quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Gislaine Canales (Glosas Diversas) LXII

  
 TRILHA SONORA
 
MOTE:
Do cair da noite à aurora,
a chuva, em suave rumor,
fez toda a trilha sonora
das nossas cenas de amor.
Almerinda Liporage 
Rio de Janeiro/RJ

GLOSA:
DO CAIR DA NOITE À AURORA,
uma linda melodia
eternizou nosso agora
pincelado de poesia!
 
Caindo, assim, displicente,
A CHUVA, EM SUAVE RUMOR,
uniu muito mais a gente,
uniu no mesmo calor!
 
Incessante, noite afora,
a chuva, com emoção
FEZ TODA A TRILHA SONORA
da nossa grande paixão!
 
Ao som da chuva caindo
amamos com mais ardor,
lembrando, sempre sorrindo,
DAS NOSSAS CENAS DE AMOR.
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NOSSAS SOMBRAS
 
MOTE:
No fim da tarde, alongadas
e unidas pelo carinho,
nossas sombras de mãos dadas,
enchem de luz o caminho!
Aloísio Alves da Costa  
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE

GLOSA:
NO FIM DA TARDE, ALONGADAS
pelo sol que vai se pôr,
as sombras apaixonadas
são o retrato do amor!
 
As vejo quase sorrindo
E UNIDAS PELO CARINHO,
nossas sombras, que vão indo
devagar...devagarzinho...
 
Parece um conto de fadas
essa cena tão bonita,
NOSSAS SOMBRAS DE MÃOS DADAS,
numa ternura infinita!
 
Esse amor... e essa ternura,
com a maciez do arminho,
nos dando imensa ventura,
ENCHEM DE LUZ O CAMINHO!
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   MADRUGADAS INSONES
 
MOTE:
Ao ver-te em roupas ousadas,
que os pensamentos devassam,
passo, insone, as madrugadas,
e as madrugadas não passam!...
Edmar Japiassu Maia  
Nova Friburgo/RJ

GLOSA:  
AO VER-TE EM ROUPAS OUSADAS,
o meu ser todo se excita
e as tuas formas marcadas
dão uma visão bonita!
 
São grandes as sensações
QUE OS PENSAMENTOS DEVASSAM,
e imensas as emoções
que os sonhos, então, abraçam!
 
As visões enfeitiçadas
me tornam um prisioneiro,
PASSO, INSONE, AS MADRUGADAS,
imaginando teu cheiro!
 
Sigo contigo sonhando,
e os meus sonhos se entrelaçam...
As horas vão se alongando
E AS MADRUGADAS NÃO PASSAM!…
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   GRITOS E SILÊNCIOS
 
MOTE:
 Nestas angústias que oprimem,
que levam à dor e ao pranto,
há gritos que nada exprimem,
silêncios que dizem tanto!
Luiz Otávio  
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

GLOSA:
NESTAS ANGÚSTIAS QUE OPRIMEM,
sempre existem dissonâncias...
difícil fazer que rimem
as realizações e as ânsias!
 
Nessas grandes nostalgias
QUE LEVAM À DOR E AO PRANTO,
anoitecem nossos dias,
tristes, sem um acalanto!
 
Há prantos que não redimem,
soam inúteis e frios...
HÁ GRITOS QUE NADA EXPRIMEM,
são gritos falsos, vazios!
 
Mas ouvimos, certamente,
sem saber porque, no entanto,
numa voz forte e crescente,
SILÊNCIOS QUE DIZEM TANTO!
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   VIVE!
 
MOTE:
Vive o agora em demasia,
que a vida, no seu afã,
não dá qualquer garantia
de estar contigo amanhã!
Sérgio Bernardo  
Rio de Janeiro/RJ

GLOSA:
VIVE O AGORA EM DEMASIA,
faze tudo o que sonhaste,
esbanja a tua alegria,
dá mais luz para o contraste!
 
Procura no teu caminho,
QUE A VIDA, NO SEU AFÃ,
pode até  esconder  carinho
daquela tua alma irmã!
 
Vive sempre com euforia.
Sendo uma incógnita, a vida
NÃO DÁ QUALQUER GARANTIA
que ela possa ser vencida!
 
Tenta sempre ser feliz,
te apega ao teu talismã,
pois a vida nada diz
DE ESTAR CONTIGO AMANHÃ!

Fonte: Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas XI. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Setembro de 2003.

Graciliano Ramos (Uma canoa furada)

Mestre Gaudêncio curandeiro, homem sabido, explicou uma noite aos amigos que a terra se move, é redonda e fica longe do sol umas cem léguas. 

— Já me disseram isso, murmurou  Cesária.

Das Dores arregalou os olhos, seu Libório espichou o beiço e deu um assobio de admiração. O cego preto Firmino achou a distância exagerada e sorriu, incrédulo:

— Conversa, mestre Gaudêncio. Quem mediu? Das telhas para cima ninguém vai. Isso é emboança de livro, papel aguenta muita lorota. Cem léguas? Não embarco em canoa furada não, mestre Gaudêncio.

— Ora, seu Firmino! exclamou Alexandre. Para que diz isso? Embarca. Todos nós embarcamos, é da natureza do homem embarcar em canoa furada. Tudo neste mundo é canoa furada, seu Firmino. E a gente embarca. Nascemos para embarcar. Um dia arreamos, entregamos o couro às varas e, como temos religião, vamos para o céu, que é talvez a última canoa, Deus me perdoe. Embarca, seu Firmino.

Levantou-se, foi acender o cigarro ao candeeiro de folha, voltou à rede.

— Embarca. E por falar em canoa furada, vou contar aos senhores o que me aconteceu numa, há vinte anos. Canoa verdadeira, seu Firmino, de pau, não dessas que vossemecê puxou para contrariar mestre Gaudêncio. Ora muito bem. Numa das minhas viagens rolei uns meses por Macururé, levando boiadas para a Bahia. Já andaram por essas bandas? Tenho aquilo de cor e salteado. Ganhei uns cobres, mandei fazer roupa no alfaiate, comprei um corte de pano fino e um frasco de cheiro para Cesária. Demorei-me na capital uma semana. Aí fiz tenção de vender a fazenda e os cacarecos, mudar-me, dar boa vida à pobre mulher, que trabalhava no pesado, ir com ela aos teatros e rodar nos bondes. Refletindo, afastei do pensamento essas bobagens. Matuto, quando sai do mato, perde o jeito. Quem é do chão não se trepa. Ninguém me conhecia na cidade cheia como um ovo. A propósito, sabem que um ovo custa lá cinco tostões? Calculem. Não me aprumo nessas ruas grandes, onde gente da nossa marca dá topadas no calçamento liso e os homens passam uns pelos outros calados, como se não se enxergassem. Nunca vi tanta falta de educação. Vossemecê mora numa casa dois ou três anos e os vizinhos nem sabem o seu nome.

Nos meus pastos a coisa era diferente. Lá eu tinha prestígio: votava com o governo, hospedava o intendente, não pagava imposto e tirava presos da cadeia, no júri. Vivia de grande. E quando aparecia na feira, o cavalo em pisada baixa, riscando nas portas, os arreios de prata alumiando, o comandante do destacamento levava a mão ao boné e me perguntava pela família. Tenho tocado nisso algumas vezes, e os amigos vão pensar que estou aqui arrotando importância. É engano, detesto pabulagem. Na capital só viam em mim um sujeito que vendia gado. Mas se quiserem saber a minha fama no sertão, deem um salto à ribeira do Navio e falem no major Alexandre. Cinquenta léguas em redor, de vante a ré, todo o bichinho dará notícia das minhas estrepolias. A história da onça, a do bode, o estribo de prata, este olho torto, que ficou muitas horas espetado num espinho, roído pelas formigas, circulam como dinheiro de cobre, tudo exagerado. É o que me aborrece, não gosto de exageros. Quero que digam só o que eu fiz. Esse negócio da canoa entrou num folheto e hoje se canta na viola, mas com tantos acréscimos que, francamente, não me responsabilizo pelo que escreveram. Exatamente o que sucedeu com o marquesão. Lembram-se? Dr. Silva pegou o marquesão de jaqueira e fez dele o que entendeu, encheu a casa de cortiços. Não era o meu marquesão, que só deu quatro pés de jaca. O caso da canoa também foi muito aumentado. É bom prevenir. Se vossemecês ouvirem falar nele em cantoria, fiquem sabendo que as nove-horas são astúcias do poeta. O acontecido foi coisa muito curta, que eu podia embrulhar num instante. E se converso demais, é porque a gente precisa matar tempo, não sapecar tudo logo de uma vez. Se não fosse assim, a história perdia a graça. Por isso espichei diante dos amigos a cidade grande, os teatros, os bondes, os ovos e a roupa nova, o corte de pano fino e o frasco de cheiro que ofereci a Cesária. Ela vestiu o pano fino e botou o frasco de cheiro no lenço, mas isto não adianta. Sem cheiro e sem pano, a história da canoa seria a mesma, um pouco mais encolhida. Bem, como disse aos amigos, demorei na Bahia, com desejo de arranjar-me por lá. Quando vi que a intenção era besteira, decidi voltar para casa, amansar brabo, arrematar caixas de segredo em leilão e animar o cordão azul e o cordão vermelho, no pastoril, que foi para isto que nasci. Sim senhores. Selei o cavalo e atirei-me para o norte. Caminhei, caminhei, cheguei ao S. Francisco. Seu Firmino andou no S. Francisco? Não andou. É o maior rio do mundo. Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento. Quer dizer que, se em vez de correr por cima da terra, ele corresse para os ares, apagava o sol, não é verdade, mestre Gaudêncio? Nunca vi tanta água junta, meus amigos. É um mar: engole o Ipanema em tempo de cheia e pede mais. Está sempre com sede. Não há rio com semelhante largura. Vossemecês pisam na beira dele, olham para a outra banda, avistam um boi e pensam que é um cabrito. Por aí podem imaginar aquele despotismo. Pois eu ia morrendo afogado no S. Francisco, vinte anos atrás. Afogado não digo que morresse, porque enfim dou umas braçadas, mas, se não me afogasse, era certo estrepar-me no dente da piranha, o bicho mais infeliz que Deus fabricou. Já viram piranha? Se não viram, perdem pouco. É uma criatura que não tem serventia e morde como cachorro doido. Onde há sangue aparece um magote delas. Entra um vivente na água e em cinco minutos deixa lá o esqueleto. Percebem? Topei o S. Francisco empanzinado, soprando. Tinha lambido as plantações de arroz, comido as ribanceiras, e a escuma subia, ia cobrindo as catingueiras e as baraúnas.

Viajei dois dias para as cabeceiras, procurando passagem. E, ali pelas alturas de Propriá, vi uma canoa cheia de gente que botava para as Alagoas. 

— “Seu moço, perguntei ao remador, essa gangorra é segura?” E o homem respondeu, de cara enferrujada:

— “Segura ela é. Mas garantir que chegue ao outro lado não garanto. Se tem coragem de se arriscar, entre para dentro, que ainda cabe um.” 

Fiquei embuchado, com uma resposta  atravessada na goela, pois acho desaforo alguém pôr em dúvida a minha disposição. Que, para usar de franqueza, o que faço direito é correr boi no campo. Mergulhar e brigar com peixe não é ocupação de gente. Desarreei o animal, amarrei o cabresto na popa da canoa, arrumei os picuás e embarquei. O cavalo nadou, três mulheres velhas puxaram os rosários e navegamos em paz até o meio do rio. Aí, quando mal nos precatávamos, o diabo do cocho se furou e em poucos minutos os meus troços estavam boiando. Foi um Deus nos acuda: os homens perderam a fala, as mulheres soltaram os rosários e botaram as mãos na cabeça, numa latomia, numa choradeira dos pecados. 

— “Então, seu mestre, perguntei ao canoeiro, o senhor não disse que esta geringonça era segura?” 

E o desgraçado respondeu: 

“Segura ela era. Mas, como o senhor está vendo, agora não é.” 

— “Que é que vamos fazer?” gritei desadorado. 

— “Sei lá, disse o homem. Quem tiver muque puxe por ele e veja se alcança terra, o que acho difícil.” 

A minha vontade foi dar uns tabefes no sem-vergonha, mas não havia tempo, os amigos veem que não havia tempo. 

— “Está bem, tornei. Nós ajustaremos contas depois. Se escaparmos, será na banda alagoana. Se formos para o fundo, no céu ou no inferno a gente se encontra e você me contará isso direitinho, seu filho de uma égua.” 

Acocorei-me e pus-me a esgotar aquela miséria com o chapéu. Os viajantes machos fizeram o mesmo e as mulheres dos rosários, chamadas à ordem, agarraram cuias e caíram no trabalho. Tempo perdido. Gastávamos forças e o traste cada vez mais se enchia. Desanimei, ia entregar os pontos quando me veio de repente uma ideia, a ideia mais feliz que Deus me deu. Lembrei-me de que tinha no bolso da carona um formão e um martelo, comprados para o serviço da fazenda. Muito bem. Veio-me a ideia, dei um salto, fui à carona, peguei o formão e o martelo, fiz um rombo no casco da canoa. Os companheiros me olhavam espantados, julgando talvez que eu estivesse doido. Mas o meu juízo funcionava perfeitamente. Imaginam o que sucedeu? 

A embarcação se esvaziou em poucos minutos, continuou a viagem e chegou sem novidade a Porto-Real-do-Colégio. Natural. A água entrava por um buraco e saía por outro. Compreenderam? Uma coisa muito simples, mas se eu não tivesse pensado nisso, alguns pais de família e três devotas teriam acabado no bucho da piranha. Desembarcamos na terra alagoana. Aí chamei de parte o canoeiro, sem raiva, e dei-lhe meia dúzia de trompaços, que o prometido é devido. Ele se defendeu (era um tipo de sangue no olho) e propôs camaradagem: 

— “Seu Alexandre, vamos deixar de besteira. O senhor é um homem.” 

Ficamos amigos, fomos para a bodega e passamos uma noite na prosa, bebendo cachaça.

Fonte: Graciliano Ramos. Histórias de Alexandre. Publicado originalmente em 1944. Disponível em Domínio Público.

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 5, final

Criação JFeldman com
Microsoft Bing
REVISANDO O ROTEIRO

1
Tire uma ou duas semanas de folga quando terminar de escrever. 

Você já vai ter passado tempo demais trabalhando no seu roteiro. Salve o arquivo e tire algumas semaninhas para pensar em outra coisa. Assim, quando você voltar ao texto para editá-lo, será como se você o estivesse lendo pela primeira vez.

Comece a trabalhar em outro roteiro nesse meio tempo se tiver alguma outra ideia que queira desenvolver.

2
Releia o roteiro e tome nota das partes que não estiverem fazendo sentido. 

Abra o roteiro e leia-o do começo ao fim. Fique atento a partes confusas ou em que os personagens façam coisas que não ajudem a história a avançar. Tome nota desses pedaços à mão para se lembrar bem deles mais tarde.

Experimente ler o roteiro em voz alta, como se estivesse atuando. Diga as falas do jeito que você acha que elas devem ser ditas. Assim, você conseguirá ver mais facilmente quais trechos e diálogos não estão bons.

Dicas: Imprima o roteiro, se puder, para fazer suas anotações diretamente nas folhas.

3
Mostre o roteiro para alguém em quem você confie. 

Peça para a sua mãe, o seu pai ou um amigo dar uma lida no seu roteiro e dizer que acha. Explique exatamente o tipo de retorno que você quer para que eles saibam no que prestar atenção. Quando eles terminarem de ler, pergunte se acharam que alguma parte da trama não está fazendo sentido.

4
Reescreva o roteiro várias vezes até ficar satisfeito. 

Comece editando a história e os personagens para resolver os problemas maiores. A cada releitura, vá tornando as suas edições mais específicas, arrumando desde os diálogos e as sequências mais confusas até os errinhos de gramática e digitação.

Abra um documento novo para cada versão do roteiro. Assim, você poderá copiar e colar partes boas do arquivo antigo no novo.

Não fique procurando pelo em ovo. Do contrário, você nunca vai conseguir terminar o seu roteiro.

Dicas
– Não existem regras fixas a respeito de como escrever um roteiro. Caso ache que a sua história deva ser contada de outra forma, experimente!
– Leia os roteiros dos seus filmes preferidos para ver como eles são escritos. Basta fazer uma busca rápida para encontrar vários roteiros em PDF na internet.
– Leia livros como Manual de roteiro de Syd Field, ou Manual de roteiro: ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV de Leandro Saraiva e Newton Cannito, para buscar inspiração e aprender mais a respeito de como formatar as suas histórias.
– As peças de teatro e os documentários têm roteiros um pouco diferentes dos usados para filmes e seriados de ficção.

Referências
↑https://gointothestory.blcklst.com/how-i-write-a-script-part-1-story-concept-ab6d5a25fc27
↑https://www.scriptmag.com/5-tips-choosing-writing-genres-free-download
↑https://thescriptlab.com/features/screenwriting-101/2982-how-to-create-a-convincing-setting-in-your-screenplay/
↑https://www.well-storied.com/blog/the-four-main-types-of-epic-antagonists
↑https://www.scriptreaderpro.com/how-to-write-a-screenplay-2/
↑https://gointothestory.blcklst.com/how-i-write-a-script-part-6-outline-697aedb321ef
↑https://gointothestory.blcklst.com/how-i-write-a-script-part-6-outline-697aedb321ef
↑http://www.elementsofcinema.com/screenwriting/three-act-structure/
↑https://screenwriting.io/what-does-a-screenplay-title-page-look-like/7

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Roteiro

terça-feira, 24 de outubro de 2023

Versejando 125

 

Mensagem na garrafa – 18 -

Criação JFeldman com Microsoft Bing

Olavo Bilac
Rio de Janeiro (1865 - 1918)

O SONHO

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade!
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa…

Contos e Lendas da África (O rei e a árvore Ju Ju)

Criação JFeldman com Microsoft Bing
por Elphinstone Dayrell

Udo Ubok Udom foi um rei famoso que viveu em Itam, uma ilha onde não havia rios. Ele e sua esposa banhavam-se em uma nascente que havia logo atrás de sua casa.

O rei tinha uma filha a quem amava muito e cobria de cuidados. Quando cresceu, a princesa tornou-se uma linda mulher. Udo Ubok Udom teve de se ausentar por uns tempos e por dois anos não usou sua fonte. Quando voltou e foi se banhar, viu que uma árvore Ju Ju havia crescido e espalhado seus galhos por todo o lugar, impossibilitando o acesso à nascente. Então ordenou que cinquenta homens cortassem a árvore com machados. 

Quando os criados começaram, viram que os golpes de machado não produziam efeito algum, pois tão logo abriam um corte no tronco, ele voltava a se fechar. Tentaram inutilmente durante um dia inteiro. À noite foram comunicar ao rei seu fracasso em derrubar a árvore. Udo Ubok Udom ficou muito zangado e voltou à fonte na manhã seguinte com seu próprio facão.

Ao ver o rei tentando cortar seus galhos com a lâmina, a árvore Ju Ju lançou uma farpa em seu olho. Sentindo imensa dor, o monarca largou sua faca e correu de volta para casa. Como a dor só piorava, não conseguiu comer nem dormir por três dias.

Mandou chamar seus feiticeiros e pediu que descobrissem o motivo de tanta dor. Quando seus feitiços foram lançados, entenderam que a árvore Ju Ju o havia atacado em retaliação às suas tentativas de banhar-se na fonte e de cortá-la.

Acrescentaram que, para satisfazer e acalmar a Ju Ju, o rei deveria tomar sete cestos de moscas, uma cabra branca, uma galinha branca e um tecido branco e oferecê-los à árvore em sacrifício.

Udo Ubok Udom seguiu essas instruções. Os curandeiros aplicaram pomadas nos olhos do rei, mas a dor só piorava. Os feiticeiros foram dispensados e outros foram chamados. Estes disseram que, embora nada pudessem fazer para aliviar o sofrimento do rei, conheciam alguém capaz de curá-lo. Era um homem-espírito que vivia no além-mundo.

Udo Ubok Udom mandou que o trouxessem até ele. No dia seguinte, o homem-espírito chegou para falar com o rei.

— Se eu curar seu olho, o que ganho em troca? — perguntou o homem espírito.

— Darei metade da minha cidade, incluindo as pessoas que vivem nessa área, além de sete vacas e dinheiro.

O homem-espírito recusou a proposta. O rei, não aguentando mais tanta dor, aumentou a oferta.

— Diga seu preço e eu pagarei.

O homem-espírito disse que o único pagamento que lhe interessava era a princesa. Udo Ubok Udom começou a chorar e mandou-o embora. Preferia morrer a perder sua filha.

Durante a noite a dor piorou ainda mais, alguns súditos suplicaram ao rei para que chamasse o espírito novamente e lhe entregasse a princesa. Se Udo Ubok Udom melhorasse, poderia fazer outra filha, argumentaram, mas nada ganharia se morresse.

O rei então mandou chamar novamente o homem-espírito, que atendeu rapidamente ao chamado. Com grande pesar, o rei lhe concedeu sua filha. 

O espírito entrou na mata e colheu algumas folhas, que triturou e misturou com água. Verteu o líquido no olho do rei, dizendo que pela manhã, quando lavasse o rosto, seus olhos estariam completamente curados.

Udo Ubok Udom tentou convencê-lo a passar a noite, mas o homem-espírito declinou o convite e partiu na mesma noite para o além-mundo, levando a princesa consigo.

Um pouco antes do amanhecer, o rei levantou-se e foi lavar o rosto. Viu que a farpa da árvore Ju Ju, que tanta agonia lhe causara, havia caído de seu olho. Não sentia mais nenhuma dor e enxergava perfeitamente.

Recomposto, deu-se conta de que trocara a filha por um olho sadio. Decretou que o reino todo ficasse de luto por três anos.

Durante os dois anos seguintes, o homem-espírito colocou a princesa em uma casa de engorda (*), onde recebia grande quantidade de comida. Nessa casa havia uma caveira que a aconselhou a não comer, pois a estavam engordando não para o casamento, mas porque queriam devorá-la. A partir daí, a jovem passou a dar à caveira toda comida que recebia, e alimentava-se apenas do calcário do solo.

Ao final do terceiro ano, o homem-espírito convidou alguns amigos para verem a princesa, dizendo que a mataria no dia seguinte e faria um banquete com ela.

Na manhã seguinte, o homem-espírito foi levar comida para a princesa, como de costume. A caveira, no entanto, havia ouvido a conversa da noite passada e contou à princesa sobre o que a aguardava. A jovem deu novamente a comida à sua amiga, que disse:

— Quando o homem-espírito for à floresta com seus amigos para os preparativos do banquete, fuja e volte para sua cidade.

A caveira também deu a ela uma poção fortificante para a viagem. Além disso, explicou as particularidades do caminho. Quando chegasse a uma bifurcação, a princesa deveria jogar um pouco da poção no chão e as duas trilhas se fundiriam em uma só.

Explicou que deveria sair pela porta dos fundos e atravessar toda a floresta para chegar à estrada. Caso encontrasse alguém no caminho, deveria permanecer em silêncio. Se cumprimentasse usando sua voz, saberiam que não fazia parte do mundo espiritual e a matariam. Tampouco deveria se virar caso alguém a chamasse. Deveria seguir sem parar até chegar à casa de seu pai. 

A filha do rei agradeceu à caveira por todos os conselhos e partiu. Encontrou a estrada após cruzar toda a floresta. Correu por ela durante três horas, até chegar à bifurcação. Como instruída, pingou algumas gotas da poção no chão e imediatamente as trilhas se juntaram em uma. Corria sem parar e, embora fosse chamada por várias criaturas, não se virava nem cumprimentava ninguém.

Foi quando o homem-espírito retornou da mata e descobriu a fuga da princesa. Perguntou à caveira sobre seu paradeiro, mas esta lhe respondeu apenas que a jovem havia saído pela porta dos fundos, sem dizer aonde ia. Por ser um homem-espírito, ele logo soube que sua prisioneira partira para sua cidade natal. Correu atrás dela, aos gritos.

Quando a garota ouviu a voz do espírito, também correu o mais rápido que pôde e finalmente chegou à sua casa. Pediu a seu pai que pegasse uma vaca, um porco, uma ovelha, uma cabra, um cachorro, uma galinha e sete ovos. Tudo isso deveria ser cortado em sete pedaços e posto como oferenda na beira da estrada, para que o espírito, ao encontrar tais sacrifícios, desistisse de entrar na cidade. O rei cumpriu seu pedido imediatamente.

Quando o homem-espírito encontrou as oferendas, sentou-se e começou a comer.

Satisfeito, recolheu os restos e voltou para o mundo espiritual. Nunca mais voltou a incomodar a princesa.

Ao ver que não havia mais perigo, o rei bateu seu tambor e declarou que a partir dali, quando alguém morresse e fosse para o mundo espiritual, não poderia mais voltar à terra para curar pessoas.
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* Casa de engorda = era uma cabana onde a noiva ficava por algumas semanas antes de seu casamento. Durante esse período, comia muito para engordar o máximo que pudesse, já que esse era o padrão de beleza para muitos povos africanos.

Fonte: Elphinstone Dayrell, George W. Bateman e Robert Hamill Nassau. Contos Folclóricos Africanos vol. 2. (trad. Gabriel Naldi). Edição Bilingue. SESC. Distribuição gratuita.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) LXI


A saudade, não cochila;
por maldade ou por despeito...
Toda tarde pega a fila,
entra e bate no meu peito!
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Sê, nesta vida, meu filho,
como a chama da candeia;
que humilde, empresta o seu brilho,
dando brilho à vida alheia!
= = = = = = = = = = = = = = = = 

Se tens um sonho ferido,
esquece essa ingratidão.
Só sente um sonho perdido,
quem perde a luz da razão! 
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Partiste!... E o mundo bisonho,
me pôs na alcova da espera...
Até que volte o meu sonho
que partiu na primavera!
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A massa do pão que come,
pode amargar como fel;
mas no pão que mata a fome,
é mais doce do que mel!
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Guardo entre os meus alfarrábios,
o instante do nosso adeus:
No guardanapo, os teus lábios,
no batom dos lábios teus!
= = = = = = = = = = = = = = = = 

Lembrando os risos da aurora
aos ritos das madrugadas...
Do tempo, nos resta agora,
dois velhinhos de mãos dadas!
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Em meio a tanta descrença,
tu manténs por teu desprezo...
O fogo da indiferença,
mantendo o ciúme aceso!
= = = = = = = = = = = = = = = = 

Leve tudo!… E, eu não deponho;
peço que do velho arquivo,
só não carregue o meu sonho
porque sem sonho eu não vivo!
= = = = = = = = = = = = = = = = 

Num disfarce sem ter graça,
uma sombra sem cautela.
entra em meu quarto e me abraça
e eu percebo o vulto dela!
= = = = = = = = = 

Quando me sinto sozinho,
sozinho, cantando a esmo,
eu busco a luz de outro ninho,
nessas noites, de mim mesmo!...
= = = = = = = = = 

Ao ver teus olhos criança,
brilhando à luz do sol posto...
Neles, vi sóis de esperança,
e, muitos sóis em teu rosto!
= = = = = = = = = 

Teu adeus, me desconforta;
mas, te vejo ainda tão bela,
pelos buracos da porta,
pelas brechas da janela!
= = = = = = = = = 

A espuma, artesã do mar,
à noite, chega e semeia
versos, à luz do luar,
nas vestes brancas da areia!
= = = = = = = = = 

O orgulhoso, é na verdade,
um cego sem ter visão,
que não percebe a humildade
da luz do sol pelo chão!
= = = = = = = = = 

Essa aparência que existe,
que te orgulha e que te apraz,
é uma ilusão que persiste,
mas, que logo se desfaz!
= = = = = = = = = 

No outono, sê mais disposto
que o tempo, em seu caminhar...
Deixa mais rugas no rosto
e menos sonhos no olhar!...
= = = = = = = = = 

Saudade em mim, nunca finda,
mas, muita gente a despreza;
saudade é a prece mais linda,
que toda tarde se reza!
= = = = = = = = = 

Quando a injustiça amordaça
a inocência na prisão,
a justiça que fracassa,
vira cinzas pelo chão!
= = = = = = = = = 

A lua - lindo troféu
de um poema, suave e leve,
que um poeta, escreveu no céu
com versos da cor de neve!
= = = = = = = = = 

Da infância, bem pobrezinha,
eu me lembro todo dia!...
Lembro do nada, que eu tinha,
mas tinha a paz que eu queria!
= = = = = = = = = 

Criança de vida dura;
pobre, faminta e sem lar...
Quantas lições de ternura
na luz tosca deste olhar!
= = = = = = = = = 

À noite, escuto um barulho,
que me assusta e me dá medo;
é o do mar, quebrando o orgulho
das ondas contra o rochedo!
= = = = = = = = = 

As noites, com seus desvios
e os dias, com seus desvãos...
Vão pondo seus atavios
nos dedos de nossas mãos!
= = = = = = = = = 

 Rompe a aurora!... E, na moldura
dos olhos do sol nascente,
o dia se configura
na luz dos olhos da gente!
= = = = = = = = = 

Se a mágoa que te envenena,
é a mesma que te complica,
esquece a mágoa pequena,
que a grande, também não fica!
= = = = = = = = = 

Ao sopro de um vento brando,
a lua nasce tão calma,
que eu penso, ao vê-la me olhando,
que a lua também tem alma!
= = = = = = = = = 

Se há dúvida, há reticências...
E, o tempo era silêncio e mudo,
em meio a tantas ausências,
põe silêncio em quase tudo!
= = = = = = = = = 

Se a saudade nasce e cresce
em qualquer pranto existente,
saudade é infinita prece
na infinita dor da gente!
= = = = = = = = = 

Se a vida é um profundo abismo,
é nesse abismo profundo,
que eu jogo o meu egoísmo
e abraço os braços do mundo!…

Fontes:
– Professor Garcia. Trovas que sonhei cantar. vol.2. Caicó: Ed. do Autor, 2018.  Enviado pelo trovador.
– Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021. Enviado pelo trovador.

Contos das Mil e Uma Noites (História de Bulukya)


Havia certa vez no reino de Israel um soberano muito sábio que, no seu leito de morte, recomendou a seu filho e herdeiro, Bulukya, fazer um inventário completo de tudo que o palácio continha. Após a morte do pai, Bulukya, já rei, seguiu a sugestão paterna e, ao abrir uma certa caixa de ouro, encontrou nela um pergaminho no qual leu: “Quem deseja ser senhor e dono dos homens, gênios, pássaros e animais, precisa apenas usar o anel que o profeta Soleiman tem no dedo, na Ilha dos Sete Mares onde está sepultado. É o anel que ornava o dedo de Adão, pai dos homens, no Paraíso. Para atingir a Ilha dos Sete Mares, não adiantam navios. Quem quer chegar lá deve localizar o vegetal mágico cujo sumo, esfregado na planta dos pés, torna o homem capaz de andar sobre a superfície do mar. Essa planta só cresce no reino subterrâneo da rainha Yamlikha.” 

Após ler esse pergaminho, o rei reuniu os sacerdotes, mágicos e sábios de Israel e perguntou-lhes se havia entre eles quem conseguiria guiá-lo até o reino da rainha Yamlikha. Todos apontaram para Affan, que possuía as chaves da magia, astronomia, alquimia e feitiçaria. Perguntou-Ihe o rei: 

“Ó Affan, és mesmo capaz de guiar-me até a terra dessa rainha escondida?” 

“Sou “ respondeu Affan. 

Imediatamente, os dois cobriram-se com capas de peregrinos e foram até o deserto. Num determinado ponto, disse Affan: “Chegamos.” 

Desenhou um círculo na areia, fez as invocações dos rituais, e logo a terra se abriu e revelou um caminho que ia descendo. Seguindo o caminho, os dois chegaram a essa lagoa que vês aí, ó Hassib. Recebi-os com minha cortesia costumeira. Quando me expuseram o objetivo de sua visita, conduzi-os ao jardim onde as plantas desataram a falar, cada uma na sua língua própria, exaltando seus vários poderes.

No meio dessa sinfonia perfumada, ouvimos uma planta cantar em harmonia com a brisa que a acariciava: “Aquele que esfregar os pés com meu sumo maravilhoso, poderá andar sem se molhar sobre todos os mares de Alá.” 

- Esta é a planta que procurais, disse a meus visitantes. E deixei Affan colher todas as flores que quisesse, esmagá-las e recolher o suco num grande frasco que eu lhe dera. Depois, perguntei a Affan e ao rei por que queriam atravessar os mares. Contaram-me. 

Disse-lhes: “Não sabeis que é impossível a qualquer mortal depois de Soleiman possuir aquele anel? Acreditai em mim. Desisti desse projeto e colhei, antes, as plantas que asseguram uma juventude eterna a quem as comer.”

Mas não consegui convencê-los. Despediram-se de mim e partiram. Tomaram o caminho da ilha que fica do outro lado dos sete mares. Quando chegaram às margens do primeiro mar, esfregaram as solas dos pés com o suco que levavam. Depois, entraram com precaução na água; mas quando se deram conta de que podiam caminhar sobre a água mais facilmente que sobre a terra, adquiriram confiança e andaram mais rapidamente. 

No quarto dia, chegaram a uma ilha que pensaram ser o paraíso de tão bela que era com suas flores, rouxinóis e árvores. Passaram naquela ilha o dia todo e, à noite, subiram numa árvore para dormir. Mas antes de fechar os olhos, sentiram a ilha tremer e viram um monstro desmedido chegar com as ondas, segurando nas mandíbulas uma pedra preciosa que iluminava como um archote. Atrás dele, vinha uma multidão de outros monstros iguais, segurando também na boca pedras luminosas. Ao mesmo tempo, do interior da ilha surgiram tantos leões, tigres, leopardos e outros animais selvagens que só Alá poderia avaliar-lhes o número. Os monstros do mar e os monstros da terra encontraram-se na praia e passaram a noite conversando.

Com os primeiros raios do dia, separaram-se e voltaram cada qual para sua morada. Bulukya e Affan, que não haviam conseguido fechar os olhos toda a noite, desceram rapidamente da árvore, correram até a praia, esfregaram os pés com o suco mágico e entraram no segundo mar. Atravessaram-no sem problemas até que chegaram a uma ilha coberta de árvores frutíferas, e cujos frutos tinham uma particularidade inédita: cresciam na árvore já preparados com açúcar. 

Os  dois viajantes ficaram na ilha sete dias, para deleite do jovem soberano que gostava excessivamente de frutas cristalizadas. Depois, entraram no terceiro mar, que atravessaram em quatro dias e quatro noites. No quinto mar, chegaram a uma ilha cujas montanhas eram de cristal com grandes veios de ouro. Suas árvores tinham flores amarelas lustrosas. De noite, cintilavam como estrelas. Disse Affan a Bulukya: 

“Esta é a Ilha das Flores de Ouro. Quando essas flores murcham e caem das árvores, viram pó e se transformam em ouro. Esta ilha é um pedaço do sol que caiu na terra nos tempos antigos.” 

No sexto mar, Affan e Bulukya passaram por outra ilha coberta de árvores. Mas lá as frutas das árvores eram cabeças humanas, umas rindo, outras chorando. Fugiram com horror desse espetáculo e entraram no sétimo mar. Era um mar imenso. Dias e noites, eles andaram sem descansar, comendo peixes crus apanhados ao acaso e aguentando  a sede. Finalmente, avistaram uma ilha que esperavam ser a que procuravam. Entraram nela e acharam-na cheia de árvores carregadas de frutos. Bulukya estendia a mão para apanhar uma maçã, quando uma voz terrível saiu de dentro da árvore, gritando: “Se tocares nesta fruta, serás cortado em pedaços.” Ao mesmo tempo, um gigante apareceu-lhes, ao qual Bulukya, aterrorizado, disse: 

“Ó chefe dos gigantes, estamos morrendo de fome e sede. Por que nos impedes de tocar nessas maçãs?” 

- Como ousas alegar que ignoras o motivo, ó rei sem memória? Esqueces-te que Adão, o pai de tua raça, rebelou-se contra Deus e comeu a fruta proibida? Desde então, tem sido minha missão guardar esta árvore e matar quem tenta apanhar-lhe as frutas. Procura teu alimento alhures.”

Deixaram-no e começaram a procurar o túmulo de Soleiman. Depois de terem vagueado na ilha um dia ou dois, chegaram a uma colina de âmbar nos flancos da qual abria-se uma gruta magnífica cujo teto e paredes eram de diamantes. Estava iluminada dia e noite. Entraram nela e foram caminhando, e à medida que avançavam, a claridade aumentava e a abóbada alargava-se. De repente, chegaram a uma sala imensa cavada no diamante. No meio da sala, havia uma cama de ouro maciço, sobre a qual jazia o corpo de Soleiman Ibn Daud. 

O anel mágico estava no dedo anular da mão direita. Affan aproximou-se do trono e pediu a Bulukya que repetisse as palavras esotéricas que lhe ensinara para que o anel deslizasse do dedo real. Mas Bulukya equivocou-se e recitou as palavras na ordem inversa. O erro foi fatal para o sábio Affan. Uma gota de diamante líquido caiu sobre ele e o queimou, reduzindo-o a um pouco de cinza. Bulukya fugiu daquela gruta e correu até a praia, onde quis passar o suco mágico nos pés para iniciar a marcha de volta. Mas lembrou-se de que o frasco tinha sido queimado com Affan. Teria morrido lá, abandonado e desesperado, rememorando amargamente os meus conselhos, não fosse pela aparição repentina de um exército de Afarit, Marids e Ghuls que dominavam aquela ilha e a inspecionavam naquele momento. 

Bulukya solicitou-lhes que o ajudassem a voltar para seu reino. Mas eles só podiam levá-lo até seu próprio rei, o poderoso Sakhr, senhor da Terra-Branca onde outrora reinou Chedad Ibn Aad. Bulukya aceitou e, num piscar dos olhos, foi levado por cima de mares e montanhas até o palácio do rei Sakhr. 

O rei o recebeu com todos os refinamentos da hospitalidade árabe e, após contar-lhe a história de seu povo, mandou levá-lo até a entrada de seu país. E o anel de Soleiman, que permite a quem o possuir dominar os mundos e adquirir a imortalidade, continua na Ilha dos Sete Mares. E lá ficará, protegido pelos gênios, até o fim dos tempos.

Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.

Dicas de Escrita (Como Escrever um Roteiro) – 4

ESCREVENDO A PRIMEIRA VERSÃO

1
Estabeleça um prazo para si mesmo. 

Escolha uma data entre oito e 12 semanas após o dia em que você começou a escrever. Esse prazo costuma ser o mais usado pela indústria cinematográfica. Marque o dia em que o roteiro deve ficar pronto em um calendário ou no celular para que você não se esqueça de que tem um trabalho a fazer.

Conte para os outros que está escrevendo um roteiro e peça para eles cobrarem você.

2
Tente escrever pelo menos uma ou duas páginas por dia. 

Na primeira versão, o objetivo é colocar no papel tudo que vier à cabeça, acompanhando de perto o esboço inicial. Não se preocupe com a gramática nem com errinhos de digitação. O importante é escrever. Tente completar entre uma e duas páginas por dia para finalizar o roteiro em 60 a 90 dias.

Escolha um horário fixo para escrever todos os dias. Assim, você corre menos risco de se distrair.

Desligue o celular e a internet para se concentrar totalmente no roteiro.

DICA DE ESPECIALISTA

"Roteiros de longas têm entre 95 e 110 páginas. Shows de TV de meia hora têm roteiros de 30-35 páginas, enquanto os de uma, 60-65 páginas. "

3
Leia os diálogos em voz alta para ver se eles soam naturais. 

Sempre que escrever uma fala de um personagem, leia-a em voz alta. Veja se as palavras estão fluindo e se o diálogo não está confuso. Caso esbarre em algum trecho mais problemático, sublinhe-o ou realce-o e deixe para revisá-lo na edição.

Cada personagem deve ter um jeito de falar bem distinto. Do contrário, os leitores vão ter dificuldade para saber quem é quem durante os diálogos.

4
Escreva até ter entre 90 e 120 páginas. 

Cada página equivale a mais ou menos um minuto de filme. Os filmes convencionais costumam ter entre uma hora e meia e duas horas e, portanto, têm roteiros que variam entre 90 a 120 páginas.

Caso esteja escrevendo um roteiro para a TV, tente alcançar entre 30 e 40 páginas para uma sitcom de meia hora ou 60 a 70 páginas para um drama de uma hora.

Um curta-metragem deve ter um roteiro com dez páginas ou menos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
continua…

Fonte: https://pt.wikihow.com/Escrever-um-Roteiro

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Filemon Martins (Aquarela de Trovas) 25

 

Mensagem na garrafa – 17 -

Criação JFeldman com Microsoft Bing

Carlos Drummond de Andrade
Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ

SONHO DE UM SONHO

Sonhei que estava sonhando
e que no meu sonho havia
outro sonho esculpido.
Os três sonhos sobrepostos
dir-se-iam apenas elos
de uma infindável cadeia
de mitos organizados
em derredor de um pobre eu.
Eu que, mal de mim! sonhava.

Sonhava que no meu sonho
retinha uma zona lúcida
para concretar o fluido
como abstrair o maciço.
Sonhava que estava alerta,
e mais do que alerta, lúdico,
e receptivo, e magnético,
e em torno a mima se dispunham
possibilidades claras,
e, plástico, o ouro do tempo
vinha cingir-me e dourar-me
para todo o sempre, para
um sempre que ambicionava
mas de todo o ser temia...
Ai de mim! que mal sonhava.

Sonhei que os entes cativos
dessa livre disciplina
plenamente floresciam
permutando no universo
uma dileta substância
e um desejo apaziguado
de ser um ser com milhares,
pois o centro era eu de tudo
como era cada um dos raios
desfechados para longe,
alcançando além da terra
ignota região lunar,
na perturbadora rota
que antigos não palmilharam
mas ficou traçada em branco
nos mais velhos portulanos
e no pó dos marinheiros
afogados em mar alto.

Sonhei que meu sonho vinha
com a realidade mesma.
Sonhei que o sonho se forma
não do que desejaríamos
ou de quanto silenciamos
em meio a ervas crescidas,
mas do que vigia e fulge
em cada ardente palavra
proferida sem malícia,
aberta como uma flor
se entreabre: radiosamente.

Sonhei que o sonho existia
não dentro, fora de nós,
e era toca-lo e colhe-lo,
e sem demora sorve-lo,
gasta-lo sem vão receio
de que um dia se gastara.

Sonhei certo espelho límpido
com a propriedade mágica
de refletir o melhor,
sem azedume ou frieza
por tudo que fosse obscuro,
mas antes o iluminando,
mansamente convertendo
em fonte mesma de luz.
Obscuridade! Cansaço!
Oclusão de formas meigas!
Ó terra sobre diamantes!
Já vos libertais, sementes,
germinando à superfície
deste solo resgatado!

Milton S. Souza (Viciado)

No começo, eles me incentivavam. Eu não fazia as coisas bem certas, mas eles achavam graça. E diziam que eu estava melhorando. Fui aprendendo devagar. E eles me davam de presente mais e mais. Eu era pequeno. Nem notei que estava me viciando. Fui crescendo e, quando vi, não conseguia mais dominar o vício. Cheguei ao ponto de deixar de comer para gastar o pouco dinheiro que tinha para aliviar os meus desejos. Fiquei adulto, com vontade própria e personalidade forte para tudo. Menos para me livrar deste vício...

Hoje, já maduro e encaminhado na vida, me vejo fazendo aquilo que faziam comigo: tentando colocar neste mesmo vício as criaturas de todas as idades. Crianças, jovens, adultos e até idosos. Sempre que posso, eu tento passar um pouco do meu vício. Sempre que posso, eu tento convencer as pessoas que a vida fica mais leve e mais colorida com o uso deste produto que, embora meio caro, é vital para quem quer viajar sem sair do lugar. Eu, um viciado, tentando viciar outras pessoas.

E vocês sabem quem colocou este vício na minha vida? Pois foram os meus próprios pais. Foram eles que vibraram desde o momento em que eu aprendi a juntar as primeiras letras. Foram eles que me presentearam quando eu consegui decifrar as primeiras palavras num exemplar do Correio do Povo. Foram eles que me deram os primeiros livros infantis e os primeiros gibis de adolescente. Foram eles que me viciaram na leitura...

Sou completamente viciado na leitura. Prefiro passar sem me alimentar do que ficar sem ler. Leio tudo o que me cai nas mãos, desde os jornais do dia até a bula do remédio. Leio livros de todos os autores, clássicos, novos, nacionais, estrangeiros, revistas, jornais velhos e o que aparecer. Compro livros novos, usados, passados e até na fila para serem impressos. Sou um leitor compulsivo. É por isso que eu fico quase louco quando entro numa biblioteca ou quando visito uma feira do livro. Eu gostaria de poder devorar o conteúdo de todos os livros que os meus olhos alcançam. Como não posso fazer isso, sigo mantendo o meu vício com aqueles livros que consigo comprar ou aqueles que os meus amigos, penalizados, me emprestam. Nunca vou me livrar deste vício. Aliás, nem quero…

Fonte: