quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Viviane Lima Vidal (Contos)



Desde sempre o homem vem sido seduzido pelas narrativas, sejam elas de ordem simbólica ou realista, que diretamente ou indiretamente falam da vida, relacionando-as com deuses ou com os próprios homens . Uma possível explicação para esse fascínio estaria no fato de que provavelmente, desde a origem dos tempos o homem vem sentindo a presença de poderes maiores que a sua vontade, e de mistérios que sua mente não consegue explicar ou compreender . Na tentativa de amenizar essa ânsia permanente de saber e de domínio sobre a vida, surgem as narrativas populares, formando uma heterogênea matéria narrativa . Todas essas formas de narrar nasceram entre os povos antigos, foram transformadas, acrescentadas confundidas e assim espalharam-se por toda parte e estão vivas até hoje, seja nos livros, na memória nas rodas de história etc...

Duas dessas narrativas destacam-se, pois conseguiram grandes divulgações e atravessaram séculos, são os Contos de Fadas e os Contos Maravilhosos . É importante diferença-las, pois ambas nasceram de fontes diferentes e tem enfoques distintos .

O Conto de fadas expressa uma atitude humana que refere-se a luta do eu , ou seja, a nível do existencial, onde tudo gira em torno do casamento homem x mulher .

Por sua vez os Contos maravilhosos tratam das realizações no plano material, profissional, de realizações externas, ao nível social .

Vale lembrar que uma não anula a outra, as duas se completam em uma realização integral .

Também chamados de Contos da Carochinha, os Contos de fadas surgiram no Brasil e em Portugal no final do século XIX , e nem sempre tem a real presença de fadas como diz o nome. São desenvolvidos dentro da magia feérica (reis , rainhas, príncipes, bruxas, gigantes anões, animais, objetos mágicos, tempo e espaço fora da realidade conhecida etc.) . Tem como eixo gerador uma problemática existencial, a realização do herói ou da heroína alcançando seus objetivos, essa realização intimamente ligada à união homem mulher .

A estrutura básica de um conto de fadas é uma narrativa curta, dotada de tempo, espaço, clímax, enredo e o número reduzido de personagens.

Na literatura infantil a linguagem deve ser usada como instrumento de criação, revelação e direção. Dizemos linguagem para nos referir-se não só a forma com que ela se apresenta, mas também para a intenção total da obra, seus arranjos e seus objetivos .

No conto Dona Baratinha percebemos que o seu léxico é adequado à literatura infantil, não contendo rebuscamento de termos ou emprego de palavras grosseiras, possuindo clareza e simplicidade de estilo .

A linguagem do conto é repleta de onomatopéias e diálogos, o que desperta o interesse das crianças . Veja algumas falas abaixo :

"–Gato! Como é que fazes de noite ?"

"- Faço miau! miau !"

"-Cachorro ! Como é a tua fala a noite ?"

"-Uau ! Uau !"

Outro aspecto que não deve ser ignorado é que o conto Dona Baratinha não possui gírias, o que o torna ainda mais fácil de ser compreendido e lhe garante ser atual . Como a maioria dos contos sempre se volta para palavras mágicas ou mesmo frases que se repetem ao longo do texto, Dona baratinha não poderia ser diferente, durante toda a história notamos a forte presença da pergunta que a protagonista faz a todo candidato a noivo :

"-Queres casar comigo ?" (o que funcionaria como um "abre-te sésamo", ou "Rapunzel jogue as tranças") .

Outro tipo de linguagem contida na fábula é a das ilustrações, uma linguagem não verbal, mas tão expressivo quanto .

No início da história percebe-se um cenário todo colorido, arborizado e com casinhas, mostrando um local calmo, tranqüilo e pacato, nota-se também que essas ilustrações não são tecnicamente perfeitas, pois são desproporcionais ao tamanho da protagonista, além disso os traços das figuras se assemelham aos desenhos feitos por crianças . Essas características servem como recursos para atrair o pequeno leitor, entrando assim no seu vasto mundo imaginário . Ao longo da fábula nota-se que as cores que antes eram claras, passam a ficar mais fortes e mais escuras, preparando o leitor para algum acontecimento importante, esse acontecimento chama-se clímax, na verdade essas cores que se tornam fortes funcionam como um " Parananam!!!!!!!! " dos filmes e novelas .

Pode-se dividir um conto de fadas em partes :

Enredo: É o conjunto de fatos que se subdivide em :

Introdução : Coincide geralmente com o começo da história onde são apresentados os fatos iniciais e os personagens. Enfim é à parte em que se situa o leitor diante do que irá ler .

Complicação: É a parte do enredo na qual se desenvolve o conflito .

Clímax – Como já foi citado assim é o momento culminante da história . Ele é o ponto de referência para as outras partes do enredo, que existem em função dele.

Desfecho- É a solução dos conflitos, boa ou má, com final feliz ou não .

Tempo- Constitui o pano de fundo para o enredo . A época da história nem sempre coincide com o tempo real em que foi publicada ou escrita . Os contos de um modo geral apresentam uma duração curta em relação aos romances. Algumas narrativas dão dicas da época que estão retratando através de frases do tipo: "Era no tempo dos reis" ou "No tempo em que os bichos falavam".

Espaço- É o lugar onde se passa a ação de uma narrativa .O termo espaço só dá conta do lugar físico onde ocorrem os fatos da história .

Ambiente- É o espaço carregado de características socio econômicas, morais, psicológicas, em que vivem os personagens .

Narrador- É o elemento estruturador da história, pode estar em terceira pessoa, que se divide em onisciente e onipresente . O primeiro sabe tudo da história e o segundo está presente em todos os lugares da narrativa. Outro tipo de narrador é o primeira pessoa, a qual participa diretamente do enredo como personagem .

Vamos analisar melhor essas estruturas situando-as no conto da Dona Baratinha:

Enredo

Exposição – O começo da história da Baratinha, onde ela está em sua casa e é apresentada como a protagonista do conto.

Complicação – Dom Ratão em seu apartamento começa a sentir o cheiro de Toucinho .

Clímax – É quando Dom Ratão cai na panela de Feijoada e se suja todo .

Desfecho – dona Baratinha não pode se casar e volta para a janela a espera de um novo noivo .

Personagens

Personagens: Principais
; Baratinha , João Ratão .

Secundários: Cão , Boi e Gato .

A história da Baratinha apresenta como personagens principais ; a Baratinha e João Ratão , e como figuras secundárias ; o Boi , o Cão e o Gato . As personagens do conto encarnam virtudes ou defeitos , que são exaltados no mais alto grau . Essas qualidades estão sempre em oposição e , esse conflito empresta ao conto um colorido vivo e intenso . As qualidades são físicas e espirituais . As físicas são a grande e a pequena estatura , a força e a fraqueza , o formato e a maneira de agir . As espirituais são a bondade e a maldade , a obediência e a desobediência , a modéstia e o orgulho, coragem e o medo , a curiosidade , a sedução , a sexualidade, a esperteza e a sensibilidade .

A personagem Baratinha representa a sexualidade , a fragilidade, a esperteza , e a sensibilidade da mulher :

A sexualidade feminina é representada pelo formato e cheiro da barata que apresentam características da mulher .

A fragilidade feminina é representada pelo fato da barata ser um animal muito pequenino , que vive se escondendo nos buracos com medo de ser capturada.

A esperteza feminina é representada pelos movimentos rápidos da barata , reza a lenda que ela ver os humanos em câmera lenta .

A Baratinha queria se casar , simbolizando com esse ato a busca feminina , porque aos olhos da sociedade de antigamente toda mulher precisava se casar , se não ficaria para titia (solteirona) , o que era o grande medo das mulheres .

O cheiro da barata é a sedução que as mulheres exercem sobre os homens , através dessa sedução , as mulheres se sentem poderosas , espertas e muito mais .

Quanto ao personagem João Ratão , representa a sexualidade masculina , que está visceralmente ligada à união , homem , mulher , deve-se ao fato de os ratos viverem procurando os buracos para se esconder , enfatizando dessa maneira a necessidade básica do homem , o sexo , a procura de sua parceira , representada na história pela barata.

O nome João Ratão representa o poder que o homem exerce sobre a mulher perante a sociedade , referindo-se ao fato de que , quando um homem se casava com uma mulher , esta era obrigada a utilizar o sobrenome do homem . (atualmente por lei não é mais obrigatório) .

O fato de João Ratão ter morrido desastradamente dentro de uma panela quente , refere-se a fragilidade , a curiosidade do homem que está oculta, ele se sente seduzido pelo cheiro da mulher , representada na história pelo cheiro da panela , ou seja através da sedução a mulher pode dominar o homem.

Os personagens secundários da história representam os homens desajeitados , que não conseguem conquistar as mulheres , em vista disso ficam sozinhos .

Tempo

Na fábula o tempo cronológico da história é fictício, pois não pode ser localizado no calendário Cristão .

Espaço

A narrativa se divide em três espaços: casa de Dona baratinha a floresta em que passam os candidatos a noivos e a janela da casa. O começo da história tudo gira em torno de sua casa, ao passarem os candidatos nota-se a divisão entre a janela e a floresta, e por fim a igreja em que todos esperam o noivo guloso.

Ambiente

A casa de Dona Baratinha é um ambiente que caracteriza um personagem de classe econômica baixa, pois é uma casinha bem simples, porém muito arrumada, mostrando o quão caprichada é a protagonista . O outro espaço que é mostrado é a floresta que se assemelha com uma comunidade onde só animais fazem parte . essa floresta é bem cuidada, colorida e toda enfeitada para o acontecimento mais esperado, o casamento.

Narrador

O narrador de a dona Baratinha está em terceira pessoa e é onisciente, pois ele não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem, em outras palavras ele sabe mais que os personagens.

Todo conto traz a sua mensagem, uma espécie de lição para a vida toda. O que pode ser aproveitado como exemplo no conto da Baratinha é a importância do dinheiro na sociedade em que vivemos . Em algumas versões da história a protagonista precisa pagar pelos serviços do Jabuti com todas as suas economias e mais um cacho de bananas. Essa passagem do texto nos permite fazer uma crítica com a realidade em que vivemos, onde tudo é pago e ainda assim sempre fica faltando alguma coisa .

Outra importante lição tirada da narrativa é que não existe esse alguém tão perfeito conforme imaginamos, de modo que deve-se saber que todos possuem defeitos e que apenas com a convivência é possível conhecer as inúmeras qualidades das pessoas .

Ao encontrar nesses personagens mensagens construtivas, os jovens e as crianças paulatinamente adquirir conceitos positivos para suas vidas . Por isso a importância dos contos, a fim de se formar jovens mais críticos e mais éticos

Mini-conto

É uma narrativa muito curta que pode abordar qualquer tipo de tema. Sua estrutura básica é formada pelos seguintes componentes:
Personagens
Narrador
Espaço
Tempo
Símbolos

A análise desses componentes se dará a seguir:

A narrativa Proustiano nos conta as peripécias de um adolescente que ao espiar uma biblioteca sente-se atraído por ela e despercebidamente a penetra .

Em uma hora morta do dia em que as mulheres estão atarefadas demais para notá-lo, e os homens descansando, o menino que era proibido pelo tio de visitar a biblioteca não resiste a curiosidade e começa a espiá-la e quando se dá conta já está lá dentro . Embora ali só houvesse livros para adultos o menino aleatoriamente escolhe um e começa a ler. A medida que ia lendo era tomado de uma sensação de bem estar avassaladora e inexplicável, foi quando lembrou que quando bem pequeno ele sentia esta mesma sensação, só que quando salvava mariposas de serem seduzidas pelo reflexo da água .

Temos aqui um narrador em terceira pessoa, que não participa da história mas que sabe exatamente o que se passa na cabeça de seu personagem.

Ao analisarmos o mini-conto percebemos que ele possui um reduzido número de personagens, que aparecem sob a forma de pessoas . Temos o protagonista que é intitulado pelo narrador como "menino", já mostrando o seu desprezo para com ele. Temos os personagens secundários que pode-se dizer que são as outras crianças que moravam na casa também o tio, que queria mantê-las longe de sua sedutora biblioteca .

Ao falar da narrativa ,se pode citar que ao início do mini-conto é apresentado o conflito , e que todos os acontecimentos presentes no texto irão girar em torno deste conflito . Este já o é senão a proibição da entrada na tentadora biblioteca, e o doce sabor de nela penetra e se deliciar com o sabor da leitura.

Pode- se fazer uma ponte entre o conto analisado e o livro de Roland Barthes O prazer do texto, pois os dois textos falam do prazer da descoberta pela leitura, cada um do seu jeito e dentro da sua expectativa.

Em relação ao espaço em que se passa a narrativa, nota-se que ele não se divide, tudo começa dentro da biblioteca e lá se desenvolvem todos os outros acontecimentos . Embora nosso protagonista se lembre de alguns fatos que aconteceram há alguns anos, isso não interfere no espaço em que se desenvolve a história .

É possível notar que o tempo em que se passa a narrativa não é muito atual, isso é percebido quando o narrador descreve a concepção do tio em relação ao menino, chamando-o de criança e o proibindo de entrar na biblioteca. Atualmente a idade que o menino estava,14 anos, ele já não seria mais considerado como uma criança, e sim como um adolescente que está na escola e que certamente estaria acostumado com os livros. Por isso a prática de se chamar de criança um menino de 14 anos não é atual . Assim como a maioria dos mini-contos, até mesmo por não disporem de muito espaço, o Proustiano não toca na passagem do tempo, o autor escolhe um período da vida do personagem para comentar e descrever, mesmo que sejam feitas menções a épocas passadas, elas servem apenas para ilustra a narrativa e não para de fato mostrar a passagem do tempo.

É proposto ainda a utilização de alguns símbolos na narrativa. Temos a biblioteca que remete a idéia de sabedoria e conhecimento, encontrados nos livros . temos também a tentativa adotada pelo menino, salvar mariposas, transparecendo assim na esfera simbólica toda a pureza, inocência e fantasticidade de uma criança . Pode se dizer mais, que através do cheiro que é emanado dos livros se faça uma ponte com o livro o Banquete de Platão, onde tem-se no texto a metáfora de liberdade, metaforizada no conto pelo cheiro que é percebido pelo menino.

Temos embutida, na narrativa a questão da verossimilhança, que é a lógica interna do enredo, tornando-o ou não verdadeiro para o leitor . Os fatos contidos em um mini-conto não precisam ser verdadeiros, no sentido de corresponderem exatamente a fatos ocorridos no universo exterior ao texto, mas devem ser verossímeis, isto quer dizer que mesmo sendo inventados, o leitor deve acreditar no que lê . Esta credibilidade advêm da organização lógica dos fatos dos fatos dentro do enredo .

A nível de análise de narrativas são esses os aspecto que devem ser ressaltados, a fim de se compreender e explorar um mini-conto dentro de suas possibilidades.

Fonte:
http://www.colaweb.com.br

Rodrigo Garcia Lopes (Poesias Escolhidas)



SOMOS PESSOAS ESTRANHAS

somos
pessoas
estranhas
nem sabemos
que sonhos
que somos

esses
olhos
poucos

essas
folhas
secas?

esqueçam
fiquem
calados

somos
estranhos
no entanto

esta noite
dormiremos
lado a lado
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PEÔNIAS NEGRAS SERENAS

peônias negras
serenas
quase secas
pombos se aquecem
num resto
de sol

uma planta
luta para
romper a fenda

formigas dragam
uma abelha
ainda viva

o inverno
furta a flor
a cor da fruta

(gestos & acenos
de sombras
não consolam)

a tarde passa
arrasta e deixa
um rastro prata
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SEU CORPO É UMA PRAIA DESERTA

Seu corpo é uma praia deserta
onde uma música desperta
numa onda esperta e a deserda:
espumas a ferem como pétalas.

Desterra, em tradução infinita,
pérolas na orla do olhar, ilha
que ainda está por ser escrita.
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A TEMPESTADE

Canibal, palavra latina,
à maneira de canis, animal
de fidelidade canina.
Nas Bermudas, sublime ironia,
será um vento do cão
e vai se chamar hurracán

E quando o mar de lã
de repente apontar terra à vista
Então será Caliban
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LÁ VEM VOCÊ

Lá vem você
Se passando por vento
Como se ninguém te visse
Lá vem você dublando pensamento
Como praia que sentisse
Pra perto do riso, do risco, do início
Das ondas das dunas do espanto,

Lá onde o calar fala mais alto
E onde o momento comemora
Com um minuto de silêncio.
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TALVEZ SEJA ISSO

De repente você nota, em certa noite de chuva,
que ninguém se importa mais.
Noite em vigília. A ipoméia se abriu
Enquanto você dormia.
A imagem iluminada desgastou
depois que a duração virou mercadoria. O "eu lírico"
não subsiste num mundo de fluxos e superfícies vazias
que o olho mal consegue acompanhar
enquanto a verdadeira face da vida começa a dar as caras.
Evaporaram-se os dados precisos e algo mágicos que a poesia exibia.
Perdemos toda inocência, talvez nossa última chance,
e agora tudo o que você disser
pode ser
Usado contra você. Transformamos o real não num mito fugidio, performance discreta ou fluxo de uma gravura, mas numa incoerência
algo eufórica, cheia de comentários sobre outras
pessoas e paisagens, pois aquilo
que se chamava vida
eram fábulas do momento presente,
o recriar incessante no castelo de areia, onde ondas eram adivinhas, brincando de desaparecer. Não investigações vazias
sobre a temporalidade ou algo assim, muito menos
a idéia da palavra em si mas que pára ali,
cara a cara com sua onipotência, e
de como a sensação agora
é de uma velocidade que de repente não muda muito as coisas.
Pelo menos em essência. Isto não existe. Mas o que é essência,
e por que perdemos
nossos instantes preciosos
e o sonho de qualquer elegância
escrevendo ao vento ou então dispersos
nesses gestos inúteis e sublimes
tentando entender
alguém no outro lado da linha.
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Fonte:
Jornal de Poesia

Rodrigo Garcia Lopes (1965)



Rodrigo Garcia Lopes nasceu em Londrina (Paraná, Brasil), a 2 de outubro de 1965. Formado em Jornalismo, em 1984-85 viajou pela Europa e, na volta, publicou a página literária "Leitura" e as revistas "Hã".

Trabalhou em jornais e veículos literários em São Paulo ("Ilustrada") e Curitiba ("Nicolau").

De 1990 a 1992 viveu nos Estados Unidos, onde realizou mestrado em Humanidades Interdisciplinares na Arizona State University com tese sobre os romances de William S. Burroughs. Neste período, também reuniu material para seu livro de 19 entrevistas com escritores e artistas (como John Ashbery, William Burroughs, Marjorie Perloff, Allen Ginsberg, Nam June Paik, Charles Bernstein and John Cage).

Doutor em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina, com tese sobre a poeta e filósofa modernista norte-americana Laura Riding.

O livro, "Vozes & Visões: Panorama da Arte e Cultura Norte-Americanas Hoje" foi publicado pela Iluminuras em 1996. Em seu retorno, lançou "Solarium", que reúne sua produção poética desde 1984.

Em 1996 publicou a tradução das "Illuminations" de Rimbaud (também pela editora Iluminuras). No ano passado lançou seu segundo livro de poemas, "visibilia" (Rio de Janeiro: Sette Letras).

Ao longo destes anos traduziu, entre outros, a poesia de Ezra Pound, Sylvia Plath, William Carlos Williams, Robert Creeley, Gertrude Stein, Laura Riding, Gary Snyder, Charles Bukowski, John Ashbery, Jim Morrison, e Samuel Beckett.

Em 1998 foi curador da exposição "Olhares", do fotógrafo nipo-brasileiro Haruo Ohara, que participou da Bienal Internacional de Fotografia, em Curitiba. Realiza performances de poesia & música pelo Brasil.

Seu livro Solarium foi incluído na lista das mais importantes publicações de poesia brasileira dos anos 90, e em 2004 ele foi escolhido pelo governo francês para o Programa de Ajuda Especial em Favor da Literatura Brasileira.

Vive na ilha de Florianópolis.

Bibliografia
– Nômada.
– Polivox. Poemas 1997-2000
– Poemas Selecionados (1984-2001)
– visibilia.
– Solarium.

Fontes:
Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais
Jornal de Poesia.

Música e poesia no Terças Poéticas, em Belo Horizonte



No dia, 24 de novembro, às 18h30, a poeta Cristina Borges esteve nos jardins internos do Palácio das Artes para homenagear o poeta Francisco Lins do Rego Santos. A poeta leu poemas do livro “Inventário da Noite”. A entrada foi gratuita.

Nesta edição o poeta Paulinho Andrade apresentou “Celebração”, lendo poemas de sua autoria, além de receber os convidados especiais Wanderson Novato, Paulo Cezar Nogueira, Zebeto Corrêa, Emerson Bastos, Diovvani Mendonça, Rogério Salgado e Virgilene Araújo. Também compositor, o poeta lançou o CD “Paulinho Andrade & Boa Cia”, com participações de intérpretes mineiros, sendo alguns parceiros de carreira.

O projeto de leitura, vivência e memória de poesia Terças Poéticas é uma realização da Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais em parceria com Suplemento Literário e Fundação Clóvis Salgado e recebe apoios culturais da Rádio Inconfidência e Rede Minas.

Paulinho Andrade
Paulo César Andrade nasceu em 11 de dezembro de 1955 na cidade de Carmo, Rio de Janeiro, morou na região da zona da mata mineira, e atualmente mora em Belo Horizonte. O poeta publicou “Volts, 293” pela editora - Por Ora 2001, BH. O poeta e ativista cultural - pretende lançar em breve o 2º livro de poesia, “Palavras de quase tudo”.

Francisco Lins do Rego Santos (1958 - 2002)
O escritor nasceu, em 1958, no Rio de Janeiro e passou a infância em Guaíra e Curitiba, no Paraná, e estudou Direito na Universidade Cândido Mendes. Neto de José Lins do Rego, o poeta faleceu em 2002. Em 1999, publicou “Inventário da Noite”, pela editora José Olympio, RJ.

Francisco Lins do Rego Santos tem no sangue o dom de fazer música com as palavras. Como o "Menino de engenho" ou "Doidinho", ele observa, sensibiliza-se e depois liricamente protesta contra o lado obscuro da vida.

Poeta norte - americano Walt Whitman recebeu homenagem no Terças Poéticas

O projeto de leitura, vivência e memória de poesia Terças Poéticas apresentou no dia 03 de novembro, às 18h30, nos jardins internos do Palácio das Artes, o poeta Rodrigo Garcia Lopes em homenagem a Walt Whitman.

O poeta Rodrigo Garcia Lopes leu e cantou poemas de seu livro e cd Polivox, além de ler e falar sobre Folhas de Relva, de Walt Whitman, traduzido por ele.

Fonte:
Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte XI



III. — O Cid

O personagem do Cid pertence à Espanha. Mas Corneille, prosseguindo com a peça de Guillen de Castro, imortaliza o herói. Essa lenda cavaleiresca descreve a vida rude e trabalhosa de um hábil guerreiro; é uma poesia de autenticidade na qual o sobrenatural, o misticismo e o fanatismo desaparecem.

1. — O personagem histórico

A Gesta Roderici Campidocti registra o nascimento do Cid em, aproximadamente, 1050; a Crónica del Cid, em 1026. Deve ter nascido em Bivar (a 8 quilômetros de Burgos), de Diego. Laynez, descendente de Layn Calvo, juiz do condado de Castilha.

Conforme outras tradições, Rodrigo é um bastardo e tem três irmãos mais velhos. Guillen de Castro faz dele um filho natural, Corneille, um filho único.

Guerreia sob o reinado de Sancho II e depois sob o de Afonso VI que o exilou em 1081. Rodriguez Diaz bate-se então para outros reis. Requestam-se os serviços do Campeador (O batalhador).

Ajudando o rei muçulmano de Saragoça, os soldados lhe deram o nome de Cid, Mio Cid oriundo do árabe Sidi, senhor. Cumulado de riquezas e honras apoderou-se de Valença (1094) e lá viveu até 1099 como grande senhor. Depois de sua morte, sua mulher, Ximena, neta de Afonso V. teve que abandonar Valença (1102).

A imaginação do povo acrescentou logo uma infinidade de pormenores extraordinários. Esse vassalo injustamente exilado permanece um motivo ora respeitável, ora revoltado; chefe de um bando ambicioso, pouco escrupuloso (conforme Dozy), torna-se um cavalheiro cortês e galante. São-lhe atribuídas intenções que são de outros tempos e de outros personagens. Mas esse homem rude, independente, leal, representa bem a Espanha cristã; provocou a admiração.

2. — Os documentos

O Museu Real de Armas de Madri conserva uma das espadas do Cid (Tizona); a catedral de Sala manca retém o ato de 1098 pelo qual o Cid dava todos os seus bens à catedral de Valença; bem como os de Ximena (1101). Burgos tem em seu poder o contrato de casamento entre Cid e Ximena e os. dois cofres que o Cid teria entregue aos judeus. Os restos mortais do herói e de sua mulher descansam em San Pedro de Cardena. Em 1272, Afonso X mandou erguer, em sua homenagem, um ataúde de pedra.

3. — Fontes literárias

a) Historia Roderici Didaci Campi docti, crônica latina (antes de 1238), descoberta em 1742 pelo P. Risco, traduzida por Saint-Albin (Paris, 1866).

Só nos restam trinta e duas estrofes desse poema;

b) Crônica rimada, descoberta em 1844 por Enjemio de Ochoa, publicada por Francisque Michel e Ferdinand Wolf — Tradução de Damas-Hinard em 1858. E a juventude do Cid feudal. A narração inicia-se com a querela entre o Conde de Gormaz e Diégo Lainez;

c) Le Romancero é a obra mais considerável. Foi impressa em Saragoça em 1550;

d) A crônica do Cid, quarto livro da Crónica general, teria sido composta pelo próprio Afonso X e refundida no século XV; e) La crónica del famoso Caballero Cid Ruy Diaz Campeador, em prosa, publicada em 1512 por Juan de Veloredo, em 1845 por Huberto, em Marburgo e em 1853, em Stuttgart;

f) O poema do Cid (Gesta del mio Cid), publicado em 1779 por Sanchez, reeditado em 1858 por Damas-Hinard e depois por Saint-Albin. Talvez escrito por um prestidigitador de Madenaceli em, aproximadamente, 1140; esse admirável poema encena um Cid mais apaixonado pelas guerras do que pelo amor. A influência da Canção de Rolando nela é indiscutível, mas os episódios sobrenaturais são apenas quatro, sendo um a visita, do Anjo Gabriel e o outro a de São Lázaro.

Essa grande lenda épica espanhola não precisa pois do maravilhoso;

g) Documentos árabes. Dozy (1881) encontrou o manuscrito árabe de Ibn Bassam (Dzakhira, terceiro volume, primeira parte), escrito em Sevilha em 1109 dez anos depois da morte do Cid lbn-al-Cardebus et Ibn-al-Abar falaram também do Cid.

4. — Sucessão literária

O amor Ximena-Cid não é tratado. Essa invenção arbitrária nasceu nos romanceros, os quais dizem que Ximena amou Rodrigo depois da morte de seu pai. Francisco Santos no Cid ressuscitado faz com que o Cid ressuscite bastante descontente com as fábulas que lhe são atribuídas.

a) Guillen de Castro — No século XVII, este autor forneceu o conflito dramático da morte do conde. Las mocedades del Cid (Juventude do Cid), composto em 1618, foi editado em 1621; é um drama fértil em espetáculos nos quais o amor luta com o dever durante três anos. A segunda parte de Las mocedades narra as proezas do Cid e a ação só é iniciada vários anos depois do casamento do Cid com Ximena.

Esta peça edificante exalta o espírito da caridade; é uma arma contra a Reforma;

b) Corneille — Corneille retoma esse texto (dezembro de 1636) inspirando-se também em dois antigos romances espanhóis. A lei imperiosa da unidade de tempo aboliu esse período de três anos; Corneille, reagindo contra a apresentação dos mistérios, suprime as cenas religiosas mas exalta o ideal de cavalaria. É criticado pelo casamento dessa moça com o assassino de seu pai, mas na Espanha, o rei dispunha, como queria, da mão de uma órfã.

“La querelle du Cid”, erguida por Richelieu, tem motivos políticos (apologias do duelo e de um herói espanhol justamente quando os éditos de 1634 proíbem esses combates e que a França está em guerra com Madri). E nada mais do que uma rivalidade literária, o orgulho de Corneille feriu a suscetibilidade de seus rivais;

c) Diamante — La Harpe e Voltaire pretenderam sem razão que o Cid de Diamante era anterior ao de Castro. Le vengeur de son père data de 1659 e é uma tradução de Corneille;

d) Les tragédies — Desfontaines (Le mariage du Cid, 1635), Chevreu (La vraie suite du Cid), Timothée Chillac (La mort du Cid ou L’ombre du comte de Górmaz, 1639), Pierre Lebrun (Le Cid d’Andalousie, 1825), de Casimir Delavigne (La fille du Cid, 1840) não trouxeram nenhum elemento novo.

Abel Hugo traduziu o Romancero (1822) e Victor Hugo lembra-se de Rodrigo em La bataille perdue (Les Orientales), Bivar, Le Cid exilé, Le Romancero du Cid (La légende des siècles);

Em 1882, Zorilla compõe uma abundante paráfrase do romancero (La légende du Cid). Massenet escreve sua música segundo o livreto de Gallet, d’Ennery e Blau. Leconte de Lisle inspira-se em Rodrigo nos seus Poèmes barbares (1862), bem como José-Maria de Herédia (Revue des Deux Mondes, 1885).

Alexandre Arnoux publicou uma excelente Légende du Cid Campeador (Piazza, 1923) e Georges Fourest traduziu o lamento de Ximena em La négresse blonde (Vanier-1909):

Dieu!
Qu’il est joli garçon l’assassin de papa! (Deus! Como é belo o assassino de meu pai!)

5. — Conclusão

Esse canto triunfal, único texto épico de uma tradição espanhola foi, desde o princípio, influenciado pelo espirito francês que se irradiou então sobre toda a Europa. Poema de propaganda, o autor baseou-se em documentos humanos. Debaixo de sua boa cota de malha, o Cid combateu para ganhar a sua vida. Mas esse personagem bem espanhol veio até nós, não tanto pela sua coragem que se assemelha à de Rolando, mas por um fato imaginado por Guillen de Castro: a luta entre o dever e o amor. Corneille, pela sua concisão, pelo vigor de seus versos cintilantes e imortais, forjou sua duradoura personalidade.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Trova LXXVIII - Emiliano Perneta (PR - 1866-1921)


Fontes:
- Montagem de imagens obtidas na internet
- Paraná em Trovas - n.2 - out 2006

Antonio Juraci (Canto Libertador)


Escuta, nos poemas que te oferto,
batidas de tambor, rumor de remos
retalhando essas águas seculares
onde remaram nossos bisavós.

Ouve os gritos de dor rasgando o tempo
nos porões dos navios, nas senzalas,
nos troncos, nas fazendas, nos garimpos
a retumbar no âmago de nós.

É preciso correr! O tempo urge!
Carece remover o esterco, a lama
que a História sobre nós depositou.

E é preciso cantar! Ódio e tristeza
não trarão água e pão à nossa mesa,
não cobrirão de flores nosso chão.
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Fonte:
Imagem = Instituto de Estudos Avançados da USP. vol.16 no.46 São Paulo Set./Dez. 2002. Artigo Liberalismo e Escravidão.

Neida Rocha Classificada no III Concurso Nacional Poeart De Literatura



Neida Rocha obteve duas poesias classificadas e serão publicadas no livro Vozes de Aço - V – Antologia Poética 2009

PORQUE SOU POETA

Porque busco viver
os sentimentos da vida,
acreditando na felicidade
como meio para a vida.
Porque sinto a beleza de estar viva,
querendo apenas sentir o sabor do amor,
ouvindo a brisa que desce lentamente,
entregando minha alma ao cósmico.
Porque acredito que a vida vale a pena.
Porque sonho acordada
e vivo o sonho de ser feliz.
Porque vivo a felicidade eterna
com lacunas de alegria.
Porque agradeço
o poder de sentir e a liberdade
de dizer meus sentimentos
com a emoção de estar viva.
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AMIGO SEMPRE

Quero te dizer amigo,
como hoje estou feliz,
pois eu conto contigo,
sempre quando te procuro,
em qualquer tempo
a qualquer hora,
para chorar minhas mágoas
ou te contar minhas alegrias.
Sei que és meu camarada,
seja noite ou seja dia.
Por isso eu quero gritar
como é bom ter um amigo
que me acolhe quando eu choro
ou me abraça quando estou feliz.
Mas agora meu companheiro
quero te dizer de perto
e olhando nos teus olhos
que tens o meu afeto,
pois quando eu preciso
tu estás ao meu lado
e quero que saibas
que aqui tens um amigo
para quando tu precisares.
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Fonte:
Colaboração da poetisa.

Alberto Peyrano (Uma noite Memorável)



Uma reunião à beira de um lago, na Suiça, marcou a mudança fundamental de quatro escritores e ao mesmo tempo surgiria, projetando-se desde as sombras do inconsciente para a noite dos tempos futuros, um dos mais famosos monstros da literatura moderna de terror: “Frankenstein”.

Lago Le Man, Genebra, Suíça.

Na fria e tempestiva noite de 16 de junho de 1816, começo de um verão atípico (os efeitos da erupção de um vulcão da Indonésia tinha dado uma queda na temperatura, no centro da Europa).

Junto ao lar aquecido, uma jovem lê em voz alta, pausada e acentuadamente, as passagens de um conto de terror. Em frente a ela, três homens e uma mulher escutam atenciosamente.

O jogo de luzes aludia demonstrando as chamas, que realçando o grande ambiente quase em penumbras, colocava em movimento as sombras aleatórias que incorporadas aquele momento, deixava o cenário com toque de realidade.

Parecia um contexto completo, como se parte de uma fantasmagórica cenografia fosse de fato a história contada, daquele local, ou seja, dentro da enorme e antiga mansão.

A tensão aumenta. Eles se acomodam em seus assentos, cruzam e movem as pernas impacientes, numa evidente demonstração automaticamente nervosa. A jovem ouvinte, olha para atrás pois tem a impressão de ver algo se mover na escuridão, o mais jovem deles repetidamente reconta os dedos sobre o braço que apoiado ao sofá.

A atenciosa leitora, que não tem mais do que 18 anos, ininterruptamente, mantém sua leitura, totalmente compenetrada na história traduzindo com ênfase perfeita sua narrativa.

Ao concluí-la, o silêncio é total, cada um impressionado e calado, refletindo o que acabara de escutar. O ambiente tenso, deixa no ar a presença do medo que sob o clima do local, chega a demonstrar o efeito perturbador que de todos se apossa.

Rompendo a lassidão, um dos homens levanta-se lentamente, e veste uma longa bata de veludo vermelho. Seu olhar é profundo, o cabelo, ondulado e escuro, toma matizes dourados à luz das aludidas chamas.

Caminha mancando e em passos vagarosos, aproxima-se da jovem narradora lentamente.

Observando-a para a sua frente e fixando o olhar naqueles olhos grandes e claros, agarra o livro que esta apoiado em seu colo e se voltando aos demais brada com autoritarismo, seriedade e firmeza:

-“Escrevamos uma história de fantasmas cada um de nós”.

Afora, a tormenta desata-se, os céus derrubam-se sobre o mundo numa catarata eletrizada que continuamente e de forma aterrorizante, quebra a escuridão. O rugido da tempestade põe sua nota grave nesse apocalíptico concerto de fúria e destruição. Sem o poder de locomoção em razão do tempo e suas consequências, evidencia-se que sair dali é inviável. Assim, nossos quatro amigos, a mercê do tempo e das condições ficam confinados naquele lugar ermo, sem referências nem previsões do tempo exato que por lá, se manterão.

(No verão de 1816, o casal formado pelo poeta Percy Shelley e a escritora Mary Wollstonecraft (posteriormente conhecida como Mary W. Shelley), acompanhado por Claire, irmã de Mary, decidiu viajar desde Londres até o lago Le Man, na Suíça.

Ali contactaram-se com o poeta Lord Byron, que achava-se temporariamente na área, e com John Polidori, o médico pessoal de Byron. Não demoraram em fazer amizade e surgiu entre eles uma relação amistosa que foi-se acentuando com o correr dos dias.

Suas reuniões noturnas chegavam até altas horas ou, as vezes, até a saída do sol. Os quatro discutiam e trocavam idéias sobre filosofia, literatura, política.

Mas antes de continuar com esta história, é preciso localizar-nos em suas respectivas pessoalidades e vidas, para se ter uma melhor aproximação e um maior entendimento sobre a gênese de “Frankenstein”.

John Polidori nasceu em Londres, em 1795. Seu avô tinha sido um médico que escrevia seus tratados em forma de poemas, e seu pai –quando vivia na Itália- desempenhou-se como secretário do poeta Antonio Alfieri. De um modo ou outro, Polidori tinha contato com poesia já desde sua própria genealogia.

Daí que suas vocações se dividiam entre o Humanismo e a Medicina.

Graduou-se como médico aos 19 anos e sua tese doutoral versou sobre sonambulismo. Admirava profundamente a Lord Byron e cumpriu um de seus sonhos quando o poeta o nomeou médico pessoal e convidou-o a acompanhá-lo à Suíça. Conquanto ao começo a relação entre ambos foi muito boa e de muita cordialidade, não demorou Byron em prejudicar o jovem galeno, humilhando-o quanto podia, burlando-se ironicamente dele e especialmente do que escrevia.

Lord Byron, um dos maiores poetas de fala inglesa, dono de uma excêntrica personalidade e perseguido desde sempre pelos escândalos, tinha nascido em Londres em 1788 e passou sua infância na Escócia.

Era coxo de nascimento. Aos 10 anos regressa a Londres e recebe, como herança de um tio avô, o título de nobreza e umas quantas propriedades. Aos 20 anos consegue uma cadeira na Câmara dos Lores e começa a viajar pela Europa ao mesmo tempo que sua fama poética se estendia por todo o continente. Em 1815 casou-se – talvez para dar por terra com os rumores de uma relação incestuosa com sua irmã- e foi abandonado por sua esposa ao ano seguinte. Dessa união nasceu uma filha que nunca conheceu. Em poucos meses, abrumado pelos escândalos, abandona para sempre sua Inglaterra, não sem antes levar-se com ele a seu médico, dada sua débil natureza enfêrma.

Percy Bisshe Shelley, nascido em 1792 em Sussex, pertencia à nobreza. Desde muito jovem germinaram nele idéias sobre ateísmo e amor livre, que levava para seus versos ironicamente. Isto lhe valeu a expulsão de um dos melhores colégios de Oxford. Contava então 19 anos. Apaixonado de Harriet Westbrook, fuga-se com ela à Escócia. Persistindo em suas idéias sobre o amor livre, convida a seu camarada Hogg a compartilhar com ele sua casa e sua mulher, mas Harriet negou-se.

Voltam a Londres, têm dois filhos, e a crescente infelicidade em seu casal faz que o poeta, ao freqüentar a livraria de Mr. Godwin, apaixone-se da filha do livreiro, Mary. Quatro anos depois daquela primeira fuga, Percy volta a repetir o fato, abandonando sua família e levando-se à Mary e sua irmã Claire com ele. Os três viajam para a França e depois se estabelecem na Suíça. Mas não demoram em voltar a Londres. Novamente ali, Claire tem amores com o poeta Byron, quem aos poucos perde interesse por ela e parte para a Suíça. É então que Claire pede a Mary e Percy partir novamente para o continente a seguir da pista de seu amante. Os três, no verão de 1816, chegam ao lago Le Man.

Nascida em Londres em 1797, Mary Wollstonecraft Godwin tinha ficado órfã de mãe aos poucos dias de nascer. Posteriormente seu pai voltou a casar-se e brindou à menina uma esmeradísima e enciclopédica educação que faria de Mary uma mente brilhante. Desde pequena contata-se com literatura e com toda a magia das terras altas escocesas onde passava seus verões. Sua união com Shelley lhe facilitou o aprofundamento em Poesia e Filosofia. Amava profundamente ao jovem poeta, ainda que não cedeu aos mesmos requerimentos que Shelley tinha feito com sua primeira esposa: compartilhá-la com seu amigo Hogg. Frente aos desencontros amorosos de sua irmã, decide ajudá-la e os três partem para Suíça.)

A partir daquela noite nada voltaria a ser igual. Byron e Shelley, sem decidir-se a escrever o consignado conto, preferiram fazer longas caminhadas, realizaram curtas viagens até pontos próximos nos Alpes franceses e saíam a navegar numa embarcação pelo lago. Durante o dia, os dois poetas foram afiançando pontos de vistas sobre amor livre, sexualidade e moral, fortificando laço afetivo.

Durante a noite, Shelley se retirava a seus aposentos junto com sua esposa e Byron dormia com a jovem Claire. Esta notável amizade entre Shelley e Byron fez que um fosse influindo no outro, conseguindo ambos mais maturidade em suas futuras produções (assim, nota-se a influência de Shelley no poema “Manfred” e na última parte da peregrinação “de Child Harold” de Byron e, inversamente, vemos um enorme vôo byroniano no poema “Mont Blanc” de Shelley).

Não obstante, a proposta literária de Byron não tinha passado despercebida nem para Polidori nem para Mary. Depois de várias tentativas que causaram os risos e burlas de Lord Byron, Polidori apelou às antigas lendas da Europa Central e esboçou o rascunho de seu famoso conto “O Vampiro” (que depois de sua morte foi atribuído a Byron, mas atualmente os biógrafos e estudiosos de Polidori e de Byron devolveram ao primeiro a autêntica autoria deste relato). Desde a ótica da literatura de terror, “O Vampiro” é o antecessor direto de uma famosíssima novela que Bram Stoker escreveria oitenta anos depois. Este escritor irlandês, inspirado no relato de Polidori e na figura histórica do caudilho romeno do século XV, Vlad Tepes, conseguiu quase ao final do século (1897) um dos pilares fundamentais do horror com “Drácula”.

Antes de avançar sobre o acontecido com a figura central deste encontro, Mary, não podemos deixar de referir-nos à casa que essa noite os albergava e que tinha alugado Byron por essa temporada, a Vila Diodati. Na mesma e duzentos anos antes, tinha-se hospedado o poeta Milton, autor de “O Paraíso Perdido”, e também tinham incursionado por ela os filósofos Rousseau e Voltaire. Se nos pusermos a pensar um pouco além do que ali se gerou, nossa história se desenvolvia dentro de um marco cênico apropriado, que contava com a impregnação de toda a energia mental e espiritual de seus sucessivos visitantes, somada à dos moradores desse momento. Localizada no coração dos Alpes, a Vila Diodati foi considerada como o ponto de arranque da literatura moderna de terror.

Algo muito diferente de seus colegas passava pelo interior de Mary, como ela mesma o expressara na introdução de sua obra mor:
-“Dediquei-me a pensar num conto, um conto que pudesse rivalizar com os que nos tinham impulsionado a essa tarefa. Um conto que falasse dos misteriosos terrores de nossa natureza, e acordasse medos estremecedores, que deixasse ao leitor com temor de olhar para seu arredor, que paralisasse o sangue e acelerasse os latidos do coração. Se não conseguisse esses resultados, meu conto de fantasmas seria indigno de seu nome”.

Observamos o enorme compromisso interior que a consigna de Byron tinha engendrado em Mary. Não desejava inventar uma história “rápida” ou passageira, que depois de ler-se fora esquecida para sempre. Almejava que sua leitura mexesse com o leitor de forma intensa penetrando em seu mais íntimo interior, a fim de que alguma maneira, pudesse se enfrentar. Revelando sua própria natureza sinistra, escondida, temida e recusada. E foi este o principal objetivo, que norteou Mary, para que dirigisse os passos de sua pluma.

Não foi tarefa fácil, para Mary Shelley, compor a complicada, profunda e transcendente estrutura, argumentativa e de conteúdo, de sua obra cume. Felizmente tinha a seu favor um valioso recurso: seu mundo interior. Ela mesma relata-o desta maneira:
“Quando menina morei no campo e passei muito tempo na Escócia. As vezes fazia visitas às regiões mais pitorescas, mas minha residência habitual estava nas terras tristes e nuas que se estendem ao norte de Tay, perto de Dundee. Tristes e nuas as acho agora, ao recordá-las, mas não eram então para mim, porque resultavam-me um refúgio de liberdade e uma agradável região onde eu podia, longe de toda vigilância, bater papo com as criaturas criadas por minha fantasia.(...) Depois, minha vida se fez mais ativa e apareceu a realidade para recomeçar à ficção”.

Não há dúvida que a consigna de Lorde Byron fez ressoar nela o cordame de uma harpa longamente silenciada e, como marcada por um desígnio superior, respondeu à necessidade de tanger novamente o instrumento que, desde algum lugar de seu passado, reclamava seu atendimento.

É um fato conhecido que a Grã-Bretanha tem um clima mágico grávido de lendas, com uma mitologia própria que não pôde ter passado despercebida para a sensibilidade de Mary. Incubado em seu interior, o cosmos lendário da Inglaterra e Escócia bulia por projetar-se para a pena da escritora quem, ao receber o estímulo lançado por Byron, aciona o disparador fazendo-se cargo de uma tarefa a cumprir que coroou de glória seu propósito. Mas este fato teve todo um processo que poderíamos descrever como obsessivo e angustiante no espírito da moça. É óbvio que quando uma alma está chamada a transcender, a missão se incrusta nela, conscientemente, como uma cruz à que há que carregar até o fim.

Perseguida e controlada pelos colegas de veraneio, Mary não podia tolerar a vergonha de demonstrar seu fracasso os primeiros dias, pois a história requerida não aparecia e tudo o que se lhe ocorria era ao fim desprezado por ela mesma por considerá-lo vulgar, infantil ou passado de moda. “Eu sentia a vazia incapacidade de invenção, a maior desgraça que pode afetar um autor quando à suas ansiosas invocações responde só o nada. (...) Todas as manhãs vía-me obrigada a responder com uma mortificante negativa”.

Nos seus momentos de solidão, enfrentada ao portentoso desafio que carcomía seu cérebro, Mary desenvolveu pensamentos filosóficos que levaram-a se perguntar sobre a origem das coisas, eludindo os supostos e as carências explicativas das causas primeiras dos acontecimentos, numa tentativa por dar um armado lógico a seu trabalho. Somou seus agitados pensamentos ao que ouvia das conversas entre Shelley e Byron, quem passavam longas horas discutindo e trocando idéias sobre “a natureza do princípio da vida e das possibilidades de que chegue alguma vez a ser descoberto e dado a conhecer”. Assim, foram-se embaralhando sobre a mesa interessantes cartas de um naipe maravilhosamente ilustrado com imagens de Darwin, o galvanismo, a eletricidade e os últimos avanços da Física.

Talvez foi este o “clic” que Mary precisava para voltar àquele mundo da infância, quando a fantasia reinava em seu espírito. Essa noite, enquanto todos dormiam, a insônia lhe acordou imagens nas quais ela viu um “estudante de ciências ímpías ajoelhado junto de algo que tinha reunido. Vi elevar-se um horrível fantasma com figura de homem e depois, por obra de algum motor poderoso, dar sinais de vida e agitar-se com um movimento intranqüilo, quase como de um ser vivo”. Ao instante reflexionou sobre o Homem emulando a Deus, gerador de uma criatura a sua imagem e semelhança, e pensou no sentimento de terror que deve invadir àquele que tenha conseguido essa consciência, mediante a qual, o humano criador “fugiria horrorizado de sua horrível obra, desejando que, abandonado a si só, apagasse-se a ligeira luz de vida por ele comunicada. (...) Dorme, mas não demora em acordar e vê que aquilo está em pé junto ao leito, abre as cortinas e o olha com olhos amarelos e aquosos mas investigantes”.

Na manhã seguinte, Mary anunciou que tinha pensado um conto. As primeiras palavras desse relato foram transladadas depois ao capítulo V de sua famosa novela: “Numa lúgubre noite de novembro...”. Completou o livro durante todo o ano de 1817 e foi publicado em janeiro de 1818.

Antes de abordar o comentário sobre a ópera prima desta escritora inglesa, é necessário agregar, para arredondar a nossa história, o final destes quatro destinos que uma vez reuniram-se para se encontrar com outra dimensão humana.

John Polidori foi deixado sem trabalho por Lorde Byron e sua vida entrou em decadência, até que decidiu envenenar-se ingerindo ácido prússico em 1821, quando só contava 26 anos. Seu romance “O Vampiro” surgido do desafio byroniano, é considerado o pioneiro no gênero na Inglaterra e, posteriormente, foi a fonte de inspiração do irlandês Bram Stoker para escrever sua famosa obra “Drácula”, quem depositou na figura histórica do líder romeno Vlad Tepes as condições do não-morto que admiravelmente tinha descrito primeiro Polidori.

Lorde Byron continuou sua amizade com Shelley até a inesperada morte deste em 1822, ao ano seguinte do suicídio de Polidori. Depois, viajou a Grécia para lutar contra os turcos e morreu nesse país, doente de malária, aos 36 anos de idade.

Percy Shelley, pouco antes dos 30 anos, faleceu em um naufrágio. Seu corpo foi devolvido pelo mar dez dias depois e a mesma Mary o fez incinerar na praia onde foi encontrado.

Quanto a Mary, depois de casar-se com Shelley, teve três filhos dos quais apenas sobreviveu um. Quando ela enviuvou dedicou-se a editar e publicar a obra do seu marido, escreveu mais duas novelas e levou uma vida muito calma até sua morte, ocasionada por câncer cerebral, aos 53 anos.

O tema central do romance “Frankenstein” é a criação de um humanóide por um cientista. Isto resultaria muito simplista, se nos atemos literalmente ao exposto, enquanto não indagamos nas causas que levaram a esse fato, explicadas pelo mesmo protagonista do relato, o Dr. Víctor Frankenstein, quem criticando à ciência de sua época e aprofundando nos estudos alquímicos de Cornelius Agrippa, Paracelso e Alberto Magno, declara:
Quanto mais tenha-se feito, mais, bem mais tenho de fazer eu. Seguindo as impressões já marcadas, abrirei novos caminhos, explorarei poderes desconhecidos e revelarei ao mundo os mistérios mais profundos da Criação”.

Há um contínuo ir e vir pelo conhecimento no caminho do Víctor, aparecem assim seus professores aliados e aqueles detratores que não aceitam a antiga ciência, suas lutas internas por não acatar os mandatos de seus maiores mestres e, boiando em todo este palco, seu arremesso ao segredo mais ansiado: a chave que lhe permitirá abrir a porta da vida num ser inerte. Mas, para alcançar com sucesso esta meta, não podia ignorar um passo:
“Para conhecer as causas da vida devermos travar conhecimento primeiro com a morte. Aprofundei a anatomia, mas não bastava com ela, e devi observar também a ruína e a corrupção do corpo humano”.

Localiza-se assim na metade de um eixo perigoso cujos pólos faziam parte de um mesmo fato: a vida mesma.

A partir destes preliminares e quase consumando sua obra, a sensatez do Víctor vai dando passo para uma idéia obsessiva: ser ele, na sua obra, como Deus mesmo.

“A vida e a morte me pareciam objetivos ideais, aos que chegaria sendo eu o primeiro para derramar um toque de luz sobre nosso escuro mundo. Uma nova espécie adoraria-me como seu criador, muitas pessoas felizes e boas deveriam-me seu ser, nenhum pai poderia reclamar a gratidão de seus filhos como eu a deles. Continuando com estas reflexões, pensei que podia-se dar vida à matéria inerte, e assim poderia (...) renovar a vida nos corpos aos que a morte tinha condenado à podridão”.

Mas esse “Deus”, uma vez consumado o fato de sua criação única, arrepende-se de sua ação, ainda que tarde: a criatura cobrou vida e já nada pode controlá-la. É “Frankenstein” um remedo do mito bíblico? Tentou Mary Shelley trazer à consciência dos homens sua finitude perante um deus que não pensava o que fazia, nem suas conseqüências, em um soberbo ato de criação?

Não pode chamar-se a “Frankestein” de romance gótico ou de terror, como habitualmente se tem classificado, senão que poderíamos aproxima-lo de algo como se fosse um antecipo do que atualmente seria o gênero da ficção científica. Mas pensar em um romance com este argumento, de conteúdos tão profundos, nascido de uma mente de dezoito anos como a de Mary quando a escreveu, fazem-nos reflexionar mais profundamente ainda do que ela quis dizer-lhe ao homem de seu tempo com este livro. “Frankenstein” leva como subtítulo “O moderno Prometeu” que, a meu entender e compreensão, deveu ser este o verdadeiro nome do livro por toda a sobrecarga implícita que tem e que conforma o núcleo central da mensagem.

Há como um acordar de Mary perante sua obra mesmo, anos mais tarde, quando a corrige para outra edição. Talvez por ter crescido, por ter sofrido, por ter amadurescido em pensamento e idéias, em 1831 assombra-se do que escreveu e pregunta-se a si mesma, no prólogo:
“Como a mim, então tão novinha, criei –e cheguei a desenvolver- uma idéia tão horrível?”.

De fato, causa assombro a perfeição com que Mary enlaçou o sobrenatural e horrendo com o científico, mas em realidade o que ocorreu é que convergiram nela dois modelos de pensamento: por um lado o empirismo científico do século XVIII e pelo outro a reação ao mesmo, criativa, que se deu no século XIX. Daí que o resultado, a simples vista, além de gerar horror ou pânico, acorda um sentido de alarme e reflexão diante da possibilidade que o Homem, num futuro, possa ficar submetido pela tecnologia, como realmente está acontecendo neste presente do século XXI que devemos viver. E se a mesma Mary asombra-se de seu resultado, é que ela não era consciente que estava dando, com sua obra, uma mensagem à Humanidade que escapava às suas possibilidades de entendimento.

Os dois personagens principais de “Frankenstein” – Víctor e o monstro- resultam só um, fortemente unidos para sempre. Portanto são seres opostos e complementares. O mesmo subtítulo também leva este duplo jogo de interpretação, pois se considerarmos como Prometeu ao Víctor, tendo em suas mãos o fogo da Vida ou do Conhecimento, o Monstro mesmo assume também sua condição de Prometeu desde o momento mesmo que começa a existir, quando começa a se sentir “só, miseravelmente só” e rebela-se contra seu criador.

Há diálogos memoráveis entre Víctor e o monstro, que transcendem a mera história argumentável e depositam-se na condição humana mesmo:
“Acusas-me de assassinato –reprocha-lhe o monstro ao seu criador- e no entanto destruirias, com a consciência calma, tua própria criatura”.

Também podemos observar ao longo de toda a ação, que a mesma é uma contínua perseguição entre ambas partes, carreira que se torna vertiginosa, contínua, que não permite perder o atendimento sobre o que está acontecendo mas ao mesmo tempo gerando um recurso assombroso em mãos de sua autora de dezoito anos: quem fora, num princípio, desmembrado e depois unido em nova vida por seu criador, resulta ser, como perseguidor e acusador, quem desmembra ao Víctor mentalmente conduzindo-o para um fatídico final. Loucura e vingança, ódio e ressentimento, desespero e angústia, são as emoções básicas que vão dando vida ao relato, emoções que quando estouram e se precipitam no duplo protagonista, atentam contra a lógica, o raciocínio, a sensatez e o equilíbrio intelectual.

Se Mary Shelley conseguiu que Víctor Frankenstein resultasse um símbolo da miséria humana e, como tal, um objeto de ódio, também é verdadeiro que ele foi vítima dessa mesma miséria humana e, como tal, objeto de compaixão. Por outro lado, Mary submete ao leitor a um jogo de alternâncias inevitáveis pois se sua curiosidade se enlaça com todos os avanços que Víctor vai tendo em seus objetivos e depois em suas desgraças na primeira parte do livro, o mesmo leitor se solidariza depois com o monstro, quando este conta a história de suas lutas e de seus progressos.

Não poderíamos deixar de aplaudir o intenso final com que Mary fecha definitivamente seu livro: a morte do Víctor e o pranto desconsolado da sua criatura, como se esta cena fosse um final operístico grandioso, no meio do ermo, da paisagem imensa, fria e branca das Ilhas Orcadas, final magistralmente descrito em breves palavras pela escritora escocesa Muriel Spark, biógrafa e crítica de Mary Shelley:
“...a estrutura fecha-se só com a morte natural de Víctor Frankenstein e a representação do monstro se inclinando com imensa dor sobre ele. Vão-se convertendo o um no outro, se ligando estreitamente em uma submissão definitiva”.

Fonte:
News Elizabeth Misciasci http://www.eunanet.net/beth/

Maria Cristina Bonnafé (Uma Vaga na Vida)



Fui a uma agência bancária fazer um saque. Tudo bem ágil, em meio a um dia cheio de compromissos. Sorri, parecia estar com sorte: estacionei o carro a única vaga no recuo da calçada, em frente ao banco; no caixa eletrônico, apenas uma pessoa.

Feito o saque, só me restava ir embora. Mas de que jeito? Atrás de meu carro, uma pick-up e um grande carro de passeio, estacionados irregularmente na esquina.

Encontrei, no carro de passeio, uma garota já meio mulher, a escorregar as costas pelo banco, pés no painel. Ouvia o rádio, distraída, e, quando me percebeu, olhou-me pelo canto dos olhos semipuxados: Não sei dirigir. Ele saiu e já vem. Espera um pouco.

Tentei a pick-up. Dentro, um rapaz comprido e magro assegurou-me que não tinha a chave do carro – ficaria plantado ali, enquanto o motorista não chegasse. Ao volante de meu carro, sem sair do lugar, eu também esperava que os outros resolvessem a sua vida para, depois, eu resolver a minha.

O moço da pick-up passava o tempo como podia. Girava o indicador dentro de uma narina, voltava o giro em sentido inverso; alternava a narina… E assim eu ficava: assistindo à esmerada faxina na face do rapaz!

Ali parada e com o dinheiro sacado, senti-me vulnerável e precisava me proteger. Fechei hermeticamente os vidros, sob o sol das treze horas, o que tornou o espaço dentro do carro uma verdadeira sauna. Transpirava… Em sentinela, tinha que ficar atenta às janelas e retrovisores. Só então reparei, ao meu lado, o canteiro de amor-perfeito e o hibisco laranja. Fizeram delicados estes quinze minutos sem fim.

Ambos os motoristas chegaram ao mesmo tempo. Imaginava ouvir um pedido de desculpas e já me preparava para responder: “por nada!”. Porém nenhum aceno, nenhum sorriso, nenhum olhar. Apenas entraram logo em seus carros e, sincronizadamente, saiu um e depois o outro. Passagem livre, mas não aliviada!

Será que a pressa engolia nossas vidas? Era preciso tempo para olhar, ouvir, dizer. Não um tempo de cronômetro, reto e exato, mas um tempo humano, curvo e maleável. Só uma efêmera vaga para o carro não bastava. Queria, acima de tudo, uma vigorosa vaga na vida.
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Maria Cristina Bonnafé é de São Paulo, capital. Esta crônica foi uma das 5 vencedoras no II Concurso Literário Cidade de Maringá, na modalidade crônica

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Luís Pimentel (Ofício de Escrever)



Esta crônica é um presente para todos aqueles que têm o hábito de escrever, seja por obrigação (jornalistas), devoção (escritores) ou curtição (amadores e diletantes). Pincei e ofereço graciosamente duas dicas primorosas, de dois mestres da palavra, o patrício Graciliano Ramos e o mexicano Juan Rulfo. Vamos primeiro ao bom e velho Graça:

“Quem escreve deve ter todo cuidado para a coisa não sair molhada. Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal. Naquela maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lava. Molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer.”

E a dica de Rulfo, o autor do fundamental romance Pedro Páramo , em tradução de Eric Nepomuceno:

“No começo, você deve escrever levado pelo vento, até sentir que está voando. A partir daí, o ritmo e a atmosfera se desenham sozinhos. É só seguir o vôo. Quando você achar que chegou aonde queria chegar, é que começa o verdadeiro trabalho: cortar, cortar muito.”

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Sandro Kretus (O Gótico)


Eu sou o poeta da escuridão que semeia em frios jardins flores mortas com as pálidas mãos Sou o ser escuro que vigia a noite com o olhar de vampiro buscando encontrar a beleza que se esconde em cada sombra Meus olhos pintados de preto veem o que não pode ser visto pelos olhos mortais Eu sou a bruma noturna o ouvido dos Gárgulas nas catedrais Eu vagueio nos céus escuros onde os olhos dos corvos brilham no mágico crepúsculo

Nas trevas vejo a luz que poucos ainda produz e na terra onde os seres do dia rastejam plano suavemente com minhas asas de anjo negro Minha solidão devora as horas esperando o dia terminar até cair sobre mim o manto da noite onde sonho acordado sem despertar Meus versos escritos com sangue deslizam como uma chuva tépida nos prédios abandonados onde deixo o lamento de um mundo doente gravado.

Doenças deixadas pelos seres do dia que destroem o mundo com sua ímpia enfurecida Quem são os estranhos? Ou seriam os loucos?

Deixe-me só com minha tristeza pois o que resta é chorar afinal, alguém precisa chorar então que seja eu o ser da escuridão, o Nosferatu Deixe-me acender minha fogueira na terra das almas mortas quero deitar-me sobre as lápides frias e tortas deixadas pelos seres de outrora Deixe-me cantar nas entranhas escuras Close to me O mundo está doente talvez não há mais cura alguém precisa chorar então que seja eu o ser da noite escura
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Fonte:
KRETUS, Sandro. O jardim sombrio – 2008 . http://sandrokretus.blogspot.com/2009/10/o-gotico.html

Jean-Pierre Bayard (História das Lendas) Parte X



II. — Os quatro filhos de Ayimon
(Gesta de Doon de Mogúncia)

1. — O tema

Carlos Magno armou cavaleiro aos quatro filhos de Aymon de Dordone: Aalard, Renaud, Guichard e Richard. Mas Renaud, devido a uma série de derrotas, matou Bertolai, sobrinho de Carlos Magno. Um antigo rancor gerou entre o imperador e as fileiras de Renaud; Carlos Magno, para se. vingar da afronta, perseguiu durante anos os quatro irmãos que provocavam a admiração de seus inimigos. Ei-los ao lado do rei Yon lutando contra os sarracenos, desde Ardenas até Bordéus. Com o auxílio de um primo, Maugis, o mágico, capturaram Carlos Magno para libertá-lo imediatamente. Libertarão seu maravilhoso cavalo Bayard e Renaud parte para combater na terra santa; essa vida de orgulho e violência termina com a penitência e a graça.

2. — Textos análogos

Os problemas de honra e de consciência que se impõem a esses revoltados se encontram em La chevalerie Ogier no qual o filho de Ogier, o Dinamarquês, foi morto pelo filho de Carlos Magno; Ogier quer se vingar; se arrependerá e tornar-se-á frade. Em Raoul de Cambraf, Raoul, deserdado pelo pai, devasta Vermandois. Seu implacável adversário Ybert de Ribemont, reconhecendo seus erros, funda, no local onde estão os sete castelos — monumentos do orgulho — sete mosteiros — testemunhos de penitência.

3. — Manuscritos

O manuscrito do século XIII, arquivado na Biblioteca Nacional de Paris (n.o 24.387, versão de La Vailière), deu origem a duas edições (Michelant, Tübingen, 1862; F, Castets, Montpellier, 1909). Treze outros manuscritos completaram esse texto chamado La Vailière (manuscritos de Montpellier, de Veneza, estudados por Pio Rajna, de Cambridge, ns. 766 B. N.). Um poema neerlandês (segunda metade do século XIII), retoma a trama do manuscrito La Vallière.

4. — Estudos

Paulin Paris localiza a ação primitiva nas Ardenas. Bédier acentua que a lenda não é mencionada no Catalogue de 1150, mas que é bastante conhecida no princípio do século XIII. Longnon estabelece em 1879 um paralelo histórico entre Yon de Gasconha e o rei de Aquitânia Eudon que guerreou, não contra Carlos Magno mas contra Carlos Martel. (Revue des questions historiques). Rajna (1884). Léon Jordan (1908), Castets (1909) considerando a mesma tese, mas Castets, sem demonstrá-lo, identifica os quatro filhos Aymon aos quatro filhos de Clotário: Clodoveu, Meroveu, Gondovaldo e Childeberto.

Gaston Paris atribui esse poema de dezoito mil versos a Huon de. Villeneuve, enquanto que Bédier estabelece um paralelo com a vida de Santo Agilolfo, que conteria todo o elemento histórico.

5. — Conclusão

Essa lenda de situações dramáticas, ternas, trágicas ou burlescas é a epopéia de vassalos rebeldes que lutam contra seu senhor. Com um fundo maravilhoso e cômico, cenas pueris e joviais. Les quatre fils Aymon caracterizam essa literatura feudal acentuada por uma espiritualidade cristã e pagã. A verdade histórica desaparece perante a verdade psicológica. Mais do que na Canção de Rolando, temos o retrato da sociedade dos Capetos na qual os vassalos são freqüentemente insolentes e intrépidos; guardam contudo um certo senso da honra e essa perseguição implacável dos quatro irmãos, cercada de maravilhoso, continua a ser uma obra das mais atraentes.
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continua...
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Fonte:
BAYARD, Jean-Pierre. História das Lendas. (Tradução: Jeanne Marillier). Ed. Ridendo Castigat Mores

domingo, 22 de novembro de 2009

Folclore de Portugal – Distrito de Leiria (O Monstro de Aljubarrota – Lenda da Bilha de S. Jorge)


A Bilha de Água - Lenda da Bilha de S. Jorge

A Batalha de Aljubarrota travou-se em 14 de Agosto de 1385 entre o exército de D. João I de Portugal e o rei de Castela, num dia de calor abrasador. A batalha tinha sido decidida pelo rei de Portugal e D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, contra a vontade da maioria da nobreza e do exército. A principal razão era a desproporção das forças: trinta mil castelhanos contra sete mil portugueses.

O auxílio esperado de Inglaterra não viria a tempo de evitar um eventual cerco à cidade de Lisboa. Era melhor morrer com honra do que a humilhação da fuga. No dia da batalha encontravam-se os exércitos frente a frente, com o sol a queimar o ar e a sede a começar a torturar os soldados portugueses. O Condestável temia mais a sede que o exército inimigo e incumbiu Antão Vasques de procurar água, uma tarefa difícil dada a secura dos regatos. Mas por S. Jorge tudo era possível! Antão Vasques em vão procurou água e já desesperado desceu do cavalo e ajoelhou-se na terra poeirenta e pediu ao seu anjo da guarda o impossível. No mesmo instante, surgiu uma camponesa com uma bilha de água que quanto mais dela se bebia mais de água se enchia como de fonte inesgotável brotasse. Uma água que saciava a sede e renovava as forças e o espírito.

Os castelhanos atacaram, certos de encontrar os soldados enfraquecidos pela espera e pela sede. Mas os sete mil portugueses aguentaram firmes e para grande surpresa dos castelhanos responderam com tal valentia que estes retiraram em debandada nesse dia de vitória para Portugal. No lugar onde surgiu a jovem camponesa mandou o Condestável erguer a capela de S. Jorge e ainda hoje lá está uma bilha de água para dar de beber a quem passe e tenha sede. S. Jorge ficou também como padroeiro do exército português.
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O Monstro de Aljubarrota

No dia 14 de Agosto de 1385 estavam os exércitos português e castelhano frente a frente, naquela que seria conhecida para sempre como a batalha de Aljubarrota. Eram cerca de 22 000 castelhanos contra 7 000 portugueses, mas, apesar da desproporção de forças, os espanhóis hesitavam em atacar, impressionados pela serenidade mística dos portugueses. Assim ficaram durante horas, mas por fim os castelhanos avançaram e a luta foi renhida, não conseguindo o invasor atingir a estratégica defesa portuguesa.

Desesperados e tendo conhecimento da existência de uma grande fera nas imediações do terreno, os castelhanos decidiram procurar a besta infernal para que esta os auxiliasse. Neste grupo de busca encontrava-se um reputado bruxo castelhano que capturaria o monstro através das suas artes mágicas. Após ter sido hipnotizado pelo bruxo, o monstro concordou em ajudar os castelhanos. Colocado em frente do exército português, livrou-o o bruxo da sua influência para que pudesse recuperar o seu caráter violento e devorar os portugueses.

O monstro temível avançou e começou a desfazer os soldados que estavam à sua frente, assustando até D. João I que se lembrou de invocar a ajuda do seu patrono S. Jorge e da Virgem Maria, com toda a fé que tinha. Segundo a lenda, S. Jorge desceu dos céus montado no seu cavalo e rodeado por uma bola de fogo, lançando-se com a sua lança sobre a terrível fera. Depois de vencer o monstro, S. Jorge virou-se contra o exército inimigo desbaratando as sua fileiras e ajudando os portugueses a alcançar a vitória. D. João I mandou edificar uma ermida onde foi colocada a imagem de S. Jorge montado no seu cavalo, matando o monstro com a sua lança.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/
Imagem = http://pt.artesanum.com/

Trova LXXVII - Ferrer Lopes (Bahia)

Fonte:
Montagem da trova sobre imagem obtida no site http://www.atribunamt.com.br de 11 de fevereiro de 2007, da reportagem Globalização não reduz desigualdadee pobreza no mundo, segundo a ONU.

Encenação da Peça Vidas Severinas, em Petrópolis


Chico Buarque (Morte e Vida Severina )



Composição: Chico Buarque sobre poema de João Cabral de Mello Neto

Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo, te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas à terra dada nao se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
(É a terra que querias ver dividida)
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas à terra dada nao se abre a boca
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Folclore de Portugal - Distrito de Leiria (Padeira de Aljubarrota)

Brasão da freguesia de Prazeres de Aljubarrota, no Distrito de Leiria,
com a pá de Brites no escudo
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Brites de Almeida, a Padeira de Aljubarrota, foi uma figura lendária de heroína portuguesa, cujo nome anda associado à vitória dos portugueses, contra as forças castelhanas, na batalha de Aljubarrota (1385). Com a sua pá de padeira, teria morto sete castelhanos que encontrara escondidos num forno.

A lenda

Brites de Almeida teria nascido em Faro, em 1350, de pais pobres e de condição humilde, donos de uma pequena taberna. A lenda conta que desde pequena, Brites se revelou uma mulher corpulenta, ossuda e feia, de nariz adunco, boca muito rasgada e cabelos crespos. Estaria então talhada para ser uma mulher destemida, valente e, de certo modo, desordeira.

Teria 6 dedos nas mãos, o que teria alegrado os pais, pois julgaram ter em casa uma futura mulher muito trabalhadora. Contudo, isso não teria sucedido, sendo que Brites teria amargurado a vida dos seus progenitores, que faleceriam precocemente. Aos 26 anos ela estaria já órfã, facto que se diz não a ter afligido muito.

Vendeu os parcos haveres que possuía, resolvendo levar uma vida errante, negociando de feira em feira. Muitas são as aventuras que supostamente viveu, da morte de um pretendente no fio da sua própria espada, até à fuga para Espanha a bordo de um batel assaltado por piratas argelinos que a venderam como escrava a um senhor poderoso da Mauritânia.

Acabaria, entre uma lendária vida pouco virtuosa e confusa, por se fixar em Aljubarrota, onde se tornaria dona de uma padaria e tomaria um rumo mais honesto de vida, casando com um lavrador da zona. Encontrar-se-ia nesta vila quando se deu a batalha entre portugueses e castelhanos. Derrotados os castelhanos, sete deles fugiram do campo da batalha para se albergarem nas redondezas. Encontraram abrigo na casa de Brites, que estava vazia porque Brites teria saido para ajudar nas escaramuças que ocorriam.

Quando Brites voltou, tendo encontrado a porta fechada, logo desconfiou da presença de inimigos e entrou alvoroçada à procura de castelhanos. Teria encontrado os sete homens dentro do seu forno, escondidos. Intimando-os a sair e a renderem-se, e vendo que eles não respondiam pois fingiam dormir ou não entender, bateu-lhes com a sua pá, matando-os. Diz-se também que, depois do sucedido, Brites teria reunido um grupo de mulheres e constituido uma espécie de milícia que perseguia os inimigos, matando-os sem dó nem piedade.

Os historiadores possuem em linha de conta que Brites de Almeida se trata de uma lenda mas, assim mesmo, é inegável que a história desta padeira se tornou célebre e Brites foi transformada numa personagem lendária portuguesa, uma heroína celebrada pelo povo nas suas canções e histórias tradicionais.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

Distrito de Leiria (Portugal)



Hoje estamos iniciando uma série de folclore dos distritos de Portugal. Iniciamos com o distrito de Leiria, e para que o leitor possa tomar conhecimento sobre ele, coloco alguns dados sobre a história deste distrito.

A região onde se situa Leiria já é habitada há longos tempos, apesar de sua história precoce ser bastante obscura. Os Turduli, um povo indígena da Ibéria, estabeleceu um povoado junto à cidade actual de Leiria (a cerca de 7 km). Essa povoação foi depois ocupada pelos Romanos, que a expandiram sob o nome de Collippo. As pedras da cidade anciã romana foram usadas na Idade Média para construir parte de Leiria.

Pouco é conhecido sobre a área nos tempos dos Visigodos, mas durante o período de domínio árabe, Leiria era já uma vila com praça. A Leiria moura foi capturada em 1135 pelo primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henriques, durante a chamada Reconquista. Essa localidade foi brevemente retomada pelos mouros em 1137, e mais tarde em 1140. Em 1142, Afonso Henriques reconquistou Leiria, sendo desse ano o primeiro foral (legislação elaborada por um rei com o intuito de regulamentar a administração de terras conquistadas e que dispunha ainda sobre a cobrança de tributos e quaisquer outros privilégios), atribuído para estimular a colonização da área.

Os dois reis esforçaram-se por reconstruir as muralhas e o castelo da vila, para evitar novas incursões mouras. A maioria da população vivia dentro das muralhas protetoras da cidade, mas já no século XII uma parte da população vivia na sua parte exterior. A mais antiga igreja de Leiria, a Igreja de São Pedro, construída em estilo românico no último quartel do século XII, servia a freguesia exterior às muralhas.

Durante a Idade Média, a importância da vila aumentou, e foi sede de diversas Cortes. As primeiras Cortes realizadas em Leiria foram em 1254, durante o reinado de Afonso III. No início do século XIV (1324), D. Dinis mandou erguer a torre de homenagem do castelo, como pode ser visto numa inscrição na torre. Esse rei construiu também uma residência real em Leiria (actualmente perdida), e viveu por longos períodos na cidade, que ele doou como feudo à sua esposa, a Rainha Santa Isabel. O rei também ordenou a plantação do famoso Pinhal de Leiria, próximo da costa com o Oceano Atlântico. Mais tarde, a madeira deste pinhal seria usada para construir as naus que serviram aos Descobrimentos portugueses, nos séculos XV e XVI. Durante o século XV, os judeus desenvolveram nesse conselho uma das mais notáveis comunidades, ao ponto de empreenderem uma florescente actividade industrial.

No fim do século XV, o rei D. João I construiu um palácio real dentro das muralhas do castelo. Este palácio, com elegantes galerias góticas que possibilitam vistas maravilhosas da cidade e da meio envolvente, ficou totalmente em ruínas, mas foi parcialmente reconstruído no século XX. D. João I foi também o responsável pela reconstrução da Igreja de Nossa Senhora da Pena, localizada dentro do perímetro do castelo, num estilo gótico tardio.

Por volta do fim do século XV, a cidade continuou a crescer, ocupando a área que se estende desde a colina do castelo até ao rio Lis. Em Leiria foi impresso o primeiro livro em Portugal. O rei D. Manuel I deu à localidade um novo foral em 1510, e em 1545 foi elevada à categoria de cidade, tornando-se sede de Diocese. A Sé Catedral de Leiria foi construída na segunda metade do século XVI, numa mistura dos estilos renascentista (gótico tardio) e maneirista (renascimento tardio).

Comparando com a Idade Média, a história subsequente de Leiria é de relativa decadência. No entanto, no século XX, a sua posição estratégica no território português favoreceu o desenvolvimento de indústrias diversas, levando a um grande desenvolvimento da cidade e da sua região.

De fato, durante vários anos, Leiria foi das poucas capitais distritais que não era a cidade mais populosa do próprio distrito, sendo suplantada pela cidade de Caldas da Rainha. Contudo, nos últimos anos a cidade tem-se desenvolvido de forma extraordinária, e é já um dos 25 principais centros urbanos de maiores dimensões do país.

Fonte:
Wikipedia

Sandro Kretus (Poesias Avulsas)



Portas escritas

Minhas calças curtas
De travessuras, de caçadas
E aventuras, Monteiro Lobato
Minha filosofia Suassuna
E meus olhos cegos, Saramago
Nas minhas borboletas mortas, Baudelaire
Na minha angustia, Florbela Espanca
Uma rosa sem perfume
E em sua dor, Augusto dos anjos
Beija sem ciúmes
Um beijo tépido no silêncio
Mortes, chagas, visões, infernos de Dante
Minhas mãos Machadianas escrevem versos de Quintana
Em uma ensolarada tarde, e as horas passam, voam
Ninguém vê Virginia Woolf
E Drummond com cara de bom, olhando o céu ao lado de Bandeira
De bobeira, soltando pipas no ar, sentados na areia
Na Villa dos lobos, um Tom toca Vinícius
Eça de Queiroz iça seus anzóis com palavras de ternura
Usando toques de Neruda
Eu ando pela Baker street mas não encontro Conan Doyle
Nem Jô Soares, e na corrida do ouro, Allan Poe corre
Apressado com os corvos enquanto Mary Shelley tranca seu monstro no armário
No corredor, Crowley vê Levi, e Bram Stoker carrega um bebê vampiro nos braços
Fernando pessoa visita o salão filosófico de Platão
Enquanto meus olhos de Byron naufragam num mar revolto...
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O último monólogo

Meus dias passam lentamente como serenas marolas
E nenhuma cortina se abre diante de mim
Sinto meu corpo preso á uma corrente coberta de argolas
Vejo meu começo chegando perto do fim

Um monólogo que encena seu último ato
Segurando sua caveira com as mãos sujas de sangue
Declamando seu poema para as cadeiras vazias do teatro
Deixando cair uma última lágrima escondendo o vexame

Nem um alento seria capaz de sarar tal ferida
De que adianta o brotar das palavras
De uma peça que jamais será lida

Morrerá com sua arte o pobre artista?
Talvez um dia alguém o descubra
E assim reconhecido, não mais morrerá
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Temperanças

Mulheres com suas temperanças
Me tiraram o absinto da garganta
Quando me acalentava nas horas amargas
Tentando remeter-me á esperança

Pequenos castelos desmoronados na areia
Levados pelas ondas de um mar traiçoeiro
Ainda havia sonhos á serem sonhados
E momentos passageiros

Que talvez tivesse ao longo de uma vida
Mesmo com destroços e feridas
Viveria cada momento

Como um pássaro que se remete ao horizonte
Chegaria ao firmamento
Mesmo sabendo que o horizonte não tem fim
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A valsa das rosas

Lembra quando dançávamos a luz do luar, meu amor?
E as rosas giravam, iluminadas, no jardim das petúnias.
Ali nossos corpos rodeavam, deslizando ao som dos violinos
Que alçava-nos a urbe da luz, nos iluminado de azul
Dançávamos ao som do Danúbio, seguido por outra valsa
E mais uma, assim se fazia, sem pensar na hora, mas que hora?
Se não existia, era só nós dois
Dançando a luz da lua
Até nas noites frias, mas que frias?
Se o calor nos aquecia
Em cada dança, ali se fazia
Um passo de magia
E nos bailes de máscaras? Lembra?
Sempre um cavalheiro roubava-te dos meus braços
E mesmo distantes, nossos olhos
Estendiam-se na mesma vértice que nos unia
Éramos um do outro, meu amor
Que adorável companhia
Tê-la ao meu lado, assim
Todos os dias
Agora, uma púgil agonia
Em meu peito se afia
Ao lembrar-me destes momentos
Oh! Que tristeza! Em meu coração se alogia
Desde que partiu
Vivo esta tormenta
A dor me castiga, em infinita sentença
Porque meu amor, me deixaste?
Meu pensamento viaja, tentando encontrar
A substancia que esvaiu do teu corpo, ao postemar-se
Vejo teu sorriso em cada estrela, mas não consigo alcançar-te
Porque meu amor, me deixaste?
As vezes sou capaz de ver-te, dançando no véu da noite
Iluminada, me sorri, sorri, mas não diz nada
E ao alcançar-te em desespero, desapareces
Como nevoeiro,dispersando-se por inteiro
Oh! Espírito iluminado
Porque não me levas contigo?
Quero ficar ao teu lado
Dançando eternamente no luar encantado
Hoje mais um dia, sonho acordado
E ao olhar as petúnias mortas no jardim
Lembro-me de como éramos felizes
Também hoje, mais uma vez, venho trocar as rosas de teu jazigo
E ao sentir tua lápide fria em meus pés
Mais uma lágrima surgi em meu rosto sofrido
Digo-te, meu amor, como sempre digo
Hoje as petúnias estão mortas, mas as rosas girarão, iluminadas
pelo teu sorriso.
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Fontes:
http://sandrokretus.blogspot.com/
http://www.portugal-linha.pt/KRETUS/menu-id-105.html
Imagem = Capa do livro de Sandro, O Jardim Sombrio

Sandro Kretus (1974)


Sandro Kretus nasceu em Porto Alegre em 1974, seu interesse pela literatura começou desde muito cedo, com 10 anos de idade já participava em concursos de poesias e contos. Aos dezoito anos formou-se em desenho publicitário e desenho artístico, trabalhando em agências publicitárias e em algumas galerias de arte da capital gaúcha.

No mesmo período especializou-se em analises clinicas, no qual exerce a profissão até hoje. Em 2006, o autor escreveu seu primeiro romance, o primeiro volume da saga “Amazon”, intitulada “ A chama de Orion, uma saga épica inspirada no continente perdido de Atlântida. Em 2008 o autor brasileiro começou a divulgar seu trabalho, publicando suas poesias, contos e crônicas nos principais sites de literatura, no Brasil e em Portugal, ao todo já são treze livros publicados, entre eles estão, O jardim sombrio, Ecos na cidade de mármore, Interlúdio, O andarilho da terra do fogo, O navegante e a flor lunar, Uma gota de orvalho no jardim de cedros, pequenos poemas do espaço inerente, Vertebratrus, O príncipe de Tartária, Pensamentos revoltaires,Harmônico e Black horse.

A cada novo trabalho o autor vem conquistando cada vez mais os leitores, e chamando a atenção dos críticos literários, que afirmam, “Kretus é um poeta contemporâneo, que consegue resgatar a fórmula dos poetas do passado, sem perder sua autenticidade, sua poesia é feita com uma força extremamente expressiva.”

Visionário, lírico, romântico, ler a poesia de Kretus é como viajar no tempo”.

Atualmente Sandro Kretus vive em sua cidade natal, em Porto Alegre, capital do Rio grande do Sul.
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Fonte:
http://www.portugal-linha.pt/KRETUS/menu-id-105.html