terça-feira, 19 de outubro de 2021

Lima Barreto (Dentes negros e cabelos azuis)

A Edgard Hasselman


Era dos mais velhos, o conhecimento que eu mantinha com esse rapaz. Iniciadas na rua, nos ligeiros encontros dos cafés, as nossas relações se estreitavam dia a dia. Nos primeiros tempos, ele sempre me apareceu como uma pessoa inalteravelmente jovial, indiferente às pequeninas coisas do mundo, cético a seu modo; mas, em breve sob essa máscara de polidez, fui percebendo nele um queixoso, um amargo a quem uma melancolia, provinda de fugitivas aspirações impossíveis, revestia de uma tristeza coesa. Depois o seu caráter e a sua organização muito concorriam para sua dolorida existência. Muito inteligente para amar a sociedade de que saíra, e muito finamente delicado para se contentar de tolerado em outra qualquer, Gabriel vivia isolado, bastando-se a si e aos seus pensamentos, como um estranho anacoreta que fizesse, do agitado das cidades, ermo para seu recolhimento.

Às vezes ele nos surgia com uns ares de letrado chinês, lido em Sai-Tsê, calmo, superior, seguro de si e contente de se sacrificar à lógica imanente das coisas. Não dava um ai, não se lamentava, talvez temendo que o alarido de seus queixumes não desassossegasse a viagem do seu espírito “par-delà du soleil, par-delà de l’éther, par-delà des confins de sphères étoilées”.*

Um dia o encontramos, eu e mais alguns da roda, e a um deles que lhe perguntava: “Que tu vais fazer agora?” aludindo às consequências do último desastre da sua vida, Gabriel respondeu:

— Nada! O soberano bem não é agir.

Dias depois confessava-me o contemplativo que seguia idiotamente, pelas ruas e pelos bondes, os belos olhos negros de uma preceptora francesa.

Sua natureza era assim, dual, bifronte, sendo que os seus aspectos, por vezes, chocavam-se, guerreavam-se sem nunca se colarem, sem nunca se justaporem, dando a crer que havia entre as duas partes um vazio, uma falha a preencher, que à sua união se opunha um forte obstáculo mecânico...

Esta maneira biface de sua organização, a sua sensibilidade muito pronta e uma tentação delirante, para as satisfações materiais, tinham transformado a sua vida num acúmulo de desastres; pelo que, em decorrer dela, de todo se lhe fora aquela película cética, faceta, gaiata, ficando-lhe mais evidente a alegria e o sainete do filósofo pessimista, irônico, debicando a mentira por ter conhecimento da verdade, que é uma das povoadoras da imagem sem validade que é o mundo.

Pelos seus trinta e quatro anos, eu o procurava em sua casa, uma pequena casinha, numa rua da ponta do Caju, junto daquele mar de morte que beija as praias desse arrabalde, olhando defronte o cinzelado panorama das montanhas.

Não vivia mal, o emprego exigia pouco e dava relativamente muito; e solteiro, habitava a casinha com um africano velho, seu amigo, seu oráculo e seu cozinheiro; e um desgraçado poetastro das ruas, semilouco e vagabundo.

Era uma colônia de ratés animados pela resignação africana. Quando eu entrei em sua casa naquela tarde, a sua fisionomia irradiava. Pareceu-me que a iluminação interior que há muito sentíamos nele ia afinal exteriorizar-se. Seu rosto afinara-se, sua testa alongara-se, havia pelo seu olhar faiscações novas; era como se a graça descesse até ele, povoasse-lhe a alma e a enchesse de tal modo que se extravasasse pelo seu olhar brilhante, bondoso e agora calmo.

— Que tens hoje, fui lhe dizendo, a tua apaixonada rendeu-se ou achaste... o teu destino?

— Qual paixão, qual destino! interrompeu ele. O sábio não tem paixões para melhor poder contemplar a harmonia do universo.

E depois dessa sentença, não sei de que filósofo hindu ou chinês, ele me leu o seguinte, escrito com letra miúda e irregular em duas dezenas de tiras de papel almaço, cheias de paixão.

Morava eu nesse tempo em rua remota de uma estação de subúrbio afastado. Sem calçamento e mal iluminada, eu a trilhava a desoras em busca da casa reconfortante. Afazeres e, em geral, a exigência do meu temperamento pelo bulício, pela luz da cidade, faziam-me demorar nas ruas centrais. A esmo, por elas à toa, passeava, vagava horas e horas, olhando e conversando aqui, ali; e quando inteiramente fatigado, buscava o trem e durante uma meia hora, tímido, covarde, encostado a um canto, pensava, sofria à menor risota e o mais imbecil dito cortava-me a alma. Era a constante preocupação das minhas ideias passar meu sofrimento, a outra pessoa, evitá-lo detidamente a alguém.

Sob a pressão daquela mágoa eterna, no meu íntimo ficava o seu segredo exigente de comunicação, fosse mesmo a quem não tivesse o refinamento do meu espírito e que a substância imortal lhe animasse a vida, não tivesse sido adivinhado e me sentia impelido a comunicá-lo. Era nessas ocasiões que eu pensava no amor, mas... Bem depressa, porém, meu espírito se perdia, caía em devaneio, não encontrava deleite, sorria. Do homem ia aos cães, aos gatos, às aves, às plantas, à terra, em busca de confidente.

Uma vez, em frente ao mar augusto, verde e translúcido, tive desejos de lhe contar o meu segredo, mas logo o temor me veio de que os ventos voltassem, e trouxessem para a vasta cidade as minhas palavras, tal como a planta que nasceu à confidência feita à terra do feitio das orelhas do rei Midas.

Quando a percepção do meu estado, da maneira da minha existência, era mais clara aos meus olhos, arquitetava planos de fugas para lugares longínquos, livros vibrantes como indignações de Deus; mas nada disso executei. Qualquer coisa muito obscura na minha estrutura mental, talvez mesmo o sentimento da lógica da hostilidade de que me via cercado, impedia-me de reagir ativa ou passivamente. Agachava-me por detrás do meu espírito e então bebia em largos prantos o fogo claro, claro que enche os límpidos espaços e, por instantes, era feliz porque:

Heureux celui qui peut d’une aile vigoureuse
S’élancer vers les champs lumineux et sereins,
Celui dont les pensées comme des alouettes
Vers les cieux le matin prennent un libre essor
Qui plane sur la vie et comprend sans effort
Le langage des fleurs et des choses muettes.**


Depois de ter carinhosamente ouvido essa linguagem, a amargura aumentava. O espírito dirigia, reclamava, queria qualquer coisa, não se bastava a si mesmo, esperava na sua prisão, no seu cárcere; e, para o meu caso, oh! que blasfêmia, o provérbio se modificara: “não é só de espírito que vive o homem...”.

Certa noite, demorando-me mais do que de costume, fui saltar à estação pelas duas horas da madrugada. Tudo era mudo e ermo. Um ventinho constante soprava, inclinando as árvores das chácaras e agitando as amareladas luzernas de gás como espectros aterradores. As casas imóveis, caiadas, hermeticamente fechadas pareciam sepulcros com portas negras. A escuridão aconchegava os morros nas suas dobras. Pus-me a andar rapidamente. A rua pouco larga, bordada de bambuais de um e outro lado, iluminada frouxamente e abobadada no nevoeiro, era como uma longa galeria de museu. Em meio do caminho, alguém saltou-me na frente e, de faca em punho, disse-me:

— Olá! Passe o “bronze” que tem.

Não tinha francamente grande prática desses encontros, contudo me portei na altura da sua delicadeza. Calmamente tirei das algibeiras o pouco dinheiro que tinha e, de mistura com alguns cupons de bonde, pálido, mas sem tremer, entreguei-o ao opressor daquele minuto fugaz.

O gesto foi belo e impressionou o bandido, a tal ponto que nem por sonhos desconfiou que eu poderia ter deixado algum oculto pelos forros. Há, já se disse, mais ingenuidade nos grandes criminosos do que a gente em geral supõe. Quase com repugnância ele recebeu o maço que lhe estendia; e já se retirava quando a uma onda de luz que em um vaivém da chama de gás lançou-me, percebeu alguma coisa nos meus cabelos e com ironia indagou:

— Tens penas? És azul? Que diabo! Estes teus cabelos são especiais.

Ouvindo isso, eu o fitei com as pupilas em brasa e minha fisionomia devia ter tão estranha expressão de angústia que o ladrão fechou a sua e estremeceu. É que as suas palavras relembravam-me toda a minha existência envenenada por aquele singular acidente; as desastrosas hesitações de que ela ficara cheia; o azedume perturbador, ressaibo do ódio e de amarguras de que estava tisnado.

Os suplícios a que meu próprio espírito impunha. E de uma só vez, embaralhado tudo isso se ofereceu aos olhos como uma obsessão demoníaca, algo premente, cruel, vivendo em tudo, em todas as coisas, em qualquer boca, na boca de um ladrão.

— Pois até tu! Que mais queres de mim? disse-lhe eu. Acaso além do dinheiro que trazem nas algibeiras, mais alguma coisa te interessa nos transeuntes? És também da sociedade? Movem-te as considerações dela?

Olhei-o interrogativamente. O homem tinha o ar mudado. Os lábios estavam entreabertos, trêmulos, pálidos, o olhar esgazeado, fixo, cravado no meu rosto. Olhava-me como se olhasse um duende, um fantasma. Contendo porém a comoção, pôde dizer:

— Dentes negros! Meu Deus! É o diabo! É uma alma penada, é um fantasma.

E o rosto dele dilatava-se, as pupilas estendiam-se; tinha os cabelos eriçados o homem que me assaltava; e desandaria a correr se o medo não lhe pusesse pesadas toneladas nas pernas.

Esteve assim minutos até que percebeu que a expressão do meu rosto era de choro e que nele havia a denúncia de uma grande mágoa fatal. O meu interlocutor transmudou as contrações de horror estampadas nas suas feições, abrindo-as num dúlcido sorriso de bondade.

— Desculpa-me. Desculpa-me. Não sabia. Quem não sabe é como quem não vê.

E sem ligação continuou:

— Não me creias um miserável gatuno de estradas, um comum assaltante de ruas. Foi o momento que me fez. Emprego-me em mais altos “trabalhos”, mas preciso de uns “miúdos” e, para obtê-los, o meio se impunha. Se me demorasse, a ocasião perdia-se. Bem sabes, a vida é um combate; se não se fere logo, morre-se. Mas... Deus me ajudará. Toma o teu dinheiro. Arranjarei sem ele como iniciar o meu grande “trabalho”, aquele que é a mira, o escopo da minha existência, que me vai dar, enfim, o descanso (resplandecia), a consideração dos meus semelhantes e o respeito da sociedade. Vai... Tu és sem esperança. Vai-te... Desculpa-me.

Aqueles meus cabelos azuis, cabelos que eram o suplício da minha vida, e aqueles meus dentes negros compuseram-se, dignificaram-se para sorrir ao herói jovialmente, de reconhecimento e ternura.

— Mas quem te faz sofrer, rapaz? perguntou-me o desconhecido.

— Ninguém, falei-lhe eu, ninguém. É o meu espírito, meu entendimento, é a representação que ele faz do mundo circundante.

Íamos nos separar, quando ainda ele insistia:

— Com isso deves sofrer muito?

Dessa vez, antes de lhe responder pensei ligeiramente. Quem seria aquele homem? Vê-lo-ia ainda uma vez? Nunca mais, era certo. Depois daquele minúsculo incidente de sua carreira, continuaria inflexivelmente na sua grande missão sobre a terra. Teria todo o interesse em me fugir, em desaparecer dos meus olhos, ou senão, reconhecido, se eu encontrando não o denunciasse, ligar-se-ia a mim pela gratidão. Por que, sendo assim, não havia eu de lhe contar o meu segredo? Ouviria, não compreenderia bem; se o quisesse contar a outrem as palavras me faltariam. Certo disso e de que naquele indivíduo a ternura não era um jogo de sociedade, nem uma forma de elegância, quase espontaneamente, pus-me a lhe narrar a minha desventura:

— Dói-me, sim! Dói-me muito. É o demônio que me persegue, é o perverso desdobramento da minha pessoa. É uma companhia má, amarga, tenaz que me esporeia e que me retalha. Ela vai junto a mim, bem junto, no caminho que trilho, haja luz ou haja trevas, seja povoada ou deserta a estrada. Não me abandona, não me larga. Dorme comigo, sonha comigo; se me afasto um instante dela ela volta logo, logo, dizendo-me ao ouvido baixinho, com um cício cortante: estou aqui! É um símio irritante que me faz carantonhas e me vai às costas, pula na minha frente, dança, esperneia.

O ladrão tinha agora outra espécie de espanto: era o espanto das palavras, das altas palavras. A sua grosseria nativa, primordial, sem limitações de qualquer educação, ia por elas alto, entendendo-as a meio, seu espírito aguçava-se e penetrava melhor no meu.

— Se, em dia claro e azulado, continuei, vou por entre árvores, crendo-me só, e feliz, o miserável rafeiro que passa deixa a inexorável busca do osso descarnado, para olhar as caretas do símio em que me desdobro, e ri-se de mim, meio espantado, mas satisfeito. Então, como por encanto o caminho se povoa. Há por toda parte zumbidos, alaridos, risotas. Do farfalho das árvores ouço: Olá, tingiste a cabeça no céu; mas onde enlameaste a boca? Os seixos rolam, crepitam, e na sua vileza não escolhem palavras, não ensaiam deboches, gritam: monstrengo, vergonha da terra.

O gatuno analisava-me a fisionomia. Detinha-se nos meus olhos, no meu nariz, nos meus lábios, até as minhas mãos, os meus pés mereceram a análise do seu olhar inquieto. Foi por esse tempo que me lembrou reparar quem estava na minha frente. Era um homem alto, de largas espáduas, membrado, e que em “sotaque” espanhol, me falou ainda:

— Tu és poeta. Fantasias... Vês demais.

— Talvez que a minha sensibilidade... Mas não, não! Meu organismo não mente, fala a verdade: é como o microscópio a descobrir um mundo hostil onde nada se vê, retorqui eu...

— Não andas por aí, pelos teatros, pelos cafés — como então é possível isso? inquiriu ele.

A pergunta me atrapalhava; era da minha natureza, estas contradições ostensivas, entretanto pude lhe responder:

— É verdade..., mas palmilho tais lugares escravo do meu gênio, servo dos meus sentidos, que são inimigos do meu corpo; posso fugir deles, mas muito me custa seguir o curso imperioso dos meus nervos. Não sei... Não sei... Eu devia fugir, desaparecer, pois mal ando passos, mal me esgueiro numa travessa, das gelosias, dos mendigos, dos cocheiros, da gente mais vil e da mais alta, só uma coisa ouço: lá vai o homem de cabelos azuis, o homem de dentes negros... É um suplício!

Tudo se apaga em mim. Isso unicamente brilha. Se um amigo quer referir-se a mim em conversa de outros, diz: aquele, aquele dos dentes negros... Os meus sonhos, as minhas leituras são povoados pelos momos do símio. Se escrevo e faltam sílabas nas palavras, se estudo e não compreendo logo, o sagui salta-me na frente dizendo com escárnio: — fui eu que a “cumi”, fui eu que não te deixei compreender...

Meu peito arfava, meus olhos deviam brilhar desusadamente. A animação passava de mim ao ouvinte. Ele todo vibrava às minhas palavras...

— Mas trabalha, sê grande... combate, aconselhou-me.

— Bom conselho, bom... Ah! Como és mau estrategista! Não percebes que não me é dado oferecer batalha; que sou como um exército que tem sempre um flanco aberto ao inimigo? A derrota é fatal. Se ainda me houvesse curvado ao instituído, podia... Agora... não posso mais. No entanto tenho que ir na vida pela senda estreita da prudência e da humildade, não me afastarei dela uma linha, porque à direita há os espeques dos imbecis, e à esquerda, a mó da sabedoria mandarinata ameaça triturar-me. Tenho que avançar como um acrobata no arame. Inclino-me daqui; inclino-me dali; e em torno recebo a carícia do ilimitado, do vago, do imenso. Se a corda estremece acovardo-me logo, o ponto de mira me surge recordado pelo berreiro que vem de baixo, em redor aos gritos: homem de cabelos azuis, monstro, neurastênico. E entre todos os gritos soa mais alto o de um senhor de cartola, parece oco, assemelhando-se a um grande corvo, não voa, anda chumbado à terra, segue um trilho certo cravado ao solo com firmeza — esse berra alto, muito alto:

“Posso lhe afirmar que é um degenerado, um inferior, as modificações que ele apresenta correspondem a diferenças bastardas, desprezíveis de estrutura física; vinte mil sábios alemães, ingleses, belgas, afirmam e sustentam”... Assim vivo. É como se todo dia, delicadamente, de forma a não interessar os órgãos nobres da vida, me fossem enterrando alfinetes, um a um aumentando cada manhã que viesse... Até quando será? Até quando? fiz eu exuberante.

Uma rajada mais forte do vento que soprava quase apagava o combustor próximo. Ao cantar dos galos já se juntava a bulha do rolar de carroças na rua próxima. O subúrbio ia despertar.

Despedi-me do salteador. Andara alguns passos e como me parecesse que me chamavam, voltei-me e dei com a figura retangular do ladrão, agitando-se ao meneio de sua cabeça, como a venerável bandeira de misericórdia das execuções.

Pelos anos em fora, pelos dias iguais e monótonos que minha vida presenciou, mais fundo que essa incurável mágoa muito sofrida na mocidade, doeu-me à minha alma mais, muito mais a sincera piedade que inspirei àquele homem.
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Notas: (Versos de “Elévation”, de Charles Baudelaire.)

*Além do sol, além dos éteres, Além dos confins das esferas estreladas, –

**Abençoado é aquele que pode com uma asa vigorosa
Elevar em direção aos campos brilhantes e serenos;

Aquele cujos pensamentos, como cotovias,
Em direção aos céus pela manhã voam livremente,
- Que paira sobre a vida e compreende sem esforço
A linguagem das flores e das coisas silenciosas!



Fonte:
Lima Barreto. Histórias e sonhos. Belém/PA: Unama. Publicado originalmente em 1920.

Minha Estante de Livros (“Arsène Lupin, o ladrão de Casaca”, de Maurice Leblanc)


Arsène Lupin, Ladrão de Casaca é uma coletânea de nove histórias do escritor francês Maurice Leblanc que constituem as primeiras aventuras de Arsène Lupin. Surgiu em 1907 com o título francês Arsène Lupin, gentleman-cambrioleur — literalmente, Arsène Lupin, ladrão-cavalheiro — por encomenda para a revista francesa Je sais tout: Pierre Lafitte, o editor da revista, encomendou a Maurice Leblanc uma novela policial, cujo herói fosse para a França o que eram para a Inglaterra Sherlock Holmes (de Sir Arthur Conan Doyle) e A. J. Raffles ao mesmo tempo.

Nasceu assim Arsène Lupin, personagem vivo, audacioso, impertinente, desafiando sem cessar o Inspetor Ganimard, arrastando corações atrás de si, zombando das posições conquistadas e ridicularizando os burgueses, socorrendo os fracos, Arsène Lupin é um Robin Hood da Belle Époque.

Como não poderia deixar de ser, Lupin se defronta diversas vezes com o maior detetive de todos os tempos, seu rival "Herlock Sholmes" (nome de Sherlock Holmes na obra de Leblanc; nas primeiras edições não havia tal modificação, mas teve de ser feita após protestos de Conan Doyle), e cria várias situações embaraçosas para o grande detetive de Doyle. Lupin tinha uma característica peculiar: avisava sempre a vítima antes do roubo. Mas, independentemente dos esforços da polícia, Lupin sempre "adquiria" o que queria.

Nas palavras de Pierre Lazareff, "Um Robin Hood bem francês: não se leva muito a sério; sua arma mais mortífera é o engenho; não é um aristocrata que vive como anarquista, mas um anarquista que vive como aristocrata."

A série foi adaptada várias vezes ao cinema: Arsène Lupin détective (1937), com Jules Berry; Les Aventures d'Arsène Lupin (1956) de Jacques Becker, com Robert Lamoureux; Arsène Lupin contre Arsène Lupin (1962) de Édouard Molinaro, sendo também famosa a série televisiva baseada na obra em causa. Ladrão de Casaca, de 1955, do diretor Alfred Hitchcock com Cary Grant e Grace Kelly.

Este livro reúne as nove histórias A prisão de Arsène Lupin, Arsène Lupin na prisão, A fuga de Arsène Lupin, O viajante misterioso, O colar da rainha, O sete de copas, O cofre de Madame Imbert, A pérola negra e outros. Quando Lupin é preso ao descer do navio em Nova Iorque, seu biógrafo já o acompanha, pois Watson sempre acompanhará Sherlock Holmes. A diferença é que aqui é o próprio Maurice Leblanc quem se transforma em personagem para contar as aventuras do protagonista de sua invenção.

A coletânea agrupa as seguintes histórias:

A prisão de Arsène Lupin,
publicação original em 15 de julho de 1905. Ao desembarcar nos EUA de uma viagem no transatlântico Provence, o “ladrão de casaca” Arsène Lupin — “o incansável ladrão cujas proezas enchiam as páginas dos jornais havia meses [...] o caprichoso gentil-homem que só operava nos castelos e nos salões [...] o homem dos mil disfarces” — é preso por seu arqui-inimigo, o inspetor Ganimard. Mas graças ao seu poder de sedução, consegue se desvencilhar antes das “provas do crime”, dinheiro e joias furtados durante a travessia marítima.

Arsène Lupin na prisão,
publicação original em 15 de dezembro de 1905. Mesmo trancafiado atrás das grades, Arsène Lupin, através de um estratagema, consegue surrupiar obras de arte valiosas (dois Rubens, um Watteau etc.) do castelo "inexpugnável" do Barão Cahorn.

A evasão de Arsène Lupin,
publicação original em 15 de janeiro de 1906. Arsène Lupin cria uma expectativa de que fugirá da prisão e, fazendo-se passar por outra pessoa (o pobre-coitado Baudru Désiré), acaba conseguindo sair de lá.

O viajante misterioso,

publicação original em 15 de fevereiro de 1906. Em viagem de Paris a Rouen, Arsène Lupin (sob o pseudônimo Guillaume Berlat) sofre uma agressão e assalto, mas depois ajuda a polícia (embora a rigor ele próprio seja procurado pela polícia!) a prender o ladrão: o assassino Pierre Onfrey.

O colar da rainha,
publicação original em 15 de abril de 1906. Numa noite após uma recepção, o lendário “colar da rainha” (que pertenceu a Maria Antonieta) desaparece misteriosamente da mansão do conde e condessa de Dreux-Soubise. Anos depois, em almoço em casa do casal, um tal de cavalheiro Floriani, que o conde conhecera na Sicília (mas que na verdade é Arsène Lupin sob um de seus muitos disfarces) elucida o mistério.

O cofre-forte da Sra. Imbert,
publicação original em 15 de maio de 1906. Primeiro golpe da "carreira" de Arsène Lupin, verdadeiro "batismo de fogo", e a primeira vez que ele usa este nome. De olho na suposta fortuna do casal Imbert, Lupin trama um ataque noturno contra o Sr. Ludovic e finge salvá-lo. Este, agradecido, contrata Lupin como seu secretário particular, que se aproveita da situação para assaltar o cofre-forte. Só que os títulos lá guardados eram falsos! "Foi a única vez, durante toda a minha vida, que fui logrado. Mas, com todos os demônios, essa vez valeu por muitas e boas!"

Herlock Sholmes chega tarde,
publicação original em 15 de junho de 1906. Observe-se que, entre a publicação no periódico e a publicação na coletânea, Sherlock Holmes tornou-se Herlock Sholmes, em virtude de um protesto de Conan Doyle. Primeiro encontro entre o "ladrão nacional" francês Arsène Lupin e o "grande policial inglês [...] Herlock Sholmes, o mais extraordinário decifrador de enigmas", girando em torno de uma passagem secreta, cujo segredo se perdeu com o tempo, que dá acesso ao castelo de Thibermesnil, cujos tesouros são cobiçados por Lupin (aqui sob o pseudônimo de Horace Velmont).

A pérola negra,

publicação original em 15 de julho de 1906. Arsène Lupin penetra no apartamento da viúva Zalti, condessa de Andillot, com o intuito de roubar a pérola negra, presente de um imperador. Depara com seu corpo, assassinada, e constata que a pérola desapareceu. Tempos depois Lupin extorque a pérola do ladrão e assassino, que havia sido absolvido pela Justiça, por falta de provas.

O sete de copas,
publicação original em 15 de maio de 1907. Fatos estranhos e inexplicáveis ocorrem na casa do narrador (Maurice Leblanc), a qual, à sua revelia, servia de esconderijo dos planos roubados do submarino Sete de Copas. As investigações o levam a descobrir que seu amigo Jean Daspry na verdade é Arsène Lupin, de quem se torna biógrafo. "E eis como conheci Arsène Lupin. [...] Eis como estabeleci laços de amizade muito agradáveis com o nosso grande homem e como, pouco a pouco, graças à confiança com que ele se digna honrar-me, me tornei seu mui humilde, mui fiel e mui reconhecido historiógrafo."

Fonte:
Wikipedia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ladr%C3%A3o_de_Casaca

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Versejando 82

 

Dorothy Jansson Moretti (E o Verão Que não Chega)

Curitiba - além de capital do Paraná — é capital de muita coisa bonita; capital do verde, capital das flores, capital do Natal… mas  também —infelizmente—capital de uma coisa até bonita, mas extremamente desagradável: o inverno!

Estou aqui desde Março, e nesse tempo todo nunca pus um vestido leve, e com exceção do dia 25 de Outubro, quarta-feira passada, nunca pude dormir sem meias.

Lembro-me que em anos passados eu não podia vir a Curitiba no inverno. A pele das mãos e dos pés parda-se, chegando ate a sangrar. Somente após meu longo "estágio" de vinte anos em São Paulo (que em matéria de frio pouco perde para Curitiba), é que consegui, não digo acostumar-me, mas pelo menos suportar o frio incenso desta capital sem outros problemas que tremores e pés frios.

Há uma velha piada segundo a qual alguém, de fora, contava que em seu lugar de origem o tempo era tão instável que frequentemente as quatro estações do ano aconteciam num dia só. Ao que um curitibano replicou: "Pois nós aqui, ao contrário, só temos duas estações; a Rodoferroviária... e o inverno…

E esta outra: Um forasteiro perguntou a um nativo deste frigorífico há quanto tempo fora o último verão em Curitiba. Ele pensou, pensou, e respondeu: "Eu não me lembro direito… faz tanto tempo, mas... se não me engano, caiu num domingo..."

Eu também posso afirmar convictamente que este ano o verão aqui, caiu numa quarta-feira, precisamente no dia 25 de Outubro, a quarta-feira passada.

(O Guarani — 11/11/1989)

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XVII

A dor que tememos tanto
pode ser a dor de dente,
rega a face com seu pranto
numa chuva deprimente.
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A lembrança nos transporta
pelas asas da saudade,
sem querer nos abre a porta
da mais remota amizade.
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Aos menos afortunados
Deus possa lhes compensar,
deixando-os mais amparados
felizes a descansar.
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As migalhas de alimento
que sobram na nossa mesa,
podem se tornar sustento
às aves na natureza.
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As obras esculturais
são belas por seus entalhes,
embora miniaturais
engalanam nos detalhes.
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Dizem que o mundo termina
e que o fim já vai chegar,
só por vontade divina
tudo pode terminar.
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Em cada momento nasce
a renovada esperança,
de que o próximo não passe
sem provocar a mudança.
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Em novembro recordamos
nossos entes falecidos
e em dezembro celebramos
o maior dos já nascidos,
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Lá, não tem o que tem cá,
cá faz sol no tom da flor,
som que paz ao ser lhe dá
não só luz, mas bem mais cor.
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Muitas vezes, nada temos,
para mudar tudo quanto,
deixa triste e pouco vemos
senão dores, muito pranto.
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Não confunda marceneiro
pensando ser mercenário,
o trabalho do primeiro,
no segundo é secundário.
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Nosso coração não pensa
nem foi feito pra pensar,
se a pulsação fica tensa
dor de cabeça vem dar.
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Nunca percas a esperança
e a força de quem enfrenta,
com luz à estrada e se lança
sem ir além dos "oitenta".
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Persistentes, combatemos,
imbatíveis lutadores,
combatentes, pretendemos
terminarmos vencedores.
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Quando a janela se abrir
do nosso magno saber,
todos vamos descobrir
maravilhas do viver.
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Que ama, todo mundo diz,
mesmo não sendo verdade.
No mundo, quer ser feliz?
Ame e dê felicidade...
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Quem da fonte se aproxima
água pretende beber,
pra sede que o desanima
também desaparecer.
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Quem passar por este mundo
sem mostrar por que passou,
vê que o sonho mais profundo
de viver nunca alcançou.
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Silêncio da madrugada,
para muitos, medo traz
e à noite toda estrelada
é a grande fonte de paz.
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Tal a pérola escondida
nas profundezas do mar,
é o saber em nossa vida
que nos leva a procurar.
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Tantos focos reluzentes
sempre brilham no Natal,
muitos lembram dos presentes
e esquecem do principal.
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Ter medo duma serpente
talvez seja natural.
Mas da minhoca, temente,
nada tem de tão normal.
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Todos quantos forem vistos
buscando o conhecimento,
nos livros lidos, revistos,
sejam o aporte ao talento.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Raul Pompéia (Antes e depois)

I
 
O salão entornava luz pelas janelas. No sofá, bocejava a boa gorducha d. Maria, digerindo sonolentamente o quilo do jantar. O seu digno consorte, o desembargador, apreciava o fresco da noite à janela, sugando com ruído a fumaça de um havana, com os olhos nos astros e as mãos nas algibeiras. Perto do piano, arrulavam à meia-voz Belmiro e Clara... Já se sabe: dois pombinhos...

O Belmiro estudava; tinha futuro, portanto; Clara... tocava e cantava...

II

— Belmiro, disse o desembargador, atirando à rua a ponta do charuto, manda Clara cantar...

— Cante, d. Clara, pediu Belmiro.

Clara cantou... Cantou mesmo? Não sei. Mas as notas entraram melífluas pelos ouvidos de Belmiro e foram cair-lhe como açúcar no paladar do coração...

— Esplêndido! esplêndido! dizia ele, fazendo chegar a umidade do hálito à face rosada da meiga Clarinha...

O desembargador olhava outra vez para os astros...

III

Rola o tempo...

Numa casinha modesta de S. Cristóvão, mora o dr. Belmiro com sua senhora d. Clara... Os vizinhos dizem coisas... ih!

IV

— Como vais, Belmiro?

— Mal!

— Mal?... disseram-me que te casaste com a tua Clarinha...

— Sim! sim!... mas, queres saber... de amor ninguém vive; é de feijões...

— Então...

— Devo até a roupa com que me cubro!...

— E o dote?

— Ah! ah! adeusinho...

V

É noite.

D. Clara está ao piano. Um vestido enxovalhado escorre-lhe da cintura abaixo, sem um enfeite. D. Clara está magra. No chão arrasta-se um pequenote de um ano, com uma camisolinha porca amarrada em nós sobre o cóccix.

Clara toca; e não canta, porque tem os olhos vermelhos e inflamados...

O dr. Belmiro vem da rua zangado.

— Não sei o que faz a senhora, gastando velas a atormentar-me!... Mande para o diabo as suas músicas e vá-se com elas!

Fonte:
A Comédia. São Paulo, n. 66, 21 maio 1931. Série "Uma história por dia". 
Disponível em Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.

Técnicas de leitura: aprenda como ler mais rápido e melhor

Para conciliar todas as atividades e ser capaz de dar conta do cronograma de estudos, é possível adotar algumas técnicas de leitura para ler melhor e com mais velocidade. Já pensou nisso? Para ajudá-lo, vamos explicar a importância de ler mais rápido e como fazer isso com eficiência! Confira!

Por que ler mais rápido?
Ler mais rápido pode proporcionar a você o aumento da sua motivação. Sabe por quê? Quanto maior for o seu rendimento, mais motivado se sentirá para continuar lendo.

Outra razão para você ter vontade de ler mais rápido é que, quanto maior for a sua velocidade de leitura, mais conteúdos fixará. Mas essa leitura deve ser feita com cuidado, sem deixar que qualquer informação passe despercebida.

Por fim, essa é uma habilidade que será muito útil em toda a sua vida e não só no período antes do vestibular. Na faculdade, você terá mais disposição para ler todos os textos recomendados pelos professores e não verá isso como um problema, porque saberá adotar as melhores técnicas de leitura. Caso pretenda fazer um concurso público mais tarde, vai tirar de letra o estudo dos conteúdos indicados.

Como ler mais rápido?
Se você percebe que apresenta dificuldade para engatar e ter um ritmo adequado de leitura, não se preocupe. Essa é uma prática que pode ser treinada e aprimorada. Talvez esse seja um dos motivos para muitas pessoas afirmarem não gostar de ler. Na verdade, o problema é a falta de conhecimento de técnicas de leitura.

Para você ter uma ideia, um adulto costuma ler cerca de 200 palavras por minuto. No entanto, de acordo com as demandas e, principalmente, após entrar na faculdade, é bastante comum que o número de palavras aumente para cerca de 300.

Isso mostra que uma leitura melhor envolve a questão de torná-la um hábito. Você precisa exercitar o seu cérebro e os seus olhos, porque quanto mais treinar, melhores serão os resultados.

Então, vamos colocar a mão na massa? Abaixo, apontamos algumas técnicas de leitura que vão auxiliá-lo a ler mais rápido e melhor!

Concentre-se apenas na leitura
Primeiramente, quando for ler algo, é preciso se concentrar apenas nessa atividade. Se a TV estiver ligada e o celular apitando do lado, você vai prestar atenção em tudo, menos no que deveria estar lendo.

Quando nos concentramos, a velocidade de leitura aumenta e, consequentemente, melhor será a compreensão e a memorização do conteúdo.

Portanto, vá para um ambiente tranquilo e livre-se de distrações quando for o momento de estudo e leitura. Desse modo, você perceberá como o seu rendimento será bem melhor.

Tenha uma postura adequada
Outra dica que vai influenciar na sua capacidade de ler mais e melhor é a postura adotada. Nós sabemos muito bem que pode ser muito confortável ler deitado, porém é a forma que vai te cansar mais rápido ou dar sono.

Por isso, vá para uma mesa e sente-se com a coluna ereta. Assim, você não sentirá desconfortos ou sonolência.

Leia um livro de cada vez
A leitura de mais de um livro pode fazer com que o seu cérebro se confunda. Ao se dedicar a apenas uma obra por vez, a sua capacidade de concentração naquela história será maior e, assim, terá uma compreensão mais qualificada do conteúdo.

Não releia trechos
É comum que, durante alguns momentos de leitura, percamos a atenção e, de uma hora para outra, percebamos que não nos lembramos do que foi lido nos últimos parágrafos. Mas se você achou que a solução para isso é reler os trechos, está enganado.

Essa tática atrasaria o seu rendimento e não seria tão benéfica para a memorização do texto. O ideal é seguir a leitura, pois, certamente, o que foi dito voltará a ser contemplado em algum momento.

Leia grupo de palavras
Vá aumentando, aos poucos, a quantidade de termos que contempla durante a leitura. Por exemplo, há quem vá lendo palavra por palavra. Nesse caso, estenda o seu campo de visão e passe a ler grupos de palavras. Essa é uma das técnicas de leitura que vai ajudá-lo a assimilar mais informações em menos tempo.

Pesquise antes sobre o conteúdo a ser lido
Outro procedimento que pode ser muito útil para aumentar a velocidade da leitura é pesquisar antes sobre o tema do texto ou livro. Isso facilitará o entendimento do assunto e o deixará mais preparado para o que pode ser abordado. Desse modo, invista, antes, na leitura da introdução, tópicos, capítulos ou resumos. O conhecimento prévio deixará a sua mente mais preparada para entender o tema da obra.

Não pronuncie as palavras
A leitura silenciosa é muito mais efetiva do que ler o texto em voz baixa. Isso se deve ao fato de que, quando você está lendo em voz alta, faz com que o seu cérebro gaste um tempo maior para assimilar a informação.

Utilize um dicionário
Essa dica é muito importante, porque ajuda a aumentar o vocabulário. É comum encontrar palavras das quais desconhecemos o significado, o que influencia no entendimento do conteúdo.

Com o dicionário, você tira as suas dúvidas sobre alguns termos e eleva a capacidade de compreensão. Isso vai ajudá-lo a ler melhor e com mais velocidade. Inegavelmente, você deve interpretar os textos com qualidade e reduzir o tempo de leitura para ser mais produtivo.

Respeite os próprios limites
Você pode adotar as melhores técnicas de leitura do mundo, mas não vai ter um bom rendimento caso não saiba o momento em que precisa dar um descanso para o corpo e a mente. Ao estar cansado, perderá capacidade de concentração e de assimilar as informações contidas no texto.

Essa situação acabará o obrigando a ler novamente a publicação, o que resulta em perda de tempo. Procure se dedicar a leitura em um período do dia em que está mais descansado e capaz de compreender o significado do conteúdo.

Ler mais rápido também envolve o seu estado físico e mental. Não adianta apenas passar os olhos em uma matéria de revista; é preciso captar as informações mais relevantes para adquirir conhecimento.

Adote a técnica de scanning
O scanning é um recurso utilizado no inglês instrumental e procura, inicialmente, identificar as palavras-chave, ou seja, os termos mais relevantes de um texto para facilitar a compreensão do assunto abordado.

Essa é uma das técnicas de leitura mais eficientes, pois permite um foco somente na parte do texto que julgar interessante. Por exemplo, você está lendo um artigo sobre as carreiras com mais destaque no mercado de trabalho.

Porém, você está interessado apenas em aprofundar o conhecimento sobre medicina e odontologia. Ao usar o scanning, identificará os dados sobre essas duas áreas com mais facilidade, o que ajuda a ler mais rápido e a fixar o conteúdo.

Opte pelos resumos
De que maneira constatar que as técnicas de leitura estão apresentando um bom resultado na compreensão dos textos? A resposta envolve a elaboração de resumos sobre o que você acabou de ler.

Não precisa fazê-los em um caderno — você pode gravá-los. Contar para si mesmo o que entendeu de um assunto é uma alternativa válida para analisar o próprio desempenho e ter mais incentivo para ler mais rápido.

À medida que for avançando na capacidade de memorizar as informações relevantes, você poderá fazer novos testes para aumentar a velocidade da leitura e assimilar novos conteúdos com extrema rapidez. Lembre-se de que os resumos são essenciais para aumentar o seu potencial de obter conhecimento.

Tenha foco na prática
O planejamento é primordial para atingir os objetivos, não é mesmo? Por isso, reserve um período do dia para ler publicações que sejam interessantes no momento para você.

Essa medida vai ajudá-lo a verificar as técnicas de leitura mais adequadas para apresentar um desempenho notável. Com certeza, a organização e o foco em resultados contribuirão para ler com mais produtividade e em menos tempo.

Cronometre o seu tempo de leitura
Como você saberá que realmente está melhorando o desempenho? Cronometrando quantas páginas consegue ler em determinado tempo. Assim, ao ter ciência do tempo gasto, adotará um parâmetro para superar os próprios limites.

Viu só como é possível ler mais rápido e melhor? Basta colocar em prática as técnicas de leitura apresentadas. Em pouco tempo, você logo perceberá os resultados! É importante, porém, que você torne essas dicas em hábitos o quanto antes, de modo que se torne algo fácil e recorrente em sua vida!

O conhecimento é peça-chave para vencer desafios e evoluir a cada dia!

Fontes:
FARO – Faculdade de Rondônia
https://faro.edu.br/blog/tecnicas-de-leitura-aprenda-como-ler-mais-rapido-e-melhor/
Imagem obtida no site Pinterest

domingo, 17 de outubro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 11: João Freire Filho

 

Júlia Lopes de Almeida (In extremis)*

– Estás pronta, Laura? perguntou o doutor Seabra, entrando no quarto de toilete da esposa.

– Estou... só me faltam as luvas... Como me achas?

– Linda!

Ele não mentia: a mulher parecia-lhe ainda mais formosa e mais fresca, com o seu vestido azul claro, muito leve, e o chapeuzinho de rendas finas bem pousado na cabeleira loira, de ondas largas. Ela sorriu, contente, pulverizando-se com white rose**; ele franziu as sobrancelhas grisalhas, percebendo, através da carnação delicada da sua mulherzinha, um íntimo estremecimento de vaidade satisfeita.

– O carro está na porta? perguntou a moça com modo distraído, mirando-se toda num grande espelho e a passar, num último toque vaporoso, o pompom de veloutine*** pelo pescoço branco e perfeito.

– Está... e lá tens o ramo de rosas que pediste...

– Como és bom!...

– Hoje as corridas devem ser muito animadas. O tempo está lindo!... Levas a pequenina?

– Não. Mamãe toma conta dela, já a mandei para lá... Sabes? Estou hoje com tanto leite!... Tenho medo de manchar o vestido... que vergonha se...

– Escuta, interrompeu ele; antes de irmos para o Derby, parece-me que deveríamos entrar um pouco em casa do Bruno Tavares...

O doutor Seabra sentara-se atrás da mulher e contemplava-a no espelho, com olhar prescrutador e vigilante. Viu-a estremecer; fez uma pausa; ela suspendeu o pompom, à espera da conclusão. Ele acabou por fim.

– O Bruno está muito mal... creio mesmo que não escapará!

Laura voltou-se, muito pálida, com os olhos esgazeados e os beiços trêmulos. O marido baixou o olhar, entristecido. Havia muito tempo já que ele sabia quanto amor a esposa consagrava ao Bruno. O seu ciúme de marido não explodira nunca, mas concentrava-se, cada vez mais amargo, no fundo do coração. O outro era moço, ele já se avizinhava da velhice; o outro era um sonhador, um idealista, simpático à imaginação ardente de Laura; ele era um homem de ciência, materialista, descrente, já sem forças para encantar ninguém. Conhecia, estudava sem tréguas o espírito e o coração da mulher e confiava nela.

Laura era honesta, dedicada, e abafava com ânimo forte o seu amor pecaminoso, nas dobras de um manto de virtude e de sacrifício. Ele sabia que o Bruno não se declarara nunca, mas que o que os lábios calavam respeitosamente diziam o olhar, a sua pele quente, o som de sua voz moça e o arrojo da sua fantasia de apaixonado!

Quantas vezes o doutor Seabra, fingindo ler os seus livros de estudo, auscultava de longe aqueles dois corações, que se conservavam ali, um em frente do outro, mudos e ternos, enquanto as bocas falavam de poesia e de flores, de luar e de música, de aves e de estrelas, de tudo que brilha, que alegra, que entusiasma e que une as almas apaixonadas.

Eles liam juntos, contavam-se cenas da infância, alegremente, com interesse mútuo; e o doutor Seabra passava as páginas secas do seu livro tremulamente, com os olhos úmidos e o coração pesado. Tinha medo de intervir, calava os seus receios, esperando sempre uma solução ou um meio de levar a sua Laura para outras terras, sem mostrar o seu zelo, com vergonha de parecer ridículo ou de ofender a esposa. Ela era trêfega, graciosa, mas firme. Mesmo naquele dia, ele compreendia bem que toda a sua graça, todo o seu perfume, toda a sua gentileza se dirigiam ao outro, que esperava encontrar nas corridas, na arquibancada...

Eram para o outro a doçura do seu ramo de rosas, o mimo das suas rendas finas, o colorido branco da sua toilete primaveril! Voavam para o outro todo o seu pensamento, toda a sua vontade, toda a sua alegria!l
Laura continuava pálida, suspensa.

– Quem me disse isto foi o médico – continuou o marido. Como és amiga da família lembrei-me que desejarias talvez ir lá...

– Sim!... vamos, vamos!

Desceram. O dia estava esplêndido, passavam carros cheios de moças para as corridas. Sorria o sol, dourando o espaço, e o rumor de um domingo festivo alegrava as ruas.

Laura sentou-se muito calada, apertando nas mãos com desespero o seu ramo de flores. O marido sentia-lhe a dor através do silêncio e do olhar parado de quem vê fantasmas...

Tinha pena dela, dessa pobre amante virtuosa, sonhadora e casta. Falecia-lhe a coragem de perturbar-lhe a mágoa e o pensamento com uma palavra ou um simples gesto.

Aquela piedade singular enchia-o de pasmo, a ele mesmo!

Ela parecia-lhe agora um pouco sua filha, embora a adorasse como mulher! Era tão moça, tão inexperiente, mas tão meiga, tão dócil, que se julgava com o supremo direito de a conduzir com carinho, na solicitude amável de um pai. Compreendia a firmeza do caráter da moça, sabia que ela preferiria morrer a enganá-lo grosseiramente e que toda a sua paixão pelo Bruno era feita de imaginação e de sonho!

A culpa não era deles, mas sua, que já tinha cabelos brancos, as falas amortecidas, o espírito inquietado por atribulações diferentes. A morte daquele pobre rapaz era um alívio para o seu coração. Desaparecido ele, teria morrido a causa do seu ciúme amargo e irremediável. Laura continuaria por longo tempo a amá-lo nas suas orações, através das estrelas, mas o tempo viria sossegadamente atenuar-lhe as saudades... e tudo acabaria em doce paz. Se o outro não sucumbisse... ele então arrastaria a esposa para bem longe, sem que ela desconfiasse por que, temendo entretanto a luta e descrente da vitória!

Sentia que o pensamento dos dois unir-se-ia sempre através das distâncias, arrastados pelo mesmo ideal, pelo mesmo ardor e pela mesma esperança! Sim, só a morte, a morte bendita, poderia cortar com as suas asas frias aquele amor nascente...

Quando o carro parou, Laura desceu sem esperar auxílio e correu para a casa do Bruno. Dentro havia um silêncio triste, um ar de túmulo...

A mãe do moço apareceu-lhes chorando. O filho desenganado pelos médicos; e descreveu os horrores da febre que o levava assim, rapidamente.

– De mais e mais ele nega-se a todo o alimento, dizia a pobre senhora; só consegue tomar leite... Os médicos mandam-no tomar leite de peito, tenho chamado amas... umas não querem dar-lhe o seio, outras recusam-se a tirar o leite com a bomba! E o meu filho morre... meu filho morre!

Laura olhou para o esposo; conservavam-se mudos um em frente ao outro. A dona da casa levou-os por fim para o quarto do doente.

O moço, enterrado entre as dobras dos lençóis, pareceria dormir se não movesse continuadamente os lábios muito secos. Exalava-se de todo o seu corpo um calor intensíssimo de febre. A irmã mais velha vigiava-o solicitamente, sentada ao pé do leito.

– Já veio a ama, mamãe? perguntou ela com voz chorosa.

– Ainda não!

Bruno não abriu os olhos, mas uma ligeira contração arrebanhou-lhe as faces. O doutor Seabra estremeceu. Parecia-lhe a morte! Laura voltou-se de novo para o marido, com o rosto transtornado e o olhar interrogativo.

Ele vacilou um momento; depois fez-lhe um sinal afirmativo, muito vago, quase imperceptível!

A moça ajoelhou-se rapidamente e desabotoou com os dedos nervosos e tateantes o seu lindo vestido de seda azul claro. O marido curvou-se, trêmulo, com as narinas dilatadas e o coração opresso; arrependido do seu consentimento, ia talvez dizer – não! mas Laura tirara o seio túmido, branco, onde as veias estendiam tênues fios azulados, e encostava o bico róseo à boca ardente e seca do moribundo.

Ela, muito curvada, encobria a meio o busto do enfermo, ele engolia o leite a largos tragos, sofregamente, descerrando a pouco e pouco os olhos.

A comoção de Laura era imensa! Salvar o seu amor, o seu amante sonhado, a sua esperança, com o leite da sua carne, o sangue da sua vida, era um gozo de inextinguível doçura! Não era a volúpia, a paixão sensual que vibrava no seu corpo frágil de mulher moça, mas uma piedade, uma ternura que lhe alagava a alma, de tal jeito que a fazia amar agora o moço, como uma mãe adora o filho pequenino...

Ele abriu completamente os olhos: reconheceu-a... houve um sorriso entre ambos, um clarão de verdade! Mas a febre exigia mais leite e ele continuou a chupar com sofreguidão a carne da mulher que nem em sonhos profanara nunca, dizendo-lhe com o olhar tudo que tinha sempre calado – que a amava... que a amava!... até que a prostração veio de novo cerrar-lhe as pálpebras e que ele adormeceu profundamente, sem contrações, com um sorriso de paz nos lábios satisfeitos... Laura escondeu o seio, trêmula e feliz...

Só o doutor Seabra compreendeu que aquele sono do moço era o último, e foi com piedade e comoção que viu Laura levantar-se e dizer-lhe, toda dele, atirando-se aos seus braços, com ar vitorioso e sincero:

– Obrigada, meu querido... como tu és bom!
––––––––––––––––––––––––––––-
NOTAS
* In extremis = Nos últimos instantes de vida; no derradeiro momento.
** White rose = Perfume feminino.
*** Veloutine = Tipo de tecido de lã aveludado.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Francisca Júlia (Cristais Poéticos) 4


A UM POETA


Poeta, quando te leio, a angústia dolorida
Que te mina a existência e que em teu peito impera,
Faz-me também sofrer, d’alma se me apodera,
Como se da minh’alma ela fosse nascida.

Sinto o que sentes: ora a lágrima sincera
Que foi pela saudade ou pelo amor vertida,
Ora a mágoa que habita em tua alma, – guarida
Onde a negra legião das mágoas se aglomera.

Não há nos versos teus um sentimento alheio
A esse teu coração macerado de fráguas;
Há neles ora o suave e módulo gorjeio

Das aves, ora a queixa harmônica das águas...
Leio os teus versos; e, em minh’alma, quando os leio,
Vai gemendo, em surdina, a música das mágoas…
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AURORA

Mensageira da luz, a brisa corre. A Aurora
Do seu leito real de tiro se levanta.
Toda a campina acorda em festa. Cada planta
Mostra o sorriso ideal da matutina Flora.

Um cheiro doce e fresco a verdura evapora.
A araponga, afinando a matinal garganta,
Grita; um pássaro geme; a patativa canta...
Todo o campo é uma orquestra harmônica e sonora.

Vara o diáfano véu da alvíssima neblina
Uma seta de sol. E a floresta, a campina,
Ainda cheias de luz de um pálido arrebol,

Descortinam-se ... E em pouco, a campina, a floresta,
Cheias do riso bom da natureza em festa,
Palpitam sob a luz fecundante do sol.
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CALME DE LA MER*

Tranquilo, o mar não canta nem ondeia;
O nauta, imerso noutro mar de mágoas,
Os olhos tristes e úmidos passeia
Pela tranquila quietação das águas.

A onda que dorme quieta, não espuma;
O austro que sonha plácido, não canta;
E em todo o vasto mar, em parte alguma,
A mais pequena vaga se levanta.
––––––––––––––––
* Calma do mar.
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LIED SICILIEN*

Olhos! Que ateais os corações e a guerra,
Olhos, quando piscais, olhos de brasas,
Muralhas abalroam, caem casas,
E enormes paredões rolam por terra!

Assim, a um golpe rápido de vista,
Esta débil e trêmula muralha,
Dentro da qual meu coração trabalha,
Como quereis, dizei-me, que resista?
–––––––––––––––––––––––––––––––-
*Canção siciliana.
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LA PRUDE*

Deliciosa manhã de primavera doura
Os campos. Ainda dorme o sol. Mas a pastora,
Descuidosa, passeia, enfeitadinha já.
Quem a vê, a maciez das faces lhe namora.
E ela cantando vai pelos campos em fora:
Trá, la, lá! Trá,lá, lá!

Por um beijo um pastor oferta-lhe uma ovelha,
Duas, quantas quiser... E ela fica vermelha
De raiva, bate o pé... Tão formosa e tão má!
Encara-o com desprezo; e depois, apressando
Os passos, segue adiante, alígera, cantando:
Trá, lá, lá! Trá, lá, lá!

Um pastor lhe oferece o coração a ela;
Fitas outro pastor lhe oferta; mas a bela
Pastorinha gentil, enfastiada já,
Ri de ambos, como riu das ovelhinhas brancas
Do primeiro. E prossegue, entre risadas francas,
Trá, lá, lá! Trá, lá, lá!
–––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––-
*A recatada.

Fonte:
Francisca Júlia da Silva. Mármores. Brasília: Senado Feder4al, 2020.
 Publicado originalmente em 1895.

Minha Estante de Livros (Livros de H. G. Wells)


A GUERRA DOS MUNDOS
Publicado pela primeira vez em 1898, essa obra-prima de ficção especulativa de H.G. Wells aterrorizou e divertiu gerações de leitores, gerou inúmeras imitações e serviu de inspiração a mestres como Orson Welles e Steven Spielberg.
 
Por tempos, os homens foram estudados à distância pelos marcianos, que nos observavam como quem analisa micróbios por um microscópio. No final do século XIX, entretanto, eles partem para a Terra e aterrissam nos arredores de Londres. À primeira vista, os marcianos parecem risíveis: mal conseguem se mover, e não saem da cratera criada pela aterrissagem de sua espaçonave.
Mas, conforme seus corpos começam a se acostumar com a gravidade terrestre, revelam também seu verdadeiro poder. Os marcianos são máquinas biomecânicas assassinas com mais de 30 metros de altura, que destroem tudo a sua volta. Aniquilando toda tentativa de retaliação do exército britânico, eles rapidamente eles chegam à capital britânica, que é evacuada às pressas por uma população desesperançada.
 
O enredo é uma analogia à Inglaterra e à Europa do século XIX - potências imperialistas que submetiam, colonizavam e sugavam recursos de culturas menos avançadas tecnologicamente. Com A Guerra dos Mundos, Wells procurava mostrar o que seria da Inglaterra se ela enfrentasse o mesmo tipo de extermínio social, econômico e cultural que impunha a outros povos.
 
O livro é narrado em primeira pessoa e tem pouquíssimos diálogos. A história é contada quase integralmente através de narrativa. Mas além dos conflitos entre homens X marcianos o autor toma a liberdade de questionar a soberania do homem sobre tudo que os rodeia. De início, os cidadãos de Londres não se assustam com a chegada dos primeiros aliens; tem em mente que "aconteça o que acontecer nos sempre venceremos", porém se esquecem que não somos Deus, somos parte de um todo e nem sempre estamos no topo... Nessa "pirâmide social" até mesmo o mais simples ser vivo tem o seu poder...
 
Um ponto característico da narração é o foco nas regiões de Londres: muitas descrições de localidades são tão específicas que provavelmenete somente alguém que conheça entenderá.
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O DORMINHOCO
Publicado em 1910, conta a história de Graham, um homem na casa dos 30 anos, herdeiro de uma grande fortuna, mas que vive uma vida desmotivada e sofre de uma insônia crônica. Quando finalmente cai no sono, dorme durante 203 anos e acorda numa sociedade totalmente diferente da que conhecia. Para sua estupefação, o patrimônio que possuía o tornou uma espécie de dono do mundo e alvo de uma idolatria mística, graças a investimentos e aquisições feitos durante seu sono. Aqui a veia satírica de Wells aparece com vigor, ao descrever um mundo em que uma elite desfruta de ambientes sofisticados em metrópoles hipertrofiadas, com intensas luzes brancas, elevadores, domos, caminhos móveis e estruturas de vidro, enquanto operários vivem em estado de semiescravidão em subterrâneos escuros, recebendo comida em troca de trabalho. Como é comum nas obras de Wells, o entrecho foi uma inspiração para Woody Allen no filme O Dorminhoco (1973).
 
A narrativa é bem construída, excelente. Há capítulos mais descritivos, e um capítulo especialmente longo, preparando um final, na época, futurista, que tornou-se uma realidade obscura anos depois. Há, também, críticas socioeconômicas bem contundentes, ao capitalismo, à exploração do trabalho (alguns trechos lembram bem o sistema taylorista) e às condições de trabalho desumanas na indústria do século XIX, e um alinhamento com a luta das mulheres por igualdade de direitos.
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UMA UTOPIA MODERNA
Enquanto caminhavam pelos alpes suíços, dois viajantes ingleses caem em uma dobra espacial e de repente se encontram em outro mundo. Em muitos aspectos igual ao nosso, mas ainda assim radicalmente diferente, os dois caminhantes estão agora sobre uma terra utópica controlada por um único governo mundial. Logo eles aprendem que todos compartilham uma linguagem comum, há igualdade econômica, racial e de gênero, e a sociedade é governada por ideais socialistas reforçados por uma elite austera e voluntária: o Samurai. Mas o que os utópicos farão com esses novos visitantes de um mundo menos perfeito?


Fonte:
Skoob – Resenhas

sábado, 16 de outubro de 2021

Adega de Versos 51: Nemésio Prata

  
Da série "Correspondências", entre Nemésio Prata e José Feldman

Milton S. Souza (Promessa quebrada)

Eu sei que prometi não chorar. Mas não está sendo fácil suportar esta saudade imensa e esta certeza de que jamais poderei olhar novamente dentro dos teus olhos, sentir o teu perfume e te abraçar daquele jeito que eu tanto gostava.

Não está sendo fácil suportar o silêncio do meu mundo vazio, enquanto todos os meus sentidos gritam pela falta do som melodioso da tua voz.

Não está sendo fácil suportar estes dias cinzentos, repletos da neblina da tua ausência...

Eu sei que prometi ficar apenas recordando aqueles momentos felizes que passamos juntos, durante o curto tempo que Deus permitiu que tu fosses a luz que iluminava a minha vida. Mas quando fiz aquela promessa eu ainda cultivava dentro do meu coração uma esperança de que o destino não te levaria. Eu não conseguia entender porque o coração de alguém tão jovem e tão especial tivesse que parar de bater antes da realização de todos os seus sonhos. E prometi não chorar, também, para não te ver chorando naqueles dias em que as forças começaram a te abandonar...

Confesso, agora, que quase pedi para Deus te levar: eu já não suportava mais te ver sofrendo por causa daquela maldita doença.

Eu já não suportava mais ver os teus olhos meigos transbordando de tristeza.

Eu já não suportava mais saber que os recursos da medicina não estavam atingindo os seus objetivos.

Eu já não suportava mais mentir para mim mesmo que um milagre te devolveria a vida que, visivelmente, estava fugindo de teu corpo enfraquecido.

Eu não suportava mais ter que ficar fazendo tantas promessas que não conseguiria cumprir...

Eu sei que tu estás, agora, num lugar onde não existe sofrimento. E até imagino que deves ser o anjo mais lindo deste lugar. Tenho certeza disso, porque guardo na minha lembrança aquele teu jeito de anjo tão especial, que fazia todos sorrirem quando iluminava o mundo com a luz do teu sorriso. Mas são exatamente estas tantas lembranças que fazem surgir nuvens de tempestade dentro da minha alma. E são estas nuvens que derramam gotas de uma chuva salgada, que desce lentamente de dentro dos meus olhos, criando rios de lágrimas nos vales do meu rosto.

Eu prometi não chorar. Mas a cruz do “nunca mais” é pesada demais para as minhas forças. E se não fossem estas orações que rezo constantemente (muitas delas a gente rezava junto, lembras???), eu já teria sucumbido sob o peso desta saudade.

Sei que vou continuar quebrando a promessa que te fiz. Mas acredito que Deus vai transformar as minhas lágrimas em pérolas brilhantes. E são exatamente estas pérolas que vão iluminar o meu caminho, quando chegar a minha hora, para que eu consiga, mesmo chorando, te encontrar em algum lugar bonito do infinito. Quando isso acontecer, eu te prometo que não mais nos afastaremos e que viveremos juntinhos para toda a eternidade, na paz que Deus reservar para nós.

E podes ter certeza, se estiveres me escutando neste momento, que esta promessa eu não quebrarei...

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 33 –


Na oficina do meu verbo incandescente malho palavras, frases, versos, rimas, vou a limar, joeirar, quase deslindar o que deve e o que não deve.

O fole da forja da ferraria atiça o fogo dos pensares - desnudo a alma e apresento o meu mundo interior, fazendo buscas, revolvendo mistérios, visões, indagações que habitam o recôndito do ser.

Incursões do dia a dia são momentos que têm algo de sagrado, até porque "no princípio era o verbo ", a missão é misturar doses de discernimento e compreensão, fazendo das palavras o caudal natural da essência dos dias, da essência da vida, da essência das essências.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Fabiane Braga Lima (Lia)

— Que garotinha birrenta! — Pensei comigo mesma. Os dias passavam lentos, e eu sempre cuidando de Samanta, a filha do senhor Norton! Eu praticamente morava naquele serviço, ajudando a criar aquela garotinha rebelde, desde que a mãe dela havia falecido no parto. Bom! Acho que já tinha me apegado a menina, até dormíamos juntas, como se fossemos mãe e filha. Até participava das reuniões e festas na escola preparatória da pequena.

Tinha também o pai, o senhor Norton! Sempre sentado em sua poltrona favorita, sempre lendo e sempre calado. De olhar sereno e sedento, ao mesmo tempo, o velho senhor procurava disfarçar sempre quando me olhava com os profundos olhos azuis piscina.

Já o dono da casa eu observava à distância, mais que segura, e com certa curiosidade, ver aquele homem de meia idade que pouco dizia. Ele, fechado em si mesmo, e sempre sentado em seu escritório. Ele, sempre fazendo e refazendo balancetes, planejamentos, revisando relatórios, dando poucos telefonemas e assinando ordens de serviço. Ou mesmo em momentos mais agitados, quando contratava diferentes bufês para pequenas festas e recepções fechadas que dava em casa. Eventos reservados para clientes seletos, poucos amigos e diretores da empresa. Norton trabalha em casa como se quisesse evitar perguntas embaraçosas e para se agarrar a dolorosas memórias de quando saía para trabalhar e voltava tarde da noite, quando a falecida esposa dormia no sofá à espera dele. Em suma, a culpa de não estar em casa com os seus, consumia aquele homem.

Certa noite, colocando a pequena Samanta na cama para dormir, escuto o senhor Norton a poucos passos atrás de mim. Virei-me apreendida com o inusitado.

— Poderia arrumar o nó da minha gravata!? — Perguntou de forma seca e formal.

— É claro que sim, senhor Norton, é um prazer.

Ele me devolveu um olhar calmo é atrevido ao mesmo tempo! O executivo estava seguro de si como sempre.

— Sabe Lia, nunca te agradeci por estes anos de dedicação conosco.

Dei um nó de gravata Windsor, ele ergueu os braços e acariciou minha nuca com um leve toque com as costas da mão. Fixei o meu olhar nos olhos castanhos esverdeados dele, então eu não pude resistir ao toque, Norton me envolveu intensamente . Ainda segurando forte em minha nuca, puxou meus cabelos com força, me colocando contra a parede.

— Quero muito te fazer mulher...deixa...!

As palavras se perderam no ar. Dominados pelo desejo subimos as escadas sem nada dizer. No quarto vendou meus olhos, tirou as minhas roupas, me pegou no colo e me jogou na cama! Rendi-me completamente.

No permitíamos tudo, desde os mais profanos atos de desejos, um amor que reprimíamos há anos. Nossos corpos cada vez mais febris, e a insanidade de nossa mente. Ele sussurrava em meu ouvido infindos prazeres. Fui a serva submissa, amante fiel, mulher e ele o meu homem, me tomava com força. Havia muita paixão e o saboroso gosto do pecado. Luxúria!

E assim foram nossas noites de intensa paixão e muito amor! Ele me abraçava, não conseguia descrever o que sentia. Era uma viagem sem volta, ao paraíso, um eterno aconchego de amor. Noites abraçadas e corpos colados! Daquela noite em diante, só tinha olhos para ele. E quanto a garotinha Samanta, foi ficando menos rebele e atenciosa com o pai.

Novamente houve uma festa na casa de Norton... Então o dono casa me chamou.

— Lia arrume o nó da minha gravata?!

—Sempre!

Acariciando meu corpo despido e excitado, me arrastou, ao seu quarto novamente... Nos amamos...

Fonte:
Texto enviado por Samuel C. da Costa

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Varal de Trovas n. 529

 

Machado de Assis (Aquarelas) O Parasita Literário

O parasita literário tem os mesmos traços psicológicos de outro parasita, mas não deixa de ter uma afinidade latente com o fanqueiro* literário. A única diferença está nos fins, de que se afastam léguas; aquele é porventura mais casto e não tem mira no resultado pecuniário, — que, parece, inspirou o fanqueiro. Justiça seja feita.

A imprensa é a mesa do parasita literário; senta-se a ela com toda a sem-cerimônia; come e distribui pratos com o sangue frio mais alemão deste mundo — diante da paciência pública — que vacila sobre os seus eixos. Um amigo meu define perfeitamente este curioso animal; chama-o Vieirinha da literatura. Vieirinha, lembro ao leitor, é aquele personagem que todos têm visto em um drama nosso.

De feito, este parasita é um Vieirinha sem tirar nem pôr; cortesão das letras, cerca-as de cuidados, sem alcançar o menor favor das musas. Segue-as por toda a parte, mas sem poder tocá-las. Só não sobe ao monte sagrado, porque é uma excursão difícil, e só dada a pés mais de ferro, e a vontades mais sérias. Ali, ficam eles nas fraldas, soltando uma orquestra de gemidos, até que o velho cavalo os vem despedir com uma amabilidade de pata sofrivelmente acerba.

Um coice é sempre uma resposta às suas súplicas... Represália no caso. Eterna lei das compensações!

Entre nós o parasita literário é uma individualidade que se encontra a cada canto. É fácil verificá-lo. Pegais em um jornal; o que vedes de mais saliente? Uma fila de parasitas que deitam sobre aquela mesa intelectual um chuveiro de prosa ou verso, sem dizer — água vai!

Verificai-o!

O jornal aqui não é propriedade, nem da redação nem do público, mas do parasita. Tem também o livro, mas o jornal é mais fácil de contê-los.

Às vezes o parasita associa-se e cria um jornal próprio. Aqui é que não há de escapar-lhe. Um jornal todo entregue ao parasita, isto é, um campo vasto todo entregue ao disparate! É o rei Sancho na sua ilha!

Ele pode parodiar o dito histórico l’état c'est moi! Porque as quatro ou seis páginas, na verdade, são dele, todas dele. Ele pode gritar ali, ninguém lhe impedirá, ninguém; uma vez que não ofenda a moral pública. A polícia para onde começa o intelectual e o senso comum; não são crimes no código as ofensas a esses dois elementos da sociedade constituída.

Ora, sustentado assim pelos poderes, o parasita literário invade, como o Huno moderno, a Roma da intelectualidade, com a decência moral nos lábios, mas sem a decência intelectual.

Tem pois o jornal, próprio ou não próprio, onde pode sacudir-se a gosto, garantido pelas leis. Se desdenha o jornal tem ainda o livro.

O livro!

Tem ainda o livro, sim. Meia dúzia de folhas de papel dobradas, encadernadas, e numeradas é um livro; todos têm direito a esta operação simples, e o parasita por conseguinte.

Abrir esse livro e compulsá-lo, é que é heroico e digno de pasmo. O que há por aí, santo Deus! Se é um volume de versos, temos nada menos que uma coleção de pensamentos e de notas arranhadas laboriosamente em harpas selvagens como um tamoio. Se é prosa — temos um amontoado de frases descabeladas entre si, segundo a opinião do autor. É muitas vezes um drama, um romance misterioso, de que o leitor não entende pitada. Se eu quisesse ferir individualidades, tocar em suscetibilidades, desenrolaria aqui um sudário dessas invasões na literatura; mas o meu fim é o indivíduo, e não um indivíduo.

O parasita literário vai ainda aos teatros. Esta invenção de recitar nos teatros, tirada da antiguidade grega, que levanta um bardo em um festim, como nos mostra a Odisseia, abriu um precedente, e deu azo ao abuso. A autoridade, que é ainda a polícia, não indaga do mérito da obra, e quer apenas saber se há alguma coisa que fira a moral. Se não, pode invadir a paciência pública.

Todos os leitores estão de posse deste traço do parasita literário. As salas dos nossos teatros têm repercutido imensas vezes com esses arranhões de lira. Basta bater palmas de um camarote e ter alguns exemplares para distribuição; a plateia deve receber aquele aguaceiro intelectual.

O parasita está debaixo do código.

Ora, o que admira no meio de tudo isto, é que sendo o parasita literário o vampiro da paciência humana, e o primeiro inimigo nacional, acha leitores, — que digo? Adeptos, simpatias, aplausos!

Há quem lhes faça crer que alguma coisa lhes rumina na cabeça como a André Chérnier; eles, a quem já não faltava vontade de crer, aceitam, como princípio evidente, essa solução do impossível, que a parvoíce lhe dá de boa vontade.

Que gente!

Os tragos fisiológicos do parasita são especiais e característicos. Não podendo imitar os grandes homens pelo talento, copiam na postura e nas maneiras o que acham pelas gravuras e fotografias. Assumem um certo ar pedantesco, tomam um timbre dogmático nas palavras; e, ao contrário do fanqueiro, que tem a espinha dorsal mole e flexível, — ele não se curva nem se torce; a vaidade é o seu espartilho.

Mas, por compensação, há a modéstia nas palavras ou certo abatimento, que faz lembrar esse ninguém elogiado da comédia. Mas ainda assim vem a afetação; o parasita é o primeiro que esta cônscio de que é alguma coisa, apesar da sinceridade com que procura pôr-se abaixo de zero.

Pobre gente!

Podiam ser homens de bem, fazer alguma coisa para a sociedade, honrar a musa nacional, contendo-se na sua esfera própria; mas nada, saem uma noite da sua nulidade e vão por aí matando a ferro frio... É que têm o evangelho diante dos olhos...

Bem-aventurados os pobres de espírito.

O parasita ramifica-se e enrosca-se ainda por todas as vértebras da sociedade. Entra na Igreja, na política e na diplomacia; há laivos dele por toda a parte. Na Igreja, sob o pretexto do dogma, estabelece a especulação contra a piedade dos incautos, e das turbas. Transforma o altar em balcão e a âmbula em balança. Regala-se à custa de crenças e superstições, de dogmas ou preconceitos, e lá vai passando uma vida de rosas.

A história é uma larga tela dessas torpezas cometidas à sombra do culto.

O parasita da Igreja, toda a Idade Média o viu, transformado em papa vendeu as absolvições, mercadejou as concessões, lavrou as bulas. Mediante o ouro, aplanou as dificuldades do matrimônio quando existiam; depois levantou a abstinência alimentar, quando o crente lhe dava em troca uma bolsa.

É um desmoronamento social. O parasita teve uma famosa ideia em embrenhar-se pela Igreja. A dignidade sacerdotal é uma capa magnífica para a estupidez, que toma o altar como um canal de absorver ouro e regalias.

Assim colocado no centro da sociedade, desmoraliza a Igreja, polui a fé, rasga as crenças do povo. Entra, todos o consentem, no centro das famílias, sem haver sacudido o pó das torpezas que lhe nodoa as sandálias. Dominou imoralmente as massas, os espíritos fracos, as consciências virgens.

Esta transformação do parasita não tende por ora a desaparecer; a fogueira de J. Huss não queimou só o grande apóstolo, devorou também o vestíbulo desse edifício de miséria levantado por uma turba de parasitas, parasita da fé, da moralidade e do futuro.

Em política, galga, não sei como, as escadas do poder, tomando uma opinião ao grado das circunstâncias, deixando-a ao paladar das situações, como uma verdadeira maromba de arlequim. Entra no parlamento com a fronte levantada, votado pela fraude, e escolhido pelo escândalo.

Exíguo de luz intelectual, — toma lá o seu assento e trata de palpar para apoiar as maiorias. Não pensa mal: quem a boa árvore se encosta...

Alguns sobem assim; e todos os povos têm sentido mais ou menos o peso do domínio desses boêmios de ontem. Deixá-los subir às mesas supremas do festim público. Mas tenham cuidado na solidez das cadeiras em que se sentarem.

Na diplomacia, é mais fácil o ingresso ao parasita. Encarta-se aí em qualquer legação ou embaixada, e vai saltitar em Paris ou em Viena. Lá representam tristemente a pátria que os viu nascer, na massa coletiva da embaixada ou da legação. O que faz de melhor, esse parvenu* sem gosto, é brilhar na arte das roupas, como corifeu da moda que é. Já é muito.

Podia, se não temesse fatigar, fazer uma enumeração mais longa das famílias de parasitas que irradiam destas espécies cardeais. Seria, entretanto, uma longa história que demandaria mais largo espaço; e não caberia nestas ligeiras aquarelas.

O parasita é tão antigo, creio eu, como o mundo, ou pelo menos quase.

Em economia política é um elemento para estacionar o enriquecimento social; consumidor que não produz, e que faz exatamente a mesma figura que um zangão na república das abelhas.

Extinguir o parasita não é uma operação de dias, mas um trabalho de séculos. Os meios não os darei aqui. Reproduzo, não moralizo.
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* Fanqueiro = comerciante que vende tecidos de algodão, linho, lã etc
* Parvenu = pessoa que atingiu súbita ou recentemente riqueza e/ou posição social de proeminência, sem no entanto ter adquirido os modos convencionais adequados.
 
Fonte:
Machado de Assis. Aquarelas. Publicado originalmente em 
O Espelho, Rio de Janeiro, 9/10/1859.

António José Barradas Barroso (Poemas Escolhidos) 1

AINDA MAIS

(À minha mulher Olívia)
 
Busquei, querido amor, lá nesses céus,
A luz que me dá vida, que me guia,
Busquei a sua origem, dia a dia,
Até que a encontrei nos olhos teus.
 
Ergui, bem alto, a voz, orei a Deus
E pedi-Lhe, repleto de alegria,
Que as emoções que, junto a ti, sentia,
Fossem, para sempre, os sonhos meus.
 
E se o amor me diz que a busca é finda,
Meu coração desperta em mil natais
Cada um brilhando em cor tão linda,
 
Que os nossos segredos serão iguais:
- Tu dizes que me queres mais ainda!
- Eu juro que te quero ainda mais!
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AMORES DE VERÃO
 
Tardes de estio do meu Alentejo
Com moças belas, na rua, passando,
Vagos olhares, rubor de desejo,
E no meu coração as ia guardando.
 
E iam, e vinham, se tinham ensejo,
E eu, mudo e quedo, amava-as, olhando
O ar furtivo que me atirava um beijo
Perdido nas pedras que iam pisando.
 
E na tarde morna, cálida, amena,
Nasciam amores cheios de pena
P’los que morriam no mesmo momento,
 
Ao ver as moças passando, maldosas,
Co’o lenço escondendo as faces de rosas
E risos enchendo o meu pensamento.
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INTEMPÉRIE
 
Fui à janela fechada,
Não vi noite nem vi dia,
Não vi tarde, não vi nada,
Olhei pra fora, chovia.
 
Andava na rua, molhado,
Vendo a janela vazia,
Senti-me desamparado,
Olhei pra dentro, chovia.
 
Nem o guarda chuva aberto,
Da tormenta, protegia,
Quis ir longe, fiquei perto,
Olhei pro lado, chovia.
 
Vendo o céu tão pardacento,
Perguntei o que haveria,
Nem me respondeu o vento,
Olhei pra cima, chovia.
 
Fiquei parado, na rua,
Sem me importar se queria
Ter o sol ou ter a lua,
Olhei pra baixo, chovia.
 
Ilusões e sonhos meus
Já não me dão alegria,
Sejam nobres ou plebeus,
Por todo o lado chovia.
 
Terminou tanto aguaceiro
Que culminou, por inteiro,
No sol quente que chegou.
 
Agora, veio a acalmia,
Olhei tudo, não chovia,
E a minha alma já secou.
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NOITE DE SOLIDÃO
 
O luar já desceu, na noite escura,
mas nada me faz companhia.
Acabou-se a luz do dia,
e o silêncio é uma constante.
Só vislumbro a moldura
onde o teu retrato está colocado,
tateio a cama, a meu lado,
e nada sinto, nada,
nem o teu beijo de ternura,
nem uma carícia de amante
ou a tua palavra enamorada.
Escuto, lá fora, o vento
assobiar, como um lamento,
e a escuridão que me rodeia
prende-me nos laços
da enorme saudade
de que minha alma está cheia.
Falta-me o calor dos teus abraços
que me fazia pulsar o coração,
com profunda ansiedade,
com a meiguice e a candura
de cada beijo, em cada batida.
E a manhã me devolverá a vida
quando teus lábios, com ternura,
findarem a longa noite de solidão!...
 = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
 
TE AMO ETERNAMENTE
 
 Andei perdido por vales e montes
seguindo sempre a direção dos ventos,
tentando vislumbrar os horizontes,
procurando a razão dos pensamentos.
 
O amor passou, por mim, tão de fugida,
como estrela cadente em céu escuro,
que não pude, ou não quis dar-lhe guarida,
e não lhe abri as portas do meu muro.
 
Embrenhei-me em trabalhos, sem um fim,
cansei meu corpo fraco, sem pensar
e quando, finalmente, olhei pra mim,
só pude ver deserto sem palmar.
 
Um dia, te encontrei e, com doçura,
senti meu peito arfar no mesmo instante,
como se iniciasse uma aventura
com o coração sendo dominante.
 
E então, o amor surgiu com força tal,
se evadiu da prisão, rompeu corrente,
gritou, ao mundo inteiro, num sinal:
- Amor, meu amor, te amo, eternamente!
 = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

António José Barradas Barroso, nome literário: Tiago, nasceu em Vila Viçosa, berço natal de Florbela Espanca, em 1934. Ingressou no Instituto Militar dos Pupilos do Exército, onde permaneceu 7 anos em regime de internato, tendo transitado para a Academia Militar (antiga Escola do Exército) para frequentar o curso de Administração Militar. Hoje, Coronel do Exército, reformado.

A inclinação para a poesia foi-lhe incutida pelo seu antigo professor de português, de quem guarda saudosa recordação. A sua vida profissional, com constantes deslocações, não lhe permitiu debruçar-se sobre a poesia, com maior disponibilidade, como gostaria. Assim, só quando regressou de Moçambique, em 1974, dedicou-se de alma e coração, com mais tempo e atenção, sobre um tema de que tanto gosta, mas despreocupadamente, guardando tudo o que ia escrevendo nos mais diversos suportes, desde grandes folhas de jornais a pequenos bilhetes de autocarro.

Em 2007, começou a enviar alguns poemas para concursos e jogos florais, tendo, durante cinco anos, obtido cerca de 140 prêmios, desde vencedores até menções honrosas, em Portugal, Brasil, Itália e República Dominicana.  Possui poemas em centenas de cirandas e antologias.

Membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras, em Cachoeiro do Itapemirim; Academia Rio-Grandina de Letras em Rio Grande e sócio do Clube dos Poetas Livres, em Florianópolis, todos no Brasil. Membro da AVSPE – Academia Virtual Sala de Poetas e Escritores; “Confrades da Poesia” – Amora / Portugal; também associado do Clube da Simpatia, em Olhão.

Reside em Parede/Portugal.
 
Publicações:
“Memórias do tempo que passa”, “Devaneios de Outono” e “Último fôlego”.


Mia Couto (Isaura para sempre dentro de mim)

Isaura entrou pelo bar como se entrasse pela última porta e nós fôssemos os deuses que a aguardássemos do outro lado. Fora ficava esse céu todo azulado, os zunzuns da gente no bazar.

A aparição da mulher fez estancar meu coração, suspenso na rédea do espanto. Escutei íntimos desacordes, sangue para um lado, veias para outro. É que eu não via a Isaurinha há mais de vinte anos, mais de metade do tempo que eu amealhava existências. De repente, me chegaram lembranças como se em meu peito desembarcassem imagens e sons, atropelando-se em desordem.

Foi no tempo colonial. Eu e a Isaurinha éramos empregados domésticos na mesma casa. Ela empregada de dentro, eu de fora. Ambos, miúdos, em idade mais de brincar. Aos fins da tarde, quando ela desapegava, vinha me contar as novidades, segredos da vida dos brancos. Era hora de eu passear a cãozada.

Ela me acompanhava, rodávamos pelos quarteirões enquanto ela me fazia rir, com as suas revelações. Que o patrão a empurrava nos cantos sombrios e a apertava de encontro às paredes. Não havia parede em que ele, de pé, não tivesse deitado. Tudo aquilo lhe dava nojeira, reviragem nas vísceras. Queixar a quem? A Deus? Eu sonhava que me subiam coragens e enfrentava o patrão. Mas adormecia sem ousadia sequer de terminar o sonho.

E agora Isaura interrompia o meu tempo de existir, rompante adentro da cervejaria. Estava quase na mesma, o tempo não a redesenhara. Magra, como sempre fora. Olhos acesos como réstias de brasa. Em seus dedos um cigarro me sacudiu lembranças. Como se o centro de minha memória fosse um fumo. Sim, o fumo de cigarro que ela, vinte anos antes, trazia de dentro da casa dos patrões para as traseiras onde eu a esperava. Fazia o seguinte pegava a beata distraída num cinzeiro de salão e chupava umas boas passas. Enchia as bochechas de fumo vinha ter comigo ao pátio. Ganhava um ar palhacento, com dupla cara como a coruja. Chegava-se a mim e avizinhava-se, cara com cara. Depois, boca com boca, os lábios meus em concha recebiam os dela. Isaura soprava para dentro de mim esse fumo. Sentia aquecer-me meus interiores, a saliva quase fervendo. Depois, não era só a boca todo o meu corpo se ia esquentando. Era assim que fumávamos, a meio hálito, boca de um cruzamento e peito do outro.

Praticávamos o quê? Fumigação boca-a-boca? Uma coisa era de certeza meu endereço era o céu, nesses instantes. Isaura me exaltava eternidades, lábios vaporosos me roçando o coração. Tudo ali na cubata das traseiras.

Simples procedimento aquele Isaura aparava as unhas dos cigarrinhos, beatas ainda moribundas. Não parecia que Isaura deitasse valor naquele trocar de lábios. Ela gostava mesmo era de tabaco, pouco a pouco se adentrando no vício das fumagens. Eu e a descarga suja em meus pulmões eram simples acidentes sem percurso.

Até que, certa vez, o patrão nos surpreendeu naquelas disposições. Choveram insultos, imediatas pancadas. E logo eu, desculpando Isaura, assumi as inteiras culpas. Construí a versão eu a tinha assaltado, obrigado contra as suas vontades. Nesse mesmo dia, fui expulso, despedido. Nem me despedi de Isaurinha. Levei meus pertences, por baixo de uma lua tristonha. E nunca mais Isaura, nunca mais notícias dela.

Vinte anos depois, Isaura desarrumava a tarde, interrompendo o bar. Para mais, ela trazia entre os dedos um cigarro, fumegante. Ela se sentou em minha mesa e, sem me olhar, desatou as falas. Tanta lembrança boa. Mas a favorita é você, Raimundano. Lhe digo esse fumo todo que lhe deitei sabe o que eu queria, só mais nada? Era um beijo.

Estremeci. Aquilo era a justa navalha, me lacerando? Mas ela seguia, no avanço de seus ditos. Sim, que ela em tempos, me amara. Nunca mostrara aquele querer dela, por motivo de decências. É que era tão magra que era má educação se exibir. Que ela escolhia para mim suas melhores belezas, como quem tem prendas mas não sabe nem a quem dar.

- Porquê, Isaura? Porque nunca me procurou?

- Porque lhe deixei de amar. Foi aquele sua mentira para me proteger. Isso, me fez muito mal.

Desde o momento que eu a defendera, o sentimento tombara, sobra de sombra.

Ofensa de quê? Nunca saberei. Isaura, ali sentada, não me explicaria nada. Como se tivesse passado não o tempo, mas a vida inteira. Levantou-se, arrastou a cadeira como se arrumar os móveis fosse mais importante neste mundo. E se dirigiu para a saída, a angústia me resumindo como se, pela segunda vez, minha vida se ecoasse por aquela porta. Minha voz, nem a reconheci.

-Sopre-me outra vez um fumo, Isaura. Um fuminho, só.

Ela me olhou, os olhos tão longe que parecia nem ter focagem. Aspirou fundo o cigarro, refreou umas tosses e veio em minha direção. Quando ela colou seus lábios em mim, se fabulou o seguinte a mulher se converteu em fumo e se desvaneceu. Primeiro no ar e, depois, lento, na aspiração de meu peito. Nessa tarde, eu fumei Isaurinha.

Fonte:
Mia Couto. Na berma de nenhuma estrada e outros contos. Publicado em 2001.