sábado, 18 de setembro de 2010

Robert Silverberg (O Homem que Jamais Esquecia)


Ele a viu na fila de um grande cinema de Los Angeles, na manhã de uma terça-feira ligeiramente nevoenta. Era delgada e pálida, de finos e compridos cabelos de trigo, mal teria quinze anos, e estava só. Lembrava-se dela, naturalmente.

Podia ser engano, mas, atravessando a rua, caminhou ao longo da fila até o lugar onde ela se encontrava.
- Alô! - disse.

Ela voltou-se, encarou-o impassível, passou rapidamente nos lábios a pontinha da língua...
- Creio que... creio que não...
- Sou Tom Niles - disse ele. - Pasadena, ano-novo de 1955. Sentou-se junto de mim no Estado de Ohio 20 versus Califórnia do Sul. Não se lembra?
- Num jogo de futebol? Mas eu raramente... isto é... sinto muito... eu...

Alguém na fila avançou para ele com aspecto ameaçador. Niles sabia quando estava vencido. Sorriu desculpando-se e disse:
- Sinto muito, senhorita. Acho que me enganei. Confundi-a com alguém que conhecia, uma certa Miss Bete Torrance. Desculpe!

E afastou-se rapidamente. Não andou mais de dez pés, quando ouviu um pequeno ofego e as palavras “Mas eu sou Bete Torrance!”... Ele, porém, continuou andando.
“Eu devia ter mais juízo aos vinte e oito anos”, pensou amargamente. “É que me esqueço do fato básico: de que, embora eu me lembre das pessoas, estas necessariamente não se lembram de mim...”

Abatido, caminhou até a esquina, virou à direita, pôs-se a descer uma nova rua – rua cujas lojas lhe eram completamente estranhas, e que, por isso mesmo, nunca antes visitara. Sua mente, como boa máquina que era, estimulada pelo incidente da fila de cinema, vomitou, até alcançar o diapasão normal de atividade, um exército de lembranças tangenciais.

1º de janeiro de 1955, no Rose Bowl de Pasadena, Califórnia, número do assento, G126; dia quente, muito úmido, cheguei ao estádio às doze e três, horário padrão do Pacífico. Fui sozinho. A moça ao lado trazia um vestido azul de algodão e tênis branco, carregava uma fâmula do Califórnia do Sul. Falei com ela. Nome, Bete Torrance, aluna adiantada do Califórnia do Sul, curso especializado. Tinha companheiro para o jogo, mas o rapaz adoecera com sintomas de gripe no dia anterior e insistiu para que ela fosse assistir à disputa futebolística mesmo sozinha. O assento ao lado dela, vazio. Comprei-lhe um cachorro-quente, vinte cents (sem mostarda...).”

Havia mais, muito mais. Porém Niles recalcou as lembranças. Havia entretanto o relatório virtualmente estenográfico da sua conversação durante todo aquele dia:

(“...Espero que ganhemos. Assisti ao último Rose Bowl que ganhamos, faz dois anos...)
(“...Sim, foi em 1953. Califórnia do Sul 7, Wisconsin 0... e duas vitórias completas sobre Washington e Tennessee...)
(“...Puxa, conhece futebol a fundo! Costuma decorar o livro de scores? “)

E as antigas lembranças... O berro escarnecedor de Joe Merrit, o Sardento, naquele caloroso dia de abril de 1937: “Quem você pensa que é, Einstein?” E Buddy Call dizendo acerbamente a 8 de novembro de 1939: “Aí vem Tommy Niles, a máquina humana de somar. Agarrem-no!” Depois, a dor aguda de uma bola de neve acertando logo abaixo da sua clavícula esquerda - dor que ele podia evocar com a mesma facilidade com que evocava quaisquer outras lembranças de dor que trazia consigo. Piscou e fechou repentinamente os olhos, como que golpeado pela gélida pelota, ali, numa rua de Los Angeles, numa manhã nevoenta de terça-feira...

Já não mais o chamavam de “máquina humana de somar”, mas de “gravador humano”: os termos irônicos tinham de emparelhar-se com as décadas que passavam. Só o próprio Niles permaneceu inalterado. O Menino de Cérebro de Esponja virou Homem de Cérebro de Esponja, sempre condenado ao mesmo dom terrível. Sua mente coalhada de dados lhe doía. Viu um minúsculo carro esporte estacionar no outro lado da rua, e pelo feitio, modelo, cor e número da licença, reconheceu-o como pertencente a Leslie F. Marshall, de vinte e seis anos, cabelos louros, olhos azuis, ator de televisão com as seguintes habilitações...

Estremecendo, Niles desligou o circuito e apagou os dados que se avolumavam. Estivera uma vez com Marshall, fazia seis meses, numa festa oferecida por um amigo comum - um amigo de outrora; Niles achava difícil continuar amigo de alguém por muito tempo. Conversara talvez dez minutos com o ator e acrescentara mais isso à sua bagagem mental.

Era tempo de seguir adiante, pensou Niles. Residira dez meses em Los Angeles. O fardo de lembranças acumuladas se lhe tornara excessivamente pesado; cumprimentava um número demasiado de pessoas que já o haviam esquecido. “Ao diabo com o meu quociente, John. Tamanho normal, cinco pés e nove polegadas, cento e sessenta e três libras; cabelos castanhos, olhos castanhos, nenhum traço fisionômico indevidamente saliente, nenhuma cicatriz visível, exceto as de dentro”, pensou. Tencionava voltar para San Francisco, mas desistiu. Fazia apenas um ano que lá estivera; em Pasadena, fazia dois. Percebeu que chegara o dia de uma outra excursão para o leste...

“Para a frente e para trás na superfície da América, lá vai Thomas Richard Niles, o Holandês Voador, o Judeu Errante, o Espírito do Natal Passado, o Gravador Humano...” Sorriu para um jornaleiro que lhe vendera um exemplar do Examiner do último dia 13, recebeu de volta o costumeiro olhar inexpressivo, e dirigiu-se para o terminal de ônibus mais próximo.

Para Niles, a longa viagem começara a 11 de outubro de 1929, na pequena cidade de Lowry Bridge, Ohio. Era o terceiro de três filhos, nascido de pais aparentemente normais, Henry Niles (nascido em 1896), Mary Niles (nascida em 1899). Seus irmãos mais velhos não tinham revelado qualquer manifestação extraordinária; ao contrário de Tom, que revelara...

Tudo começou quando ele principiou a soletrar; uma vizinha, espiando do alpendre para dentro da casa dele, viu-o brincando e observou a Mary Niles:
- Veja como ele está crescendo!

Nessa ocasião, Tom contava menos de um ano, e respondera, virtualmente, no mesmo tom de voz: “Veja como ele está crescendo!”

Foi uma sensação, embora se tratasse de pura mímica, não de discurso. Passou seus primeiros doze anos em Lowry Bridge, Ohio. Tempos depois cismava frequentemente em como fora capaz de ali permanecer tanto tempo. Entrou para a escola aos quatro anos, pois não havia como retê-lo; seus colegas de classe tinham cinco ou seis anos, eram vastamente superiores a ele em coordenação física, vastamente inferiores em tudo o mais. De certo modo, Tom sabia ler, podia até mesmo escrever, embora seus músculos infantis logo se cansassem de segurar a caneta. E podia... lembrar.

Lembrava-se de tudo. Lembrava-se das rixas de seus pais e repetia exatamente suas palavras a quem quisesse ouvir, até que seu pai lhe deu uma surra e ameaçou matá-lo se ele viesse a repeti-las. Também se lembrava disso. Lembrava-se das mentiras contadas por seu irmão e sua irmã, e se esforçava em repeti-las com exatidão. Finalmente, aprendeu a não fazer mais isso. Lembrava-se das coisas ditas por pessoas, e até mesmo as corrigia quando mais tarde elas contrariavam as suas primeiras declarações.

Lembrava tudo.

Certa vez leu um manual, e absorveu-o todo. Quando o professor fazia uma pergunta baseada na lição do dia, o braço magricela de Tommy Niles era o primeiro a se levantar, antes mesmo que os outros a tivessem ao menos assimilado. Passado algum tempo, o professor lhe explicou que ele não podia responder a todas as perguntas, tivesse ou não resposta para elas; havia na escola mais vinte alunos, os quais lhe ensinaram isso fartamente... depois da aula.

Ganhou na Escola Dominical o Concurso de Memorização de Versículos Bíblicos. Barry Harman estudara muitas semanas esperando ganhar a luva de boxe que seu pai lhe prometera se tirasse o primeiro lugar; mas quando chegou a vez de Tommy Niles, assim começou ele: “No princípio Deus criou o céu e a terra”, continuando com “Estas são as origens do céu e da terra, quando foram criados: no dia em que o Senhor Deus fez a terra e o céu”, descambando para “Ora, a serpente era a mais astuta de todas as alimárias do campo que o Senhor Deus tinha feito”; era de presumir que tivesse recitado todo o Gênese, o Êxodo e o Livro de Josué, não tivesse o aturdido professor mandado que ele se calasse, declarando-o vencedor.

Barry Harman não ganhou a luva; em vez disso, Tommy Niles ganhou um olho preto. Começava a perceber que era diferente dos outros. Levou tempo para descobrir que os outros estavam sempre a esquecer coisas, e que, em vez de admirá-lo por lembrá-las, ao contrário, odiavam-no. Era difícil para um menino de oito anos, embora este fosse Tommy Niles, compreender por que o detestavam; mas ele o descobriu finalmente, de modo que começou a aprender como ocultar seu talento.

No decorrer do nono e décimo anos, exercitou-se na normalidade, e foi quase bem sucedido; as surras de após as aulas cessaram, e ele conseguiu obter alguns “B” nos boletins, ao invés de renques de “A”. Crescia; aprendia a fingir Os vizinhos soltavam suspiros de alívio, agora que o terrível diabrete dos Niles já não mais fazia aquelas coisas malucas...

Mas por dentro ele era o mesmo de sempre, e percebia que em breve teria de sair de Lowry Bridge. Conhecia demais a todos e a cada um. Dez vezes por semana apanhava-os mentindo; até mesmo Mr. Lawrence, o ministro, que certa vez rejeitou um convite dos Niles para uma função social, dizendo: “Na verdade tenho de aprontar meu sermão de domingo”, quando, havia apenas três dias, Tommy o ouvira dizer a Miss Emery, secretária da igreja, que ele experimentara um repentino estro de inspiração e escrevera três sermões de uma assentada, de modo que agora teria tempo livre para o resto do mês...

Como veem, até Mr. Lawrence mentia... E era o melhor dos homens. Quanto aos outros...

Tommy esperou até completar doze anos. Era grande demais para a idade e pensou poder agir por si mesmo. Tomou vinte dólares de empréstimo da pseudo-secreta caixinha do fundo da prateleira da cozinha (fazia cinco anos que sua mãe mencionara sua existência e ele ouvira), e saiu às escondidas de casa, às três da madrugada. Tomou o trem de carga para Chillicothe e pôs-se a caminho. Havia umas trinta pessoas no ônibus que deixou Los Angeles. Niles sentou-se sozinho na parte traseira, junto ao banco situado logo em cima da roda de trás. Conhecia de nome três pessoas que viajavam no ônibus - mas confiava em que elas já o houvessem esquecido e não se mexeu.

Negócio incômodo. Se dissesse “alô” a alguém que o esquecera, pensariam que ele era um criador de casos ou um achacador. E se passasse por alguém, pensando que ele o esquecera, quando, ao contrário, isso não acontecia, então, que tipinho mais esnobe que ele era! Niles balançava-se entre esses dois polos cinco vezes por dia. Via alguém, por exemplo a moça Bete Torrance, e recebia de volta um olhar gelado, impassível; ou passava por outra pessoa, acreditando que esta não se lembrava dele mas andando depressa para escapar a um possível reconhecimento, e ouvia um irado “Bem! Que diacho você pensa que é?” acompanhando-lhe a retirada.

Agora estava só, sacolejando para cima e para baixo a cada revolução da roda, com a sua única maleta contendo seus pertences a pular constantemente no compartimento de bagagens sobre a sua cabeça. Uma vantagem do seu talento: poder viajar sem bagagem. Não precisava conservar os livros depois que os lia, e não era proveitoso entesourar pertences de qualquer espécie; estes se tornavam demasiado conhecidos, para não dizer cacetes.

Niles olhava as tabuletas da estrada. Já estavam bem entrados em Nevada. A antiga e cansativa retirada prosseguia. Não podia permanecer demais numa só cidade. Era-lhe preciso dirigir-se a um novo território, a algum lugar desconhecido, do qual não tivesse lembranças, onde ninguém o conhecesse, onde não conhecesse ninguém. Nos dezesseis anos que se passaram desde que saíra de casa, cobrira muito terreno.

Lembrava-se dos empregos que tivera.

Fora revisor de uma casa editora de Chicago. Fazia o trabalho de dois homens. Segundo o costume, um homem lia o manuscrito enquanto o outro conferia as provas. Niles tinha um método mais simples: lendo o manuscrito, decorava-o, depois apenas conferia as provas em busca de discrepâncias. Ganhou por algum tempo cinquenta dólares semanais, antes que chegasse a hora de seguir adiante. Certa vez fora trabalhar como atração num parque de diversões ambulante que fazia o circuito regular de Alabama-Mississípi-Geórgia. Nessa época estava realmente a nenhum. Lembrava-se de como arranjara esse emprego: agarrando o dono do parque pela lapela e pedindo-lhe um teste:

- Leia-me qualquer coisa... qualquer coisa... e eu me lembrarei!

O sujeito estava meio cético e não via nenhuma utilidade num ato desses, mas finalmente cedeu quando Niles praticamente desmaiou de fome no escritório dele. O homem leu para ele o editorial de um semanário do interior do Mississípi, e, quando acabou, Niles recitou-o inteirinho, palavra por palavra. Obteve o emprego de quinze dólares por semana mais as refeições, e ficava sentado numa tenda sob a tabuleta que dizia: “O Gravador Humano”. As pessoas liam-lhe ou diziam-lhe coisas e ele as repetia. Era um trabalho monótono. Às vezes lhe diziam coisas sórdidas, e na maior parte dos casos, daí a minutos nem ao menos se lembravam do que haviam dito. Ficou no parque quatro semanas, e quando se despediu ninguém lhe achou falta.

O ônibus rodava na noite que o nevoeiro bloqueava. Mas ainda houve outros empregos: bons empregos, maus empregos... Nenhum durou muito tempo. Também houve algumas garotas, porém nenhuma delas durara muito. Todas elas descobriram-lhe o talento especial - mesmo aquelas das quais tentara escondê-lo - e o abandonaram. Não era possível ficar junto de um homem que jamais esquecia, um homem que sempre podia catar fraquezas de ontem no reservatório que era a sua mente e lançá-las inopinadamente em público. Um homem de memória perfeita jamais poderia viver muito tempo entre seres humanos imperfeitos.

“Perdoar é esquecer”, pensava ele. A lembrança de velhos insultos e discussões se dissipa, e as relações se refazem. Mas para ele não podia existir esquecimento, e, em consequência, só poderia haver pouco perdão.

Niles fechou os olhos após algum tempo e encostou-se na dura almofada de couro da poltrona. A cadência ritmada do ônibus deu-lhe sono. Durante o sono, sua mente descansava; ele podia enfim repousar a memória. Nunca sonhava. Em Salt Lake City pagou a passagem, desceu do ônibus com a mala na mão e partiu na primeira direção à sua frente. Não queria se afastar muito a leste naquele ônibus.

Sua reserva monetária era agora de sessenta e três dólares, e tinha de fazê-la durar. Descobriu um emprego de lava-pratos num restaurante do centro da cidade, conservou–o o bastante para acumular uma centena de dólares e tornou a partir, desta vez viajando de carona para Cheyenne. Ficou um mês ali, depois tomou um ônibus noturno para Denver, e quando deixou Denver foi para dirigir-se a Wichita.

De Wichita para Des Moines, de Des Moines para Minneapolis, de Minneapolis para Milwaukee, depois através de Illinois, cuidadosamente evitando Chicago, e daí para Indianápolis. Essa viagem era para ele história antiga. Celebrou melancolicamente o seu vigésimo nono aniversário sozinho, numa casa de cômodos de Indianápolis, num dia garoento de outubro, e com o propósito de alegrar a ocasião evocou as velhas lembranças da festa do seu quarto aniversário, em 1933 - uma das poucas datas perfeitamente felizes de sua vida.

Todos estavam lá - seus amigos e seus pais, e seu irmão Hank com um ar muito importante para os seus oito anos, e sua irmã Marian, e havia velas e lembranças festivas, ponche, bolos. Mrs. Heinsohn, vizinha do lado, entrara dizendo: “Ele parece um homenzinho!”, e seu pais ficaram radiantes, todos cantaram e divertiram-se. Depois, jogado o último jogo, aberto o derradeiro presente, quando os meninos e as meninas acenaram um boa-noite e desapareceram rua acima, os adultos sentaram-se em roda e falaram do novo presidente e das muitas coisas estranhas que aconteciam no país, e o pequeno Tom sentou-se no meio do assoalho, ouvindo e gravando tudo e cordialmente satisfeito, pois durante toda a tarde ninguém lhe fizera ou dissera algo cruel. Dia feliz, aquele, e, ao deitar-se, ele ainda se sentia cheio de felicidade.

Niles relembrou a festa duas vezes, como um velho filme ao qual amasse; a imagem nunca aparecia defeituosa e o som continuava tão claro e distinto como nunca. Niles podia provar o doce travo do ponche, podia reviver o calor daquele dia no qual, mercê de algum acidente, os outros lhe haviam permitido um pouco de felicidade. Finalmente deixou se dissipar o brilho da festa, e novamente achou-se em Indianápolis, numa tarde cinzenta e sombria, sozinho num quarto mobiliado, de oito dólares por semana.

“Desejo-me feliz aniversário”, pensou amargamente. “Feliz aniversário.”

Fitou a parede verde cheia de manchas com uma gravura barata de Corot dependurada um pouco de viés. “Bem que eu podia ser algo especial”, cismava ele, “uma dessas maravilhas do mundo. Em vez disso, não passo de um sorrateiro excêntrico que mora nos fundos de um terceiro andar, e não me atrevo a deixar que o mundo saiba o que sei fazer.”

Fez um esforço e conseguiu se lembrar da execução, por Toscanini, da Nona sinfonia de Beethoven, que ouvira no Carnegie Hall certa vez em que estivera em Nova Iorque Estava infinitamente melhor do que a última execução que o mesmo Toscanini aprovara para gravação, todavia nenhum microfone a registrou; exceto na mente de um homem, a fulgurante execução era tão impossível de captar como uma chama soprada há cinco minutos. Mas Niles captara-a: a majestosa entrada dos tímpanos, o ressoante contrabaixo produzindo a grande melodia do finale, até mesmo o balanço do oboé que devia enfurecer o maestro, a tosse exasperadora dos ouvintes no momento mais suave do adágio, o dolorido apertão dos sapatos de Niles, que se inclinava para a frente na poltrona...

Ele gravara tudo, com a mais alta fidelidade.

Três meses depois, numa noite sem lua chegou a uma cidadezinha. Era uma noite de janeiro, fria e cortante, quando o vento de inverno soprava do norte, penetrando-lhe os ossos através da roupa fina e tornando quase insuportável o peso da mala para suas mãos dormentes e sem luvas. Não tivera a intenção de ir para lá, mas em Kentucky ficara sem dinheiro e não tivera escolha. Estava a caminho de Nova Iorque, onde poderia viver anonimamente durante meses sem amolação e onde sabia não ser notada a sua grosseria caso lhe acontecesse esbarrar em alguém ou cumprimentar alguma pessoa que o houvesse esquecido.

Mas Nova Iorque ainda se encontrava a centenas de milhas de distância - bem poderiam ser milhões naquela noite de janeiro. Viu um letreiro: “BAR”. Avançou para a luz pisca-pisca de neon. Ordinariamente não bebia, mas agora precisava do calor do álcool, e talvez o dono do bar precisasse de alguém para ajudar, ou talvez pudesse lhe alugar um quarto em troca do pouco dinheiro que tinha nos bolsos.

Havia cinco homens lá dentro. Pareciam choferes de caminhão. Niles deixou cair a mala à esquerda da porta, esfregou as mãos endurecidas, exalou uma nuvem branca pela boca... O dono do bar arreganhou-lhe um sorriso.
- Frio que baste lá fora, hein?

Niles conseguiu sorrir.
- Não estava suando muito... Dê-me algo quente. Uma dose dupla de uísque, talvez.

Isso custava noventa cents: ele tinha apenas sete dólares e trinta e quatro cents. Niles acalentou a bebida quando ela veio, bebericou devagar, deixou-a escorrer pela garganta... Lembrava-se do verão em que fora parar em Washington, uma semana inteira de noventa e sete graus de temperatura e noventa e sete por cento de umidade, e a vívida memória concorreu para lhe acalmar alguns dos efeitos psicológicos do frio. Logo distendia os nervos, cobrava calor... Atrás dele, o rumor penetrante de uma discussão.
-...digo-lhe que Joe Louis fez de Schmeling uma massa na segunda vez! Nocauteou-o no primeiro round!
- Está maluco! Louis simplesmente o derrubou numa luta de quinze rounds: por pontos, no segundo...
- Parece que...
- Aposto dinheiro. Dez dólares numa decisão por pontos em quinze rounds, Mac.

Risadas confiantes se fizeram ouvir.
- Não quero ganhar tão fácil seu dinheiro, companheiro. Todos sabem que foi nocaute.
- Ofereci dez dólares.

Niles voltou-se para ver o que estava acontecendo. Dois dos choferes de caminhão, homens atarracados, de jaqueta cor de ervilha, encostavam um no outro os respectivos narizes. A ideia lhe veio automaticamente: “Louis pôs Schmeling nocaute no primeiro round, no Yankee Stadium, Nova Iorque, 22 de junho de 1938”. Niles nunca fora grande esportista, e especialmente aborrecia-lhe o boxe, mas certa vez dera uma vista d’olhos na página de um almanaque que catalogava as lutas pelo título, e os dados, naturalmente, lhe ficaram gravados no cérebro.

Olhava indiferente enquanto o maior dos choferes batia na mesa uma nota de dez dólares; o outro imitou-o. Então o primeiro, olhando para o dono do bar, disse o seguinte:
- Certo, mano. Você é um sujeito esperto. Quem acertou nessa segunda luta de Louis e Schmeling?

O dono do bar era um homem de rosto inexpressivo, de meia-idade, já meio careca, com olhos mansos e vazios. Mordeu o lábio um instante, encolheu os ombros, hesitou, finalmente disse:
- Difícil lembrar. Foi há vinte e cinco anos essa luta.
“Vinte”, pensou Niles.
- Vejamos - prosseguiu o dono do bar. - Parece que me lembro... sim, é isso mesmo.

Foram quinze rounds e os juizes deram a vitória a Louis. Houve um grande protesto; os jornais disseram que Joe devia tê-lo matado muito antes disso.

Um sorriso triunfante se esboçou na cara do motorista maior, que destramente empolgou ambas as notas.

O outro homem fez uma careta e soltou um berro:
- Ei! Vocês dois combinaram a coisa de antemão. Sei perfeitamente que Louis nocauteou o alemão em um!
- Ouviu o que o homem disse: o dinheiro é meu.
- Não - disse Niles repentinamente numa voz tranquila, que se diria ecoar até a metade do bar.

“Fique calado”, disse freneticamente com seus botões. “Isso não lhe diz respeito. Fique de fora.”
Mas era demasiadamente tarde.

- O que está dizendo? - perguntou o tal que pusera os dez dólares na mesa.
- Digo que está sendo logrado. Louis venceu a luta em um round, conforme você diz, a 22 de junho de 1938, no Yankee Stadium. O dono do bar está pensando na luta de Arturo Godoy. Essa foi de quinze rounds, completos, a 9 de fevereiro de 1940.
- Está vendo? Eu bem disse! Devolva-me o dinheiro!

Mas o outro chofer não fez caso do grito e voltou-se para encarar Niles. Era um homem de expressão fria, atarracado, e seus punhos começavam a se crispar...
- Espertinho, hein? Especialista em boxe?
- Eu só não queria ver alguém logrado - disse Niles obstinadamente. Mas já previa o que vinha em seguida. O chofer, embriagado, ia trocando as pernas em sua direção; o dono do bar berrava, os outros campeões recuavam...

O primeiro soco acertou Niles nas costelas; ele gemeu, recuou cambaleando para ser agarrado pela garganta e esbofeteado três vezes. Ouviu vagamente uma voz que dizia:
- Olhe aí, solte o rapaz! Ele não queria nada! E você quer matá-lo?

Uma rajada de golpes fizeram-no curvar-se; um soco inchou-lhe a pálpebra direita, outro golpeou-lhe o ombro esquerdo, adormecendo-o. Niles rodou a esmo, sabendo que sua mente se recordaria permanentemente de cada momento dessa agonia. De olhos semicerrados viu os outros arrancando o chofer enfurecido de cima dele; o homem contorcia-se nas garras de três outros, mas desferiu um último pontapé desesperado no estômago de Niles, atingindo uma costela, e finalmente foi subjugado.

Niles ficou sozinho no meio da sala, esforçando-se para ficar de pé, tentando suportar as súbitas pontadas que o incomodavam numa dúzia de lugares.
- Você está bem? - perguntou uma voz solícita. - Diacho! Esses caras jogam duro. Não devia se meter com eles.
- Estou bem - disse Niles numa voz cavernosa. - Mas espere um pouco... deixe-me recuperar o fôlego.
- Isso. Sente-se. Tome um trago. Isso lhe dará ânimo.
- Não - disse Niles. - Não posso ficar aqui. Tenho de ir andando. Logo estarei bom - murmurou sem convencer ninguém. Apanhou a mala, enrolou-se no sobretudo e saiu do bar, passo a passo...

Andou quinze pés antes que a dor se lhe fizesse insuportável. De repente amontoou-se no chão e caiu de bruços no escuro, sentindo de encontro às faces a terra enregelada e dura como aço. Em vão tentou levantar-se. E ali ficou, lembrando-se das muitas dores que sofrera na vida, as surras, a crueldade... Mas quando o peso da memória se lhe tornou demasiado, perdeu os sentidos.

A cama era tépida, os lençóis limpos, frescos e macios. Niles despertou lentamente, sentindo uma momentânea sensação de tontura, mas a sua infalível memória supriu os dados do seu desmaio na neve e ele percebeu que se encontrava num hospital. Tentou abrir os olhos; um se fechara, de tão inchado que estava, mas conseguiu descerrar as pálpebras do outro. Achava-se no quarto de um pequeno hospital – nada de um lustroso pavilhão metropolitano, mas de uma pequena clínica de condado com vistosos objetos moldados nas paredes e cortinas de renda caseira, através das quais penetrava o sol da tarde.

Fora encontrado e conduzido ao hospital. Isso era bom. Podia facilmente ter morrido lá fora, na neve; mas alguém tropeçara nele e o recolhera. Era uma novidade alguém ter-se incomodado em socorrê-lo; o tratamento que recebera na véspera naquele bar - fora mesmo na véspera? - era mais condizente com o que até então o mundo lhe havia dado. Em dezenove anos, ele de algum modo fracassara em aprender a se esconder e se disfarçar adequadamente, por via do que sofria, diariamente, terríveis consequências. Era-lhe tão difícil lembrar (ele, que de tudo se lembrava) que as outras pessoas não eram como ele, e que além disso o odiavam por ele ser o que era.

Apalpou cautelosamente o flanco. Parecia não haver nenhuma costela quebrada – apenas machucaduras. Um dia ou dois de repouso e decerto lhe dariam alta, deixando–o continuar a viagem.

Nisto, uma voz animada lhe falou:
- Oh, já acordou, Mr. Niles? Está melhor? Vou trazer-lhe um pouco de chá.

Ele ergueu a vista e sentiu uma súbita pontada muito aguda. Era uma enfermeira – vinte e dois, vinte e três anos, talvez nova no emprego, com uma ondulante massa de louros cachos e grandes olhos azuis, límpidos e redondos... Sorria, e pareceu a Niles que o sorriso não era meramente profissional.
- Sou Miss Carroll, enfermeira diurna. Tudo vai bem?
- Otimamente - disse Niles com certa hesitação. - Onde estou?
- No Hospital Central Geral do Condado. Trouxeram-no ontem à noite - pelo visto tinha sido espancado e largado na Rodovia 32. Foi uma sorte Mr. Mark McKenzie estar passeando com seu cão, Mr. Niles. - E fitou-o gravemente. - Lembra-se de ontem à noite, não se lembra? Quero dizer... o choque... a amnésia...

Niles riu para si mesmo.
- Essa é a última indisposição no mundo que hei de recear - disse. - Sou Thomas Richard Niles, e me lembro muito bem do que sucedeu. Até que ponto me avariaram?
- Ferimentos superficiais, um pequeno choque, um leve caso de queimadura pelo frio - resumiu ela. - Vai viver. Daqui a pouco o Dr. Hammond lhe fará um exame geral; depois que o senhor comer. Vou buscar-lhe um pouco de chá.

Niles observou a esbelta figura que desaparecia no corredor.

Era certamente uma moça muito bonita, pensou: olhos límpidos... alerta... viva. “O clichê é antigo: o paciente se apaixonando pela enfermeira. Porém ela não é para mim. Receio que não.”

A porta abriu-se abruptamente e a enfermeira tornou a entrar, carregando uma bandejinha esmaltada com o serviço de chá.
- Não adivinha? Tenho uma surpresa para o senhor, Mr. Niles. Uma visita. Sua mãe.
- Minha mãe...
- Ela leu a notícia no jornal do condado. Está esperando lá fora; disse-me que não o vê há uns dezessete anos. Quer que eu a mande entrar?
- Acho que sim - disse Niles com voz seca e frágil. A enfermeira saiu pela segunda vez.

“Meu Deus”, pensou Niles. “Se eu soubesse que estava tão perto de casa, teria ficado fora de Ohio de uma vez!”

A última pessoa que desejaria ver no mundo era sua mãe. Pôs-se a tremer debaixo das cobertas. As mais antigas e as mais terríveis lembranças irrompiam do escuro compartimento de sua mente, onde as julgava para sempre aprisionadas. A súbita emergência do calor para o frio, da treva para a luz, a vibrante pancada contra o seu traseiro, a dor cruciante ao saber que se acabara a sua segurança, e que, de agora em diante, viveria, e que, por isso, seria infeliz...

A lembrança do grito agônico do seu nascimento ressoou-lhe na mente. Nunca se esqueceria de que nascera. E entre todas, sua mãe era a única pessoa que ele jamais perdoaria, uma vez que ela o pusera no mundo que ele odiava. Tinha horror às mulheres, mas...
- Olá, Tom. Faz tanto tempo...

Dezessete anos haviam-na murchado, marcado de rugas o seu rosto e tornado suas faces mais balofas, os cerúleos olhos menos brilhantes, os cabelos castanhos de um cinzento de camundongo. Ela sorria. E para seu próprio espanto, Niles conseguiu retribuir-lhe o sorriso.
- Mãe.
- Li a notícia no jornal. Dizia que um homem de aproximadamente trinta anos fora encontrado nas cercanias da cidade com papéis que traziam o nome de Thomas R. Niles, e fora conduzido ao Hospital Central Geral do Condado. Por isso vim, apenas para me certificar de que era você mesmo!

Uma mentira aforou à superfície de sua mente, uma mentira piedosa... e ele a disse:
- Eu voltava para visitá-la, mãe. Vim de carona. Mas sofri um pequeno acidente na estrada.
- Folgo em saber que você resolveu voltar, Tom. Fiquei tão só depois da morte de seu pai, e, naturalmente, Hank se casou, Marian também... é bom tornar a vê-lo. Pensei que nunca mais o veria.

Ele continuou deitado, perplexo, pensando por que não lhe vinha a costumeira maré de ódio. Só sentia ternura por ela; estava contente em revê-la.
- E como foram todos esses anos, Tom? Não foram fáceis, não? Estou vendo. Percebo em sua cara...
- Sim, não foram fáceis - respondeu. - Sabe por que fugi?

Ela fez com a cabeça um aceno afirmativo:
- Por causa do jeito que você tem. Aquela história de jamais esquecer seja lá o que for... Eu sabia. Sabe que seu avô tinha o mesmo dom...
- Meu avô... mas...
- Você puxou a ele. Eu nunca lhe contei. Ele não se dava bem com nenhum de nós. Abandonou minha mãe quando eu era menina e nunca se soube para onde foi. Por isso sempre pensei que você se fora do mesmo modo que ele. Mas você voltou. Está casado?

Ele sacudiu a cabeça.
- Então já é tempo de decidir, Tom. Tem quase trinta anos!

A porta do quarto abriu-se e entrou um médico de aspecto eficiente.
- Receio que a sua hora já se tenha esgotado, senhora. Mais tarde poderá voltar a vê-lo. Vou examiná-lo, agora que está acordado.
- Naturalmente, doutor. - E sorriu para ele, depois para Niles. - Voltarei mais tarde, Tom.
- Decerto, mãe.

Niles recostou-se, fazendo carrancas à medida que o médico o cutucava aqui e acolá. “Eu não a odiava.” Um crescente maravilhamento o invadia, e ele pensava que havia muito já devia ter voltado. Mudara interiormente, mesmo sem perceber. Fugir foi sua primeira fase de crescimento - fase necessária. Porém querer voltar aconteceu mais tarde e era sinal de maturidade. Voltara. E repentinamente viu que fora terrivelmente idiota durante toda a sua amarga vida de adulto. Possuía um dom, um grande dom, um dom terrífico. Até agora lhe fora demasiado pesado. Condoendo-se de si próprio, atormentando-se, até então se recusara a perdoar as faltas das pessoas que esqueciam, e pagara o preço do ódio delas. Mas não podia andar fugindo a vida inteira. Tempo viria em que teria de crescer o suficiente para dominar o dom, para aprender a viver com ele ao invés de gemer na dramática angústia que a si próprio se infligia. E esse tempo era agora. Já de há muito devia ter chegado.

Seu avô possuíra o dom - nunca lhe haviam dito isso. De modo que a coisa era geneticamente transmissível. Podia casar, ter filhos... e também estes jamais se esqueceriam. Era seu dever não consentir que o dom morresse com ele. Outros de sua espécie, menos sensíveis, de pele menos fina, viriam após ele, e também estes saberiam como evocar uma sinfonia de Beethoven ou um fiapo de conversa, depois de uma década. Pela primeira vez desde aquele quarto aniversário, Tom sentiu um hesitante lampejo de felicidade. Os dias de correria tinham findado; estava de novo em casa.

“Se eu aprender a viver com os outros, decerto também eles aprenderão a viver comigo.” Viu então as coisas de que precisava: uma mulher, um lar, filhos...
-... Alguns dias de repouso, muita bebida quente, e ficará bom como novo, Mr. Niles - disse o médico. - Gostaria que agora eu lhe trouxesse alguma coisa?
- Sim - disse Niles. - Mande-me a enfermeira, sim? Quero dizer, Miss Carroll.

O médico esboçou um sorrisinho e saiu. Niles aguardou cheio de expectativa, exultando no seu novo eu. Ligou a mente para o terceiro ato dos Mestres cantores - jubilosa música de fundo - e deixou que a ternura o invadisse. Quando ela entrou no quarto ele sorria, pensando em como diria o que tinha para lhe dizer.

Fonte:
SILVERBERG, Robert. Outros tempos, outros mundos. SP: Círculo do Livro, 1990.

Imagem = montagem por José Feldman

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Trova 174 - A. A. de Assis (Maringá/PR)

Montagem da trova e TV adicional sobre imagem criada por Márcia Bueno

No Compasso da Trova I

Após causar desencantos e nos fazer peregrinos, a seca fez chover prantos nos olhos dos nordestinos! ADEMAR MACEDO - RN  Não te peço, Deus amigo, igual multiplicação: basta o milagre do trigo, que a gente o transforma em pão! ARLINDO TADEU HAGEN - MG Se entre guizos, eu componho meu disfarce de Arlequim, há sempre um Pierrô tristonho, que chora dentro de mim! CAROLINA RAMOS - SP Não sou ave nem sou peixe, nunca aprendi a nadar, mas peço a Deus que me deixe num dia desses voar! DIAMANTINO FERREIRA – RJ Das alegrias passadas que o tempo ingrato perdeu, guardo lembranças mofadas, relíquias do meu museu. DOROTHY JANSSON MORETTI - SP Amigo é um irmão de fé, que, nas quedas dos caminhos, discreto nos põe de pé e diz que agimos sozinhos... EDMAR JAPIASSÚ MAIA - RJ No tear da solidão, rendeiro em dias tristonhos, basta um fio de ilusão para tecer os meus sonhos! ELIZABETH S. CRUZ - RJ A dor materializou-se, nestas lágrimas sem cor. Meu orgulho evaporou-se... Rendi-me à força do amor! FRANCISCO NEVES MACEDO - RN E’ de ternura o momento em que o Sol sorri no espaço, se faz vida e sentimento e lança ao mar seu abraço! GISLAINE CANALES - SC Sonhei um sonho tão triste!... Sonhei que o mundo acabou... - Logo depois, tu partiste, e o sonho se confirmou... JOSÉ OUVERNEY - SP Herdei de ti, pai querido, essa força de condor que te fez, sendo um vencido, ter ares de vencedor. LILINHA FERNANDES/RJ Tropeçando na soleira da incerteza que me trazes, vivo perto da fronteira dos que só vivem de “quases”... MILTON NUNES LOUREIRO – RJ Quando a neblina é mais densa e a luz parece tão mansa, na estrada o que a gente pensa é que o sol ainda descansa. OLGA AGULHON - PR Sem rodeio e sem firula deixo a todos essa dica: Impostor sempre bajula, amigo às vezes critica! PEDRO ORNELLAS - SP Nesta longa caminhada que fazemos sempre a sós... Nem o silêncio da estrada, quebra o silêncio entre nós PROFESSOR GARCIA - RN Quando à noite, a solidão e a saudade trazem dor, vou dizendo ao coração: -é o preço por tanto amor. ROBERTO PINHEIRO ACRUCHE - RJ Beija, grato, o chão que pisas, se ele te dá, quando plantas; o trigo de que precisas e as flores com que te encantas! SÉRGIO BERNARDO - RJ Eu sempre lutei sentindo, nesta arena em que se vive, a mão de Deus dirigindo cada conquista que eu tive! VANDA FAGUNDES QUEIROZ - PR Fonte: Antonio Manoel Abreu Sardenberg

Guy de Maupassant (A noite)


Um exemplo de fantástico obtido com mínimos recursos: este conto não é mais que um passeio por Paris, relato fiel das sensações que o notivago Maupassant vivia em cada uma de suas noites. Uma sensação opressiva, de pesadelo, ocupa o quadro desde o início e se torna cada vez mais intensa. A cidade é sempre a mesma, rua por rua e edificio por edificio, mas antes desaparecem as pessoas e, depois, as luzes; o cenário bem conhecido parece conter apenas o medo do absurdo e da morte.
Maupassant (1850-93) também tem um lugar na literatura fantástica devido a uma série de textos escritos nos anos que antecederam a sua crise de loucura, da qual ele não se recuperou: é das imagens cotidianas que se desprende o sentimento de terror.
––––––––––-
Amo a noite apaixonadamente. Amo-a como quem ama seu país ou sua amante, com um amor instintivo, profundo, invencível. Amo-a com todos os meus sentidos, com meus olhos que a vêem, com meu olfato que a respira, meus ouvidos que escutam seu silêncio, com toda a minha carne que as trevas acariciam.

As cotovias cantam ao sol, no ar azul, no ar quente, no ar leve das manhãs claras. O mocho voa à noite, mancha negra que passa pelo espaço negro, e, radiante, inebriado pela negra imensidão, solta seu grito vibrante e sinistro.

O dia me cansa e me aborrece. É brutal e barulhento. Levanto-me com dificuldade, e visto-me com lassidão, saio a contragosto, e cada passo, cada movimento, cada gesto, cada palavra, cada pensamento me cansa como se eu levantasse um fardo que me esmagasse.

Mas, quando o sol se põe, invade-me uma alegria confusa, uma alegria de todo o meu corpo. Desperto, me animo. À medida que crescem as sombras, sinto-me outro, mais moço, mais forte, mais alerta, mais feliz. Olho para a grande sombra suave caindo do céu e se adensando: ela afoga a cidade, como uma onda impalpável e impenetrável, ela esconde, apaga, destrói as cores, as formas, abraça as casas, os seres, os monumentos com seu toque imperceptível. Então sinto vontade de gritar de prazer como as corujas, de correr pelos telhados como os gatos; e um desejo de amar, impetuoso, invencível, arde em minhas veias.

Vou, caminho, ora pelos subúrbios ensombreados, ora pelos bosques vizinhos de Paris, onde ouço rondarem minhas irmãs, as bestas, e meus irmãos, os caçadores clandestinos.

O que amamos com violência sempre acaba nos matando. Mas como explicar o que acontece comigo? E, mesmo, como explicar que sou capaz de contá-lo? Não sei, já não sei, sei apenas que isso existe — pronto.

Portanto, ontem — era ontem? —, sim, sem dúvida, a menos que tenha sido antes, um outro dia, um outro mês, um outro ano — não sei. Mas deve ser ontem, já que o dia não mais raiou, já que o sol não reapareceu. Mas desde quando dura a noite? Desde quando?... Quem poderá dizer? Quem algum dia saberá?

Assim, ontem saí, como faço todas as noites, depois do jantar. Fazia um tempo muito bonito, muito suave, muito quente. Ao descer para os bulevares, olhei acima de minha cabeça o negro rio cheio de estrelas, recortado no céu pelos telhados das casas, que giravam e faziam esse riacho rolante de astros ondular como um rio de verdade.

No ar leve, tudo estava claro, desde os planetas até os bicos de gás. Tantas luzes brilhavam lá no alto e na cidade que as trevas pareciam luminosas. As noites luzentes são mais alegres que os grandes dias de sol. No bulevar, os cafés rutilavam; todos riam, passavam, bebiam. Entrei no teatro, por alguns instantes, em que teatro? Não sei mais. Lá dentro estava tão claro que me senti agoniado, e saí com o coração meio obscurecido por aquele choque brutal de luz nos dourados do balcão, pelo cintilar factício do enorme lustre de cristal, pela cortina de luzes da ribalta, pela melancolia daquela claridade falsa e crua. Cheguei aos Champs-Elysées, onde os cafés-concertos pareciam focos de incêndio no meio das folhagens. As castanheiras roçadas pela luz amarela tinham um aspecto de pintadas, um aspecto de árvores fosforescentes. E os globos de luz elétrica, parecendo luas cintilantes e pálidas, ovos de lua caídos do céu, pérolas monstruosas, vivas, faziam empalidecer, sob sua claridade nacarada, misteriosa e imperial, os fios de gás, do feio gás sujo, e as guirlandas de vidros coloridos.

Parei debaixo do Arco do Triunfo para olhar a avenida, a longa e admirável avenida estrelada, indo até Paris entre duas linhas de fogo e os astros! Os astros lá no alto, os astros desconhecidos jogados ao acaso na imensidão, onde desenham essas figuras estranhas que tanto fazem sonhar, que tanto fazem pensar.

Entrei no Bois de Boulogne e lá fiquei muito tempo, muito tempo. Estava tomado por um arrepio singular, uma emoção imprevista e poderosa, uma exaltação de meu pensamento que raiava a loucura. Andei muito tempo, muito tempo. Depois voltei. Que horas eram quando tornei a passar sob o Arco do Triunfo? Não sei. A cidade adormecia, e nuvens, grossas nuvens pretas, espalhavam-se lentamente no céu.

Pela primeira vez senti que algo estranho, novo, ia acontecer. Tive a impressão de que fazia frio, de que o ar se adensava, de que a noite, minha noite bem-amada, pesava sobre meu coração. Agora a avenida estava deserta. Só dois policiais passeavam perto da estação dos fiacres, e na rua apenas iluminada pelos bicos de gás que pareciam moribundos, uma fila de carroças de legumes ia para os Halles. Iam devagar, carregadas de cenouras, nabos e repolhos. Os cocheiros dormiam, invisíveis; os cavalos andavam no mesmo passo, seguindo a carroça da frente, sem barulho, pelo calçamento de madeira. Diante de cada luz da calçada, as cenouras se iluminavam, vermelhas, os nabos se iluminavam, brancos, os repolhos se iluminavam, verdes; e essas carroças passavam uma atrás da outra, vermelhas como o fogo, brancas como a prata, verdes como a esmeralda. Fui atrás delas, depois virei na rua Royale e voltei para os bulevares. Mais ninguém, mais nenhum café iluminado, apenas alguns retardatários que se apressavam. Nunca tinha visto Paris tão morta, tão deserta. Puxei meu relógio, eram duas horas.

Uma força me empurrava, uma necessidade de andar. Portanto, fui até a Bastilha. Lá percebi que nunca tinha visto uma noite tão escura, pois nem sequer distinguia a Colonne de Juillet, cujo Gênio dourado estava perdido no breu impenetrável. Um firmamento de nuvens, cerrado como a imensidão, afogara as estrelas e parecia descer sobre a terra para liquidá-la.

Retornei. Não havia mais ninguém ao meu redor. Porém, na praça Du Château-d'Eau um bêbado quase me deu um encontrão, depois desapareceu. Por algum tempo ouvi seu passo desigual e sonoro. Eu ia andando. Na altura do Faubourg Montmartre passou um fiacre, descendo na direção do Sena. Chamei-o. O cocheiro não respondeu. Perto da rua Drouot, uma mulher zanzava: "Ei, cavalheiro, escute". Apertei o passo para evitar sua mão estendida. Depois, mais nada. Na frente do Vaudeville, um catador de trapos vasculhava a sarjeta. Sua pequena lanterna tremulava bem rente ao chão. Perguntei-lhe: "Que horas são, meu amigo?".

Ele respondeu: "E eu lá sei! Não tenho relógio".

Então, de repente, reparei que os lampiões de gás estavam apagados. Sei que nesta época do ano eles são apagados bem cedo, antes do amanhecer, por economia; mas o dia ainda estava longe, tão longe de raiar!

"Vamos para os Halles", pensei, "pelo menos lá encontrarei vida."

Pus-me a caminho, mas não enxergava nada nem mesmo para me orientar. Ia andando devagar, como se anda num bosque, contando as ruas para reconhecê-las. Defronte do Crédit Lyonnais um cão rosnou. Virei na De Grammont, me perdi; perambulei, depois reconheci a Bolsa pelas grades de ferro que a cercavam. Toda a Paris dormia, com um sono profundo, apavorante. Mas ao longe andava um fiacre, talvez aquele que tinha passado por mim ainda agora. Tentei alcançá-lo, indo na direção do ruído de suas rodas, pelas ruas solitárias e negras, negras, negras como a morte. Perdi-me de novo. Onde estava? Que loucura apagar o gás tão cedo! Nem um passante, nem um retardatário, nem um vagabundo, nem um miado de gato apaixonado. Nada.

Mas onde estavam os policiais? Pensei: "Vou gritar, eles virão". Gritei. Ninguém respondeu. Chamei mais alto. Minha voz se foi, sem eco, fraca, abafada, esmagada pela noite, por aquela noite impenetrável.

Berrei: "Socorro! Socorro! Socorro!". Meu apelo desesperado ficou sem resposta. Que horas eram? Puxei meu relógio, mas não tinha fósforos. Escutei o leve tiquetaque do pequeno mecanismo com uma alegria desconhecida e estranha. Ele parecia viver. Eu já não estava tão sozinho. Que mistério! Recomecei a andar como um cego, tateando os muros com minha bengala, e a toda hora levantava os olhos para o céu, esperando que enfim o dia raiasse; mas o espaço estava negro, todo negro, mais profundamente negro que a cidade.

Que horas podiam ser? Parecia que eu caminhava havia um tempo infinito, pois minhas pernas amoleciam debaixo de mim, meu peito arfava, e eu sofria terrivelmente de fome. Resolvi bater no primeiro portão. Puxei o botão de cobre e a campainha retiniu sonora na casa; retiniu estranhamente, como se esse ruído vibrante estivesse sozinho naquela casa.

Esperei, não responderam, não abriram a porta. Toquei de novo; esperei mais — nada. Tive medo! Corri para a residência seguinte, e vinte vezes em seguida fiz a campainha ressoar no corredor escuro onde devia dormir o zelador. Mas ele não acordou — e fui mais longe, puxando com toda a força as argolas ou os botões, batendo com os pés, a bengala e as mãos nas portas obstinadamente fechadas.

E de repente percebi que estava chegando aos Halles. O mercado estava deserto, sem um ruído, sem um movimento, sem um carro, sem um homem, sem um molho de legumes ou um ramo de flores — as barracas estavam vazias, imóveis, abandonadas, mortas! Invadiu-me um pavor — horrível. O que estava acontecendo? Ah, meu Deus! O que estava acontecendo?

Fui embora. Mas a hora? A hora? Quem me diria a hora? Nos campanários ou nos monumentos nenhum relógio batia. Pensei: "Vou abrir o vidro do meu relógio e sentir os ponteiros com meus dedos". Puxei meu relógio... ele já não funcionava... estava parado. Mais nada, mais nada, mais nenhum arrepio na cidade, nenhum clarão, nenhum vestígio de som no ar. Nada! Mais nada! Nem mesmo o ruído longínquo do fiacre andando — mais nada! Eu estava nos quais, e subia do rio uma brisa glacial. O Sena ainda corria? Quis saber, encontrei a escada, desci... Eu não ouvia a torrente encapelando sob os arcos da ponte... Mais degraus... depois, areia... lama... depois a água... molhei meu braço... ele corria... frio... frio... frio... quase gelado... quase seco... quase morto.

E senti perfeitamente bem que nunca mais teria força para subir de novo... e que ia morrer ali... eu também, de fome, de cansaço, e de frio.

Fonte:
CALVINO, Ítalo (organizador). Contos fantásticos do século XIX : o fantástico visionário e o fantástico cotidiano. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. (Tradução do Conto por de Rosa Freire D'Aguiar)
Imagem = montagem por José Feldman

Altino Afonso Costa (O Poeta e sua Poesia)


NÃO SOU POETA

Não sou poeta; faço tão somente poemas para exorcizar os demônios que tentam perturbar meu equilíbrio emocional.

Faço rimas como um pedreiro assentando tijolos, sem imaginar a altura do edifício.

Lentamente os versos vão sendo argamassados com inspiração e às vezes com desalento, mas continuo o trabalho sem descanso e ao final paro e analiso o que fiz.

Quantas vezes destruo o que já foi edificado, outras vezes, aliso as paredes rústicas, e as transformo em algo digno de ser admirado.

Não sou poeta; sou um simples operário dos meus sonhos desfeitos, erguendo muros que podem ser ruínas, ou recolhendo restos de ruínas, que poderão se transformar num castelo de ilusões.
G G G G G G G G G G G G

A POESIA E O MAR

A poesia é como a pérola;
Temos que mergulhar nas folhas dos livros
Como se estivéssemos abrindo uma ostra
E delicadamente retirá-la,
Para então exibi-la
A quem sabe admirar
Essa jóia literária.
Assim nos sentimos como catadores de pérolas
Em oceano profundo,
Quando fazemos o nosso recital de poesias.
É como se fossemos ao pélago
Silencioso do mar,
Com as algas verdes e azuis
Serpenteando ao sabor das águas,
Ocultando o mundo fantástico
Dos peixes multi-coloridos.
O nosso coração é o atol
Onde as emoções como conchas
Se refugiam nas paredes acolhedoras.
Pulsa o coração,
Pulsa o mar,
Banhando de espumas a eterna poesia
Do nosso universo interior.
G G G G G G G G G G G G

SAUDADE AO CAIR DA TARDE

A tarde fechou suas pálpebras à luz do sol que se escondia no horizontes, enquanto a noite surgia misteriosa e o céu exibia reluzentes estrelas conhecidas, emoldurando a via-láctea.

E o poeta sonhou com a sua amada que não veio ao encontro tão esperado.

O vento corria como louco, levando nas suas asas os lamentos do mundo.

Fiquei envolto na tarde, na noite e no vento à espera da alma gêmea que não veio.

Depois o tempo passou,o vento sumiu, surgiu um novo dia deixando uma saudade pungente no meu coração.

Fonte:
COSTA, Altino Afonso. Buquê de Estrelas: crônicas e poemas. 1. ed. Paranavaí,PR, 2001.
Imagem = Montagem por José Feldman

Altino Afonso Costa (1934 – 2003)



Poeta, cronista, declamador. Altino Afonso Costa nasceu em Avanhadava- São Paulo, em 07 de março de 1934.

Médico diplomado pela Faculdade de Ciências Médicas do Rio de Janeiro, em 1960.

Líder estudantil, durante a faculdade presidiu o Centro Acadêmico, foi representante estudantil na União Nacional dos Estudantes -UNE, e União Metropolitana de Estudantes -UME/RJ, além de representar os acadêmicos no Congresso Internacional de Estudantes de Medicina, realizado em Toluca, no México em 1957.

Pediatra, instalou-se em Paranavaí no ano de 1962, onde fundou o Hospital São Lucas em 1964, e atuou por vários anos na saúde pública e na perícia médica (INSS).

Como político foi um dos fundadores do Partido do Movimento Democrático Brasileiro - MDB em Paranavaí.

Foi presidente fundador da Associação Paranavaiense de Arte e Cultura - APAC.

Considerado "o paizão dos artistas paranavaienses", o poeta deu nome ao Teatro Municipal de Paranavaí, inaugurado em 1º de abril de 2003 com a denominação de Teatro Municipal, sendo em 16 de dezembro de 2004 nomeado Teatro Municipal Dr. Altino Afonso Costa.

Faleceu em Paranavaí em 03 de maio de 2003.

Autor do livro de crônicas e poemas Buquê de Estrelas (2001)

Fonte:
Dinair Leite

Nilsa Alves de Melo (Reduzindo ao Essencial)



Viviam ambos na mesma casa. Tão íntimos.

No início da vida tudo foi muito bom! Cumplicidade perfeita, um “mar de rosas” como se costuma dizer. Alguns anos depois a casa foi se modificando, as diferenças foram aparecendo e as brigas foram aumentando ao ponto de um deles ficar doente e, às vezes, até os dois.

- Sossegue, amor!

- Como quer que sossegue? Tenho de falar, de pôr ordem nessa bagunça que você faz. Falta disciplina!

- Não vês que sofro?

- Tem é de encarar a realidade.

Outras vezes, o que se considerava tão cabeça dizia, até com jeito:

- Sossegue, amor!

- Como? Sinto como se tivesse um nó na garganta, tenho vontade de chorar, até de … morrer.

- Mas ainda ontem você não ocultava sua alegria quando lhe trouxe aquelas flores. Achei quase ridículo sentir-se nas alturas por causa de algumas flores.

- Algumas flores? Era isto para você? Vi foi o amor, a delicadeza, a forma como me foram oferecidas. Ah, me senti nas nuvens, sim, insensível!

Vê tudo atrapalhado, pensou o outro.

E as desavenças continuavam. Não queriam sair daquela casa, o seu universo, mas às vezes era insuportável. Um queria sobrepujar o outro. O disciplinado, enquanto dominava sentia-se bem, mas logo via tudo tão seco, insípido, sem a companhia impulsiva, meiga, sensível, vendo além do invisível…

Quando o mais doçura tentava dominar, ficava como que alucinado. Passava de uma sensação a outra e quase não podia dominar o sentimento que o invadia. Imaginação. Quem mesmo a havia chamado de “a louca da casa”? Ah, o disciplinado poderia pôr ordem naquele caos. Só ele sabia ver o que era prioritário, essencial. À sua intuição ele proporia sua informação; à inspiração, seu saber; à compaixão, a sabedoria.

Separavam-se, cada um para seu lado. Buscavam aprender um com o outro, mas nessas ocasiões eram divergências, na certa.

Pensaram em morar em ambientes separados, mas viram que precisavam um do outro – o doçura é que pensava assim. O disciplinado, nem tanto.

- Um dia, tudo passará!

Nesta afirmação os dois estavam de acordo

Numa bela manhã a doçura começou a sentir umas premonições de que iria deixar a casa. Ficou pensando como o tempo passou depressa. A casa já era considerada como antiga em comparação com outras novinhas que eles viam sendo construídas. A tecnologia apresentava cada vez mais recursos para consertar os estragos causados pelo tempo. Até que dava uma aparência diferente. Mostravam o antes e o depois – o depois sempre aparecia com um sorrisão aberto, forçado, mas não havia como esconder que o tempo passara por ela.

- Querido, vou fazer um puxadinho aqui.

E ele:

- Deixa desses puxadinhos. Só estraga a planta original. É um único conjunto. Esforcemos por conservá-la firme e segura, na medida do possível.

Falou com o disciplinado sobre seus receios, suas premonições. O que ele achava?

- Não são premonições. São fatos. Chegaremos ao fim juntos com esta casa.

- Tenho medo. Você ficará perto de mim?

- Claro. Só que vou pegar no sono antes de você. É você, doçura, quem, corajosamente vai apagar a luz e entregará a casa.

Madrugada. Pressente-se alguma coisa. A casa! Seria o fim a que tudo o que existe está destinado? Seria, sim.

O disciplinado adormeceu logo depois. A doçura ainda ficou pulsando, levando a despedida a todos os cômodos da casa, apagando a luz de cada um deles, até que, cansada, parou. Nem tentou chamar seu companheiro, pois sabia que seria o primeiro a sossegar. Seu amigo fiel por tantos anos naquele lar, também não acordou. Sabia que a doce companheira dormiria um pouquinho mais tarde para não acordar mais.

Cérebro e Coração, adormecidos naquela casa, nem viram quando ela foi soterrada, no outro dia, de tardinha.

Dizem que uma luz diáfana emanou dela. Reduziu-se ao essencial e tornou-se invisível aos olhos dos demais. Esse “essencial” levava, sorridente e envolto em luz, todo o aprendizado obtido pelos dois.

O anoitecer estava lindo!

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Sarau em Lingua Inglesa, na Livraria Cultura de Porto Alegre


Sábado, 25 de setembro às 16h

Tema: Sarau em Língua Inglesa

Palestrante: Maria da Graça Paiva e Kleber Schenk

Unidade: Bourbon Shopping Country
Endereço: Av. Túlio de Rose, 80 - Passo DAreia - Porto Alegre/RS
Local: Auditório

Sujeito a lotação. Capacidade de 89 lugares.

O 'Sarau em língua inglesa na Cultura' de setembro tratará de duas regiões do mundo bastante peculiares: a exótica, diversa, paradoxal e nem tão conhecida casa em que moramos, a América do Sul; e uma das mais bonitas regiões do mundo em que se fala inglês: a Escócia, que, culturalmente, está bem mais próxima de nós do que conseguimos imaginar.

O fórum será sobre música: sua importância como legado cultural, recurso terapêutico e instrumento para o ensino de línguas.

O evento terá a presença de Magnum Eltz, que fará um contraponto da Terra do Whisky com o continente em que habitamos e apresentará ao público músicas dos Beatles e do Pearl Jam; Sullivan e o Trio de Cordas apresentarão músicas celtas e tangos; e Milene Torma apresentará canções em diferentes idiomas.

Também haverá apresentação de pequenos poemas e de citações de sul-americanos e de escoceses famosos. O sarau sempre acontece em um clima descontraído e animado para desenvolver a autoexpressão em língua inglesa, em um ambiente cujo nome já diz tudo: cultura.

Fonte:
Livraria Cultura

Marcia Ligia Guidin (Curso: Como Ler Machado de Assis)

O curso abordará contos e trechos de romances do escritor e será dividido por temas. A finalidade é fazer com que o aluno encontre diálogo e coerência no modo de pensar do escritor e o localize como grande observador da sociedade, o que o torna extremamente atual.

Cada aula com duração de 2 encontros de 2hs.

Aula 1 - O tema do adultério
Memórias póstumas de Brás Cubas, D. Casmurro e os contos: A cartomante, A senhora do galvão, Noite de almirante , Singular ocorrência...

Aula 2 – O tema do apadrinhamento e das oportunidades
Memórias póstumas de Brás Cubas, D. Casmurro, Quincas Borba, conto: O caso da vara.

Aula 3 - A maldade humana, a dissimulação, vaidade e a política
Quincas Borba e Contos: A igreja do Diabo, o Enfermeiro, Uma senhora...

Aula 4 -O amor e o ciúme
D. Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Uns braços, Memorial de Aires...

Marcia Ligia Guidin - Mestre e Doutora em Letras (Literatura Brasileira) pela FFLCH da USP. Professora de Teoria literária, Literatura brasileira e Edição de texto. Editora externa e packager para Casas Editoriais em São Paulo. Palestrante para as áreas de Letras, Educação e Produção de textos.

Inscrições pelo telefone 11 3081-5845, visite o nosso site http://www.projetocultura.com.br/

Rua Portugal, nº43 (Fundação Ema Klabin)

Observação: Toda a obra completa de Machado de Assis está disponível na internet no site http://www.machado.mec.gov.br/

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Greta Marcon (Livro de Trovas)


Já vi muito cabra macho
Com medo de um ratinho,
Mas pra não ficar por baixo,
Tenho pavor de pintinho...

Sempre fui mulher guerreira,
Mas não sou feita de aço;
Eu já fiz muita besteira
E assumo o meu descompasso...

Eu tenho minas de ouro,
Pedras preciosas sem jaça;
Mas esse grande tesouro,
Eu dou pra você de graça...

Eu sei pra que serve a fé,
Daqueles que querem crer;
Pra covardes como eu,
ter coragem pra morrer...

Pelas estradas da vida,
Não ande na contramão;
Em cada curva escondida,
Tem perigo e tentação...

Pra mim é tudo sem graça,
Na vida nada me importa;
Sou a fumaça que embaça,
Sou a natureza morta...

No relogio do meu tempo,
Você está atrasado...
Não lhe vejo em meu presente,
Você ficou no passado...

Um dia eu te amei tanto,
Que pensei enlouquecer;
Mas descobri, no entanto,
Que era obsessão te querer...

Eu sei que meu tempo é curto,
Que minha alma tem pressa,
Mas de ti eu não me furto,
És tudo que me interessa...

Nada tenho a te ofertar
Na minha vida de agora;
Minha vida é meu passado,
Aceite como penhora...

Se o meu caminho tem flores
E o teu, somente espinhos,
Eu vou para onde fores,
Não vou te deixar sosinho...

Das trovas que eu fazia
E trovas que eu hoje faço,
Não tem a mesma poesia,
Não são nós do mesmo laço...

Minha comida é gostosa
Meu tempero tem pimenta
Do meu jardim sou a Rosa
Quem me cheirar não aguenta...

Se for uma brincadeira
Aceito até esculacho
Mas, se pisar no meu calo
Aí, não assino em baixo...

Não zombe da sua sorte
Não fique aí de bobeira...
O trem da vida é a morte
E você? A passageira...

Eu busco a felicidade
Mesmo em dias mais tristonhos
Se não quizeres me ajudar
Não se meta nos meus sonhos...

Quando sentir solidão cantarei
Um canto alegre para disfarsar
Quando sentir aflição rezarei
Pedindo à Deus que me faça sonhar...

Amar é deixar em liberdade
Poder confiar em quem se ama
A prisão é sempre crueldade
Que nos faz sofrer e apaga a chama...

Eu tenho duas opções
E pra isso sou bem pago:
Se eu lavo, não cozinho
E se eu cozinho, não lavo...

Precaver e desconfiar
Não faz mal nem paga imposto
Devemos guardar na mente
Que a maldade não tem rosto...

Eu conto muita mentira
Em meio a tanta verdade
Mas muita gente suspira
Dando solidariedade...

Pra ajudante de cozinha
Qualquer mané não esquenta...
Precisa ter pulso forte
Pra mexer minha polenta...
–––––––––––––

Greta Marcon: De família italiana de Jaguari/RS. Cantora, compositora, poetisa e artezã. 74 anos. Mente aberta, arejada, sem preconceitos. Reside em Ponte Nova /MG

Fontes:
http://www.overmundo.com.br/banco/e-tome-trovas
http://www.overmundo.com.br/banco/trovas-ao-leu-1

Rafael Castellar das Neves (Terra Firme)

Foto por Dias dos Reis (Cais das Colunas - Lisboa)
Há tempos me cansei daquela infindável busca por tudo o que sempre entendi e defini como meu complemento, como minha razão de existência.

Há tempos desisti de me aventurar por montanhas, desfiladeiros, desertos, florestas, abrindo caminho, abrindo feridas, me rasgando, me mutilando e me diminuindo nessa busca insana.

Há tempos reneguei a tudo, não por me julgar incapaz; mas por ter entendido que eu mudava a paisagem e me corrompia na busca de algo utópico, absurdamente idealizado.

Há tempos parei e sentei para chorar meu último e mais impotente choro, escondido em uma caverna apertada, onde espantei todos os meus fantasmas e curei todas as minhas feridas.

Há tempos me levantei forte e me dei à luz, de peito aberto, passos firmes e coração limpo.

Há tempos me lancei sorridente ao mar em minha canoa, não em busca, mas avulso à maré e aos ventos, apenas sendo deliciosamente levado e saboreando sedento cada batalha – com os mais diversos monstros marinhos – da mesma forma que a cada por do sol que me era oferecido.

Hoje acordei náufrago em uma terra desconhecida e, ainda desorientado e assustado, entendi que atingira minha tal utopia, absurdamente em minha própria realidade!

São Paulo, 02 de julho de 2010.

Fonte:
Colaboração do autor

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Trova 173 - Tasso da Silveira (Curitiba/PR)

Fernando Sabino (De Mel a Pior)



- Qual é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo adequar? - pergunta-me ele ao telefone.

- Nós adequamos - respondo com segurança.

- Primeira do singular - insiste ele.

- Espera lá, deixe ver. Com essa você me pegou.

E arrisco vacilante:
- Eu adéquo?

- Não, senhor.

- Eu adeqúo? Não pode ser.

- E não é mesmo.

- Então como é que é?

- Quer dizer que você não sabe?

- Deixe de suspense. Diga logo.

- Não tem. É verbo defectivo.

- E você me telefonou para isso? Verbo defectivo. Tudo bem. Eu não teria mesmo oportunidade de usar esse verbo na primeira pessoa do singular do presente do indicativo. Nunca me adéquo a questões como esta. Presente do indicativo ou indicativo do presente? - é a minha vez de perguntar. - No nosso tempo era indicativo presente.

E é sua vez de não saber. Desculpa-se dizendo que andaram mudando tanto a nomenclatura gramatical, que a gente acaba não sabendo mais nada.

- E o verbo delinqüir? - torna ele.

- Que é que tem o verbo delinqüir? - quero saber, cauteloso.

- A primeira do singular?

- Não tem. Também é defectivo. Mas ele é teimoso:

- E se um criminoso quiser dizer que não delinque mais?

- Se usar esse verbo, já delinqüiu. - E acresento, num tom de quem não sabe outra coisa na vida:- Além do mais, leva trema no u. Para que se fale delincuir, que é a pronúncia correta.

- Quem fala delinqir, sem o u, vai ver é da polícia.

- Ou quem fala tóchico, como diz Millôr.

- O Millôr fala tóchico?

- Não. O Millôr é que disse que quem fala… Ora, deixa pra lá.

Ele volta à carga:

- O trema já não foi abolido?

- Que abolido nada. Aboliram tudo, menos o trema

- Por falar nisso, outro verbo defectivo.

- Qual?

- Abolir: não tem primeira do singular.

- Como não tem? -reajo - Eu abulo.

- Neste caso seria eu abolo.

- Coisa nenhuma. Eu abulo, sim senhor. - E invoco a autoridade de quem sabe o que diz:- Não é eu expludo? Pelo menos o Figueiredo não me deixa mentir.

- O Cândido ou o Fidelino?

- O João mesmo. O presidente. Ele falou expludo e não explodo.

- Se essa regra vale, deveria ser eu cumo, eu murro, eu murdo…

- Então me diga uma coisa: Você sabe qual é a primeira do singular do verbo parir no indicativo?

- Ninguém pare no indicativo.

- Pare, e em todos os tempos, meu velho.

- Esse quem não corre o risco de usar sou eu.

- Pois então fique sabendo: é simplesmente igual à primeira pessoa do singular do verbo pairar.

- Eu pairo?

- É isso aí. Uma senhora que tem muitos filhos pode perfeitamente dizer: eu pairo um filho por ano.

- Co’s pariu.

- Se não quiser acreditar, não acredite. É a vez dele:

- Você sabe qual é o plural de mel?

- Já vem você. Mel não tem plural.

- Como não tem? Tem até dois. - E me conta que outro dia um entendido em mel fazia uma prelação sobre o assunto na televisão. No que saiu do singular para se meter no plural, quebrou a cara:

- Acabou falando que existem muitos mels diferentes.

- E não existem?

- Existem. Mas não mels. Com essa ele se deu mal.

- Se deu mel então. - Era a asa da imbecilidade começando a ruflar aos meus ouvidos:- Ou você vai me dizer que mel também é verbo defectivo?

- Perguntei a uma amiga minha que entende.

- De mel?

- Não : de plural. Ela confirmou: tanto pode ser méis como meles. Mels é que não.

A esta altura o mentecapto fala mais alto dentro da minha cabeça:
- Dos meles, o menor.

Como ele não responde, acrescento:
- Até logo. Melou o assunto.

E desligo o telefone.
---
P.S.: Quando foi escrito este conto, ainda não havia a nova ortografia.

Fonte:
As melhores Crônicas de Fernando Sabino. 2.ed. RJ: Bestbolso, 2008.

Vladimir Cunha dos Santos (Poemas Avulsos)


ALMA

Eis uma alma que passa
pela Terra
pelos séculos XX e XXI.

Entristecida
das atitudes dos homens
Sobrecarregada de ilusões
Monologando com a pluralidade
Divergindo com seu tempo
Pendente numa face morena-clara
de olhos cor do mar em ressaca
e na rua, a caminhar,
a ressuscitar seus mortos.

Uma alma serenizada tanto
quanto uma entrada de primavera,

Uma alma insubmissa tanto
quanto um ciclone
em busca
de um lugar
comum.

DESAMOR

Caminhei na escuridão
da imensa sala
prisioneiro
de antiga relação.

O som do cantar dos grilos
sem parar
alimentou minha nova decisão.

Forjar o amor eterno
é paterno demais,
e nem os animais o fazem
por toda a vida.

Separar almas partidas
é a saída
para a nova felicidade,
não importa a idade,
o que vale é a esperança
da liberdade de existir.

Poder agir em paz
com a consciência,
e amar sem parar pra pensar!

Caminhar na escuridão,
espantar a certeza de ser
prisioneiro
de um desamor,
refém do desencanto
visível nos olhos, na alma...

Caminhar em direção absoluta
ao novo desejo impregnado na vida...
este é o dilema,
o caminho
a seguir.

O VELHO GRANDE DO SUL

O velho grande do sul
sangra de emoção
em seu galope silencioso
pelas coxilhas do pampa
-seu habitat natural e eterno-
enquanto o rosto rude
estampa a melancolia
dos homens solitários por natureza.

O velho grande do sul
sem muito sucesso na vida
vira a página todos os dias
sendo protagonista real
de sua história real
sem mística, sem mitos,
com ritos de um cotidiano
que se esvai ano a ano.

O velho grande do sul
resiste ao tempo
e serve de exemplo
para os jovens grandes do sul
que embriagam-se com a modernidade.

E calado,
olhos no horizonte,
reflete a esperança.

OLHAI OS TEMPORAIS

Da sacada da minha casa nova
Eu vejo o prédio da biblioteca pública
Eu vejo o campo de golfe
O aeroporto, as palmeiras gigantes
Eu vejo o casario das vilas ao redor
Eu vejo as ruas da cidade e os ipês.

Da sacada da minha casa nova
Eu assisto ao espetáculo dos temporais
Com suas nuvens negras e carregadas
Seus trovões assustadores
Seus relâmpagos que cortam o céu
E iluminam a escuridão da noite chuvosa.

Da sacada da minha casa-alma
Enxergo as brumas da solidão
Entrando com o ano novo.
Sinto uma sensação coletiva de vazio
Uma esperança relevante de amor
Ao som do vento
e dos pássaros.

(Rosário do Sul, RS, BR, janeiro de 2007.)

NOVOS TEMPOS

Meu som divaga
Nos fluídos dos meus sonhos,
Meus pés resvalam
No subproduto humano
Que nos tornamos
E tudo é natural
No nosso tempo
No nosso modo de ser.

Quero um novo beijo na boca
Uma nova emoção no peito
Uma tarde inteira para amar
Entre as relíquias do meu baú
Entre as meninas da minha escola.

Quero uma sacola
Para ir correndo
Ao supermercado
Do amor.

Fonte:
http://wlady.zip.net/

Vladimir Cunha dos Santos (1964)



O poeta Wlady se chama Vladimir Cunha dos Santos e nasceu em Rosário do Sul dia 14 de setembro de 1964, filho dos comerciantes Galileu Lemos dos Santos e Yolanda Cunha dos Santos. Escreve desde os 12 anos e já publicou 11 livros, além de participar de 5 coletâneas.

Tem na gaveta 3 romances escritos e prontos para publicar, além de 9 livros com centenas de poemas e crônicas inéditos. Organizou e publicou a antologia Poetas de Rosário, reunindo 1 século de poesia da sua cidade, editou a revista literária Poema-Coisa e o jornal Reação Cultural, órgão da Casa do Artista Rosariense, entidade fundada e presidida por Vladimir nos anos 80 do século XX.

Estudou Letras na Universidade do Vale dos Sinos, em São Leopoldo, mas não concluiu o curso.

Viajou pela Europa em 1989 e 1990, morando em Lisboa e se deslocando para as cidades portuguesas de Almada, Coimbra, Sintra, Porto e outras. Também visitou várias cidades do norte da Espanha, como Salamanca, Valadollid, Bilbao e outras na região dos Bascos, penetrando pelo território francês onde permaneceu em Paris por vários dias visitando museus e observando aspectos da vida cotidiana do povo e do ambiente da cidade luz.

Passou um período de sua juventude estudando em Pelotas e Porto Alegre e visitou Buenos Aires, Rio de Janeiro, Porto Seguro, Florianópolis, Foz do Iguaçu, Angra dos Reis, Parati, Brasília, Gramado, Canela, Curitiba, Montevidéo, Colônia Del Sacramento, Punta del Este e outras importantes cidades que o inspiraram para escrever suas crônicas, seus contos e poemas que hoje fazem parte de sua antologia.

Como profissional é jornalista e empresário, foi diretor de vários jornais da região fronteira-oeste do RS, como O Imparcial, de São Gabriel, tendo sido fundador e diretor dos periódicos Notisul, Gazeta de Rosário, Folha Rosariense, Folha de Cacequi, Folha de São Vicente e Gazeta Gabrielense. Foi presidente da Comissão de Ética da Associação dos Jornais do Interior do RS (Adjori) e é membro da Associação Brasileira de Jornais do Interior (Abrajori).

Foi por duas gestões presidente da Associação de Jovens Empresários de Rosário do Sul (Ajer), quando se destacou pela realização de 4 expo-feiras do comércio e indústria da cidade. Foi eleito 1º vice-presidente da Associação Comercial e Industrial de Rosário do Sul (Acir), entidade onde assumiu a presidência em 2004 e implementou diversos projetos do Sebrae e parcerias com universidades da região. Foi um dos fundadores do Centro Empresarial de Rosário do Sul.

No ano de 2005 assumiu como Secretário Municipal da Indústria e Comércio de Rosário do Sul, estando envolvido em vários projetos de industrialização e desenvolvimento do município, através de iniciativas como atração e articulação de novos empreendimentos para a cidade, cursos de qualificação profissional, capacitação empresarial, pesquisas econômicas e sociais, contatos com empresários e execução de
projetos de instalação de novas empresas.

Apesar de sua intensa atividade empresarial, Vladimir dedica parte de seu tempo para a emoção e a sensibilidade que a poesia oferece, sempre buscando nos versos o lado filosófico e contemplativo da vida humana.

Atualmente atua como editor e escritor de livros, residindo em Porto Alegre, onde participa de movimentos literários, sendo membro da Casa do Poeta Riograndense, Sociedade Partenon Literário, Poebras, e a nível nacional passa a integrar a Academia de Letras do Brasil (ALB/RS).

Seus livros estão distribuídos no Brasil e no exterior através de contatos que o autor realiza em eventos e pela internet.

Site: www.rosulonline.com.br/folharosariense

Blogs:
http://wlady.zip.net
http://vladimircunhasantos.blogspot.com

Twitter@vladimirpoeta

Correspondência e solicitação de livros para vladimir.cunha@rosulonline.com.br

Fonte:
Academia de Letras do Brasil

Silviah Carvalho (Cristal Quebrado)


Fim dos sonhos.
E essa dor que não passa,
Por que tem que chegar ao fim,
Algo que mal começou?
Tanto amor, tanta ilusão,
E o que faço com esse coração
Que não quer te esquecer?
...Essa esperança que não morre
Ah! Essa esperança, não quer morrer!
Era tão perfeito esse amor... Era perfeito,
Mas, como um pássaro abandona o ninho,
Você voou para outros braços,
Deixando em pedaços meu coração,
Como um cristal que caindo ao chão,
Torna-se em minúsculos grãos,
Quase como de areia,
Assim está o meu coração.
... Se ao menos pudesse juntar os pedaços!
Reconstruir minha história,
Já não estaria sofrendo,
Mas essa dor parece não ter fim,
E esse cristal quebrado, esmiuçado,
É tudo que restou de mim.
-----
Fonte:

Pedro Herz (Palestra sobre o Livro Eletrônico)

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Ciranda da Trova Paranaense em Equilíbrio


Num equilíbrio perfeito,
cidadania há de ser
amar e honrar o direito,
levar a sério o dever.
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
MARINGÁ

Neste nosso caminhar,
equilíbrio tem que ter:
em nossa forma de amar
e no nosso proceder!
CYROBA C.B. RITZMANN
CURITIBA

O amor é sempre traiçoeiro
e compete com a razão
e o equilíbrio verdadeiro
se perde com a emoção.
ELISA SANTOS
PONTA GROSSA

Quem sempre em tudo exagera,
comete um autoludíbrio.
Em todo caso e esfera
é necessário EQUILÍBRIO.
GERALDO PEIXOTO DE LUNA
LONDRINA

Dá-se equilíbrio e vigor,
quando há perfeita equação,
entre uma vida interior
e sua real ação.
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
PINHALÃO

É o equilíbrio a harmonia
Entre mente e coração;
Bom-senso e sabedoria
No pensamento e na ação.
LEONILDA YVONNETI SPINA
LONDRINA

Para ser feliz, na vida,
bem alegre, a todo instante,
sem causar qualquer ferida,
o equilíbrio é importante.
NEI GARCEZ
CURITIBA

Com muita dedicação,
equilíbrio é sintonia,
acalenta o coração,
no casal é harmonia.
NICOLAU ABICALAF NETO
PINHAIS

Equilíbrio? Quem diria...
nunca tive, em dose certa.
Poucos notam, todavia,
pois eu tenho a mente aberta!
ROSE MARI ASSUMPÇÃO
CURITIBA – PR

Equilíbrio deve haver
mesmo no auge da paixão,
mas difícil é conter
nosso pobre coração !...
SÔNIA DITZEL MARTELO
PONTA GROSSA

Equilíbrio, um dom da vida,
dos sábios, grande virtude
junto a afeição consolida,
seu poder de plenitude.
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES
CURITIBA

Fonte:
Teka Nascimento. Ciranda da Trova – Equilíbrio

domingo, 12 de setembro de 2010

Igor Martins de Menezes (O Imortal Kalymor)


A busca por um amor perdido pode levar à imortalidade?

A cidade é Florianópolis, o lugar é a Catedral Metropolitana. Definir os acontecimentos desta noite não é tarefa fácil. A princípio um homem comum, atormentado como também um homem comum, deseja uma confissão. Expor a um padre seus pecados, na ânsia de que Deus possa estar ouvindo. Pecados que ele cometeu por causa de seu amor perdido. Crimes contra outros e contra si mesmo. E ele se perdeu no abismo de sua própria amargura.

RESENHA

_ “Quem diria que um dia eu estaria do outro lado do mundo? Quem diria que existiria o outro lado?” Lembro de ter ouvido este pensamento ecoando pelas paredes de meu apartamento, assim que ele cruzou a porta da frente. Encharcado pela forte chuva que caía naquela noite de carnaval, onde pelas ruas tomadas de foliões perseguia sorrateiro uma de minhas crias. Palavras simples em singelas frases, que certamente qualquer pessoa diria, sempre que chegasse a um lugar completamente novo. Mas, pronunciada por aquele ser peculiar, o sentido era muito, mas muito mais abrangente...

Uma busca frenética por uma vida não ocorrida. Um deus com o poder de gritar, mas que apenas sussurra. Um oceano de possibilidades, movido por uma simples poça. Estas seriam uma das definições mais plausíveis para Hans Kalymor. Um universo mensurável. Uma montanha com o ideal de uma simples pedra. Uma grandiosidade reduzida. Sim, reduzida, mas reduzida a quê? Reduzida por quê? Isto me assolou por um breve momento, mas, como poucas coisas neste mundo me intrigam, o instante logo passou. Deduzi, então, o que mantinha aquele pássaro preso ao ninho de seus medos. O que lhe prendia em sua incoerente inferioridade. Uma contradição, onde o mais sublime dos sentimentos fora capaz de marginalizar um homem. Duas facetas de um anseio, com extremos mais opostos que o céu e o inferno. Onde quem o tem, possui livre acesso a qualquer um deles...

E esse sentimento é, logicamente, o amor...

Lá estava ele então, a personificação do amor. Em sua forma mais doentia, mais destruída. Um homem, mais morto do que vivo, tanto em carne como em alma. Tão maravilhosamente perfeito para mim. Encantei-me também por seu apetite voraz para com as curiosidades distintas de meus aposentos. Cálices, criaturas empalhadas, livros. Quadros... Olhos que farejavam. Isto a eternidade lhe permitiu desenvolver com afinco. Talvez por isso contei-lhe todos meus segredos. E talvez por isso hoje ele detenha, simples e inteiramente, o conhecimento absoluto...

Então, depois de longos anos, evidentemente curtos para mim, vejo-o novamente. Desta vez saindo de uma catedral. Está próximo do amanhecer e minha condição não me permite ficar aqui à espera desse fenômeno. Eu até que poderia, mas é algo que não me agrada. A mesma capa, o mesmo caminhar arrastado. A mesma dor. Mas agora seus passos estão lentos e confusos, quase tímidos. Desta forma ele desce toda a escadaria. No final, se vira, fitando a catedral com olhos maravilhados de uma criança. E de longe eu ouço um “obrigado”. Seus ombros, então, não mais pesam. Sua dor se esvai como chuva em bueiro. E sinto sua alma, pela primeira vez, sorrir. Hans Kalymor, o filho que não tive, a cria que não me pertenceu, teria finalmente encontrado o fim de sua eterna busca? Leio seu pensamento novamente, assim como o fiz em meu apartamento há alguns anos. E descubro tudo o que ocorreu. Daria um excelente conto. A narrativa de uma eternidade em uma simples madrugada...

Este é apenas mais um dia trivial de nosso tempo. Na verdade, mais uma noite trivial. A cidade é Florianópolis, o lugar é a Catedral Metropolitana. Definir os acontecimentos desta noite não é tarefa fácil. A princípio um homem comum, atormentado como também um homem comum, deseja uma confissão. Expor a um padre seus pecados, na ânsia de que Deus possa estar ouvindo. Pecados todos que giram em torno do amor. Poderiam então, ou sequer deveriam, ser chamados pecados? Eis o amor, levando ao céu e ao inferno... a chave-mestra de dois distintos aposentos. Ele entrou no início desta noite, acanhado e temeroso. Por séculos não se confessava, literalmente. A catedral o atormentou logo em sua chegada, como se ele fosse um insulto, uma afronta. E realmente o era, pois aquele templo de paz estava sendo visitado pelo maior de todos os pecadores. Era o que ele pensava, o que julgava ser. A dor do remorso aumenta consideravelmente o sentimento de culpa. Acho isso uma tolice, mas infelizmente é uma verdade, até mesmo em seres superiores como ele. Mas não vou meditar sobre isso agora. Vou apenas me deliciar com as lembranças que extraí de sua mente neste instante...

“_ Padre! Faz muito que não venho num lugar como este. E só hoje reuni forças para aceitar meu castigo. O que devo fazer?

_ Conte-me sua historia, meu amigo!_ Diz o padre_ Deus está lhe ouvindo e pronto para perdoá-lo por qualquer pecado que tenha feito. Apenas abra seu coração e ele abrirá seus braços.

_Acredita que ele esteja ouvindo? Acredita mesmo na igreja, nos santos e nos anjos? Acredita na sua fé?

_Se eu não acreditasse estaria aí no seu lugar agora. E, se você também não acreditasse, este lugar estaria vazio.”

Assim eles começaram. Visivelmente Hans estava receoso, e logo desejou uma espécie de afronta com o padre. Uma defesa instintiva, um ataque na hora do medo.

“_Meu nome é Hans Kalymor, filho de Carlos e Simone Kalymor. Ambos cristãos que morreram em nome de Deus. Não sei como foi. Era muito pequeno e foi só o que me disseram. O lugar era uma planície ao leste do reino de Yarkan, na atual Eslováquia. O ano, bem, não vá se assustar, padre, 1196 depois de Cristo.”

Isto foi um choque...

“_Como disse, a planície era linda. Vivíamos em barracas ou casas construídas para logo serem abandonadas. Éramos nômades. Uma tribo de nômades que pregava a palavra de Deus e os ensinamentos de Cristo por todo o reinado. Não éramos a única tribo de cristãos que existia. Havia dezenas. As pessoas gostavam das palavras e da felicidade que passávamos para elas. Claro que existiam outros credos e seus seguidores não gostavam nem um pouco de nós. Mesmo assim continuávamos. Vivíamos da hospitalidade do povo, da caça, da venda de artesanato e da luz dos céus.

Quando meus pais morreram, um grande amigo deles me criou. Altair, clérigo de Deus. Era assim que chamavam os atuais padres. Ele não tinha filhos, e viu em mim uma possível família. Eu o via da mesma forma.”

Altair. Há muita consideração quando ele pensa nesse nome. Muito carinho e devoção. Mas também aí reside um de seus maiores pecados...

“Observava a alegria dos pais quando os filhos traziam a primeira presa. Ficava um pouco triste. Não tinha para quem trazer aquilo como as outras crianças tinham. Lembrava do dia da colina e sempre que conseguia caçar algo, levantava em direção ao sol. Mostrava minha presa, de alguma forma, para meus pais.”

Um órfão. A dor de uma criança sem os pilares de uma família. Projetando em um elemento grandioso suas imagens. Representando a importância que tinham para ele tanto quanto o sol para o mundo. Desta forma invejava os outros. E a inveja o isolou.

“Certa vez no almoço as crianças estavam jogando restos de comida umas nas outras e um pouco bateu no meu rosto. Todos riram sem parar. Fiquei muito bravo. Até que uma menina, que eu jamais havia conversado antes, tocou em meu rosto, me pedindo desculpas. Por um instante me paralisei. Não sabia por que, mas não consegui dizer uma única palavra. Ela limpava meu rosto e eu apenas observava. Depois disso, olhei para Altair. O velho clérigo já estava me olhando. E, por baixo daquela curta e grossa barba, pude ver um sorriso.”

Até este momento. Quando conheceu a pequena e doce Marina...

Mas no que me delicio mesmo não são nesses momentos. Prefiro me ater na afronta. Nas tentativas de Hans de querer confundir e ludibriar o padre. A história alucinante de seu passado, habitado por centauros, minotauros e dragões. E sobre o que ele mesmo era de fato.

“_E como posso ter mais de 800 anos? Seria um imortal? Um elfo? Um vampiro? Talvez só um louco qualquer?

_Um imortal? Não. Pois não temeria o julgamento de Deus a ponto de estar num confessionário. Um elfo? Bem, desconheço essa espécie, mas creio que não são cristãos. Um vampiro? Jamais entraria aqui. Um louco? Não levantaria essa hipótese, se realmente o fosse.”

E também em diversos outros pontos...

“O clérigo falava algo sobre anjos. Dizia se tratarem de seres celestiais, que existiam cada um com um propósito. Uma missão. Não como um fardo, ou uma responsabilidade que representasse uma espécie de “peso” em suas costas. Mas um motivo que justificasse sua existência. Não eram seres que devessem ser venerados como semideuses. Mas, no meu entender, criaturas que deveriam ser idolatradas pelo que representavam. Mesmo que muitas vezes não pudéssemos compreender o que representavam. E também o que eram. Anjos, segundo Altair, eram a personificação de uma causa, que talvez fosse inatingível para um mortal, mas que deveria ser alcançada em benefício dos próprios mortais. Como um guia para uma pessoa perdida e sozinha. Talvez mais como uma correção de um fato que estivesse seguindo um curso errado. No caso dos mortais, uma força para que não se perdessem de seu destino.”

Mesmo que eu busque com afinco por estes questionamentos, sua mente se perde em lembranças. E o sentimento de amor sempre retorna...

“Começava a ver o mundo com outros olhos. Mais precisamente, começava a ver Marina com outros olhos. Ela encantava-me. Sua simpatia, sua beleza. Responsabilidades na tribo limitavam nossas brincadeiras juntos. Mas quando tínhamos um tempo para nós, aproveitávamos da melhor maneira possível. A alegria de estar com ela há muito já havia mudado de nome. Passou a se chamar amor. Meu primeiro. Meu único. Minha semente que germinava em meu coração.”

Este amor então se estendeu. À medida que Hans tornava-se um homem...

“Como foi lindo amar. Como foi puro. Como foi saboroso. Nem o mais poderoso dos elfos pode imaginar uma magia como esta. Nenhum mago pode replicá-la. O amor é a alma da vida. E sem ele, não passamos de corpos animados, que vagam numa eterna busca por um sentido. Poucos homens têm isso na vida. E poucos homens, no fardo de seu machismo, se permitem isso. Há homens que têm tudo, mas não têm amor. E há homens que nada têm, mas possuem um amor. Qual deles é o mais rico? Qual deles é o mais feliz? Qual deles possui o maior sorriso? Se perguntarmos para o ego, ele dirá o primeiro. Mas, e se perguntarmos para o coração? E se perguntarmos para a vida?”

Quase posso sentir seu coração pulsar novamente quando se lembra deste momento. De como acreditou que sua união com ela seria eterna...

“Levantei seu véu em seguida. Retirando a última barreira que nos afastava. Com um beijo concretizamos nossa união. Deus, em seu pergaminho celestial, deu mais um ponto, a partir do qual iniciaria um novo parágrafo.

Abraçados nos deitamos. Ela respirava ofegante. Seus músculos estavam todos contraídos. Seus olhos cheios de lágrimas. Apertava-me forte, e quanto mais seu medo crescia, mais forte era seu abraço. Mesmo com toda delicadeza possível, nós, na condição bruta de homens, jamais saberemos como tocar em uma mulher. Jamais entenderemos tudo o que seus olhos nos pedem. Tudo o que a força de seu suave toque nos quer dar. A expressão de seus corpos, quando o tocamos, jamais será corretamente descrita. Palavras não definem a divindade de uma mulher. O seu colorido jamais será pintado. Sua forma jamais será esculpida. Quando as tocamos, mesmo com o mais leve dos toques, sempre será como um urso acariciando uma borboleta. Como um relâmpago beijando o chão. Ainda lembro do seu calor. Do seu envolvente cheiro. Do suor lavando meu corpo, como um batismo em água benta. Não havia céu, ou terra, ou festa, ou barraca. O mundo não estava ao nosso redor. Havia apenas ela e eu. E a soma de nossas vidas.”

Se felicidade para os mortais é o amor, o que lhes resta quando o perdem?

“Ele a segurava pelos cabelos com uma das mãos. Enquanto a outra alisava seu pescoço, retirando delicadamente uns poucos fios que ali restavam, como numa espécie de ritual. Eu não sabia o que fazer. Correr em sua direção me parecia a atitude mais óbvia, mas o vampiro poderia atacá-la ao ver minha aproximação. Por outro lado, ele poderia atacá-la a qualquer momento, já que ninguém o ameaçava. O que fazer? Que reação tomar perante essa situação? Enquanto eu corria, amaldiçoando minhas pernas por não poderem fazer mais, por não serem mais rápidas. Enquanto eu olhava o rosto de Marina, enquanto eu era dominado pela sensação de incapacidade. Enquanto percebia que de nada valiam as súplicas, ele, num rápido movimento, expondo seus enormes dentes caninos, a mordeu.”

Eis o início de sua dor. O começo de seus sórdidos pecados. Sua queda. Sua esposa não apenas morta, mas transformada. Convertida na mesma forma bizarra que o monstro que a atacou. Situação esta ainda mais terrível. Pois, como todo monstro, não poderia ser aceita ali. E a morte veio mais uma vez para ela. Conseqüentemente também para ele...

“_Marina, _comecei _olhe nos meus olhos. Veja bem fundo, e somente eles. Quero que, não importa o que aconteça, acredite em mim. Saiba que tudo isso não passou de um sonho. Um terrível pesadelo, e somente eu estou aqui.

_Nós morremos, não foi? Morremos, e nossos espíritos estão se despedindo. Não sei o que está acontecendo, mas acho que faço alguma idéia. Não sei se eu morri, ou se morremos ambos. Apenas sei que algo não está bom. E acho que tenho que falar algumas palavras. Você foi a coisa mais maravilhosa que me aconteceu. O homem da minha vida. Quem sempre sonhei para seguir ao meu lado. Sou grata a Deus por ter me concedido esta oportunidade. Sou a mulher mais completa deste mundo, pois tenho o mais verdadeiro dos amores. Desculpe se fui a culpada disso que ocorreu. Mas obrigada por estar comigo numa hora como esta. E em todas as outras que você esteve. Para onde quer que nossas almas possam ir, por mais distantes que fiquem, eu sempre vou amar você, meu querido Hans Kalymor!

_Há um pequeno espaço no tempo. Uma brecha onde não estamos totalmente vivos nem totalmente mortos. Um pedaço em que nos esquecemos de viver e não nos lembramos de morrer... é quando dormimos. Será lá, Marina, nesse intervalo de vida, quando acordo para os meus sonhos e durmo para minha existência, que estarei te esperando!”

Os primeiros raios de sol da manhã a destruíram. Em seus braços ela se foi, como em uma lufada de vento. E ele se perdeu no abismo de sua própria amargura. A dor chega até mesmo a me corroer. Hans tornou-se uma mera carcaça. Vagou desolado, até esta mesma desolação tornar-se revolta. Ele um cristão, dos verdadeiros, servidor de Deus desde seu nascimento, fora abandonado no único momento em que precisou. Naturalmente a descrença tomou sua alma. E a dor virou atitude. Hans embeveceu-se de vingança, e odiou a Deus por sua ausência. Sua revolta fora tamanha, que contagiou a outros de sua tribo. Um grupo de homens que nada mais tinha a perder, pois tudo já lhes havia sido tomado. Buscaram por vampiros, então. E procurando a morte, naturalmente a encontraram. Deus os abandonou mais uma vez. Fazendo a injúria não somente assolar, mas zombar de sua alma. O abismo tornou-se mais profundo. As lutas foram tantas quantas foram as baixas. A cada brandir de sua espada percebia os gumes de sua fraqueza. De sua reles condição humana. E entendeu que como homem não poderia seguir em frente. Sua busca era maior que sua condição. Então, por uma cilada do destino, ele novamente caiu. Tornou-se imensurável o abismo de sua alma. Um monstro agora. Um morto, um zumbi. Para mim, maravilhosamente belo em sua essência. Um imortal. Eterno em sua dor, banhado em culpas que se perdem nas linhas dos séculos...

“Dei-lhe um forte abraço! Como um filho faz em agradecimento ao seu pai. Senti suas lágrimas se mesclarem às minhas e inundarem um dos lados de nossas faces. Eu amava aquele velho com uma força incrível. Ainda hoje remôo minha alma quando penso no que poderia ser diferente se eu não tivesse fechado aquela porta.”

Despediu-se de Altair...

“Galhos que se projetavam em direção às plantações, que pareciam braços me chamando para não partir. Observei admirado que, nas raízes da árvore, uma forma humana erguia-se como que por encanto. Havia uma figura, fantasmagórica pelo seu modo de surgir, e bela por sua graciosa forma. Uma menina linda havia se conjurado diante de meus olhos, com cachos negros escorrendo em frente de sua face. Numa respiração profunda, puxou para dentro de si não somente ar, mas com ele toda a vida que antes não tinha. Logo, não mais era uma escultura, mas uma criança. Começou a escalar a árvore, como um fruto que deseja voltar à sua mãe. Lentamente, à medida que fugíamos do chão, seu corpo parecia crescer a cada vez que suas unhas e pés se prendiam nas frestas da madeira. Logo, eu estava rindo como há muito não fazia, pois me dei por conta de já ter feito aquilo antes, com aquela mesma pessoa. Marina estava graciosa, e como num leve e implorado sonho, começamos a subir a árvore como crianças novamente. E os anos que vivemos passavam diante de nós, à medida que subíamos, deixando os galhos que ficavam para baixo como testemunhas de cada época. No final, quando as estações do tempo não mais se apoiavam nos galhos, Marina estava como da última vez em que a vi. Ela mantinha o sorriso nos lábios, e com uma alegria infantil pegou-me pela mão. E surpreendentemente se jogou da árvore. Como bailarinos do espaço, de mãos dadas, iluminados pela lua e tendo o trigo como um imenso tapete, cortávamos o vento na velocidade dos pássaros. E esquecendo completamente da altura, nos amamos, cavalgando as correntes do ar. Talvez Deus tenha tentado se redimir, e a tenha tornado um anjo.”

Despediu-se de Marina? Ou talvez a tenha encontrado para somente se despedir mais uma vez?

“Entrei no corredor de árvores retorcidas que dava acesso à porta da frente da casa de Zacchi. O mago apareceu uns passos adentro. O necromante fitou-me de uma forma que nunca havia feito antes. Olhava para mim quase como se não me conhecesse mais, ou como se fosse a primeira vez que nos víssemos. A lua lancinou de uma absurda intensidade. Não, não era mais a lua, mas o sol, que mostrava seus primeiros raios. Virei meu rosto em sua direção, pois o astro ainda não tinha tanta força para me cegar. Por sobre as densas árvores que compunham os arredores da morada de Zacchi, vi, a silhueta, perfeita, de meus pais. Estavam de mãos dadas, lado a lado. Pareciam seres feitos de porcelana. Bonecas divinas. Uma melancólica imparcialidade eclodia naquela imagem. Com um movimento leve, ambos acenaram para mim, em despedida. Tirando minha atenção daquela imagem, o necromante me chamou. E falou palavras ainda mais estranhas do que tudo o que havia acontecido até então.

_Hans Kalymor! Conseguimos!”

E compreendeu que estava, sim, despedindo-se de sua própria vida...

“Você morreu, Hans Kalymor! Era o início desta madrugada. Sua alma deixou este corpo e vagou. A morte é diferente para cada um, assim como sua aceitação. Não sei o que viu, não sei o que sentiu, mas as portas do outro mundo foram ignoradas, por isso está aqui. Você não quis, Hans, entrar definitivamente para o outro lado. Isso é único. E, no meu ponto de vista, uma tolice. Eu o matei, neste mundo, e o impedi de ir para o outro. Não há definição correta para o que se tornou. Você é uma linha tênue, uma corda bamba, o extremo do meio, o início do fim. Um morto-vivo, nem vivo e nem morto.”

Zacchi, o mago necromante que o imortalizou. Tornando-o pior que os monstros que buscava destruir. Bestial por opção, grandioso aos meus olhos, mas miserável por si mesmo. Eis agora o Imortal Kalymor. O extremo desgarradamente sofredor do amor. Agora eterno. Eterno em pecados, eterno em sina. Acima das ordens e leis do tempo. Com infinitas possibilidades de aprender no leito dos séculos. Com este propósito ele desejou a mudança. E foi exatamente assim que ocorreu...

“_Espantosa sua capacidade em aprender! _Disse o mago. _Os livros são devorados numa única leitura. E nada é perdido. Todas as nuances são por você fixadas. Estranhamente não passa de um zumbi, mas o invejo. A incrível grandeza de sua inferioridade. Em pouco tempo será um mago muito mais poderoso do que eu.”

Aprendendo magias do plano dos mortos. Por aí ele começou...

“Quando compreendi minha nova natureza, tudo ficou mais claro. Vi o que realmente somos, o que deve corretamente ser chamado de “eu”. Somos nosso espírito, e o corpo simplesmente nos pertence. A correta definição de alma é que ela é a manifestação de nosso espírito, quando unido ao corpo através do cordão de prata. A alma é nossa personalidade, nossas escolhas, nossa forma de viver este pequeno instante no mundo. A alma é somente uma característica do espírito.”

E não mais parou...

“A alma não se materializa da forma humana, como estamos acostumados a imaginar. Tinha que procurar as maneiras que cada um se via em sua morte. Às vezes eram imensos rochedos, se uma pessoa fosse extremamente conservadora e egoísta, ou uma simples fagulha de luz, quase imperceptível, se fosse de alguém que se achasse muito insignificante, mas com um potencial reprimido, representado pelo fato de mesmo a luz sendo fraca, poderia crescer e se expandir, a ponto de clarear totalmente um ambiente.”

Ele aprendeu. Dominou a morte e suas trilhas. O tempo levou o necromante, seu único companheiro. Outros homens surgiram para seu aprendizado, qualquer um que pudesse contribuir para sua evolução. Desta forma viu um mundo que corria ao seu lado. Acompanhou pessoas que em sua comum forma guardavam grandes essências. Inspirou-se em homens maiores que sua condição. Simples humanos tornaram-se eternos em seus atos.
E nesse ínterim, viu também o extremo oposto de seu conhecimento...

“_Você é contrário a tudo isto que está ao seu redor! _Disse ela. _Adverso de uma maneira que talvez não exista nada mais distante. Possui os olhos da morte, e deseja observar a complexidade da vida.

_Abra meus olhos, então, para o que realmente devo enxergar.

_Tem que aprender a usar seus olhos não somente para captar uma imagem, mas fazê-los com que compreendam esta imagem. Veja com a razão. Veja com inteligência. Existem incontáveis árvores e animais. Você capta cada um como um componente desta paisagem. Esta árvore a nossa frente, por exemplo, você a vê desta forma, não é? Mas quando olha para mim, o que vê? Uma mulher? Uma elfa? É isto que irá me responder. Mas por que não pode me ver, também, como uma árvore? Não posso ser para seus olhos mais um detalhe desta paisagem?

_Não! Você é mais que esta simples árvore. Tanto que pode até mesmo movê-la com seu pensamento.

_Então somos, eu e você, completamente diferentes desta natureza toda que nos cerca? Como pode conceber esta incoerência, estando aqui? Se esta árvore é diferente de mim, como pode precisar deste local tanto quanto eu? Será que ela não o ama de uma forma semelhante à minha? Eu sou esta árvore. Assim como ela também é algo como eu. Sou o ninho que sustenta os filhotes dos pássaros. Sou os galhos onde estão esses ninhos. Sou a chuva que beija a terra, e a terra que é beijada pela chuva. Sou tão poderosa por ser tudo isto, e tão simples por ser cada uma dessas coisas. Sou a última gota de orvalho que escorre da folha que possui esta graça. Assim como todas as outras folhas que continham todas as outras gotas que escorreram, detentoras da mesma graça. Sou os pés que pisam a grama, mas também sou as inúmeras folhas desta mesma grama, que em um imensurável esforço conjunto empurram meus pés para cima. Sou a semente que iniciou isto tudo, assim como o último de seus frutos. Quando seus olhos lhe mostrarem a natureza, em sua real forma, saberá que estará também olhando para você mesmo. Eu, você, aquilo ou isto, são termos que não se aplicam a esta imensidão. Pois tudo não passa de um conjunto. Pode parecer estranho, mas esta é a gloriosa unidade de nós mesmos. Isto é o que quero que enxergue. Pois isto é simplesmente a vida.”

Aprendeu sobre a vida, em seu sentido global. Magias relacionadas à natureza o tornaram muito mais poderoso. Nascimento, morte, renascimento. Todos os pontos ele dominava. Da totalidade, agora restavam apenas as nuances. Procurou então inspiração nas mínimas coisas, que para ele tornaram-se divinas. Viu conceitos simplórios, que os mortais tanto prezam, serem elevados ao extremo. Honra, respeito, virtude. Viu homens abdicarem de suas vidas em prol de uma causa. Normalmente um sonho tolo. Mas por vezes, nessas observações que fazia com freqüência, descobria que a simples vontade de alguém pode ser a mais notória das magias...

“Ajoelhou-se e tateou o chão sem explicação. Queria achar alguma coisa que lhe prendesse a atenção e o fizesse, mesmo que sutilmente, esquecer onde estava. Nos escombros, encontrou uma pequena cruz, símbolo de sua antiga adoração. Fitou-a com amargura, fazendo seus dedos escorrerem pelos contornos do objeto, como se pedissem desculpas. Em sua alma suplicava por perdão, e desejava veementemente ser julgado por aquilo. Arrependeu-se de seus crimes, sabendo que não eram somente os crimes das mortes que causou, pois pecou muito antes disso, quando realizou seus sonhos. Errou, quando se tornou um cavaleiro, e viu que de fato nunca fora um. Quando passou a adorar um deus diferente de suas origens, em prol desse sonho. E percebeu que por ele destruiu o Deus que realmente lhe importava.”

Referindo-se a Ismael, um dos Cavaleiros do Dragão, um não nobre de berço, mas de atos. Que me foram importunos por um tempo. Hans fascinou-se por este homem, o que me levou a finalmente encontrá-lo, para um acordo. Para que ele pudesse destruir o cavaleiro, ofereci ninguém menos do que o vampiro que tomou sua amada. No auge da guerra de maior repercussão na história deste mundo, que nenhum mortal de agora sequer ouviu falar, ele o faria. Mas, o fascínio superou seu desejo de vingança, em prol de uma causa maior que sua dor...

“Poderia atacá-lo pelas costas, sem que soubesse o motivo. Pensei incessantes vezes em Winslet e no trato que fiz com Malberon. Lembrei da face do primeiro, ao me reconhecer em seu cativeiro. Em seus olhos rubros observei a vida de Marina, estampada como lágrimas. Como se de alguma forma estivesse ainda viva, mas presa em seu corpo nefasto. Como se aquele ladrão a guardasse em seu bolso, e como um pingente a chacoalhasse de um lado ao outro, brincando exibido, deixando-me a salivar, parecido com um animal esfomeado. Fitando Ismael, ao mesmo tempo em que fitava minha recordação, e nesta constante troca de imagens, fiquei. Constantemente a figura de um acendia, enquanto a do outro se apagava. E nesse vice-versa macabro, que já passava ante meus olhos como fagulhas, meu ódio crescia, assim como minha admiração. Winslet proporcionava o primeiro sentimento, e Ismael o segundo. E por vezes suas imagens, de tão rápidas que eram, chegavam a se sobrepor. E eu não sabia mais a quem odiar ou admirar. O Cavaleiro fora aos poucos sendo visto como mais uma de minhas vítimas. Cuidadosamente selecionado por seus pecados, merecedor de minha punição. Passei a vê-lo desta maneira, para poder cumprir com minha parte no trato. Desta forma, saí das sombras como um lobo, com fúria e bestialidade. Para trás, ficariam somente as pegadas de minha consciência, esculpidas em areia fina, que fácil e rapidamente se apagariam. Eu em nada me parecia com aquele homem. Jamais teria um resquício de sua integridade, de seu valor. Sua coragem para mim era inalcançável como um esticar de braços na noite, na tentativa de colher uma estrela. Suas escolhas, suas renúncias e seus atos ecoavam como histórias de ninar, contadas a jovens anjos. Assim, já entrando na ponte, com a espada gemendo, eu estava na iminência de fazê-lo, quando, interrompendo, percebi o enorme ogro, que se aproximava com o tamborilar de suas passadas.”

Permitiu que Ismael vivesse. E libertasse o reino dos domínios do Deus-Dragão...

“_A vitória lhe sorri, meu Cavaleiro! Mas ao preço de uma tênue comemoração.

_Por que diz isso? _Perguntou Ismael. _Livramos o reinado de você, e todos poderão viver livres a sua maneira, cultivar suas crenças e tradições. Ninguém mais se curvará oprimido, forçosamente tendo que aceitar a sua religião.

_E qual aceitarão? Acha mesmo que seguirão todos os povos para seus cantos, e reimplantarão seus reinos? Acha que se dividirão por uma razão tão fútil? Jamais irão se desgarrar do que há séculos já está formado. Fragmentar novamente Yarkan significa retroceder, significa perder exércitos e relações. Significa fragilizar.

_Podemos então ainda ser esse reinado, mas admitirmos a religião de todos.

_Não seja tolo, Ismael! São apenas homens e jamais conseguirão caminhar por suas próprias pernas. Dependem de algo superior. São por natureza submissos. Os homens não buscam a liberdade para que possam seguir sozinhos. O que os prende, o que os sufoca, é somente a necessidade que possuem de se sentirem inferiores. São os únicos seres neste planeta que buscam por opressão, mas envergonhados não admitem esta palavra, preferindo se referir a ela como “caminho”. Caminho para a salvação, caminho para o certo. Enquanto os homens existirem, existirá algo superior que os guiará, e jamais o contrário. Fala que eu os oprimi, mas apenas dei o que desejavam. Hoje partirei, mas meu lugar terá que ser preenchido. Eles anseiam por isso. E quem melhor que o Deus que os libertou?

_Não! _Ismael balbuciou. _Não será desta maneira.

_Nada mudará, porque os homens são estúpidos demais para mudar. Há somente um derrotado aqui: você! Pois não livrou ninguém. Apenas trocou um deus por outro...”

Desoladora verdade. Ergueu-se desta maneira, continuando assim até os dias de hoje, o Deus dos cristãos...

E o tempo passou. O mundo mudou. Hans conheceu todas suas terras. Enquanto eu lentamente ganhava espaço entre os homens, que distorciam suas visões. Enquanto eu destruí tudo o que era místico e o que não era humano. Enquanto exterminei todas as espécies na Inquisição, e dizimei a magia. Enquanto eu, e eles próprios corrompiam os ensinamentos de Deus. Fazendo com que, desta maneira, eu os domine, o que por séculos venho fazendo. O mundo é hoje fruto unicamente de meus anseios.

Então, novamente nos encontramos. Meio milênio depois. Em meu apartamento ele se deslumbrou com a decoração. Com os detalhes da história da humanidade, em minhas coleções. Mas nada comparado com o que de mais precioso lhe mostrei. A resposta definitiva para o maior questionamento do universo...

“_O restante é inferior! Esta é sua conclusão agora! E isto lhe permite realizar qualquer pergunta que obterá resposta. E sei o que irá questionar. A mais complicada das perguntas, com a mais óbvia das respostas.

_Quem é Deus?

_Pergunta-me isso, _disse então o vampiro _mas sabe até onde deseja compreender? Posso lhe explicar o “tudo”, mas se o fizer que sentido teria o restante?”

Ele não temeu. Ansiou pela compreensão absoluta. E a teve...

Se agora possui o conhecimento completo, isto não o torna também um Deus? A resposta é não, simplesmente porque ainda se limita a pensar que não o é. Isto justifica o fato de ter se confessado esta madrugada. Caso fosse realmente superior, não deveria explicação a ninguém. Mas por que ele saiu purificado daquele lugar? Por que virou para a catedral e agradeceu? Por que agora ele levita como se suas culpas tivessem sumido?

Penso agora que há uma remota possibilidade de ele ter aprendido ali algo que não fui capaz de ensinar-lhe. Certamente algo que a humanidade não está pronta para compreender. Um ensinamento que estes pobres mortais terão que absorver por seus próprios meios. E sei que nunca o farão. Pois não são capazes de se deparar com seus próprios erros. São incapazes de evoluir.

“Quem diria que um dia eu estaria do outro lado do mundo? Quem diria que existiria o outro lado?”... Talvez haja aqui um sentido ainda mais abrangente...

Fonte:
http://www.escritoresdosul.com.br/

Igor Martins de Menezes em Xeque


Entrevista realizada por Graziely Neri

Nascido no Rio Grande do Sul. Ígor Martins de Menezes levou oito anos para escrever, e agora o livro está sendo publicado pela Editora Insular. Ainda na infância Igor Martins de Menezes, médico residente em São João Batista, colocou no papel suas primeiras idéias. Seu passatempo preferido era desenhar tirinhas expiradas nos personagens da Marvel. A junção de desenhos, texto e idéias se tornou pequena para um caderno e se projetou num livro de 400 páginas, publicado em dezembro de 2007 pela editora Insular.

Como surgiu a idéia do livro?

A idéia vem desde pequeno dos tempos de infância. Eu sempre fui muito aéreo mais gostava de desenhar. Cresci e quando entrei na faculdade não tinha muito tempo para isso, pois achava que devia estar estudando. É claro que também não estudava muito, pois no início da faculdade só queria festa, como todos. Resolvi pegar as idéias dos desenhos e escrever em uma agenda, onde anotava as provas e trabalhos também. Era uma forma de fugir da faculdade e aos poucos a agenda ficou pequena, passou para um caderno e depois para o segundo, quando me dei por conta que era mais fácil digitar.

Qual foi a trajetória do livro desde a criação até a publicação?

Comecei a digitar dois anos depois de começar, eu imprimi e ficou no formato de uma apostila, até então quase ninguém sabia o que eu escrevia. Ocorreu um episódio em que a família estava na casa da minha avó, na Cachoeira do Bom Jesus. A minha tia havia acabado de almoçar e iria dormir, mas queria algo pra ler entreguei o meu livro. Ela não conseguiu dormir e leu até o final, isso me inspirou a publicar.

Quanto tempo você dedicava ao livro?

Eu demorei muito para escrever por causa da faculdade tinha épocas em que eu ficava meses sem escrever, por causa dos semestres difíceis do curso. Foram uns quatro anos escrevendo. Depois de decidido que iria tentar publicar, entreguei o que já tinha feito ao meu pai, ele é professor de português.

Foi difícil fazer essa correção?

Levou mais de dois anos fazendo isso, essa foi a pior parte, pois ele tinha que corrigir uma frase, sem que ficasse de uma forma que ele escrevesse, ele tinha que manter a minha idéia. Essa parte foi estressante, mas muito boa, pois já estava formado e trabalhava o dia todo, e as noites eu ficava com ele. Tivemos um contato tão intenso que muitas noites eram eu e ele, umas cervejas, uns jogos do grêmio e churrasco. Conseguimos publicar em dezembro de 2007.

Porque a escolha de ser médico e não fazer línguas ou jornalismo algo ligado a literatura?

Eu sempre fui mais quieto, mais de observar. Fiz medicina pra fazer psiquiatria. Só comecei a escrever depois que passar na faculdade, talvez se eu tivesse feito jornalismo ou línguas, não teria escrito.

Quais os próximos projetos para o livro?

Primeiramente a divulgação das mais variadas formas. Esse ano, isso é extra-oficial, o colégio catarinense vai adotar o livro no currículo. Vou também fazer a Coperve adotar no currículo do vestibular. Isso é apenas um sonho.

O que você encontra no livro O Imortal Kalymor:

O livro conta a história de um homem (Hans Kalymor) que procura a Catedral Metropolitana de Florianópolis para realizar uma confissão sobre inúmeros crimes que ele cometeu por causa de seu amor perdido. Na busca por vingança, por um acaso do destino ele se tornou imortal e percorreu oito séculos de lutas, sofrimento e busca por um sentido em sua eternidade. Nessa caminhada, o personagem se deparou com diversos seres, místicos ou humanos, sempre na procura de conhecimento e sabedoria sobre diversos aspectos da vida, do amor, da honra, de guerras e evolução de si próprios, inclusive uma explicação plausível sobre o que seria Deus e as leis do universo.

Fonte:
http://meucursominhavida.wordpress.com/2009/05/29/o-imortal-kalymor/