quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Nilto Maciel (Como Um Sol Que Explode)


Todo dia Abelardo seguia os passos de Camilo. Porque quase nunca este se encontrava com Maria no mesmo lugar. Um dia Camilo perguntou se Abelardo gostava de sofrer. Ficou mudo e se afastou do irmão. Não sabia explicar por que necessitava ver, de perto e sempre, aquelas cenas animalescas. Mordia os lábios, arregalava os olhos e estremecia. Talvez devesse apresentar-se no momento do êxtase do casal e interromper aquela sem-vergonhice. Não, não tinha coragem para nada na vida. Um covarde, um medroso.

Certa vez não precisou seguir Camilo. No dia anterior ouvira, por três vezes, Maria e o namorado se despedirem assim: “Amanhã na ponte”. Saiu de casa antes do irmão. Escondido, viu a moça chegar. As águas do rio corriam lerdamente. Os mosquitos voavam e ziniam. E Camilo não aparecia. Maria olhava para os lados, sentava-se, andava e resmungava: “Amanhã na ponte. Ou amanhã na fonte? Na ponte, na fonte”. Olhos arregalados na direção da amada, Abelardo mordia os lábios. Por que Camilo não chegava? Talvez perdido na fonte. E Maria já se preparava para partir. Oh! não partisse. Prometia-lhe mil beijos, carícias de mãos, um abraço imensurável e o amor mais ardente. Porém ela sumiu entre as folhagens, feito uma fada, e ele gemente, os lábios em sangue e o corpo todo em chamas.

Em outro desencontro do casal, porém na fonte do Riacho do Marco, deu-se de Maria não aparecer. O chiado das águas parecia cantar: “espera, amor, já vou, já vou”. E Camilo sossegado, assobiando e às vezes rindo. Súbito levantou-se do chão e caminhou em direção aos olhos arregalados de seu irmão. “Por que você me segue todo dia?” O sol já não queimava tanto e os passarinhos voavam ao redor das árvores. “Enquanto você quer sofrer, eu quero me livrar do sofrimento”.

Abelardo pedia desculpas, perdão. Só faltava ajoelhar aos pés do irmão. “Você ama mesmo Maria? Por que não luta por ela? Eu não a amo, meu irmão. E ela tem piedade de mim. Ninguém me ama. Papai? Meu genitor. Mamãe? Minha genitora. Nunca me quiseram. Como você é diferente. E você sabe disso. Você é o filhinho predileto deles”.

Camilo convidou Abelardo a sentarem-se. E retirou um revólver da cintura. Pretendia matar Maria e, em seguida, se matar. Sua história acabaria ali, naquela fonte. Maria não seria de mais ninguém, sobretudo de Abelardo. No entanto, havia mudado de ideia. Não haveria mais mortes. Ou poderia acontecer apenas uma morte.

Apanhou de novo a arma e girou o tambor cinco vezes, retirando cinco balas. “Você já ouviu falar de roleta-russa?” E propôs: primeiro o irmão, depois ele. Uma tentativa para cada um. Se Abelardo não morresse, ele apontaria a arma para a própria cabeça. E Maria seria do irmão. A entrega dela a Abelardo se daria no dia seguinte àquele, ali mesmo na fonte. Camilo ficaria atrás da moita, enquanto o irmão se apresentaria à moça. Falaria de seu amor por ela e de seu conhecimento dos encontros dela com Camilo. Se ela oferecesse resistência, ele prometeria contar para toda a cidade as sem-vergonhices dos dois. O pai dela a enxotaria de casa e todo homem daria mil réis por uma horinha de cama com ela. Nem Getúlio Vargas a salvaria da desonra. Convencida, Maria se deitaria no capim, e o próprio Abelardo retiraria suas vestes. No melhor momento da cena, Camilo surgiria do mato. E ela não teria mais como voltar para ele.

No horizonte a luz vermelha do sol se misturava ao verde da serra. Os pássaros piavam melodicamente nas árvores. Abelardo mordeu os lábios, fechou os olhos e levou o cano da arma à própria cabeça.

E deu-se um estampido como o de um sol que explode.

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira. Brasília/DF: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.
Livro enviado pelo autor.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 16


A luz da fé, não se apaga,
por ser chama do Senhor!
Ela brilha e se propaga
até nas cinzas do amor!
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Chuva fina, noite calma,
e ao lado da solidão,
há mais saudade em minha alma
que gotas d'água no chão!
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Como imaginar, supor,
num sentido mais profundo,
que um vírus sem cara e cor
mudasse a cara do mundo?!...
= = = = = = = = =

Como quem pedem socorro,
famintas e seminuas,
lá se vão descendo o morro
mais crianças pelas ruas!
= = = = = = = = =

Depois que a tarde declina
e o véu da noite aparece,
Deus põe na prece divina
a luz da divina prece!
= = = = = = = = =

Descobri que alguns queixumes
das ondas sempre a chorar,
é porque sentem ciúmes
das rochas beijando o mar!
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Em meio a uma luta intensa,
contra a ausência, o que me importa,
é ver que tua presença
puxou o trinco da porta!
= = = = = = = = =

É muito bom, que se saiba,
que neste mundo de ateus,
não há reino, que não caiba
nas conchas das mãos de Deus!
= = = = = = = = =

Escondi, no olhar aflito,
a dor, do instante do adeus!.,.
Mas vi, no olhar do infinito,
a aflição dos olhos meus!
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Na face, as crateras curvas,
que os anos todos nos dão...
São trilhas das águas turvas
por onde as mágoas se vão!
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Na intenção de protegê-las
de alguém que possa alcançá-las,
Deus pôs distante as estrelas
para o poeta exaltá-las!
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Na ampulheta desta vida,
o tempo crava as esporas,
e apressa a própria batida
dos passos cruéis das horas!
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Na velhice, não se esqueça,
dos mimos que o tempo traz;
Quanto mais branca a cabeça
mais brilha o branco da paz!
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Na vida há tantos hiatos,
reticências e deslizes
que às vezes, meus próprios atos,
nem sempre são tão felizes!
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Nossas mãos, já bem velhinhas,
pelo tempo, castigadas...
Carregam nas entrelinhas
nossa infância de mãos dadas!
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Nem sempre a aurora é de luz;
porque vejo em todo canto,
criança arrastando a cruz
da dor, da fome e do pranto!
= = = = = = = = =

No espaço entre duas fendas,
uma aranha fiandeira
fez duas redes de rendas;
a dela e a da companheira!
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Numa dor desesperada,
no porto, o moleque arteiro,
viu que o mar trouxe a jangada
mas não trouxe o jangadeiro!
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Ó, tempo, atrevido e mudo,
por que finge que não passa?
Mas passou e apagou tudo
que escrevi no chão da praça!
= = = = = = = = =

Por que prender na gaiola
um sabiá inocente,
se o canto dele consola
o pranto dele e o da gente?!...
= = = = = = = = =

Quando o amor nos faz trapaça,
é qual duna que se alteia,
que cada vento que passa
muda o bordado da areia!
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Que voltes logo, eu te peço;
pois, teu lugar no meu ninho
a espera do teu regresso,
cansou de ficar sozinho!
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Rendeira, tu tens por lema
ser campeã nas contendas,
tecendo um lindo poema
com versos feitos de rendas!
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Se o teu adeus, ainda dói,
já tanto tempo depois...
É, que a distância, ainda rói
o que restou de nós dois!
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Vi naquela cruz aflita
me acenando entre os escombros,
que aquela cruz tão bonita
fotografava os meus ombros!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

Mariza Lira (A festa do Natal no folclore do Brasil) – parte 2, final


Daí muitos desses folguedos de Natal serem tão variáveis. E não se pense que essa variabilidade ou o modo de se apresentar esse ou aquele auto é criação nossa. Entre os povos cristãos da Europa nós os vamos encontrar em variantes bem semelhantes.

No Brasil há bailes pastoris tradicionais como o do Marujo, o do Meirinho, o da Lavadeira, o do Elmano, os dos Quatro Pastores, o da Catarina, o do Velho Terêncio e tantos que seria quase impossível enumerá-los, muitos deles são fragmentos e adaptações de outros tantos de procedência peninsular.

É preciso compreender que esses autos e bailes pastoris não variam apenas de estado para estado, cidade ou lugar, mas até de ano para ano.

Isso porque o povo que os apresenta, não os cria originalmente, presencia-os, observa-os em qualquer lugar, em qualquer época e, só então, apresenta-os com características suas ao seu feitio.

Cumpre, pois, aos mais instruídos recolhê-los e sem deturparem as características regionais, reconstitui-los isentos de erros e lacunas que só nos viriam diminuir.

É o caso do Auto das Pastoras 24 de Dezembro, coligido em Pernambuco, sua terra natal, pela mestre musicóloga Ceição Barros Barreto que o apresentou, ao público, lindamente reconstituído.

Os grupos pastoris percorrem as ruas durante as noites festivas, parando diante das casas previamente avisadas. Ao canto do pedido de licença, as portas se abrem de par em par. O grupo festivo entra e desenvolve o poema musicado.

Melo Morais Filho, o grande cultor de nossas tradições, durante algum tempo organizou interessantes grupos de pastoras, para festejar o ciclo do Natal. De sua residência em São Cristóvão partia o grupo alegrando as ruas do então aristocrático bairro, visitando as residências amigas que o recebiam festivamente. A jornada terminava, com o bumba-meu-boi.

Esse brinquedo natalino é uma perfeita amálgama de reminiscências.

A principal figura é o boi, arcabouço de pau, grosseiramente coberto, escondendo um homem, cujos movimentos, marcha e cabeçadas são semelhantes aos do boi. A cabeça ou é de papelão ou é uma caveira autêntica, revestida de qualquer maneira, deixando respontar os chifres do animal. O vaqueiro, caracterizado como os nossos caboclos sertanejos, traz o agulhão, vara comprida com um ferrão na ponta, com que tange o boi.

Há personagens vários como o rei, com coroa de latão; o secretário, pomposamente vestido; o doutor; a Catarina; o padre; o Mateus; negro escravo; o capitão do mato. lembrança da escravidão: o Sebastião; o Arrequinho, corruptela de Arlequim; pastoras, negros, índios e outros mais.

O cavalo-marinho, o mestre Domingos, a cobra verde, o sapo, o diabo são personagens variáveis. O grupo é guiado pelo Mateus, em alguns pontos confundido com o vaqueiro, que vai gritando: Eh! Boi. Eh! Boi. Nas casas e lugares previamente marcados o bumba-meu-boi desenvolve o poema até que o animal cai inanimado. O vaqueiro então grita dramaticamente: O meu boi morreu, quem matou meu boi?

Enquanto o médico e o mágico pretendem reanimá-lo o vaqueiro vai cantando uma versalhada referente do exame do boi até que o médico inicia o testamento ou partilha do boi, mais ou menos neste estilo:

A rabada
É pra rapaziada;
O mocotó
É pro seu Jacó;
Um pé e a mão
É pra seu capitão;
A tripa de cima
É pra minha prima;
A tripa de baixo
É pro seu Camacho;
Os panos do figo (fígado)
É pra meus amigos;
E o bofe
É pro regabofe;
A ponta do janeiro
Pra fazê um tabaqueiro;
A testa do boi
É pra vocês doi;
O rim
Eu quero pra mim;
E a tripa gaiteira
É pras moças solteiras.

E assim improvisando rimas, vai o doutor distribuindo as diversas partes do boi até que ele ressuscita. Acaba a representação com a despedida em coro:

Retirada, meu bem retirada.
Acabou-se a nossa função;
Não tenho mais alegria
Nem também consolação.

Bateu asas, cantou o galo,
Quando o Salvador nasceu,
Cantam anjos nas alturas,
Glória in excelsis Deo!


O testamento do boi, partilha simulada entre os presentes, nada mais é que a comunhão simbólica usada em todas as religiões. A partilha faz desaparecer a culpa. A ressurreição do boi representa a remissão geral.

O auto do bumba-meu-boi, ingênuo divertimento popular, é a expressão singela dos antigos rituais de sacrifício. Por toda a parte, do solar a choupana a mesma alegria sadia e pura na noite de Natal.

Nessa noite nos lares não faltava a ceia — ou melhor — consoada. Nelas figuravam as guloseimas típicas; rabanadas ou fatias do céu, bolo de Natal, castanhas, nozes, amêndoas, avelãs, passas, figos secos, tâmaras, canjiquinhas, bolos de bacalhau, um mundo de coisas gostosas. À meia noite abria-se o vinho, a champagne, todos bebiam e se congratulavam desejando Bom-Natal, Boas-Festas.

Em muitas casas havia bailes e era hábito também os seresteiros percorrerem as ruas fazendo serenatas.

Esse costume de desejar Boas Festas, que hoje usamos, foi legado pagão, que as mais antigas civilizações nos deixaram. As congratulações com troca de presentes, festas com cantos e danças eram usadas pela volta da primavera, marcando o início das colheitas, conforme encontramos na mitologia.

Os gregos conservaram a tradição transmitindo-a aos romanos. Os primeiros cristãos adaptaram a usança à sua data magna — o Natal de Jesus. Desde então é o mesmo entusiasmo por essa época festiva.

Nos bons tempos as casas se enchiam de forasteiros. As cidades, as vilas e mesmo os lugarejos se movimentavam. As vitrinas e os mostruários das lojas transbordavam de novidades, presentes de toda a espécie, "festas" que uns davam aos outros, tradição que o encarecimento da vida está fazendo desaparecer.

Dar festas era quase que uma obrigação. Cada um a cumpria de acordo com suas posses. Os "senhores" abastados não trepidavam em oferecer de festas um escravo prestimoso ou uma crioula chibante. Desde as vésperas de Natal os escravos cruzavam as ruas levando festas "que meu sinhô mandô, desejando Bom Natal e Boa Saídas e Melhores Entradas". E eram presentes de valor: baixelas e faqueiros de prata, jarrões da China, animais de montaria, leitões, perus, joias, perfumes, flores. Até os escravos gozavam regalias excepcionais nesse dia. Ganhavam roupa nova, tinham licença para ir à missa do galo, recebiam uns cobres e assim gozavam a folga à "tripa forra".

As crianças eram surpreendidas, pela manhã, com as meias de brinquedos nos sapatinhos e não davam sossego à família com os apitos, gaitas e chocalhos. Mas, as meias e o Papai Noel de importação europeia, são relativamente recentes e variam nos diversos pontos do Brasil conforme a influência imigratória.

Os caixeiros das velhas casas comerciais, que antigamente permaneciam abertas até às dez horas da noite, dormiam nas lojas, às vezes sobre os balcões e tinham poucas saídas anuais. Pelo Natal puxavam das velhas arcas ou dos baús de folha, a roupa de "ver a Deus e à Joana", como se dizia então, calçavam sapatos rinchadores e saiam a tirar o "pó do lodo" ao menos naquela noite. As casas comerciais presenteavam os fregueses com caixotes de vinhos, champagne, presuntos, caixas de passas e outros brindes caros. Os mais modestos enviavam folhinhas de cromos coloridos com a respectiva propaganda da casa.

Os jornais enchiam-se de cartões de boas-festas, que os amigos desejavam entre si, os negociantes e as casas comerciais, faziam anúncios espetaculares de suas especialidades.

Assim era o Natal de outros tempos.

Fonte:
Mariza Lira. "A festa do Natal no folclore do Brasil". Diário de Minas. Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1951. In Jangada Brasil, dezembro 2010 - Ano XIII - nº 143 – Edição Especial de Natal

Concursos de Trovas com Inscrições Abertas para 2023


I JOGOS FLORAIS DE IRATI - PR

Prazo: 28 de fevereiro de 2023.

Âmbitos Estadual, Nacional/Internacional: Paraná, Brasil e demais países de língua portuguesa.  

Trovas líricas ou filosóficas.

Máximo de 02 (duas) trovas inéditas

Categoria Veterano: (em todos os âmbitos)
tema: Pedra  

Categoria Novo Trovador: (em todos os âmbitos)
tema: Rocha

Humorísticas: (em todos os âmbitos e categorias, sem distinção)
tema: Cascalho

A palavra tema ou cognato devem obrigatoriamente constar do corpo da trova.

Por e-mail, para todos os âmbitos e categorias: O inscrito deverá enviar no corpo do e-mail: as trovas, bem como, o tema, âmbito e a categoria pela qual concorre o trovador, bem como nome, endereço, telefones e e-mail. Não serão aceitos anexos.

Âmbito Nacional/internacional em todos os temas e categorias, as trovas deverão ser encaminhadas para a fiel depositária:

olgaagulhon@hotmail.com

Âmbito estadual em todos os temas e categorias, as trovas deverão ser encaminhadas para o fiel depositário:

jersonbrito.pvh@gmail.com

Prazo: 28/02/2023.

Serão concedidos Diplomas e medalhas aos classificados.

A premiação será remetida via postal para o classificado que não puder comparecer na data aprazada para seu recebimento.

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1º CONCURSO DE TROVAS  DE SÃO PAULO

Prazo =31 de março de 2023

Até 02 (duas) Trovas inéditas por tema para todos os âmbitos e modalidades.

Lírica ou filosófica (L/F)

Nacional / Internacional (Veteranos)
Tema: RESILIÊNCIA

Fiel Depositária – Regina Rinaldi

E-mail – reginarinalditrovadora@gmail.com
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Nacional / Internacional (Novos Trovadores)
Tema: RENASCER

Fiel Depositária – Regina Rinaldi
E-mail – reginarinalditrovadora@gmail.com
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Estadual (Veteranos)
Tema: PERSISTIR

Fiel Depositário – Jerson Brito
E-mail - jersonbrito.pvh@gmail.com
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Estadual (Novos Trovadores)
Tema: RESGATAR

Fiel Depositário – Jerson Brito
E-mail - jersonbrito.pvh@gmail.com
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Municipal (Estudantil)
Tema: JOVEM/JUVENTUDE

Fiel Depositário – Alberto Valença Lima
E-mail - concursoubtestudantil2022@gmail.com
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Preenchimento do email:

Assunto do e-mail: "1º Concurso de Trovas da UBT São Paulo"

Acima das trovas colocar o âmbito, o tema e a categoria

Abaixo das trovas colocar nome, endereço completo, e-mail e telefone com o ddd.

NÃO ANEXAR ARQUIVO.

Para o Concurso Municipal (só para estudantes do Município de São Paulo – SP), deverá ser acrescentado aos dados acima, o nome do colégio e o do(a) professor(a) de português da(o)  participante.

Prazo =31.03.2023
******************
Obs:
Trabalhos com palavras de baixo calão, pejorativas, preconceituosas, ofensivas, em qualquer contexto, serão automaticamente desclassificadas.

Não serão aceitas trovas escritas em caixa alta nem iniciando os versos com letra maiúscula, exceto o verso inicial ou em algum caso que justifique a maiúscula.

Só se aceitam rimas perfeitas.

Diplomas aos classificados de cada tema/categoria. Os diplomas serão entregues em solenidade de entrega a ser anunciada futuramente. Aqueles que não puderem comparecer, poderão enviar representante, devidamente autorizado ou receber seu diploma por e-mail.
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XVIII Concurso de Trovas de Maranguape/CE

Prazo: 31 de março de 2023.

A palavra deve obrigatoriamente constar no corpo da trova.

Âmbito Nacional/Internacional:

Uma (1) trova por tema

Novo Trovador:
Paz (L/F)

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Veterano:
Gratidão (L/F).

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Âmbito Estadual:

Duas trovas por tema

Sem distinção de categoria
Atitude (s) (L/F);

Enviar para
fiel depositário – Gutemberg Liberato

e-mail: ubt.ceara@gmail.com
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Acima das trovas colocar o âmbito, o tema e a categoria (Novo Trovador ou Veterano)

Abaixo das trovas colocar nome, endereço completo, e-mail e telefone com o ddd.

NÃO ANEXAR ARQUIVO.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 8

 

Antonio Brás Constante (Uns erram e outros perdem)


Há algum tempo atrás escrevi uma frase que dizia: “ninguém cometeu maior erro do que aquele que errou ao fazer tudo errado”. Frase estranha, com palavras esquisitas, que não soou legal, coisa mesmo de biruta. Nestes últimos dias, porém, a tal frase voltou as minhas lembranças, trazida por minha eterna professora, que certamente também dá aulas para você, sendo conhecida como VIDA.

Dona vida, educadora severa, que puxa as orelhas de quem quiser. Castiga e põe de joelhos, faz até marmanjo chorar. Com ela não tem rebeldia. Se alguém tentar matar aula, morre no mesmo dia. Mas ela, em sua essência, não pode ser taxada com alcunha de malvada, pois antes de reprovar qualquer vivente, ainda lhes dá a chance de fazerem um exame... De consciência (e é exatamente aí que tantos desperdiçam suas oportunidades de acertar aquilo que está errado).

Ela se reflete em ações, frutos de nossas próprias avaliações, onde até mesmo uma frase citada no início do primeiro parágrafo, ganha um sentido mais adequado. Uma frase, renascida talvez de um fato. Algo que em um mundo nada perfeito seria perfeitamente normal, mas que em nosso universo ainda gera decepção. Vou lhes dar como exemplo uma premiação.

Imagine que você possui um dom. Algo que lhe permite transformar tinta através do pincel em desenhos no papel. Agora imagine este seu talento levando-o a participar de um concurso em forma de salão, voltado para este tipo de exposição. Você envia suas obras e é agraciado com a notícia de que um de seus trabalhos foi contemplado, teve menção honrosa, bastando ir ao evento cultural para receber a recompensa por este ato de proeza.

Você então chega ao local da premiação, que ficaria algumas dezenas de quilômetros de sua morada, mas que poderia ser em outro estado, quem sabe outro país. O fato é que você vai até lá prestigiar o evento. Participa da cerimônia de entrega das premiações, recebendo do próprio patrono da imprensa da cidade (onde tudo foi organizado), o seu troféu e um certificado.

O artista, não cabe em si de tão maravilhado, mostra o troféu aos amigos, abre um espaço de honra em sua estante para coloca-lo. Sente-se, sobretudo, valorizado por esta conquista. Então toca o telefone, a voz do outro lado da linha, inicia a conversa se identificando e tecendo elogios ao artista, para enfim informar-lhe que terá de devolver o troféu recebido. Foi tudo um engano. Aceite um pedido de desculpas, por telefone, e assim que puder volte até nossa cidade trazendo aquilo que há poucas noites recebeu, para que possamos entregar a outro artista algo que você achava ser seu. Tudo muito discreto e informal. Por favor, não nos leve a mal, ainda é seu o certificado. Apenas iremos alterar sua foto em nosso site, para sumir com os vestígios deste erro brutal...

Erros acontecem, e são como dominós em fila que caem. Está é uma das lições que aprendemos nesta vida. Afinal, quem nunca errou, cometendo um erro ainda maior ao fazer tudo errado?

(Texto dedicado ao amigo Zé Gadis).

Fonte:
http://abrasc.blogspot.com/

Fernando Pessoa (Caravelas da Poesia) XLVIII


NEM O BEM NEM O MAL DEFINE O MUNDO
 
Nem o bem nem o mal define o mundo.
Alheio ao bem e ao mal, do céu profundo
Suposto, o Fado que chamamos Deus
Rege nem bem nem mal a terra e os céus.

Rimos, choramos através da vida.
Uma coisa é uma cara contraída
E a outra uma água com um leve sal.
E o Fado fada alheio ao bem e ao mal.
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NESTA GRANDE OSCILAÇÃO
 
Nesta grande oscilação
Entre crer e mal descrer
Transtorna-se o coração
Cheio de nada saber;

E, alheado do que sabe
Por não saber o que é,
Só um instante lhe cabe,
Que é o reconhecer a fé -

A fé, que os astros conhecem
Porque é a aranha que está
Na teia, que todos tecem,
E é a vida que antes há.
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NESTA VIDA, EM QUE SOU MEU SONO
 
Nesta vida, em que sou meu sono,
Não sou meu dono,
Quem sou é quem me ignoro e vive
Através desta névoa que sou eu
Todas as vidas que eu outrora tive,
Numa só vida.
Mar sou; baixo marulho ao alto rujo,
Mas minha cor vem do meu alto céu,
E só me  encontro quando de mim fujo.

Quem quando eu era infante me guiava
Senão a vera alma que em mim estava?
Atada pelos braços corporais,
Não podia ser mais.
Mas, certo, um gesto, olhar ou esquecimento
Também, aos olhos de quem bem olhasse
A Presença Real sob disfarce
Da minha alma presente sem intento.
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NO CÉU DA NOITE QUE COMEÇA
 
No céu da noite que começa
Nuvens de um vago negro brando
Numa ramagem pouco espessa
Vão no ocidente tresmalhando.

Aos sonhos que não sei me entrego
Sem nada procurar sentir
E estou em mim como  em sossego,
Pra sono falta-me dormir.

Deixei atrás nas horas ralas
Caídas uma outra ilusão
Não volto atrás a procurá-las,
Já estão formigas onde estão.
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NO FIM DA CHUVA E DO VENTO
 
No Fim da chuva e do vento
Voltou ao céu que voltou
A lua, e o luar cinzento
De novo, branco, azulou.

Pela imensa 'stelação
Do céu dobrado e profundo,
Os meus pensamentos vão
Buscando sentir o mundo.

Mas perdem-se como uma onda
E o sentimento não sonda
O que o pensamento vale
Que importa? Tantos pensaram
Como penso e pensarei.
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NO MEU SONHO ESTIOLARAM
 
No meu sonho estiolaram
As maravilhas de ali,
No meu coração secaram
As lágrimas que sofri.

Mas os que amei não acharam
Quem  eu era, se era em si,
E a sombra veio e notaram
Quem fui e nunca senti.
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NOS JARDINS MUNICIPAIS
 
Nos jardins municipais
As flores também são flores.
Assim, na vida e no mais,
Que a vida é de estupores,

Podemos todos ser nossos
E fluir como quem somos.
Quando a casa é só destroços
É que a fruta é dó de gomos.
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O ABISMO É O MURO QUE TENHO
 
O abismo é o muro que tenho
Ser eu não tem um tamanho.
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O AMOR É QUE É ESSENCIAL
 
O amor é que é essencial.
O sexo é só um acidente.
Pode ser igual
Ou diferente.
O homem não é um animal:
É uma carne inteligente,
Embora às vezes doente.
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O AMOR
 
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Marcos Rey (Celebridades instantâneas)


Talk shows servem até para vender espanador giratório a pilha


Hoje em dia quem aparece num talk show dá uma pisada no hall da fama. Sai da sombra do anonimato. É como se o próprio Deus acendesse um spotlight. Aproveite, chegou a sua vez de brilhar!

Houve época em que nem escrevendo Os sertões se alcançava de pronto a celebridade. Carlos Drummond de Andrade, pouco chegado à autopromoção, apenas se tornou conhecido – não lido – pelo público já nos finais oitenta anos. Lima Barreto, o romancista de Clara dos Anjos, só passou a ser mencionado com maior frequência para eliminar a confusão que se fazia entre seu nome e o do cineasta Lima Barreto. Van Gogh, mesmo decepando a orelha para presentear uma namoradinha, ato romântico e original, permaneceu na obscuridade até o fim da vida e sem vender um único quadro.

As portas do sucesso atualmente são mais acessíveis. Podem ser transpostas em minutos. Chamam-se talk shows ou, em linguagem bárbara, programas de entrevistas na televisão. Segundo acabo de ler, chegam a vinte, apresentados em quase todas as emissoras, diariamente e nos mais diversos horários. É um gênero de espetáculo de baixo custo porque os entrevistados, doidos para aparecer no vídeo, naturalmente não cobram nada. Pelo contrário, muitos até pagariam.

Quem tem necessidade urgente de se promover, lançar produtos ou aparecer na telinha para provar que ainda não morreu – estou vivo e atuante, gente! – visita infalivelmente todos os programas do naipe. Nada mais eficiente para ser reconhecido na rua e em toda parte. Gente que nunca viu o entrevistado o cumprimenta com um largo olá. Os mais ousados arriscam: “O senhor estava ótimo ontem no Jô”.

Eu também tenho talento, preciso apenas de uma oportunidade para me destacar. É o sonho de muitos. E onde aparecer, para milhões e ao mesmo tempo, senão na televisão? Figurar nos talk shows é o único jeito de ficar conhecido instantaneamente e poder vender o seu peixe. Foi o que declarou o dono de um restaurante de frutos do mar...

Para os desconhecidos, conseguir ser programado num talk depende de relacionamento e boa dose de paciência. Uns esperam meses. Para os já conhecidos, mais preocupados em manter certa popularidade, é até relativamente fácil. O difícil é fazer cara convincente de que está no programa de seu querido entrevistador, preferido entre todos. E morrendo de saudade. Este, por seu turno, tem de fazer a cara certa de que se trata de uma entrevista exclusiva, única, fingindo ignorar que o convidado já compareceu no mínimo a três emissoras na mesma semana. Ontem mesmo esteve no programa do seu concorrente, aquele fofoqueiro, aquele vaidosão, aquele...

Quando o entrevistado, mesmo ignorado pela mídia, cai no agrado do auditório, o referido peixe está vendido. Lembro o espevitado autor de um espanador giratório a pilha, de duvidosa utilidade. O público adorou à primeira vista o curioso inventor: foi no seu papo solto, riu o quanto pôde. E aplaudiu frenético. Soube-se que vendeu milhares de espanadores giratórios, encalhados há anos.

Uma entrevista bem-sucedida resolve. O homem que promovia o reconstituinte leite de jacaré foi até bisado. Há também os que não querem vender nada, interessados somente na divulgação da imagem, na satisfação do ego. O conceito de muita gente dá saltos andinos após um cara a cara com Marília Gabriela ou um tapa no microfone do Jô.

Torno a lembrar Van Gogh, em vida o mais joão-ninguém dos gênios, o durango e biruta que pintava telas que hoje valem dezenas de milhões de dólares. Theo, o mano e protetor, após a dramática amputação, para salvar Vincent certamente recorreria aos programas de entrevistas, a última chance de sucesso artístico e equilíbrio mental.

Antes de exibir seus girassóis, talvez perguntassem ao pintor:

– Não querendo interromper e já interrompendo, o que você fez com a sua orelha?

Ou aprovassem:

– Sem orelha você fica uma gracinha, Van.

Ou se arrepiassem a ponto de não fazer a entrevista:

– Nossas estrelas comerciais entram agora e depois a gente volta.

Fonte:
Marcos Rey. Crônicas para jovens. Global, 2015. Edição digital.

Mariza Lira (A festa do Natal no folclore do Brasil) – parte 1


O ciclo das festas de Natal vai de 24 de dezembro até o dia 6 de janeiro, dia de Reis, mas os preparativos começam muito antes. Essa festa tradicional que desde o alvorecer da Idade Média se vem filtrando através das gerações, chegou ao Brasil trazida pelas primeiras levas de colonizadores lusos.

A festa de Natal propriamente dita abrange a missa que é rezada à meia-noite e segundo se diz, o povo a chamou de "missa do galo", porque a essa hora é que os galos começam a cantar. Há ainda os presépios e os autos pastoris.

A noite de Natal também é conhecida, no Brasil, como "noite santa". E o maior atrativo da "noite santa", para os católicos é a missa do galo, que se realiza em quase todas as paróquias do país. Não é que o santo ofício não seja assistido pelos fiéis com toda a religiosidade, mas, a saída e o regresso da missa é que constituíam o encanto dos namorados e o divertimento dos gaiatos.

Antigamente nos coretos que se armavam nos adros das igrejas, a filarmônica local, a "charanga", como se diz por aí, alegrava o povo tocando músicas ruidosas. Os namorados dos velhos tempos aproveitavam a confusão para um piscado de olho significativo, um sorriso cheio de promessas e alguns, mais ousados, ao aperto de mão, ao beliscãozinho, que antigamente se usava, ou mesmo a uma ligeira jura de amor. Os gaiatos na confusão da saída amarravam as pontas dos xales das rotundas "carolas", isto é, das velhotas igrejeiras, prendiam com alfinetes, duas a duas, as saias das negras ou punham rabos nos fraques e sobrecasacas dos senhores austeros. As vitimas quando se apercebiam do ridículo, quase sempre mostravam o seu desagrado energicamente e os mais irritados ameaçavam "céus e terra". Os pândegos de longe gozavam as reações das vítimas. Os valentões e capoeiras, "por dá cá aquela palha", trocavam tabefes e rasteiras, mas tudo não passava de "um susto e uma carreira", como se dizia então.

Depois da missa era quase que uma obrigação a visita aos presépios, fossem eles armados nas igrejas ou em qualquer casa particular. A ideia de reproduzir a cena de Belém, partiu de São Francisco de Assis, que em 1223 armou o primeiro presépio com pessoas e animais verdadeiros desenvolvendo cenas reais. E agradou de tal modo a ideia, a todo o mundo católico, que, desde então, o hábito de se armarem presépios pelo Natal, espalhou-se por toda a Europa cristã.

Em Portugal, segundo frei Luiz dos Santos, o primeiro presépio foi armado no convento das Terras do Salvador, em Lisboa, também com personagens e animais verdadeiros.

No Brasil desde o século XVI, se armam presépios na Bahia, Rio e em Pernambuco, onde o primeiro foi devido à iniciativa do franscicano Frei Gaspar de Santo Antônio.

Há uma antiga descrição em verso , feita pelo poeta baiano Joaquim Serra da qual se conclui que os presépios do passado pouco diferem dos presépios do presente:

Céu de estrelinhas douradas,
Estrelas de papelão:
Brancas nuvens fabricadas
De plumagem de algodão!
Anjos soltos pelos ares,
Peixes saindo dos mares,
Feras chegando d'além.
Marcha tudo, e vem na frente
Os Reis Magos do Oriente
Em demanda de Belém!

E está a Lapa; o Menino
Nas palhas deitado
Com um sorriso de alegria,
Todo doçura e amor!
Contempla o quadro divino
São José ajoelhado,
E a santíssima Maria
De Jericó meiga flor


Ao presépio o povo ligou uma superstição. Está generalizada em todo o Brasil a crença de que quem arma presépio um Natal tem que fazer durante sete anos para alcançar as bênçãos de Deus e se não o fizer tudo andará para trás.

Ingênuas crendices do povo.

No Rio antigo ficou registrado, nas velhas crônicas, o presépio do cônego Felipe, na ladeira da Madre de Deus; era tão completo e tão suntuoso que era honrado com a visita de dom João VI.

Não menos famoso foram os do convento da Ajuda e da ladeira de Santo Antônio.

Outro presépio, citado pelos cronistas antigos foi o do Barros, carpinteiro estabelecido com uma oficina, à rua dos Ciganos, hoje Constituição.

Sempre houve espalhados aqui e ali, nos vários pontos da cidade, presépios que o povo visitava com religiosidade e encantamento.

Muito popular foi um armado numa casa modesta da rua Ana Néri, próximo à matriz de Nossa Senhora da Luz. Era uma cenografia ingenuamente pitoresca, mas com movimentação elétrica, ao som dos discos passados em vitrola. O povo afluía a ele de todos os pontos da cidade.

Os autos pastoris foram introduzidos em Portugal, em 1502, no reinado de dom Manuel. A rainha dona Beatriz encomendara ao poeta Gil Vicente, um auto pastoril para festejar o nascimento do príncipe dom João. A câmara da rainha foi transformada num presépio e o príncipe profanamente comparado ao Menino Jesus.

Anos após chegavam ao Brasil os autos pastoris. Informa Serafim Leite que um dos primeiros autos representados no Brasil foi a Écloga Pastoril, exibida em Pernambuco, em 1574. Essa festividade teve o máximo esplendor no norte a leste do Brasil e ainda constitui aí a nota tradicional mais pitoresca.

Adquirindo feição própria e variável nos vários estados do Brasil, esses autos natalinos tomaram denominações diversas; autos ou bailes pastoris; pastoras ou pastoris; cheganças e reisados; marujadas; fandangos da barca.

Revivendo uma reminiscência pagã, no norte, centro e leste do país, o mais típico desses autos é o bumba-meu-boi, havendo variantes como o boi-bumbá e outros. Na região do São Francisco há o "rancho da burrinha", como devem haver outros festejos desse tipo, com outras denominações, espalhadas por esse Brasil afora.

É interessante observar que enquanto o auto das pastoras e pastorinhas conserva o aspecto geral da primitiva pureza e ingenuidade, os pastoris, o bumba meu boi e suas variantes tornaram-se um tanto profanos e até com acentuado sabor livre, de acordo com o feitio do organizador e o meio donde surgiu.

Nos autos das pastoras o argumento gira em torno do nascimento de Jesus, enquanto que nos pastoris, no bumba-meu-boi e seus congêneres, prende-se ao tema da morte e ressurreição. Nas cheganças e marujadas o motivo principal é a luta entre mouros e cristãos.

Todos eles são constituídos de monólogos, diálogos declamados, canções, duetos, coreografia numa dramatização conhecida, tradicional mesmo ou organizados por apreciadores do divertimento.
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Continua…
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Mariza Lira (Maria Luísa Lira de Araújo Lima), folclorista e musicóloga, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 17/7/1899, e faleceu na mesma cidade, em 4/9/1971. Diplomada pela Escola Normal, do então Distrito Federal, foi diretora de escola técnica secundária do Rio de Janeiro e membro da Comissão Nacional de Folclore.

Uma das pioneiras dos estudos da música popular urbana, vinculou seus conhecimentos musicais a uma abordagem sociológica, como ilustram seus artigos para a Revista de música popular (1955-1956), do Rio de Janeiro.

Além de numerosa produção jornalística no campo folclórico, publicou Brasil sonoro, Rio de Janeiro, 1938; Chiquinha Gonzaga, Rio de Janeiro, 1938; Cânticos militares, Rio de Janeiro, 1943; Migalhas folclóricas, Rio de Janeiro, 1951; Achegas para a história do folclore no Brasil, Rio de Janeiro, 1953; História do Hino Nacional Brasileiro, Rio de Janeiro, 1954; Calendário folclórico do Distrito Federal, Rio de Janeiro, 1956.


Fontes:
Mariza Lira. "A festa do Natal no folclore do Brasil". Diário de Minas. Belo Horizonte, 25 de dezembro de 1951. In Jangada Brasil, dezembro 2010 - Ano XIII - nº 143 – Edição Especial de Natal

Enciclopédia da Música Brasileira. SP: Art Editora e Publifolha. 1998.

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 17


 

George Abrão (Carrinho de rolimã)


Hoje, quando se fala em carrinho de rolimã para os mais jovens, eles logo pensam nos carrinhos sofisticados, com freio, aerodinâmica e proteção que são vendidos hoje em dia para corridas em pistas próprias, projetados por engenheiros e produzidos em série.  

Se tivéssemos guardado um dos carrinhos que fazíamos e com os quais nos divertíamos quando crianças, com certeza iriam rir e dizer que jamais correriam em tal geringonça. Quando conseguíamos os rolimãs, pegávamos uma tábua qualquer, cortávamos e, com alguns parafusos os montávamos, sem alça de segurança (apoiávamos as mãos na tábua mesmo), sem freio (para parar usávamos os pés calçados com alpargatas ou conga), sem capacete, joelheiras, proteção para os cotovelos e outros equipamentos que tais.

Então, como em toda a tarde nós, moleques da Cidade Alta, em Jaguariaíva, nos reuníamos na Rua do Comércio, munidos dos nossos carrinhos para a grande aventura do dia. Sem nos preocuparmos com o pó da rua (não havia pavimento), nem com as pedras soltas, procurávamos algum declive e, do alto do mesmo, descíamos a toda velocidade possível.

Quantas quedas, quantos resvalos! Cotovelos e joelhos ralados, pontas dos dedos feridas, roupa rasgada, galos nas testas, e tudo era festa, tudo era motivo para riso e galhofa. Depois, quando chegávamos a nossa casa a festa era outra: palmadas nas bundas pelas roupas perdidas, pelo “conga” furado de tanta frenagem, pela desobediência e pelos perigos que havíamos corrido. Mas não ligávamos, pois no outro dia a história se repetia.

Na esquina da Rua do Comércio (hoje Prefeito Aldo Sampaio Ribas) com a rua do “sêo” Sílvio (como a chamávamos) atual Rua Hypolito Xavier da Silva, localizava-se a residência do Sr. Napoleão Ultramari. Colocávamos os nossos “veículos” na calçada da Rua do “Sêo” Silvio (que era um declive) e de lá vínhamos até dobrar a esquina e seguir pela calçada da Rua do Comércio. Só que na curva alguns caiam, e os que continuavam enfrentavam as vassouradas da dona Lídia, esposa do Sr Napoleão, que se incomodava muito com a algazarra que fazíamos, mas até as vassouradas nos divertiam, pois elas eram dadas mais para nos espantar do que para outras coisas.

Ah, minha infância querida! Há quanto tempo, mas inesquecível. Adorada infância na minha Jaguariaíva!

Fonte:
George Roberto Washington Abrão. Momentos – (Crônicas e Poemas de um gordo). Maringá/PR, 2017.
Ebook enviado pelo autor.

Paulo Leminiski (Versos Diversos) 20


asas e azares


Voar com asa ferida?
Abram alas quando eu falo.
Que mais foi que fiz na vida?
Fiz, pequeno, quando o tempo
estava todo do meu lado
e o que se chama passado,
passatempo, pesadelo,
só me existia nos livros.
Fiz, depois, dono de mim,
quando tive que escolher
entre um abismo, o começo,
e essa história sem fim.
Asa ferida, asa
ferida,
meu espaço, meu herói.
A asa arde.
Voar, isso não dói.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

desaparecença

Nada com nada se assemelha.
Qual seria a diferença
entre o fogo do meu sangue
e esta rosa vermelha?
Cada coisa com seu peso,
cada quilômetro, seu quilo.
De que é que adianta dizê-lo,
isto, sim, é como aquilo?
Tudo o mais que acontece,
nunca antes sucedeu.
E mesmo que sucedesse,
acontece que esqueceu.
Coisas não são parecidas,
nenhum paralelo possível.
Estamos todos sozinhos.
Eu estou, tu estás, eu estive.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

diversonagens suspersas

Meu verso, temo, vem do berço.
Não versejo porque eu quero,
versejo quando converso
e converso por conversar.
Pra que sirvo senão pra isto,
pra ser vinte e pra ser visto,
pra ser versa e pra ser vice,
pra ser a supersuperfície
onde o verbo vem ser mais?
Não sirvo pra observar.
Verso, persevero e conservo
um susto de quem se perde
no exato lugar onde está.
Onde estará meu verso?
Em algum lugar de um lugar,
onde o avesso do inverso
começa a ver e ficar.
Por mais prosas que eu perverta,
não permita Deus que eu perca
meu jeito de versejar.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Impasse

Parece coisa da pedra,
alguma pedra preciosa,
vidro capaz de treva,
névoa capaz de prosa.
Pela pele, é lírio,
aquela pura delícia.
Mas, por ela, a vida,
a mancha horrível, desliza.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

Nem tudo envelhece.
O brilho púrpura,
sob a água pura,
ah, se eu pudesse.

Nem tudo,
sentir fica.
Fica como fica a magnólia,
magnífica.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

o atraso pontual

Ontens e hojes, amores e ódio,
adianta consultar o relógio?
Nada poderia ter sido feito,
a não ser no tempo em que foi lógico.
Ninguém nunca chegou atrasado.
Bênçãos e desgraças
vêm sempre no horário.
Tudo o mais é plágio.
Acaso é este encontro
entre o tempo e o espaço
mais do que um sonho que eu conto
ou mais um poema que eu faço?
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?
* * * * * * * * * * * * * * * * * *

segundo consta

O mundo acabando,
podem ficar tranquilos.
Acaba voltando
tudo aquilo.

Reconstruam tudo
segundo a planta dos meus versos.
Vento, eu disse como.
Nuvem, eu disse quando.
Sol, casa, rua,
reinos, ruínas, anos,
disse como éramos.

Amor, eu disse como.
E como era mesmo?

peguei as cinco estrelas
do céu uma a uma
elas estrelas não vieram
mas na minha mão
todas elas
ainda me perfumam.

Fonte:
Paulo Leminiski. Distraídos venceremos.  Publicado em 1987.

Aristides Dias (O Imaginário popular)


Acho que na maioria das cidades pequenas do Brasil existe um personagem folclórico e muitas “estórias” criadas pelo imaginário popular. Quem nunca ouviu relatos do boto que se transformou num moço bonito e emprenhou a cunhantã na beira do rio? Quem nunca ouviu falar da Cobra Grande? Essas lendas fazem parte da cultura popular, principalmente na Amazônia.

Em Óbidos, por exemplo, se a Cobra Grande se mexer, racha a parede da igreja, tinha a mulher que virava porca e o homem que virava cavalo. Como surgiu tudo isso até hoje eu não sei, mas sei como surgiu alguns boatos desse tipo que deixou a gente da pequena Cidade Sentinela em polvorosa.

O escritor obidense e comerciante na época, Cornélio Santos, diz em seu livro “Lembranças de um obidense” na página 67, 68 que quando decidiu atravessar para a Vila Flexal, em uma viagem de pesquisa, resolveu ir de caminhão. Para chegar até lá, tinha que atravessar o lago Mamauru. Como não tinha balsa na época, resolveu fretar um batelão.

O trabalho que deu para colocar o veículo na embarcação demorou bastante e só conseguiu sair para o seu destino às 20h. Na travessia, uma canoa com seis homens remando, puxava o casco com o caminhão em cima e, para nortear os remadores, de vez em quando ele acendia o farol do carro na sua potência máxima.

A travessia durou a noite toda, com o ligar e desligar do farol, chegando ele para a Vila Flexal por volta das 4 horas da manhã. Alguns dias depois ao chegar em Óbidos, sua mãe e irmã estavam muito nervosas e suplicaram para que ele não viajasse mais pelo lago Mamauru, pois lá tinham visto uma Cobra Grande e a cidade só falava nisso.

Depois de ouvir vários relatos, ele resolveu falar com os pescadores que diziam ter vistos a tal Cobra Grande e disse que foi ele que atravessou o lago com o carro e contou toda a história... mas de nada adiantou seu esforço, os pescadores não acreditaram em seu relato e a Cobra Grande continuou amedrontando por muito tempo o povo da região.

Outro relato que tive, foi de um amigo que servia no Quartel de Óbidos, onde funcionava o 4º Grupo Artilharia de Costa. Certo dia, em seu momento de folga, foi atrás de um “rabo de saia” lá pras bandas do porto, onde tinha navio desembarcando e o movimento era pra lá de bom pra esse tipo investimento. Depois de algumas cervejas, o amigo conseguiu o que queria.

Pagou a conta, pegou a parceira e saiu no rumo do Laguinho, na época não existia essas habitações de hoje, tinha muito mato, a cidade ainda era bem pequena e a energia era desligada às 22h, se não me engano.

Muito bem, como brasileiro dá um jeito pra tudo, ele se deitou em cima de uns murerus e foi curtir a noite enluarada com o céu cheio de estrelas. Quando estava no bem-bom, chegou um bêbado querendo tirar “água do joelho”, justamente na sua direção. Quando ele viu a coisa, deu um grito, berrou, e o bêbado saiu em disparada. Antes que os curiosos aparecessem, ele pegou a dama e sumiu de lá.

No dia seguinte, a cidade só falava de um assunto: que o estivador fulano de tal tinha visto uma visagem pras bandas do Laguinho na noite anterior. Ao ficar sabendo dos comentários, num suspiro aliviado, meu amigo disse: “escapei por pouco de ser o assunto do dia”. E o fato entrou como mais uma “estória” da imaginação popular.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Marvila


As hortas e as pequenas quintas desapareceram em poucas décadas, com o advento da industrialização. As fábricas e as vilas operárias moldaram a paisagem de Marvila e o caráter da sua gente. Hoje, Marvila é um bairro a descobrir com urgência.

O sítio de Marvila, tão velho quanto a fundação da nacionalidade, é dos bairros mais típicos da zona oriental da cidade de Lisboa. Até ao século XlX, sucediam-se agradáveis quintas nesta vasta zona de Lisboa e era grande a fertilidade das terras banhadas pelo Tejo. Por isso, Marvila era, até há pouco tempo, uma freguesia essencialmente rural, onde proliferavam as quintas e as hortas. Ainda hoje, os exemplos são fáceis de detectar: a Quinta dos Ourives, a da Rosa, a das Flores, a das Amendoeiras, a do Leal, a do Marquês de Abrantes ... Estas propriedades eram exploradas, na sua maioria, por gentes originárias do norte do País, e abasteciam os mercados ambulantes espalhados pelo bairro e pela vizinhança. E, mais tarde, por toda a Capital.

Ao antigo mercado da Praça da Ribeira, a mercadoria chegava transportada por carroças. Essa população originária do norte trouxe muitos dos seus hábitos e costumes, nomeadamente, a Feira da Espiga, que poderá ter origem num costume dos hortelões nortenhos. Mas, de zona rural, Marvila transformou-se, com o passar dos anos, em zona urbana de fisionomia bairrista e fabril. Todavia, ainda hoje se veem vestígios de uma grande atividade hortícola.

O Palácio do Marquês de Abrantes, na Rua de Marvila, ou o Palácio da Mitra, na Rua do Açúcar, são verdadeiros exemplares dos vários solares que ali foram edificados. Também os monumentos de caráter religioso abundavam, como o antigo Mosteiro de Marvila. No século XX, continuou a instalação de unidades fabris desde a Rua do Açúcar até Braço de Prata. São deste período as tanoarias da Rua Capitão Leitão e os armazéns de vinhos de Abel Pereira da Fonseca (que, pouco antes de morrer disse aos seus descendentes: “enquanto o Tejo tiver água, nunca deve faltar vinho a Lisboa”).

Hoje, estes armazéns estão transformados em centros culturais. A atual Marvila, freguesia criada em 1959, é bem significativa da zona periférica de uma grande cidade europeia em franco crescimento. Beneficiou, consideravelmente, com a realização do grande evento que foi a Expo 98.

A Sociedade Musical nasceu a 3 de Agosto de 1885, em pleno Poço do Bispo, tendo sido transferida pouco tempo depois para o Pátio Marquês de Abrantes, vulgarmente conhecido como Pátio do Colégio. Esta coletividade centenária tem vindo a assistir, do interior do seu palácio medieval, à vertiginosa transfiguração do seu bairro, em parte devido à realização da Expo 98.

Contudo, no pátio onde está instalada a sua sede, o cariz e as tradições ainda continuam populares. A Sociedade Musical que organiza a Marcha de Marvila, representa orgulhosamente na Avenida da Liberdade toda a área das freguesias de Marvila e do Beato.
 
MARCHA DE MARVILA
(Milenar Marvila)

Letra de Mário Silva
Música de Álvaro Martins


1ª Estrofe
Imaginação, futuro!...
Milênios, passados são!...
Outro tempo e outro mundo:
Marvila, quer tradição!
Foguetão vem do futuro
Pelo tempo viajando.
E, atravessando o “muro”,
Procura a animação.

1º Refrão
Santo António milagreiro
Como amigo e companheiro
Deslumbra’mente surgiu
Com resplendente clarão!
E o santo do passado,
Como um novo coração
Pro futuro é transportado
Já a dar inspiração!
(BIS)

2ª Estrofe
Este foguetão parou
Aterrando no passado!...
Veio ouvir os sons da alma
De novo, ser programado!
E surge um milagre novo!...
E tudo se transformou!...
Os “robots” já são o povo
Que a marcha antiga adotou!

2º Refrão
De joelhos, o futuro
Pede ao Santinho perdão!
Por ter esquecido que a alma
É raiz da tradição.
Marvila aqui presente
Nesta festa popular:
Vê o terceiro milénio
A apar’cer e a raiar !
(BIS)

 
Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

domingo, 11 de dezembro de 2022

Therezinha D. Brisolla (Trov’ Humor) 08

 

Arthur de Azevedo (O Galo)


A cena passa-se na roça, a uma légua da estação menos importante da Estrada de Ferro Leopoldina, lugarejo sem denominação geográfica, mas que pertence ao município do Rio Bonito, e aqui o digo, para que os leitores não suponham que estou inventando uma historieta.

 Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois roceiros, marido e mulher, que todos os domingos iam à povoação mais próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir missa. Assim atamancavam eles a vida, pedindo a Deus que não lhes desse muita fazenda mas lhes conservasse a saúde.

Ora, um belo dia a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a resistência de um touro, foi para a cama atacado por umas cólicas terríveis, que o faziam ver estrelas.

A mulher, coitada! Estava sem saber o que fizesse, pois que já havia em vão experimentado todas as mesinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que lhe enviava o doutor e pediu a este que examinasse o doente e o pusesse bom o mais baratinho que lhe fosse possível.

O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo, auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois, abriu o saco de viagem que levava à garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas num copo d'água, e disse doutoralmente:

    - Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.

    - Ah! Seu doutor, nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!

    - Regulem-se pelo sol. O sol é um excelente relógio quando não chove e o tempo está seguro.

    - Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol...

    - Nesse caso não sei como... Ah!...

    Este ah!, com que o doutor interrompeu o que ia dizendo, foi produzido pela presença de um galo que passava no terreiro, majestosamente.

    - Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as vezes que ele cantar, dê-lhe uma colher do remédio. E adeus! Não será nada: Depois de amanhã voltarei para ver o doente.

    Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.

    Quem o recebeu foi o marido:

    - Que é isto?... já de pé...

    - Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não sei como agradecer...

    Mas a mulher interveio com ar magoado:

    - Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.

    - Morreu? Por quê?.

    - Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.

    - Quem?... o galo?...

    - Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!

José Paulo Corrêa de Souza (Jardim de Trovas)


A criação, sabiamente,
fez num mundo desigual,
que olhos de cor diferente
enxerguem de forma igual.
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A criança usa um pincel
e com traços de emoção,
numa folha de papel
pinta os sonhos que virão.
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Ainda que ao despertar
os seus sonhos desapontem
insista sempre em sonhar
e deixe as mágoas pra ontem.
= = = = = = = = =

A inteligência é uma arma,
um fuzil que salva ou mata.
Quando o alvo não se alarma
é caça na mira exata.
= = = = = = = = =

A quem pinta, eu aconselho
o que o pincel me revela;
quem insiste no vermelho
morre de febre amarela.
= = = = = = = = =

A "sofrência", sem desculpa,
nunca larga do meu pé.
Mas, por certo, é toda a culpa
do "radinho" do Seu Zé!
= = = = = = = = =

Ciúme é um erro que encerra
males de efeito voraz.
No amor, jamais faça a guerra,
sem ter bandeiras de paz.
= = = = = = = = =

É muito triste saber
que a mentira repetida
acaba por esconder
a verdade acontecida.
= = = = = = = = =

E no silêncio da gente,
que a mente planta e renova,
ideias como semente
para colher uma trova.
= = = = = = = = =

Levei tanta chinelada
por rebeldia e, hoje, é belo
sentir saudade encantada
do que ensinava o chinelo.
= = = = = = = = =

Liberdade aprisionada,
consciência adormecida!
Acorda! Não deixe nada
ser corda que enforque a vida!
= = = = = = = = =

Meu coração repartido
por entre o ódio e o amor
leva a vida sem sentido
algemado à própria dor.
= = = = = = = = =

Minha sogra faz intriga
e inda diz que só fofoca,
mesmo assim acaba em briga
e a filha dela me soca.
= = = = = = = = =

Nem sob pressão, me calo
vendo o que justo suspenso.
Se me prendem por que falo,
libertam tudo o que penso.
= = = = = = = = =

Nem vacinas dão respostas,
nem há ninguém resistente,
a sentir vento nas costas
e enfrentar sogra de frente.
= = = = = = = = =

Num pomar abandonado,
no solar da solidão,
sempre busco, amargurado,
doce fruto temporão.
= = = = = = = = =

Nunca feche os olhos! Veja!
Enfrente até o que lhe dói,
pois, a omissão sempre enseja
a mentira que destrói.
= = = = = = = = =

O egocêntrico em perigo
finge que é mudo e que é cego,
e sempre protege o umbigo
na escuridão do seu ego.
= = = = = = = = =

Os culpados sempre negam
e a verdade esconder tentam.
Mas, na mentira carregam
um peso que não aguentam.
= = = = = = = = =

Passa o tempo, tudo muda
e deixa nua a saudade.
O tempo só não desnuda
a verdadeira amizade.
= = = = = = = = =

Pintor velho sempre pinta
pintura documentada,
por um carimbo sem tinta
que tenta dar carimbada.
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Quando a gente sonha, sente,
e a razão sempre socorre
a quem crê, sinceramente,
que a esperança nunca morre.
= = = = = = = = =

Quando o idoso se escancara
co’ uma jovem muito boa,
pergunta-se: – Eu sou o cara?
— Se não for cara, é coroa!
= = = = = = = = =

Seria o fim do perfume,
do doce enleio, do amor,
se o beija-flor, por ciúme,
no jardim matasse a flor.
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Tem rico que fala tudo
pra salvar a pátria amada,
de repente, fica mudo
pra não perder a bocada.
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Todo castelo de areia,
que no sonho alguém constrói,
ou some na maré cheia,
ou vem o vento e destrói.

Fonte:
Messias da Rocha (org.). Múltiplas palavras vol. III. Juiz de Fora/MG: Ed. dos Autores, 2022.
Livro enviado por Lucília Trindade Decarli

II Concurso de Trovas de Nossa Sra. Aparecida/SE (Prazo: 31 de dezembro)


Prêmio Maria Lourdes Barreto

NACIONAL/INTERNACIONAL


01 trova inédita por concorrente

a) Veteranos: Roça (L/F)

b) Novo Trovador: Sertão (L/F)

c) Humor (todos os trovadores independentes da categoria):
Tema: Chapéu

– É obrigatório constar a palavra tema na trova;

– Entende-se por Novo Trovador: aquele que não obteve até a divulgação deste regulamento  03 classificações entre os 5 primeiros colocados em 3 concursos oficiais da  em âmbito Nacional.

Prazo: 31/12/2022

Enviar para :

ubtaparecida2021@gmail.com

fiel depositário Ademarcos Dantas Santana.
 
– Acima da trova o autor deve colocar a categoria na qual está concorrendo.
– No mesmo corpo do e-mail com as trovas, deverá constar o endereço completo do Trovador (sem anexo).

– A premiação, composta de certificados, será enviada diretamente aos premiados via e-mail.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro da Madragoa


À beira do Tejo, Madragoa sempre foi um local de cruzamento de raças e culturas diferentes, sem distinção, albergava os negros que amanhavam os campos e dava abrigo aos pescadores que fainavam no rio, e, na memória dos mais velhos, ainda ecoa o pregão das varinas.

A lenda conta que o bairro nasceu dos milhares de grãos de areia que as gaivotas transportaram para ali. A origem do nome perde-se no tempo. Há quem afirme que a palavra corresponde ao apelido de uma fidalga madeirense “Mandragam” ou que vem de “Madre de Goa”. Antes do terremoto, no século XVll, o bairro tinha o nome de “Moçambo” e não era mais do que uma pequena póvoa habitada essencialmente por pessoas de origem africana.

No passado, parte da Madragoa foi um aglomerado de conventos e palácios, onde viveram as Trinas, as Bernardas ou as Inglezinhas. Mas foram os trabalhadores que deram vida ao bairro. Entre os séculos XVlll e XlX, a população sofreu grandes alterações. Nessa altura, veio para Lisboa muita gente da região da ria de Aveiro, em especial de Ovar, daí o nome ovarinas. Comercializavam legumes frescos e peixe. Posteriormente, grande parte destas pessoas optou por ficar na Madragoa. Na maioria, eram casais de pescadores e varinas. Era habitual ouvi-las apregoarem o peixe de canastra à cabeça.

De entre muitas das obras arquitetônicas da Madragoa, destaca-se o Palácio dos Duques de Aveiro, a Casa dos Marqueses de Abrantes e a mais antiga e modesta das capelas lisboetas, a Capela dos Mártires. Também lá se encontra a Embaixada de França, onde Gil Vicente (depois do Castelo de São Jorge), deu início ao teatro português.

No coração do bairro, está a sede do Esperança Atlético Clube, fundado a 16 de Agosto de 1936. O clube organiza muitas iniciativas no campo cultural, como é o caso da Festa de São Martinho, do Dia da Criança ou da Festa de Natal. E desde 1982, o Esperança Atlético Clube é responsável pela organização das marchas populares da Madragoa. Em 1988, alcançou o Primeiro Prêmio de Canto e o segundo lugar na classificação global. No ano a seguir, o clube atingiu o quarto lugar da global e o Primeiro Prêmio de Coreografia.

MARCHA DA MADRAGOA
(Marcha Nova da Madragoa)

Letra de Frederico de Brito
Música de Raúl Ferrão


Hoje é que a marcha vai
Que a Madragoa é linda
Vai de chinela vai
Pois é varina ainda.
Leva um arco e um balão,
Perna ao léu, e toca a andar,
É que a Madragoa
Corre Lisboa
Sempre a cantar.

Uma varina tem
Um riso bom que alastra;
Se uma tristeza vem,
Cabe-lhe na canastra.
Arraiais de São João,
Quem os tem para nos dar?
Só este bairro infindo
Que é o mais lindo
Da beira mar.

Andam balões no ar,
Quem é que não alcança
A espr’ança de os achar,
Aqui na velha Espr’ança.
Dê a volta pelas Madres,
P’lo Castelo do Picão,
Venha bailar com ela,
À luz da vela
Do meu balão.

E se quiser cantar
O vira das varinas,
Já não precisa andar
Cantando pelas esquinas;
Vai pedir ao Guarda-Mor
Que lhe guarde uma qualquer,
Que lhe guarde uma qualquer,
Que tenha nos olhitos,
Os mais bonitos
Balões que houver.

(refrão)

Cabe toda a Lisboa
Na Madragoa
Que é pequenina;
E a Madragoa calma
Cabe na alma duma varina.

Sem que ninguém a gabe,
Tem não sei quê no jeito.
Só o meu bairro sabe,
Como ela cabe
Dentro do peito.

Colo da ave marinha
Olhos de tentação,
Sempre tão maneirinha
Cabe inteirinha
Num coração.


Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

Aparecido Raimundo de Souza (Velhice)


LONGE, BEM LONGE, tinha se perdido tudo. Tudo mesmo. Veio, então, um vento forte e irritadiço, ofensivo e severo devastando as plantações. E não só elas. Tudo o que encontrava pela frente. A certo momento, fez as águas calmas e tranquilas do arroio se encresparem e até tremerem de frio. Era imensa a fúria do deus natureza, oculto atrás de uma daquelas muitas rochas esquecidas na vastidão verde da paisagem intocável. Os pássaros, em bandos, bem como outros animais, se retiravam. Fugiam, apavorados, desembestados, porque sabiam que em breve... em breve, uma tempestade medonha e incontrolável viria lavar toda a Terra e, de roldão, afugentaria o mavioso aprazente daquele paraíso multicolorido.

A tristeza contagiante da noite também se aproximava numa lerdeza enervante e debilitada. O pouco, bem pouco, que restava do sol, lá no alto, bem afastado, apenas se dava para distinguir uma pequena bola anêmica. Um tantinho assim, ofuscado que muito ligeiramente suportava aquecer a ternura de sua própria imensidão. Simples espectador, sentado embaixo de uma mangueira centenária, tendo em derredor uma vasta coxilha  de outeiros ásperos, eu via naquilo tudo, vislumbrava, na verdade, muito além, quase acolá, uma paisagem perfeita, como se desenhado por uma pintora de traços leves, tendo nas mãos um pincel inteiramente mágico. Ideal mesmo. Mas Ideal exatamente para quê?  

A resposta se fazia simples, tosca, bucólica, quase ingênua, bem sabia. De pronto, pesquei no ar a oportunidade exata e na medida certa, para abrir o coração descalço e chorar junto com a natureza ao meu redor, os sofrimentos de uma alma contaminada pelos dedos negros e longos da solidão. A minha alma, para ser mais preciso. De repente, num ímpeto meio que tomado por uma postura ensaiada, me pus de pé. Juntando as forças, corri ao sabor do barulho vindo de um manancial de águas cristalinas que se agigantava passos à frente, desembocando, por sua vez, num riacho enorme. Olhei sobressaltado para seu leito claro. Nesse momento, fitei meu rosto naquele espelho caminhante. Foi nessa hora, exatamente nesse minuto, que um espanto alongado veio interromper a misteriosa quietude do meu silêncio interior.

Por tudo quanto se fazia esquisito e pudesse parecer estranho e não condizente com a verdade! Não, não poderia ser meu, aquela fisionomia tremulante, refletida no fundo branco e intemerato do remanso. Não poderia ser “meu”, não poderia ser “eu!”. Impossível! Numa atitude nervosa, perturbada, drástica, alisei meu semblante. Senti, então, a aspereza das rugas nele formadas. Os olhos, tomados pela surpresa esbugalhada, exclamaram alguma coisa indistinta, babélica, que de pronto, não consegui ouvir nitidamente. Mas era eu. Quanto a isso, não havia a menor dúvida. Não tinha, de nenhuma forma, como fugir ou debandar, me ocultando daquela realidade gritante que entrementes apareceu e me sufocou o peito.

De fato, sem tirar nem por, “eu”. Em carne e osso. Mais osso que carne. Ali estavam meus farrapos e andrajos, molambos e vestimentas, cicatrizes velhas e rotas de frente para meu espanto assombroso, numa contemplação crescente, avultada, centuplicada e doente. Eu, comigo mesmo, sozinho no meio do nada, de boca aberta feito um débil mental, espiando, atônito e apalermado para uma moldura de feições agourentas e inauditas sufocando, num só tom, objetivando arrancar, num safanão tipo o nó górdio, o que estivesse preso e atravancando os fundilhos da garganta. Tinha que admitir os fatos. Não fugir deles. Me ausentando, tangenteando (*), em retrocesso, bem sabia, estaria me escondendo de mim e seria mais uma estupidez sem precedentes naquelas circunstâncias tentar tapar o sol com a peneira.

Ali estava, portanto, “meu todo” vencido, acanhado e achatado, abatido e indigesto. Um calhau (*) feio e desprotegido. Afinal, coadjuvado pelo peso dos anos de sofrimentos, o tempo inexorável me fez curvar, cansado e flagelado, diante das evidencias inevitáveis. Havia, pois, me transformado num velho aleijão. Não, mais que isso. Em resumo, um ancião, um senhorzinho em adiantado estado de decadência, os medos aflorando, a fuça perdida em algum lugar do passado. Completando a presença do lúgubre, os cabelos poucos e ralos, uma timidez medonha castigando a pele, os refolhos (*) tomando formas, delineando figuras diabólicas numa tez carcomida pelo fracasso. Com certeza, mesmo uma operação de lapidagem nessa altura do campeonato, não me faria alcançar as glórias dos cimos.

Daquele rapaz de tempos idos, apenas incisões restaram. Da mocidade distante, do diamante bem talhado, somente as marcas perpetuadas como lembranças vivas de uma criatura sem passado. Mesmo trilhar, sem história, cheio de altos e baixos, um vovozinho obstruído por visões dantescas e resquícios de horas imorredouras que não voltariam mais. A força motriz da juventude "outroral", não passava de quimeras. Do amor, pedaços, do coração no peito, bem, do coração, no peito, só um músculo atenuado, ofegante... à porta de desmoronar deslustrado e sem expressão, num cárcere como um aborto aprisionado e desfalcado da criação.

Diante desse quadro neurastemicamente esquizofrênico e letal, me vejo como o maledicente que carrega consigo as infortunidades, de se colocar no mesmo patamar dos vermes peçonhentos que se alimentam com os detritos e excrementos do mundo. Em razão dessa fase, e do pano de fundo que se me apresenta, o que me mantém vivo, na verdade, é somente um fato politicamente correto: a certeza absoluta de um dia, ou (quem sabe, daqui a pouco, no passo seguinte), vagar livre, leve e solto por estradas e sendas num viajar etéreo, sem volta e sem fim.

Desembestar, pois, ao sabor do vento, é o que me resta, por essas trilhas. Atabalhoadamente caindo aqui e adiante me levantando por entre bosques e florestas nunca pisados. Molhar os pés em outros tantos rios caudalosos, subir (ou pelo menos tentar) alcançar o cume de árvores cansadas pelo peso dos galhos e, num último suspiro, vagar por planetas de sonhos, como um anjo desgarrado da falange celestial. Nessa curva próxima do final, meu Deus, nessa esquina dos anos percorridos, longinquamente afastado das alegrias efêmeras que correm torcicoladas à minha jornada, num ainda doce florilégio que me inebria, senão mesmo apaixona, embora exaltado e melancólico, enfadado e macambúzio, é só o que me resta fazer. Aliás, grosso modo, é só o que me outorgo a fazer. Afora isso... afora isso, NADA MAIS.
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* Notas:
Calhau – Um pedaço de qualquer coisa inútil ou sem valor.
Refolhos – Rugas e vincos que se formam na pele.
Tangenteando – Sair de algum lugar sem ser notado, meio às escondidas.


Fonte:
Texto e notas enviados pelo autor.