sábado, 5 de setembro de 2009

Ryūnosuke Akutagawa (1892 – 1927)


Ryūnosuke Akutagawa (1 março, 1892 - 24 julho, 1927) foi um escritor japonês ativo no Japão durante o período Taishō. Ele é considerado o "Pai do conto japonês", e é famoso por seu estilo e suas histórias ricas em detalhes que exploram o lado negro da natureza humana.

Anos iniciais

Ryūnosuke Akutagawa nasceu no distrito Kyōbashi de Tóquio, a terceira criança e único filho de Toshizō Niihara e Fuku Niihara (nascida Akutagawa). Ele recebeu o nome de "Ryūnosuke" ("Filho Dragão") porque supostamente ele nasceu noAno do Dragão, no mês do Dragão, no Dia do Dragão, e na Hora do Dragão. Sua mãe enlouqueceu logo após seu nascimento, e ele foi adotado e criado por seu tio materno, Akutagawa Dōshō, de quem ele recebeu o nome de família Akutagawa. Ele mostrou interesse por literatura chinesa clássica desde a mais tenra idade, bem como pelos trabalhos de Mori Ōgai e Natsume Sōseki, ambos populares durante sua infância.

Ele entrou na Primeira Escola Superior em 1910, tornando-se colega de Kan Kikuchi, Kume Masao, Yamamoto Yūzō e Tsuchiya Bunmei, todos os quais futuramente tornar-se-iam autores famosos. Ele começou a escrever ao entrar na Universidade Imperial de Tóquio em 1913, onde estudou literatura inglesa.

Quando ainda estudante ele propôs casamento à uma amiga de infância, Yayoi Yoshida, mas sua família dotiva não aprovou a união. Em 1916 ele contraiu núpcias com Fumi Tsukamoto, com quem casou em 1918. Tiveram três filhos: Hiroshi Akutagawa (1920-1981) foi um ator famoso, Takashi Akutagawa (1922-1945) foi morto quando um recruta estudante na Birmânia, e Yasushi Akutagawa (1925-1989) um compositor famoso.

Após sua graduação ele ensinou por um curto período na Escola de Engenharia Naval em Yokosuka, Kanagawa como um instrutor de língua inglesa, antes de decidir dedicar-se exclusivamente à escrita.

Carreira literária

Em 1914, Akutagawa e seu amigos da escola reviveram o jornal literário Shinshichō ("Novas Correntes de Pensamento"), publicando traduções de William Butler Yeats e Anatole France junto com seus próprios trabalhos.

Akutagawa publicou seu primeiro conto Rashōmon no ano seguinte na revista literária Teikoku Bungaku ("Literatura Imperial"), quando ainda um estudante. A história, baseada num conto do século XII, com um profundo drama psicológico, foi em grande parte descartado pelo mundo literário, com exceção do famoso autor Natsume Sōseki. Encorajado por este apoio, Akutagawa considerou-se a partir de então discípulo de Sōseki, e começou a visitar o autor nas suas reuniões do seu círculo literário que ocorria toda quinta-feira. Foi também nesta época que ele começou a escrever haiku sob o haigo (nome literário) Gaki.

Estas reuniões o levaram a escrever Hana ("O Nariz", 1916), que foi publicado no Shinshicho, e novamente louvado por Sōseki. Akutagawa seguiu com uma série de contos ambientados no Japão do período Heian, período Edo e início do período Meiji, e baseavam-se nos temas da feiura do egoísmo e do valor da arte. Estas histórias reinterpretavam trabalhos clássicos e incidentes modernos de um ponto de vista moderno.

Exemplos destas histórias incluem: Gesaku zanmai ("Uma Vida Devotada a Gesaku", 1917) e Kareno-shō ("Colheita de um Campo Definhado", 1918), Jigoku hen ("Tela do Inferno", 1918); Hokōnin no shi ("A Morte de um Cristão", 1918) e Butōkai ("O Baile", 1920).

Akutagawa foi um forte oponente do naturalismo, que havia dominado a ficção japonesa no início do século XX. Ele continuou a inspirar-se em contos antigos, dando-lhes uma interpretação complexa moderna, mas, entretanto, o sucesso de histórias como Mikan ("Mexirica", 1919) e Aki ("Outono", 1920) o levaram a escrever cada vez mais utilizando uma ambientação moderna.

Em 1921, no auge de sua popularidade, Akutagawa interrompeu sua carreira literária para passar quatro meses na China, como reporter para o Mainichi Shinbun de Osaka. Esta viagem foi estressante e ele sofreu de várias doenças, das quais sua saúde nunca recuperar-se-ia. Logo após o seu retorno ele publicaria seu conto mais famoso, Yabu no naka ("Dentro do Bosque", 1922).

Anos finais

A fase final da carreira literária de Akutagawa foi marcada pela deterioração de sua saúde física e mental. Uma boa parte do seu trabalho desta época é claramente autobiográfico, partes mesmo tomadas diretamente de seus diários. Seus trabalhos durante este período, especialmente o Daidōji Shinsuke no hansei ("A Juventude de Daidōji Shinsuke", 1925) e o Tenkibo ("Registro de Morte", 1926) são introspectivas e refletem sua depressão e crescente impaciência com o deterioramento de seu estado mental.

Apesar de sua condição enfraquecida ele travou um debate espirituoso com o famoso autor Jun'ichirō Tanizaki. Akutagawa atacou Tanizaki sugerindo que o lirismo era mais importante que a estrutura numa história.

Os últimos trabalhos de Akutagawa: Kappa (1927), uma sátira baseada numa criatura do folclore japonês, Haguruma ("Roda Dentada", 1927), uma história de terror baseada numa mente sensível que perde gradualmente o senso de realidade, Aru ahō no isshō ("A Vida de um Idiota"), e o Bungeiteki na, amari ni bungeiteki na ("Literário, Literário Demais", 1927) revelam muito sobre o seu etado psicológico final.

No fim de sua vida Akutagawa começou a sofrer de alucinações visuais e nervosismo devido ao medo de que ele houvesse herdado a loucura de sua mãe. Ele tentou o suicídio em 1927, junto com um amigo de sua esposa, mas a tentativa não teve sucesso. Por fim ele suicidou-se tomando uma overdose de Veronal a 24 de julho desse mesmo ano. Suas últimas palavras no seu testamento diziam que ele sentiu uma "vaga ansiedade" (Bon'yaritoshita fuan, "vaga ansiedade" ). Contava com apenas 35 anos de idade.

Legado

Akutagawa não escreveu nenhum livro extenso, concentrando-se nos contos dos quais ele escreveu mais de 150 durante sua curta vida. Akira Kurosawa dirigiu o filme Rashōmon (1950) baseado nas histórias de Akutagawa; a maior parte da ação no filme era na realidade uma adaptação do conto Dentro do Bosque.

Em 1935, o grande amigo de Akutagawa, Kan Kikuchi, estabeleceu o prêmio literário de mais prestígio do Japão, o Prêmio Akutagawa, em sua honra. O prêmio é conferido anualmente a escritores iniciantes de potencial.


Trabalhos
1914
Rōnen (Velhice)
Rashōmon
1916
Hana (O Nariz)
Imogayu (Mingau de Mandioca)
Hankechi (O Lenço)
Tabako to Akuma (Tabaco e o Demônio)
1917
Ogata Ryosai Oboe gaki (Dr. Ogata Ryosai: Memorandum)
Gesakuzanmai (A sorte na escrita de novelas populares)
1918
Kumo no Ito (A Teia de Aranha)
Jigokuhen (Tela d’ Inferno)
Kareno shou (Comentário sobre o campo desolado para Bashou)
Jashūmon
Hōkyōnin no Shi (O Mártir)
1919
Majutsu (Mágica)
Ryū (Dragão)
1920
Butou Kai (O Baile)
Aki (Outono)
Nankin no Kirisuto (Cristo em Nanquin)
Toshishun (Tu Tze-chun)
Aguni no Kami (Espírito de Aguni)
1921
YamaShigi (O Ridículo)
Shanhai Yuki (Relato da viagem a Xangai)
1922
Yabu no Naka (Dentro de um Bosque)
Shogun (O general)
Torokko (Um caminhão)
1923
Yasukichi no Techou kara (Do livro de Yasukichi)
1924
Ikkai no Tsuchi (Um punhado de terra)
1925
Daidoji Shinsuke no Hansei (Daidoji Shinsuke: os anos iniciais)
Shuju no Kotoba (Aforismos de um pigmeu)
1926
Tenkibo (Registro de Morte)
1927
Genkaku Sanbō (Quarto de Genkaku)
Kappa
Bungeiteki na, amarini Bungeiteki na (Literário, Literário Demais)
Haguruma (Roda Dentada)
Aru Ahō no Isshō (A vida de um idiota)
Saihō no Hito (O homem do oeste)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://www.colegioweb.com.br/biografias/akutagawa-ryunosuke
http://www.infopedia.pt/

Tasso da Silveira (Poetas do Paraná)



EFEITO DE LUZ

Sob o silêncio que flutua,
no crepúsculo
a angra é um espelho de cristal.
De súbito, porém, rompendo a superfície polida,
como um brusco
reflexo,
o peixe prateado e liso
pula no ar
em esplêndido, caracoleia no crepúsculo
e retomba no seio da água adormecida,
que, sonhando, o supõe numa chispa de luar...

(As Imagens Acesas, 1928)

Comentário: “Uma visão impressionista da realidade predomina no poema, onde o autor procura captar imagens de luz e cor. A velocidade rítmico-expressional dos versos se ajusta bem à temática, em estrofes livres e rimos variados, apesar do alexandrino que aparece no final do poema.” Leodegário A. De Azevedo Filho
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TORRE

Os ventos altos
vindos das distâncias perdidas
bateram a torre do meu corpo.
Bateram a torre esguia e longa
e puíram-lhe os ornamentos raros,
desfiguraram-lhe a feição de beleza,
como o mar milenário
desastou as arestas vivas dos rochedos
imemoriais.
Não apagaram, porém, a lâmpada
solitária e serena
que ardia no silêncio...
e os meus olhos, rosáceas claras, abertas
para a paisagem
do teu ser,
ficaram coando sempre o clarão suave e leve,
ficaram adolescentes
para sempre...

(Alegria do Mundo, 1940)

Comentário: “O tema da torre é freqüente na poesia de Tasso da Silveira, simbolizando um movimento em direção ao infinito. (...) Como se percebe, mesmo nos poemas em que o amor carnal se transforma em tema básico, o influxo espiritualista é sempre a seiva dos versos. Como no resto de sua poesia, o pensador não domina o poeta, apesar das raízes filosóficas e religiosas de sua motivação estética.” Leodegário A. De Azevedo Filho
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SEM TÍTULO

Do fundo do crepúsculo,
O vento tombou como uma ave ferida
Sobre os tufos e as palmas verdes
do dormente jardim.

Bateu, raivoso, as possantes asas,
rodopiou exasperado
entre as frondes em pânico.
E miraculosamente recompondo
o perdido equilíbrio,
em brusco, violento arranco
ergueu vôo outra vez para o espaço sem fim...

(Contemplação do Eterno, 1952)

Comentário: “Na utilização estética do sistema lingüístico, Tasso da Silveira sabe tirar efeito artístico adequado à temática de seus poemas. São múltiplos os recurso de estilística fônica, mórfica, sintática e semântica aí existentes. O efeito de essência profunda, espécie de temática central em sua poesia, logo transparece no primeiro verso, quando o vento vem do fundo do crepúsculo.(...) Toda a idéia dinâmica de uma movimentação brusca e violenta nos é sugerida pela própria linguagem.” Leodegário A. De Azevedo Filho
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SEM TÍTULO

O fogo é pura adoração.

Quando mãos insidiosas
o ateiam
na seara florescente
ou na choupana humilde
ou no palácio fastigioso
ou no flanco da montanha,
ele ignora o gesto de pecado
de que nasceu.

E se ergue límpido e inocene
para Deus.


(Contemplação do Eterno, 1952)

Comentário: “O tema da purificação pelo fogo aparece algumas vezes na poesia de Tasso da Silveira. Do mesmo modo que o tema da torre, subindo para o céu, exprime um anseio de espiritualidade, o tema do fogo também revela a busca de Deus. O fogo é sinônimo de adoração e se ergue, límpido e inocente, para o infinito.” Leodegário A. De Azevedo Filho
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CANÇÃO

Quando a alta onda de poesia
veio do arcano profundo,
no pobre e efêmero mundo
o eterno pôs-se a pulsar.
Vidas se transfiguraram,
permutaram-lhe destinos.
O azul se fez mais etéreo,
Estradas mais se alongaram,
silêncio cantou na aldeia
sino ficou a escutar,
moeu trigo a lua cheia,
lampião de rua deu luar,
a água mansa da lagoa
ergueu-se em repuxo límpido
e se esqueceu de tombar,
alvas estrelas em bando
desceram lentas pousando
sobre a terra e sobre o mar.

(Regresso à Origem, 1960)

Comentário: “Em versos de redondilha maior, os mais espontâneos de nossa língua, nesta canção o poeta se transforma em receptor de poesia eterna. Logo nos primeiros versos, o efeito de essência profunda se exprime através da alta onda de poesia que vem do arcano profundo, pulsando de vida espiritual.” .” Leodegário A. De Azevedo Filho
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OS CAVALOS DO TEMPO

Os cavalos do tempo são de vento.
Têm músculos de vento,
nervos de vento, patas de vento, crinas de vento.

Perenemente em surda galopada,
passam brancos e puros
por estradas de sonho e esquecimento.

Os cavalos do tempo vão correndo.
Vêm correndo de origens insondáveis,
e a um abismo absoluto vão rumando.

Passam puros e brancos, livres, límpidos,
no indescontínuo imemorial esforço.
Ah! são o eterno atravessando o efêmero:
levam sombras divinas sobre o dorso...


(Regresso à Origem, 1960)

Comentário: “A problemática do tempo se reflete na poesia de Tasso da Silveira como resultante de uma ação divina. Assim, o tempo é uma espécie de fluir contínuo do seio da eternidade. Poesia do eterno no efêmero, os cavalos do tempo levam sombras divinas sobre o dorso, em sua perene e surda galopada.” Leodegário A. De Azevedo Filho

Poemas e textos extraídos da obra POETAS DO MODERNISMO, vol. 4. Edição comemorativa dos 50 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1972.
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FESTA - Manifesto

Nós temos uma visão clara desta hora.
Sabemos que é de tumulto e incerteza.
E de confusão de valores.
E de vitória do arrivismo.
E de graves ameaças para o homem.
Mas sabemos, também, que não é esta a primeira hora de
agonia e inquietude que a humanidade vive.
A humanidade dança a sua dança eterna num velho
ritmo em dois tempos.
Quando todas as forças interiores se equilibram, os
gestos são luminosamente serenos.
Mas o que nesses gestos parecia um esplendor supremo
de beleza ou de verdade não era senão um momento
efêmero da Escalada.
Então exsurgem das profundezas do ser ímpetos bruscos
e imprevistos, que trazem a insatisfação,
a angústia, a febre, e quebram os compassos
harmoniosos, e fazem pensar, aos que se esqueceram de
Deus, que tudo está perdido,
- mas que são, em verdade, ondas desconhecidas de
energia para a criação de um equilíbrio novo e de outra
mais alta eternidade...
Nós temos a compreensão nítida deste momento.
Deste momento no mundo e deste momento no Brasil.
Vemos, lá fora e aqui dentro, o rodopio dos sentimentos
em torvelinho trágico.
E as investidas reinvidicadoras
dos apetites que se disfarçam
e agora se desencadeiam em fúria.
E ouvimos o suspiro de alívio
da mediocridade finalmente desoprimida :
da mediocridade que, aproveitando a sua voz em falsete, e
encheu o ar de gestos desarticulados, e proclamou-se
vencedora,
na ingênua ilusão de que as barreiras que a continham
tombaram para sempre.
Mas vemos igualmente os espíritos legítimos no seu
posto imutável.
E apuramos o ouvido ao brado de alerta das sentinelas
perdidas.
E sentimos à flor do solo o frêmito das subterrâneas
correntes de força viva, que serão captadas pela
sabedoria divina na hora próxima das construções
admiráveis.
A arte é sempre a primeira que fala para anunciar o que virá.
E a arte deste momento é um canto de alegria,
uma reiniciação na esperança, uma promessa de
esplendor.
Deus, canta-a, porém, porque a percebe e compreende
em toda a sua múltipla beleza, em sua profundidade e
infinitude.
E por isto o seu canto é feito de inteligência e de instinto
(porque também deve ser total) e é feito de ritmos livres
elásticos e ágeis como músculos de atletas velozes e
altos como sutilíssimos pensamentos e sobretudo
palpitantes do triunfo interior que nasce das
adivinhações maravilhosas...
O artista voltou a Ter os olhos adolescentes e encantou-se
novamente com a Vida! Todos os homens o
acompanharão!

Neste texto destacam-se os seguintes aspectos do estilo e da obra de Tasso da Silveira :
•a inteligência se alia e se opõe a serviço da sensibilidade e da fé;
•a religiosidade alimenta o conceito espiritualista e a elevação moral dos textos;
•em sua poesia se encontram harmoniosamente a filosofia e a religião, o misticismo e a sensualidade;
•numa verdadeira tempestade mística o sentimento de eternidade o lança para um encontro com o absoluto.
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POEMA 17


Esquece o tempo. O tempo não existe.
Acende a chama às límpidas lanternas.
Nossas almas, a ansiar no mundo triste,
são de uma mesma idade: são eternas.

Se no meu rosto lês mortais cansaços,
é natural.A luta foi renhida:
caminhei tantos passos, tantos passos
para que te encontrasse em minha vida...

Não medites o tempo. Se muito antes
de ti cheguei, para a áspera, inclemente
sina de navegar por este mar,

foi para que tivesse olhos orantes,
e me purificasse longamente
na infinita aflição de te esperar...

Fontes:
Antonio Miranda.
Jornal de Poesia.

Tasso da Silveira (1895-1968)



Tasso da Silveira (Curitiba PR, 1895 - Rio de Janeiro RJ, 1968). Tasso da Silveira era filho do poeta simbolista paranaense Silveira Neto. Foi jornalista, deputado, professor universitário no Rio de Janeiro e figura central do grupo Festa, que chegou a oferecer resistência e fez oposição ao espírito revolucionário modernista.

Formou-se bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, no Rio de Janeiro, em 1818, mesmo ano em que publicou seu primeiro livro de poesia, Fio d'Água. No ano seguinte, fundou e tornou-se diretor das revistas Os Novos, Árvore Nova, Terra do Sol, com Álvaro Pinto, América Latina, com Andrade Muricy e Cadernos da Hora Presente, com Rui de Arruda. Colaborou nos jornais O Momento, Rio-Jornal, A Manhã, e na Revista Sul-Americana. Foi secretário dos jornais Diário da Tarde e O Estado e redator do Diário da Manhã.
Dedicou-se a escrever peças teatrais, como "As Mãos e o Espírito", críticas e ensaios, mas foi na poesia que conquistou lugar de destaque entre os primeiros modernistas brasileiros.

A revista Festa, lançada por ele em conjunto com outros colegas, reúne um grupo de poetas, pensadores, filósofos e escritores que formaram a chamada Corrente Espiritualista do Modernismo. Entre estes colegas que fizeram parte do grupo Festa, estiveram: Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Cecília Meireles, Murilo Araújo, Plínio Salgado, Tristão de Ataíde e muitos outros nomes conhecidos das artes literárias da época.

Também se costuma classificar o grupo Festa como uma espécie de "reação simbolista". De fato, basta prestar atenção e ver que há na poesia de Cecília Meireles e do próprio Tasso da Silveira uma influência indiscutível do simbolismo.

Elegeu-se deputado estadual em Curitiba PR, em 1930. Nas duas décadas seguintes foi professor catedrático de Literatura Portuguesa na Universidade Católica e de Literatura Brasileira no Instituto Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Foi também funcionário da Casa da Moeda, entre 1930 e 1960. Em 1956, foi homenageado com o prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras para o conjunto de sua obra. Fazem parte da obra poética de Tasso de Oliveira os livros As Imagens Acesas (1928), Definição do Modernismo Brasileiro (1932), Contemplação do Eterno (1952), Regresso à Origem (1960) e Puro Canto (1962), entre outros. Sua poesia filia-se à segunda geração do Modernismo.

Tasso da Silveira foi um defensor dos valores culturais, do pensamento provinciano, valores que segundo ele provêm das forças telúricas e da energia mental renovadora. Segundo as palavras do poeta, "a cidade cosmopolita consagra, é um foco de expansão, mas o que vem do cerne provinciano é que traz o rumor da beleza e é origem da emoção enaltecedora do ser humano."
Seu estilo é marcado pela simplicidade. Tasso lutou contra o ceticismo e o materialismo e buscou atingir com sua poesia uma pureza essencial.

Apesar da oposição ao modernismo, Tasso da Silveira colheu elogios de uma das principais figuras modernistas, o poeta, ensaísta, romancista e musicólogo Mário de Andrade:
"(...) esse artista apresenta a imagem quase brutal, em nosso meio, da coerência, da probidade silenciosa, do respeito para com os seus próprios ideais. (...) E os seus poemas, tão mansos e silenciosos, soam como um clamor." Essa apreciação do autor de Macunaíma está no livro O Empalhador de Passarinho, de 1944.

O que ressalta na poesia de Tasso da Silveira é um lirismo construído com o sentimento do imponderável: o pássaro, o êxtase, a treva. É também esse fascínio pelo mar, pelos barcos e pelas ressonância longínqua das estrelas.

Com uma obra que reúne doze livros de poemas, mais ensaios, romances e textos teatrais, Tasso da Silveira faleceu em 1968.

Fonte:
http://www.astormentas.com/
http://br.geocities.com/poesiaeterna/poetas/brasil/tassodasilveira.htm
http://www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet130.htm

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sergio Antonio Meneghetti (Independência e Vida!)



A não dependência
Caminhar com as próprias pernas
Sair da simples sobrevivência
Fazer com ousadia suas conquistas eternas

Se libertar da ignorância
Aprender com sua própria ciência
Preparar com sabedoria sua infância
Cimentar sua história com amor e paciência

Caminhar passo a passo para perfeição
Desafiar os desafios para crescer
Saber que tudo se consegue com união
Que além de querer ter, melhor é querer ser.

A grandeza do homem é que constrói o seu povo
Qualidades, disciplina e retidão.
Nem que tenha que começar tudo de novo
O bem estar de todos é a sua missão

Governar com justiça e transparência
Espalhar pela nação o sentimento de igualdade
Gerar a escola da competência
Ser exemplo de ética e lealdade

Cabe a nós que pisamos neste chão
Acreditar no milagre do transformar
Participar com o nosso quinhão
Para a rica colheita conquistar

Cuidar da vida jovem deste país
Investir neste humano potencial
Ajudar mais do que ser juiz
Dar valores para formar o adulto ideal

No 7 de Setembro independente
Debaixo deste céu de azul anil
Vamos ser todos a mais pura semente
Da liberdade e solidariedade, neste imenso Brasil.
---------
Fonte:
Colaboração do autor

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Vinicius de Moraes (Uma Mulher Chamada Guitarra)



UM DIA, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era "a música em forma de mulher". A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam um mot d'esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.

0 violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina — viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo — o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada, mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres-contrabaixo.

Mas como recusam-se a estabelecer aquela íntima relação que o violão oferece; como negam-se a se deixar cantar, preferindo tornar-se objeto de solos ou partes orquestrais; como respondem mal ao contato dos dedos para se deixar vibrar, em benefício de agentes excitantes como arcos e palhetas, serão sempre preteridas, no final, pelas mulheres-violão, que um homem pode, sempre que quer, ter carinhosamente em seus braços e com ela passar horas de maravilhoso isolamento, sem necessidade, seja de tê-la em posições pouco cristãs, como acontece com os violoncelos, seja de estar obrigatoriamente de pé diante delas, como se dá com os contrabaixos.

Mesmo uma mulher-bandolim (vale dizer: um bandolim), se não encontrar um Jacob pela frente, está roubada. Sua voz é por demais estrídula para que se a suporte além de meia hora. E é nisso que a guitarra, ou violão (vale dizer: a mulher-violão), leva todas as vantagens. Nas mãos de um Segovia, de um Barrios, de um Sanz de la Mazza, de um Bonfá, de um Baden Powell, pode brilhar tão bem em sociedade quanto um violino nas mãos de um Oistrakh ou um violoncelo nas mãos de um Casals. Enquanto que aqueles instrumentos dificilmente poderão atingir a pungência ou a bossa peculiares que um violão pode ter, quer tocado canhestramente por um Jayme Ovalle ou um Manuel Bandeira, quer "passado na cara" por um João Gilberto ou mesmo o crioulo Zé-com-Fome, da Favela do Esqueleto.

Divino, delicioso instrumento que se casa tão bem com o amor e tudo o que, nos instantes mais belos da natureza, induz ao maravilhoso abandono! E não é à toa que um dos seus mais antigos ascendentes se chama viola d'amore, como a prenunciar o doce fenômeno de tantos corações diariamente feridos pelo melodioso acento de suas cordas... Até na maneira de ser tocado — contra o peito — lembra a mulher que se aninha nos braços do seu amado e, sem dizer-lhe nada, parece suplicar com beijos e carinhos que ele a tome toda, faça-a vibrar no mais fundo de si mesma, e a ame acima de tudo, pois do contrário ela não poderá ser nunca totalmente sua.

Ponha-se num céu alto uma Lua tranqüila. Pede ela um contrabaixo? Nunca! Um violoncelo? Talvez, mas só se por trás dele houvesse um Casals. Um bandolim? Nem por sombra! Um bandolim, com seus tremolos, lhe perturbaria o luminoso êxtase. E o que pede então (direis) uma Lua tranqüila num céu alto? E eu vos responderei; um violão. Pois dentre os instrumentos musicais criados pela mão do homem, só o violão é capaz de ouvir e de entender a Lua.

Fontes:
MORAES, Vinicius de. Para Viver um Grande Amor. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1984.
Imagem = http://luthieredsonvalencio.blogspot.com

Antonio Girão Barroso (As Três Pessoas)



Eram três pessoas distintas mas uma só, na verdade:
eu, o Floro e o Assis.
Três corpos numa lama só.
(O povo dizia que nós éramos
três amizades perfeitas
e meninos de futuro, sim senhor.)
Depois veio o tempo mau
o tempo que tudo leva
e levou o Floro pro céu.
O Assis ficou na terra.
Eu não sei onde fiquei.
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Fonte:
Jornal de Poesia

Antonio Girão Barroso (1914 – 1990)



Nasceu em Araripe, Ceará, no dia 6 de junho de 1914. Faleceu em Fortaleza (Ceará), em 1990. Escreveu com o pseudônimo Antônio Santos. Participou do Grupo Clã e de outras agremiações culturais. Criou revistas e jornais literários.

Bacharel em Ciências Jurídicas pela UFC com Doutorado em Direito pela mesma Universidade e Contabilista pela antiga Fênix Caixeiral. Professor da UFC (lecionou na Faculdade de Ciências Econômicas e na Faculdade de Direito); escritor, jornalista e poeta, autor de várias obras literárias, foi um dos fundadores do Grupo Clã, um dos mais importantes movimentos literários do Ceará em todos os tempos; membro da Academia Cearense de Letras, com vários livros de poesia publicados. Casou-se em 26.05.1945, na Igreja do Patrocínio com Alba Aragão Cavalcante Barroso, em Fortaleza. Professora formada no Curso Normal do Colégio da Imaculada Conceição, filha de Luiz Cavalcante, de Sobral e de Alda Aragão Cavalcante, de Ipu.

“Quando Antônio Girão Barroso nasceu, no antigo Brejo Seco, hoje Araripe, no Cariri do Ceará, o mundo estava em pé de guerra. Era o ano de 1944, e por estas andas o clima também se apresentava belicoso, com a jagunçada do Padre Cícero Romão Batista botando pra correr Franco Rabelo, o presidente da província (como então se chamavam os governadores de estado). Quando Antônio Girão Barroso começou a escrever poesia, a barra continuava pesada – pelo menos por este Brasil, sob a mão forte de Getulio Vargas, na década de 30. Eram poemas já influenciados pelos jovens que viveram a Semana de Arte Moderna de 22, que desbancou a musa parnasiana de Olavo Bilac para a entrada triunfal da poética sem métrica nem rima.

Mas Antônio Girão barroso não se conteve na poesia. Escreveu contos, foi crítico de artes e repórter (muitas vezes assinando as matérias como Antônio Santos). Formou-se advogado e foi doutor em Ciências Econômicas. Fez parte da Academia Cearense de Letras e, antes, nos idos de 40, ajudou a criar uma agremiação que fez história: o grupo Clã, que reuniu escritores, artistas, intelectuais. Do Clã – originalmente Clube e Literatura e Arte – fizeram parte o artista plástico Aloísio Medeiros; Antônio Martins Filho – o fundador da Universidade Federal do Ceará (UFC); o poeta Artur Eduardo Benevides; o literato Braga Montenegro; o dramaturgo Eduardo Campos; os cronistas Fran Martins e Milton Dias; os contistas João Clímaco Bezerra e Moreira Campos, entre muitos outros. O Clã produziu uma revista literária, encartada no jornal O POVO, Maracajá, ousada na forma e no conteúdo.

Em 1938, Girão Barroso publica o primeiro livro, Alguns Poemas. Participa, em 1965, da Antologia de poetas cearenses contemporâneos. Em parceria com Cláudio Martins e Otacílio Colares, publica, em 1968, Trinta poemas para ajudar. No início dos anos 70 sai outro livro de poemas, Universos, e em 78 escreve um volume de história e crítica literária, Modernismo e concretismo no Ceará. Na década de 80, sai o livro Dois tempos (Miscelânea em parceria com Inácio Almeida). Antônio Girão Barroso faleceu em Fortaleza, em 1990. Quatro anos depois sai o póstumo Poesias Incompletas, este indicado aos vestibulares de 2006, 2007 e 2008 da UFC.

Poesias Incompletas faz uma retrospectiva da produção literária de Antônio Girão Barroso, começando com Alguns poemas (de 1938). Estação do Trem é dedicado ao poeta Manoel Bandeira – que tem influência preponderante na poesia de Barroso. O poema sugere o trem em movimento, a partir do refrão “Paca-tu-bê-a-bá”, e pinta o cenário das paradas nos lugarejos, o magote de gente oferecendo produtos aos passageiros: “banana seca é o pau que rola”, diz um verso, de delicioso extrato corriqueiro e banal. Há leveza, nestes versos iniciais, e resquícios românticos, parnasianos e simbolistas – mas a escrita do poeta é, sim, moderna.

Ainda deste primeiro livro, um certo desencanto existencial (“a vida todinha/ eu passo dizendo/ me acudam me acudam”), e a consciência do tempo que passa (como no poema Inútil dizer), além de recordações da infância sertaneja – em Menino, o pedido na procissão para Nossa Senhora: “faça de mim um homem bem-bom”. E, claro, há o amor e suas inquietudes, num recorte pró-feminino: “todas as mulheres são iguais; e os homens também”. A influência de Bandeira e Drummond fica explícita em Canção do noivo aflito, um rondó para a noiva “raquitinha” que morreu – “minha noiva não vá não/ senão me jogo no mar”. E em versos de sutil densidade lírica, como no poema Imagem simples: “eu também espero pelo sol que é você”.

Vê-se ainda o poeta e sua consciência do mundo, um olhar sobre a cidade e os homens calados, que “espreitam o bonde das onze e cinco”. Em Único poema proletário, Antônio Girão Barroso dá forma estética ao “drama cotidiano da fábrica de tecidos”. E a uma cena praiana no Pirambu. Em Nihil, o poeta deseja não pensar em nada, “ser apenas um animal que pobremente se alimenta”. Mas, adiante, diz: “a vida me convida; a de novo mover minha imaginação”. A segunda parte do livro traz poemas de Os hóspedes, publicado em 1946. O que ressalta é o sentimento da solidão, a angústia derramando-se no papel branco, mas há o sonho de um mundo melhor.

Mas o poeta finca versos é na esquina de sua rua, espia os arrabaldes, a chuva (sinônimo da esperança), derrete-se de amor: “meu coração, bate devagar/ pode bater devagarinzinho”, diz em Poeta moderno arranja namorada. Mas a lírica não empana o drama real da vida, e por isso ele registra o sofrimento do sertanejo, em mais um momento de seca e retirada: “os pobres sofrem, Maria, porque às vezes/ falta-lhes a água e sobra-lhes o sol”. Em Novos poemas (1950), o poeta ainda louva o amor, mesmo sem rimas, o “que é difícil, mano!”, e canta loa à mulher latino-americana, “dançando rumba e valsa; num mundo de cinema pintura e organdis”. Há até, no Soneto de bodas, uma experiência de poema concreto com o nome da amada, Hermelinda.

Em Trinta poemas para ajudar, de 1964, nenhum deles tem título. O poeta Antônio Girão Barroso está em sua melhor forma. Há, aqui, ecos de surrealismo: “a eurritmia do verso/ e o fragor das batalhas/ o cardume de peixes/ e a donzela morta/ o moço suicida/ (num punho de rede)/ e o laço de fita”. Em Poesia (simultânea) com o sol e a lua, a mescla da quadrinha popular com o espírito jocoso cearense resulta num quase hai kai: “o sol é lindo/ como um limão/ A lua é uma grande traficante”. De Universos, publicado em 1972, a metalinguagem do poema Obrigado, poesia – “porque posso carregar fantasmas a tiracolo”. E mais experiências concretistas.

Em Os dias preguiçosos, um poema decantando a semana, o belo ócio e a leitura dos jornais: “as manchetes nos alimentam mais do que o pão; porém quando chega ao fim do dia/ vemos que havia muita coisa errada nas manchetes”. E arremata: “a filosofia é esta, conversar é bom e beber é melhor”. No Último poema, a profissão de fé do poeta, seu compromisso primordial – com “o homem e sua vida; sua sobrevida/ sua suada subvida”.

Obras:

Alguns poemas (poesia), 1938.
Os hóspedes (poesia), 1946.
Novos poemas (poesia), 1950.
30 poemas para ajudar (poesia, com Cláudio Martins e Otalício Colares), 1968.
Universos (poesia), 1972.
Modernismo e concretismo no Ceará (história e crítica), 1978.
Dois tempos (miscelânia com Inácio A. Almeida), 1981.
Poesia incompleta (poesia), 1994.

Participou de antologia e colaborou em periódico.

Fonte:
Eleuda de Carvalho, do Jornal O POVO. http://www.giraofamilia.com/biografia_39.html

Antônio Girão Barroso: o percurso de uma poética



A obra literária de Antônio Girão Barroso está inserida no Modernismo e, ao longo de seu percurso, acompanha as evoluções que tal estética sofreu, tanto em relação a traços estilísticos quanto a elementos temáticos. Seus poemas revelam a ruptura com os formalismos anteriores ao modernismo e a busca do coloquialismo da fala brasileira; daí a valorização dos versos livres e brancos ou, então, a combinação de versos de metros variados.

Poesias incompletas, de Antônio Girão Barroso (Edições UFC, 119 páginas) reúne, praticamente, toda a sua produção, cuja linguagem, sem sombra de dúvidas, é ponto de destaque em estética, com acento ao português popular, coloquial, pleno de brasileirismos, de neologismos, expressões populares e emprego irregular dos sinais de pontuação.

Nasceu Antônio Girão Barroso em Araripe (CE) aos 6 de junho de 1914 e morreu, em Fortaleza (CE) em 1990. Realizou a poesia, o conto, a crítica, sendo jornalista e professor universitário - graduado em Direito, fez doutorado em Economia. Foi membro do Grupo Clã - movimento artístico que, nos anos 1940, sedimentou as conquistas modernistas no Ceará -, ao lado de Aluísio Medeiros, Artur Eduardo Benevides, Eduardo Campos, João Clímaco Bezerra e Moreira Campos, dentre outros.

No poema de abertura, ´Estação de trem´, Antônio Girão Barroso já aponta a sua intenção em romper - particularmente aqui, no Ceará - com os padrões tradicionais da poesia, que se impuseram como verdadeiros cânones antes do advento do Modernismo: do ponto de vista formal, há o livre emprego de versos longos e curtos, sem métrica regular, bem como a presença apenas de rimas ocasionais, a dessacralização da linguagem por meio da fala matuta (´vem danado pra chegá´ - aqui, estabelece-se uma intertextualidade com Ascenso Ferreira, poeta pernambucano, autor dos versos: ´Vou danado pra Catende / com vontade de chegá´) e a exploração de recursos sonoros: Lá-e-vem o trem / lá-e-vem / com seu apito tão fino / vem danado pra chega /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Corre, menina / teu pai chegou / o trem das nove / não já apitou? /// Banana seca é o pau que rola. /// Lá-e-vem o trem / lá-e-vem / com seu apito tão fino / vem danado pra chegá /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Donde vem esse povo? / Vem do Ceará! /// Pacatú-b-a-bá / Paratú-b-a-bá /// Seu moço, me dê uma esmola / pelo santo amor de Deus... /// esse cego tá fazendo verso?/// O trem vinha puxando noventa / Ah trem espritado! /// Um bando de colegiais / tão fazendo sururu na vila. / Tem um bebendo até cachaça / o Acarape é tão perto / cachaça é quase de graça / contudo ele já gastou seiscentos reis.../// Fiu... / O trem partiu / Pacatuba sumiu. /// (Mas que vontade de voltar...) /// Pacatú-b-a-bá (p. 11-12)

Antônio Girão Barroso, à semelhança de Manuel Bandeira (a quem dedica esse poema, ressaltando a intertextualidade com ´Trem de ferro´, do poeta pernambucano) sabe, muito bem, unir humor, calor humano e ritmos sugestivos.

Ainda que não haja descrições do cenário, este se desenha por sugestões: a princípio, uma casa, onde a mãe lembra à filha a chegada do pai, e a interrogação: ´o trem das nove / já não apitou?´ nos revela que o trem funciona também como um cronômetro coletivo da cidadezinha; por fim, a própria estação, também delineada por gestos e atitudes dos moradores: a oferta de iguarias (mariola); a mendigação (´Seu moço, me dê uma esmola / pelo santo amor de Deus...´) - nesse caso, o rogo, em redondilha maior, deu ao ´moço´ a sensação de que o ´cego´ fizesse ´verso´. O trem, então, muda a paisagem da cidade: incitam-se os colegiais, os botequins... até que o trem parte, desfazendo o sonho.

Ainda que esteja comprometido com a inserção definitiva das idéias modernistas entre nós,

A. G. B. tem, notadamente, conhecimentos da evolução das conquistas modernas (Manuel Bandeira, com ´Libertinagem´; e Drummond, com ´Alguma poesia´ - livros publicados em 1930); desse modo, sente-se à vontade de versejar em ritmo metrificado; mas, no propósito de aliar literatura e povo, escolhe a redondilha (menor) - um dos ritmos mais populares entre nós, conforme, os versos de ´Vida´: Proezas não tenho / na vida tão pau / nem lances terríveis / tragédias enfim / com choros pesados / e mortes no meio / senão que uma vez / morrendo afogado / gritei pros passantes / me acudam me acudam. / Mas isso é tão simples / acho isso tão besta / tão sem novidade / a vida todinha / me acudam, me acudam.

O eu lírico reconhece-se numa pessoa comum, anônima - em verdade, um anti-herói, mergulhado numa vida monótona, sem grandes feitos: ´Proezas não tenho / na vida tão pau´. Assim, não foi lancetado por ´lances terríveis´ ou ´ tragédias´, isto é, não sentiu ainda, por perto, a experiência da morte ou das perdas inexoráveis. Tal atmosfera, porém, é quebrada ao lembrar-se de que, um dia, ´morrendo afogado´, pediu socorro, sendo, portanto, salvo.

O poema, a partir desse momento, aponta uma nota comum em A. G. B.: a fusão do cotidiano a elementos do eu, pois, o elemento externo lhe possibilita criar uma dimensão interior de infinitas complexidades; desse modo, o episódio concreto do afogamento converte-se no espelho de uma postura existencial: a de sentir-se, constantemente, desamparado, sozinho, à mercê do socorro público.

Fonte:
Diario do Nordeste. 22.10.2006. Seção Cultura. http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=375672

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Age de Carvalho (Caldeirão Literário do Pará)



Aqui, em meu país
irremediavelmente nordestino e miserável,
à luz elétrica de meu século,
sob todos os alfabetos do medo e da fome;

aqui,
entre o homem e o homem
(como dois sistemas totais
num universo de águas inacabado),
aqui vivo.

De Arquitetura dos ossos (1980)

BOCA

a minha e a tua:
o ímã das línguas lança promessas,
letra-sobre-letra

À vera,
a tempestuosa mão da rasura
subjaz
negra no plural dos pêlos
à procura do selo mais profundo,

funda.

De Arena, areia (1986)


FAZER COM, FAZER DE

Estar, entre
estrelas e pedras,
interrompido

Resto de
ervas, tempo, entre dentes
detém-se
a palavra-refém,

réstia.
De Pedra-Um (1989)


SANGUE-SHOW

Esse o tempo—
em-sempre da serpente,
seu recobrado sentido
circular nas glebas
do sangue.

Chão,
subcutáneo, chão—
aqui se apaga
a veia vida/obra,
aqui a cobra
(intra-
vírgula
venenosa) insinua
entre ramas brilhantes
seu eterno s:

aqui, é-se.

Revista Inimigo Rumor, 7 (1999)

CORCOVADO

à Nelci Frangipani

Uma última vez
antes de subirmos,
braços abertos sobre
a flora brava, aqui
em baixo, onde colho
a despedida –

o tempo
só de abraçar
o abricó-da-praia,
meu amigo,
enquanto tu, trezentas
e terrena, davas
comida aos gatos.

POEMA COMPLEMENTAR SOBRE O RIO
A José Maria de Vilar Ferreira

O rio consagrado: a vazante
lembrança que escoa em maré
baixa e retorna — água escura
— na preamar

O rio sagrado: invólucro do céu
e margem, e duas margens
dos caboclos amantes. O rio

passado: cismando na crisma, paresque
dumas lembranças que trabalham a solidão:
o paralelo das margens, uma igara partida,
as águas sujas que sempre voltam.

A CADELA

Caminhava grave pela casa
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.
A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).
Vivera demais. Descansava à sombra,
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).
Dormia, vazia.
Outubro doía longe, na Ásia,
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".

De ROR (1980-1990)
São Paulo: Claro Enigma, 1990

IN ABSENTIA

E: ainda uma chance —
uma pedra se refolha
para o repouso,
o instante é
sempre presença

Ror de erros,
recolho repetidos
o que ainda me pertence

NISSO

que ascendeu
se revelou
e esqueceu

ponhamos uma pedra

SUMA

Quantas vezes
ainda por repetir?

Estão comigo, todas
de segunda mão,
não classificadas

ó anel
círculo mancha ervas
sombra relva irmã
estrela erro tumba
por companhia

pedra pedra pedra

A JOÃO CABRAL DE MELO NETO

só dizer
o que sei
e duvido saber, o sal
pela mão
do rio-sem
resposta —
um luxuoso dizer, de vagar sem onda
e vaga, fluvial, não aliterado;

um dizer repetido na diferença,
barrento, semi-dito, em Não fechado;

ou o não-dito, rios sem discurso,
nome por dizer ou dizer empedrado;

dizer sim o raro e claro do poema,
dizer difícil e atravessado, com margem
de erro.
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Fonte:
Antonio Miranda. www.antoniomiranda.com.br

Age de Carvalho (1958)



Nasceu em Belém do Pará, em 1958. Concluiu seus estudos primário e ginasial no Colégio Moderno, em Belém, e se formou em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará em 1981. Lançou seu primeiro livro de poemas, Arquitetura dos Ossos, em 1980. Editou a página de poesia Grápho nos jornais paraenses A Província do Pará e O Liberal entre 1983-85, atuando também como tradutor. Passa o ano de 1984 em Innsbruck, Áustria. No final de 1986 retorna à Europa para se fixar em Viena. De 1991 a 2000 vive em Munique, Alemanha, e a partir deste ano muda-se definitivamente para Viena, onde hoje reside.

Como designer gráfico atua em várias revistas austríacas e alemãs na função de diretor de arte. Em 2006 é publicada na Alemanha a extensa antologia poética Sangue-Gesang ("Cantos do Sangue") traduzida por Curt Meyer-Clason.

Livros publicados, todos títulos de poesia:
Arquitetura dos ossos
(Editora Falângola/Semec, Belém, 1980)
A fala entre parêntesis
junto com Max Martins
(Edições Grápho/Grafisa/Semec, Belém, 1982),
Arena, areia
(Grafisa/Edições Grápho, Belém, 1986)
Ror: 1980-1990
(poesia reunida e o livro inédito Pedra-um,
Editora Duas Cidades, Coleção Claro Enigma, SP, 1990)
Móbiles
(junto com Augusto Massi, 7 Letras, Rio, 1998)
Caveira 41
(Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2003)
Seleta, antologia poética
(Editora Paka-Tatu, Belém, 2004)
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Fonte: