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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Lua de Cetim)


Espetáculo baseado em texto de Alcides Nogueira e encenação de Marcio Aurelio, realização bem-sucedida que alia poesia cênica à preocupação sociopolítica. 

O texto ambienta os atos intervalados por década: 1961, 1971 e 1981, flagrando a vida de uma família interiorana. O pai é um pequeno comerciante de tecidos; a mãe, uma modesta dona de casa; o filho aparece na infância e na juventude, transformando-se em estudante universitário e membro da guerrilha urbana, acompanhado da namorada Marisa.

Ao contrário de seus textos anteriores, calcados sobre procedimentos vinculados às vanguardas, Alcides Nogueira faz aqui um exercício de realismo. O enredo privilegia as figuras do pai e da mãe, seus conflitos e felicidades de marido e mulher, esperanças e desassossegos típicos de quem vive tempos atribulados e sempre à beira do precipício. Aproveitando largamente as possibilidades dos papéis, Umberto Magnani e Denise Del Vecchio alcançam grandes interpretações, merecedoras de prêmios e indicações. Elias Andreato e Júlia Pascale encarregam-se dos jovens, bem menos destacados na trama, assim como o garoto Ulisses Bezerra, participante apenas do primeiro ato.

A encenação de Marcio Aurelio é sóbria, discreta, deslocando para os desempenhos do casal central a ênfase da montagem. Sua cenografia é funcional, assim como a iluminação, adequadamente fornecendo os climas requeridos pela ação.

Em seu comentário, o crítico Sábato Magaldi destaca aquilo que lhe parece o melhor da montagem: "A sensibilidade é o traço dominante na encenação de Marcio Aurelio. Ela valoriza a verdade interior, as reações abafadas, os subtendidos sutis. A rigor, ele não soluciona apenas as mudanças de ambiente, que rompem o clima criado. Esse é, aliás, um dos problemas que permanentemente desafiam a imaginação dos diretores. Umberto Magnani aproveita a melhor oportunidade que teve como ator e vive um Guima comovido, mentindo-se no fracasso e bebida, marcado pela tragédia. Denise Del Vecchio apaga a sua juventude para metamorfosear-se em Candelária, incorporando das maneiras ao sotaque interiorano. Elias Andreato (Júnior) faz o estudante sem nenhum cacoete, humanizando o relacionamento com os pais. Júlia Pascale (Marisa) não se perde num papel ingrato".1

Notas

1. MAGALDI, Sábato. Uma visão terna de confronto, cicatrizes e frustrações de uma vida menor. Jornal da Tarde, São Paulo, p. 18, 27 nov. 1981.

Fonte:

sábado, 12 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Leonce e Lena)


Espetáculo teatralista, do grupo Barca de Dionisio, formado por ex-alunos da Escola de Comunicações e Artes e da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo, sob a direção de William Pereira. Voltado para a pesquisa de linguagem, o espetáculo domina todo o galpão de eventos do Sesc Pompéia.

O texto de George Büchner, datado de 1836, historicamente pertence ao romantismo; todavia dele faz uma crítica, inaugurando alguns procedimentos que, retomados pelo expressionismo, o tornam um admirável precursor. A ação centra-se nos desencontros entre o casamento arranjado entre Leonce e Lena, príncipes de reinos diferentes, que fogem de casa diante da iminência de uma união não pretendida. Em suas fugas acabam se conhecendo e se apaixonando, como joguetes do destino. O pano de fundo dessa história é a crise pessoal de seus integrantes, dominados pelo tédio, e a crise do poder político, imutável e sem perspectiva de alteração.

A encenação de William Pereira é grandiosa e emprega fartamente os ingredientes da alta teatralidade: no grande galpão são instalados carros móveis contendo os elementos cenográficos, deslocados de lá para cá, segundo as necessidades. Os atores encarregam-se da contra-regragem, imprimindo à realização procedimentos brechtianos. Os figurinos de Marco Antônio Lima recriam os estereótipos românticos, conferindo-lhes um tom crítico. O desenho de luz, criado por Cibele Forjaz e Edinho Amorim, infunde tons líricos e mágicos à plasticidade das cenas, ajudando na fluência do espetáculo, marcado igualmente pela trilha sonora que alterna Doors, Wagner, lieds de Schumman e Franz Schubert.

Em seu comentário, destaca o crítico Alberto Guzik: "William Pereira e Barca de Dionisos fizeram de Leonce e Lena uma celebração apaixonada da teatralidade. Desde o primeiro quadro, numa espécie de ante-sala do galpão, o teatro se denuncia enquanto ficção, mediante o recurso simples (tão querido de Brecht) de fazer os protagonistas envergarem suas vestes de cena à vista do público. (...) O público participa lúdica, fisicamente, do que se passa em cena. (...) O elenco, formado por um conjunto coeso de intérpretes, tem rendimento homogêneo, de admirável equilíbrio".1

Notas

1. GUZIK, Alberto. Uma celebração apaixonada, que resgata a pesquisa. Jornal da Tarde, São Paulo, p. Q-7, 11 dez. 1987.

Fonte:

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite)


Segundo espetáculo do Teatro Cacilda Becker, a estréia da obra-prima do autor norte-americano Eugene O'Neill, inédita no Brasil, cria intensa expectativa na elite cultural brasileira e o espetáculo transforma-se em um grande acontecimento.

A montagem deveria inaugurar as atividades do Teatro Cacilda Becker - TCB, mas a companhia é obrigada a estrear com texto de autor nacional, obedecendo a uma lei de 1953 que exigia das novas companhias dramáticas que encenassem peças de dramaturgos brasileiros em seus primeiros espetáculos. Mesmo assim, enquanto prepara O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna, a equipe ensaia Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, a peça à qual a companhia dedica o maior período de elaboração em toda a sua trajetória. 

O texto encarna o gosto de uma geração que descende do Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, e que se afina com o teatro europeu, valorizando a obra literária como expressão cultural e histórica. Nesse teatro, a qualidade da direção está em ser imperceptível: seu desafio é materializar em cena a expressão do sentido humano e poético do texto. Eugene O'Neill é um dos autores mais cultuados daquele momento e, o teatro, a manifestação artística mais propícia a aglutinar jornalistas, intelectuais e artistas em um acontecimento social. 

A peça conta a história da família do ator James Tyrone, que desperdiçou seu talento, repetindo-se no papel do Conde de Monte Cristo, está reunida em sua casa de campo, durante o verão, quando as temporadas teatrais são suspensas. Mary Tyrone, sua esposa, acaba de voltar de um período de cura e todos esperam que ela evite recaídas no uso de morfina, da qual se tornara dependente devido ao tratamento ministrado por um mau médico depois do parto de um dos filhos. A avareza de James Tyrone sacrifica também James Tyrone Jr. e Edmund Tyrone, alter-ego de Eugene O'Neill. Ao longo de um dia, todas as tensões e ressentimentos da família emergem e, quando a noite chega, Mary já está mergulhada em seu delírio, por não suportar a realidade, especialmente a doença do caçula Edmund, cuja tuberculose acaba de ser diagnosticada. 

Os críticos, são unânimes em exaltar o mérito e a honestidade do empreendimento, o desempenho dos atores, a intimidade do diretor Ziembinski com o estilo psicológico, que lhe permite criar uma ampla variedade de climas. "A Companhia Cacilda Becker, pelo valor dos seus elementos, é provavelmente a primeira do teatro brasileiro atual. Queremos dizer com isso que nenhum, entre os nossos jovens conjuntos, possui igual experiência, igual número de primeiras figuras. Este espetáculo vale também por demonstrar que os seus diretores sabem compreender a responsabilidade que lhes pesa sobre os ombros, ao escolher, para estréia em São Paulo, um texto de enorme valor e de interpretação dificílima".1 Ao mesmo tempo, as críticas mostram pouco entusiasmo no que diz respeito ao resultado. Cacilda Becker, que aos 37 anos interpreta uma mulher de 54, Mary Tyrone, tem um de seus momentos de maior brilho. Mas até mesmo em relação ao seu desempenho e ao de Walmor Chagas há discordância. Enquanto alguns consideram que a atriz realiza uma de suas melhores interpretações, outros afirmam que ela parece menos convincente que nas atuações anteriores e atribuem o problema ao monocórdio da voz, embora todos reconheçam que ela tem emoção e força. "Cacilda Becker é Mary Tyrone. A sua maneira de encarar e resolver a personagem não se assemelha à de Florence Eldridge, criadora original do papel em Nova York. Cacilda, levada pelo seu temperamento, é menos sonhadora, menos fora da realidade, mais atuante, mais incisiva, mais presente, mais de carne e osso, mais afirmativa e dramá¬tica. O resultado, entretanto, a quantidade final de emoção, se assim ios dizer, é igual, elevadíssima em ambos os casos - exceto na cena final, a da 'loucura de Ofélia', como a classifica cruelmente James Tyrone Jr., que se presta melhor à linha desenvolvida por Florence Eldridge. Em suma, uma grande criação dramática da nossa maior atriz".2 Paulo Francis escreve que em determinada cena há um movimento de cabeça da atriz que "vale mais do que meia hora de conversa de O'Neill".3 A Associação Brasileira de Críticos Teatrais - ABCT, considera Cacilda Becker a melhor atriz daquele ano e Ziembinski o melhor diretor.

O espetáculo não obtém, no entanto, o êxito esperado. A temporada é interrompida ao fim de cinco semanas. A historiadora Maria Inez Barros de Almeida avalia sua importância histórica: "Na verdade, não se realizando o desejado êxito, realizou-se uma aventura artística que valeu por si mesma. As gerações da época sabiam que algo de muito intenso tinha sido tentado. O espetáculo preservou-se na memória dos contemporâneos como um ponto de referência, mesmo que tenha sido para negá-lo como obra plena".4

Notas

1. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 124.

2. PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso. São Paulo: Martins, 1964, p. 122.

3. FRANCIS, Paulo. In: ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987, p. 28.

4 ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Minc/Inacen, 1987. p. 30.

Fonte:

sábado, 5 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Hoje É Dia de Rock)


Considerado pela crítica especializada o espetáculo mais importante de 1971, Hoje É Dia de Rock permanece em cartaz até 1973 e se torna um fenômeno de público raro na história do teatro brasileiro. Desde o processo de construção, que trabalha com a sensibilização coletiva, passando pela interpretação, que permite ao ator tocar o espectador, até a distribuição espacial do espetáculo, que invade a platéia, Hoje É Dia de Rock transforma o Teatro Ipanema em um altar de celebração.

Escrita por José Vicente, a peça conta a história de uma família do interior de Minas Gerais que vive o conflito entre a tradição e a modernidade, o ficar e o partir. O autor se utiliza da viagem como elemento preponderante para simbolizar a tensão entre o desejo de permanecer fiel às origens e o de conhecer outros lugares, em especial as grandes cidades. O protagonista é Pedro, o pai, músico e maestro de banda, que persegue um alvo místico durante todo o decorrer da peça: procura uma clave de cinco notas, ainda não descoberta. Rubens Corrêa, ator e diretor do espetáculo, identifica o teatro ritualístico como "uma ligação do inconsciente do indivíduo com o todo, com o cósmico", que faz brotar em cena a magia de cada ação do cotidiano. O crítico Yan Michalski define a linguagem do espetáculo como realismo mágico, comparando suas personagens à de Cem Anos de Solidão:

"Quando os intérpretes de Rock nos acolhem com pão, flores e fraternos sorrisos, dificilmente deixaremos de nos sentir atingidos, tão profundamente esta comunhão se acha enraizada numa situação dramática com a qual nos podemos identificar, e no olhar com o qual o autor, o diretor e os atores contemplam essa situação." A comunicação que o espetáculo estabelece com seu público leva-o a permanecer em cartaz mais de dois anos, como um fenômeno poucas vezes visto no teatro brasileiro. Segundo o crítico, "havia espectadores que iam revê-lo dezenas de vezes, como se estivessem visitando uma família pela qual se sentiam adotados, e a coleção de cartas que o grupo recebeu, autênticas declarações de amor, algumas das quais afirmando que o contato com o espetáculo havia mudado a sua vida, constitui uma documentação rara na história do nosso teatro".1 

A encenação de Hoje É Dia de Rock marca a trajetória do Teatro Ipanema não apenas pela retomada do teatro ritualístico, iniciado com Diário de um Louco, 1964, e desenvolvido em O Arquiteto e o Imperador da Assíria, 1970, mas principalmente porque sintetiza e simboliza esteticamente todo o ideário da contracultura. Nas palavras de Yan Michalski, é "um inigualável monumento teatral à mentalidade de 'paz e amor' ".2

Notas

1. MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 50.

2. MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 50.

Fonte:

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Hysteria)

Obra de estréia do Grupo XIX de Teatro, bem-sucedida no Festival de Teatro de Curitiba de 2002, confere à companhia aceitação crescente do público e interesse imediato da crítica. É um início competente para uma linha de pesquisa séria e criativa sobre a cultura, as relações sociais e a memória do século XIX.

Hysteria se passa em um hospício. Espectadores e espectadoras são acomodados em partes separadas do espaço cênico. Os homens apenas assistem ao espetáculo; as mulheres também interagem com as atrizes. Quatro pacientes mulheres, vigiadas por uma quinta, contam, unicamente para o público feminino, os motivos pelos quais estão internadas. A sutileza dessa comunicação entre elenco e espectadoras surpreende pela maturidade com que se processa.

O espetáculo surge depois de estudos sobre a condição feminina no Brasil, no Centro de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - CAC/ECA/USP, com Antônio Araújo. Essa ligação com o diretor do Teatro da Vertigem repercute na busca por espaços alternativos de encenação.

O diretor Luiz Fernando Marques e o elenco compõem o retrato do período empregando com eficiência o discurso das personagens. Os desejos reprimidos, a solidão, as frustrações e até mesmo a solidariedade entre elas, tudo é sugerido e apresentado de modo a despertar a empatia do espectador. O cuidadoso trabalho chama a atenção da dramaturga e ensaísta Renata Pallottini: "A direção conseguiu manter a unidade; o tom, que poderia ser continuadamente dramático, patético até, mercê da situação, é permeado por momentos de humor, quase sempre introduzidos pela atriz Sara Antunes (embora seja injusto fazer algum destaque nesse conjunto tão harmônico). E o espetáculo, que teria tudo para ser pesado e agressivo, consegue equilibrar-se entre a denúncia e o deleite, de modo a conferir a esta montagem um certificado de seriedade, qualidade e oportunidade".1

Em 2002, o Grupo XIX de Teatro recebe os prêmios Associação Paulista de Críticos de Artes - APCA e Qualidade Brasil de revelação como grupo teatral.

Notas
1. PALLOTTINI, Renata. A denúncia e o deleite. Bravo!, São Paulo, n. 57, jun 2002. p. 127.


Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Teatro de Ontem e de Hoje (Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá)

Em estilo realista, a peça de Fernando Mello faz um retrato da solidão humana na metrópole, por meio de um viciado que sonha ser Greta Garbo. Na função de coadjuvante, o jovem ator Mário Gomes conduz o espetáculo e surpreende a crítica.

A história, ambientada no subúrbio carioca, se passa no apartamento de Pedro, que sonha ser Greta Garbo. Pedro acolhe Renato, um jovem que chega do interior para estudar medicina. No primeiro ato, o jovem, que tem por amante uma prostituta, vive o conflito da definição sexual devido ao envolvimento com seu anfitrião.

Renato acaba roubando drogas na enfermaria onde trabalha para satisfazer Pedro, que nega abrigo à prostituta quando ela se vê perseguida pela polícia.

Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá se sustenta na construção psicológica de Pedro, Renato e Mery, nos diálogos e no conflito que liga as três personagens. A trama, que começa como comédia e desemboca na crueldade e na amargura da relação entre os dois personagens masculinos, se conclui com a solidão do protagonista.

Em crítica para o Jornal do Brasil, Yan Michalski elogia a solidez do realismo construído pelo autor e a densidade dos personagens masculinos. Faz restrições ao esquematismo do papel da prostituta, que tem aparições episódicas, insuficientes para lhe atribuir densidade semelhante à de Pedro e Renato.

Aldomar Conrado, em crítica para o Diário de Notícias, escreve que na peça se encontram "as características muito especiais desse pernambucano radicado no Rio: seu humor ácido, seu diálogo incisivo, sua capacidade de, em rápidas pinceladas, definir toda uma situação".1

Sobre o espetáculo, depois de criticar algumas escolhas da direção, como o uso de slides para sublinhar a passagem de tempo, afirma: "Já no campo dos atores, Léo Jusi conseguiu um rendimento surpreendente. E algo de muito especial terminou acontecendo. Embora Nestor de Montemar e Arlete Salles possuam toda aquela experiência de teatro, Mario Gomes, ainda engatinhando no teatro e na televisão é que vai conduzir o espetáculo. Bonito de ver como este jovem ator consegue tirar rendimento da sua própria inexperiência. [...] Nestor de Montemar em seu melhor momento no teatro. A 'louca' amargurada que sonhava ser Greta Garbo, comove e convence".2

Notas

1. CONRADO, Aldomar. Greta Garbo de Irajá. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 08 jul. 1973.

2. CONRADO, Aldomar. Greta Garbo: o espetáculo. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 10 jul. 1973.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Gota d'Água)

Peça de Paulo Pontes e Chico Buarque, inspirada numa adaptação de Medéia, de Eurípides, realizada por Oduvaldo Vianna Filho para a TV. Associada ao teatro de resistência, a montagem tem dois objetivos principais: retratar a realidade brasileira de modo contundente, apelando para uma fábula grega universalmente conhecida e criar um grande espetáculo musicado.

Ambientado numa favela - que está sendo reurbanizada através da construção de um conjunto habitacional - o enredo ressalta a dramática convivência de Joana e Jasão, o sambista que, depois de dez anos de vida em comum com ela, decide abandoná-la e aos dois filhos para se casar com a jovem Alma, a filha do empreiteiro Creonte, a quem pertencem as casas da Vila do Meio-Dia. O fundo social, uma dura crítica ao milagre econômico então em curso, surge através da mobilização da população do morro contra os preços extorsivos das unidades postas à venda. Incapaz de aceitar a traição, Joana acaba por envenenar as duas crianças, no dia da festa de casamento de Jasão. A música de Chico Buarque atribui algumas características de musical a este drama social denso, e diversas das canções da peça tornaram-se grandes sucessos na voz de vários intérpretes.

Destacam-se a direção de Gianni Ratto e a interpretação de Bibi Ferreira como a protagonista, destacam-se e valorizam a montagem, tendo sido registrados em disco seus momentos culminantes. O crítico Alberto Guzik, comentando a encenação, destaca os intérpretes, aos quais credita os melhores resultados do trabalho: "Todos eles (atores) transfigurados, reiluminados por essa grande e sensível intérprete que é Bibi Ferreira. Tão fantástico é o seu dom para o teatro que consegue superar seus próprios limites físicos para viver Joana, a Medéia brasileira, com uma garra de leoa, um ímpeto, uma honestidade que ultrapassam barreiras de tempo e de estilo, de escola e de forma. Bibi mostra o que é o ator quando entra em cena banhado dessa emoção sagrada que é energia teatral transformada em personagem vivida às últimas consequências".1

Desde Um Edifício Chamado 200, em 1971, Check-Up, e Dr. Fausto da Silva, em 1973, Paulo Pontes explora temas ligados à contraposição da pobreza ao poderio econômico (em 1972 traduz O Homem de la Mancha, musical de Dale Waserman sobre a história de D. Quixote, no qual o tema está igualmente presente). São criações que afirmam a crença no poder de um teatro da palavra, colocado como contraponto de racionalidade às experiências vanguardistas e contraculturais que impregnam o período. Gota d'Água, neste sentido, coroa este itinerário.
Notas

1. GUZIK, Alberto. As gotas da emoção. Última Hora, 21-22 maio 1977. p. 11.


Fonte:
Enciclopédia Itaú Cultural

sábado, 29 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Estrada do Tabaco)


Segundo espetáculo do Teatro Popular de Arte, marca a estréia do diretor italiano Ruggero Jacobbi, no Brasil e é considerado por alguns críticos o primeiro espetáculo naturalista do teatro brasileiro.

Estrada do Tabaco, estreada com nome de Tobacco Road, de Erskine Caldwell e Jack Kirkland, é escolhida pelo empresário Sandro Polloni em virtude do sucesso da montagem na Broadway, onde atinge mais de 3 mil récitas. Depois de realizar Anjo Negro, enfrentando a baixa popularidade de Nelson Rodrigues, na época, o Teatro Popular de Arte - TPA convida para assumir o trabalho de direção Ruggero Jacobbi. No entanto, em depoimento à pesquisadora Tania Brandão, Sandro Polloni afirma, 30 anos depois, que quem dirigiu os atores foi Itália Fausta e que Ruggero Jacobbi "colaborou, porque trouxe idéias novas",1 o que explica a falta do crédito relativo à categoria direção no programa do espetáculo.

O texto mistura doses de hiper-realismo a um humor corrosivo. A história se passa no universo de uma família de famintos cuja única fonte de renda é a venda da madeira de um carvalho. As terras pertenciam ao avô, plantador de tabaco, até que a propriedade e a lavoura foram sendo gradativamente degradadas pelos herdeiros. Na primeira parte da peça, a ação apresenta os pequenos conflitos e as atividades rotineiras dos miseráveis. Subitamente, recebem o anúncio da visita do dono das terras e passam a acreditar que a vinda dele possa melhorar a vida do grupo.

O cenário de Laszlo Meitner procura unir realismo e síntese: o palco coberto de terra, barris com água e destroços reais de um velho automóvel. A direção, sem fugir do risco da monotonia, investe na lentidão do tempo naturalista, valorizando as pequenas ações e a ambientação. O crítico Henrique Oscar, ao comentar o espetáculo, faz referência ao pioneiro do naturalismo, André Antoine, e à sua companhia, o Théâtre Libre. A interpretação dos atores, no entanto, destoa da proposta geral, que se evidencia com precisão nos elementos visuais.

As apreciações críticas divergem quanto ao resultado final. Décio de Almeida Prado faz ressalvas à encenação que, segundo ele, transforma o realismo em caricatura e empobrece o texto. A interpretação cômica de Ziembinski para o velho Lester e o tom melodramático de Itália Fausta na cena final merecem reprovações, embora a atriz receba na maioria das críticas elogios à segurança e maestria de sua interpretação. Sergio Britto escreve, no Diário de Notícias, que o espetáculo resulta paradoxal: "é uma tragédia que se assiste rindo".2

Notas 

1. POLONNI, Sandro. Depoimento. In: SILVA, Tania Brandão da. Peripécias modernas: companhia Maria Della Costa. 1998. 398 p. Tese (Doutorado em História da Arte)-Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998. p. 174.

2. BRITTO, Sergio. Citado em In: SILVA, Tania Brandão da. Peripécias modernas: companhia Maria Della Costa. 1998. 398 p. Tese (Doutorado em História da Arte)-Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998. p. 177.

Fonte:

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Eles Não Usam Black-Tie)


Espetáculo que inicia a fase nacionalista do Teatro de Arena e lança o autor Gianfrancesco Guarnieri, que serve de modelo e estimulo para outros jovens escritores dramáticos brasileiros.

Em 1957, José Renato resolve assumir a produção de O Cruzeiro Lá no Alto, texto de Gianfrancesco Guarnieri, prevista para ser a última montagem do grupo, que passa por graves dificuldades financeiras.

Rebatizada, por sugestão de José Renato, como Eles Não Usam Black-Tie, provocativa referência ao Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, e a seu público. A peça trata de uma greve operária, colocando em cena moradores de uma favela e seus problemas socioeconômicos. O texto faz um recorte preciso de um momento altamente dramático: o jovem operário Tião fura o movimento grevista, pois, tendo engravidado a namorada, teme perder o emprego na hora em que mais necessita dele. As conseqüências de sua atitude são dolorosas e ele é obrigado a enfrentar não apenas seu pai, o líder grevista, mas também sua própria namorada, que o impele à frente de luta e o abandona.

Eugênio Kusnet, com sua larga experiência no método de Stanislavski, encarna o velho Otávio; Lélia Abramo, politizada intelectual vinda de experiências junto a grupos operários anarquistas, vive a mãe Romana; Miriam Mehler, recém-formada pela Escola de Arte Dramática - EAD, encarrega-se de Maria, amor de Tião, interpretado pelo melhor ator do Arena no período - Gianfrancesco Guarnieri, depois substituído por Oduvaldo Vianna Filho. Os outros papéis cabem a Flávio Migliaccio, Riva Nimitz, Chico de Assis e Milton Gonçalves.

A encenação de José Renato é simples, direta e eficiente. Valoriza o enredo e dá corpo às personagens, imprimindo dramaticidade e energia à ação. Utiliza um samba composto por Adoniran Barbosa para pontuar passagens significativas da trama. Êxito surpreendente para quem pensava em fechar as portas, Black-Tie permanece um ano em cartaz, cumprindo posteriormente bem-sucedida carreira no interior de São Paulo e no Rio de Janeiro. Animado pelo sucesso, o Arena investe forças na criação de outros textos nacionais, instituindo o Seminário de Dramaturgia, de onde sairão os textos para as montagens seguintes, que respondiam à necessidade do público de ver nos palcos a realidade nacional. Até 1960, foram montados, entre outros: Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Vianna Filho; Quarto de Empregada, de Roberto Freire; Fogo Frio, de Benedito Ruy Barbosa. 

Destaca o crítico Sábato Magaldi: "A encenação de José Renato foi, até aquele momento, a mais homogênea e de rendimento uniforme e satisfatório. E a recompensa supunha muitas dificuldades para transmitir a veracidade do texto, porque formavam o elenco atores inexperientes ou estrangeiros. Valorizou a montagem a maturidade, orientada no sentido do despojamento. [...] Em poucos trabalhos ele não revela a preocupação de inventar algo, para que sua presença ficasse marcada. Aqui, o encenador se libertou da sedução de impor os próprios achados e atingiu a autenticidade, por despir o conjunto de efeitos. Não seguiu, também a falsa pista do pitoresco no morro, despreocupando-se da tarefa quase impossível, na arena, de mostrar a cor local".1

Eles Não Usam Black-Tie é a primeira de muitas outras encenações que colocam o Teatro de Arena como o conjunto de maior representatividade em São Paulo até meados da década de 1960.

Notas 

1. MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: o Arena em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Fonte:

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Dois Perdidos Numa Noite Suja)


Estréia profissional de Plínio Marcos, autor de textos marcadamente ligados ao universo da marginalidade, que enfrenta longa luta contra a censura ao longo dos anos 1960 e 1970, tornando-se um símbolo de resistência.

A primeira montagem de Dois Perdidos Numa Noite Suja, ocorre no Bar Ponto de Encontro, da Galeria Metrópole, em São Paulo. O impacto vem, inicialmente, de sua forma extremamente despojada: apenas dois homens conversam, Paco (Plínio Marcos) e Tonho (Ademir Rocha), num paupérrimo quarto de pensão, sobre a dura sobrevivência. A aspereza do diálogo vai atingindo contornos grotescos e absurdos, perceptíveis na briga desencadeada em torno de um par de sapatos; o clima de desamparo e desespero crescentes levará à agressão física e ao assassinato de Tonho. O ponto de partida para a construção do texto veio de um conto de Alberto Moravia, O Terror de Roma. 

Defendendo sua própria criação, Plínio atinge como ator todas as nuanças exigidas pela personagem Paco. A direção de Benjamin Cattan é discreta, apenas um amparo para o texto evidenciar toda a sua potência. A boa acolhida junto aos críticos leva a montagem a ser transferida para o Teatro de Arena, logo ganhando a adesão do público.

"Há no conflito de Dois Perdidos uma evolução crítica sobre a dissolução das classes (...) uma linguagem emocionante, despojada, termostática nas graduações da temperatura social e dramática, em que a palavra sobe e desce para determinar as situações humanas, levadas de limite em limite até o extremo fatal e inexorável de uma realidade que condena. (...) O final da peça é a hemorragia do câncer. Impiedoso. Cruel. Anti-romântico.", salienta o crítico Alberto D'Aversa num de seus comentários sobre a realização paulista".1

Em 1967, um ano após a montagem original, uma outra encenação, agora dirigida no Rio de Janeiro por Fauzi Arap e protagonizada por ele e Nelson Xavier, é aclamada por público e crítica. O texto é transportado para as telas, em filme realizado por Braz Chediak em 1970, ganhando várias remontagens no decorrer das décadas seguintes. Em 2003, José Joffily filma um adaptação de Paulo Halm para o texto, na qual Paco (Débora Falabella) e Tonho (Roberto Bontempo) são dois imigrantes ilegais em Nova York.

Nota 

1 D'AVERSA, Alberto. Dois Perdidos Numa Noite Suja. Diário de São Paulo, São Paulo, 27 dez. 1966.

Fonte:

domingo, 23 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Diário de um Louco)


Adaptado do conto homônimo de Nikolai Gogol, o monólogo do funcionário público que vive a fantasia esquizofrênica do poder e da riqueza é realizado pelo Teatro do Rio, em 1964. A interpretação estilizada, entre o ridículo e o patético, marca a carreira de Rubens Corrêa. Trinta e quatro anos depois, o texto ganha nova leitura, interpretado por Diogo Vilela, com direção de Marcus Alvisi.

O monólogo é uma adaptação do conto de Nikolai Gogol, escrito no século XIX, que antecipa a fase áurea do realismo russo. O autor constrói um funcionário público, Axenty Ivanovitch Propritchine, que é a encarnação da insignificância: sua existência pobre e solitária se mostra no pequeno quarto em que vive, sua falta de importância no emprego é pateticamente simbolizada pela função que ocupa: funcionário de apontar penas de escrever. Para escapar da pequenez de sua vida, ele cria para si um mundo de fantasias, uma nova identidade que cresce até fazer dele um rei. A segunda parte da história o coloca em um manicômio. Metáfora sobre a alienação, o texto mergulha profundamente nas causas sociais da loucura mostrando que, na cisão entre realidade e desejo, entre o mundo que se oferece para ser vivido e o mundo a que não se tem acesso, cria-se um abismo que cinde a personalidade.

A montagem de 1963 salva o Teatro do Rio de uma crise financeira que parecia irreversível. Com o teatro fechado e pagando dívidas, os sócios Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque ensaiam durante um ano e meio em tempo integral, dividindo-se entre o palco, o estudo do texto e a pesquisa da cultura russa. Embora a adaptação do texto já tivesse sido encenada na França, no Brasil eram incomuns tanto a transposição de textos literários para o palco quanto os monólogos. 

A iniciativa tem excelente repercussão e durante três anos, com intervalos para outras montagens, o espetáculo faz novas temporadas e turnês pelo país. No entanto, apesar de aplaudir a iniciativa e a qualidade da montagem, a crítica em geral se dedica mais ao elogio do texto do que à montagem - e o espetáculo não recebe nenhum prêmio. O ator Rubens Corrêa, vinte anos depois, em entrevista a Simon Khoury, considera este trabalho o melhor desempenho de sua carreira, o mais difícil tecnicamente e o que lhe exigiu maior entrega: 

"A sensação mais próxima de pronto que eu tive foi no Diário de um Louco. (...) Talvez nesse espetáculo eu tenha estreado perto do que queria, e quando acabou eu achava que estava perto também do meu objetivo. Recordo muito bem que nas últimas semanas (...) minha comunicação com o público estava tão linda, tão fácil, que comecei a querer enfeitar demais, aí me tranquei com o Ivan no teatro e comecei a limpar tudo, tirar os excessos, extirpar o supérfluo até atingir aquele grau de pureza absoluto, aquele ponto de simplificação total. Quando consegui alcançar esse ponto, ficou ótimo, e falei comigo mesmo: Rubens, agora realmente você pode parar de fazer o espetáculo, porque você não tem mais nada a declarar. (...) Nessa peça foi onde me aproximei mais das pessoas, onde cheguei mais perto delas. Penetrei em suas entranhas, fazia o que queria com o interior delas".1

Em 1997, Diogo Vilela retoma o papel, e a encenação fica a cargo de Marcus Alvisi. O diretor procura dar ao texto um tratamento leve, centrado mais na personagem do que no mundo que o esmaga. Há pinceladas de humor e a tentativa de se descolar da linguagem realista, ao mesmo tempo que se desenha o trajeto do espetáculo pela relação emotiva com a platéia. No teatro da Casa da Gávea, o público, acomodado em uma arquibancada, se encontra bem próximo à exígua área cênica. A intimidade que se cria entre o ator e a platéia é utilizada por Diogo Vilela com uma interpretação olho a olho e a projeção da interioridade do personagem.

A crítica Barbara Heliodora aplaude a realização da Casa da Gávea, recém-inaugurada e já com perfil definido, "fazendo clara opção por montagens austeras (...), vem encontrando um caminho digno de nota, no qual a qualidade tem sido a força norteadora".2 A crítica enaltece também a tradução de Luís de Lima e a dramaturgia de Roberto de Cleto. O trabalho de Diogo Vilela recompensa, segundo ela, a ida ao teatro: "Mais conhecido por suas atuações em comédia, Diogo Vilela consegue dar a gradação correta ao trajeto do personagem, numa atuação rica, variada e obviamente trabalhada com muito amor; se o seu pobre funcionário é patético e vítima de uma sociedade injusta, ele colabora para o próprio destino com suas invejas e manias, ele não é apenas um boneco na mão do destino, ele existe e é multifacetado".3

O crítico Macksen Luiz comenta os elementos do espetáculo: "A música vai um pouco de encontro com este detalhamento da cena ao sublinhar aquilo que o ator vive com economia de meios expressivos. Os dois momentos da personagem - a dissociação da realidade e o confinamento no manicômio - estão bem marcados pelo diretor, que consegue aproveitar a pausa (inclusive para a mudança do cenário) para criar um belo impacto cênico para registrar a transformação do tempo. A iluminação de Marcus Alvisi também marca com desenho detalhista as passagens de tempo, e os figurinos de Kalma Murtinho mostram um requinte de criação na precariedade da sua pobreza, enquanto o efeito cênico da camisa de força explode numa beleza melancólica no adereço da coroa de talheres".4

Notas

1. CORRÊA, Rubens. Depoimento prestado a Simon Khoury. In: ATRÁS da Máscara. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. v. 2, p. 324. 

2. HELIODORA, Barbara. Arte inspirada na perturbação mental. O Globo, Rio de Janeiro, 20 set. 1997.

3. Ibid.

4. LUIZ, Macksen. A grandeza humana numa pequena jóia literária. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 set 1997.

Fonte:

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Corpo de Baile)


Terceira produção do grupo Boi Voador, fruto de experiências anteriores com adaptações para a cena de originais literários. Aqui é estabelecida uma entropia sobre a obra Corpo de Baile, de Guimarães Rosa, um conjunto de novelas em que cada uma é denominada 'coreografia'. 

Esse espírito roseano ligado à música e à dança fornece estímulo para Ulysses Cruz, o encenador, e Débora Colker, a responsável pela direção de movimento, materializarem em cena imagens diretamente construídas sobre o ritmo e a agilidade. O ponto de partida é a visão míope do pequeno herói Miguilim, ou seja, uma realidade circundante percebida por essa visão desfocada. Os trabalhos de dramaturgia e assistência de direção ficam ao encargo de Jayme Compri, que estabelece um roteiro composto por sete movimentos: 1) o despacho de Guimarães Rosa; 2) a visão de campo de Miguilim; 3) a busca de Cara de Bronze; 4) a casa ensolarada das mulheres; 5) uma história de amor na festa de Manuelzão; 6) Dão-Lalaão: Doralda e Soropita; 7) o recado. 

A música de André Abujamra é composta por sonoridades estranhas e rock, conferindo ao todo, juntamente com a iluminação de Domingos Quintiliano e Edvaldo Rodrigues, o pretendido teor não-realista e a descontextualização do espaço em que a ação se desenvolve. Os figurinos de Domingos Fuschini sugerem soluções de super-heróis para os jagunços e diáfanos tecidos para as mulheres sertanejas. Grandes carretéis de madeira, utilizados de formas diversas pelos atores, compõem a cenografia do espetáculo.

Saudado como uma encenação inovadora e que areja a aproximação com um escritor tomado como regionalista, Corpo de Baile faz grande sucesso nas diferentes cidades onde se apresenta. Em 1992 o grupo realiza uma segunda versão do espetáculo, alterando diversas passagens, para levá-lo à Europa. A excursão por diversos países confirma o prestígio da montagem, sintoma do universalismo do teatro nos anos 80, prenunciado por Macunaíma na década anterior.

O crítico Roberto Peres assim sintetiza o impacto produzido pela montagem: "Se a dança vem procurando eliminar as distâncias com o teatro, numa separação que nunca existiu, mas acabou simulada por imposições, há mais tempo ainda o teatro assumiu a dança como parte que sempre foi do seu corpo. E este ganhou projeção no espaço cênico, e nessa vitória Ulysses Cruz atinge o ponto máximo. Seu elenco é ágil, bonito, expressivo, capaz de utilizar várias técnicas e linguagens para contar as novelas de Rosa. Destaque para a postura física do elenco na primeira parte da gênese, Miguilim, acocorado para dar exatamente a ótica míope da criança vendo o mundo de baixo para cima. A seguir o esplendor e a sensualidade dos corpos dos vaqueiros, que celebram uma inebriante festa de Manuelzão sobre os carretéis, trançam suas lanças para criar malhas e armadilhas. Depois a sensualidade explosiva das Mulheres Imaginárias de Guimarães, derramando-se em seguida nas surpreendentes imagens do Cara de Bronze. E nessa entropia tudo é possível, até o carretel de fogo que corta o palco".1 
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Notas
1. PERES, Roberto. Corpo de Baile: uma aproximação da dança com a beleza. A Tribuna, Santos, p. 7, 7 ago. 1988. 

Fonte:

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Cordélia Brasil)


Primeiro texto de Antônio Bivar a chamar a atenção, encenado por Emílio Di Biasi, que estréia na direção e protagonizado pela musa do cinema nacional, Norma Bengell. A peça causa polêmica por mostrar a vida íntima de um casal e valorizar a subjetividade das personagens, que expressam sem pudores suas misérias tendência que diverge da dramaturgia engajada da geração anterior.

Para sustentar seu companheiro Leônidas, que sonha em ser escritor de histórias em quadrinhos, Cordélia, além de trabalhar como auxiliar de escritório, começa a se prostituir. Ela traz para casa um jovem de 16 anos, Rico, que acaba morando com eles. Forma-se então um triângulo, em que se insinua a cumplicidade entre os dois homens, já que Rico se identifica com o comportamento de Leônidas para com Cordélia. A relação torna-se cada vez mais conflituosa, acabando por precipitar um desfecho trágico que, paradoxalmente, é tratado de forma poética e absurda. 

Entre 1968 e 1969, estréiam vários jovens autores que começam a despontar com uma nova dramaturgia, tributária da trilha aberta por Plínio Marcos, mostrando a exacerbação de conflitos entre personagens marginalizadas: Leilah Assumpção, Consuelo de Castro, José Vicente e Isabel Câmara. Segundo Sábato Magaldi, "a desilusão pelo recuo do movimento internacional de maio de 1968, as forças repressoras que tomaram maior fôlego com o Ato Institucional nº 5, o escárnio do Poder diante das necessidades legítimas do povo forçaram esse grupo a defender-se em códigos subjetivos, confundidos com a idéia de que ele via o mundo a partir do próprio umbigo. A ausência de preconceitos encontrará, nessa dramaturgia, o resultado da sufocação, a que se deu resposta rebelde, de vários tipos".1

O texto, cujo título original é O Começo É Sempre Difícil, Cordélia Brasil, Vamos Tentar Outra Vez, é premiado no 1º Seminário de Dramaturgia do Rio de Janeiro, em 1967. No ano seguinte, a montagem é interditada pela Censura durante o período de ensaios, juntamente com Barrela, de Plínio Marcos, e Santidade, de José Vicente. Uma leitura dramática é organizada na cobertura de Danusa Leão para que os intelectuais cariocas conheçam a obra. O evento é bem-sucedido e os críticos vão aos jornais interceder pela liberação do texto, que consegue subir à cena ainda em 1968, com o título de Cordélia Brasil, no Teatro Mesbla.

Enfatizando aspectos da construção do texto, analisa Yan Michalski: "À medida que o desfecho se aproxima, Bivar introduz no tom de realismo, até então característico da peça, um surpreendente elemento de fantasia, que cresce e se expande com enorme rapidez, a ponto de acabar por sobrepor-se, inexoravelmente, ao realismo. A saída final de Leônidas se desenrola num clima de alucinada lógica sem lógica, que me faz pensar, toda vez que releio a peça, em Pierrot le Fou, de Godard; e o suicídio de Cordélia é, ao mesmo tempo, comovente e engraçado na sua cafonice: as últimas palavras da heroína, que se referem à marca que ela deixará da sua passagem pela Terra - uma fotografia para a qual posou nua, na praia, a pedido de um fotógrafo americano -, constituem uma das mais poéticas contribuições para a antologia de nosso florescente tropicalismo. A facilidade com a qual Bivar conseguiu passar do realismo para a fantasia me pareceu constituir a mais evidente prova do seu talento".2

A crítica se divide quanto à encenação de Emílio Di Biasi, alguns considerando o espetáculo jovem e imaturo, mas Bivar é amplamente elogiado na imprensa, e a presença de Norma Bengell como protagonista garante o afluxo do público ao teatro. 
O espetáculo viaja a São Paulo, é apresentado no Teatro de Arena e ganha os prêmios Associação Paulista dos Críticos de Artes, APCA, e Governador do Estado de melhor autor para Bivar e APCA de melhor atriz para Norma Bengell. Durante a temporada paulista, Bengell é seqüestrada por dois dias pelos agentes da repressão, acirrando o confronto entre a classe teatral e a ditadura militar.

Vinte anos depois, afirma o crítico Sábato Magaldi: "Cordélia Brasil já é um clássico do moderno repertório teatral brasileiro".3
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Notas 

1. MAGALDI, Sábato. Panorama do Teatro Brasileiro. São Paulo: Global, 1997, p. 308-309.

2 . MICHALSKI, Yan. Suicídio Tropical. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 1968. In: BIVAR, Antonio. As Três Primeiras Peças. Londrina, Azougue Editorial e Atrito Art. Editorial, 2002, p. 15.

3. MAGALDI, Sábato. Sem Título. In: BIVAR, Antonio. As Três Primeiras Peças. Londrina, Azougue Editorial e Atrito Art. Editorial, 2002, p. 17.

Fonte:

domingo, 16 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Chiquinha Gonzaga, Ó Abre Alas)


O espetáculo homenageia Chiquinha Gonzaga, numa biografia musical da compositora e abolicionista carioca. A peça, escrita por encomenda do Teatro Popular do Sesi a Maria Adelaide Amaral, tem sua primeira montagem em São Paulo, sob a direção de Osmar Rodrigues Cruz, em 1983. Quinze anos depois, comemorando os 150 anos de aniversário do nascimento da artista, o Rio de Janeiro apresenta uma remontagem modernizada, numa grande produção encabeçada pelo diretor Charles Möeller e o diretor musical Claudio Botelho. 

A peça de Maria Adelaide Amaral fala da vida pública da compositora que, em meados do século XIX, disse não aos papéis tradicionais da mulher, tornando-se profissional da música e envolvendo-se em todas as grandes causas sociais e políticas do seu tempo. A sua primeira montagem é de 1983 e tem direção de Osmar Rodrigues Cruz, cenografia de Flávio Império, protagonizada por Regina Braga, à frente de grande elenco, numa superprodução do Teatro Popular do Sesi, TPS. O texto apresenta 140 personagens, que a direção distribui entre os 32 atores do elenco, cada um se desdobrando em até seis papéis, numa chave cênica similar ao sistema coringa, de Augusto Boal. 

O cenógrafo Flávio Império fragmenta a cena ao máximo, empurrando-a para fora de seus limites em direção ao público, criando também diversos planos para atender as exigências do texto. Os figurinos, adereços, perucas e chapéus, compostos por mais de seiscentas peças, são divididos em cores: para as mulheres, os tons da primavera e para os homens predominam o branco e o preto. O espetáculo arrebata vários prêmios, dentre eles, Instituto Nacional de Artes Cênicas, Inacen de um dos cinco melhores espetáculos do ano, Molière de melhor autor para Maria Adelaide Amaral, melhor atriz para Regina Braga, Associação Paulista de Críticos de Artes, APCA de melhor cenografia e figurinos para Flávio Império, melhor direção musical para Oswaldo Sperandio, e APCA grande prêmio da crítica para Osmar Rodrigues Cruz, pelos 20 anos de trabalho à frente do TPS. Em mais de um ano e meio em cartaz, a montagem foi vista por cerca de 300 mil espectadores.

A montagem carioca ocorre quinze anos depois, passando por algumas modernizações, sob o título de O Abre Alas, com encenação de Charles Möeller e direção musical de Claudio Botelho. Nessa versão, encabeçada por Rosamaria Murtinho, Chiquinha Gonzaga, a militante da causa abolicionista, da campanha republicana e da luta pelo reconhecimento do direito autoral, é também destacada por seus feitos artísticos e sua participação política. 

Enquanto as cenas de diálogo apresentam o contexto histórico, as cenas musicais mostram a compositora. Nos diálogos, a atriz lança mão de uma interpretação levemente distanciada, que valoriza a clareza da argumentação. Nos números musicais, surge uma igualmente suave estilização, que investe na graciosidade dos movimentos.

O espetáculo recebe um tratamento de grande musical, com cantores, coro e linguagem grandiloqüente. As músicas de Chiquinha Gonzaga são misturadas a canções do diretor musical e de outros compositores da época. A crítica Barbara Heliodora, considerando que o trabalho de Rosamaria Murtinho é responsável pela única e "verdadeira tentativa de chegar perto da homenageada", condena quase integralmente o resultado final, principalmente sua grandiosidade: "Na verdade, as pequenas incursões de Rosamaria pelo canto são muito melhores (porque agradáveis) do que as dos supostos cantores".1 A crítica Mariângela Alves de Lima, que observa que a peça não permite ver a opressão feminina sofrida por Chiquinha, vê qualidades no texto e na montagem: "Mas há, na estrutura da peça, um lugar reservado para o exercício da fantasia, da imaginação e dos outros atributos humanos que, na verdade, alimentam o impulso para a participação na vida coletiva. A artista, poética e sonhadora, se expressa por números musicais. Dividindo com nitidez um plano dramático da militância, configurado nos diálogos, e o da criação, concentrado nos números musicais, o roteiro propõe uma complementaridade quase ideal para o gênero musical. (...) Espetáculo com muitas formas e com algumas formas nada discretas, deleitando-se com a engenhosidade da cenotécnica e da iluminotécnica, com a habilidade vocal dos seus cantores e músicos, funciona também como a celebração de um gênero teatral que deixamos de cultivar".2

Notas
1. HELIODORA, Barbara. Uma grandiosidade que não alcança Chiquinha Gonzaga. O Globo, Rio de Janeiro, 6 set. 1998.

2. LIMA, Mariângela Alves de. 'O Abre Alas' celebra a emancipação da mulher. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 1999.

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sábado, 15 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Cartas Portuguesas)


Baseado nas cartas amorosas escritas por uma freira no século XVII, o espetáculo de Bia Lessa desdobra a personagem em duas atrizes, Luciana Braga e Carla Camurati, num palco que abriga uma cenografia natural de plantas e águas.

Interna no Convento Concepção de Beja, em Portugal, a madre Mariana Alcoforado escreve cartas ao amante, um oficial militar que servia na França. As cinco cartas escritas e postumamente publicadas foram adaptadas pelo cineasta Julio Bressane para o espetáculo dirigido por Bia Lessa.

O cenário de Fernando Mello da Costa, constante parceiro da encenadora, monta um ambiente bucólico, com o palco coberto de terra e cortado por um riacho, preenchido de árvores e pedras. A composição concreta de um bosque retrata menos o lugar de uma ação do que a subjetividade da apaixonada. O texto, de inegável veia romântica, preserva do original a descoberta do amor e, na ausência do ser amado, a dedicação ao próprio sentimento, expressa em frases como: "Odeio a tranqüilidade da minha vida antes de te conhecer". 

Em crítica para a revista Veja, Arnaldo Lorençato escreve: "O palco se inunda de sensualidade na pele de Carla Camurati, enquanto Luciana Braga compõe uma religiosa de delicadeza e fragilidade surpreendentes. Num cenário magnífico recortado por um riacho, a dureza da clausura ganha a aparência de floresta. Ali, Mariana se cobre de lama e tenta o suicídio. Seu tormento beira o insuportável, realçado pela trilha sonora, que inclui Polegnala e Todora, por coros femininos de vozes búlgaras. O dramalhão, no entanto, foi evitado. Há até humor, particularmente quando o texto revela as artimanhas femininas usadas para a conquista, como cozinhar ou costurar".1

A crítica Maria Lúcia Pereira aprofunda os princípios que fundam o trabalho da encenação: "Na exploração da teatralidade está a chave do trabalho de Bia Lessa. O cenário naturalista de um bosque (feito com árvores verdadeiras) cortado por um riacho é pontuado por signos de evidente falsidade. Neste sentido, é emblemática a pomba de papier mâché, mensagem dos amantes. Ela desce grotescamente do urdimento balançando-se na ponta de um barbante. É, neste momento, portadora de uma mensagem ao público: 'Isto é teatro'. Enquanto elemento cênico contém em si seu reaproveitamento na repetição do espetáculo no dia seguinte, e no dia seguinte, até o final da temporada. É assim no teatro, está convencionado. Porém, num momento de decisão, a pomba é arrancada do fio donde pende e literalmente enterrada na lama real. Rompe-se, deste modo, a convenção implícita. Bia Lessa não respeita limites, muito menos os tácitos, e circula voluntariamente entre o real e o simbólico. O truque teatral que não conta o segredo de seu funcionamento é aliado ao mais singelo exercício de interpretação - e aqui nos referimos especificamente à maravilhosa cena na qual Luciana Braga levita e transmite, num simplório jogo de salão de mímica, seus sentimentos mais profundos a Carla Camurati. Tanta simplicidade, envolta pela essência do teatro - o jogo - proporciona um momento de suspensão no tempo onde se opera a comunhão ritualística entre palco e platéia".2

Antecedido pela ópera Suór Angélica, de Giacomo Puccini, 1990, e sucedido por Don Giovanni, outra ópera, agora de Wolfgang Amadeus Mozart, 1992, Cartas Portuguesas integra um grupo de espetáculos que retrata a forte e instigante visualidade da encenação de Bia Lessa. 

Notas

1. LORENÇATO, Arnaldo. Cartas inflamadas. Revista Veja, São Paulo, ano 25, n. 18, abr.-mai., 29 abr. 1992. Veja SP, p. 68.

2. PEREIRA, Maria Lúcia. Um emocionante ritual cênico. O Estado de S. Paulo, S. Paulo, 22 abr. 1992. Caderno 2, p. 2.

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quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (Assim É...(Se Lhe Parece))


Espetáculo comandado por Adolfo Celi, baseado em texto de Luigi Pirandello, considerado uma das melhores realizações do Teatro Brasileiro de Comédia.

Na montagem dirigida por Adolfo Celi, o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, alcança grande sucesso de crítica e público. Toda a tarimba do encenador é aqui mobilizada, transformando a densa e fascinante rede de intrigas criada por Luigi Pirandello em oportunidade para uma soberba demonstração de talento nas interpretações.

A ação passa-se na casa do conselheiro Agazzi, para onde afluem os vizinhos, intrigados com o estranho comportamento do casal Ponza, cuja mulher nunca é vista. Após muitas conjecturas e declarações, que adensam o mistério em vez de elucidar o caso, a própria sra. Ponza surge em cena sem esclarecer a situação lançando, ao contrário, novas dúvidas. Ao público, assim como às estupefatas personagens, resta o relativismo da óptica mais conveniente de cada um.

A encenação conta com uma eficiente cenografia de Mauro Francini que, segundo Miroel Silveira, "desprezando os efeitos pirotécnicos, reduz-se (...) ao gabinete clássico, com três portas, uma ao fundo e duas outras, uma de cada lado, simetricamente dispostas".1

Os figurinos são de Rina Fogliotti, reconhecida pela competência de sua execução. O trabalho de caracterização, importante por criar com nuances grande número de velhos, fica a cargo de Leontij Timoszczenko.

Premiado por seu desempenho como o Sr. Ponza, Paulo Autran brilha e capitaneia um elenco que destaca ainda Waldemar Wey, igualmente premiado como coadjuvante; Cleyde Yáconis, Dina Lisboa, Monah Delacy, Fredi Kleemann, Luiz Linhares, Renato Consorte, entre outros.

Para o crítico Décio de Almeida Prado, a produção é simplesmente "o melhor espetáculo que o Teatro Brasileiro de Comédia apresentou até hoje. Um dos melhores, como peça, certamente o melhor como homogeneidade, como interpretação individual dos atores e, particularmente, como direção".2

Para o crítico Miroel Silveira, "pode-se dizer que Celi traduziu Pirandello para nós, não do idioma italiano ou do dialeto siciliano, mas da linguagem particular do autor para nosso sentido atual de vida. Sua direção, de tão límpida e despojada, chega às vezes a roçar pelo didatismo. Servindo-se de elementos formais rigorosamente dentro da velha tradição teatral, ele como que nos iluminou o texto até a transparência, mostrando em cada personagem não um autor polemizando, mas seres humanos vivendo em profundidade".3

Adolfo Celi e Cleyde Yáconis recebem em suas categorias o Prêmio Governador do Estado de São Paulo. 

Notas 

1. SILVEIRA, Miroel. Folha da Manhã, São Paulo, 7 out. 1953. Coletado por DIONYSOS. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, n. 25, set. 1980. Número especial sobre o TBC. p.95.

2. PRADO, Décio de Almeida. 'Assim É...(Se lhe Parece)'. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 20 set. 1953. 

3. SILVEIRA, Miroel. 'Assim É... (Se lhe Parece). In: ______. A outra crítica. São Paulo: Símbolo, 1976. p. 86.

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domingo, 2 de dezembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (As Mãos de Eurídice)


Monólogo de Pedro Bloch, estréia com Rodolfo Mayer no papel do homem que retorna à sua antiga casa, depois de perder o dinheiro e a amante. O imenso sucesso de bilheteria deve-se ao fato de a montagem aproximar o ator da platéia, tornando-a confidente de seu drama.

Na divulgação do espetáculo, anuncia-se que "Rodolfo Mayer representará sozinho, a mais curiosa e original das peças, descendo para a platéia e fazendo-a participar do espetáculo!" 

A ação se passa na casa onde o protagonista deixa mulher e filhos para viver uma aventura. Ao retornar, sete anos depois, pobre e abandonado pela amante, encontra a casa vazia. Vasculhando gavetas, vai descobrindo o que se passou na sua ausência. O título se refere às mãos da amante, Eurídice, hábeis na banca do cassino onde Gumercindo Tavares perde sua fortuna. Depois do sucesso no Brasil, Rodolfo Mayer se apresenta em Lisboa, onde o público se mostra igualmente compungido com a personagem, como mostra o trecho da crítica assinada por F.F.:

"Um homem regressa a casa sete anos depois de a haver abandonado. É um farrapo. Perdeu as ilusões, a fortuna, a alegria de viver. O seu cérebro doente é como uma imensa tela onde se projetam e sobrepõem imagens aparentemente desconexas dos dias longínquos: o rosto e as mãos da mulher amada; o pano verde da roleta; a confusão do lar distante. Ele está doente, tem os nervos abalados, à porta da loucura. Regressa a casa e a encontra vazia e procura, interrogando as paredes, vasculhando nas gavetas, saber o que se passou - encher o vazio do largo parêntesis da sua ausência. Pouco e pouco, como quem junta as pedras do 'puzzle' da própria existência, a realidade define-se. E o final acorda nele o arrependimento da vida que não viveu, num desespero patético de recuperar o tempo para sempre perdido".1

Tanto a crítica portuguesa quanto a brasileira elogiam, em Rodolfo Mayer, a máscara expressiva, a interpretação cuidada, a força dramática e a intensa comunicação com o público. Sua representação dá ao espectador a impressão de um real desnudamento psicológico, com verdade e, para espanto da platéia, com lágrimas autênticas e visíveis.

Apresentada, entre 1950 e 1970, 30 mil vezes em dezenas de encenações de 45 países, o sucesso da peça mostra, segundo o crítico Sábato Magaldi, "que o mau gosto e a subliteratura não são privilégio brasileiro, argentino ou mexicano, mas se repartem um pouco por todos os continentes".2 Em artigo para o Jornal da Tarde, por ocasião da remontagem realizada em São Paulo em 1970, Magaldi descreve a peça:

"Acontece que, perdida a fortuna no jogo e nos presentes, Gumercindo pediu à Eurídice que empenhasse ou emprestasse uma das jóias que lhe havia dado, para sair da difícil situação, e ela replicou: "Não me separarei destas jóias nunca! São as únicas recordações de um amor que já findou". Aí Gumercindo deu-lhe dois tiros e voltou da Argentina, dizendo: "Para salvar os filhos é preciso acabar com todas as Eurídices do mundo".

"(...) como Gumercindo e o público precisam ser informados do que se passou, Pedro Bloch deixa na casa abandonada uma gaveta providencial, que contém toda a história da família. (...) A ordem dos papéis é perfeita: primeiro um boletim com as notas do filho Ricardinho, depois receita de estreptomicina, a seguir conta do sanatório e por último telegramas de pêsames. Gumercindo se desvaira. Há também uma carta do Dr. Frederico, apaixonado pela mulher, atestando a fidelidade dela durante todos esses anos: "Só eu sei da pureza que você possui, do que você tem sofrido, da sua dedicação, do seu grande amor por Gumercindo". E Gumercindo, que subtraiu as jóias das mãos da Eurídice assassinada, pode dizer, no final, para a esposa ausente: "Eu quero cobrir as suas mãos de jóias. Eu quero as suas mãos, Dulce. Dulce! Eu voltei, Dulce! Eu voltei!"

"Provavelmente o sucesso da peça está em que Pedro Bloch atingiu a quintessência do lugar-comum e do melodrama. E encontrou atores, como Rodolfo Mayer, que levam às últimas conseqüências o estilo do monólogo, impressionando a platéia pela sinceridade e pela técnica interpretativa, aliás bastante envelhecida".3

Notas 
1. F.F. 'As Mãos de Eurídice'. A Notícia, Lisboa, s.d.
2. MAGALDI, Sábato. 'As Mãos de Eurídice'. Jornal da Tarde, São Paulo, 1970.
3. MAGALDI, Sábato. Op. Cit.

Fonte:

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Teatro de Ontem e de Hoje (A Pedra do Reino)


Depois das incursões de Antunes Filho pelo universo da tragédia grega nos primeiros anos de 2000, um antigo projeto de seu Grupo Macunaíma/Centro de Pesquisa Teatral - CPT, ganha forma: colocar no palco o universo ficcional de Ariano Suassuna, escritor e dramaturgo paraibano.

Baseada nos livros de Suassuna Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta e História do Rei Degolado nas Caatingas do Sertão: ao Sol da Onça Caetana, a montagem se organiza com base em conquistas estéticas e formais de outros espetáculos da companhia, lembrando particularmente a histórica encenação de Macunaíma, na gestualidade e na movimentação dos artistas. 

O protagonista, Dom Pedro Dinis Quaderna, "cruzamento de rei e de palhaço", encarcerado numa prisão na Paraíba, na década de 1930, narra suas peripécias e aventuras que o levaram a ser perseguido e condenado pelo Estado Novo. O pai e o padrinho mortos; a seita sebastianista, o messianismo e os episódios do massacre do Reino Encantado de Pedra Bonita, em São José do Belmonte, Pernambuco; a guerra entre famílias pelo poder na Paraíba; o coronelismo e a sujeição do povo local - tudo se desenrola no discurso de Quaderna, que, segundo um corregedor, passa "a vida toda se fazendo de bufão". Sobre a interpretação desafiadora e complexa de Lee Thalor, comenta Mariangela Alves de Lima: "A tarefa difícil de alternar o delírio criador e profético ao desencanto espiritual cabe, na encenação, ao ator incumbido de representar o narrador. Lee Thalor é um intérprete excepcional pelo fôlego digno de um cantador experiente, pela inteligência com que modula as tonalidades e intenções do texto, sobretudo, pela capacidade de revestir a personagem de maturidade atemporal".1

No plano da encenação, a ausência de cenário reserva a atores, figurinos, adereços e à música a composição da memória de Quaderna, cuja representação e reconstrução no palco são os méritos da montagem. A porção predominantemente discursiva do espetáculo espelha-se na procissão de personagens das lembranças que o "rasgo epopéico" do protagonista demanda. O elenco, graças ao trabalho meticuloso dos anos anteriores com a voz e o coro da tragédia grega, expõe seu engenho na execução ao vivo da trilha musical. Elementos da cultura, da história e da política brasileira ganham relevo em uma atmosfera que emula a precariedade e a pobreza - para superá-las - ao enfatizar o aspecto artesanal dos objetos de cena. 

Ainda segundo a crítica Mariangela Alves de Lima, com o caráter memorialístico da montagem, "Antunes Filho optou por um formato em que a personagem-autor da história se sobrepõe aos episódios que testemunha. Em parte, essa escolha é determinada pela empatia absoluta com a perspectiva existencial que resume a finalidade do inquérito de Quaderna. Chamado a prestar contas, preparando-se para o encontro com a 'Morte que me imortalizará', o herói bufão deve resumir, à guisa de defesa, o credo estético em que se alicerça a obra artística".2

O espetáculo recebe os prêmios BRAVO! e da Associação Paulista de Críticos de Artes - APCA de melhor espetáculo de 2006.

Notas

1. LIMA, Mariangela Alves de. O herói Quaderna ajusta contas no palco. O Estado de S. Paulo, São Paulo, Caderno 2, 22 ago. 2006. 
2. Ibidem.

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