.

TROFÉU GISLAINE CANALES

TEMA: PESCADOR

CATEGORIA NACIONAL – INTERNACIONAL


VETERANOS

MENÇÃO HOMENAGEM À GISLAINE CANALES


1.
Foi pescadora e poeta,
rimando sonhos ao léu...
Gislaine hoje estende a meta,
pescando estrelas no céu...
Carolina Ramos
Santos/SP

2.

Gislaine levou à risca
a missão de trovadora
e, de quebra, botou isca
pois, também, foi pescadora!
Nemésio Prata Crisóstomo
Fortaleza/CE

3.

Pescadora destemida,
Gislaine, sempre a sonhar,
fisgava versos na vida,
pescava sonhos no mar!
Professor Garcia
Caicó/RN

4.

Era exímia pescadora,
Gislaine e seus dons diversos;
também poeta trovadora
no céu declama seus versos.
Jessé Fernandes do Nascimento
Angra dos Reis/RJ

5.

A pescadora pescava
em redes de puro amar
os versos que publicava
na Revista Trovamar.
Rosicler Antoniácomi Alves Gomes
Ponta Grossa/PR

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TEMA: PESCADOR

VENCEDORES


1.
Enfrentando o mar, avança
o pescador, na missão
de transformar a esperança
em um pedaço de pão.
Edweine Loureiro da Silva
Saitama/ Província de Saitama/Japão

2.

Jamais, ao faminto deixe,
de lhe dar o pão do amor,
mais que oferecer-lhe um peixe
transforme-o num pescador.
Luiz Damo
Caxias do Sul/RS

3.

A pérola negra rara
é sonho do pescador ...
Em casa tem a mais cara:
no berço: o fruto do AMOR!
Dionezine de Fátima Navarro
Ponta Grossa/PR

4.

Sai cedinho na jangada,
lança a rede o pescador...
De noitinha o espera a amada
noutra rede – para o amor!
A. A. de Assis
Maringá/PR

5.

O pescador, peito aberto,
com audácia enfrenta o mar...
Navega com rumo certo
na incerteza de voltar…
Lucília Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes/PR

MENÇÃO HONROSA

1.

Quando o peixe vai à mesa,
com tempero e muito amor,        
vai também a chama acesa
do labor do pescador.
Ari Santos de Campos
Balneário Camboriú/SC

2.

Por estes mares bravios
pesco sonhos de bonança,
vou cumprindo desafios,
sou pescador de esperança!
Artemiza Maria Correia da Silva
Ocara/CE

3.

O poeta é pescador
no oceano de emoções...
Pesca a dor... também do amor...
alentando os corações.
Célia Terezinha Neves Vieira
Irati/PR

4.

Noite fria, sem luar...
Enfrentando tempestades,
sou pescador a singrar
o mar de eternas saudades.
Maurício Cavalheiro
Pindamonhangaba/SP

5.

Nos sonhos do dia a dia
- solitário pescador -,
lanço a rede da poesia
e pesco versos de amor...
Gilvan Carneiro da Silva
São Gonçalo/RJ


MENÇÃO ESPECIAL

1.
O maior dos pescadores,
"fisgava almas"- Jesus;
veio salvar pecadores
e o mundo encheu-se de luz!
Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP

2.

Pescando as almas de amor
num mar revolto de ateus,
a rede de um Pescador
foi malha fina de Deus...
Cezar Augusto Defilippo
Astolfo Dutra/MG

3.

Com meu arpão bem repleto
de ternura hoje propago,
que sou pescador de afeto
pelo oceano do afago!
Ailto Rodrigues
Nova Friburgo/RJ

4.

Solitário pescador,
em pesca desoladora,
fui pescado pelo amor
da mais linda pescadora.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba/PR

5.

Sou um pescador de sonhos
em maré alta, ora mansa,
driblando os dias tristonhos
num verde mar de esperança!
Maria Nelsi Sales Dias
Santos/SP


NOVOS TROVADORES

1.
Peixinho fisgado, triste,  
pescador faz um afago
e à tristeza não resiste:
devolve o pequeno ao lago.
Regina Maria Zanini Damázio
Bragança Paulista/SP

2.

Pescador, com grande calma,
carrega os sonhos no mar.
E na profundeza da alma,
o sentimento de amar.
Agnes Izumi Nagashima
Londrina/PR

3.
Singrando as águas do rio,
volta triste o pescador.
Dentro do barco vazio
só cansaço, fome e dor.
Helder Martinez Dal Col
Campo Mourão/PR

4.

Bela tela, em aquarela,
traz sonhos de pescador:
muitos peixes, barco a vela,
mar e céu, sublime amor.
Alice Gervason Marco Fernandes   
Juiz de Fora/MG

5.

Se eu fosse um bom pescador
jogava as redes ao mar,
meu peixe seria o amor,
imerso num lindo olhar!
Silvania Maria Costa
Campo Mourão/PR


COMISSÃO JULGADORA:
Vanda Fagundes Queiroz (Curitiba/PR)
Therezinha Dieguez Brisolla (São Paulo/SP)
Flávio Roberto Stefani (Porto Alegre/RS)

Fonte:
José Feldman

Leon Eliachar (As Flores)

Há dois meses que Iracema recebia flores, sem cartão. Colocava tudo nas jarras, vasos, copos; mesas, janelas, banheiro e até na cozinha. Quando o marido lhe perguntava por que tantas flores, todos os dias, ela sorria:

— Deixe de brincadeira, Epitácio.

Ele não percebia bem o que ela queria dizer, até que um dia:

— Epitácio, acho bom você parar de comprar tanta flor, já não tenho mais onde colocar.

Foi aí que ele compreendeu tudo:

— O quê? Você quer insinuar que não sabia que não sou eu quem manda essas flores?

Foi o diabo, ela não sabia explicar quem mandava, ele não conseguia convencê-la de que não era ele.

— Um de nós dois está mentindo! — gritou, furioso.

— Então é você! — rebateu ela.

No dia seguinte, de manhã, ele decidiu não sair, pra desvendar o mistério. Assim que as flores chegassem, a pessoa que as trouxesse seria interpelada. Mas não veio ninguém:

— Já são duas horas da tarde e as flores não chegaram, Epitácio. É muita coincidência. Vai me dizer que não era você.

Ele não tinha por onde escapar. Insinuou muito de leve que a mulher devia ter conhecido alguém na sua ausência. Ela chegou a chorar e se trancou no quarto. A discussão entrou pela noite até o dia seguinte. Epitácio saiu cedo, sem mesmo tomar café. Bateu a porta com força e levou o mistério para o trabalho.

Meia hora depois, a mulher saiu e foi ao florista.

— Como vai, Dona Iracema? A senhora ontem não veio, heim? Aconteceu alguma coisa?

À noite, Epitácio viu as flores e não disse uma palavra, mas a mulher não parou:

— Seu cínico. Bastou você sair para as flores aparecerem e ainda tem coragem de dizer que não foi você.

Nessa noite ele teve insônia.

Fonte:
Leon Eliachar. O homem ao zero. Publicado em 1967.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 434

 


Olivaldo Júnior (Primeiro Solilóquio da Rosa)

 
Muito prazer, sou uma rosa. Ou, melhor dizendo, sou um botão de rosa. Vermelha, desminto meu nome, mas a vida é assim mesmo, cheia de contradições.

Moro num jardim muito bonito, que fica numa rua sossegada, numa típica cidade do interior de São Paulo, no Brasil. O sol por aqui é quente mesmo! Taí um nome que não tem nada de contraditório: Brasil é mesmo uma brasa! Ai, que calor!

A dona da casa em que moro é muito zelosa com suas plantas e flores e, quando não chove, espera a noitinha e lá vem com a mangueira d’água molhar-nos. Minhas amigas, a comigo-ninguém-pode e a espada-de-são-jorge ficam só de butuca, à espera de um olho gordo sobre a gente, para espantar o mau-olhado de vez! São minhas amigas do peito, minhas e de todo o jardim. Nós gostamos muito delas. Fazem uma limpeza.

Eu, por minha vez, tenho pouco perfume, mas sou chamada de “rainha das flores”. Sei que devo isso à minha beleza e a muita propaganda, inclusive literária. Você, com certeza, já ouviu falar da rosa que aparece na história da Bela e da Fera, não já? Então, muita propaganda boa sobre nós! Nós, que somos campeãs no envio de pedido de desculpas, de parabéns pelo aniversário, de comemorações em geral. Ai, ai...

O cravo brigou com a rosa é minha música preferida, embora existam muitas outras por aí. O dia está tão lindo que, talvez, eu até cante um pouco. Em silêncio, claro, para não incomodar. Lembra-se do desenho da Disney Alice no País das Maravilhas? Ao que tudo indica, as flores não têm, como Alice pensava, o dom mavioso do canto. Não faz mal. Cá no meu cantinho, sussurro meus versos em paz, desejosa de aplausos.

Chove, não chove... Não sei. Sei que é vinda a primavera. Gosto da estação das flores. Tudo é tão lindo nessa época!... Sou muito romântica, é da minha natureza. Se fosse mulher, não sei, mas teria sido descrita por Vinicius de Moraes, nosso Poetinha.

Bem, vou ficar por aqui. O sol está no alto, bem a pino. Estou sedenta, morrendo de calor. Minhas pétalas, moles como manteiga, em breve serão colhidas. Sou a rosa.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Rachel de Queiróz (Dona Noca)


Quem me apresentou a dona Noca foi dona Inês Corrêa de Araújo, pernambucana de velha estirpe, mulher de cultura que — coisa rara — tem sabido dar oportunidade a essa cultura; career-woman de vontade férrea e tremenda capacidade de trabalho, muito bem disfarçadas, entretanto, sob o seu agradabilíssimo exterior de grande dama. Pois foi dona Inês que me apresentou à maranhense dona Noca, — aliás dona Joana Rocha dos Santos — que é prefeita municipal da cidade de São João dos Patos, no seu Estado, desde o ano de 1934.

O encontro se deu numa confeitaria; e senti que o pouco tempo, naquela tarde apressada, não nos permitisse uma conversa mais longa e mais íntima. Porque a verdade é que dona Noca me fascinou, como antes já havia fascinado a minha amiga pernambucana.

É mulher que já deixou de ser jovem, que se veste e se porta como uma matrona discreta. E sabendo-a solteira, a gente logo se lembra dessas priorezas de convento — a autoridade escondida em brandura, sem precisar jamais de levantar o timbre da voz branda, chegando a provocar em quem não a conhece direito a impressão de que até é tímida. Tem a fala suave, a expressão preciosa, como frequentemente acontece com a gente do Maranhão, que fala como se escrevesse — e escrevesse bem. Não sofre daquele desalinho de linguagem a que estamos acostumados no Nordeste, o que admira, pois São João dos Patos já é quase Nordeste, é cidade fronteiriça, a apenas 30 quilômetros do rio Parnaíba.

Aos poucos é que se vai descobrindo nela a mulher excepcional, o temperamento singular que a distingue no seu meio, — e aliás em qualquer meio. Vez por outra, dentro daquela brandura, aponta uma palavra ou uma história que trai a consciência que tem dona Noca da sua força e o quanto ela sabe usar dessa força.

E enquanto ela fala, e responde às nossas perguntas, a gente fica pensando em quem é — se é uma rainha ou uma princesa — cuja lembrança dona Noca nos sugere. De repente sei quem é: é a maharani* de um principado hindu que vi representada no cinema pela falecida e admirável Maria Ouspenskaia. A altivez encoberta pela doçura firme. A consciência da sua hierarquia. A coragem pessoal. Até as preciosas joias antigas que dona Noca traz nos dedos e no colo, e o pente de ouro, — sim, de ouro puro — que lhe segura na cabeça o coque discreto, fazem parte da sua pessoa, tal como o grande brilhante da testa fazia parte da pessoa da maharani.

Contou-nos parte da sua vida. Desde menina vem aprendendo a mandar, a tomar decisões e a fazer escolhas. O pai negociante forte no Maranhão, era daqueles provincianos de ideias largas que não se intimidam com o meio estreito onde vivem; este acreditava em liberdade feminina, em igualdade entre os sexos e criou a filha de acordo com o que pensava. Menina de dezesseis anos, trazia-a aqui, para o Rio, apresentava-a aos seus fornecedores atacadistas e entregava à filha as encomendas e as transações com bancos e armazéns. Ensinou-a a tratar com gente importante, a defender direitos dos pobres, a se interessar pela coisa pública. Morreu o velho, já agora chefe político no sertão, e dona Noca, naturalmente, ficou no lugar dele. Um belo dia, lá por 1934, foi reclamar junto ao governo contra certa situação política impossível criada pelo potentado local, em São João dos Patos. O interventor ouviu-a, sindicou, descobriu que a moça tinha razão e fez uma coisa estranha que surpreendeu a todos, e mormente a dona Noca: nomeou-a prefeita de São João dos Patos, para que ela própria pusesse cobro aos abusos. Pois dona Noca consertou o errado. E fez o que não se fazia, abriu estradas, limpou a cidade, fomentou a instrução, melhorou as ruas, ergueu prédios. Tão forte é o seu prestígio naquela terra, que de 1934 para cá podem mudar as situações políticas do país e do Estado, mas dona Noca não muda. Continua na chefia do município inalteravelmente.

Contou-me ela que quando acha que vai debilitando a sua energia, deixando que a natureza fraca de mulher a domine mais do que o permitido, faz qualquer coisa que os outros acham maluca — manda selar o cavalo, parte sozinha, apenas com um pajem, em viagens de muitas léguas, noite a dentro, cortando o sertão bravo. Talvez um inimigo — (quem não os tem, e por que não os teria essa mulher forte?) talvez um inimigo lhe prepare um tiro à tocaia. Talvez uma onça lhe mate o cavalo e a ataque a ela própria. Talvez se perca, na escuridão. Pois é disso que ela sente que precisa, para endurecer outra vez. Regressa da cavalgata retemperada, com energia nova. E paga com redobrado carinho a São João dos Patos o que a sua cidade lhe dá em prestígio e gratidão.
****************************************
 
* Maharani – Maha quer dizer grande e rani quer dizer rainha, portanto maharani é uma rainha. Assim eram chamadas as esposas dos marajás que antes de 1947 governavam um terço do território da Índia atual que, além das colônias britânicas, portuguesas (Goa Damao e Diu) e francesa (Ponticherry), incluía 565 reinados. Essas Maharanis viviam nesses reinos, como em verdadeiros contos de fadas, em palácios maravilhosos, com manadas de elefantes, vagões luxuosos, carros chiques, muitas joias e festas indescritíveis. Quando uma mulher é bonita, fina, educada, enfim, tem muitos atributos, os indianos costumam chamá-la de maharani como um valioso elogio. (fonte: Caminho das Índias, in Globo – Gshow)

Fonte:
O Cruzeiro. RJ. 17 junho 1950.

Oldney Lopes (Poemas Escolhidos)


AUSÊNCIAS
 
Quando fogem-me os versos e o amor
Quando faltam-me as rimas e os beijos
Quando falta-me o lírico fulgor
Das poesias, paixões e dos desejos
 
Sou uma réstia de luz num quarto escuro
Um fio de alma, um vulto abandonado
Sou uma sombra projetada a um velho muro
Um estertor de vida agoniada.
 
Enquanto ouço da morte a melodia
Sigo parado e surdo e em afonia
Dependurado numa fina rama
 
A respirar enquanto aguardo o nada
Usando a última lágrima entornada
Para apagar a derradeira chama!
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O CÉU DAS MADRUGADAS
 
Olho para o céu, nas madrugadas
Imagino seu rosto sereno
Seu semblante sua tez nacarada
Seu sonhar de delícias tão pleno
 
Mil estrelas, em torno, brilhando
Num fulgor tão intenso e bonito
Mas sua face é que vai cintilando
Mais que todo esplendor do infinito
 
Acordado, me ponho a sonhar
Em sair, quando o dia raiar,
Colher rosas e dar-lhe um buquê
 
Dorme, dorme, sonha, minha amada
Que eu aqui, por toda a madrugada
Vou sonhando, feliz, com você!
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SONETO DE AMOR À FLORBELA

                                        “E esta ânsia de viver, que nada acalma,
                                        É a chama da tua alma a esbrasear
                                        As apagadas cinzas da minha alma!”
                                                                 Florbela Espanca, em “Eu”


Este amor que enxergo e que me cega
Que vivo e que me mata, é amor carrasco
A um tempo só é amor , veneno e asco
Espinho agreste, flor que se não pega

É um louco amor que vive estando morto
Como ainda vive o rei Dom Sebastião
E quer o sim, já tendo ouvido o não
Quer todo o mar sem ter deixado o porto

Mas torço ainda, amor, que venha a mim
Para cumprir o gozo do destino
Ainda que seja tarde, há de vir!

E vindo, então, encontrará, enfim
Um coração batendo em desatino
Sob as areias de Alcácer Quibir!
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SONETO PELA LEVEZA DO DIZER

Se o poema tem que ser grafado em letras,
Se o papel precisa ser impresso em tinta,
Seja, a letra, mais sutil que a estrela extinta,
Seja a tinta mais fugaz do que os cometas.

Aqui deixo nulidades, vis reversos,
Como dádiva sagrada a ti, leitor.
Sejas tu, teu pensamento, o estertor,
Das imagens que fizeres dos meus versos.

Seja Ícaro alado a idéia pura,
Não derreta a cera o sol de forma dura,
Que a escrita não deturpe ideias minhas.

E que as tintas não me manchem bons momentos,
E que as letras não maltratem pensamentos,
Que a palavra não estupre as entrelinhas!
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ÚLTIMA ESTRELA

Nos sonhos você sempre me aparece
Me aquece, desdobrando-se em ternura
Na noite escura e fria é que me aquece
E tece em mim frisson, gozo e loucura

É nos meus sonhos que você sou eu
E eu sou você e juntos somos um
Nalgum momento sinto-me Morfeu
Saciando de seus beijos meu jejum

Mas se é nos sonhos que consigo tê-la
Quero apagar do céu a última estrela
Para poder enfim lhe conquistar

Deixar de ser tão só e tão tristonho
Dormir e aprisionar-me no meu sonho
E deste sonho jamais acordar!

Fonte:
Oldney Lopes (https://www.oldney.net/)

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 433

 


Rita Lee (O Passarinho e o Peixinho)


Era uma vez um peixinho que queria voar e um passarinho que queria nadar. Um dia se encontraram na beira do lago e ficaram comentando suas vidas.

- Chuva para você não é problema, eu tenho que correr para um abrigo e proteger minhas asas dos pingos d'água senão ficam pesadas demais para voar.

- Quando chove fica tudo embaçado aqui embaixo, não enxergo um palmo além do nariz e quando faz sol você pode voar até os mais altos prédios para ver o mundo lá das nuvens, enquanto eu fico aqui nadando entre os lixos que são jogados na minha casa.

- Você ainda tem uma casa, e eu que durmo cada dia num galho de árvore! E por falar em lixo, você nem imagina o castigo que é respirar o monóxido de carbono dos automóveis. Aqui fora, a vida é muito mais poluída e perigosa.

- Mas você sempre pode voar para o campo onde o ar é puro; já eu não posso fugir para um rio limpinho. Ser passarinho tem suas vantagens, meu caro amigo.

- Que nada! No campo sou alvo dos estilingues da molecada. Se eu fosse um peixinho, bastava dar um mergulho para fugir deles.

- Os moleques me perseguem com outros truques. Um dia pensei que uma minhoca estava dando sopa mas era um anzol pontudo, consegui fugir mas fiquei com uma baita cicatriz na boca.

- Certa vez também estava na cola de uma minhoca e fui abocanhado por um gato que me arrancou várias penas e com muito esforço consegui escapar.

- É verdade, isto nós dois temos em comum: gostamos de comer minhocas e os gatos gostam de nos comer. Eu daria tudo para poder voar deles como você.

- E eu daria tudo para poder nadar como você. Gatos têm pavor de água.

Neste exato momento, o passarinho e o peixinho viram uma minhoca apetitosa passeando tranquila na beiradinha do lago e a conversa deles mudou de enfoque diante de tamanha guloseima.

- Olha só, por que você não dá um mergulho agora lá no fundo para eu ficar observando cheio de inveja? - sugeriu o passarinho.

- Só se antes você voar bem alto para eu poder apreciar seu magnífico voo daqui - respondeu espertamente o peixe.

Nesse vai-e-vem, a minhoca foi parar pertinho de um gato malandro que estava ouvindo a conversa toda na moita.

O susto foi tão grande que o peixinho e o passarinho fugiram da cena num segundo.

Moral da Estória:
Minhoca não nada nem voa, em compensação gato não come!


Fonte:
Universo das Fábulas

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XX


TUDO E NADA

MOTE:
Fiz na vida o meu escudo
desta verdade sagrada:
- O nada com Deus é tudo
e tudo sem Deus é nada.

Belmiro Braga
Vargem Grande/MG, 1872 – 1937, Juiz de Fora/MG


GLOSA:
Fiz na vida o meu escudo
para, então, me proteger
e fiz um profundo estudo
entre o "ser e entre o não ser"!

O segredo prazenteiro
desta verdade sagrada,
só descobre, quem primeiro
vive a fé, em sua estrada!

O divino conteúdo
nos mostra com emoção:
- O nada com Deus é tudo
sem Deus, o tudo é ilusão!

Norteio, assim, meu caminho,
a minha nova alvorada,
pois com Deus, tudo é carinho,
e tudo sem Deus é nada.
****************************************

INVERNO...

MOTE:
Inverno, melancolias
errando, à-toa, nas ruas...
As minhas mãos estão frias
e com saudades das tuas!

Colombina
São Paulo/SP, 1882 – 1963


GLOSA:
Inverno, melancolias,
folhas secas, neve, enfim,
somente monotonias
vão se acercando de mim!

Encontro minha alma triste,
errando, à-toa, nas ruas...
Sem paz, ela não resiste,
as ilusões estão nuas!

Trago as minhas mãos vazias
e o meu coração chorando...
As minhas mãos estão frias
com as tuas mãos, sonhando!

Cai sobre mim, o luar,
multiplicado em mil luas!
Sinto as mãos, a congelar
e com saudades das tuas!
****************************************

O TEMPO DESMASCARA...

MOTE:
O tempo, sem mais cuidados,
fotografando a ironia,
revela, às vezes, agrados
com jeito de hipocrisia!

Eduardo A. O. Toledo
Pouso Alegre/MG


GLOSA:
O tempo, sem mais cuidados,
duras verdades revela,
nos coloridos forçados
de alguma falsa aquarela!

Segue, o tempo, a passos lentos
fotografando a ironia,
e vai mostrando os lamentos
da mentirosa alegria!

Em meio a tantos enfados
tentando a paz, encontrar,
revela, às vezes, agrados
bem difíceis de aceitar!

Vai, então, desmascarando
e com total maestria,
agrados que vão chegando
com jeito de hipocrisia!
****************************************

PEDACINHOS DE NADA

MOTE:
O homem, depois da jornada,
vê que a ventura ficou,
nos pedacinhos de nada,
sobre os quais sempre pisou!

Fernando Vasconcelos
Diamantina/MG, 1937 – 2010, Ponta Grossa


GLOSA:
O homem, depois da jornada,
olha triste o seu caminho
e vê, quão amargurada,
foi a trilha, sem carinho!

Vê que está só e tristonho,
vê que a ventura ficou,
onde perdeu o seu sonho,
de onde nunca mais voltou!

Ladrilhou a sua estrada
com o pranto de emoção
nos pedacinhos de nada,
quebrados no coração!

Pois, esses nadas somados,
(que jamais valorizou),
eram sonhos realizados,
sobre os quais sempre pisou!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XIX. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Aparecido Raimundo de Souza (Parte Treze) Né?


texto integrante do livro "Comédias da Vida na Privada".
________________________________________

AS DUAS AMIGAS CONVERSAM animadamente numa das salas da excêntrica milionária Elena de Castro Y Castro Aparecido, enquanto tomam chá servido por uma serviçal toda meticulosa, metida num aventalzinho cor de abóbora. Elena é alta, morena clara, aparenta ter 25 anos. E tem. A visitante é Liliane, uma loirinha simpática e faladeira, que fazia as unhas de Elena nos tempos em que ela costumava frequentar um sofisticadíssimo e caro salão do shopping. As duas se tornaram amigas. Em vista disso, a ricaça deixou de marcar presença no local e, por essa razão, duas vezes na semana, Elena convida Liliane para vir até sua mansão. Ora para jogar conversa fora, ora para fazer as unhas das mãos e pés, o que lhe rende, além do serviço em si, uma gorjeta extra não computada pela patroa e as demais funcionárias.

Liliane é loira de nascença, graciosa, extrovertida e se veste com a simplicidade de uma suburbana de Madureira, embora resida com marido e dois filhos num bairro lá pelos cafundós de Santa Cruz. É de complacência alta e incrivelmente magra como uma dessas hastes de madeira encontradas em mesas de restaurantes para esgaravatar os dentes, após uma suculenta refeição. Olhando para ela, tem-se a impressão de que faz regime constante para se deitar numa agulha e cobrir o corpo com um pedaço de linha. Liliane acabou de completar 27. Mas, pela vida agitada, pelos problemas, aparenta estar beirando os quarenta:

— Eu acho que a Lucinda, né... Ao falar —, se serve de uma torrada oferecida pela amiga. — Acho que ao falar de certas coisas, né —  parece que se perde...

—... Se perde? Como assim?

— Me refiro ao tempo no tempo. No espaço, como diria, ah... Ta. Toda fuc-fuc.

— Toda fuc-fuc Liliane? Explica este termo.

A loira fica um minuto olhando fixamente para um quadro recém colocado na parede. É um legitimo Rembrandt de 1625.  Mas, claro, ela não sabe:

— Fuc-fuc é como misturar alhos com bugalhos, né?

— Alhos com bugalhos?

— Sim.

— E o que tem a ver o fuc-fuc da Lucinda com alhos e bugalhos?

— Assim, amiga. Fuc-fuc é aquela pessoinha toda enrolada, né, toda não sei onde estou como cheguei até aqui, etc. etc. Alhos né, é aquele condimento caseiro que a gente mistura ao óleo, a cebola e aos tomates, para dar um gosto mais apurado nos alimentos, né?

— Não me convenci. Juro que estou no ar, balançando como caniço ao vento.

A loira se limita a uma resposta fria e repetitiva:

— Né...?

E continua fixa no quadro. Seus olhos de um azul profundo se abrem num brilho espetacular:

— Aquele troço que você tem ali naquela parede — as palavras saem de sua boca num fluxo rápido, como a força da água corrente que está represada e finalmente se solta  —.  é do tal “Reibrant?”.

— Quem, amiga? Não entendi. Repita, por favor.

— Né? “Reibrant?”.

— Ah. Você se refere a Rembrandt. Aquele é um legítimo...

— Né?

— Liliane, você está diante do “Martírio de São Estevão”. Uma joia rara desse pintor holandês. Da última vez em que esteve aqui, eu ainda não o tinha na minha coleção. Trouxe de Paris ano passado. Estava na minha mansão lá da Barra da Tijuca.

— Né?... Martírio de quem?

— São Estevão. Rembrandt foi discípulo de Pieter Lastman. Apesar de famoso e conhecido no mundo inteiro, morreu pobre e na miséria. Mas deixa isso para lá. Vamos voltar aos alhos com bugalhos. Disso você entende, não?

— Sim, muito.

— E o que seriam bugalhos?

— Né? Paris... Como?... Bugalhos?

— Perfeito. Bugalhos.

A loira tenta desconversar e sair pela tangente:

— Ontem, né, quando você me mandou aquela mensagem pelo msn, e logo depois repetiu pelo zap, para vir hoje aqui em sua casa, confesso não ter entendido uma palavra que me escreveu...

— Que palavra, amada?

— No final do nosso papo eu “ponhei” assim pra você: “pode deixar minha linda. Amanhã estarei ai pra tomar chá com você. Fique na paz”. Ai você me respondeu. — “Deus te opuça”. O que é opuça?

— Opuça?!

— Sim! Opuça.

Elena de Castro Y Castro Aparecido, polidamente educada, cai numa bela e espontânea gargalhada:

— Só você para me fazer rir. Não seria ouça? Deus te ouça?

— Né..?

A anfitriã volta a se desmanchar num sorriso largo e cativante. Em seguida, num gesto de delicadeza faz um sinal quase imperceptível à serviçal de aventalzinho abóbora para que complete a xícara da amiga que veio em atenção ao seu convite:

— Taninha, por favor, renove as nossas torradas.

A moça serve a bebida, faz uma mesura com a cabeça e se retira, silenciosamente:

— Fique a vontade, Liliane. Você é de casa.

— Não, Elena. Estou satisfeita. Regime. Comer demais vai me tirar de forma, né...?

— Voltando ao opuça, minha amiga querida, às vezes, na pressa, a gente erra. Você mesma, dias atrás, está lembrada, falando de seu marido, disse categoricamente que iria mandá-lo às facvas...

— Eu disse?

— Sim, amiga.

— Mas por que eu mandaria o coitado do Paulinho às facvas? Nem sei o que é isso!

Novos risos:

— Na afoiteza de me escrever, acredito que, no calor da pressa, sabe-se lá, você digitou facvas. Mas eu entendi perfeitamente que me quis dizer favas:

— Ah, tá... Né? Facvas é favas.

— Não, Liliane.  Favas é favas. Facvas foi um cezinho que você colocou a mais. Digitou sem querer. Um errinho insignificante. Acontece!

— Né...?

— Pois bem. Voltando ao nosso papinho tão legal. Nós duas estamos fugindo do assunto. O que seriam bugalhos?

— Bugalhos né...?

— Bugalhos.

Elena encarou Liliane de frente e capturou no fundo da sua alma o ar preocupado que tomou conta da sua expressão:

— Bugalhos, né. Me fale um pouco mais do “Martírio” daquele sujeitinho ali da sua parede. Como é mesmo o nome? Reibrant, Reimplante, Reinante, Kikikikikiki... Sei que é rei. É rei, né...?

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. “Comédias da vida na privada”. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.
Texto enviado pelo autor, de Florianópolis/SC

Estante de Livros (Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury)

 
The Martian Chronicles (Crônicas Marcianas) é um livro de contos de ficção científica de 1950, de autoria do escritor norte americano Ray Bradbury, cujo tema recorrente é a colonização de Marte por humanos com problemas e eventualmente vindos de uma Terra sob a iminência de ser devastada pela Guerra Atômica. Há também conflitos entre aborígenes marcianos com os novos colonizadores. O estilo do livro varia de contos a novela episódica, com histórias de Bradbury originariamente publicadas nos anos de 1940 em revistas de ficção científica. Bradbury mencionou Sherwood Anderson e As Vinhas da Ira de John Steinbeck' como influências na estrutura do livro. A obra é similar em sua estrutura a outro livro de contos de Bradbury, chamado The Illustrated Man, que também usa uma história para ligar várias outras entrelaçadas. 

Como na “Série da Fundação” de Isaac Asimov, As crônicas marcianas seguem uma “história futura”. Assim, os contos quando reunidos seriam capítulos de uma narrativa maior. O livro é dividido em três partes, pontuadas por duas catástrofes: a extinção recente dos marcianos e os paralelos com a iminente extinção da raça humana.

A primeira parte (período de janeiro a abril de 2000) detalha as tentativas dos terrestres de explorarem Marte. Na história-chave "—And the Moon be Still as Bright" (-E a Lua ainda brilha) é revelado que a Quarta Exploração descobriu o perecimento dos marcianos por uma praga causada por germes trazidos por uma das explorações anteriores.

A segunda parte (dezembro de 2001—novembro de 2005) é quando os terrestres colonizam o desértico planeta e ocasionalmente fazem contato com poucos marcianos sobreviventes. Mas os colonizadores estão mais preocupados em transformarem o planeta em uma segunda Terra. Contudo, com a ameaça de guerra na Terra, a maioria volta ao lar. Com a guerra nuclear, o contato entre Marte e Terra é interrompido.

Na terceira parte (dezembro de 2005—outubro de 2026) há os efeitos do pós-guerra e os poucos sobreviventes humanos se tornando os novos marcianos, fazendo uma ponte com "—And the Moon be Still as Bright" e com isso havendo um retorno ao começo.

Na edição de 1997 as datas avançaram em 31 anos (o período agora seria de 2030 a 2057), inclui o conto "The Fire Balloons" e substitui "Way in the Middle of the Air" por um conto de 1952 chamado "The Wilderness", datado de maio de 2034 (equivalente a maio de 2003 na primeira cronologia).

Conteúdos

O VERÃO DO FOGUETE (ROCKET SUMMER)
(janeiro 1999/2030)

Primeira publicação na revista Planet Stories, primavera de 1947.

Em janeiro de 1999 é lançado o primeiro foguete espacial para Marte. Na narrativa é descrito o inverno de Ohio que experimenta um rápido verão devido ao extremo calor emitido pela nave, além da reação dos cidadãos nos arredores.

YLLA
(fevereiro de 1999/2030)

Primeira publicação com o título de "I'll Not Look for Wine" na revista Maclean's, 1 de janeiro de 1950.

A história muda para Marte. Ylla, uma mulher marciana aprisionada em um casamento sem romance, sonha diariamente com a chegada dos astronautas. O marido fica ciumento, achando que sua mulher está tendo um romance com um astronauta e arma uma tocaia quando da chegada dos terrestres.

A NOITE DE VERÃO (THE SUMMER NIGHT)
(agosto de 1999/2030)

Primeira publicação com o título de "The Spring Night" em The Arkham Sampler, inverno de 1948.

Assim como Ylla, os marcianos entram em contato com os astronautas da segunda expedição e com a proximidade da nave eles adotam aspectos da cultura terrestre, como cantar canções americanas, sem ideia de onde viria essa inspiração.

OS HOMENS DA TERRA (THE EARTH MEN )
(agosto de 1999/2030)

Primeira publicação em Thrilling Wonder Stories, agosto de 1948.

É contada a história da segunda expedição à Marte. Os astronautas chegam e são estranhamente ignorados pelos habitantes. A única exceção é um grupo de marcianos que habitam uma estranha construção e recebem os astronautas com um desfile. O capitão do foguete percebe que esses moradores fizeram contatos telepáticos com os terrestres e outros alienígenas e devido a isso são tratados como loucos pelos demais. E o prédio em que moram é na verdade um manicômio.

O CONTRIBUINTE (THE TAXPAYER)
(março de 2000/2031)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

Um homem exige ir no próximo foguete à Marte, argumentando ser um contribuinte de impostos e teme que a Terra venha a ser assolada por uma Guerra Nuclear.

A TERCEIRA EXPEDIÇÃO (THE THIRD EXPEDITION)

(abril de 2000/2031)

Publicado pela primeira vez como "Mars is Heaven!" na revista Planet Stories, outono de 1948.

É narrada a terceira expedição à Marte. Os marcianos estão preparados para a chegada dos terrestres. Eles constroem o cenário de uma típica cidade dos anos de 1920, usando as memórias dos astronautas, a fim de enganá-los e matá-los. Na história original foi inserido um breve parágrafo sobre os avanços médicos que permitiram um retardo no envelhecimento e isso explica que homens do ano 2000 se lembrem dos anos de 1920.

E A LUA CONTINUA TÃO BRILHANTE (AND THE MOON BE STILL AS BRIGHT)
(junho de 2001/2032

Primeira publicação em Thrilling Wonder Stories,junho de 1948.

Os homens da Quarta Expedição estão em Marte buscando lenha para queimar e se aquecerem do frio marciano. Os cientistas descobriram que todos os marcianos morreram de varicela/catapora. Os homens, exceto o arqueólogo Spender e o capitão Wilder, se mostram mudados, mais irritadiços. Eles deixam a nave e começam a explorar as ruínas.

Em algumas edições, as duas histórias em que Jeff Spender aparece, foram fundidas em uma só.

OS COLONIZADORES (THE SETTLERS)
(agosto de 2001/2032)

Spender volta à tripulação depois de fazer uma expedição. Ele traz uma arma e atira nos outros, dizendo ser o passado de Marte. O capitão Wilder interrompe o fogo com uma bandeira branca e pergunta ao arqueólogo o motivo de sua atitude. Spender responde que matar a tripulação fará com que a colonização de Marte se retarde alguns anos.

O capitão bate em Parkhill, outro tripulante, quando esse desrespeita os restos marcianos e atira em alguns vidros usando-os como “tiro ao alvo”. Muitos dos tripulantes da Quarta Expedição — Parkhill, Capitão Wilder e Hathaway — reaparecerão em outras histórias. Essa foi a primeira história com o tema central do livro: Ao traçar um paralelo com a Colonização Americana, Bradbury, assim como Spender, passa a mensagem de que alguns tipos de colonização são certos e outros errados. Ao tentar recriar a Terra se faz do jeito errado, enquanto respeitar as antigas civilizações que foram substituídas, é o certo.

A MANHÃ VERDE (THE GREEN MORNING)
(dezembro de 2001/2032)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

Esse e os próximos contos descrevem a transformação de Marte em outra Terra. Pequenos vilarejos começam a crescer. Benjamin Driscoll quer plantar milhares de árvores nas planícies vermelhas para aumentar o oxigênio.

OS GAFANHOTOS (THE LOCUSTS)
(fevereiro de 2002/2033)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

Uma curta história que fala sobre a rápida colonização de Marte, com a chegada de vários foguetes ao planeta.

ENCONTRO NOTURNO (NIGHT MEETING)
(agosto 2002/2033)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

Essa história começa com uma conversa entre um homem velho e um jovem viajante, Tomas Gomez. Depois, Tomas encontra um marciano chamado Muhe Ca. Cada um vê a paisagem do jeito que se acostumaram: onde Tomas vê ruinas, o marciano avista cidades habitadas. E a outra pessoa parece transparente, como um fantasma. Para Bradbury, o ponto a ser ressaltado é a de que toda civilização é passageira.

Essa é a única história de The Martian Chronicles que não apareceu de forma completa em publicações prévias.

OS BALÕES DE FOGO (THE FIRE BALLOONS)
(novembro de 2002/2033)

Primeira publicação com o título de "…In This Sign" na revista Imagination, abril de 1951.

Uma expedição de padres missionários vai à Marte e encontra criaturas flamejantes azuis em esferas de cristais.

A história apareceu em The Silver Locusts, nome da edição britânica de The Martian Chronicles, da edição de 1974 da The Heritage Press. A história aparece em The Illustrated Man.

A PRAIA (THE SHORE)

(outubro de 2002/2033)

A história descreve a segunda onda colonizatória: a primeira, tinha sido formada de solitários e pioneiros. A segunda, de americanos vindo dos cortiços de Nova Iorque.

INTERMÉDIO (INTERIM)

(fevereiro de 2003/2034)

Primeira publicação em Weird Tales, julho de 1947.

A história descreve a construção de uma cidade marciana por colonizadores e como eles a fizeram parecer uma cidade do Meio-Oeste Americano. Começaram a dizer que a cidade tinha sido trazido da Terra para Marte por um tornado.

OS MÚSICOS (THE MUSICIANS)
(abril de 2003/2034)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

São contadas várias aventuras de meninos nas ruínas marcianas. Eles entram dentro das casas vazias e brincam como faziam na Terra. Enquanto isso os “bombeiros” limpam as ruínas, ameaçando acabarem com o local das brincadeiras.

REGIÃO SELVAGEM (THE WILDERNESS)
(maio de 2003/2034)

Primeira publicação em The Magazine of Fantasy and Science Fiction, novembro de 1952.

Duas mulheres, Janice Smith e Leonora Holmes, preparam-se para deixar a Terra num foguete para Marte, para se encontrarem com maridos ou amantes que esperam por elas. Janice compara sua situação com a das mulheres dos pioneiros americanos da fronteira no século XIX.

A história aparece apenas na edição de 1974 de The Martian Chronicles, publicada por The Heritage Press e na edição de 1997 de The Martian Chronicles. No formato original, a história foi datada de 2003, consistente com as demais. Como apareceu em 1997, a data (bem como a das outras) foi adiantada 31 anos, ou seja, maio de 2034.

UM CAMINHO NO MEIO DO AR (WAY IN THE MIDDLE OF THE AIR)
(junho de 2003/2034)

Primeira publicação em Other Worlds, julho de 1950.

Em uma cidade sem nome do Sudeste, um grupo de homens brancos descobre que todos os afro-americanos estão planejando emigrar para Marte. Samuel Teece, um obviamente racista homem branco se interpõe à passagem de uma grande massa de gente e tenta impedir que um jovem negro (chamado "Silly") parta, mostrando um contrato de trabalho (assinado com um "X" pois Silly não sabia escrever).

Silly pergunta para Teece, "what will you do nights now, Mr. Teece?" (“O que será das suas noites agora, senhor Teece?”) referindo-se às "visitas" noturnas aos lar dos negros, com destruição e linchamento de membros daquela comunidade.

A história é uma amostra do preconceito racial nos Estados Unidos. Contudo, ela foi eliminada das republicações a partir de 2006 por William Morrow/Harper Collins de The Martian Chronicles

A ESCOLHA DOS NOMES (THE NAMING OF NAMES)
(2004-05/2035-36)

Primeira publicação em The Martian Chronicles. Não deve ser confundida com a história curta "The Naming of Names", publicada pela primeira vez em Thrilling Wonder Stories, agosto de 1949, mais tarde republicada como "Dark They Were, and Golden-eyed".

A história é sobre uma onda tardia de imigrantes para Marte, e mostra a geografia do planeta batizada com nome das pessoas das primeiras quatro expedições (Colina Spender, Floresta Driscoll).

USHER II 
(abril de 2005/2036)

Primeira publicação como Carnival of Madness em Thrilling Wonder Stories, abril de 1950.

"Usher II" alude ao medo da censura por parte de Bradbury e de outros escritores. Um perito literário chamado William Stendhal retira-se para Marte e constrói uma “Casa Assombrada”, com criaturas mecânicas, ruídos assombrados e aplicação de muitos venenos que matam qualquer ser vivo que passe ao redor da casa. Quando monitores da Moral Climate vem para uma vistoria, ele prepara o assassinato de cada um de modo a que se pareçam com passagens de livros clássicos de terror. Culmina com a morte do Inspetor Garrett de forma que lembra o conto de Edgar Allan Poe chamado "O Barril de Amontillado". Quando todos são mortos, a casa mergulha no lago, como acontece em "A queda da casa de Usher", outro conto de Poe.

Bradbury conta eventos do passado da Terra, que teria acontecido em 1975 – 30 antes dos eventos de "Usher II". O governo teria patrocinado uma grande queima de livros, seguida do surgimento de uma sociedade subterrânea de cidadãos que guardam livros, cujas posses foram consideradas ilegais. Os exemplares que são encontrados, são queimados e rasgados pelos bombeiros (que aqui seriam os que provocam incêndios e não os que os combatem). Marte aparentemente emergira como um refúgio contra as leis fascistas dos censores da Terra, até a chegada da organização governamental conhecida apenas como "Moral Climates", que tinha como um de seus departamentos o dos "Queimadores". Essa ideologia da censura é uma clara referência à situação da Terra descrita em Fahrenheit 451, o que sugere que os dois contos ocorrem no mesmo universo ficcional.

OS VELHOS (THE OLD ONES)
(agosto de 2005/2036)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

A história mostra que Marte se tornou um lugar hospitaleiro e agradável, que motiva a migração de idosos.

OS MARCIANOS (THE MARTIAN)
(setembro de 2005/2036)

Primeira publicação em Super Science Stories, novembro de 1949.

LaFarge e sua esposa Anna tentam uma nova vida, mas eles ainda sentem a falta do filho morto Tom. À noite, durante uma tempestade, uma figura é vista do lado de fora da casa. LaFarge acha que de alguma maneira a figura é Tom e passa a deixar a porta destrancada. Depois LaFarge descobre que “Tom” é um marciano com os sentidos empáticos ampliados e isso faz com que ele se pareça com Tom. Depois, LaFarge ouve que os Spaulding acharam a filha perdida Lavínia. Quando retornam ao lar, reencontram “Tom”, agora com a aparência de Lavínia.

A LOJA DE MALAS (THE LUGGAGE STORE)
(novembro de 2005/2036)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

A história de Marte e seus habitantes é contada numa discussão entre um padre e um lojista. A guerra nuclear é iminente na Terra e o padre acredita que a maioria dos colonos retornarão para ajudarem os conterrâneos.

FORA DE TEMPORADA (THE OFF SEASON)
(novembro de 2005/2036)

Primeira publicação em Thrilling Wonder Stories, dezembro de 1948.

Em Marte, o membro da Quarta Expedição Parkhill tinha aberto um negócio de venda de cachorro-quente, quando vê um marciano caminhando. Em pânico, Parkhill o mata. Subitamente, numerosos marcianos aparecem em navios de areia. Parkhill pega sua esposa em seu próprio navio e foge. Mas os marcianos o alcançam e lhe entregam uma mensagem: ele agora é dono de metade de Marte. Nesse momento se sabe que começou a guerra nuclear na Terra.

OS OBSERVADORES (THE WATCHERS)
(novembro de 2005/2036)

Primeira publicação em The Martian Chronicles.

Um colonizador testemunha a Guerra Nuclear na Terra, de Marte. Ele imediatamente retorna para socorrer seus amigos e familiares.

AS CIDADES SILENCIOSAS (THE SILENT TOWNS)
(dezembro de 2005/2036)

Primeira publicação em Charm, março de 1949.

Todos deixam Marte e vão para a Terra, exceto Walter Gripp — um mineiro solteiro que vivia nas montanhas e não ficara sabendo da partida. Ao encontrar as cidades vazias, ele se diverte com dinheiro, comida, roupas e cinema. Começa a sentir falta de uma companhia humana. Uma noite ele ouve um telefone a tocar em uma casa. E percebe que não é a única pessoa ainda viva em Marte. Então ele começa a procurar essa outra pessoa, discando para todos os nomes de uma lista telefônica.

OS LONGOS ANOS (THE LONG YEARS)
(abril de 2026/2057)

Primeira publicação como "Dwellers in Silence" em Maclean's, 15 de setembro de 1948.

Hathaway (o médico da Quarta Expedição) está aposentado e continua em Marte com sua família, mesmo depois que todos partiram. Hathaway é um grande mecânico, que ligou sua casa com fios pelos quais ele retransmitia sons e barulhos de telefones tocando. Uma noite, ele vê um foguete em órbita e incendeia a velha cidade para sinalizar para a nave.

O Capitão Wilder (que também pertencera à Quarta Expedição) retorna finalmente para Marte depois de vinte anos explorando o Sistema Solar. A nave aterrisa e Wilder se junta a Hathaway, que está com problemas cardíacos. Hathaway traz a tripulação para um café em sua casa. Wilder repara que a esposa de Hathaway está com a mesma aparência de vinte anos atrás. O mesmo acontece quando conhecem os filhos do antigo tripulante.

CHEGARÃO CHUVAS SUAVES (THERE WILL COME SOFT RAINS)
(4 de agosto de 2026/2057)

Primeira publicação em Collier's, 6 de maio de 1950.

A história se passa em Allendale, Califórnia, após a Guerra Nuclear ter dizimado a população. Com a família morta, a casa automática continua com suas funções como se os moradores continuassem ali. Os leitores ficam sabendo de como era a vida da família antes de desaparecerem. Na casa estão silhuetas dos moradores da casa que foram queimados (assim como aconteceu com Hiroshima, com os habitantes vaporizados pela explosão nuclear).

O título da história é o mesmo de um poema, escolhido aleatoriamente e também denominado "There Will Come Soft Rains". O tema do poema é que a natureza sobreviverá após a partida da humanidade, refletido também na história. Na publicação original em Collier's, a história se passa 35 anos no futuro.

O PIQUENIQUE DE UM MILHÃO DE ANOS (THE MILLION-YEAR PICNIC)
(outubro de 2026/2057)

Primeira publicação em Planet Stories, verão de 1946.

Uma família salva um foguete que seria usado pelo governo na Guerra Nuclear. Eles deixam a Terra e vão para Marte. Mais tarde, outra família chegaria em Marte, e ambas as famílias começariam uma nova civilização ali, se tornando os "novos marcianos".
Adições a "Martian Chronicles"[editar | editar código-fonte]

De acordo com a biografia autorizada de Bradbury escrita por Sam Weller, quatro capítulos foram retirados do manuscrito antes da publicação e permanecem inéditos: "They All Had Grandfathers", "The Disease", "The Fathers" e "The Wheel".

Uma nova edição de The Martian Chronicles publicada pela Hill House (2005) apresenta várias histórias adicionais de Bradbury sobre os marcianos:

The Love Affair (The Love Affair, Lord John Press 1982, escrita por volta de 1948)
The Visitor (Startling Stories, novembro de 1948)
Night Call, Collect (Super Science Stories, abril de 1949)
The Lonely Ones (Startling Stories, julho de 1949)
Dark They Were, and Golden Eyed (Thrilling Wonder Stories, agosto de 1949)
The One Who Waits (The Arkham Sampler, verão de 1949)
The Exiles (The Magazine of Fantasy and Science Fiction, Inverno/Primavera de 1950)
The Blue Bottle (Planet Stories, 1950)
The Other Foot (New Story, março de 1951)
The Strawberry Window (Star Science Fiction Stories #3, ed. Frederik Pohl, Ballantine, 1954)
Holiday (Playboy, dezembro de 1963)
The Lost City of Mars (Playboy, janeiro de 1967, republicada em I Sing the Body Electric)
The Messiah (Welcome Aboard, primavera de 1971)

ADAPTAÇÕES

RÁDIO


Foi adaptada para o rádio na série de ficção científica Dimension X. A versão truncada possui elementos dos contos "Rocket Summer", "Ylla", "–and the Moon be Still as Bright", "The Settlers", "The Locusts", "The Shore", "The Off Season", "There Will Come Soft Rains" e "The Million-Year Picnic".

"—and the Moon be Still as Bright" e "There Will Come Soft Rains" também foram adaptadas em episódios separados da mesma série. A curta história "Mars Is Heaven" e "Dwellers in Silence" também figuraram em episódios de Dimension X.

MINI-SÉRIE DE TELEVISÃO

Em 1979 a NBC encomendou três episódios para uma minissérie, a serem produzidos em parceria com a BBC, cuja duração total seria de quatro horas. A adaptação foi escrita por Richard Matheson e houve a direção de Michael Anderson. A série foi estrelada por Rock Hudson como "Wilder", com Darren McGavin como “Parkhill”, Bernadette Peters como 'Genevieve Selsor', Bernie Casey como “Jeff Spender”, Roddy McDowall como o “Pai da Pedra”, Barry Morse como “Hathaway” e Fritz Weaver. Bradbury achou a série "bem chata".

HISTÓRIA EM QUADRINHOS

Adaptação oficial por Dennis Calero com introdução do próprio Ray Bradbury. Graphic novel lançada pela editora Hill and Wang em 19 de julho de 2011. No Brasil foi lançada pela Globolivros.

Fonte:
Wikipedia