segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Estante de Livros (Incidente em Antares, de Érico Veríssimo)


Incidente em Antares foi o último romance escrito por Érico Veríssimo. Escrito em 1971, faz uso do fantástico e do sobrenatural para abordar temas reais (o chamado Realismo Fantástico). As principais temáticas sobre as quais Veríssimo escreve nessa obra são a violência do regime militar e a chegada de indústrias estrangeiras ao Brasil.[
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PRIMEIRA PARTE: ANTARES

A bem dizer, Antares é uma cidadezinha perdida no mapa do Rio Grande do Sul, às margens do rio Uruguai, “na fronteira do Brasil com a Argentina”. Essa cidadezinha será palco, em 1963, numa sexta-feira, de “um drama talvez inédito nos anais da espécie humana”.

 A origem de Antares remonta há muitos anos atrás, conforme reza um relato do naturalista francês Gaston Gontran, deslumbrado com a beleza do lugar, o naturalista mostra a seu hospedeiro, Francisco Vacariano a estrela Antares. “É um bonito nome para um povoado”. E em 1853, quando o povoado é elevado à categoria de vila, Antares substituirá o nome primitivo “Povinho da Caveira”. Para muitos, entretanto, Antares significava “lugar das antas”.

Senhor absoluto da cidadezinha até então, Chico Vacariano é ameaçado no seu reinado por Anacleto Campolargo, “criador de gado e homem de posses”, que passa a disputar com o pioneiro (Chico Vacariano) o domínio daquele feudo. Há lutas de mortes e o ódio se estabelece entre os dois clãs por gerações sucessivas, com atos de violência e atrocidades inimagináveis. A rivalidade entre as duas dinastias durou “quase sete decênios, com períodos de maior ou menos intensidade”.

A década de 20 trouxe para Antares muito progresso, tanto na ordem material como intelectual”, e a cidade “até então um município exclusivamente agropastoril, começava auspiciosamente a industrializar-se. O telégrafo, o cinema, os jornais e revistas que vinham de fora, a estrada de ferro e, depois de 1925, o rádio – contribuíram decisivamente para aproximar o mundo de Antares ou vice-versa.

A rivalidade, contudo, entre os dois clãs (Vacariano X Campolargo) domina a cidade a política local. Após um período de turbulência e atrocidades engendradas por Xisto Vacariano e Benjamin Campolargo, chega à cidade de Antares, com a missão de estabelecer a paz entre as duas famílias beligerantes, “um membro da prestigiosa família Vargas, de São Borja
”: era Getúlio Vargas, a essa época, deputado federal. Usando de artimanhas, Getúlio consegue aproximar os dois chefes políticos, ponderando: “Os amigos hão de concordar em que os tempos estão mudando. O mundo se encontra diante da porteira duma nova Era. Essas rivalidades entre maragatos e republicanos serão um dia coisas do passado. Precisamos pacificar definitivamente o Rio Grande para podermos enfrentar unidos o que vem por aí...”.

Os dois velhos próceres, agora apaziguados serão substituídos por Zózimo Campolargo, casado com D. Quitéria (D. Quita) e Tibério Vacariano, casado com D. Briolanja (D. Lanja). De boa paz e meio indolente, Zózimo “era um homem sem nenhuma vocação para liderança”. Dessa forma, a chefia política da cidade acaba sendo assumida por Tibério e D. Quita, “criatura enérgica e inteligente, senhora de razoáveis leituras, e até duma certa astúcia política”. D. Quita, pois, diante da indolência do marido, acaba-se tornando a “eminência parda, o poder por trás do trono”. Com o “tratado de paz” entre as duas famílias, engendrado por Getúlio, uma grande amizade é cultivava entre os dois casais.

Com a ascensão política de Getúlio Vargas, que inaugura o Estado Novo no Brasil, Tibério se estabelece no Rio de Janeiro e vai-se enriquecendo através de negociatas e atividades escusas. “Além de advocacia administrativa, ganhava dinheiro em transações imobiliárias e ocasionalmente no câmbio negro. A Segunda Guerra Mundial proporcionou-lhe oportunidades para bons negócios, uns lícitos, outros ilícitos. Habituara-se a viver à sócios, e para si mesmo. E, como tantos de seus pares, já possuía, num banco de Zurique, uma conta corrente numerada, cada vez mais gorda em dólares”.

Com o fim do Estado Novo e a que da de Getúlio Vargas, incompatibiliza-se com ele e volta para Antares, onde vai consolidando o seu império: atrai para a região uma empresa de óleos comestíveis de Mr. Chang Ling, a qual se alimentava da soja de sua produção: era a “Cia. De Óleos Sol do Pampa, da qual Tibério Vacariano possuía 500 ações que não lhe aviam custado um vintém”. Por outro lado, dando vazão aos seus instintos de garanhão constitui outra família, envolvendo-se com a exuberante Cleo, que passa a ser sua “teúda e manteúda”.

Após as marchas e contramarchas da política nacional, em que tem lugar o governo do Presidente Dutra, Getúlio Vargas retorna triunfante, em 1951, agora “nos braços do povo”. É um período de turbulência política, em que a UDN de Carlos Lacerda combate tenazmente “o pai dos pobres”. O atentado a Lacerda, em 1954, ao que tudo indica comandado por Gregório Fortunato (escudeiro do Presidente) precipita a queda de Getúlio, que tenta resistir: “Daqui só saio morto. Estou muito velho para ser desmoralizado e já não tenho razões para temer a morte”.

O suicídio, a forma honrosa encontrada pelo Presidente para “sair da vida e entrar na História”, desperta no país profunda comoção popular. Pressionado e abandonado, ao morrer, Getúlio escreveu: “À sanha de meus inimigos deixo o legado da minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer pelos humildes tudo aquilo que desejava”. A sua carta-testamento, redigida em estilo grandiloquente, confere grandeza à sua morte: “Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram o meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo na caminhada da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

Os acontecimentos políticos são acompanhadas com atenção em Antares: cada vez que a sirene de “A Verdade” (o jornal da cidade, de Lucas Faia) tocava, lá vinha notícia urgente e em primeira mão. Assim é que o povo de Antares vai acompanhando e discutindo (sobretudo a turma da Farmácia Imaculada Conceição) os acontecimentos políticos do cenário nacional: a eleição de JK e a posse tumultuada, o seu governo de prosperidade e progresso (cinquenta anos em cinco), a construção de Brasília, a industrialização do país. É por essa ocasião que morre Zózimo, no Rio, onde fora transportado em busca de cura.

Candidato da UDN e a parte do PSD dissidente, Jânio Quadros, o candidato de Tibério Vacariano, vence as eleições e renuncia poucos meses depois, levado por “forças terríveis”. Uma decepção para Tibério. A renúncia de Jânio mergulhou o país no caos e na incerteza, pois o Jango, o vice-presidente, de tendência socialista, não era bem visto pelos militares e as forças conservadoras. Tudo foi contornado com o artifício do parlamentarismo, que teria, contudo, vida curta.

Mergulhado na incerteza, com greves e agitações, com Brizola, fazendo barulho, o governo de João Goulart era um convite ao golpe, o que não demorou a acontecer: era março de 1964.

Enquanto isso, Antares era objeto de uma radiografia: o Prof. Martim Francisco Terra e sua equipe escolheram exatamente Antares para realizar a sua “anatomia duma cidade gaúcha de fronteira”. O objetivo da pesquisa como expõe o professor, era “saber que tipo de cidade é Antares, como vive a sul população, qual seu nível econômico, cultural e social, os seus hábitos, gostos, opiniões políticas, crenças religiosas” etc.. Publicado em livro, o resultado da pesquisa revelou-se desastroso para a imagem da cidade, que esperava exatamente o contrário: Antares era uma cidade prosaica, com gente desconfiada e preconceituosa, com vícios de alimentação e um enorme problema social ao seu redor – a favela Babilônia, “um arraial de miséria e desesperança”.

Incompatibilizando com a cidade, taxado de comunista, o Prof. Martim passa a ser “personna non grata” na cidade. Mais tarde, será perseguido pela Revolução de 1964 e tem que se exilar do país.

Ao lado da “anatomia” de Antares, realizada pelos pesquisadores do Prof. Martim (inclusive Xisto, neto do coronel Tibério), as personagens gradas do livro são apresentadas através do diário do professor: o coronel Tibério, dono da cidade; D. Quitéria, matriarca dos Campolargos; Vivaldino Brazão, prefeito da cidade; Dr. Quintiliano do Vale, o meritíssimo juiz, o delegado truculento Inocêncio Pigarço; os médicos Dr. Lázaro (da família Vacariano) e Dr. Falkenburg (dos Campolargos); o jornalista Lucas Faia, de “A Verdade”, com o cronista social Scorpio; Pe. Gerôncio, de linha tradicional, e o Pe. Pedro-Paulo, moderno, de linha socialista, taxado de comunista; o promotor Dr. Mirabeau; o fotógrafo de origem checa Yaroslav; o paranóico teuto-brasileiro Egon Sturm, neonazista; o maestro solitário Menandro de Olinda; o Prof. Libindo Olivares, com a sua fama de grande latinista, helenista, matemático e filósofo.

SEGUNDA PARTE: O INCIDENTE

Comandada por Geminiano Ramos, uma greve geral paralisa todas as atividades em Antares: reivindicando melhoria salarial, cruzam os braços os operários do Frigorífico Pan-Americano (de Mr. Jefferson Monroe III), da Cia. Franco Brasileira de Lãs (de M. Jean François Duplessis), da Cia. De Óleos Comestíveis Sol do Pampa (de Mr. Chang Ling) e também os encarregados da Usina Termo-elétrica Municipal, deixando a cidade às escuras. Era o dia 11 de dezembro de 1963, uma quarta-feira.

Por outro lado, nesse mesmo dia, vem a falecer a veneranda matriarca D. Quitéria (enfarte do miocárdio) e mais seis outras pessoas: Dr Cícero Branco (derrame cerebral), advogado das falcatruas do Cel. Tibério e do Prefeito Vivaldino; o anarco-sindicalista José Ruiz, vulgo Barcelona; o “subversivo” João Paz, torturado pelo delegado Inocêncio; o maestro Menandro, que suicidou, cortando os punhos; o bêbado Pudim de Cachaça, envenenado pela mulher; e a prostituta Erotildes, que morreu vitimada pela tuberculose, na ala dos indigentes do Hospital “Salvator Mundi”, do Dr. Lázaro.

Irredutíveis na sua greve, os operários, com a solidariedade dos coveiros, interditam o cemitério e impedem o enterro, ficando insepultos os sete defuntos. E é aí que acontece o fantástico: os defuntos se erguem dos seus caixões e, após as apresentações, comandados pelo Dr. Cícero, arquitetam um plano, exigindo das autoridades o sepultamento a que tinham direito: “ou nos enterram dentro do prazo máximo de vinte e quatro horas ou nós ficaremos apodrecendo no coreto, o que será para Antares um enorme inconveniente do ponto de vista higiênico, estético... e moral, naturalmente”.

Dispostos em ordem hierárquica, os defuntos descem até o centro da cidade, provocando pânico e horror por onde passavam, e estabelecem o caos em Antares. Como ficara combinado, cada um poderia dispor do tempo como quisesse até ao meio-dia em ponto-horário do ultimato ao Prefeito.

D. Quitéria, numa visita aos genros e filhas, já exalando o mau cheiro do corpo em decomposição, assiste à discussão e brigas pelo seu espólio; o Dr. Cícero surpreende a esposa em flagrante adultério com um rapazinho louro, e depois dirige-se à casa do prefeito; Barcelona afugenta os policiais e dá uma lição no delegado Inocêncio Pigarço; Menandro toca enfim a “Apassionata” de Beethoven; Erotildes visita a amiga Rosinha que a recebe, na sua humilde, sem nenhum medo (certamente porque não tinha nada a temer...); Pudim de Cachaça vai ao encontro do velho amigo de bebida Alambique, que o recebe também sem medo (é comovente o amor que demonstra pela esposa que o envenenara); Joãozinho Paz inicialmente conversa com o Pe. Pedro-Paulo, na praça, e depois tem um encontro comovente com a esposa grávida (Ritinha).

Por outro lado, reunido com seus pares, o prefeito busca uma solução para o problema. Até mesmo o Pe. Pedro-Paulo é ouvido na reunião; depois se retira. Após muitas falações, em que o “sábio Prof Libindo tenta explicar o fenômeno como um caso de ‘alucinação coletiva’ “, as opiniões se divergem: o delegado Inocêncio e o Cel. Tibério propõem uma solução violenta, pela força; os outros tendem para a parlamentação com os mortos – proposta que sai vitoriosa.

O encontro entre vivos e mortos se dá exatamente ao meio-dia, com a praça apinhada de gente, sob um sol escaldante. Tem lugar, então, um autêntico julgamento dos vivos, em que os mortos, através do seu advogado constituído, expõem os podres sobretudo das pessoas graduadas da cidade: as falcatruas do Cel. Tibério e do Prefeito; a truculência do delegado Inocêncio; a pederastia e vaidade do Prof. Libindo; a caridade falsa do Dr. Lázaro; a magnanimidade hipócrita do Dr. Quintiliano. Ao expor essas mazelas da fina sociedade antarense, o Dr. Cícero arrancava aplausos sobretudo dos estudantes que estavam pendurados nas árvores. Tomando a palavra, Barcelona, sem papas na língua, revela casos de adultério de damas insuspeitas e honradas de Antares. O mau cheiro (dos cadáveres em decomposição e sobretudo daquela sociedade podre) atrai urubus e, depois, Antares é invadida por ratos que empestam ainda mais a cidade.

Esse “fenômeno” provoca em Antares uma verdadeira revolução: Dr. Lázaro procura o Pe. Pedro-Paulo para fazer confidências; o Maj. Vivaldino tem que dar explicação à mulher; Dr. Mirabeau se preocupa por ter sido chamado de “fresco” e quer provar o contrário (por sinal, não consegue...); Dr. Quintiliano não consegue dominar mais Valentina, sua esposa, que se revela “pantera acoimada”; o delegado Inocêncio briga com o filho (Mauro), que se manda da cidade; Pe. Gerôncio balança a cabeça, perplexo. Enfim, a cidade de Antares foi sacudida nas suas entranhas com a presença mortos que apodreciam no coreto.

Conforme prometera a Joãozinho, o Pe. Pedro-Paulo transporta Ritinha para o outro lado do rio Uruguai (Argentina), onde estaria a salvo da truculência do delegado. É nessa oportunidade que fica sabendo do amor do Mendes, secretário subserviente do Prefeito, pela mulher de Joãozinho

Atacados a pedradas e garrafadas pelos “embuçados da alvorada” (bando de Tranqüilino Almeida), os defuntos se rendem e voltam para os seus esquifes. Por outro lado, comandada por Germiniano, uma assembleia encerra a greve e os mortos são, enfim, enterrados.

Sepultados os mortos, um vento forte sobra sobre Antares e carrega o mau cheiro que empestava a cidade: aos poucos tudo vai voltado à normalidade e as pessoas vão retomando as suas máscaras. Dessa forma, quando o pessoal da imprensa de Porto Alegre chega a Antares para documentar o fenômeno, o prefeito nega tudo e inventa outra estória: tudo fora um artifício para promover a cidade. Em vão os jornalistas tentam entrevistar outras pessoas. Procurado, o Pe. Pedro-Paulo mostra-lhes a favela miserável da Babilônia.

Numa reunião convocada pelo Prefeito, o Prof Libindo propõe a “operação borracha”, para desespero do Lucas Faia que escrevera um artigo brilhante sobre o “fenômeno”. Coroada de êxito, a “operação borracha” se encerra com um grande banquete em que a sociedade antarense, apaziguada pelo tempo, repõe as suas velhas máscaras.

Retornando à cidade com Xisto, o Prof. Martim Francisco é ameaçado e aconselhado pelo velho Cel. Tibério e pelo Prefeito a sair da cidade. Na despedida, acompanhado pelos seus amigos Xisto e Pe. Pedro-Paulo, ele antevê a chegada da revolução de 64 que está na iminência de acontecer.

Enfim chega março de 1964 e a revolução se instala para ficar e reafirmar os valores da sociedade capitalista, empurrando para longe os anseios socialistas. Cada um vai seguindo o seu destino ou o destino que lhe foi imposto; uns morrem (Cel. Tibério, Pe. Gerôncio); alguns são promovidos (Delegado Inocêncio, o juiz Dr. Quintiliano); o Prefeito Maj. Vivaldino Brazão “entrou num período de hibernação política” e foi cuidar de suas orquídeas; outros foram perseguidos, pelo novo governo (Geminiano, Pe. Pedro-Paulo, Prof. Martim).

Em suma, a julgar pelas aparências, “Antares é hoje em dia uma comunidade próspera e feliz”. Entretanto, uma criança que estava começando a aprender a ler, soletra uma palavra perigosa, pichada no muro: “‘LIBER’- Não terminou: em pânico, o pai arrasta-o e silencia-o com um safanão”.

ORGANIZAÇÃO – ESTRUTURA – PERSONAGENS


1) Como se viu, Incidente em Antares vem dividido em duas partes. Na primeira (“Antares”). “o leitor fica conhecendo a história dessa localidade, bem como as das duas oligarquias rivais que a dominaram política e economicamente por mais de cem anos. Trata-se, em suma, de uma espécie de apresentação do palco, do cenário, bem como das personagens principais e da numerosa comparsaria que, através de seus descendentes, serão envolvidos no dramático ‘incidente’ da sexta-feira, 13 de dezembro de 1963.” (contra-capa).

A segunda parte, cuja duração é muito menor em tempo de calendário, embora ocupem ais espaço tipográfico, mostra o incidente propriamente dito e suas conseqüências” (contra-capa). Utilizando-se do fantástico como forma de expressão (a animização dos mortos insepultos), Érico Veríssimo revela, a decomposição social e moral da sociedade humana através do microcosmo enfocado (a cidade de Antares).

2) Os fatos são narrados em terceira pessoa por um narrado onisciente e onipresente. Esse narrados, contudo, ao longo da narrativa, vai simulando transcrições de pseudo-autores, como o relato do naturalista francês Gaston Gontran d’Auberville; a carta do Pe. Juan Bautista Otero; os diários do Pe. Pedro-Paulo e do Prof. Martim Francisco Terra (na apresentação das personagens, por exemplo); os artigos de Lucas Faia no jornal “A Verdade”; e excertos do livro Anatomia duma cidade gaúcha de fronteira, organizado pelo Prof. Martim e sua equipe.

O autor, pois, utiliza-se de todos esses recursos para organizar a sua narrativa, dando, dessa forma, a impressão de que tudo aconteceu e é verdade.

3) Visto globalmente, Incidente em Antares é, sem dúvida, um romance. A primeira parte, contudo, dada sua linearidade e sucessão episódica, lembra a espécie literária que chamamos de novela: cerca de um século de história foi cronologicamente, antes de o autor se deter na sua análise, em profundidade, da sociedade antarense.

PERSONAGENS

As personagens de Incidente em Antares podem ser agrupadas de acordo com as suas convicções políticas e a sua condição social.

1) Representando a ordem social tradicional, marcadamente conservadora e aristocrática, os dois clãs rivais (Vacarianos e Campolargos) dominam a cidade. É em torno dessa aristocracia, em que predomina o sistema patriarcal, que se organizam as pessoas gradas de Antares, as quais forma e revelam-se podres e em adiantado estado de decomposição moral, exalando um mau cheiro pior que o dos mortos do coreto na praça nobre da cidade. Ao levantar a tampa do “caixão”, retirando a máscara que envolvia cada um desses honrados cidadãos, Érico Veríssimo revela a podridão daquela sociedade carcomida nas suas entranhas. Como se viu pela síntese que fizemos, a verdade não convinha a esses aristocratas, e a solução foi lacrar os caixões e enterrar a verdade com os sete mortos.

2) As personagens femininas, com exceção de D. Quitéria, a matriarca dos Campolargos, vivem à sombra dos seus maridos, submissas e alienadas, aceitando passivamente a ordem estabelecida. Uma exceção a essa passividade e alienação é Valentina, mulher do Dr. Quintiliano. Influenciada por leitura perigosas e possivelmente pelo Pe. Pedro-Paulo, ela se rebela consciente e politizada, questionando o marido e não aceitando as imposições. Era, sem dúvida, um avanço naquela sociedade rigidamente patriarcal. Valentina, contudo, é ainda uma “pantera açaimada” (expressão do Prof. Martim) que não tem condições de se libertar plenamente.

3) As personagens esquerdistas, taxadas de comunistas naquela sociedade conservadora, defendem o socialismo e lutam por um ordem social mais justa e um mundo melhor. Evidentemente, esses progressistas chocam-se com os interesses da aristocracia dominante e são perseguidos. Entre outros, destacam-se aqui o Pe. Pedro-Paulo, o Prof. Martim, Joãozinho Paz com sua mulher (Ritinha), Geminiano ramos, Barcelona, o anarco-sindicalista, e mesmo Xisto, neto do Cel. Tibério.

4) Entre os humildes, constituindo a ralé da sociedade antarense, está o submundo da favela Babilônia. Nessa linha, incluem-se a prostituta Erotildes e o bêbado Pudim da Cachaça. Essas personagens, apesar de discriminadas e marginalizadas, revelam, na sua humilde e singeleza, uma grandeza comovente. Certamente por isso, não assustam os amigos visitados depois de mortos (Rosinha e Alambique).

5) Mais ou menos marginalizados, enclausurados, nos seus dramas pessoais e nos seus traumas, destacam-se o maestro Menandro, o neonazista Egon Sturm e certamente o subserviente secretário do Prefeito (o Mendes). Nessa lista, em falta de outro lugar, talvez possa entrar aqui também o fotógrafo checo Yaroslav.

ESTILO DA ÉPOCA

Publicado em 1971, Incidente em Antares se enquadra no estilo modernista não só pelas inúmeras referências e fatos e pessoas da época atual, como também pela presença de ingredientes que configuram, no livro, o gosto modernista.

1) A fundamentação na cultura nacional revela bem uma das tendências do Modernismo: a valorização de elementos folclóricos e tradicionais, bem como de costumes regionais, é uma das metas modernistas. Esse nacionalismo aparente, contudo, quase sempre esconde dramas existenciais que têm dimensão universal. No livro de Érico Veríssimo, Antares é, sem dúvida, um símbolo de um universo maior. Aliás, essa ideia aparece, numa conotação política, pichada nos muros da cidade: “A sociedade de Antares está podre. Antares é o símbolo da burguesia capitalista decadente”.

2) Outro aspecto do livro que configura o Modernismo é o fantástico, que se manifesta em Incidente em Antares através dos sete defuntos insepultos. Embora autores não-modernistas tenham-se utilizado desse recurso também (Machado de Assis em Memórias Póstumas por exemplo), esse é um gosto mais frequente do Modernismo. Esse truque evidentemente tem o seu sentido: é através do morto (fora, portanto, do palco da vida) que se vê melhor. Ficando fora do círculo da vida, desataviado da máscara e convenções sociais, é possível ver com maior nitidez e mais objetividade.

A invasão dos ratos, sem dúvida é outro elemento bem ao gosto da literatura fantástica.

3) No que diz respeito à linguagem, são constantes os registros da fala coloquial, como é comum no Modernismo. Isso, sem dúvida, confere maior autenticidade à personagem.

Fiel a esse registro da linguagem coloquial, muitas vezes aparece palavrão e pronúncias típicas do Rio Grande, além de regionalismos.

- Não hai bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe.

4) Outro aspecto que se destaca no estilo modernista é a postura engajada assumida pelo autor em relação a problemas de ordem política ou social. Em Incidente em Antares, o autor denuncia não só as falcatruas e negociatas escusas, como também a truculência e atrocidades da polícia, que espanca e tortura em nome da ordem e da segurança social. O caso de Joãozinho Paz e sua mulher gráfica (Ritinha) é dos mais ilustrativos.

O autor modernista, pois, não é um alienado – participa ativamente dos problemas da sociedade em que vive, denunciando as arbitrariedades, desmandos e injustiças.

5) Atendendo às novidades e ao progresso, na década de vinte, Antares toma conhecimento do movimento modernista através de versos de Mário e Oswald de Andrade que são receitados num sarau de arte por um forasteiro: “Num sarau de arte, no Solar dos Campolargos, um forasteiro recitou versos modernos – que ninguém entendeu – de Oswald e Mário de Andrade”.

ESTILO DO AUTOR / LINGUAGEM

Ao longo da narrativa de Incidente em Antares, Érico Veríssimo revela algumas características estilísticas que configuram a sua maneira de escrever.

1) Como já observamos na “organização e estrutura”, o escritor constrói a sua narrativa intercalando, no romance, textos de pseudo-autores. Essa simulação, em que Érico Veríssimo transcreve relatos, diários e artigos de jornais, imprime à narrativa uma atmosfera de verdade, dá a impressão de que a estória é verdadeira.

É claro que, ao lado da ficção, há fatos históricos, registrados por ele, que realmente aconteceram. Aliás, é o próprio autor quem observa numa “nota”, logo no início do romance: “Neste romance as personagens e localidades imaginárias aparecem disfarçadas sob nomes fictícios, ao passo que as pessoas e os lugares que na realidade existem ou existiram, são designados pelos seus nomes verdadeiros.

Essa mistura de ficção e história (ou de estória com história) sempre foi uma das grandes características do estilo Érico Veríssimo).

2) Combinado com o sarcasmo e espírito critico que perpassa o livro, o autor revela-se irônico e mordaz ao longo do romance, caricaturando gente, linguagem e instituições. O Prof. Libindo, por exemplo, e outros eruditos da cidade sofrem sob a pena do escritor. Os discursos da palavras bonitas, os artigos de estilo grandiloquente e pomposo (de Lucas Faia) vêm sempre perpassados de zombaria e sarcasmo. Veja bem a passagem abaixo, em que o sábio Prof. Libindo digladia verbalmente com o meritíssimo juiz Dr. Quintiliano, a propósito do lema dos “Legionários da Cruz”, da D. Quita: “Meu caro magistrado, quem defende a Pátria defende precipuamente a Lei e a Ordem contidas ambas no vocábulo oceânico Pátria (...)”. “Pois se a coisa é assim”, retrucou o juiz, “bastaria então que no lema dos Legionários da Cruz se falasse apenas em Deus, pois a ideia de Deus, na sua universalidade incomensurável, abrande tudo: Ele próprio, as suas leis, a sua ordem cósmica e moral, a Pátria, a Família, a Humanidade”. Ficava de fora a Propriedade, o que levou o Cel. Tibério a gritar: “E a prosperidade?”.

Quase sempre com essa conotação irônica, vêm aí informações entre parênteses, como a que vamos transcrever que reproduz uma discussão entre os mortos, em que Dr. Cícero, ante a proposta de votação de Barcelona, diz: “- Não direi que aqui em cima estejamos numa democracia. Imaginemos que isto é uma... uma tanatocracia. (E os sociólogos do futuro terão de forçosamente reconhecer este novo tipo de regime)”.

Assim, pois, combinando com a mordacidade que perpassa a obra, o autor ironiza e caricaturiza máscara da sociedade antarense na sua fala gongórica e vazia, na sua postura fingida e hipócrita. Só os humildes e sinceros escapam da “pena da galhofa” de Érico Veríssimo.

3) Outro aspecto que se destaca na linguagem do livro é a tendência do autor para criar tempos novos, quase sempre da formação erudita, com base nos radicais gregos e latinos. Além de “tanatocracia” (= morte+governo), que acabamos de ver no item anterior, veja-se ainda:

- Vivemos numa cafajestocracia, isso é que é”. (hibridismo: cafajeste+governo).

Além disso, chama a atenção também para as lições do Prof. Libindo que vai ensinando ao longo do romance:

O Prof. Libindo, num aparte forçado, pergunta se os presentes sabem que a palavra canícula significa na realidade ‘cadela’ e que era o antigo nome da estrela Sírio”.

4) Além dessa erudição demonstrada (adquirida de forma autodidata, pois Érico Veríssimo não chegou à universidade, não tenho nem mesmo acabado o curso ginasial), o escritor entremeia a sua narrativa, sempre pela boca de suas personagens eruditas, de latim, francês, inglês e outras línguas.

5) Embora gaúcho, Érico Veríssimo usa com parcimônia vocábulos regionais. Uma ou outra palavra trai o regionalismo gaúcho, como a pronúncia de pronome “lhe” (=lê), o uso de formas que lembram o espanhol, como “Bueno” e “personalmente".

ASPECTOS TEMÁTICOS MARCANTES

São muitos os aspectos temáticos que podem ser detectados no romance Incidente em Antares:

1) De conotação política, destacam-se no romance, entre outros, os seguintes aspectos:

a) Érico Veríssimo tece no livro um verdadeiro painel sócio-político, não só no Rio Grande do Sul como do país. Como vimos, o seu mapeamento abrange mais de cem anos e, através dele, pode-se acompanhar as marchas e contramarchas da política nacional. Sobretudo na primeira parte, a impressão que se tem é de que o autor faz mais história do que ficção.

b) Nesse contexto político, além de outros, sobressai a figura de Getúlio Vargas com seu carisma, com seu nacionalismo, com o seu populismo e mesmo com seu fascismo. Com a sua auréola de “pai dos pobres”, chega a ser impiedosamente ironizado por Tibério, quando do seu suicídio, ao ser inquirido por sua empregada sobre o que seria dos pobres: “- Os pobres vão continuar tão pobres como no tempo em que ele estava vivo”.

Mas, apesar da frase de Tibério, dita com “perverso despeito”, Getúlio tornou-se um mito para as pessoas simples e humildes, como a preta Acácia, que adorava o pai dos pobres “como se ele fosse um santo”. Chega a fazer oração a ele por um melhor salário: “Meu ganhame aqui é pouco e o trabalho muito, Presidente. Mande essa gente me pagarem mais. Amém!”.

c) Não obstante, entre os protegidos de Getúlio, a corrupção alastrava com negociatas escusas (contrabandos) e negócios ilícitos. Muitos, como Tibério Vacariano, enriqueceram-se e mantinham contas numeradas em bancos da Suíça, favorecidos por negócios falcatruosos e empréstimos com fundo perdido no Banco do Brasil.

Numa conversa em casa dos Campolargos, por exemplo, o Tibério faz esta denúncia: “Em matéria de dinheiro o Getúlio é um homem honesto. Mas finge que não vê certas safadezas que se fazem ao seu redor. A sua técnica é a de corromper para governar. E nunca se roubou tanto, nunca se fez tanta negociata à sombra de Getúlio e em nome dele como neste seu atual quatriênio”. Mas o Tibério era suspeito para falar, como pensava com seus botões a D. Quitéria: “Olhem só quem está falando em negociatas”.

d) Priorizando a política desenvolvimentista e a industrialização, vão-se instalando no país (período sobretudo de JK) as multinacionais e, com elas, a espoliação do país e a exploração do proletariado, como revela muito bem a fala humilde da negra Acácia (item b) na sua oração ao Presidente Vargas: “Meu ganhame aqui é pouco e o trabalho muito, Presidente”.

A greve geral decretada pelos operários das multinacionais de Antares é uma resposta dos trabalhadores à exploração e ao salário da miséria que recebiam para enriquecer os abastados. A fala de Geminiano, líder dos grevistas, numa reunião com os patrões e o prefeito revela exatamente isto: “reivindicações salariais”.

e) Combatendo o modelo capitalista, socialmente injusto e perverso, vão-se proliferando os esquerdistas, simpatizantes do socialismo, que se identificam com os pobres e operários e por isso taxados de comunistas e vermelhos. O momento político (de Jango e Brizola) favorecia a esquerdização e os “subversivos” iam-se proliferando, para desespero da sociedade capitalista e conservadora que não aceitava mudanças e reprimia o movimento.

Como observa o Pe. Pedro-Paulo ao Pe. Gerôncio, numa conversa, “comunista é o pseudônimo que os conservadores, os conformistas e os saudosistas do fascismo inventaram para designar simplisticamente todo o sujeito que clama e luta por justiça social”. Numa outra passagem, esse mesmo padre lembrou ao delegado Inocêncio a postura “rebelde” de Cristo em face das arbitrariedades impetradas pela sociedade da época, dominada pelo império romano, e desafia o delegado torturador de Joãozinho Paz: “- Prenda Jesus, delegado, prenda-o o quanto antes! Interrogue-o. Faça-o confessar tudo, dizer o nome de todos os seus discípulos e cúmplices... Se ele não falar, torture-o em nome da Civilização Cristão Ocidental!”.

f) Diante do perigo “comunista” ameaçada na sua ordem secular, a caça às bruxas é uma consequência lógica, engendrada e executada pela sociedade conservadora e capitalista. A punição através da tortura e mesmo a morte, no sentido de reprimir esse clamor que exige justiça e liberdade, é antigo milenar. Basta lembrar Cristo crucificado ou, em nosso caso, o Tiradentes do Romanceiro de Cecília de Meireles.

Joãozinho Paz, sem dúvida, é aqui o bode expiatório, executado pela sanha do delegado Inocêncio Pigarço, em nome da ordem e da segurança da classe dominante. Conforme vem registrado no diário do Pe. Pedro-Paulo, “Joãozinho foi torturado barbaramente. Seu rosto está quase irreconhecível. Um braço e uma perna partidos”. Por outro lado, detalhes da tortura vêm denunciados pelo morto Dr. Cícero, voz insuspeita do além-túmulo, no julgamento da praça nobre de Antares.

2) Numa divisão meramente didática, destacava-se também no romance a análise da sociedade antarense, que tem obviamente conotação simbólica, objetivo esse empreendido e executado com maestria pelo escritor:

a) A sociedade enfocada no livro, como se tem mostrado, caracteriza-se pelo conservadorismo, apegada às aparências e fachadas, coisa de suas tradições e costumes seculares. Através da pesquisa organizada pelo Prof. Martim e sua equipe, Érico Veríssimo faz uma verdadeira anatomia da sociedade local, que é também, no fundo, o retrato de tantas outras.

Conforme registra Prof. Martim no seu diário, o juiz Quintiliano é bem um símbolo dessa “sociedade simétrica, policiada, regida por leis inflexíveis e imutáveis, cada coisa no seu lugar (e quem determina o ‘lugar exato’ é a tradição, e tradição para ele é algo que tem a ver com seus ancestrais – pai, avô, bisavô, trisavô, etc). Está sempre, notei, do lado do oficial, do consagrado, do legal”.

b) Impera na sociedade antarense o sistema patriarcal e machista, em que o poder é exercido pelo homem, de forma despótica e absoluta. Sua vontade é a lei, o seu querer tem que ser respeitado, a sua voz tem que ser ouvida. O Cel. Tibério é certamente o grande senhor patriarcal do livro. Sempre armado, o coronel tinha o hábito de resolver tudo a bala. Até mesmo no caso dos mortos, a sua sugestão, bem como a do delegado, era de fazer os mortos retornarem ao cemitério, à força.

c) Posta nesse contexto, a mulher vive à sombra do macho, em tudo submissa, passiva e subserviente, aceitando a ordem estabelecida. Poucas reagem contra essa ordem em que fazem o papel de “matrona romana”. Como já observamos, o exemplo de Valentina, com seu gesto de rebeldia, é uma tentativa ainda tímida de ruptura na ordem machista. Outro exemplo é a hatiana Dominique, mulher de M. Duplessis, a qual costumava “aprontar” nos rituais vudu.

Entretanto, integrada no “baile de máscaras” da sociedade, como diz Dr. Quintiliano a Valentina, é importante, para a mulher parecer honesta: - “Valentina, não basta a uma mulher ser honesta. É preciso também parecer”.

d) Organizada assim – valorizando as aparências e fachadas – está claro que pobres e humildes serão objeto de discriminação e desprezo. Aqui entram as prostituas, bêbados, a favela Babilônia, os loucos e desafortunados da sorte; aqui entram até mesmo os “subversivos”, como Pe. Pedro-Paulo, sempre mal visto e rejeitado pela sociedade; e também entram aqui os infelizes e solitários – os que sofrem de amor, como o Mendes, e os que sofreram trauma da frustração da derrota, como o maestro Menandro. Isso é o inferno – o inferno estava em Antares sob a forma do preconceito, e do desprezo, conforme dizia a D. Quita, no além-túmulo:

- D. Quitéria, eu tive em Antares uma amostra do inferno. A incompreensão, o sarcasmo, a impiedade dos antarenses me doíam fundo. O inferno não pode ser pior que Antares”.

e) Convivendo com essa podridão, conivente muitas vezes com falcatruas e arbitrariedades, parada no tempo, a igreja de Pe. Gerôncio ia rezando suas missas em latim, encomendando os seus defuntos à espera do Juízo Final, acomodada e fiel as tradições milenares, insensível aos problemas sociais e às vozes que clamam por justiça.

Esta é a imagem da religião tradicional, moldada à imagem e semelhança da sociedade aristocrática de Antares. A ela se contrapõe a igreja de Cristo, voltada para os pobres e miseráveis da vida; no lugar das rezas convencionais e da liturgia teatral dos milênios, surge o clamor de vozes que buscam a justiça e a libertação das garras do inferno, - inferno que é a vida degradante de milhões de miseráveis que jazem à margem de Antares.

Identificada com os pobres, chamando por justiça social, combatendo a truculência e as arbitrariedades humanas, esta é a igreja de Cristo, como diz o Pe. Pedro-Paulo ao Pe. Gerôncio:

- Padre, enquanto Deus não nos disser claramente o que Ele pensa de tudo isso, nós devíamos em nome de Cristo, que era e é deste mundo, combater tipos como Inocêncio Pigarço, que matam em nome da Justiça, do Capitalismo, do Comunismo, do Fascismo, da Família, da Pátria e (não ria!) até mesmo de Deus”.

f) Em suma, nesse grande painel que é Incidente de Antares, Érico Veríssimo se revela imparcial, acima de ideologias e faz uma crítica contundente e mordaz à sociedade. Através do truque utilizado, em que os mortos insepultos exigem o sepultamento, ele expõe os podres daquela sociedade em decomposição, hipócrita e carcomida nas suas entranhas. Os mortos insepultos e o mau cheiro exalado, sem dúvida, constituem um símbolo e revelam bem a decomposição moral da sociedade.

Nada escapa à crítica do escritor. Ao erguer a tampa do caixão, ele destila o fel da sua mordacidade e desmascara a nata da sociedade antarense: nada escapa – nem a direita nem a esquerda; nem mesmo a medicina com sua falsa filantropia; nem muito menos a imprensa que com sua bisbilhotice; nem muito menos Rotary e o Lions com seu espírito fraternal; não escapam muito menos os doutores e professores com sua fala erudita e gongórica; também as senhoras honradas e impolutas são devassadas nos seus segredos de alcovas, flagradas em delitos de cama; nem mesmo o venerado ancião da estátua, exemplo-mor para descendentes e ascendentes, escapa à devassa realizada pelo escritor.

Entretanto, com o sepultamento dos mortos, a verdade também foi encerrada e a mentira, vitoriosa e triunfante, retoma o seu lugar no baile dos mascarados e na estátua da praça nobre da cidade.

CONCLUSÃO

É impossível ler um livro como Incidente em Antares e não se sentir assustado, não com os mortos que descem para a cidade, mas com a mentira que jaz subjacente em cada um de nós. É impossível ler um livro como este e não mexer, no sentido de combater e extirpar, da face da terra, a truculência e a mentira. É impossível sair da leitura deste livro insensível à causa do Pe. Pedro-Paulo e de Joãozinho Paz, em busca da justiça e do amor. É impossível ler este livro e sair dele sem se emocionar com o drama comovente de Joãozinho Paz e seu amor à vida, como diz ao Pe. Pedro-Paulo.

“Eu quisera acreditar em Deus e na vida eterna. Mas não posso. Nunca pude. Mas acredito na vida. E como! Tenho esperança num futuro melhor para nossa terra, para o mundo. Quero que meu filho nasça, cresça e viva para participar desse mundo”.

Redimido pela leitura de Incidente em Antares, o filho de Joãozinho Paz crescerá nas nossas entranhas. Viverá e frutificará. Salvará o mundo da truculência e da mentira.

Que fique também, em cada um de nós, a lição do Pe. Pedro-Paulo com seu amor à vida e a sua luta em favor do Império do Amor:

“- Padre, espero não estar pecando quando sinta a alegria de estar vivo. Gosto da vida. É um desafio permanente. Se ela é absurda, sem sentido, então procuremos dar-lhe um sentido. Eu acho que a senha é o Amor”.

Sem dúvida, é possível fazer tudo isso. Existe em cada um de nós um “menino do dedo verde” – capaz de amar e transformar o mundo. O ser humano não é o que parece, como dizia um tropeiro ao Pe. Pedro-Paulo (p. 439): “Olhe, moço, ninguém é o que parece. Nem Deus”.

Oxalá este livro possa provocar em cada um de nós o incidente do Amor e nos despertar para a Beleza da vida!
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MINISSÉRIE

Em 1994, a Rede Globo apresentou a minissérie Incidente em Antares, adaptada por Charles Peixoto e Nelson Nadotti, e baseada no romance de Érico Veríssimo. A minissérie teve a direção de José Roberto Sanseveriano e contou com os atores Regina Duarte, Fernanda Montenegro e Paulo Betti no elenco, entre outros

ADAPTAÇÃO PARA O TEATRO

Em 2005, o Grupo Teatral Máschara de Cruz Alta/RS estreou o espetáculo O Incidente, sob direção de Cléber Lorenzoni. O espetáculo continua excursionando desde então. Em 2012, o Grupo Cerco adaptou a segunda parte do romance Incidente em Antares, com a direção de Ines Marocco.

Fontes:
Estudo do Professor Teotônio Marques Filho no site de Jayro Luna, Orfeu Spam Apostilas,
Wikipedia
Imagem = JGFeldman

domingo, 22 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 446

 


A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) UEM, no Peito e na Raça


Nota: UEM = Universidade Estadual de Maringá
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Leio no Google que a Universidade de Coimbra, uma das mais antigas do mundo, foi criada em 1290 – pouco mais de um século após a fundação de Portugal. Tem, portanto, 730 anos. A primeira faculdade de Maringá, ponto de partida para a formação de nossa UEM, foi criada em 1959 – apenas 12 anos após a fundação da cidade. Tem, portanto, 61 anos. A diferença é que a de Coimbra teve como padrinho o próprio rei, Dom Dinis, enquanto a de Maringá nasceu do arrojo de uma comunidade de pioneiros. Quando completar 730 anos, que dirão dela os historiadores?

Mas voltemos à Maringá de 1959. Fruto de uma vigorosa campanha liderada por Dom Jaime Luiz Coelho, conseguiu-se, no final do governo Moysés Lupion, uma abençoada proeza: a criação de nossa primeira escola superior – a Faculdade Estadual de Ciências Econômicas. Pouco depois, durante as gestões dos prefeitos João Paulino e Luiz de Carvalho, com o apoio do então governador Ney Braga, foram criadas mais três instituições – a Faculdade de Direito, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e o Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas.

Todas essas grandes conquistas, só Deus sabe quanta ousadia custaram. Porém viria em seguida a ousadia maior: a fundação da Universidade, sonho máximo da geração desbravadora. Adriano Valente era o prefeito; Paulo Pimentel o governador. Dinheiro havia pouquinho para o atrevido empreendimento. Sobravam, todavia, fé e coragem. E foi assim que, no peito e na raça, juntando as quatro faculdades já existentes, uma canetada histórica de Paulo Pimentel gravou em ata, no dia 6 de novembro de 1969, a Lei número 6.034, mediante a qual foi criada oficialmente a Universidade Estadual de Maringá.

Coube aos primeiros reitores a empreitada de transformar em campus universitário a fazendona desapropriada para tal fim ao lado da Avenida Colombo e iniciar a organização da UEM como instituição de ensino superior nos moldes da moderna academia. Nas gestões seguintes, cada reitor fazendo o certo no momento certo, a UEM foi rapidamente se consolidando. Hoje é uma das melhores do Brasil.

Os que estudamos e/ou trabalhamos lá no comecinho guardamos preciosas lembranças. O barro escorreguento, os blocos de madeira, a carência de material didático, a necessidade de improvisar as coisas – pioneirismo raçudo, lindo, épico.

Só mesmo um povo de bravos teria tido peito para criar e levar adiante um projeto de tal porte. Mas valeu. Daqui a 730 anos essa história há de ser lembrada.
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Crônica publicada no Jornal do Povo - Maringá - 12-11-2020

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Teresinka Pereira (Poemas Recolhidos) VII


FOGO INESPERADO

Você ainda me faz sonhar
e caminhar entre estrelas
nas rotas de fogo inesperado.

Sei que nosso destino segue
alimentado por energias
que começam nas mãos
e que se fazem vida
ao chegar ao coração.

O perfume de amor
se faz música no meu seio
que se abre aos seus beijos.
Minha sede de sua pele silenciosa
enche de desejo a sala
onde sou rainha e mulher.

Meu corpo se desnuda
na penumbra do abraço
e nas remotas galáxias
amamos majestosamente
entre o milagre e o talismã
do tempo.
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OUTRA TARDE

Será permitido dizer
que eu te amo
se entre nós há
uma longa geografia
de limitações?

A luz da tarde
anuncia o final do dia
e a noite que se aproxima
traz um rosto cansado
que não sei bem
se é meu ou teu
e uma voz protocolar
que se cala antes
do "eu te amo!"
Subitamente
há outra flor,
outro vinho
e outra tarde.
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MERCADO DE POESIA

Letras em púrpura
lírica destilada
em riso e pranto,
sabor de fruta fresca
e cheiro de folhas ao vento.
Sobre o balcão
os poemas são essências
de uma linguagem perdida
de tinta em silêncio.
Não pulsam, mas ardem
enquanto o olho do poeta
no canto do mercado
parece um punhal de pedra
esperando o comprador.
****************************************
 
SE PERGUNTO A MIM MESMA

Quando as horas
passam lentas
e o abismo da distância
vai corroendo a esperança

Quando já não posso ouvir
meu coração evitando
uma rima da palavra ardente

Quando o silêncio perfura
a alma como um punhal

Pergunto a mim mesma
se o meu amor é eterno
ou é como o relâmpago
que acende e apaga
enquanto vai passando
o tempo.
****************************************

TRABALHO DE POETA

Estou em uma selva de nervos.
Dizem que o estresse
vem do trabalho excessivo,
vem de dormir a manhã inteira
e de levantar-me ao meio dia
descansada e triunfante
para viver a palavra
que se detém em outros lábios.

Mas, não. O trabalho do poeta
embora seja como
um poço sem fundo,
é também como um tango
bem ou mal cantado
que padece nos círculos espaciais.

Minha dor não vem do trabalho:
ao contrário, meu trabalho
vem da dor, do verso de pedra
que faz explodir o horror
enquanto espero a vida
começar outra vez.

Fonte:
Poemas enviados pela poetisa.

Carina Bratt (Fluxo Intenso)


Minhas queridas amigas e leitoras, olhem só que coisa mais sem fundamento.  Eu me atreveria a bater na tecla do sem pé nem cabeça. Raciocinem comigo. Se a gente parar um pouquinho para pensar, ou fazer uma introspecção, olhando de frente para dentro de nosso âmago, se tirarmos alguns minutos do nosso tempo precioso para fazermos uma análise de como nos comportamos na nossa intimidade, no nosso dia a dia, chegaremos a conclusão de que não somos nada.

Isso mesmo, amigas. N-A-D-A. Com isso, percebemos que as pessoas, ao nosso redor, notadamente aquelas que acham ter dentro de si o poder, e dele sair por ai desfrutando como gostariam, concluiremos que essas criaturas são cadáveres em busca de sepulturas inexistentes, são almas vazias e ocas de tudo. Com o tempo, a gente aprende que ninguém possui coisa alguma. As nossas ações, por mais bem engendradas, ou por mais bem construídas e sedimentadas que nos pareçam, não pertencem a nós.

Apenas fazemos uso, por um tempo, por algumas horas, ou dias. Às vezes até meses. Depois elas se esvaem e ficamos como pequenas embarcações, a esmo, vendo literalmente diante de nosso nariz, navios enormes num mar tenebroso, do qual não encontramos uma rota de retorno à terra firme. Assim como aprendemos que não possuímos nada, que tudo é passageiro e temporário, e que, via de regra, apenas fazemos uso, por um tempo, acreditem ficaríamos  envergonhadas de nossas melhores ações.

Mesmíssima coisa, o mundo que está sobre a nossa cabeça. Se ele soubesse os verdadeiros motivos que orbitam dentro delas... Certamente desabaria. Nossos motivos, geralmente são escusos, desonestos e devassos. Por força de uma imbecilidade tacanha e retrógrada, que fazemos questão de manter viva e pulsante, tentamos tapar o sol com a peneira. Como a peneira possui uma infinidade de pequenos furos, nossas afoitezas acabam descambando para o lado errado.

Aliás, o inferno, segundo Samuel Johnson, “está repleto delas”, não só as boas, as más intenções também. A meu entender, caras amigas e leitoras, nosso primeiro dever (aliás, o dever de todos os seres humanos) deveria o de TENTARMOS SER NÓS MESMAS, e não a sombra daquela ou daquele que está próximo a nós. Reparem. Nós, mulheres, não somos nós mesmas. Almejamos mais, sempre mais e mais, e às vezes, nessa busca maluca e inconstante, acabamos presas, pés e mãos, num beco sem saída.

Nos pegamos encurraladas num caminho sem volta. Sabem como eu chamaria essa “coisinha banal?”. De percepção. Nos falta a percepção. Aliás, para os homens, essa palavrinha simpática, não existe. Pelo menos como deveria. Monteiro Lobato, por exemplo, era um homem de percepção. Por sinal, bastante afiada. Ele tinha e trazia consigo, A Chave do Tamanho. O que isso quer dizer? Trocado em miúdos, ele sabia a porta a ser aberta, a janela a ser escancarada, o botão que acenderia a luz pondo fim a escuridão.

De contrapeso, conhecia o trilho a seguir, o momento exato de voltar, se preciso fosse, ao ponto de partida. Muitas vezes a gente sai por aí às avessas, sem lenço sem documentos, dando uma de Caetano Veloso. Esquecemos a nossa identidade, o documento com uma fotinha 3X4, que nos informe, que nos indique, que nos mostre quem somos e o melhor, que nos restitua integralmente à senda da volta, o ponto crucial de onde partimos. Muitas vezes ficamos à deriva, presas a um medo injustificado.

A vida, caras amigas e leitoras, nos ensina a cada dia, a cada milésimo de segundo, uma lição diferente. Todavia, movidas pela pressa, pelo burburinho do cotidiano, não damos valor, não dispensamos atenção devida. Deixamos, a grosso modo, “passar batido”. A vida, gostaria que todas vocês entendessem que ela nos tenta colocar na cabeça, que só quem está com a corda no pescoço se lembra que o ar existe. A partir daí, a nossa luta, a nossa peleja se transforma numa guerra particular, onde tentamos restabelecer o fôlego precioso.

Sem ele, sem o ar que nos mantém vivas, sucumbimos. Outro pontinho quase imperceptível que nos atormenta a todo momento: a loucura. Chico Buarque já experimentou várias fases da neurastenia. Se as minhas leitoras se dispuserem a tirar um tempinho para ler seus livros, entenderiam que “toda loucura é genial, porém, nem toda lucidez é velha”. A nossa inquietação e a “piração” das outras criaturas, sempre será diferente, ou melhor, a nossa insanidade nada mais é que uma linha imaginária entre a genialidade e a insensatez, entre a falta de senso e o desequilíbrio.

Em resumo, como vivemos num mundo sem equilíbrio, sem autocontrole, sem solidez, sem simetria ou  consolidação,  ou seja, ora estamos de cabeça para baixo, ora de cabeça para cima; de outra feita, nem uma coisa nem outra; carecemos nos arrojar, nos desembestarmos, mantendo uma demência meio termo. Isto será nosso ponto mestre, nosso alvo, nossa mira de equilíbrio, nosso apoio perfeitamente racional para um planeta insanamente neurótico e sem controle do amanhã. Se não tivermos a magia do amanhã...

Fonte:
Texto enviado pela autora.  

XXI Jogos Florais de Curitiba (Prazo: 31 de Maio de 2021)

Regulamento Geral


Considerando que a lei nº 14.842 de 12 de maio de 2016, em seu artigo 1º instituiu no município de Curitiba, as festividades dos Jogos Florais de Curitiba, realizado bienalmente, no mês de setembro, entendeu por bem a atual  Diretoria da Seção Curitiba da UBT, ao comemorar 55 anos de fundação, promover  seus XXI Jogos Florais, cujas Festividades de encerramento ocorrerão nos dias 17, 18 e 19 de setembro de 2021, bem como homenagear o poeta trovador Emiliano David Perneta no ano do  centenário de seu falecimento, utilizando para tanto como temas do concurso, nome de poemas e/ou de obras de sua autoria.

1. Do Tema. - Trovas líricas ou filosóficas.

1.1.  Âmbito Nacional/ Internacional:
Brasil e demais países de língua portuguesa


(máximo de 2 trovas por trovador)

Categoria Veterano: “Ao Cair da Tarde”.

Categoria Novo Trovador: “Metamorfoses”


1.2.  Âmbito Estadual (Paraná):

(máximo de 2 trovas por trovador)

Categoria Veterano: “Alegoria”

Categoria Novo Trovador: “Ilusão”


1.3. Âmbito Estudantil: (Nacional/Estadual e Municipal). Ensino Fundamental e Médio:

“Música”

(máximo de 2 trovas por trovador)

1.4.- A palavra ou expressão tema deve constar do corpo da trova, exceto para o âmbito estudantil ( autoriza-se a utilização do plural e/ou singular quando for o caso).

1.5.- Nos âmbitos Nacional/internacional e Estadual, serão contemplados trovadores das categorias Novo Trovador e Veterano.

1.5.1.- Será considerado Novo Trovador aquele trovador que não obteve até a divulgação deste regulamento 03 (três) classificações em concursos de trova oficiais da UBT em nível nacional.

1.5.2.- O regulamento no que se refere especificamente ao âmbito estudantil, consta ao final deste.

2-  Modo de Envio

As trovas em língua portuguesa, deverão ser no máximo de  02 (duas) inéditas, enviadas:  – Por sistema de envelopes, ou por e-mail.

2.1.- Pelo sistema de envelopes, deverá constar no envelope pequeno a categoria pela qual concorre o trovador. As trovas deverão ser digitadas ou datilografadas. Não serão aceitas trovas manuscritas, mesmo que sejam em letra de forma, tampouco envelopes coloridos.

2.2.- Por e-mail, para todos os âmbitos e categorias: O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o âmbito e a categoria pela qual concorre o trovador, bem como nome e endereço completo, telefones e e-mail. NÃO SERÃO ACEITOS ANEXOS.

3. - Endereço para remessa sistema de envelopes:

3.1.: Todos os âmbitos e categorias - Sistema de envelopes:

XXI Jogos Florais de Curitiba.
A/C Centro de Letras do Paraná.
Rua Fernando Moreira, 370. Centro.
CEP 80.410-120. Curitiba – Paraná.

3.1.1.: Para todas as categorias âmbito nacional/internacional/estadual e estudantil, deverão constar no envelope como remetente Luiz Otávio, e o mesmo endereço do destinatário.

3.2.: Todos os âmbitos e categorias, exceto estudantil - Por E-mail, as trovas deverão ser encaminhadas para a Fiel depositária Lóla Prata:

lola@pratagarcia.com


3.2.: Para o âmbito Estudantil, as trovas e demais dados deverão ser encaminhados para  Madalena Ferrante Pizzatto:

madalenafp@yahoo.com.br

4. Do Prazo:

Para todos os âmbitos e categorias:
Serão consideradas as trovas que chegarem até 31/05/2021.

5. Da Premiação

A premiação acontecerá nos dias 17,18 e 19 de setembro de 2021, em locais e horário a serem definidos.

5.1. – Serão concedidos Diplomas e medalhas para os classificados

5.2.- A premiação será remetida via postal para o classificado que não puder comparecer na data aprazada para seu recebimento.

5.3.- A UBT-Curitiba não se responsabilizará por quaisquer despesas de locomoção e/ou hospedagem e alimentação dos classificados para o recebimento dos prêmios, (em obtendo patrocínio poderá a UBT-Curitiba arcar com custos referentes à hospedagem e alimentação dos classificados).

6. - Da Comissão Organizadora

6.1. A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos e suas decisões serão definitivas e irrecorríveis.

6.2. As trovas remetidas em desacordo com quaisquer itens deste regulamento, serão eliminadas automaticamente do concurso.

6.3. A simples remessa das trovas significa total conhecimento e completa aceitação deste Regulamento.

Maiores informações pelo e-mail: ubtctba@gmail.com

Ou pelo telefone (41) 99787-9485.
 
REGULAMENTO ESTUDANTIL

Ensino Fundamental e Médio

1. Do Tema. - Trovas líricas ou filosóficas

Âmbito Estudantil: (Ensino Fundamental e Médio): “MÚSICA”

1.1.- A palavra tema não precisa constar do corpo da trova.

2 - Modo de Envio.

As trovas deverão ser no máximo de 02 (três) por estudante, inéditas, de autoria do aluno e, enviadas:  – Por sistema de envelopes, ou – Por e-mail.

2.1.- Pelo sistema de envelope, o professor poderá reunir todas as trovas e encaminhá-las juntas em folha tamanho A4. As trovas deverão ser digitadas ou datilografadas. Não serão aceitas trovas manuscritas, mesmo que sejam em letra de forma.

2.2.- Por e-mail,  devem ser encaminhadas aos cuidados da Fiel depositária do presente Concurso, a trovadora Madalena Ferrante Pizzatto. As trovas, bem como, a expressão XX Jogos Florais de Curitiba, o âmbito e a categoria pela qual concorre o estudante deverão constar no corpo do e-mail.

2.3.- Em ambas as formas de envio deverão constar, além do âmbito Estudantil e da categoria (ensino médio ou fundamental), nome completo do (a) professor (a) responsável, do estabelecimento de ensino, nome completo do aluno, idade, ano e turma da qual participa.

3. - Endereço para remessa:

3.1.: Todas as  categorias - Sistema de envelopes:

XXI Jogos Florais de Curitiba.
A/C Centro de Letras do Paraná.
Rua Fernando Moreira, 370. Centro.
CEP 80.410-120. Curitiba – Paraná.

3.1.1.: Remetente: Deverá constar no envelope como remetente Luiz Otávio, e o mesmo endereço do destinatário.

3.2.: Todas as categorias remessa por E-mail: As trovas deverão ser encaminhadas para:

madalenafp@yahoo.com.br

4. Do Prazo: 31/05/2021.

Para todos os âmbitos e categorias: Serão consideradas as trovas que chegarem até 31/05/2021.

5. Da Premiação

A premiação estudantil acontecerá no dia 16 de setembro de 2021, em local e horário a ser definido. Sendo permitida a participação dos estudantes em todas as demais atividades que se estenderão até 19 de setembro de 2021.

5.1. – Serão concedidas medalhas ou troféus e Diploma para os classificados.

5.2.- A premiação será remetida via postal para o classificado que não puder comparecer na data aprazada para seu recebimento.

5.3.- A UBT-Curitiba não se responsabilizará por quaisquer despesas de locomoção e/ou hospedagem dos classificados para o recebimento dos prêmios. Sendo, contudo de responsabilidade da UBT-Curitiba despesas referentes à remessa pelo correio dos prêmios, na hipótese do não comparecimento para recebimento do mesmo.

6. - Da Comissão Organizadora

6.1. A Comissão Organizadora resolverá os casos omissos e suas decisões serão definitivas e irrecorríveis.

6.2. As trovas remetidas em desacordo com qualquer item, serão eliminadas automaticamente do concurso.

6.3. A simples remessa das trovas significa total conhecimento e completa aceitação deste Regulamento.

Maiores informações pelo e-mail: ubtctba@gmail.com

Ou pelo telefone (41) 99787-9485.

Fonte:
Regulamento enviado pela UBT Curitiba
https://www.ubtcuritiba.com.br/xxi-jogosfloraisdecuritiba

sábado, 21 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 445

 


Olivaldo Júnior (No Meio do Caminho)


Quem não conhece o célebre poema "No meio do caminho", do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade? Aparentemente simples, o poeta elege uma grande dificuldade como pretexto para sua eterna recordação.

"No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra."...

Desde o dia 3 de junho de 2015, temos mais um motivo para nos lembrarmos de Drummond e de suas "pedras" no meio do caminho, pois, a partir dessa data, de acordo com a Lei 13.131/2015, comemora-se oficialmente o Dia Nacional da Poesia no dia do aniversário do poeta, ou seja, em 31 de outubro. Halloween?! Dia das Bruxas?! Que nada! Na terra de Vera Cruz, sob a luz do Cruzeiro do Sul, cruamente brilhando, é dia de "ouvir estrelas" e dizer um poema.

Os primeiros poetas "brasileiros", com certeza, não foram brasileiros. Vieram nas caravelas portuguesas, "segurando vela" para esse casamento arranjado que foi o "descobrimento" do Brasil pela terrinha, o “nosso” Portugal. Assim, os primeiros habitantes lusitanos que tivemos foram, em sua maioria, degredados. E o que eram, são e serão os poetas senão os indesejados, os que não têm mais jeito e, de dentro do peito, acendem a chama do verso e versificam outro mundo em si mesmos? No céu da boca de um poeta há mais constelações que no cosmos. Acredite! Um poeta tem galáxias na manga e delas lança mão quando é preciso. Isso obriga o pobre a viver na lua, com os olhos para além, meio alheios, aluados, aludindo ao que, via de regra, não vale muito no tal mercado literário universal.

A poesia. O que seria o homem sem a faculdade da abstração, ou seja, de ver algo a mais no que ele enxerga? Porque a poesia é isso, quase um duplo do mundo, um "pó de pirlimpimpim" que tudo recobre, visível apenas por quem traz a "chave", a senha, o espírito para enxergar o que os poetas veem. Vem de onde a poesia? De um livro antigo, de uma velha lenda homérica, uma odisseia, escrita sabe-se lá por quantas mãos de quantos poetas? Ou dos versos em redondilhas que um caboclo, um caipira, aprendeu não lembra mais com quem e o ajudou a compor muitas modas de viola lá na roça? Não sei, mas a poesia está no ar. Num caderno de colégio, num bilhete apaixonado, numa lápide invulgar, numa velha camiseta, num eterno coração que, como todo coração, só é eterno enquanto dura. Olha, Vinicius!...

"Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta.", assim nos disse a "poeta" Cecília, a Meireles. Sim, a poesia também está no jornal, como tão bem lembrava Bandeira em seu "Poema tirado de uma notícia de jornal". Conhece-o? Se não, vale a pena conhecê-lo. A poesia é uma forma de ser e de estar no mundo, esse mesmo mundo, tão infenso, tão adverso, tão inimigo à poesia. Se a rosa é do povo, a poesia é também. No diário de Anne Frank, nos livros da menina que os roubava, a poesia, sempre à espera de um pouco de ar, soluça (em silêncio) sua música.

Na cidade em que moro, Mogi Guaçu, São Paulo, há pessoas que escrevem poesia. Umas são mais conhecidas, outras menos, mas escrevem. Existe a Academia Guaçuana de Letras, a Casa do Escritor de Mogi Guaçu e a UBT (União Brasileira de Trovadores). Já estive muito junto das três. Senti de perto o que sentem. Hoje, na cidade em que nasci, Aguaí, São Paulo, está nascendo a Academia Aguaiana de Letras. Machado de Assis anda por lá, fiscalizando tudo, vendo o que está certo e o que pode ser melhorado, afinal, Machado é para isso. Eu, por minha vez, nos canteiros da vida, vivo um pouco por vez. Às vezes me canso e me volto para mim. Sou eu, na aquarela que crio, num trenzinho da infância, em poesia.

No Dia Nacional da Poesia, que Drummond desça à Terra e aterrisse na sala em que tantos não leem, não querem mais ler, sequer conversar. Poesia não é estática, muito pelo contrário, é cinética, em transe, e transita por todas as artes, cada uma das muitas musas.

No meio do caminho não tinha uma pedra. No meio do caminho tinha um poema.

Fonte:
Texto enviado pelo autor em 2017, pelo dia Nacional da Poesia (31 de Outubro)

Daniel Maurício (Poética) 9

 


Caldeirão Poético XXXVI

poemas infantis


Adélia Prado
Divinópolis/MG

ESPERANDO SARINHA

Sarah é uma linda menina ainda mal-acordada.
Suas pétalas mais sedosas estão ainda fechadas,
dormindo de bom dormir.
Quando Sarinha acordar,
vai pedir leite na xícara de porcelana pintada,
vai querer mel aos golinhos em colherinha de prata,
duas horas vai gastar fazendo trança e castelos.
Estou fazendo um vestido,
uma tarde linda e um chapéu,
pra passear com Sarinha,
quando Sarinha acordar.
****************************************

Cecília Meireles
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

AS MENINAS

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
“Bom dia!”

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina,
a mais sábia menina.

E Maria
apenas sorria:
“Bom dia!”

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;

uma que se chamava Arabela,
uma que se chamou Carolina.

Mas a profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,

que dizia com voz de amizade:
“Bom dia!”
****************************************
 
Isabel Furini
Curitiba/PR

A LAGOSTA


A lagosta dançarina
está muito apaixonada
pelo lindo peixe-palhaço.

Ciumento o peixe espada
perseguiu o peixe-palhaço
e lhe acertou uma cabeçada.

O peixe-palhaço
foge muito assustado
Quando ele se aproxima
a lagosta lhe dá
um forte abraço.
 
****************************************
 
Mário Quintana
Alegrete/RS, 1906 – 1994, Porto Alegre/RS

CANÇÃO DA GAROA

Em cima do telhado
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater:
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber porquê
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin…
****************************************

Paulo Leminski
Curitiba/PR, 1944 – 1989

BEM NO FUNDO

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
****************************************

Pedro Bandeira
Santos/SP

POR ENQUANTO SOU PEQUENO


Por enquanto sou pequeno,
mas vou aprender a ler:
já sei ler palavra inteira,
leio pra cima, e pra baixo,
e plantando bananeira!  

Por enquanto sou pequeno,
uma coisa vou dizer,
com certeza e alegria:
sei que nunca vou esquecer
da beleza da poesia!
****************************************

Ruth Rocha
São Paulo/SP

PESSOAS SÃO DIFERENTES


São duas crianças lindas
Mas são muito diferentes!
Uma é toda desdentada,
A outra é cheia de dentes...

Uma anda descabelada,
A outra é cheia de pentes!
Uma delas usa óculos,
E a outra só usa lentes.

Uma gosta de gelados,
A outra gosta de quentes.
Uma tem cabelos longos,
A outra corta eles rentes.

Não queira que sejam iguais,
Aliás, nem mesmo tentes!
São duas crianças lindas,
Mas são muito diferentes!
****************************************

Sérgio Capparelli
Uberlândia/MG

A ÁRVORE QUE DAVA SORVETE


No Polo Norte
Tem árvore
Que dá sorvete.   

De morango
Para as filhas
do Calango.          

De chocolate
Para o cachorro
Do alfaiate.           

De groselha
para a Gata
Da Adélia

E de uva
Para a filha
Da Viúva.

No Polo Norte
Tem árvore
Que dá sorvete.   
Acredita?
****************************************

Vinicius de Moraes
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

A CASA


Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque a casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na Rua dos Bobos
Número Zero.

Ivan Lessa (Não Ande Nu por Aí)


Eles estão lá em cima tirando a roupa e fazendo graça. Se fosse o casal que mora no apartamento diretamente superior ao meu não me incomodaria em absoluto. Mas não: são os dois astronautas norte-americanos. Um deles espirrou no cosmos, da terra alguém no controle de comunicações exclamou: “Saúde!" Ou, mais possivelmente, “Gesundheit”! E comentou: “Acho que você contraiu o primeiro resfriado do espaço”! Não acho correto. Não que o camarada aqui em baixo tenha sido educado. Mas a leveza com que tratam o assunto todo. Sei lá: um homem no cosmos é um homem no cosmos. Está cercado, embora no imponderável, de gravidade por todos os lados. Ou deveria estar. Agora ficam os dois lá se rindo e se cutucando: “Êta, nós, hein?”, parecem dizer. Acho a coisa séria. Nada mais sério do que o espaço, nada mais sério do que estar no espaço. Eu ficaria inteiramente abobalhado e dificilmente daria uma informação coerente a alguma mesa de controle aqui da terra.

Também não chegaria ao extremo daquele russo que berrava: “Eu sou uma águia! Eu sou uma águia” dentro de toda aquela complicada roupagem espacial. Mas prenderia, tendo certeza, o espirro. E se tirasse a roupa, não avisaria o mundo inteiro: “Olha aí, eu vou tirar a roupa!”, numa espécie de exibicionismo cósmico, difícil de ser ultrapassado (as senhoras todas fechando as janelas e mandando as filhas para a cama: “Tem um homem nu lá em cima, meu anjo, vá se deitar!”). Mas se o presidente Johnson andou mostrando sua cicatriz a três por dois, como quem exibisse um peixe fabuloso recém fisgado, porque que o rapaz lá em cima não haveria de tirar a roupa?

Mais chocante ainda é o fato de dormirem sete saudáveis horas seguidas. Não é possível, deve haver alguma coisa de errado com eles. Se a gente não consegue dormir com uma lâmpada acesa na rua, como é que eles ferram no sono com a terra inteira brilhando (terra brilha?) na escotilha?

Deveriam manter um silêncio cósmico e quando se dirigissem à terra o fizessem com voz grave e apenas para repetir informações essenciais e de difícil compreensão para os leigos: “Alô, XK-102, Gemini-7 para a terra. Fase 3 encerrada. Iniciada fase 4”. Coisas assim.

Mas no domingo vai subir a segunda cápsula. No alto se encontrarão. Os americanos tinham que escolher o domingo. Dia de visita, sentar na varanda e pedir à mulher que prepare um jarro de limonada, bater papo. Só podia ser no domingo. E vão, de tardinha tenho a certeza, uma vez completada a missão, perguntar quem ganhou o jogo de baseball.

Posso estar errado, mas não confio no homem que vai ao cosmos como quem vai à esquina; no homem que no cosmos quer saber quem ganhou o jogo; que no cosmos não se esquece da terra e leva a terra com ele. Se há uma oportunidade de se começar de novo é lá em cima. Se um dia nossos filhos andarem pela lua não gostaria que, no mar de Copérnico, encontrassem uma goma de mascar usada, chapinha de refresco. Que encontrem apenas ‒ isso é importante ‒ um punhado inteiramente novo de terra.


Fonte:
Diário Carioca. RJ: 11 dez 1965.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Varal de Trovas n. 444



Carolina Ramos (Natal Feliz)


Ele terá um Natal feliz! Ah, sim! Custe o que custar, o meu moleque há de ter neste ano, um Natal igualzinho ao dos outros!" — Zé Pedro apertava as mãos com vigor, como a transmitir força à decisão. O olhar severo diluía-se em ternura ao pousar sobre o vulto tristonho da criança, que, através da vidraça (opaca de pó, olhava os companheiros de folguedos, a lhe ignorar o afastamento, mal iniciada a discussão dos projetos e preparativos natalinos. Aqueles tinham mãe. Tinham lar. Teriam Natal!

Mas, o seu Betinho, desta vez também teria um Natal! O primeiro Natal, e, talvez, o mais feliz de toda a sua vida!

Logo ao nascer, a morte roubara ao menino a doçura dos carinhos maternos. Crescera aos trambolhões. O pai a desvelar-se. Viril, no trabalho diurno. A noite, premido pelas circunstâncias, a bipartir-se, fazendo o impossível, para dar ao filho a flexível austeridade de um pai e a tépida ternura dos braços maternos. Dupla missão, visando a um fim comum: a felicidade do filho. Atrapalhava-se, sem dúvida. As crianças, por vezes, tornam-se um bocado difíceis de serem entendidas. Mormente, por alguém que no trabalho pesado se embrutecia, calcando ao fundo da alma um cortejo sem fim de ressentimentos, a desfilar tristemente entre as ruínas dos seus pobres sonhos. Sonhos! Que seria isso? Há tanto deixara de sonhar! Sonhos, são para aqueles que ainda pretendem vê-los realizados um dia. Ele nada esperava. Bem... nada, propriamente, não. Queria fazer do filho um homem de valor! Ah! Mas, isto não era um sonho. Era pré-realidade. Palpavelmente concreta? Faria do filho, um homem! Por todos os santos, que o faria! Haveria de estudar, de ser alguém. Nem que o pai não passasse, como até agora, de um sofrido burro de carga.

"Dr. Alberto Celso da Silva!" — "Bom dia, doutor." "Obrigado, doutor!" — Como soava bem! Parecia ver-lhe a placa reluzindo à entrada de uma casa moderna! Casa de gente. Não aquela espelunca!

Zé Pedro desceu à terra. Olhos úmidos, percebeu que andara sonhando. Passou a mão calosa pelo rosto rude, curtido de sol. O certo, é que seu filho teria um Natal feliz!

Olhava a casa modesta, em desalinho, clamando pelos desvelos femininos. Nem de longe, assemelhava-se a um lar! Só as mulheres, com seus filtros mágicos, conseguem dar vida e graça, às coisas sem vida e sem graça alguma! Tentaria repetir o milagre. Pediria até umas férias. Não, nem seria preciso tanto. Uma licença de uns poucos dias, bastaria.

E, assim, tudo começou: "— o encardido das paredes foi escondido por uma camada de cal azul turquesa, talvez um pouco escura demais, mas, sempre azul! " A cor que sua finada Maria tanto apreciava. Casa limpa, tudo pareceu mais fácil. As vidraças, agora transparentes, permitiam que o sol jogasse confetes dourados nas tábuas foscas do assoalho. Zé Pedro exultava! O entusiasmo era tão grande, que o mulherio da vizinhança, sempre pronto ao zelo pelo garoto, em horas de expediente do pai, sentiu uma vez mais o problema, e, uma vez mais, cooperou. A velha Joana, até mesmo a velha Joana, mais dada às críticas e queixas, chegou a enviar-lhe um ramalhete de flores, fresquinhas, colhidas num jardim doméstico, igualzinho àquele que sua Maria esboçara, alguns meses antes que a condição de futura mãe lhe impedisse tais excessos. Maria! Tépida onda de saudade banhou-lhe o corpo, quase a saltar-lhe pelas janelas do olhar. Onze meses de ternura conjugal! E que onze meses felizes! Por que será que a felicidade acaba tão depressa?! Em troca, o infortúnio custa tanto a ir-se! — Uma leve, leve... qualquer ventinho a dissipa; o outro, pesado... pesado demais! Por isso mesmo, talvez nem todo um tufão de boa vontade consegue remove–lo de cima da gente. Ora, Senhor!, lá estava ele, caminhando com os pés virados para atrás, mergulhado no passado! E o presente, combalido, a exigir tantos cuidados!

Quase de mau humor, tentou ajeitar, numa velha leiteira, as flores recebidas. Já rachada, a vasilha partiu-se. A água espalhada por sobre a mesa tosca, arrefeceu o ânimo do homem. Roubou-lhe também um pouco mais do humor.

Fazia falta uma mulher em casa. Por todos os demônios, que fazia! Seis anos de viuvez! Por que não se casava outra vez? — Pergunta que lhe faziam amiúde e que, a si mesmo, repetia com frequência, principalmente, quando certos olhos castanhos ganhavam maior brilho, mal o viam passar. Mas, isso não! Jamais daria madrasta ao filho! A vida, roubando ao seu pequeno o carinho materno, já fora madrasta, e das piores! Não viesse a outra completar-lhe a obra. Tudo se arranjaria, aos poucos, com a graça de Deus.

— "Casa sem flores, pode ser casa, nunca um lar." dissera-lhe, certa vez, a companheira, quando, ao vê-la colocar à mesa, entre os pratos, um vaso cheio de flores, pilheriara: — "Vamos comê-las com sal, ou com açúcar?" Em resposta, haviam rido juntos. A esse tempo, já era possível sentir a presença irrequieta do filho, por sob a bata franzida, da mãe.

Ah! Maria, Maria... sempre Maria!

Zé Pedro enfiou as flores da velha Joana num bule de café. À volta do trabalho, trazia um vaso debaixo do braço. Seu filho teria um Natal feliz! Faltava ainda tanta coisa! E a verba andava curta! Quanto, para que uma casa se transformasse num lar!

O Natal batia à porta. Poderia vender algo. Aquele relógio que lhe dera Maria. Guardava-o com tanto carinho!... Quebrado mesmo, já o farmacêutico lhe oferecera por ele um bom cobre. Era um caso a estudar. Não tinha tempo para estudos. Acariciou o relógio uma última vez... reservava-o para o filho. Bobagens! Até que fosse gente para poder usá-lo, dar-lhe-ia outro melhor e mais bonito. E Maria? — não ficaria, acaso, magoada, se lá de cima visse tudo? Ora, claro que não! As mães compreendem tudo! E tudo não era para que o filho tivesse um Natal feliz?

O relógio ganhou novo dono. O menino, roupa nova. Terninho azul, como tanto desejara. Azul! Sempre o azul presente. Seria azul a cor dos sonhos? Se assim fosse, não seria de estranhar que, uma vez realizados, conservassem algo a lhes lembrar a primitiva cor. Santo Deus, por que pensava em tais tolices?! Aquele Natal lhe estava deixando miolo mole e coração, também. Devaneios de poeta! Olhou-se no espelho que pendia torto da parede. Endireitou-o. — "Toma jeito, Zé Pedro!" murmurou, mastigando um sorriso.

E vieram as frutas secas! Importadas! As amêndoas, as nozes e as avelãs. Um bocadinho de cada. E os bolsos ficando leves! As passas, os figos. Mania de copiar os outros! Por que não festejarmos o nosso Natal à brasileira, com as nossas próprias castanhas, os nossos pinhões, os nossos tão gostosos amendoins? Não são por acaso, frutos secos? E as peras d'água, as laranjas, os abacaxis de coroa na cabeça, e as uvas deliciosas, nossas, tão nossas?! Qual! — o mundo é assim mesmo! Quem sabe lá, se nas mesas europeias mais aristocratas, não haveria uma banana dourada, pintadinha, envolta em papel de seda, à espera de ser parcimoniosamente servida em fatias?

E veio a árvore de Natal. Pequenina, galhos rijos de arame recoberto de crepon verde. Maria não gostava de nada artificial. Maria tinha gosto! Tivesse paciência desta vez. Artificial, o pinheiro era mais econômico, não requeria tantos cuidados, servindo para o próximo ano, ou mesmo, para muitos mais.

Pai e filho: duas crianças iluminadas pelo ingênuo prazer de engalanar a primeira árvore de natal! Qual a mais feliz?

— "E a estrela, pai?"

— "Bolas! — tantas bolas comprara, e esquecera da estrela! A arvorezinha enfeitada, parecia pequenina, ricamente vestida... e lhe esquecera a coroa!"

"Sabe, pai, se eu pudesse ia roubar aquela estrela bonita que brilha lá em cima, no céu!"

Zé Pedro desgostou-se. Que fascinação tinha o filho por esse verbo maldito! Roubar! A própria palavra causava-lhe irritação! Era pobre, mas, honesto. Tivera ao alcance oportunidades sem conta de melhorar de condição. Jamais manchara o nome, que, aliás, já nem considerava seu, mas, do filho. E o seu pequeno... sim, o seu pequeno, com que facilidade lançava mão do alheio! Não havia sido uma, nem duas vezes! Ontem, uma bola furada, sem aparente utilidade. Hoje um velho bodoque e quiçá uma estrela, caso a tivesse ao alcance. E amanhã?... Oh! Deus de misericórdia! — como podia gerar tão monstruosos pensamentos, comprometendo o futuro do futuro Dr. Alberto Celso da Silva?! O tempo, os conselhos e, principalmente, o exemplo paterno, se encarregariam de solver o problema. Coisas de criança! De uma criança que já entrara no mundo baseada em seu maior tesouro!

— "Amanhã, sem falta, terás a tua estrela".

— "E o presépio?"

— Estrilou. “Já estás querendo demasiado, não?" "Insaciáveis as crianças! Mais têm, mais querem!

- "No próximo ano, teremos um presépio bem bonito! Com pastores, carneiros e a Virgem Maria ninando um Menino de cabelos encaracolados. Iguaizinhos aos teus!"

— "E anjos, também?"

— "Anjos também. Muitos anjos!"

E o Natal chegou. Cheio de luzes! Bimbalhando sinos e sugerindo Paz e Amor.

Zé Pedro chegava da rua. Braços pesados, sobrecarregados com os últimos pacotes. A alma leve, leve! Vinha com ele a desejada estrela. A mais bela que encontrara!

Viu gente à porta. Muita gente! Não estranhou. Betinho estaria exibindo o seu lar. Os seus presentes. Andava prosa, ultimamente! Lá chegava a Joana com nova braçada de flores. E não tinham outro vaso!

Contudo, ao chegar, Zé Pedro, em vez da esperada alegria, captou tristeza e dor em cada olhar. Ninguém falava! Abriu caminho até o quarto, já pressentindo algo de funesto. Lá estava ele estendido na cama. Parecia dormir! Muito limpinho, estreando seu terno azul, um quase sorriso nos lábios sem cor.

"Foi um carro..." gaguejou alguém.

"Ele atravessava a rua correndo... ia contar ao filho do farmacêutico, que o seu Natal ia ser bonito... o mais bonito de todos!"

As lágrimas brotavam devagarinho dos olhos cansados de Zé Pedro. Pingos grossos e quentes, caiam mansamente sobre o corpo inerte do menino.

Seu filho... sim, sabia, seu filho fora roubar uma estrela do Senhor! Lá por cima, encontrara a mãe! Maria, por certo, não o deixara voltar. As mães são assim mesmo... Egoístas como ninguém! — quando conseguem prender os filhos nos braços, se pudessem, não os largariam nunca mais!

O caso é que seu filho agora tinha mãe! Tinha um lar! - um lar belo e azul! Muito mais belo, muito mais azul, do que aquele que lhe pretendera dar!

Ah! e tinha também, ao seu alcance, anjos para brincar e não apenas uma, porém, milhares e milhares de estrelas, sem precisar nunca pensar em roubá-las!

Não... não se enganara! Seu filho teria um Natal feliz! Feliz como jamais tivera! — bem mais do que ele ele próprio lhe poderia dar!

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XXII

 
O SOL ADORMECE NA TARDE

MOTE:
No instante em que o sol se enfada
de tanto aquecer a terra
deita a cabeça dourada
no travesseiro da serra.
José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN


GLOSA:
No instante em que o sol se enfada,
se cansa... quer descansar,
na tarde, em luzes bordada,
guarda os pincéis, do pintar!

Mais frágil vai se tornando,
de tanto aquecer a terra
e a noite, que vem chegando,
uma grande paz descerra!

Nessa tarde matizada,
o sol, em brilhos sutis,
deita a cabeça dourada
e adormece, assim, feliz!

Surgem novos horizontes
e um novo sonho ele encerra,
dormindo, por trás dos montes,
no travesseiro da serra!
****************************************

ENQUANTO HOUVER...

MOTE:
Enquanto houver um luar
e um sol, cheio de esplendor,
há de se ouvir o cantar
da lira de um trovador.

Lisete Johnson
Butiá/RS, 1950 – 2020, Porto Alegre/RS


GLOSA:
Enquanto houver um luar
aclarando a nossa vida,
podemos acreditar
na esperança renascida!

Tendo uma lua prateada,
e um sol, cheio de esplendor,
colheremos pela estrada,
noite e dia, muito amor!

Com os sonhos a embalar,
matizados de emoção,
há de se ouvir o cantar
das vozes do coração!

Enfeitará os universos
com ternura multicor,
a serenata de versos
da lira de um trovador.
****************************************

A SAUDADE NÃO GOSTA...

MOTE:
Desconfio que a saudade
não gosta de ti, meu bem:
Quando tu vens, ela vai...
Quando tu vais, ela vem!

Luiz Otávio
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP


GLOSA:
Desconfio que a saudade
de ti, sempre está fugindo,
pois se vais chegar de tarde,
de manhã ela já vai indo!

Não é tua companheira,
não gosta de ti, meu bem,
pois se esconde sorrateira,
ninguém a encontra! Ninguém!

Silenciosamente sai,
essa saudade danada!
Quando tu vens, ela vai...
Contigo ela não quer nada!

Eu acho até, vou dizer,
que ela me ama, também,
sempre, comigo, a viver...
Quando tu vais, ela vem!
****************************************

SAUDADE... SAUDADE...

MOTE:
Saudade, se tu soubesses
o quanto te quero bem,
ias querer-se pudesses –
sentir saudade também!

Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ


GLOSA:
Saudade, se tu soubesses
como é bom sentir saudade,
talvez o encontro, tivesses,
com Dona Felicidade!

Saudade, não imaginas
o quanto te quero bem,
e como são cristalinas
as lembranças que se têm!

Se pudesses – com certeza,
ias querer – se pudesses –
desfrutar dessa beleza
com todas suas benesses!

Vem, saudade, vem provar
do gostoso vai-e-vem;
vem, que hoje,eu vou te ensinar,
sentir saudade também!
****************************************

A TROVA

MOTE:
A trova emite um conceito,
com tal engenho e primor,
que deixa o autor satisfeito,
e muito mais o leitor.

Miguel Russowsky
Santa Maria/RS ,1923 – 2009, Joaçaba/SC

GLOSA:
A trova emite um conceito,
e uma mensagem bonita,
que cativa com seu jeito...
Nada no mundo a limita!

Com roupagem sempre nova,
com tal engenho e primor,
ao nascer mais uma trova,
nasce sempre um novo amor!

É um amor que estoura o peito
trazendo paz e alegria,
que deixa o autor satisfeito,
ao ver a sua poesia!

A trova é semente pura
agradando o seu feitor,
enobrecendo a cultura
e muito mais o leitor.

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XIX. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Rachel de Queiroz (O Amigo do Homem)


O nosso correligionário vinha vindo pelo saguão do aeroporto com um grande sorriso lhe clareando o rosto magro e, mal deu bom dia, foi logo dizendo:

― Felizmente chegou o 15 de março, que alívio!

Era de estranhar a exclamação, porque como nós, “golpista histórico”, o homem atravessara os três anos revolucionários como castellista irredutível. Será que agora ia na onda do tempo das falas novas?

― Sim, que alívio! ― Dois amigos mais tinham chegado, formara-se um pequeno círculo em torno do correligionário, que agora explicava:

― Eh, não me olhem assim de lado, que eu não estou renegando nada. Pelo contrário, nunca fui mais amigo do homem do que sou hoje. (A roda respirou, aliviada.) Estivesse em mim, andava com uma banda de música atrás dele, tocando o Hino Nacional. Não, meu alívio é outro. O que eu comemoro é o fim da minha função oficiosa de amigo particular do presidente. Vocês sabem lá o que é isso! Não se dá um passo, não se vê uma cara, ninguém fala com a gente pela gente mesmo...

― É mesmo, os pedidos de emprego são terríveis ― comentou alguém.

― Bem, os pedidos de empregos e vantagens são um capítulo à parte. Eles confundem amigo com valido; e acham que pelo fato de você poder de vez em quando falar cordialmente com o homem, isso lhe dá condições de a toda hora estar importunando, pedindo coisas ― promoções, remoções, empregos, pensões. E para se explicar que nada nos autoriza a fazer os pedidos, e nada garante que ele faça o que se pede, é um drama. Mas, esses que pedem, ao menos tentam satisfazer um direito, ou curar uma necessidade; ainda não são os piores. Os danados são os conselheiros, os entendidos, os assessores espontâneos... internacionalistas amadores, militares amadores, economistas amadores.... Mal você vai botando um salgadinho na boca, num coquetel, eles lhe puxam para um canto e começam: “Escute aí, assim não é possível! Diga ao seu amigo que essa alteração nas letras de câmbio é um absurdo! A medida só se justificava se a taxa do dólar em relação ao cruzeiro etc, etc.” Ou então: “Meu caro, numa das suas conversas com o presidente, você precisa fazer uma advertência muito séria a ele. Esse caso no Ministério do Trabalho foi realmente clamoroso...

E os especialistas em política internacional? “Olhe, meu velho, dê um conselho a esse homem: a nossa posição nessa questão do Vietnã foi uma vergonha... E do Paraguai, então! O presidente não pode deixar o Itamarati seguir esse caminho!” Há os que têm um plano rodoviário pronto, inteiramente oposto a “essa besteira que o presidente está deixando o Juarez fazer...” E os que são contra a erradicação dos cafezais e querem que você explique direitinho ao homem o crime que se está cometendo contra o nosso principal produto; e há o que lhe entrega um memorial de cem páginas “para o homem ler”, onde se prega a total diversificação da lavoura. E depois ficam cobrando: “Você entregou? Que é que ele disse?” E a verdade é que, naturalmente, o homem nunca me pediu conselhos para governar...

― Deve ser chato.

― Ah, mas ainda tem piores. E os provocadores? Esses, justamente porque sabem que você é amigo do homem, mal lhe avistam, entram logo na ignorância. Pode até ser uma pessoa bem-educada — mas em matéria de política ninguém tem educação. “Ah, meu caro, esse tal de seu amigo é mesmo de arder!” E sentam a ripa. Normalmente, jamais ocorreria àquele camarada insultar um amigo nosso, mas quando esse amigo é o presidente, até fica bem, é sinal de independência de caráter... E os que sabem de fonte limpa as piores falcatruas, a que o homem, se não participou, pelo menos fechou os olhos? E os que querem que a gente vá denunciar fabulosas negociatas; e os dedos-duros que exigem que a gente desmascare certos corruptos e subversivos, enquanto eles se mantêm corajosamente anônimos: “Eu lhe digo isso em particular, para você abrir os olhos do homem, mas por favor não cite o meu nome...

Nesse instante aproximou-se da roda uma senhora gorda, comboiando uma moça magra, e se dirigiu ao nosso correligionário:

― Dr., esta minha nora tem um assunto muito sério para tratar. E como sei que o senhor é muito chegado ao governo, amigo do presidente...

O correligionário ficou inteiramente histérico:

― Fui, minha senhora, fui! Isto, sou amigo do presidente que foi! Esse agora só conheço de retrato ― e nem de retrato direito, só retrato impresso, retrato de jornal! Com esse eu nunca falei, graças a Deus!

Fonte:
O Cruzeiro. RJ: 22 abr 1967.

Estante de Livros (A Loja de Antiguidades, de Charles Dickens)


A Loja de Antiguidades (The Old Curiosity Shop) é um romance de Charles Dickens. O enredo centra-se na vida de Nell Trent e do seu avô, ambos residentes na Old Curiosity Shop em Londres.

Foi um dos dois romances (o outro é Barnaby Rudge) que Charles Dickens publicou, em conjunto com outros pequenos contos, no Master Humphrey's Clock, um periódico semanal que foi publicado entre 1840 e 1841. A história foi tão popular que os leitores de Nova Iorque invadiram o cais quando o navio com a última publicação chegou à América em 1841.

O romance foi publicado em formato de livro em 1841. Existe em Londres uma loja chamada The Old Curiosity Shop. Fica nos números 13-14 na Portsmouth Street em Westminster e acredita-se que tenha sido a inspiração para o romance. O edifício é do século XVI e o nome da loja foi mudado depois da publicação do livro de Charles Dickens.

A história concentra-se na personagem de Nell Trent, uma menina com quase catorze anos. Ela é orfã e vive com o seu avô materno (cujo nome nunca é revelado) na sua loja de quinquilharias. O seu avô gosta muito dela e Nell não se queixa, mas ela tem uma vida muito solitária e quase não tem amigos da sua idade. O seu único amigo é Kit, um rapaz honesto que é empregado da loja e a quem Nell está a ensinar a escrever. O avô de Nell vive secretamente obcecado com a ideia de garantir que ela não morra na pobreza, como aconteceu com os seus pais, pelo que tenta dar-lhe uma boa herança através do jogo. Ele guarda o segredo dos seus jogos noturnos, mas contrai empréstimos bastante vultuosos de Daniel Quilp, um agiota corcunda e anão malicioso, com deformações grotescas. O avô de Nell acaba por perder o pouco dinheiro que tem no jogo e Quilp aproveita para se apoderar da loja e expulsar Nell e o seu avô de lá. O avô acaba por sofrer um esgotamento e fica louco, isto faz com que Nell o leve para as Midlands de Inglaterra onde se tornam pedintes.

Convencido de que o avô de Nell tem uma grande fortuna escondida, Frederick, o irmão vagabundo dela, convence Dick Swiveller, um rapaz amável, mas muito influenciável, a procurar Nell para que Swiveller se possa casar com ela e, assim, partilharem a riqueza entre eles. Para tal, eles juntam-se a Quilp, que sabe que não existe qualquer fortuna, mas decide ajudá-los de forma sádica para aproveitar a tristeza que irá causar a todos os envolvidos. Quilp começa a tentar encontrar Nell, mas os fugitivos não são fáceis de encontrar. Para manter Dick Swiveller sob a sua vigia, Quilp arranja uma forma de o empregar como escriturário do seu advogado, Mr. Brass.

Na firma de Brassm Dick trava amizade com uma empregada mal tratada e dá-lhe a alcunha de "a Marquesa". Nell, depois de conhecer várias pessoas, algumas que a tratam mal e outras amáveis, consegue finalmente arranjar um abrigo seguro para o seu avô numa vila isolada (identificada por Dickens como Tong, Shropshire), mas isto tem um custo na saúde dela. Entretanto, Kit, uma vez que perdeu o seu emprego na loja de antiguidades, encontra um novo trabalho com os simpáticos Mr. e Mrs. Garland. Aqui, um misterioso cavalheiro entra em contacto com ele para saber de notícias de Nell e do seu avô. O cavalheiro e a mãe de Kit procuram-nos sem sucesso e encontram Quilp que também procura os fugitivos. Quilp ganha rancor a Kit e faz com que ele seja preso por roubo. Kit é condenado a desterro. Porém, Dick Swiveller prova a inocência de Kit com a ajuda da sua amiga "Marquesa". Quilp é perseguido e morre enquanto tenta escapar.

Ao mesmo tempo, uma coincidência leva o Mr. Garland a descobrir o paradeiro de Nell e ele, Kit e o cavalheito (que se descobre ser o irmão mais novo do avô de Nell) vão procurá-la. Infelizmente, quando eles chegam, Nell está morta devido à sua difícil viagem. O seu avô, já mentalmente instável, recusa-se a aceitar que ela está morta e senta-se todos os dias na sua campa à espera que ela volte até que, alguns meses mais tarde, também ele acaba por morrer .

Os acontecimentos do livro devem ter lugar por volta do ano 1825.

No Capítulo 29, Miss Monflathers fala da morte de Lord Byron, que faleceu a 19 de abril de 1824. Quando um inquérito conclui (incorretamente) que Quilp cometeu suicídio, ordena-se que o seu corpo deverá ser enterrado numa encruzilhada com uma estaca no seu coração, uma prática que foi banida em 1826. Após sofrer um esgotamento, o avô de Nell teme que o enviem para um manicômio e que aí seja acorrentado a uma parede e açoitado; estas práticas foram abandonadas depois de 1830.

No capítulo 13, diz-se que Mr. Bass, o advogado, é um dos advogados da rainha, o que o coloca no reinado da rainha Vitória, que teve início em 1837. Porém, tendo em conta as provas restantes e o fato de se considerar no seu julgamento que Kit "agiu contra a paz do nosso Soberano, o Rei" (uma referência a Jorge IV), este pode ter sido um erro.

O Master Humphrey's Clock era um periódico semanal que continha pequenos contos e dois romances (A Loja de Antiguidades e Barnaby Rudge). Alguns dos contos servem de histórias complementares aos romances. Originalmente, o conceito da história era o de que esta era lida em voz alta pelo mestre Humphrey a um grupo de amigos que se juntava na sua casa à volta do relógio do avô, onde Humphrey guardava os seus manuscritos.

Como consequência, quando o romance começa, este é contado na primeira pessoa, sendo o mestre Humphrey o narrador. Porém, Dickens mudou de ideia em relação a qual seria a melhor forma de mudar a história pouco depois de esta começar a ser publicada e abandonou a narração na primeira pessoa depois do terceiro capítulo. Quando o romance terminou, foi acrescentada uma cena de conclusão no Master Humphrey's Clock. Nesta cena, os amigos do mestre Humphrey queixam-se (depois de este acabar de o ler) que nunca é dado um nome ao "cavalheiro" . O mestre Humphrey diz-lhes que a história do romance era verídica e que o "cavalheiro" era ele e ainda que os acontecimentos dos primeiros três capítulos eram fictícios e serviram apenas para apresentar as personagens.

Esta foi a explicação de Dickens para justificar o porquê de o narrador ter desaparecido e porque, visto que era parente das personagens principais do livro, nunca deu qualquer indicação de as conhecer. É uma técnica desajeitada e pelo menos um editor achou que esta explicação não devia ser levada a sério.

Personagens


Nell Trent. É a personagem principal do romance. Descrita como infalivelmente boa e angélica, ela conduz o seu avô na viagem que os dois fazem para se salvarem da miséria. Ela vai ficando cada vez mais fraca ao longo do romance e, ainda que encontre uma casa com a ajuda do mestre-escola, ela não recupera e morre antes de os seus amigos de Londres a encontrarem.

Avô de Nell. É o guardião de Nell. Depois de perder a mulher e a filha, ele vê Nell como a reencarnação dos seus espíritos bons. O seu neto, Fred, é visto como o sucessor do seu genro, que ele não via como merecedor da sua filha. Assim, ele não lhe mostra qualquer afeto. Ele fica paranoico em relação à ideia de cair na pobreza e joga para tentar que isso não aconteça. Quando fica sem dinheiro, ele recorre a Quilp para fazer empréstimos e tentar garantir que Nell tenha a vida que ele acha que ela merece. Quando acha que Kit revelou o seu vício secreto a Nell, ele fica doente e fica mentalmente instável como consequência. Depois disto, Nell protege-o, tal como ele a tinha protegido a ela. Apesar de saber que Nell morreu, ele recusa aceitar esse facto e não reconhece o seu irmão que tinha protegido na infância. Ele morre pouco depois de Nell e é enterrado ao seu lado.

Christopher 'Kit' Nubbles. O amigo de Nell e empregado na loja. Ele protege Nell quando ela fica na loja sozinha à noite (apesar de ela não saber que ele está lá, e nunca vai para casa até se certificar que ela está segura na sua), Quando Quilp ocupa a loja, ele oferece a Nell a oportunidade de ficar na sua casa. A mãe dele está preocupada com a ligação do filho a Nell e, a certo ponto, brinca com a situação e diz: "algumas pessoas diriam que te apaixonaste por ela", o que faz com que Kip fique envergonhado e tente mudar o assunto. Mais tarde, é lhe oferecido um emprego na casa dos Garland e ele torna-se num elemento importante desta casa. A sua dedicação à sua família faz com que ele conquiste o respeito de muitas personagens e o ressentimento de Quilp. Ele é acusado de roubo, mas acaba por ser libertado e acaba por se juntar ao grupo que procura Nell.

Daniel Quilp. É o vilão principal do romance. Ele trata mal a sua mulher , Betsy, e manipula os outros para conseguir o que quer através do charme falso que foi desenvolvendo ao longo da sua vida. Ele empresta dinheiro ao avô de Nell e apodera-se da loja de antiguidades enquanto o idoso está doente (que ele tinha causado ao revelar que tinha conhecimento do seu vício no jogo). Ele usa o sarcasmo para apequenar quem o quer controlar, principalmente a sua mulher , e sente prazer ao ver os outros sofrerem. Ele ouve conversas alheias para saber todos os pensamentos do "velho" e importuna-o quando diz: "já não tens mais segredos para mim". Ele também cria um conflito entre Kit e o idoso (e consequentemente entre Kit e Nell) ao fingir que foi Kit quem lhe falou do vício no jogo.

Richard 'Dick' Swiveller. É o amigo manipulado de Frederick Trent, escriturário de Sampson Brass e o guardião da Marquesa, acabando depois por se casar com ela. Ele adora citar e adaptar trabalhos literários para descrever as situações por que passa. Ele é muito descontraído e parece não se preocupar com nada, apesar do facto de dever dinheiro a praticamente toda a gente. Quando Fred desaparece da história, ele torna-se mais independente e acaba por ser visto como uma boa pessoa, acabando mesmo por garantir a libertação de Kit da prisão e o futuro da Marquesa.

Cavalheiro. Não é dado um nome a esta personagem. Ele é o irmão mais novo do avô de Nell e lidera a procura dos viajantes depois de ficar alojado na Sampson Brass e de travar amizade com Dick, Kit e os Garlands.

COMENTÁRIOS

A crítica a Dickens que provavelmente se repete mais pode resumir-se numa frase supostamente proferida por Oscar Wilde: "Era preciso ter um coração de pedra para ler a morte da pequena Nell sem derramar algumas lágrimas...de riso".

Daniel O'Connel, um político irlandês, teve um episódio famoso no qual ficou em lágrimas com o final do livro e, em seguida, atirou o mesmo pela janela do comboio onde viajava.

O entusiasmo à volta da conclusão da série não teve precedentes. Segundo relatos, os fãs de Dickens invadiram os portos de Nova Iorque e gritavam aos marinheiros que chegavam (que já podiam ter lido a última publicação no Reino Unido): "A Pequena Nell está viva?".

Em 2007, muitos jornais afirmaram que o entusiasmo relativo ao lançamento do último volume de The Old Curiosity Shop era o único equivalente histórico do entusiasmo sentido quando foi lançado o último livro da série Harry Potter.

A autora norueguesa Ingeborg Refling Hagen disse que pediu uma cópia emprestada de The Old Curiosity Shop na sua juventude e afirmou que ninguém merecia ler sobre Nell porque nunca ninguém poderá compreender a sua dor. Ela chegou mesmo a comparar-se a Nell devido às suas próprias circunstâncias miseráveis.

Houve várias adaptações deste romance ao cinema mudo, incluindo duas realizadas por Thomas Bentley:
The Old Curiosity Shop (1914)
The Old Curiosity Shop (1921)

O primeiro filme sonoro baseado nesta obra foi feito em 1934 e contava com Hay Petrie no papel de Quilp.

A BBC transmitiu uma série baseada no romance em 1960.

Em 1975 houve um filme formato de musical intitulado Mr. Quilp in the United States. Os produtores queriam aproveitar o sucesso do musical Oliver!, também baseado no romance homônimo de Charles Dickens, mas o filme acabou por ser um fracasso.

Em 1979, foi transmitida uma série de 9 episódios na BBC. Esta versão foi lançada mais tarde em DVD. A personagem de Frederick não aparece nesta série e a história acaba com o avô a chorar na campa de Nell.

Em 1990 foi feita uma versão do romance para rádio, transmitida na BBC Radio 4. Esta versão foi narrada por Alex Jennings e conta com Emily Chenery (Nell), Phill Daniels (Quilp), Daniel Bliss (Kit), Trevor Peacock (Avô), Clive Swift, Anna Massey e Julia McKenzie no elenco.

Em 1998 a BBC Radio 4 produziu mais uma versão deste romance. Tom Courtnay (Quilp), Denis Quilley, Michael Maloney e Teresa Gallagher fazem parte do elenco.

Em 1995, Tom Courtnay e Peter Ustinov protagonizaram um telefilme da Disney. Estes atores faziam o papel de Quilp e de Avô respetivamente e Sally Walsh o papel de Nell.

A 26 de dezembro de 2007, a ITV transmitiu um telefilme baseado no romance.

Fonte
Wikipedia