sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 12. Conto de Escola)



Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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Conto de Escola, de Machado de Assis, narra o primeiro contato de um menino, Pilar, com a corrupção e a delação. O conto segue a tradição do estilo com que Machado de Assis se apresenta como memorialista.

O conto apresenta uma linguagem simples, frases curtas, mas de grande impacto, apresenta antíteses (idéias diferentes), paradoxos (idéias contrárias em equilíbrio) que fazem com que o conto pulse. Mostrando bem como Machado de Assis procurava entender a alma humana e como as relações humanas interferem na essência e na aparência.

O personagem tem sua lição de vida, através da corrupção e da delação, recebendo seu castigo e levando-o a reflexão e ao arrependimento, mas deixando bem claro que “cada um tem seu preço”, que o ser humano sempre acaba se vendendo.

Além de fazer parte de um livro que se considera como o apogeu da narrativa curta machadiana, Várias Histórias, o conto possui também valor estilístico próprio e características distintivas, já assinaladas pela crítica: apóia-se, muito provavelmente, em reminiscências da infância, harmoniza a narrativa de personagem com a narrativa analítica e concentra seu foco crítico e reflexivo sobre a formação do caráter. Trata-se de um conto sobre educação e sobre a escola.

Ambientado no Rio de Janeiro de 1840, Conto de Escola é resultado das reminiscências nada agradáveis de Pilar, seu narrador-protagonista, em relação aos tempos de primário. Narrado em primeira pessoa, o conto inicia-se com uma precisa indicação de data e de local:

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de l840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. (Machado de Assis, 1959b, p. 532)

Pilar (o narrador quando criança), hesitante entre os espaços livres e abertos, locais para brincar, acaba optando pela escola. Motivo da opção: o castigo que o pai lhe aplicara (uma sova de vara de marmeleiro), por ter faltado duas vezes às aulas. Já na escola, recebe de outro menino, Raimundo, filho do mestre, uma proposta: trocar uma explicação por uma moeda de prata. Outro aluno, Curvelo, vai ao mestre e delata os colegas. O severo professor, Policarpo, castiga os meninos, batendo neles com a palmatória. Pilar promete vingar-se, mas Curvelo foge com medo. No dia seguinte, após sonhar com a moeda, Pilar sai com a intenção de procurá-la, já que o mestre, antes da punição, a havia atirado à rua. Estando a procurar a moeda, Pilar se sente atraído por um batalhão de fuzileiros. Acompanha-o e depois retorna para casa sem moeda e sem ressentimentos. Adulto, o narrador, rememorando esses fatos, salienta que Raimundo e Curvelo foram os primeiros a lhe mostrar a existência da corrupção e da delação. O conto mostra de imediato o problema da relação entre professor e alunos, bem como o problema da formação moral.

O narrador-protagonista, Pilar, tem uma inteligência superior à dos seus companheiros de sala. O problema é que o seu comportamento não é nada recomendável, principalmente pelo fato de estar acostumado a cabular aula. No momento tratado pela narrativa, só não tinha ido cabular porque havia apanhado do pai, que descobrira essa falha.

Interessante é notar neste conto que a escola, apresentada como prisão, algo sufocante, acaba preparando de fato a personagem para a vida, mesmo que de forma torta.

Como visto, tudo começa quando Raimundo, o angustiado corruptor, filho do mestre, oferece uma moeda a Pilar, seu colega de classe, em troca de umas lições de sintaxe. Curvelo, o delator que era um pouco levado do diabo, os denuncia ao professor e ambos, Raimundo e Pilar, são violentamente castigados com doze bolos de palmatória cada.

Conto de escola não é de estilo propriamente machadiano, pois em seu conteúdo destaca-se a esperança. Isto é, existe a possibilidade de que, na inocência das crianças, o rumo ético e político da nação possa ser mudado, seria a representação da idéia de que as gerações seguintes poderiam vir a ser mais honestas e de bom caráter. O autor demonstra tal posicionamento a partir do instante em que descreve o fato de o som de um tambor, juntamente da marcha militar, se tornar mais importante, aos olhos de Pilar, do que uma moeda de prata, cuido que doze vinténs ou dous tostões. Dessa forma, Machado deu um final puramente lírico ao conto, fazendo com que a batida do tambor induzisse o herói a abandonar a idéia de vingança contra Curvelo e desistir de encontrar a moeda, representando assim a alegria e a inocência da criança.

Entretanto, pode-se discordar de tão inocente interpretação. Ora, por que então Machado iria se importar em caracterizar o tambor, no final da história, como o diabo do tambor? Crê-se que nesse termo se faz presente, mais uma vez, bem como nas demais obras da chamada segunda fase, o pessimismo e a ironia do autor. Pois, considerando-se que o conto foi narrado em primeira pessoa do singular, trata-se, portanto, do relato feito pela personagem sobre suas lembranças em um determinado momento de sua vida. Pode-se afirmar que há a presença do arrependimento de Pilar por não ter pego a moedinha de prata, já que o narrador refere-se ao tambor fazendo uso da palavra diabo, como se o instrumento musical fosse o culpado pela distração da personagem, conseqüentemente da perda do lucro. Tem-se então o ponto de vista de um adulto que, caso a mesma situação se repetisse em dias atuais, provavelmente voltaria para pegar a moeda, o que reforça a idéia da perda da inocência a medida em que o ser humano aproxima-se da fase adulta. Logo, é descoberta, nessa situação, o pessimismo machadiano, em que há o desmoronamento de uma ilusão: a de que as crianças representam a possibilidade de um futuro melhor e mais justo para a humanidade.

Pode-se afirmar que Pilar se sentiu na obrigação de ajudar Raimundo, por ser este seu amigo. Porém deve-se deixar claro que, conforme o próprio Pilar afirma, teria ajudado o filho do mestre de qualquer modo, sem que este precisasse lhe dar algo em troca. Tem-se, neste pensamento, a solidariedade e o senso de companheirismo, considerados pela sociedade, em geral, características de um bom caráter.

Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era a lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria (...), mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo. (MACHADO, 1997, p. 107)

Como observa-se, a corrupção presente nesse conto de Machado, é representada pelo ato de Raimundo em pagar seu amigo, Pilar, para que este lhe ensinasse, às escondidas, o conteúdo desejado, na implícita condição de que ambos assumissem, frente ao mestre e aos colegas, a melhora das notas do primeiro como sendo único e exclusivo mérito seu. O ciclo da corrupção se completa com o aceite da proposta por Pilar. Mas, então, surge a possível pergunta do leitor perante tal situação: seria Raimundo uma criança de má índole? O que o teria levado a tal ato?

O autor utiliza-se de um realismo sutil que permite ao leitor atento uma interpretação mais detalhada da situação. Ele fornece pistas ao longo da história que ajudam o leitor a formular hipóteses, as quais podem levá-lo a conclusões mais precisas. Por exemplo, no caso de Raimundo, poderia explicar-se a ação do filho do mestre baseando-se na idéia do medo que o mesmo sentia do pai. Medo de levar uma surra de palmatória frente a possíveis notas baixas e, conseqüentemente, medo da humilhação que sentiria perante a classe. Já que, conforme o próprio narrador afirma, Raimundo era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco. Além do medo ao pai, existe a idéia da gratidão ao amigo. Na sociedade brasileira, tem-se o costume de dar presentinhos frente a um favor como forma de agradecimento. Portanto, não seria incorreto afirmar que Raimundo usou-se da moeda de prata não somente para garantir uma lição bem dada, conforme demonstrado na citação anterior: o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria (...), mas também para demonstrar ao amigo consideração.

Embora a cena mais dramática do conto tenha se desenrolado no episódio ocorrido em sala de aula, esta serve apenas como ponto de contraste com a liberdade a que o protagonista tanto almejava nas brincadeiras de rua. No final, o que importa é que se conhece um pouco do que foi a infância para este narrador-personagem e como ele reagia ao mundo que o cercava: “Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso, nem ressentimento na alma”.

O narrador, personagem central, não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um centro fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos.

As cenas da infância são rememoradas por Pilar adulto, que as transmite ao leitor, captando as suas próprias impressões, reações, pensamentos e sentimentos na época em que tudo aconteceu. Há, então, uma (re)construção do enunciado, ou fato narrado, que se dá no passado, durante a infância de Pilar, e toda a história chega ao leitor por meio da enunciação, ou seja, a instância produtora do discurso narrativo, qual seja: o discurso do narrador.

O dialogismo presente em Conto de Escola

Viu-se como o narrador-protagonista Pilar constrói sua imagem perante o leitor: não era um menino de virtudes. Esta é uma das primeiras informações que dá sobre si mesmo. E ao falar de si, falou muito sobre seu pai.

Vê-se como o autor trabalha essas relações bivocais. Neste primeiro momento observa-se a oposição pai versus filho. O filho só se entende como tal em contraste com a figura paterna. Mais adiante, a relação dialógica se dará na comparação de si mesmo com o colega Raimundo, sobre quem afirma:

era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas para reter aquilo que a outros levava trinta ou cinqüenta minutos (...) Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre” (ASSIS, 1980, p. 190).

Note-se agora como o narrador descreve a si próprio:

Custa-me dizer que eu era um dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos” (ASSIS, 1980, p. 190)

Faz-se nítida a relação dialógica construída entre Pilar e Raimundo. E este último reconhece a “superioridade” do protagonista ao pedir-lhe explicação sobre um ponto da matéria dada.

A construção dos ambientes presentes na narrativa também se dá por confronto: o espaço da escola versus o espaço da rua. Recorde a passagem em que, arrependido de ter ido à aula, Pilar observa o movimento na rua:

Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos” (ASSIS, 1980, p. 191)

A imagem liberta do papagaio de papel, voando no “claro céu azul” contrasta com o espaço da sala de aula, onde se devia sentar de “pernas unidas”. O narrador recorda-se da escola como uma prisão.

O delator Curvelo também é construído em contraste com os meninos da rua: “Esse Curvelo era um pouco levado do diabo” (ASSIS, 1980, p. 191) e “Olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau” (ASSIS, 1980, p. 193).

Curvelo personifica na narrativa de Pilar o diabólico, o caráter obscuro do ser humano. Por outro lado, tem-se: “pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano” (ASSIS, 1980, p. 190). Interessante que, ao dizer “pensava nos outros meninos vadios”, o narrador-protagonista transmite mais uma informação sobre si: Pilar também era um vadio. E a vadiagem para ele tem uma conotação positiva, já que esta se atribui à “fina flor do bairro e do gênero humano” e se mantém em contraponto à aplicação dos meninos que se encontravam em sala de aula: Raimundo é o corruptor e Curvelo, o delator. Nas entrelinhas, consegue-se perceber o quão imbuída de valores e significações é a obra de Machado de Assis.

A figura do professor Policarpo torna-se mais um alvo do crítico olhar machadiano, que se faz presente na enunciação de Pilar. O professor poderia representar aqui as instituições de ensino como um todo:

Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído.
Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais
” (ASSIS, 1980, p. 190)

A descrição nos apresenta uma figura em decadência, que lia todo o jornal durante a aula, enquanto cheirava rapé, e que ameaçava constantemente os alunos com a palmatória.

Tensões da narrativa

Vê-se que Conto de Escola é um conto de formação da personalidade do personagem Pilar, onde através da aprendizagem, acontece a quebra da inocência. Esse conto apresenta muitas tensões, as quais são muito importantes para a “formação de Pilar”. A dúvida está presente em todos os momentos, Pilar é um personagem que vive em completa hesitação, já no primeiro parágrafo do conto, pode-se observar a primeira tensão, onde ele começa a narrativa situando o leitor no tempo e no espaço, e já apresentando a sua primeira hesitação:

Hesitava entre o “morro” de S. Diogo e o “campo” de Sant’Ana...”. “Morro ou Campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola”.

Nesse parágrafo, já se pode observar as contradições e dúvidas presentes no personagem, onde também os elementos “Morro” e “Campo” são muito significativos para o conto e para expressar os sentimentos do personagem Pilar, porque o “Morro” representando um lugar de emoções altas e o “Campo” de emoções baixas, mas o personagem acaba ficando no meio termo e decide ir pra “escola”, que também é outro elemento que traz um grande significado para o conto, pois a escola é onde se aprende os sentimentos elevados e sentimentos baixos.

“Com franqueza, estava arrependido de ter vindo.” “Agora que ficava preso ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios,...”. Pode-se perceber aqui mais uma vez a dúvida e o desejo de estar livre, assim como os meninos vadios, mas como ele vive da aparência e não a essência, ele não consegue fazer isso, vivendo em constante hesitação pela preocupação em manter as aparências. Já os meninos que ele cita, já viviam na essência, como se percebe claramente através da sua descrição, “... a fina flor do bairro e do gênero humano”. Durante esse parágrafo inteiro temos presente a tensão liberdade x aprisionamento, demonstrada pelas idéias contraditórias do personagem. “Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento (símbolo da liberdade), um papagaio de papel (outro símbolo de liberdade)...”; “E eu na escola sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e gramática nos joelhos (idéias contraditórias liberdade e prisão)". Nesse parágrafo também temos presente a tensão “consciência e desejo”, a consciência faz com que ele vá para a escola, e mesmo estando arrependido ele está lá, mas tem o desejo de estar livre, uma luta entre consciência (aparência) e desejo (essência).

A tensão “honestidade e corrupção” começa a ser apresentada, quando Raimundo quer pedir algo à Pilar. Curvelo começa a observá-los, como podemos observar: “Olhei para ele; estava mais pálido”. “... lembrou-me que queria pedir-me alguma cousa...”; “Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado...”. Uma característica presente em o Conto de Escola é a construção através do olhar.

“... mostrou-me de longe...”; “... mas era uma moeda e tal moeda que fez pular o sangue no coração”. “Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois me perguntou se a queria para mim”. Nesses fragmentos podemos observar que o processo de corrupção já foi despertado, e o desejo pela moeda também.

Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços, ele me daria à moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe”. “E concluiu a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...” (corrupção x desejo).

Começa assim a primeira lição para Pilar, a aprendizagem pela corrupção, ele se vende por dinheiro, cai em tentação, passando então por um processo de crescimento, como se pode observar no seguinte fragmento: “Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro...”

Acontece nesse parágrafo também, o processo de enganação por dinheiro. Mas Pilar tenta dar uma explicação para sua corrupção: “Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que Raimundo, não tendo aprendido recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes...”; “... o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada e não aprender o que queria...”; “...parece que tal foi a causa da proposta”.

O pobre diabo (Pilar usa essa expressão para se referir a Raimundo, por este estar corrompendo-se) contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia...”; “...pegou dela e veio esfregá-la, à minha vista, como uma tentação...”. “Realmente era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...” Ele faz aqui um balanço do conto, e tenta provar sua honestidade.

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la”, (idéias contrárias novamente). “Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia?” Nesse trecho Pilar faz jus ao ditado “o que os olhos, não vê, o coração não sente”.

De repente, olhei para Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau”. Aqui fica clara a maldade e inveja de Curvelo, levando o personagem Pilar a um tempo psicológico, onde as horas parecem se arrastar e ele começa a devanear; “... no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele...”.

Seu devaneio é interrompido pelo grito do mestre chamando-o, começando aqui uma tempestade para Pilar e Raimundo. “Fui e parei diante dele”. “... enterrou-me pela consciência dentro de um par de olhos pontudos...”. “Toda a escola tinha parado...”.

Curvelo o delator de Pilar e Raimundo, faz com que a máscara da aparência caia, tendo sua essência invadida, o “pilar” tão sólido desmorona.

No seguinte parágrafo tem-se mais uma vez a tensão inveja, através de Curvelo, que comete a delação, pelo fato de estar tomado pela inveja, mas arrependendo-se depois por ver o castigo que o mestre aplica a Raimundo e Pilar: “... pode ser até que se arrepende-se de nos ter denunciado; e na verdade, porque denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?” Bem demonstrado aqui, que a inveja muitas vezes domina o ser humano, levando-os a cometer “atos” movidos pelo simples desejo de prejudicar, sem que tenha lucro algum.

Simbologia no conto

Os elementos simbólicos vão compondo o conto e fazendo com que através deles possamos interpretar o conto de várias formas. Todos os elementos simbólicos são muito importantes, e eram pensados por Machado de Assis, de maneira que oferecessem uma leitura plurissignificativa, pois através da análise desses símbolos o conto pode ter várias interpretações.

Começando pelo título, temos o “Conto de Escola”, conto enquanto gênero literário e conto no sentido de enganação, “conto do vigário”.

O nome do personagem principal é “Pilar”, porque representa algo sólido, forte, inabalável, que ainda não foi corrompido.

O nome do mestre é “Policarpo”, (Poli – vários – carpo – frutos), homem de vários frutos.

O papagaio é para Pilar o símbolo da liberdade, expressa o desejo de estar livre, porque o papagaio voa livre pelo céu, enquanto ele está preso dentro da sala de aula na escola, de onde ele vê a “liberdade” pela “janela”, essa representando as grades de uma prisão, de onde ele vê a liberdade, mas não está livre, porque as paredes e a janela são uma barreira, impedindo-o de estar livre, como podemos observar no seguinte fragmento: “... vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu...”, “... um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba”.

A palmatória, ao mesmo tempo que representa a opressão, um instrumento usado para castigar, acaba representando também a liberdade pois estava pendurada perto da janela (símbolo por onde Pilar vê a liberdade), como podemos observar: “O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória”. “... pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo”.

A pratinha simboliza o desejo, a ganância, a tentação é o que leva o personagem Pilar à “corrupção”. Para Pilar a pratinha é muito importante, pois ele nunca teve uma, o desejo de tê-la leva-o a aceitar a troca de serviços entre ele e Raimundo. “... era bonita, fina, branca, muito branca...”; “E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante...”.

O relógio representa a “tortura” para Pilar, pois as horas parecem se arrastar, levando o personagem a um tempo psicológico. “Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes...”.

Ao final do conto, o batalhão de fuzileiros acaba simbolizando o restabelecimento da ordem, pois o texto começa com a ordem, passa para a desordem e ao final a ordem é restabelecida. “Na rua encontrei uma companhia do batalhão (ordem) de fuzileiros, tambor (consciência) à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto”. “Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor (consciência)...”.

E Pilar que havia saído de casa para procurar a pratinha que o mestre havia jogado na rua da escola, acaba desistindo e segue o batalhão, ao rufar do tambor, ao final da tarde volta para casa todo sujo, sem a pratinha no bolso, e sem ressentimento na alma. “Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, e depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem a pratinha no bolso nem ressentimento na alma”.

Machado permite que se conclua que o ato corrupto, representado no conto, tenha sido uma conseqüência do medo de Raimundo por seu pai. Portanto, deixa claro que a culpa não pertence somente às crianças envolvidas, mas também ao professor. Machado mostra com isso que as ações individuais podem ser frutos de um convívio social, sendo que não se pode culpar apenas uma ou duas pessoas, mas grande parte delas, por determinadas situações.

Ao final desse conto, analisando de maneira otimista, todo o processo pelo qual Pilar passa percebemos que até mesmo as crianças são capazes de se corromper, mas dentro de sua pureza e inocência, acabam seguindo a consciência e deixando as coisas materiais de lado, por isso Pilar ao final do conto acaba preferindo seguir o som do tambor (que representa sua consciência) e indo brincar, desistindo de procurar a pratinha e de se vingar de seu delator Curvelo. Adquirindo a consciência de que foram Raimundo e Curvelo que lhe deram sua primeira lição de vida, um o da corrupção e o outro o da delação.

E uma outra maneira de interpretar também o ato da corrupção no conto, é que Raimundo só fez a proposta a Pilar, por medo de ser castigado pelo pai, então recorre à pratinha num ato de desespero para fugir ao castigo, não porque realmente quisesse corromper Pilar.

Conto de Escola pode levar a muitas interpretações diferentes, mostrando assim como Machado trabalhava suas histórias, de maneira tão profunda, que fica impossível uma interpretação única para suas obras, revelando sempre um senso profundo da complexidade do homem e das contradições da alma.

Fontes: Milene V. Kloss, mestra em Literatura Comparada - UFSM Amanda do Prado Ribeiro - Bacharel em Língua e Literatura Alemã e mestra em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura (UFF) Márcio Roberto Pereira, professor de Teoria da Literatura - Fac. Int. de Ourinhos.
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Continua… Análise do Conto “Um Apólogo”
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.122 e 123)


Duas Trovas Nacionais

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
(OLGA AGULHON/PR)

Meu coração é uma rua -
bem fechada, já se vê -
por onde transita... nua,
a lembrança de você.
(DODORA GALINARI/MG)

Duas Trovas Potiguares

Quando as sombras do poente
deitam no mar que desmaia,
um langor envolve a gente
na branca areia da praia.
(FRANCISCO BEZERRA/RN)

Ninguém deve se arriscar
no amor, se inconsequente:
– Como pode a gente amar
quem não pode amar a gente!?
(DORINHA RABELO/RN)

Duas Trovas Premiadas

1994 > Niterói/RJ
Tema > MITO > Menção Especial

Esporte... ciência... arte...
no campo em que se apresente,
o mito, sempre que parte,
leva uma parte da gente...
(WALDIR NEVES/RJ)

Os sonhos que acalentei,
nos tempos de mocidade,
foram nuvens que soltei
no céu de minha saudade!
(MARIA CARRIÇO/RN)

Simplesmente Poesia

PEREGRINAÇÃO.
– José Lucas de Barros/RN –

Foi numa tarde de estio
que eu saí de mundo afora,
pagando caro, toda hora,
o meu louco desafio.
Fiquei longe do meu rio,
pelo qual meu peito chora.
Ai, campos de doce aurora,
de sol bonito e bravio!
Por esses dias tristonhos,
minha bagagem de sonhos
foi ficando pela estrada.
Salvei muitas esperanças,
mas, na mala das lembranças,
há tempos não cabe nada.

ROSEIRA PARAÍSO.
– Francisca Alves de Sousa/CE – (Dona Nêga)

Flor, ainda não acabaste de nascer
e já procuras colorir o teu viver,
com as cores da dor e da paixão.
Guarda teu perfume flor querida!
Ainda estás a um passo da vida.
Ainda és meia flor e meio botão.
Guarda teu amor feito em perfume
porque o espinho agudo do ciúme,
está juntinho de ti em tua haste.
Deixas que Deus escolha teus caminhos
para que não sintas a dor destes espinhos
que vivem a ferir por toda parte.
Esta é a voz da mamãe flor,
que de tanto dá o seu amor,
ficou presa na haste, entre os espinhos.
E hoje vive e espera com um sorriso
que tu sejas a Roseira Paraíso,
a florescer por todo o seu caminho.

Duas Trovas de Ademar

Para alcançar o perdão,
no reino da eternidade,
vão julgar meu coração
no Tribunal da verdade!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Lágrima... Um rio dolente,
que num trajeto imperfeito,
afoga os risos da gente
nas margens sujas do leito...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Tive culpa, não o nego.
Naquele primeiro abraço,
eu transformei em nó cego
o que era apenas um laço
(JOÃO PEREIRA DA SILVA/MG)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Estrofes dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Uns nascem para ter sorte
outros pra levar açoite,
o viver da cor da noite
não lhe dá qualquer suporte.
Vivem só pedindo a morte,
tudo que faz dá errado.
Quando chove em seu roçado,
nasce joio, em vez de milho,
ó mãe! Pra que tanto filho?
devias ter abortado!...
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Sonetos dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Geraldo Amâncio/CE
EU QUERO

Eu quero o som de etéreas orações
nas catedrais da fé sedimentada,
e a crença pura em Deus sem ser atada
ao nó ferrenho das religiões.

Vaga-lumes flutuando em procissões
deixando a noite suave iluminada.
Eu quero arco-íris na manhã raiada
bordando a aurora com irradiações.

E depois de escutar pelas campinas
o sussurro das brisas matutinas
quero ouvir a heróica melodia

da canção libertária dos kilombos,
e placidez de um revoar de pombos
enchendo o céu de paz e de poesia.

– Geraldo Lyra/PE –
O ABRAÇO DO CRISTO REDENTOR.

O Cristo, com seus braços bem abertos,
abençoando o Rio de Janeiro,
faz o gesto de amor ao mundo inteiro,
da Patagônia aos longes dos desertos...

Porém, Salis/Di Caro, muito espertos,
nos dão o vídeo e abraço brasileiro,
pois, simboliza o Rio verdadeiro,
terra do Bem e dos destinos certos...

Emocionante cena de carinho,
a quem a Vê, com sua alma enternecida,
lembra de Deus - seus atos de ternuras

que devemos a todos do caminho,
nesta passagem breve a ser vivida,
como ensinou Jesus, nas Escrituras!

Fonte:
Ademar Macedo

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Jorge Saraiva Anastácio (Maringá e o Pôr-do-Sol)


O por-do-sol de Maringá é um hino gracioso ao Senhor do Universo; um desafio à natureza morta e um poema indescritível aos olhos humanos.

O esplendor, em êxtase, se queda ao contemplar, no horizonte, o panorama da luta agressiva das trevas com os venábulos solares.

Verdadeiramente nesta hora crepuscular, em que a luz do dia se extingue paulatinamente, em um repto à arte humana, o coração dos telúricos se transborda em esperança e ideais, à espera dos devaneios, que envolvem o íntimo do espírito.

É a hora, sem dúvida, das reflexões, O momento em que a mente se mergulha no infinito das indagações, à busca de meios que deem soluções a problemas, aparentemente invencíveis aos seres racionais.

Mesmo assim, indiferente aos entes inteligentes, a auréola de luz vermelha se esmaece, dando um sentido de mutação às coisas; os pássaros procuram os ninhos; as plantas se contraem, como um desafio ao dia ou como se despedissem da claridade para o sono profundo e misterioso da noite.

Na manifestação desse fenômeno de estertor, tudo é silêncio: as folhas não farfalham; as aves não gorjeiam; os galhos não crepitam e a luz, símbolo da vida, cede ao arremesso violento das trevas. Já na ausência dos matizes solares, desponta a noite soberba e sôfrega, sob a magia das estrelas coruscantes, que geram estro aos poetas, deleitam as crianças, embriagam os filósofos e os cientistas do Cosmo.

Este é, pois, o crepúsculo vespertino maringaense, em cujo espaço terrestre a tarde e a noite se fundem em autêntico painel, cuja descrição nenhum artista poderá jamais reproduzir, seja pelo pincel da inteligência, seja com os recursos da Arte, por ser, a obra-prima da sabedoria do Criador.
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Sobre o Autor
Nascido em Rio Pomba, Minas Gerais, em 27 de maio de 1934. Professor Universitário da UFJF, aposentado, Advogado militante em comarcas mineiras. Contista, cronista, historiador, articulista e poeta.

Membro de entidades lítero-culturais, dentre as quais o Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora/MG; Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM); Ordem Brasileira dos Poetas e Poetisas Sonetistas (OBRAPS- Camaçari/Bahia); International “Writers and Artists Association”, de Bluffton/USA; “Membro Emérito” da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete/MG; Academia de Letras da Manchester Mineira; Academia de Poetas e Prosadores de Minas Gerais e Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, de Brasília/DF.

Participa de várias antologias nacionais e estrangeiras. É Verbete no Directory Of International Writers and Artists,” de Bluffton/USA (1999) e do Dicionário Bibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos, Adrião Neto (1998). Possuidor de diversas medalhas de ouro, prata e bronze; destaque especial; certificados e de outros títulos honoríficos, conferidos por entidades literárias, por trabalhos literários em prova e verso.

Fontes:
- Texto extraído da Revista Tradição, cedida pelo seu editor, Jorge Fregadolli. Maringá,PR. Ano XXX - n. 336 - dezembro de 2010. p. 26.
- Biografia cedida pelo autor.

Daniel Campos (A Lenda do Sabiá)


Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou barquinho de papel, passou ingá, passou carinho de Iemanjá... E a estrela caída do céu a correnteza levou. Levou pra terra dos botos, dos brotos e das sereias. Eê rainha do mar... Entonteia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou chuva de corrupio, passou vento de assobio... E quando menina marilene chegou, uma sirene ordenou e a correnteza parou. Chegou com cabelo dourado e olhos alaranjados que até o velho sabiá, gaguejou: Eê Oxum... Vê se me ajuda a voar.

Sabiá cantou lá na beira, o rio virou... E as flores, os barquinhos e os ninhos voltaram do mar. E veio até cavalo marinho cavalgando de lá. Veio arraia, veio golfinho, veio conchinha só pra enfeitar o vestido de louça da moça de corpo rosa chá. Ah! Oxossi abre os caminhos do bosque... O amor vai chegar.

Sabiá voou e cantou em dó flechado por um pataxó, ou por um guarani ou por um cupido carimbó. Sabiá caiu no rio e sumiu num fio de luar pra mó de nunca mais voltar. Tudo porque a menina entrou no rio de vestido branco balonê e se engravidou do canto daquelas águas como quem diz: E baluaê... O amor há de vingar. Eê Xangô... Vê se me devolve pro ar.

O céu desvirginou quando a menina cantou na beira do rio. Sol relampejou, lua trovejou e o rio transbordou. E o destino de cá e de acolá, junto do lá do sabiá, a correnteza carregou. Menina deitou, dormiu, sonhou nos braços de um tempo que, de tanto amor, pecou. Ôo Oxalá... Clareia seu candiá que o dia serenou.

O rio se levantou e alecrins, cupidos, querubins, gemidos sustenidos e passarins passaram num bloco de ganzá enquanto o mundo passava em marilene ma ri lê neá. E eram arlequins e colombinas em línguas de serpentina sem começo e sem fim. Eê Iansã... Cadê a manhã, cadê o perfume de jasmim, cadê o ciúme da maçã?

Lua cheia sangrou e o mundo chorou nas mãos da parteira que a correnteza carregou pra beira. E do ventre poente daquela menina raiou o amor ardente do canto do sabiá. Oô axé Oxumaré! O di lá, saravá rei Oxalá! E quem nasceu cresceu amou voou sonhou cantou na areia do rio. Oô menina, rainha do mar, incendeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Fonte:
http://www.danielcampos.biz/textos/exibe/linhas/a-lenda-do-sabia

Efigênia Coutinho (Deixa Acontecer...)


Na conjunção da vida, quero te falar.
Falar coisas que vêm do meu coração
E como o vento eu quero te acariciar,
Quero te tocar com suave emoção.

Quero o meu sentimento te oferecer.
E no teu dia - a – dia sob o Sol de verão,
Sentir o teu cheiro em cada amanhecer,
Deixar-me viver um lindo sonho de sedução.

Quero fazer um ninho em teu pensamento
E respirar a brisa que acaricia o teu sorriso.
Quero ouvir suave a voz de teu sentimento,
Para eu sentir todo o sabor de teu paraíso.

Quero sentir tua pele a minha pele tocar,
Descobrir que o tempo será nosso aliado
E numa troca de desejos nos fará delirar,
Deixando acontecer este sonho dourado.

Fonte:
A autora

Aparecido Raimundo de Souza (Promessa)


O teu olhar me enleva
e me leva
para o mundo
encantado
dos sonhos
realizados.

O teu olhar
completa
o meu olhar
o espaço
o tempo
os corpos
desaparecem
e tudo
é perfeito
ao fitar
o teu olhar.

A promessa
do teu olhar
expressa
a promessa
do meu olhar
e desejo
que entendas
como eu entendo
o que falamos
ou deixamos
de falar
pelo olhar.

A promessa do teu olhar
faz-me ver
o paraíso
na Terra
o teu olhar
que se estende
ao meu olhar
se funde
na promessa
de um olhar terno
e belo.

Meu olhar
queda-se
no teu olhar
e vive por um momento
lampejos de luz
que aquecem
vibram
e antevêem
o ardor
de uma paixão
vindoura
que agora
é só promessa.

Fonte:
O Autor

Roberto Pinheiro Acruche (Meus Poemas n. 9)


OBRA DIVINA

Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minudenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

ABSTINENTE

O que mais ambicionas que eu faça
para receber de ti o que sonho?
Vendo-te tão reservada, suponho...
Que nessa união, não sintas mais graça.
Por que insistes negar-me o teu carinho
se a ti me entrego com amor e ternura,
e deixas-me sentir a desventura
de estar só, mesmo não estando sozinho?

Imploro teu amor... e abstinente...
Já rezei, chorei, pedi pôr favor...
Contudo persistes indiferente.

Rejeitado, vou padecendo a dor,
aprisionado por este amor,
transformado num pedaço de gente!

PALHAÇO

Eu sou palhaço!
Eu sou palhaço!...
Você na está vendo?
Eu sou o palhaço que brinca,
que ri e que chora!

Brinco porque tenho alma de criança,
divirto pelo prazer de fazer sorrir...
De fazer sorrir a criança alegre,
a criança triste,
a criança que tem e a que não tem brinquedo.

Mas eu também choro!
Eu choro!...
Eu choro pela criança abandonada,
pela criança que sofre,
pela criança maltratada,
pela criança que tem fome,
pela criança incompreendida,
pela criança violentada.

Mas eu continuo palhaço
da cara pintada
fazendo dá risada.

Eu tenho que alegrar a criançada!
Viva... Eu sou palhaço, no circo
ou aqui fora,
não importa o lugar e a hora,
eu sou o palhaço
que brinca, que ri e que chora.

CONTRA PONTO

Quando a saudade aperta
e o ciúme rasga o coração,
entre a raiva e a paixão...
travado no silêncio,
no momento mais forte
da imaginação...
Xingo-te, injurio-te,
ofendo-te com as mais agressivas
e insultuosas palavras.
Chamo-te, de cortesã,
devassa, meretriz,
safada, ordinária, vadia...
Mas quando me procuras
enlouquecida de desejo...
atiro-me em teus braços,
te abraço, te beijo
chamo-te de paixão
mulher da minha vida...
e entrego-me as volúpias
do teu amor;
e no desagravo
deixo de ser senhor
para ser teu escravo,
servil e devotado amante
acorrentado aos teus desejos.

POEMA PARA O MEU AMOR
Em você encontro a paz
a ternura que me satisfaz.

Em você encontro o perfume
das flores, o calor da paixão
e o ardor do ciúme.

Os seus lábios rosados,
as vezes pintados de carmim,
tão sedosos e formosos
são como as flores do alecrim.

Você é o meu aconchego,
minha inspiração,
a razão dos meus sonhos,
minha vitória, meu troféu,
a estrela do meu céu.

Você é minha alegria,
meus versos, minha poesia,
a melodia da minha cantiga,
o amor da minha vida.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.120 e 121)


Duas Trovas Nacionais

Sê bondoso e destemido,
vigilante em teus caminhos.
Se não queres ser ferido,
evita plantar espinhos!
(FLÁVIO STEFANI/RS)

Uma Coisinha de nada
sintetiza imensa dor:
a florzinha abandonada
saudosa de um beija-flor!
(JEANETTE DE CNOP/PR)

Duas Trovas Potiguares

Em meio a pessoas loucas,
de tristeza eu me inundo.
Lembro então como são poucas
as alegrias do mundo.
(CLÉA REVOREDO/RN)

Em cada conto, que conto,
conto somente o que é meu,
e, dessa conta, eu desconto,
tudo aquilo que for seu.
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Duas Trovas Premiadas

2008 > Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - Menção Especial

Tem, do herói, santo ou profeta

- em meio às guerras e à dor –

a mesma audácia, o poeta

que teima em falar de amor!

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA – SP


2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Honrosa

Quando a ilusão me conclama
a esperar por quem não vem,
eu deliro... e, em minha cama,
beijo o lençol... sem ninguém...
(PEDRO MELO/SP)

Simplesmente Poesia

– Graça Graúna/RN –
MIRAGENS.

À meia luz
escudados nos sonhos
despistaram o medo de amar
e só diante do espelho admitiram
que a nudez é um perigo
capaz de intimidar o Amor
...depois do amor a espera
sem pressa, sem dor
depois do amor
o desejo natural
de repousar entre lençóis
e continuar a loucura
que não se vê em jornais.
Escudados nos sonhos
beberam a angústia do ser
na boca molhada de suor e sexo
seguindo o infinito
neste sopro de adeus...

– Ferreira Gullar/MA –
INSETO

Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida.

Duas Trovas de Ademar

Se me encontrares sozinho,
e, se nos tornarmos nós...
Mato você de carinho
debaixo dos meus lençóis!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Um monumento de luz
fez-se em mim arquitetado
na mensagem que Jesus
disse, ao ser crucificado.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
o Maior Homem do mundo!
(LUCY SOTHER ROCHA/MG)

Eu serei a vida inteira
por você, o que quiser...
esposa, mãe, companheira,
ou, simplesmente, mulher!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Duas Estrofes dos Dias 8 e 9 de fevereiro

Corre um gato miando numa bica,
ferve um bule com chá de capim santo,
a cantiga de um galo em cada canto,
a fumaça de um prato de canjica,
um cachorro medroso se estica,
benzedeira curando mal olhado,
um frangote caçôa admirado
de um matuto que puxa uma marrã;
quando o sol beija a face da manhã
o sertão vira um reino encantado.
(HÉLIO CRISANTO/RN)

Uma vaca no curral
lambendo o bezerro novo,
um tejo bebendo ovo
escondido no quintal;
uma tramela de pau
é a tranca do portão,
mulher catando algodão
vaqueiro entrando no mato;
tudo isso é o retrato
das coisas do meu sertão.
(LUCAS CORREIA/CE)

Dois Soneto dos Dias 8 e 9 de fevereiro

– Darly O. Barros/SP –
CANTARES

Meu estro, qual estertorante fio
lodoso, a rastejar por um deserto,
vacila, em aceitar o desafio
das folhas brancas de um caderno aberto...

- Hesitação não é do teu feitio,
faze sonora a pena que te oferto,
quero-a vibrante, como a voz de um rio,
que tem, no mar, o seu destino certo;

mas, te lembrando , sempre, que és poeta,
que dês à voz a entonação correta
quando de paz falares, vai, avança,

leva o teu canto a todos os lugares
e, que ao dulçor do som dos teus cantares,
o mundo colha um sopro de esperança!

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
FOLHA NA TEMPESTADE

A tarde é fria e escura. Do céu turbulento,
a chuva, em grossos fios, cai sobre as calçadas,
e os carros, pela rua, em louco movimento,
espirram, sem consciência, as águas empoçadas.

Fugindo ao temporal, pessoas apressadas
inconscientes, também, sem parar um momento,
ignoram ao passar, entanguidas, geladas,
duas crianças sós, sem o mínimo alento.

Acaso importa a alguém que o vento instigue ou tolha,
ou leve a qualquer lado as folhas arrancadas?
A criança de rua é também uma folha

arremessada ao vento, em plena tempestade...
E há de rolar sozinha até quando a recolha
o carinho de alguém... e de um lar de verdade.

Fonte:
Ademar Macedo

Tania Montandon (A Poesia na Arte Moderna e suas Interfaces)

Tania Montandon pintando
As portas tremem vendo-a chegar mais uma vez. O céu está lindo, a cabeça vazia, o coração capotando, taquicardia...

Um mundo, um submundo, uma sociedade, um lugar pros excluídos. Vida! O que é isso? Um dom, uma magia, uma música sem melodia única, mas múltipla, enquanto respira e percebe quão menos sabe e a que se destinara...

Toda inovação em arte, como reconhecia Wordsworth, implica mudanças sociais. A revolução permanente assegura a posição em que se encontra até que o corpo volte à terra e nela desapareça misturada a ossos de homens e bestas, talos de plantas, folhas de trigo e esterco.

Curiosa análise de Piet Mondrian:

"No futuro, a realização do puramente escultórico na realidade palpável substituirá a obra de arte, pois não precisaremos quadros, já que vivemos no meio da arte realizada."

Quanto mais a vida se desequilibra, mais se demanda a arte.

A arte moderna nasce no meio da revolução oposta àquela arte que já não quer ser, da substância e do espírito da antiga e eterna arte, via sublimação, transformação artística de pensamentos, considerações e formas novas. Descoberta de outras ordens de fenômenos, aperfeiçoamento do verso, poder criador da imaginação poética, força das palavras e realidades vivas, concretas além de abstrações teóricas.

A liberdade angustiada diante tantas repressões da cultura leva à eclosão do rio ocluso de longas águas agitadas e posses particulares da essência transbordante, predispondo a se fazer o que mais não se desejaria fazer, boicote do desejo vital do sujeito como ataque impulsivo ao desejo repressor do Outro.

A palavra é a portadora da mensagem dos interesses supremos do espírito à consciência.

astro de nervo e ocluso vento
em diálogo diáfano do sanguíneo catavento
hipógrifo violento
que consiste, emparelhados com o vento,
os gestos e as vozes,
os olhares e a vida,
para dentro e para fora, intransponível
A luz se comunica
pois que é força !
Que o temor se multiplique!
todos os gestos do eu e de fora
para um e outro lado abrindo espantos
em deserto monte,
quando se parte o sol a outro horizonte
musicalmente estranha de vendaval em si
garra de fogo a violentar montanhas
cega e desesperada
baixarei a aspereza emaranhada

Palavras são signos das representações do espírito.

"O extremo limite de toda a especulação sobre a natureza da poesia, sua essência, pertence ao campo da estética, e não concerne a poeta e crítico de preparação tão limitada quanto eu." (Thomas Eliot)

O poema se faz pelo discurso e imagem poética e usa ritmo, harmonia, rima, combinação de palavras... O poeta substitui as formas espirituais pelas formas sensíveis: imagens, intuição, sensação...

A palavra direta dá ao objeto só o caráter concreto. Para se alcançar o sentido poético necessita-se juntar ao termo algo que possibilite a visão de uma imagem figurada. A palavra se transfigura na poesia.

Sentimento

Há conforto, amor, abundância na linda casa
Tanta miséria, fome, carência na favela
Novas ondas de vida palpitam em meu coração
Um amigo secreto surge na oportuna ocasião

Desmerecida do conhecido, margem do avesso
Outra paisagem é benquista, atiça o desejo
Sensações carnais, anseios angelicais
Adentram a subjetividade, talvez sejam vitais

O espelho mostra as marcas do já feito, feio
O desejo mostra o anseio pelo novo, insatisfeito
Áspera lida de esperanças emaranhadas
Algo desperta novas notas em vendaval, estranhadas

"Não é a coisa em si mesma ou sua existência prática, senão a imagem e o discurso o que constitui como o núcleo central do poema."
(Hegel, fonte de todas teorias da expressão poética moderna, mesmo aquelas que se colocam em oposição a ele)

Que peso tem a brisa sentida
Na grade fria da janela
Montanha de dor chorando no verão
Imensa é a coroa de espinhos sobre ela
A impor, canhestra, sua simbolização.

A paixão mística é a exaltação e a negação da vontade, a mortificação.

Para saber tudo, deves não querer saber algo em nada.

Solitário, o morto ascende à montanha da dor original.
E nem uma só vez seu passo ressoa no destino insonoro.

Mas se os infinitamente mortos despertassem em símbolo,
Em nós, olhai, mostrariam talvez os engastes pendentes
Das aveleiras vazias, ou a chuva que cai
Sobre o reino obscuro da terra em primazia

Na venturosa ascensão,
Sentiríamos uma ternura enorme
Perturbadora, misteriosa
Quase o cair da felicidade

No alto, as fumaças recém-nascidas
Estrelas seriam no país da dor
Luzidia lamentação revelando nomes:
Do que não é, não foi, não será jamais.

A mente convoca quaisquer mundos caprichosos e variáveis
Afeiçoa-se a ele ou o muda, onipotente
Pode o convocar ou o banir à sua mercê
.

O organismo biológico tende sempre à preservação da vida e da espécie humana. Porém a mente é tão complexa e possui poderes desconhecidos a ponto de conseguir enganar o próprio ser em sua ambiciosa busca para satisfazer a escorregadia falta infinita até conseguir com que se deseje a própria extinção, esquecendo-se que ansiar é o próprio viver.

Não há por que ter que saber ao que se anseia, a ânsia basta assim como a vida. Ambas terminam juntas, como duramente descobrira Buda. Conhecer e aprender a lidar com a ansiedade talvez seja a chave para uma vida sábia.

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro/Iara Melo. Portal CEN.

Lívio (Poesias Avulsas)


De Lívio, um anjo poeta. Psicografia: Maju
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AH! DEIXA-ME SOMENTE SONHAR...

De escudeiro a lacaio me transportei,
à servir a mulher que tanto amei!
Minhas mãos oferecia para teus pés firmar,
quando em belos corcéis ias montar...

Nelas pisavas, antes de na relva macia e escorregadia,
começares a cavalgar...
A seiva do verde mato escorria, como fazias,
quando partias e meu coração deixavas
também a chorar...

A relva macia molhava as patas dos bravos cavalos,
que mansos se tornavam...
Também te amavam!...
E como os dominavas...
Ias em seu dorso montada,
até onde o Céu e o Mar se encontravam...

Ver a tarde se escoar; ali então lágrimas vertias;
Brilhavam a luz do luar,
a clarear a estrada por onde eu deveria chegar...
Como te entendia!...
Queria me amar e contigo também me levar...

Mas sabias! Nesta vida, permitido ainda não era te amar...
Olhava tristonho tua partida, pois sabia onde ias...
Seria onde a mata entrega seus filhos noturnos a piar!
E Sonhava...

Pois sabia que um dia ocultamente te seguiria...
Iria nas batidas do teu coração...
Pequeno então me faria, para em teu colo me ocultar,
e sentir o teu respirar...

Sofreríamos, quando à tarde lânguida se despedisse
e pedisse para a noite chegar...
Eu deveria retornar...
Um servo deve sua dama em seu lugar esperar...
Sua volta, aguardar...

Ah! Deixa-me somente sonhar!
O clarear de um trovão, mais uma vez me chamou a atenção!
Um passado relampejou e me chamou a razão!
Um duelo ao longe se fazia...

Alguém dizia!
E uma voz em minha mente se fez presente!
Em duelo, uma vida perdestes...
Uma outra vida deves escalar,
para em outra tua amada encontrar...

Mais uma vez separado, dela vais sofrer!
Teu destino vais entender...
São degraus! Sevem subir e ao alto chegar,
para lá se encontrarem...
Outras alturas galgarem
e a um Novo Mundo um dia chegarem...

Compreendi, que ainda nesta vida,
me pertencer livremente, não podias...
Te vi retornando e eu te esperando,
para do belo corcel descer, e agora te oferecer
não somente a mão,
mas também, meu coração...

Um dia, juntos estaremos...

VOCÊ

Afasto a Pedra do Meu Sepulcro Interno
Deixo o Corpo, Libero a Alma
Desfaço as Dunas Das Saudades
Criadas Pelas Monções das Ilusões

Foi Preciso que de Ti eu Me Ausentasse
De Mim te Libertasse
E Seguisse Livre.....
Solto ....

Foi Preciso Rasgar o Rótulo do Meu Ser
Vooar Pela Vida um Vôo Livre...
Sem Algemas...

Deixar de Ser Apenas um Alguém
Que Traz Impresso Na Alma,Coração e Mente
Somente
Você....

Apago Agora a Minha Imagem
Sou o Começo e o Fim de uma Estrada
Que Segue Com Mêdo
De Tanto Amar
Você...

A CIGANA

Certo dia, vi tuas mãos, as minhas prendendo...
Teus lábios docemente beijando...
Dizias um desejo ter; pr’a sempre entre as minhas, as tuas ficar...
Em Toques Mágicos, teus dedos, nos meus deslizavam...
Pareciam escalar montanhas, descer em profundos vales,
E como piratas, ir aos mais profundos e distantes mares...

Queriam se aventurar, mistérios decifras...
Eles sabiam quando deviam seguir, para ou afagar...
Se aventurar; mistérios decifrar...
Nessa escalada, entorpecestes os meus sentidos,
E minhas mãos confiantes, obedientes se entregavam...
Descortinando minhas emoções,
senti o seu oculto desejo, em me seduzir...

Duvidavas das minhas emoções;
Brincavas com os meus sentimentos e como cigana,
saias feiticeira a bailar...
Sem saber, que as linhas das minhas, são as mesmas das tuas mãos!
Elas marcam as mesmas encruzilhadas,
subidas, descidas, chegadas e partidas.
com a mesma hora prevista; marcada...

Os mesmos encontros, desencontros... A mesma Paixão.
Minhas mãos falam por ti, não precisas explorar...
São as mesmas linhas do Destino, a se encontrar.
Já estão presas, mas, deixo-as entre as tuas a pensares...
Que sou mais uma conquista tua!

Te enganastes minha Cigana, no querer me enganar...
Olhe Tuas Mãos... Toque-As...
Estás a Ti, em Mim a Descobrir...
Sou Teu... És Minha...
Iguais num Só Destino...

O SONHO DE UM POETA

Era uma tarde linda de primavera e o poeta se manifestou tranqüilo!
Pousando levemente a destra em sua pena de nuances prateadas,
como seus primeiros fios de cabelos brancos, reluzentes à luz do luar,
parou o “moiço” poeta a meditar: Tão moço e tão só!

Triste sina a sua...
Porque deveria então pensar, em noites de luar...
Nenhum romance a lhe esperar... Nenhuma esposa...
Mal conquistara a liberdade de usufruir desta regalia...
A de ser um poeta abandonado em noite de luar...

O que faz um homem olhar o luar e sonhar
o Amor de uma Mulher, mesmo que ela não tenha nascido ainda...
Mesmo que em seus sonhos nada se realize, mas mentaliza, que existe!...
Pior que Sofrer de Amor é Sofrer Sem Amor...

A Lua não lhe fala nada; a brisa não imita a amada
a soltar-lhe as madeixas de seus cabelos...
Nem mão a acariciar-lhe a fronte...
Mas, não sente falta disto; nunca amou...

Então porque este “moiço” poeta está a questionar?
Se nem chorar pode por alguém, pois nunca teve amor...

Moça:
As Almas sempre esperam por alguém que lhe completem a existência...

É o Sonho do Poeta, para que suas penas tracem
a trajetória de sua amada, pintando em letras douradas,
em páginas coloridas o traço de uma Alma Apaixonada...
É o Sonho de um Poeta Louco, que lhe enalteça um pouco a Alma...
Este pobre “moiço” loiro...

Fonte:
http://mjsv.no.comunidades.net/

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 11. Mariana )



Análise de Sonia Maribel Muñoz Croveto (UFSC), sob o título Entre a (des)leitura e a (des)escrita: o duplo conto Mariana
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“A leitura é uma ‘desescrita’ assim como a escrita é uma desleitura”.
Harold Bloom (1995, p.15)

Nas palavras de Harold Bloom encontro o principal deslinde para a seguinte leitura ou desleitura do conto Mariana de Machado de Assis. O fazer e desfazer, a escrita e desescrita, que se opera no duplo registro narrativo machadiano: o conto Mariana (1871), publicado no Jornal de Famílias, e o conto Mariana (1891), do livro Várias Histórias.

Os dois relatos, ainda que separados pelo tempo, se entrecruzam, imbricam e amalgamam configurando uma espécie de refração e desdobramento do tecido textual que remete às categorias de repetição e diferença, “não só em sua mais abstrata reflexão como também em suas técnicas efetivas” (DELEUZE, 1988, p. 15). [Deleuze (1988, p. 15), ao explorar a repetição e a diferença, coloca como uma das justificativas que, a arte do romance moderno contemporâneo gira em torno dessas duas categorias, a nível concreto e abstrato, a técnica e a reflexão.]

A repetição, a partir da definição de Deleuze (1988, p. 428), a considero como a ação que “coloca o conceito fora de si e faz com que ele exista em outros exemplares”. Essa existência multiplicada registra-se através do “deslocamento e do disfarce”, o que delineia ou demarca, em simultâneo, a construção da diferença. Essas categorias, na acepção utilizada, conjugam-se com a terminologia de desleitura e desescrita, que tem sua base na noção de influência, mas fora do sentido tradicional “da passagem de imagens e de idéias” de escritores para seus sucessores. A influência, como a concebe Bloom (1995, p. 15), “significa que não existem textos, apenas relações entre os textos”.

Em decorrência, a influência poética “depende de um ato crítico, uma desleitura ou desapropriação, que um poema exerce sobre outro” (BLOOM, 1995, p. 15): repetição e diferença. A proposta deste trabalho é demonstrar como se produz a desleitura e desescrita de Mariana sobre Mariana e, por conseguinte, de Machado de Assis sobre Machado de Assis.

Esta travessia inicia-se com o jogo dialético, os encontros e desencontros; prossegue com a busca das dobras do tecido textual, o disfarce histórico detrás da vida privada; e termina com a desmontagem da trama: o dizer e o desdizer, pêndulo que se movimenta entre a farsa e a tragédia.

Encontros e desencontros

No conto de 1871, Mariana é uma escrava, namorada do senhor da casa, que se suicida ante a impossibilidade desse amor. No conto de Várias Histórias, Mariana é uma mulher branca, casada, que tem uma relação extraconjugal e que, ao ser abandonada pelo amante, tenta suicidar-se, mas é salva pela mãe.

A Mariana negra surge na escrita como uma moça obediente para depois, transformar-se em uma cativa incontrolável. A Mariana branca, em um início, é uma mulher revoltada, que quebra o voto do matrimônio, mas ao final, converte-se em esposa exemplar. Ambas compartilham a metamorfose do eu, mas em sentido inverso. [A escrava Mariana lembra a cativa Sabina, personagem principal do poema do mesmo nome que Machado (1994, p. 140-145) publicou no livro de poemas Americanas (1875). Sabina, grávida, se suicida ao saber que Otávio, o moço da casa e pai do filho que esperava, havia-se casado. Sabina, como Mariana, havia sido criada na casa grande.]

As duas narrativas têm como eixo principal, pelo menos na parte superficial, o que se poderia denominar na época, uma relação “amorosa imprópria”. É aí a primeira unidade das histórias. E, também, o primeiro jogo dialético com respeito às personagens: branca/negra, livre/cativa, subordinação/ insubordinação e vida/morte,

O segundo encontro/desencontro registra-se no tempo-histórico. O primeiro conto não consigna nenhuma data, salvo o ano de publicação janeiro de 1871, no Jornal de Famílias. Essa data poderia servir de parâmetro para situar a história em 1871. Esse seria o ano de retorno de Macedo, o narrador, depois de 15 anos na Europa.

O segundo conto desborda-se de datas. Poder-se-ia dizer que tem seu ponto de partida em 1872, quando Evaristo, o amante da Mariana branca, parte a Europa. E só retorna em 1890. E não por uma questão de amor, senão de curiosidade: queria saber o que tinha acontecido no Brasil em novembro de 1889.

Ao se comparar o ano de início de ambas narrativas com a história do Brasil, contextualiza-se que, em 1871, se tinha o debate político da lei de libertação dos escravos. Aí se apresenta outra ambivalência. Macedo retorna ao Brasil antes da sanção da lei que dava liberdade aos filhos dos escravos e Evaristo parte após da aprovação.

Como se observa, o tempo histórico narrativo é antagônico e de continuação: onde termina uma história, começa a outra. Aqui outra vez o jogo dialético: inicio/fim, datas/sem datas, escravidão/libertação. E outra unidade: Macedo e Evaristo retornam de uma viagem/exílio na Europa, mas só de visita.

As diferenças e semelhanças, também, se apresentam no caso do narrador e sua relação com o conflito amoroso. No conto de 1871, o narrador, Macedo, começa o relato em primeira pessoa para depois introduzir a história de seu amigo Coutinho com a escrava Mariana, acentuando que a moça era tratada como filha e não cativa.

Macedo descreve um Coutinho perplexo e comovido pela paixão que tinha despertado na jovem escrava. O suicídio de Mariana ocasiona a metamorfose de Coutinho: a redescoberta e afloração de um outro eu. Quinze anos depois desse fato, em 1871, é a voz desse outro Coutinho, surgido na dor, que confessa aos amigos: Creio que posso dizer ainda hoje que todas as mulheres de quem tenho sido amado, nenhuma me amou mais do que aquela. Sem alimentar-se de nenhuma esperança, entregou-se alegremente ao fogo do martírio; amor obscuro, silencioso, desesperado, inspirando o riso ou a indignação, mas no fundo amor imenso e profundo, sincero e inalterável (MACHADO, 1994, p. 783).

A declaração de Coutinho foge das convenções sociais, mas na escrita não desperta nenhuma voz de censura, pelo contrário percebe-se um ambiente de solidariedade entre os amigos, sobretudo quando o narrador acentua que o relato “foi ouvido com tristeza por todos”. Essa tristeza teria suas raízes na luta abolicionista?

No conto Mariana, de Várias Histórias, não existe relação entre o narrador e os personagens. O narrador parece ser um espectador que segue a Evaristo, mas é um observador que se movimenta entre o real e o irreal, o passado e o presente, o interno e o externo, mergulhando na psique dos autores do drama.

O deslocamento do mundo real produz-se no momento que Evaristo espera ser recebido por Mariana. Ao olhar o retrato da moça, “com seus lindos olhos redondos enamorados”, Evaristo o desdobra, reproduzindo uma antiga cena de amor. Mariana adquire, assim, forma real. Desprende-se do retrato e reúne-se com o amante:

[...] vagarosamente, Mariana desceu da tela e da moldura, e veio sentar-se defronte de Evaristo, inclinou-se, estendeu os braços sobre os joelhos e abriu as mãos. Evaristo entregou-lhes as suas, e as quatro apertaram-se cordialmente (MACHADO, 1994, p. 543).

Esta imagem machadiana traz reminiscências do conto O Retrato (1832), de Nikolai Gogol. Na história russa, Chartkov, protagonista do relato, compra o retrato de um ancião impressionado por seus olhos vivazes, “uns olhos onde o artista parecia ter concentrado toda a força do pincel e toda a habilidade” (GOGOL, 1955, p. 641).

Dias depois, Chartkov viu, com horror, “o ancião se mover e se apoiar com as mãos na moldura”, de imediato “se endereçar, esticar as pernas e pular fora” (GOGOL, 1955, p. 649). Como Mariana, o velho abandona o retrato. A experiência desperta dúvida em Chartkov: “Talvez não fosse só um sonho ou um delírio, senão uma autêntica visão” (GOGOL, 1955, p. 652).

Aí a diferença de Chartkov com Evaristo. Chartkov é incapaz de separar a realidade da fantasia, Evaristo, por sua parte, reconhece e assume a duplicidade da percepção. Ele desempenha, ao mesmo tempo, a função de testemunha e protagonista da história. Não se perde nos caminhos da imaginação.

A presença desse duplo consciente poderia ser interpretada em palavras de Derrida (Apud ROSSET, 1998, p. 101), como “a eterna ausência de um presente verdadeiro”. Para Evaristo, o passado seria a imagem original que dispensa qualquer outra. Essa imagem, origem do drama, ressurge dezoito anos depois da separação forçada.

A eterna repetição desse passado, que absorve o presente, registra-se quando o narrador descreve o encontro furtivo entre Evaristo e Mariana, em 1872, e que se vivencia como se fosse hoje:

Nenhum perguntou nada que se referisse ao passado, porque ainda não havia passado; ambos estavam no presente, as horas tinham parado, tão instantâneas e tão fixas, que pareciam haver sido ensaiadas na véspera para esta representação única e interminável. Todos os relógios da cidade e do mundo quebraram discretamente as cordas, e todos os relojoeiros trocaram de ofício (MACHADO, 1994, p. 543-544).

A atmosfera romântica, o passado que se repete, se dilui no cenário real. Mariana parece ter esquecido o passado. No tempo real, ela é uma devota esposa no leito agonizante do marido e depois, uma viúva que sofre até o delírio. Ao final, o encontro entre os ex-amantes será breve e indiferente, como dois estranhos.

O narrador do conto Mariana, de 1871, apresenta dois personagens marcados pela emoção; em contraposição, o narrador do conto Mariana, de Várias Histórias, mostra dois seres marcados pela razão. Coutinho nunca se recupera do suicídio da moça, Evaristo se recupera com facilidade da separação na Europa. A ambivalência no plano psicológico se produz, também, na construção da imagem de Mariana. Enquanto Coutinho constrói a imagem idealizada da Mariana negra e expressa remorso pelo suicídio da escrava, Evaristo desconstrói a imagem idealizada da Mariana branca e libera-se do remorso da infidelidade.

O antagonismo do narrador permite reconstruir o terceiro jogo dialético quecimenta a arquitetura textual: conhecido/desconhecido, emocional/racional, ilusão/desilusão, ficção/realidade. E até o dualismo que se registra na posição do olhar: um retorna da Europa e o outro, aparentemente, nunca saiu do Brasil.

As duas histórias são como dois pólos opostos unidos pela força de contrários. Na contradição – narrador, tempo e personagem – funda-se as bases da inter-relação de um tecido textual com o outro. Como se cada relato fosse uma face do outro. Repetição e diferença. Desleitura e desescrita. Essa unidade que se configura e complementa na oposição reflete-se, também, no viés encoberto da narrativa. Como apontei no início, de forma superficial, os dois contos seriam duas faces opostas de uma mesma temática: um caso de amor, que funciona como disfarce do eixo central que seria o questionamento da sociedade brasileira.

O disfarce histórico

Este segundo momento está influenciado pelo olhar de John Gledson. Para o pesquisador, os romances machadianos, “como um todo, pretendem transmitir grandes e importantes verdades históricas”. Segundo Gledson (1986, p. 17), no período de 1871 e 1894, Machado “mostra a impossibilidade de um Brasil em beneficio de seu povo”.

Seguindo esse caminho, ao retirar a máscara do fracasso amoroso, tem-se que a primeira história esconde/expõe o tema da escravidão e a segunda esconde/expõe o drama da Monarquia e a República. A micro-história funciona como protótipo e projetor da macro-história. A história individual encerra o drama nacional.

Machado parece ter escrito dois contos em cada um deles. Em cada narrativa há uma relato paralelo, um registro histórico encoberto, dois corpos de palavras que convidam a uma autopsia histórico-literária, a entrecruzar a História e a Literatura, para compreender a dobras da escrita machadiana.

O narrador do conto Mariana, de 1871, fica impressionado com as mudanças arquitetônicas e comerciais do Brasil durante os últimos 15 anos: Achei mudado o nosso Rio de Janeiro, e mudado para melhor. O jardim do Rocio, o boulevard Carceller, cinco ou seis hotéis novos, novos prédios, grande movimento comercial e popular [...] (MACHADO, 1994, p.771).

O historiador Cruz Costa (1989, p. 23) confirma a visão do narrador, quando refere que, de 1850 a 1870, o Brasil “passou por grandes transformações. Surgiram as estradas de ferro, o telégrafo e as primeiras indústrias”. No texto, a modernidade vai funcionar como contrapeso ou antítese de outra realidade.

Essa outra realidade transpassa a superfície. É uma radiografia da sociedade, na alma humana. O êxtase do narrador pelo desenvolvimento urbano, desloca-se para mostrar sua desilusão com a vida dos amigos, alguns deles ligados ao governo. A voz narrativa não faz distinção entre uns e outros:

Alguns amigos tinham morrido, outros estavam casados, outros viúvos. Quatro ou cinco tinham-se feito homens públicos, e um deles acabava de ser ministro de Estado. Sobre todos eles pesavam quinze anos de desilusões e cansaço. Eu, entretanto, vinha tão moço como fora, não no rosto e nos cabelos, que começavam a embranquecer, mas na alma e no coração que estavam em flor (MACHADO, 1994, p. 771).

Note-se a remarcação que faz ao falar de “quinze anos de desilusões e cansaço” que se pode estender à estrutura social do país. A cidade tinha trocado na parte exterior, mas no interior, na essência, seguia sendo a mesma cidade ancorada no tempo da escravidão, sistema político já “superado” na Europa.

Essa leitura desprende-se da perspicácia do narrador ao introduzir um “caso de amor” para falar da escravidão. Nas dobras do tecido textual registra-se a insubordinação de Mariana e o “projeto romântico” de alguns senhores de escravos de dar liberdade os cativos, o que pode fazer desse relato um conto de traços abolicionistas.

Coutinho, o escravista, olha a Marina como um ser humano, a despoja de sua condição de escrava, interessa-se por ela e segue passo a passo cada uma de suas reações. Ao descobrir certo ar de tristeza no rosto da cativa, que atribui a um amor impossível, tenta encontrar a origem da mágoa e pensa até em dar-lhe liberdade:

Parecia-me evidente que ela sentia alguma coisa por alguém, e ao mesmo tempo que o sentia, certa elevação e nobreza. Tais sentimentos contrastavam com a fatalidade de sua condição social. Que seria uma paixão daquela pobre escrava educada com mimos de senhora? Refleti longamente nisto tudo, e concebi um projeto romântico: obter a confissão franca de Mariana e, no caso em que se tratasse de um amor que a pudesse tornar feliz, pedir a minha mãe a liberdade da escrava (MACHADO, 1994, p. 776).

No personagem Coutinho, Machado concentra as vozes, quase apagadas, de alguns traços abolicionistas. Não se poderia falar de abolição porque Coutinho não fala da libertação de todos os cativos. Não renuncia a seu status de escravista. Restringe seu projeto, que não chega a concretizar, a um caso específico.

Coutinho é revestido de sentimentos e atitudes que não correspondem a sua condição social: a extrema preocupação por indagar a tristeza da cativa. Pelo contrário, a Mariana2 dócil e meiga das primeiras linhas transforma-se em uma moça revoltada, que foge, enfrenta ao amo e decide a morte.

A gentil mulatinha” de Machado é uma insubordinada que renega de haver sido tratada como “filha”, fato que, com extrema lucidez, reconhece como disfarce da escravidão em um diálogo com Coutinho. Diálogo onde, em alguns momentos, se coloca em nível de igualdade com o amo:
-Não falemos nisso, nhonhô. Não se trata de amores, que eu não posso ter amores. Sou uma simples escrava.
-Escrava, é verdade, mas escrava quase senhora. És tratada aqui como filha da casa. Esqueces esses benefícios?
-Não os esqueço; mas tenho grande pena em havê-los recebido.
-Que dizes, insolente?
-Insolente? Disse Mariana com altivez. Perdão continuou ela voltando à sua humildade natural e ajoelhando-se a meus pés
(MACHADO, 1994, p. 776).

A voz sempre calada da escrava emerge, novamente, para gritar: “Não! Não irei” quando é descoberta na primeira fuga, mas ante o inevitável retorno à fazenda, diz desafiante: “que importa que faça? Eu estou disposta a tudo”. Surpreende ainda mais a transparência de suas palavras quando responde a Coutinho o porquê da fuga:
- Se alguém me seduziu? Perguntou ela; não, ninguém; fugi porque eu o amo, e não posso ser amada, eu sou uma infeliz escrava. Aqui está por que eu fugi. Podemos ir; já disse tudo. Estou pronta a carregar com as conseqüências disto
(MACHADO, 1994, p. 779).

Semanas depois, Mariana volta a fugir e ao ser encontrada, outra vez lança o desafio: “estou disposta a tudo”. Esta vez suicida-se. Antes de expirar, a moça libera a Coutinho – o escravista e, em paralelo, o amor impossível – de qualquer remorso: “Nhonhô não tem a culpa: a culpa é da natureza” (MACHADO, 1994, p. 783).

Que quis dizer Mariana com “a culpa é da natureza”? Com esta frase ambivalente, Machado, de alguma forma, libera a Coutinho – representante do sistema político – da tragédia da escrava, mas em simultâneo, no desenvolvimento do texto, acusa a Coutinho e o sistema político da tragédia. Eis aqui um duplo discurso político. [Chalhoub (1998, p. 97-99) aponta que Machado, “em vários de seus escritos, testemunhou e analisou sistematicamente o ponto do vista do dominado”, fazendo uso “de uma arte arriscada, que ratificava a ideologia paternalista na aparência mesma quando roía-lhe os alicerces”. Traço que prefiro denominar de duplo discurso político.]

A duplicidade do discurso político aparece, também, na fala de Coutinho. Como escravista, persegue a fugitiva, vai à polícia e não desiste da busca, mas antes da fuga, mostra-se partidário de liberar a Mariana, mais um “projeto romântico” no cenário político brasileiro de 1856 a 1871. Projeto que se (des)constrói no texto.

O simples fato de Machado humanizar a escrava e de revesti-la de atributos característicos de uma moça branca culta, (Mariana sabe ler, escrever e fala francês) pode ser entendido como um sutil discurso de igualdade enquanto que a postura de Coutinho, a grande comédia da sociedade a respeito da abolição.

A mesma sutileza que utiliza para se referir à escravidão, reaparece no conto Mariana, de Várias Histórias, para questionar todo o aparato político, social e econômico. Aí o tema da escravidão não será aludido de forma direta. Será um olhar crítico da história no período de 1872 a 1890. [Para Gledson (1991, p. 87), Machado encarava o ano de 1871, como um ano decisivo para história do Brasil, por ser o ano de aprovação da Lei do ventre livre e das primeiras divergências na oligarquia.]

O conto inicia-se com a seguinte pergunta: que será feito de Mariana? Interrogante que, no transcorrer da leitura, pode-se transformar em uma indagação mais abrangente: que será feito do Brasil? Isso devido a que o motivo da viagem do protagonista radica em conhecer os pormenores da revolução de novembro de 1889.

Desde a partida de Evaristo a Europa, em 1872, até seu retorno em 1890, o Brasil tinha passado por diversas transformações: a libertação dos escravos, a queda da monarquia, a proclamação da República e a instalação da Assembléia Constituinte, mas o olhar de Evaristo é incapaz de enxergar essas mudanças. Essa incapacidade de olhar, não se restringe só a Evaristo, é a marca do brasileiro que conviveu com a história, daquele que foi espectador das “modificações políticas”. O personagem Evaristo concentra e projeta a impossibilidade do homem comum de perceber e capturar as mudanças da estrutura política do país.

A referida interpretação baseia-se nos livros de história de João Costa Cruz e Nelson Werneck Sodré. Costa Cruz (1989, p. 26-45) destaca que “o Império foi liquidado de maneira sumária”, em um clima de indiferença, “pois a República nada mais foi, uma vez ainda, do que uma nova composição de classes dominantes”.

Na mesma linha, Werneck (1970, p. 291) refere que “a aceitação plena e pacífica” da instalação da República lembra os “acontecimentos, rápidos, superficiais, consumados e tranqüilamente recebidos”. Machado ressaltara esse traço superficial do que fala Werneck ao comparar a mudança política do Brasil a uma obra teatral no conto Mariana.

É assim que, nas primeiras linhas, antes de partir ao Brasil, aparece um Evaristo interessado em saber a data de representação da comédia de um amigo. Faz as contas da viagem e conclui que, voltando meses depois, “chegaria a tempo de comprar o bilhete”. Quando retorna a Paris descobre que a obra tinha sido retirada.

Nesse momento, no final, se desvela todo o transfundo político do relato. “Cousas do teatro, disse Evaristo ao autor da obra, para consolá-lo. Há peças que caem. Há outras que ficam no repertório” (MACHADO, 1994, p. 548). Adequando essas palavras ao cenário político do Brasil, teríamos “coisas da política. Há governos que caem. Há outros que ficam”.

A afirmativa de Evaristo traz à memória a “aceitação plena e pacífica” da República. E também “os dez governos que se sucederam no poder de 1880 a 1889, representando pontos de vista diversos ou opostos” (HOLANDA, 1977, p. 350). Em base a esse antecedente político, não é por acaso que Machado escolhe como obra teatral uma “comédia”. [Holanda (1977, p. 354) descreve-se, também, que a maior parte da povoação esperava a morte natural do segundo reinado com a morte natural do rei, e preparava-se para a mudança infalível. Daí que a queda da Monarquia não foi uma surpresa para o país.]

A vida política transformada em comédia. Uma comédia que cai do cenário, como caíram, um a um, os dez governos dos últimos nove anos de Monarquia. Nesse contexto, Evaristo representa a ausência e a indiferença, Mariana a “aceitação plena e pacífica”. Evaristo foge, Mariana se reacomoda no cenário social.

Uma vez nus os personagens, aflora o discurso político camuflado, o ataque com a palavra escondida. A escrita da realidade detrás dos muros da fantasia amorosa. A (des)leitura do Brasil. O Brasil como um texto que Machado lê e (des)lê, escreve e (des)escreve, arma e desarma em duas nada inocentes historinhas de amor.

A desmontagem do leitor/autor

Das entrelinhas dos textos, de um Machado que descreve a sociedade brasileira, agora me centrarei no movimento oscilatório que vai da tragédia à farsa e da farsa à tragédia. Dupla ação que se registra nas costuras da trama e na inter-relação de um conto com o outro. Outra remarcação do avesso e da unidade.

A Mariana negra é um relato trágico. Tem uma suicida, uma noiva que dissolve o noivado quatro dias antes do matrimônio e um homem – culpável do suicídio e abandonado quase no altar – que, apesar dos 15 anos transcorridos, ainda não consegue rearmar a vida. A história avança do amor à dor e da dor à morte. Depois de 20 anos de ter escrito esse conto com traços de tragédia, Machado reescreve a história da Mariana negra e constrói uma farsa do relato original. A trama da segunda versão converte-se em uma farsa porque o suposto amor entre Evaristo e Mariana, descrito como uma fatalidade, não passa de um “caso ocasional”.

É a mesma Mariana que defende a instituição do matrimônio e aclara a Evaristo, o amante, que nunca deixará o marido:
-Não venhas outra vez com essa eterna desconfiança, atalhou Mariana sorrindo, como na tela, há pouco. Que quer você que eu faça? Xavier é meu marido; não hei de mandá-lo embora, nem castigá-lo, nem matá-lo, só porque eu e você nos amamos
(MACHADO, 1994, p. 544)

A família se sobrepõe à paixão amorosa. O realismo supera o romantismo. E os dois personagens inserem-se, finalmente, no caminho da “ideologia decente e familiar, amiga de sacrifícios” (SCHWARZ, 1981, p. 108). Evaristo parte à Europa, para se curar do amor irrealizável, e Mariana, aferra-se ao amor oficial, o amor do esposo. A tragédia e a farsa que se descobre a nível macro, ao situar um conto frente ao outro, se desfaz na estrutura de cada relato. O conto Mariana, de 1871, desenvolve toda a tragédia, mas ao final do relato, Coutinho, o sobrevivente da história, parte com os amigos para “examinar os pés das damas que desciam dos carros”. [Schwarz (1981, p. 63) destaca que, nos primeiros romances, Machado insistia na santidade das famílias, traço que qualifica de “conformismo”, mas no caso do conto Mariana (1891) eu o observo como parte do duplo discurso, a construção e desconstrução da família.]

Com essa descrição Machado acaba, na última linha, com a tragédia e funda um ambiente de farsa, quebrando a direção do relato. No seguinte conto, o processo se inverte. As tentativas de Evaristo de ver a Mariana, para levar “a imagem -deteriorada embora- daquela paixão de quatro anos” (MACHADO, 1994, p. 548) criam uma tragédia encoberta.

Eis, aqui, o processo de desmontagem no interior de cada texto e em sua identificação com o outro. Duas trilhas literárias divergentes, que se entrecruzam com tal naturalidade que, o leitor passa de um extremo a outro, conduzido ou seduzido pelo duplo olhar de um Machado autor/leitor.

Esse duplo olhar instaura uma Mariana negra que frente ao espelho, reflete uma Mariana branca. Imagem contrária/imagem prolongada que emerge nos encontros e desencontros, nas dobras do disfarce histórico e na arquitetura textual. Concentra-se aí o avesso da leitura e da escrita: desleitura e desescrita.

Bibliografia
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_____ Cabala e crítica. Trad. Monique Balbuena. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
_____ A angústia da influência. Trad. Arthur Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
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_____ Machado de Assis: ficção e história. Trad. Sônia Coutinho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
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MACHADO DE ASSIS. Obra Completa. Afrânio Coutinho (Org.). V. II. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
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MATOS, Mário. Machado de Assis: o homem e a obra/ os personagens explicam o autor. V. 153. Rio de Janeiro: Nacional, 1939.
VIERA, Mirella. “Quase silêncio, quase melodia: a paixão amorosa nos contos de Machado de Assis”. In: Cânone e contextos. 5 Congresso Abralic-Anais. V. 2. Rio de Janeiro: [s.n], 1998, p. 445-448.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas cidades, 1981.
WERNECK SODRÉ, Nelson. Formação Histórica do Brasil. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1970.
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Continua… Análise do conto “12. Conto de Escola”.