sábado, 12 de fevereiro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.124)

Uma Trova Nacional

Grita a sogra, lá do morro,
ao ver o genro chegar:
– não te chamo de cachorro
que é pra não te elogiar!
(HÉRON PATRÍCIO/SP)

Uma Trova Potiguar

Ao final do casamento
toda mulher é um sócio,
que leva o faturamento
sem abrir mais o negócio...
(HELIODORO MORAIS/RN)

Uma Trova Premiada

2008 > Bandeirantes/PR
Tema > TRABALHO > Menção Especial

Vendo o luxo da cigarra,
que não trabalha... faz “ponto”,
a formiga quer, na marra,
alterar aquele conto!
(SELMA PATTI SPINELLI/SP)

Simplesmente Poesia

– Carlos Drummond de Andrade / MG –
A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

Uma Trova de Ademar

Trabalho só é bacana
se tiver, por sua vez,
uma folga por semana
e férias de mês em mês!
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

“Limpou” o supermercado
e desculpou-se ao ser presa:
- Não é roubo, delegado,
é mania de limpeza!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Estrofe do Dia

Por causa de um café morno
mamãe terminou morrendo,
se pai foi corno, não é,
você continua sendo;
se meu pai foi, não sabia
você é corno sabendo.
(JOÃO FURIBA/PE)

Soneto do Dia

– Soneto a cinco Mãos –
UM JANTAR NO “PAU DE ARARA”

Quando o garçom chegou, desajeitado,
servindo a mesa, com total descaso,
a sopa que me trouxe em prato raso
esparramou-se, ao chão... por todo lado!
(Heloísa Zanconato)

Confesso que fiquei bem irritado
e a minha reação foi “um arraso”:
– Chutei cadeiras, destruí um vaso
e botei p’ra correr o desgraçado!
(Renata Pacolla)

Depois me arrependi – (pobre garçom!)
que, educado não foi para ser bom
e servir com respeito a freguesia...
(Thalma Tavares)

Então, dei uma “grana’ para o “cara”,
que veio do Pará num “pau de arara”
e há tempo uma gorjeta merecia!!!
(EduardoToledo)

Fonte:
Ademar Macedo

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 13. Um Apólogo)


Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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O conto na íntegra pode ser acessado em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2008/02/machado-de-assis-conto-um-aplogo.html
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Famoso conto que narra o desentendimento entre a agulha e a linha.

A primeira vangloriava-se por ser responsável pela abertura do caminho para a segunda. Tudo isso ocorre enquanto a costureira ia preparando o vestido de uma baronesa.

No final, com a ida da nobre para a festa, a linha joga na cara que, se a agulha abrira caminho, agora iria voltar para a caixa de costura, enquanto o fio iria no vestido freqüentar os salões da alta sociedade.

A frase final do conto, de alguém que ouvira essa história (um professor de melancolia) – “Também tenho servido de agulha a muita linha ordinária” –, é bastante sintomática. Faz lembrar um aspecto muito comum na obra machadiana que é, na busca por status, as pessoas acabarem sendo usadas e depois descartadas.

É o que ocorre, por exemplo, em Quincas Borba, na relação entre o casal Palha e Rubião. Ou mesmo em Memórias Póstumas de Brás Cubas, na conveniência do casamento entre Eulália Damasceno de Brito (linha) e Brás Cubas (agulha).
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Continua… Análise do Conto “D. Paula”
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

11a. Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto (Convite de Lançamento)


A 11ª edição da Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto terá início em 26 de Maio de 2011 e término em 5 de Junho e contará com uma programação cultural com mais de 600 atrações e eventos em todas as áreas artísticas e para todas as idades. Alguns deles:

— Serão mais de 25 shows com artistas de renome nacional e a abertura de cada evento será feita por artistas locais;

— Salão de Ideias com grandes nomes da literatura nacional e convidados estrangeiros vão conversar, debater com o público e participar de sessões de autógrafos;

— Exposições de artes visuais e outras atividades culturais ligadas aos homenageados da Feira que são a Grécia, o Estado de Santa Catarina, o escritor José Saramago, o patrono Maurílio Biagi Filho, a autora infanto-junvenil Luciana Savaget e o autor da terra homenageado Saulo Gomes;

— Palavra Cantada com apresentações diárias das obras de compositores da música popular brasileira com as letras analisadas e comentadas por especialistas;

— Serestas e saraus literários;

— Sessões de autógrafos com aproximadamente 100 autores nacionais, regionais e locais;

— Sessões de contadores de estórias voltadas às crianças da rede municipal da cidade e da região com horário marcado. Este evento é muito importante porque as cidades da região trazem os alunos para assistirem às apresentações;

— O Cinema na Feira é montado em um espaço na praça onde são apresentados os documentários, curtas locais e grandes filmes do cinema mundial e os nacionais baseados em livros que podem ser encontrados na Feira;

— Concertos da Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e apresentações de corais da cidade;

— Oficinas de literatura, cursos, workshops e palestras para professores;

— Dança de leitura dramática, cultura negra e cordel;

— A Vila do Livro é um estande só para crianças, que mostra de maneira lúdica a elaboração do livro;

— Estande das Editoras Universitárias oferece um desconto de até 60% na venda de livros.

Sobre a Fundação Feira do Livro

Criada em fevereiro de 2004, a Fundação Feira do Livro é uma entidade sem fins lucrativos, constituída utilidade pública municipal e estadual. A Fundação tem por principal finalidade a promoção da cultura, da educação, da difusão do livro e da leitura e, prioritariamente, a formação de leitores.

Esse objetivo se realiza através de projetos, ações, campanhas e estudos relativos à leitura e à formação desses novos leitores. A Fundação também estimula e monitora a atuação legislativa referente às políticas públicas de cultura. Uma das prioridades é colaborar com entidades públicas e privadas em tudo que possa ser de interesse público relacionado ao livro, à leitura e à promoção do patrimônio histórico. A Fundação busca estimular intercâmbios, seminários, fóruns, cursos e celebrar convênios e contratos com entidades públicas nacionais e internacionais no âmbito das finalidades estatutárias.

Ribeirão Preto, a 319 km de São Paulo, com uma população de mais de 600 mil habitantes, possui o honroso título de “Capital da Cultura” e é considerada o polo de atração do Nordeste Paulista, uma região que congrega mais de 120 municípios em um raio de 150 quilômetros e uma população de mais de três milhões de habitantes. O Produto Interno Bruto (PIB) regional é de US$ 23 bilhões, superior ao da maioria dos países da América Latina. Toda esta população procura a cidade pela pujança de seu comércio, pela qualidade de suas universidades, pela diversificação de seus serviços e pela intensa vida cultural que Ribeirão Preto oferece.

A Fundação promove, anualmente, junto com a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, a Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto (SP), uma das quatro mais importantes do Brasil e uma das maiores a céu aberto do mundo. Esta Feira é realizada em praças e espaços culturais em seu entorno, num total de 16 mil m2 (sendo 3 mil m2 de área coberta), evento de reconhecimento nacional e internacional que já faz parte do calendário da cidade e da região. Esse espaço, na sua totalidade, é utilizado pelos organizadores da Feira Nacional do Livro para abrigar as mais de 600 atividades.

O local é chamado “Quarteirão Paulista”, que compreende três prédios, um Teatro de Ópera, um prédio que abriga o Centro Cultural de Ribeirão Preto e duas praças, todos construídos entre as décadas de 20 e 30 do século passado e tombados pelos órgãos responsáveis pela preservação do Patrimônio Histórico, tanto municipal como estadual. O local tem alta circulação de público, com uma movimentação média de 50 mil pessoas por dia.

A Feira Nacional do Livro de Ribeirão Preto é muito mais que uma grandiosa oportunidade de venda de livros no interior de São Paulo, um dos maiores mercados do país. O evento assumiu a condição de grande evento cultural, turístico e econômico da região, seu crescimento impulsiona a economia da cidade e da região com a movimentação do comércio, dos prestadores de serviços, hotéis, bares, restaurantes e shoppings centers. É um evento que projeta a cidade nacionalmente. As atrações oferecidas são todas gratuitas para a população, com o objetivo de proporcionar acesso gratuito às atividades culturais.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Pedro Du Bois (Poesias Escolhidas)


INTERESSAR

Sou do desinteresse o ouvido
parco das novidades, o mundo
na extensão da casca do ovo

não procuro o novo
e a novidade flutua
ante meus olhos

(não há importância
na descoberta: o novo
derruba o que resta).

RECOMEÇO

Sou remanescente, lado avesso
ao desconhecimento. O oposto ao corpo,
luz. A bravura da ovelha, o cão guardando
o rebanho. Recomeço.

Habito terras desprezadas e me faço estéril
pensamento. Guardo a palavra.

Sou vento impreciso e ágil
sobre a cobertura. Espalho a poeira
e a misturo entre lajes.

HÓSPEDES

Hóspede na inutilidade perco
a paciência em obviedades:
ao responder anseios interiores
rasgo paredes com palavras
alarmadas ao milagre e refaço
a noite divulgada ao acaso: junto
o teor do expediente e o declino
em versos: no inverso da jornada
esqueço a escala crescente
das necessidades:

hospedo a maldade
ultrapassada.

Sobram cicatrizes em calosidades:
esquecer ainda é o maior mistério

CRESCER

A antevisão do inferno
conforma a figura ensinada
enquanto criança: ter sido
criança antes
da história
adulterada

o menino ativa idéias
descomunais ao corpo
ingente, purgado
em vitaminas inexistentes

o inferno desdobrado
em passos: passado
recoberto em eras.
Floresta desbastada.

DESPREZO

Desprezado ao sustento
despedaço o corpo à estrada: ir e vir
em bifurcado
corpo

estraçalho a vontade
ao recontar pedaços
inaproveitáveis

repouso antes da viagem
na longitude programada

imerso em pensamentos
penso a passagem
do pássaro escalado
ao morro atrás da casa

ao sustento identifico
a fome: restam fatias
intercaladas.

Fonte:
O Autor

Renato Alt (Árula)


É verdade. Faz algum tempo já.

Fiquei pensando se devia falar com você ou não. Ainda não tenho bem certeza se decidi pelo que é certo, mas como até o que é certo tantas vezes se mostra confuso e impreciso, revolvi escrever meio que por impulso mesmo. Sei que uma das coisas que mais a incomodavam era justamente essa impulsividade, essa inconsequência adolescente, e você sabe melhor do que ninguém - talvez até do que eu mesmo - o quanto tentei mudar e agir de forma diferente, o quanto respirei fundo e caminhei para um lado enquanto meu espírito empurrava-me para outro, e o quanto eu roubei de mim mesmo a fim de agir de maneira que me tornasse melhor, ou que pelo menos você achasse melhor, e que, no final, sempre, acabava por nada adiantar, já que os padrões de comportamento que você estabeleceu são impossíveis de serem seguidos, mesmo por você, o que nos tornava companhia tempestuosa e aflitiva um para o outro durante todo o tempo em que estávamos, e estivemos, juntos.

Mas hoje eu quero lembrar de outras coisas. Antes que pense que pretendo, com isso, tê-la de volta, faço questão de dizer que não é o caso. Não quero. Mesmo. Penso em mim como estou agora e tento projetar como seria se você estivesse aqui e, desculpe a franqueza, é quase um alívio saber que não está. Mas dizer que o que tivemos foi apenas um acúmulo de cansaço também não seria justiça: fomos intensos. Talvez intensos demais. Não arrependo-me de nada, ainda que, sinceramente, duvido que aguentasse um dia a mais.

Quero lembrar de quando fomos àqueles lugares perdidos em meio à mata e à chuva, descobrindo espaços que pareciam preparados justamente para recompensar aqueles que saíram em sua busca. Quero lembrar de quando ouvíamos música e bebíamos vinho madrugada adentro, dando novas interpretações para as letras das músicas de maneira que todas elas pareciam contar a nossa história. Quero lembrar de quando pegávamos o carro e saíamos sem destino, tornando, assim, alcançáveis todos os lugares do planeta. Quero lembrar de quando ficávamos sozinhos e nos perdíamos um no outro, sem pressa, despreocupados do mundo que insistia em suas mazelas porta afora, sabendo que nada era mais importante do que o que tínhamos ali.

Sei de tudo o que vivemos. Sei do tanto que vivemos.E sei que você, à essa hora, coça a cabeça procurando uma razão, qualquer que seja, que justifique estas minhas palavras. Mas aí está a grande magia da qual eu já estava me esquecendo: nem tudo precisa seguir a lógica.

Deixo para outro momento uma despedida mais emocionada, mesmo porque sequer sei se essas palavras vão mesmo encontrá-la. Se sim, receba meu beijo carinhoso. Se não, tudo bem: como tantos outros sentimentos que se apresentaram, guardo também esse, como tesouro que não há de conhecer outro dono.

Talvez um dia, quem sabe, entre um gole e outro, possamos reviver idos tempos.
Ainda que eu ache que não devamos contar com isso.

Fonte:
http://aperteoalt.blogspot.com/

Machado de Assis (Conto de Escola)


A ESCOLA era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia — uma segunda-feira, do mês de maio — deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant’Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão.

Na semana anterior tinha feito dous suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do Arsenal de Guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado ao balcão. Ora, foi a lembrança do último castigo que me levou naquela manhã para o colégio. Não era um menino de virtudes.

Subi a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e cheguei a tempo; ele entrou na sala três ou quatro minutos depois. Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído. Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais. Uma vez sentado, extraiu da jaqueta a boceta de rapé e o lenço vermelho, pô-los na gaveta; depois relanceou os olhos pela sala. Os meninos, que se conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se. Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.

— Seu Pilar, eu preciso falar com você, disse-me baixinho o filho do mestre.

Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta ou cinqüenta minutos; vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco.

— O que é que você quer?
— Logo, respondeu ele com voz trêmula.

Começou a lição de escrita. Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos, mas deixava-me estar a recortar narizes no papel ou na tábua, ocupação sem nobreza nem espiritualidade, mas em todo caso ingênua. Naquele dia foi a mesma coisa; tão depressa acabei, como entrei a reproduzir o nariz do mestre, dando-lhe cinco ou seis atitudes diferentes, das quais recordo a interrogativa, a admirativa, a dubitativa e a cogitativa. Não lhes punha esses nomes, pobre estudante de primeiras letras que era; mas, instintivamente, dava-lhes essas expressões. Os outros foram acabando; não tive remédio senão acabar também, entregar a escrita, e voltar para o meu lugar.

Com franqueza, estava arrependido de ter vindo. Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos.

— Fui um bobo em vir, disse eu ao Raimundo.
— Não diga isso, murmurou ele.

Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma cousa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco; era uma coisa particular.

— Seu Pilar... murmurou ele daí a alguns minutos.
— Que é?
— Você...
— Você quê?

Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado, e o Raimundo, notando-me essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera. Confesso que começava a arder de curiosidade. Olhei para o Curvelo, e vi que parecia atento; podia ser uma simples curiosidade vaga, natural indiscrição; mas podia ser também alguma cousa entre eles. Esse Curvelo era um pouco levado do diabo. Tinha onze anos, era mais velho que nós.

Que me quereria o Raimundo? Continuei inquieto, remexendo-me muito, falando-lhe baixo, com instância, que me dissesse o que era, que ninguém cuidava dele nem de mim. Ou então, de tarde...

— De tarde, não, interrompeu-me ele; não pode ser de tarde.
— Então agora...
— Papai está olhando.

Na verdade, o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o muitas vezes com os olhos, para trazê-lo mais aperreado. Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as idéias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória. E essa lá estava, pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, despendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer.

No fim de algum tempo — dez ou doze minutos — Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim.

— Sabe o que tenho aqui?
— Não.
— Uma pratinha que mamãe me deu.
— Hoje?
— Não, no outro dia, quando fiz anos...
— Pratinha de verdade?
— De verdade.

Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me de longe. Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dous tostões, não me lembro; mas era uma moeda, e tal moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois perguntou-me se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não.

— Mas então você fica sem ela?
— Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?

Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguira reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...

Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada.

Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria, — e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal, — parece que tal foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor, — mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação... Realmente, era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre, que continuava a ler, com tal interesse, que lhe pingava o rapé do nariz. — Ande, tome, dizia-me baixinho o filho. E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante... Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia? E ele não podia ver nada, estava agarrado aos jornais, lendo com fogo, com indignação...

— Tome, tome...

Relancei os olhos pela sala, e dei com os do Curvelo em nós; disse ao Raimundo que esperasse. Pareceu-me que o outro nos observava, então dissimulei; mas daí a pouco deitei-lhe outra vez o olho, e — tanto se ilude a vontade! — não lhe vi mais nada. Então cobrei ânimo.

— Dê cá...

Raimundo deu-me a pratinha, sorrateiramente; eu meti-a na algibeira das calças, com um alvoroço que não posso definir. Cá estava ela comigo, pegadinha à perna. Restava prestar o serviço, ensinar a lição e não me demorei em fazê-lo, nem o fiz mal, ao menos conscientemente; passava-lhe a explicação em um retalho de papel que ele recebeu com cautela e cheio de atenção. Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para aprender um nada; mas contanto que ele escapasse ao castigo, tudo iria bem.

De repente, olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau. Disfarcei; mas daí a pouco, voltando-me outra vez para ele, achei-o do mesmo modo, com o mesmo ar, acrescendo que entrava a remexer-se no banco, impaciente. Sorri para ele e ele não sorriu; ao contrário, franziu a testa, o que lhe deu um aspecto ameaçador. O coração bateu-me muito.

— Precisamos muito cuidado, disse eu ao Raimundo.
— Diga-me isto só, murmurou ele.

Fiz-lhe sinal que se calasse; mas ele instava, e a moeda, cá no bolso, lembrava-me o contrato feito. Ensinei-lhe o que era, disfarçando muito; depois, tornei a olhar para o Curvelo, que me pareceu ainda mais inquieto, e o riso, dantes mau, estava agora pior. Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes, nem o mestre fazia caso da escola; este lia os jornais, artigo por artigo, pontuando-os com exclamações, com gestos de ombros, com uma ou duas pancadinhas na mesa. E lá fora, no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele. Imaginei-me ali, com os livros e a pedra embaixo da mangueira, e a pratinha no bolso das calças, que eu não daria a ninguém, nem que me serrassem; guardá-la-ia em casa, dizendo a mamãe que a tinha achado na rua. Para que me não fugisse, ia-a apalpando, roçando-lhe os dedos pelo cunho, quase lendo pelo tato a inscrição, com uma grande vontade de espiá-la.

— Oh! seu Pilar! bradou o mestre com voz de trovão.

Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo.

— Venha cá! bradou o mestre.

Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda a escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar a curiosidade e o pavor de todos.

— Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? disse-me o Policarpo.
— Eu...
— Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! clamou.

Não obedeci logo, mas não pude negar nada. Continuei a tremer muito. Policarpo bradou de novo que lhe desse a moeda, e eu não resisti mais, meti a mão no bolso, vagarosamente, saquei-a e entreguei-lha. Ele examinou-a de um e outro lado, bufando de raiva; depois estendeu o braço e atirou-a à rua. E então disse-nos uma porção de cousas duras, que tanto o filho como eu acabávamos de praticar uma ação feia, indigna, baixa, uma vilania, e para emenda e exemplo íamos ser castigados.

Aqui pegou da palmatória.

— Perdão, seu mestre... solucei eu.
— Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão!
— Mas, seu mestre...
— Olhe que é pior!

Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão. Chamou-nos sem-vergonhas, desaforados, e jurou que se repetíssemos o negócio apanharíamos tal castigo que nos havia de lembrar para todo o sempre. E exclamava: Porcalhões! tratantes! faltos de brio!

Eu, por mim, tinha a cara no chão. Não ousava fitar ninguém, sentia todos os olhos em nós. Recolhi-me ao banco, soluçando, fustigado pelos impropérios do mestre. Na sala arquejava o terror; posso dizer que naquele dia ninguém faria igual negócio. Creio que o próprio Curvelo enfiara de medo. Não olhei logo para ele, cá dentro de mim jurava quebrar-lhe a cara, na rua, logo que saíssemos, tão certo como três e dous serem cinco.

Daí a algum tempo olhei para ele; ele também olhava para mim, mas desviou a cara, e penso que empalideceu. Compôs-se e entrou a ler em voz alta; estava com medo. Começou a variar de atitude, agitando-se à toa, coçando os joelhos, o nariz. Pode ser até que se arrependesse de nos ter denunciado; e na verdade, por que denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma cousa?

" Tu me pagas! tão duro como osso!" dizia eu comigo.

Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na Rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na Rua larga São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De tarde faltou à escola.

Em casa não contei nada, é claro; mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dous meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar à escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos...

De manhã, acordei cedo. A idéia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não, que elas eram bonitas! Mirava-as, fugia aos encontros, ao lixo da rua...

Na rua encontrei uma companhia do batalhão de fuzileiros, tambor à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto. Os soldados vinham batendo o pé rápido, igual, direita, esquerda, ao som do rufo; vinham, passaram por mim, e foram andando. Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor... Olhei para um e outro lado; afinal, não sei como foi, entrei a marchar também ao som do rufo, creio que cantarolando alguma cousa:

Rato na casaca... Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E contudo a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação; mas o diabo do tambor...

Fontes:
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. Editora Martin Claret

Machado de Assis (Análise dos Contos de “Várias Histórias”: 12. Conto de Escola)



Análise realizada pelo Prof. Bartolomeu Amâncio da Silva. Bacharel em Letras, pela USP, professor de literatura da rede Objetivo (colégios e cursos pré-vestibular).
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Conto de Escola, de Machado de Assis, narra o primeiro contato de um menino, Pilar, com a corrupção e a delação. O conto segue a tradição do estilo com que Machado de Assis se apresenta como memorialista.

O conto apresenta uma linguagem simples, frases curtas, mas de grande impacto, apresenta antíteses (idéias diferentes), paradoxos (idéias contrárias em equilíbrio) que fazem com que o conto pulse. Mostrando bem como Machado de Assis procurava entender a alma humana e como as relações humanas interferem na essência e na aparência.

O personagem tem sua lição de vida, através da corrupção e da delação, recebendo seu castigo e levando-o a reflexão e ao arrependimento, mas deixando bem claro que “cada um tem seu preço”, que o ser humano sempre acaba se vendendo.

Além de fazer parte de um livro que se considera como o apogeu da narrativa curta machadiana, Várias Histórias, o conto possui também valor estilístico próprio e características distintivas, já assinaladas pela crítica: apóia-se, muito provavelmente, em reminiscências da infância, harmoniza a narrativa de personagem com a narrativa analítica e concentra seu foco crítico e reflexivo sobre a formação do caráter. Trata-se de um conto sobre educação e sobre a escola.

Ambientado no Rio de Janeiro de 1840, Conto de Escola é resultado das reminiscências nada agradáveis de Pilar, seu narrador-protagonista, em relação aos tempos de primário. Narrado em primeira pessoa, o conto inicia-se com uma precisa indicação de data e de local:

A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de l840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã. Hesitava entre o morro de S. Diogo e o Campo de Sant'Ana, que não era então esse parque atual, construção de gentleman, mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. (Machado de Assis, 1959b, p. 532)

Pilar (o narrador quando criança), hesitante entre os espaços livres e abertos, locais para brincar, acaba optando pela escola. Motivo da opção: o castigo que o pai lhe aplicara (uma sova de vara de marmeleiro), por ter faltado duas vezes às aulas. Já na escola, recebe de outro menino, Raimundo, filho do mestre, uma proposta: trocar uma explicação por uma moeda de prata. Outro aluno, Curvelo, vai ao mestre e delata os colegas. O severo professor, Policarpo, castiga os meninos, batendo neles com a palmatória. Pilar promete vingar-se, mas Curvelo foge com medo. No dia seguinte, após sonhar com a moeda, Pilar sai com a intenção de procurá-la, já que o mestre, antes da punição, a havia atirado à rua. Estando a procurar a moeda, Pilar se sente atraído por um batalhão de fuzileiros. Acompanha-o e depois retorna para casa sem moeda e sem ressentimentos. Adulto, o narrador, rememorando esses fatos, salienta que Raimundo e Curvelo foram os primeiros a lhe mostrar a existência da corrupção e da delação. O conto mostra de imediato o problema da relação entre professor e alunos, bem como o problema da formação moral.

O narrador-protagonista, Pilar, tem uma inteligência superior à dos seus companheiros de sala. O problema é que o seu comportamento não é nada recomendável, principalmente pelo fato de estar acostumado a cabular aula. No momento tratado pela narrativa, só não tinha ido cabular porque havia apanhado do pai, que descobrira essa falha.

Interessante é notar neste conto que a escola, apresentada como prisão, algo sufocante, acaba preparando de fato a personagem para a vida, mesmo que de forma torta.

Como visto, tudo começa quando Raimundo, o angustiado corruptor, filho do mestre, oferece uma moeda a Pilar, seu colega de classe, em troca de umas lições de sintaxe. Curvelo, o delator que era um pouco levado do diabo, os denuncia ao professor e ambos, Raimundo e Pilar, são violentamente castigados com doze bolos de palmatória cada.

Conto de escola não é de estilo propriamente machadiano, pois em seu conteúdo destaca-se a esperança. Isto é, existe a possibilidade de que, na inocência das crianças, o rumo ético e político da nação possa ser mudado, seria a representação da idéia de que as gerações seguintes poderiam vir a ser mais honestas e de bom caráter. O autor demonstra tal posicionamento a partir do instante em que descreve o fato de o som de um tambor, juntamente da marcha militar, se tornar mais importante, aos olhos de Pilar, do que uma moeda de prata, cuido que doze vinténs ou dous tostões. Dessa forma, Machado deu um final puramente lírico ao conto, fazendo com que a batida do tambor induzisse o herói a abandonar a idéia de vingança contra Curvelo e desistir de encontrar a moeda, representando assim a alegria e a inocência da criança.

Entretanto, pode-se discordar de tão inocente interpretação. Ora, por que então Machado iria se importar em caracterizar o tambor, no final da história, como o diabo do tambor? Crê-se que nesse termo se faz presente, mais uma vez, bem como nas demais obras da chamada segunda fase, o pessimismo e a ironia do autor. Pois, considerando-se que o conto foi narrado em primeira pessoa do singular, trata-se, portanto, do relato feito pela personagem sobre suas lembranças em um determinado momento de sua vida. Pode-se afirmar que há a presença do arrependimento de Pilar por não ter pego a moedinha de prata, já que o narrador refere-se ao tambor fazendo uso da palavra diabo, como se o instrumento musical fosse o culpado pela distração da personagem, conseqüentemente da perda do lucro. Tem-se então o ponto de vista de um adulto que, caso a mesma situação se repetisse em dias atuais, provavelmente voltaria para pegar a moeda, o que reforça a idéia da perda da inocência a medida em que o ser humano aproxima-se da fase adulta. Logo, é descoberta, nessa situação, o pessimismo machadiano, em que há o desmoronamento de uma ilusão: a de que as crianças representam a possibilidade de um futuro melhor e mais justo para a humanidade.

Pode-se afirmar que Pilar se sentiu na obrigação de ajudar Raimundo, por ser este seu amigo. Porém deve-se deixar claro que, conforme o próprio Pilar afirma, teria ajudado o filho do mestre de qualquer modo, sem que este precisasse lhe dar algo em troca. Tem-se, neste pensamento, a solidariedade e o senso de companheirismo, considerados pela sociedade, em geral, características de um bom caráter.

Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes, mas parece que era a lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria (...), mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como relíquia ou brinquedo. (MACHADO, 1997, p. 107)

Como observa-se, a corrupção presente nesse conto de Machado, é representada pelo ato de Raimundo em pagar seu amigo, Pilar, para que este lhe ensinasse, às escondidas, o conteúdo desejado, na implícita condição de que ambos assumissem, frente ao mestre e aos colegas, a melhora das notas do primeiro como sendo único e exclusivo mérito seu. O ciclo da corrupção se completa com o aceite da proposta por Pilar. Mas, então, surge a possível pergunta do leitor perante tal situação: seria Raimundo uma criança de má índole? O que o teria levado a tal ato?

O autor utiliza-se de um realismo sutil que permite ao leitor atento uma interpretação mais detalhada da situação. Ele fornece pistas ao longo da história que ajudam o leitor a formular hipóteses, as quais podem levá-lo a conclusões mais precisas. Por exemplo, no caso de Raimundo, poderia explicar-se a ação do filho do mestre baseando-se na idéia do medo que o mesmo sentia do pai. Medo de levar uma surra de palmatória frente a possíveis notas baixas e, conseqüentemente, medo da humilhação que sentiria perante a classe. Já que, conforme o próprio narrador afirma, Raimundo era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco. Além do medo ao pai, existe a idéia da gratidão ao amigo. Na sociedade brasileira, tem-se o costume de dar presentinhos frente a um favor como forma de agradecimento. Portanto, não seria incorreto afirmar que Raimundo usou-se da moeda de prata não somente para garantir uma lição bem dada, conforme demonstrado na citação anterior: o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria (...), mas também para demonstrar ao amigo consideração.

Embora a cena mais dramática do conto tenha se desenrolado no episódio ocorrido em sala de aula, esta serve apenas como ponto de contraste com a liberdade a que o protagonista tanto almejava nas brincadeiras de rua. No final, o que importa é que se conhece um pouco do que foi a infância para este narrador-personagem e como ele reagia ao mundo que o cercava: “Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem pratinha no bolso, nem ressentimento na alma”.

O narrador, personagem central, não tem acesso ao estado mental das demais personagens. Narra de um centro fixo, limitado quase que exclusivamente às suas percepções, pensamentos e sentimentos.

As cenas da infância são rememoradas por Pilar adulto, que as transmite ao leitor, captando as suas próprias impressões, reações, pensamentos e sentimentos na época em que tudo aconteceu. Há, então, uma (re)construção do enunciado, ou fato narrado, que se dá no passado, durante a infância de Pilar, e toda a história chega ao leitor por meio da enunciação, ou seja, a instância produtora do discurso narrativo, qual seja: o discurso do narrador.

O dialogismo presente em Conto de Escola

Viu-se como o narrador-protagonista Pilar constrói sua imagem perante o leitor: não era um menino de virtudes. Esta é uma das primeiras informações que dá sobre si mesmo. E ao falar de si, falou muito sobre seu pai.

Vê-se como o autor trabalha essas relações bivocais. Neste primeiro momento observa-se a oposição pai versus filho. O filho só se entende como tal em contraste com a figura paterna. Mais adiante, a relação dialógica se dará na comparação de si mesmo com o colega Raimundo, sobre quem afirma:

era mole, aplicado, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas para reter aquilo que a outros levava trinta ou cinqüenta minutos (...) Era uma criança fina, pálida, cara doente; raramente estava alegre” (ASSIS, 1980, p. 190).

Note-se agora como o narrador descreve a si próprio:

Custa-me dizer que eu era um dos mais adiantados da escola; mas era. Não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra convicção. Note-se que não era pálido nem mofino: tinha boas cores e músculos de ferro. Na lição de escrita, por exemplo, acabava sempre antes de todos” (ASSIS, 1980, p. 190)

Faz-se nítida a relação dialógica construída entre Pilar e Raimundo. E este último reconhece a “superioridade” do protagonista ao pedir-lhe explicação sobre um ponto da matéria dada.

A construção dos ambientes presentes na narrativa também se dá por confronto: o espaço da escola versus o espaço da rua. Recorde a passagem em que, arrependido de ter ido à aula, Pilar observa o movimento na rua:

Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba. E eu na escola, sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e a gramática nos joelhos” (ASSIS, 1980, p. 191)

A imagem liberta do papagaio de papel, voando no “claro céu azul” contrasta com o espaço da sala de aula, onde se devia sentar de “pernas unidas”. O narrador recorda-se da escola como uma prisão.

O delator Curvelo também é construído em contraste com os meninos da rua: “Esse Curvelo era um pouco levado do diabo” (ASSIS, 1980, p. 191) e “Olhei para o Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau” (ASSIS, 1980, p. 193).

Curvelo personifica na narrativa de Pilar o diabólico, o caráter obscuro do ser humano. Por outro lado, tem-se: “pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das Escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano” (ASSIS, 1980, p. 190). Interessante que, ao dizer “pensava nos outros meninos vadios”, o narrador-protagonista transmite mais uma informação sobre si: Pilar também era um vadio. E a vadiagem para ele tem uma conotação positiva, já que esta se atribui à “fina flor do bairro e do gênero humano” e se mantém em contraponto à aplicação dos meninos que se encontravam em sala de aula: Raimundo é o corruptor e Curvelo, o delator. Nas entrelinhas, consegue-se perceber o quão imbuída de valores e significações é a obra de Machado de Assis.

A figura do professor Policarpo torna-se mais um alvo do crítico olhar machadiano, que se faz presente na enunciação de Pilar. O professor poderia representar aqui as instituições de ensino como um todo:

Entrou com o andar manso do costume, em chinelas de cordovão, com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e tesa e grande colarinho caído.
Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinqüenta anos ou mais
” (ASSIS, 1980, p. 190)

A descrição nos apresenta uma figura em decadência, que lia todo o jornal durante a aula, enquanto cheirava rapé, e que ameaçava constantemente os alunos com a palmatória.

Tensões da narrativa

Vê-se que Conto de Escola é um conto de formação da personalidade do personagem Pilar, onde através da aprendizagem, acontece a quebra da inocência. Esse conto apresenta muitas tensões, as quais são muito importantes para a “formação de Pilar”. A dúvida está presente em todos os momentos, Pilar é um personagem que vive em completa hesitação, já no primeiro parágrafo do conto, pode-se observar a primeira tensão, onde ele começa a narrativa situando o leitor no tempo e no espaço, e já apresentando a sua primeira hesitação:

Hesitava entre o “morro” de S. Diogo e o “campo” de Sant’Ana...”. “Morro ou Campo? Tal era o problema. De repente disse comigo que o melhor era a escola”.

Nesse parágrafo, já se pode observar as contradições e dúvidas presentes no personagem, onde também os elementos “Morro” e “Campo” são muito significativos para o conto e para expressar os sentimentos do personagem Pilar, porque o “Morro” representando um lugar de emoções altas e o “Campo” de emoções baixas, mas o personagem acaba ficando no meio termo e decide ir pra “escola”, que também é outro elemento que traz um grande significado para o conto, pois a escola é onde se aprende os sentimentos elevados e sentimentos baixos.

“Com franqueza, estava arrependido de ter vindo.” “Agora que ficava preso ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios,...”. Pode-se perceber aqui mais uma vez a dúvida e o desejo de estar livre, assim como os meninos vadios, mas como ele vive da aparência e não a essência, ele não consegue fazer isso, vivendo em constante hesitação pela preocupação em manter as aparências. Já os meninos que ele cita, já viviam na essência, como se percebe claramente através da sua descrição, “... a fina flor do bairro e do gênero humano”. Durante esse parágrafo inteiro temos presente a tensão liberdade x aprisionamento, demonstrada pelas idéias contraditórias do personagem. “Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do morro do Livramento (símbolo da liberdade), um papagaio de papel (outro símbolo de liberdade)...”; “E eu na escola sentado, pernas unidas, com o livro de leitura e gramática nos joelhos (idéias contraditórias liberdade e prisão)". Nesse parágrafo também temos presente a tensão “consciência e desejo”, a consciência faz com que ele vá para a escola, e mesmo estando arrependido ele está lá, mas tem o desejo de estar livre, uma luta entre consciência (aparência) e desejo (essência).

A tensão “honestidade e corrupção” começa a ser apresentada, quando Raimundo quer pedir algo à Pilar. Curvelo começa a observá-los, como podemos observar: “Olhei para ele; estava mais pálido”. “... lembrou-me que queria pedir-me alguma cousa...”; “Ele deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um destes, o Curvelo, olhava para ele, desconfiado...”. Uma característica presente em o Conto de Escola é a construção através do olhar.

“... mostrou-me de longe...”; “... mas era uma moeda e tal moeda que fez pular o sangue no coração”. “Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois me perguntou se a queria para mim”. Nesses fragmentos podemos observar que o processo de corrupção já foi despertado, e o desejo pela moeda também.

Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços, ele me daria à moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe”. “E concluiu a proposta esfregando a pratinha nos joelhos...” (corrupção x desejo).

Começa assim a primeira lição para Pilar, a aprendizagem pela corrupção, ele se vende por dinheiro, cai em tentação, passando então por um processo de crescimento, como se pode observar no seguinte fragmento: “Tive uma sensação esquisita. Não é que eu possuísse da virtude uma idéia antes própria de homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca de lição e dinheiro...”

Acontece nesse parágrafo também, o processo de enganação por dinheiro. Mas Pilar tenta dar uma explicação para sua corrupção: “Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que Raimundo, não tendo aprendido recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a cousa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes...”; “... o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada e não aprender o que queria...”; “...parece que tal foi a causa da proposta”.

O pobre diabo (Pilar usa essa expressão para se referir a Raimundo, por este estar corrompendo-se) contava com o favor, - mas queria assegurar-lhe a eficácia...”; “...pegou dela e veio esfregá-la, à minha vista, como uma tentação...”. “Realmente era bonita, fina, branca, muito branca; e para mim, que só trazia cobre no bolso, quando trazia alguma cousa, um cobre feio, grosso, azinhavrado...” Ele faz aqui um balanço do conto, e tenta provar sua honestidade.

Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la”, (idéias contrárias novamente). “Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia?” Nesse trecho Pilar faz jus ao ditado “o que os olhos, não vê, o coração não sente”.

De repente, olhei para Curvelo e estremeci; tinha os olhos em nós, com um riso que me pareceu mau”. Aqui fica clara a maldade e inveja de Curvelo, levando o personagem Pilar a um tempo psicológico, onde as horas parecem se arrastar e ele começa a devanear; “... no céu azul, por cima do morro, o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me chamasse a ir ter com ele...”.

Seu devaneio é interrompido pelo grito do mestre chamando-o, começando aqui uma tempestade para Pilar e Raimundo. “Fui e parei diante dele”. “... enterrou-me pela consciência dentro de um par de olhos pontudos...”. “Toda a escola tinha parado...”.

Curvelo o delator de Pilar e Raimundo, faz com que a máscara da aparência caia, tendo sua essência invadida, o “pilar” tão sólido desmorona.

No seguinte parágrafo tem-se mais uma vez a tensão inveja, através de Curvelo, que comete a delação, pelo fato de estar tomado pela inveja, mas arrependendo-se depois por ver o castigo que o mestre aplica a Raimundo e Pilar: “... pode ser até que se arrepende-se de nos ter denunciado; e na verdade, porque denunciar-nos? Em que é que lhe tirávamos alguma coisa?” Bem demonstrado aqui, que a inveja muitas vezes domina o ser humano, levando-os a cometer “atos” movidos pelo simples desejo de prejudicar, sem que tenha lucro algum.

Simbologia no conto

Os elementos simbólicos vão compondo o conto e fazendo com que através deles possamos interpretar o conto de várias formas. Todos os elementos simbólicos são muito importantes, e eram pensados por Machado de Assis, de maneira que oferecessem uma leitura plurissignificativa, pois através da análise desses símbolos o conto pode ter várias interpretações.

Começando pelo título, temos o “Conto de Escola”, conto enquanto gênero literário e conto no sentido de enganação, “conto do vigário”.

O nome do personagem principal é “Pilar”, porque representa algo sólido, forte, inabalável, que ainda não foi corrompido.

O nome do mestre é “Policarpo”, (Poli – vários – carpo – frutos), homem de vários frutos.

O papagaio é para Pilar o símbolo da liberdade, expressa o desejo de estar livre, porque o papagaio voa livre pelo céu, enquanto ele está preso dentro da sala de aula na escola, de onde ele vê a “liberdade” pela “janela”, essa representando as grades de uma prisão, de onde ele vê a liberdade, mas não está livre, porque as paredes e a janela são uma barreira, impedindo-o de estar livre, como podemos observar no seguinte fragmento: “... vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu...”, “... um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que bojava no ar, uma cousa soberba”.

A palmatória, ao mesmo tempo que representa a opressão, um instrumento usado para castigar, acaba representando também a liberdade pois estava pendurada perto da janela (símbolo por onde Pilar vê a liberdade), como podemos observar: “O pior que ele podia ter, para nós, era a palmatória”. “... pendurada do portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo”.

A pratinha simboliza o desejo, a ganância, a tentação é o que leva o personagem Pilar à “corrupção”. Para Pilar a pratinha é muito importante, pois ele nunca teve uma, o desejo de tê-la leva-o a aceitar a troca de serviços entre ele e Raimundo. “... era bonita, fina, branca, muito branca...”; “E a pratinha fuzilava-lhe entre os dedos, como se fora diamante...”.

O relógio representa a “tortura” para Pilar, pois as horas parecem se arrastar, levando o personagem a um tempo psicológico. “Não é preciso dizer que também eu ficara em brasas, ansioso que a aula acabasse; mas nem o relógio andava como das outras vezes...”.

Ao final do conto, o batalhão de fuzileiros acaba simbolizando o restabelecimento da ordem, pois o texto começa com a ordem, passa para a desordem e ao final a ordem é restabelecida. “Na rua encontrei uma companhia do batalhão (ordem) de fuzileiros, tambor (consciência) à frente, rufando. Não podia ouvir isto quieto”. “Eu senti uma comichão nos pés, e tive ímpeto de ir atrás deles. Já lhes disse: o dia estava lindo, e depois o tambor (consciência)...”.

E Pilar que havia saído de casa para procurar a pratinha que o mestre havia jogado na rua da escola, acaba desistindo e segue o batalhão, ao rufar do tambor, ao final da tarde volta para casa todo sujo, sem a pratinha no bolso, e sem ressentimento na alma. “Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, e depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na Praia da Gamboa. Voltei para casa com as calças enxovalhadas, sem a pratinha no bolso nem ressentimento na alma”.

Machado permite que se conclua que o ato corrupto, representado no conto, tenha sido uma conseqüência do medo de Raimundo por seu pai. Portanto, deixa claro que a culpa não pertence somente às crianças envolvidas, mas também ao professor. Machado mostra com isso que as ações individuais podem ser frutos de um convívio social, sendo que não se pode culpar apenas uma ou duas pessoas, mas grande parte delas, por determinadas situações.

Ao final desse conto, analisando de maneira otimista, todo o processo pelo qual Pilar passa percebemos que até mesmo as crianças são capazes de se corromper, mas dentro de sua pureza e inocência, acabam seguindo a consciência e deixando as coisas materiais de lado, por isso Pilar ao final do conto acaba preferindo seguir o som do tambor (que representa sua consciência) e indo brincar, desistindo de procurar a pratinha e de se vingar de seu delator Curvelo. Adquirindo a consciência de que foram Raimundo e Curvelo que lhe deram sua primeira lição de vida, um o da corrupção e o outro o da delação.

E uma outra maneira de interpretar também o ato da corrupção no conto, é que Raimundo só fez a proposta a Pilar, por medo de ser castigado pelo pai, então recorre à pratinha num ato de desespero para fugir ao castigo, não porque realmente quisesse corromper Pilar.

Conto de Escola pode levar a muitas interpretações diferentes, mostrando assim como Machado trabalhava suas histórias, de maneira tão profunda, que fica impossível uma interpretação única para suas obras, revelando sempre um senso profundo da complexidade do homem e das contradições da alma.

Fontes: Milene V. Kloss, mestra em Literatura Comparada - UFSM Amanda do Prado Ribeiro - Bacharel em Língua e Literatura Alemã e mestra em Literatura Brasileira e Teorias da Literatura (UFF) Márcio Roberto Pereira, professor de Teoria da Literatura - Fac. Int. de Ourinhos.
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Continua… Análise do Conto “Um Apólogo”
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Fonte:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/v/varias_historias

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.122 e 123)


Duas Trovas Nacionais

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
(OLGA AGULHON/PR)

Meu coração é uma rua -
bem fechada, já se vê -
por onde transita... nua,
a lembrança de você.
(DODORA GALINARI/MG)

Duas Trovas Potiguares

Quando as sombras do poente
deitam no mar que desmaia,
um langor envolve a gente
na branca areia da praia.
(FRANCISCO BEZERRA/RN)

Ninguém deve se arriscar
no amor, se inconsequente:
– Como pode a gente amar
quem não pode amar a gente!?
(DORINHA RABELO/RN)

Duas Trovas Premiadas

1994 > Niterói/RJ
Tema > MITO > Menção Especial

Esporte... ciência... arte...
no campo em que se apresente,
o mito, sempre que parte,
leva uma parte da gente...
(WALDIR NEVES/RJ)

Os sonhos que acalentei,
nos tempos de mocidade,
foram nuvens que soltei
no céu de minha saudade!
(MARIA CARRIÇO/RN)

Simplesmente Poesia

PEREGRINAÇÃO.
– José Lucas de Barros/RN –

Foi numa tarde de estio
que eu saí de mundo afora,
pagando caro, toda hora,
o meu louco desafio.
Fiquei longe do meu rio,
pelo qual meu peito chora.
Ai, campos de doce aurora,
de sol bonito e bravio!
Por esses dias tristonhos,
minha bagagem de sonhos
foi ficando pela estrada.
Salvei muitas esperanças,
mas, na mala das lembranças,
há tempos não cabe nada.

ROSEIRA PARAÍSO.
– Francisca Alves de Sousa/CE – (Dona Nêga)

Flor, ainda não acabaste de nascer
e já procuras colorir o teu viver,
com as cores da dor e da paixão.
Guarda teu perfume flor querida!
Ainda estás a um passo da vida.
Ainda és meia flor e meio botão.
Guarda teu amor feito em perfume
porque o espinho agudo do ciúme,
está juntinho de ti em tua haste.
Deixas que Deus escolha teus caminhos
para que não sintas a dor destes espinhos
que vivem a ferir por toda parte.
Esta é a voz da mamãe flor,
que de tanto dá o seu amor,
ficou presa na haste, entre os espinhos.
E hoje vive e espera com um sorriso
que tu sejas a Roseira Paraíso,
a florescer por todo o seu caminho.

Duas Trovas de Ademar

Para alcançar o perdão,
no reino da eternidade,
vão julgar meu coração
no Tribunal da verdade!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Lágrima... Um rio dolente,
que num trajeto imperfeito,
afoga os risos da gente
nas margens sujas do leito...
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

Tive culpa, não o nego.
Naquele primeiro abraço,
eu transformei em nó cego
o que era apenas um laço
(JOÃO PEREIRA DA SILVA/MG)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Estrofes dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Uns nascem para ter sorte
outros pra levar açoite,
o viver da cor da noite
não lhe dá qualquer suporte.
Vivem só pedindo a morte,
tudo que faz dá errado.
Quando chove em seu roçado,
nasce joio, em vez de milho,
ó mãe! Pra que tanto filho?
devias ter abortado!...
(FRANCISCO MACEDO/RN)

Saudade é uma dor ferida
cravada no coração,
quanto mais você remexe
mas ela aumenta a pressão,
matando devagarzinho
sem ter dó nem compaixão.
(JOSÉ ALBERTO COSTA/AL)

Sonetos dos Dias 10 e 11 de fevereiro

Geraldo Amâncio/CE
EU QUERO

Eu quero o som de etéreas orações
nas catedrais da fé sedimentada,
e a crença pura em Deus sem ser atada
ao nó ferrenho das religiões.

Vaga-lumes flutuando em procissões
deixando a noite suave iluminada.
Eu quero arco-íris na manhã raiada
bordando a aurora com irradiações.

E depois de escutar pelas campinas
o sussurro das brisas matutinas
quero ouvir a heróica melodia

da canção libertária dos kilombos,
e placidez de um revoar de pombos
enchendo o céu de paz e de poesia.

– Geraldo Lyra/PE –
O ABRAÇO DO CRISTO REDENTOR.

O Cristo, com seus braços bem abertos,
abençoando o Rio de Janeiro,
faz o gesto de amor ao mundo inteiro,
da Patagônia aos longes dos desertos...

Porém, Salis/Di Caro, muito espertos,
nos dão o vídeo e abraço brasileiro,
pois, simboliza o Rio verdadeiro,
terra do Bem e dos destinos certos...

Emocionante cena de carinho,
a quem a Vê, com sua alma enternecida,
lembra de Deus - seus atos de ternuras

que devemos a todos do caminho,
nesta passagem breve a ser vivida,
como ensinou Jesus, nas Escrituras!

Fonte:
Ademar Macedo

Sebo Cru informa



Recebemos um grande lote de livro da editora Cultrix - Pensamento ( cerca de 1200 ) em nossa loja hoje. Eles serão catalogados ao longo da semana.

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grato

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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Jorge Saraiva Anastácio (Maringá e o Pôr-do-Sol)


O por-do-sol de Maringá é um hino gracioso ao Senhor do Universo; um desafio à natureza morta e um poema indescritível aos olhos humanos.

O esplendor, em êxtase, se queda ao contemplar, no horizonte, o panorama da luta agressiva das trevas com os venábulos solares.

Verdadeiramente nesta hora crepuscular, em que a luz do dia se extingue paulatinamente, em um repto à arte humana, o coração dos telúricos se transborda em esperança e ideais, à espera dos devaneios, que envolvem o íntimo do espírito.

É a hora, sem dúvida, das reflexões, O momento em que a mente se mergulha no infinito das indagações, à busca de meios que deem soluções a problemas, aparentemente invencíveis aos seres racionais.

Mesmo assim, indiferente aos entes inteligentes, a auréola de luz vermelha se esmaece, dando um sentido de mutação às coisas; os pássaros procuram os ninhos; as plantas se contraem, como um desafio ao dia ou como se despedissem da claridade para o sono profundo e misterioso da noite.

Na manifestação desse fenômeno de estertor, tudo é silêncio: as folhas não farfalham; as aves não gorjeiam; os galhos não crepitam e a luz, símbolo da vida, cede ao arremesso violento das trevas. Já na ausência dos matizes solares, desponta a noite soberba e sôfrega, sob a magia das estrelas coruscantes, que geram estro aos poetas, deleitam as crianças, embriagam os filósofos e os cientistas do Cosmo.

Este é, pois, o crepúsculo vespertino maringaense, em cujo espaço terrestre a tarde e a noite se fundem em autêntico painel, cuja descrição nenhum artista poderá jamais reproduzir, seja pelo pincel da inteligência, seja com os recursos da Arte, por ser, a obra-prima da sabedoria do Criador.
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Sobre o Autor
Nascido em Rio Pomba, Minas Gerais, em 27 de maio de 1934. Professor Universitário da UFJF, aposentado, Advogado militante em comarcas mineiras. Contista, cronista, historiador, articulista e poeta.

Membro de entidades lítero-culturais, dentre as quais o Instituto Histórico Geográfico de Juiz de Fora/MG; Associação dos Escritores do Amazonas (ASSEAM); Ordem Brasileira dos Poetas e Poetisas Sonetistas (OBRAPS- Camaçari/Bahia); International “Writers and Artists Association”, de Bluffton/USA; “Membro Emérito” da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete/MG; Academia de Letras da Manchester Mineira; Academia de Poetas e Prosadores de Minas Gerais e Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias, de Brasília/DF.

Participa de várias antologias nacionais e estrangeiras. É Verbete no Directory Of International Writers and Artists,” de Bluffton/USA (1999) e do Dicionário Bibliográfico de Escritores Brasileiros Contemporâneos, Adrião Neto (1998). Possuidor de diversas medalhas de ouro, prata e bronze; destaque especial; certificados e de outros títulos honoríficos, conferidos por entidades literárias, por trabalhos literários em prova e verso.

Fontes:
- Texto extraído da Revista Tradição, cedida pelo seu editor, Jorge Fregadolli. Maringá,PR. Ano XXX - n. 336 - dezembro de 2010. p. 26.
- Biografia cedida pelo autor.

Daniel Campos (A Lenda do Sabiá)


Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou barquinho de papel, passou ingá, passou carinho de Iemanjá... E a estrela caída do céu a correnteza levou. Levou pra terra dos botos, dos brotos e das sereias. Eê rainha do mar... Entonteia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou chuva de corrupio, passou vento de assobio... E quando menina marilene chegou, uma sirene ordenou e a correnteza parou. Chegou com cabelo dourado e olhos alaranjados que até o velho sabiá, gaguejou: Eê Oxum... Vê se me ajuda a voar.

Sabiá cantou lá na beira, o rio virou... E as flores, os barquinhos e os ninhos voltaram do mar. E veio até cavalo marinho cavalgando de lá. Veio arraia, veio golfinho, veio conchinha só pra enfeitar o vestido de louça da moça de corpo rosa chá. Ah! Oxossi abre os caminhos do bosque... O amor vai chegar.

Sabiá voou e cantou em dó flechado por um pataxó, ou por um guarani ou por um cupido carimbó. Sabiá caiu no rio e sumiu num fio de luar pra mó de nunca mais voltar. Tudo porque a menina entrou no rio de vestido branco balonê e se engravidou do canto daquelas águas como quem diz: E baluaê... O amor há de vingar. Eê Xangô... Vê se me devolve pro ar.

O céu desvirginou quando a menina cantou na beira do rio. Sol relampejou, lua trovejou e o rio transbordou. E o destino de cá e de acolá, junto do lá do sabiá, a correnteza carregou. Menina deitou, dormiu, sonhou nos braços de um tempo que, de tanto amor, pecou. Ôo Oxalá... Clareia seu candiá que o dia serenou.

O rio se levantou e alecrins, cupidos, querubins, gemidos sustenidos e passarins passaram num bloco de ganzá enquanto o mundo passava em marilene ma ri lê neá. E eram arlequins e colombinas em línguas de serpentina sem começo e sem fim. Eê Iansã... Cadê a manhã, cadê o perfume de jasmim, cadê o ciúme da maçã?

Lua cheia sangrou e o mundo chorou nas mãos da parteira que a correnteza carregou pra beira. E do ventre poente daquela menina raiou o amor ardente do canto do sabiá. Oô axé Oxumaré! O di lá, saravá rei Oxalá! E quem nasceu cresceu amou voou sonhou cantou na areia do rio. Oô menina, rainha do mar, incendeia.

Sabiá cantou lá na beira do rio. Passou água, passou flor, passou tábua de pescador... E o sorriso na boca do peixe namorador a correnteza levou. Levou pro lado de lá do mar de maré cheia. Ôo Oxumaré... Alumeia ô alumeia.

Fonte:
http://www.danielcampos.biz/textos/exibe/linhas/a-lenda-do-sabia

Efigênia Coutinho (Deixa Acontecer...)


Na conjunção da vida, quero te falar.
Falar coisas que vêm do meu coração
E como o vento eu quero te acariciar,
Quero te tocar com suave emoção.

Quero o meu sentimento te oferecer.
E no teu dia - a – dia sob o Sol de verão,
Sentir o teu cheiro em cada amanhecer,
Deixar-me viver um lindo sonho de sedução.

Quero fazer um ninho em teu pensamento
E respirar a brisa que acaricia o teu sorriso.
Quero ouvir suave a voz de teu sentimento,
Para eu sentir todo o sabor de teu paraíso.

Quero sentir tua pele a minha pele tocar,
Descobrir que o tempo será nosso aliado
E numa troca de desejos nos fará delirar,
Deixando acontecer este sonho dourado.

Fonte:
A autora

Aparecido Raimundo de Souza (Promessa)


O teu olhar me enleva
e me leva
para o mundo
encantado
dos sonhos
realizados.

O teu olhar
completa
o meu olhar
o espaço
o tempo
os corpos
desaparecem
e tudo
é perfeito
ao fitar
o teu olhar.

A promessa
do teu olhar
expressa
a promessa
do meu olhar
e desejo
que entendas
como eu entendo
o que falamos
ou deixamos
de falar
pelo olhar.

A promessa do teu olhar
faz-me ver
o paraíso
na Terra
o teu olhar
que se estende
ao meu olhar
se funde
na promessa
de um olhar terno
e belo.

Meu olhar
queda-se
no teu olhar
e vive por um momento
lampejos de luz
que aquecem
vibram
e antevêem
o ardor
de uma paixão
vindoura
que agora
é só promessa.

Fonte:
O Autor

Roberto Pinheiro Acruche (Meus Poemas n. 9)


OBRA DIVINA

Veja Amor, como é linda esta paisagem!
A luz dourada do sol sobre a mata,
a água cristalina da cascata...
Indescritível, tal uma miragem.

Olhe aquelas árvores, que beleza!...
Esta vastidão plena, tão florida,
exuberantemente colorida,
climatizada pela natureza.

Cenário encantador, impressionante!
Harmoniosamente perfumante,
modulado com a magia do amor...

Minudenciosamente preciso,
somente quem criou o paraíso
adviria... ser seu escultor!

ABSTINENTE

O que mais ambicionas que eu faça
para receber de ti o que sonho?
Vendo-te tão reservada, suponho...
Que nessa união, não sintas mais graça.
Por que insistes negar-me o teu carinho
se a ti me entrego com amor e ternura,
e deixas-me sentir a desventura
de estar só, mesmo não estando sozinho?

Imploro teu amor... e abstinente...
Já rezei, chorei, pedi pôr favor...
Contudo persistes indiferente.

Rejeitado, vou padecendo a dor,
aprisionado por este amor,
transformado num pedaço de gente!

PALHAÇO

Eu sou palhaço!
Eu sou palhaço!...
Você na está vendo?
Eu sou o palhaço que brinca,
que ri e que chora!

Brinco porque tenho alma de criança,
divirto pelo prazer de fazer sorrir...
De fazer sorrir a criança alegre,
a criança triste,
a criança que tem e a que não tem brinquedo.

Mas eu também choro!
Eu choro!...
Eu choro pela criança abandonada,
pela criança que sofre,
pela criança maltratada,
pela criança que tem fome,
pela criança incompreendida,
pela criança violentada.

Mas eu continuo palhaço
da cara pintada
fazendo dá risada.

Eu tenho que alegrar a criançada!
Viva... Eu sou palhaço, no circo
ou aqui fora,
não importa o lugar e a hora,
eu sou o palhaço
que brinca, que ri e que chora.

CONTRA PONTO

Quando a saudade aperta
e o ciúme rasga o coração,
entre a raiva e a paixão...
travado no silêncio,
no momento mais forte
da imaginação...
Xingo-te, injurio-te,
ofendo-te com as mais agressivas
e insultuosas palavras.
Chamo-te, de cortesã,
devassa, meretriz,
safada, ordinária, vadia...
Mas quando me procuras
enlouquecida de desejo...
atiro-me em teus braços,
te abraço, te beijo
chamo-te de paixão
mulher da minha vida...
e entrego-me as volúpias
do teu amor;
e no desagravo
deixo de ser senhor
para ser teu escravo,
servil e devotado amante
acorrentado aos teus desejos.

POEMA PARA O MEU AMOR
Em você encontro a paz
a ternura que me satisfaz.

Em você encontro o perfume
das flores, o calor da paixão
e o ardor do ciúme.

Os seus lábios rosados,
as vezes pintados de carmim,
tão sedosos e formosos
são como as flores do alecrim.

Você é o meu aconchego,
minha inspiração,
a razão dos meus sonhos,
minha vitória, meu troféu,
a estrela do meu céu.

Você é minha alegria,
meus versos, minha poesia,
a melodia da minha cantiga,
o amor da minha vida.

Fonte:
O Autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.120 e 121)


Duas Trovas Nacionais

Sê bondoso e destemido,
vigilante em teus caminhos.
Se não queres ser ferido,
evita plantar espinhos!
(FLÁVIO STEFANI/RS)

Uma Coisinha de nada
sintetiza imensa dor:
a florzinha abandonada
saudosa de um beija-flor!
(JEANETTE DE CNOP/PR)

Duas Trovas Potiguares

Em meio a pessoas loucas,
de tristeza eu me inundo.
Lembro então como são poucas
as alegrias do mundo.
(CLÉA REVOREDO/RN)

Em cada conto, que conto,
conto somente o que é meu,
e, dessa conta, eu desconto,
tudo aquilo que for seu.
(MARCOS MEDEIROS/RN)

Duas Trovas Premiadas

2008 > Bandeirantes/PR
Tema: AUDÁCIA - Menção Especial

Tem, do herói, santo ou profeta

- em meio às guerras e à dor –

a mesma audácia, o poeta

que teima em falar de amor!

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA – SP


2000 > Niterói/RJ
Tema > DELÍRIO > Menção Honrosa

Quando a ilusão me conclama
a esperar por quem não vem,
eu deliro... e, em minha cama,
beijo o lençol... sem ninguém...
(PEDRO MELO/SP)

Simplesmente Poesia

– Graça Graúna/RN –
MIRAGENS.

À meia luz
escudados nos sonhos
despistaram o medo de amar
e só diante do espelho admitiram
que a nudez é um perigo
capaz de intimidar o Amor
...depois do amor a espera
sem pressa, sem dor
depois do amor
o desejo natural
de repousar entre lençóis
e continuar a loucura
que não se vê em jornais.
Escudados nos sonhos
beberam a angústia do ser
na boca molhada de suor e sexo
seguindo o infinito
neste sopro de adeus...

– Ferreira Gullar/MA –
INSETO

Um inseto é mais complexo que um poema
Não tem autor
Move-o uma obscura energia
Um inseto é mais complexo que uma hidrelétrica
Também mais complexo
que uma hidrelétrica
é um poema
(menos complexo que um inseto)
e pode às vezes
(o poema)
com sua energia
iluminar a avenida
ou quem sabe
uma vida.

Duas Trovas de Ademar

Se me encontrares sozinho,
e, se nos tornarmos nós...
Mato você de carinho
debaixo dos meus lençóis!
(ADEMAR MACEDO/RN)

Um monumento de luz
fez-se em mim arquitetado
na mensagem que Jesus
disse, ao ser crucificado.
(ADEMAR MACEDO/RN)

...E Suas Trovas Ficaram

As coisas simples, modestas,
encerram saber profundo.
Nasceu, sem plumas e festas,
o Maior Homem do mundo!
(LUCY SOTHER ROCHA/MG)

Eu serei a vida inteira
por você, o que quiser...
esposa, mãe, companheira,
ou, simplesmente, mulher!
(MARIA DOLORES PAIXÃO/MG)

Duas Estrofes dos Dias 8 e 9 de fevereiro

Corre um gato miando numa bica,
ferve um bule com chá de capim santo,
a cantiga de um galo em cada canto,
a fumaça de um prato de canjica,
um cachorro medroso se estica,
benzedeira curando mal olhado,
um frangote caçôa admirado
de um matuto que puxa uma marrã;
quando o sol beija a face da manhã
o sertão vira um reino encantado.
(HÉLIO CRISANTO/RN)

Uma vaca no curral
lambendo o bezerro novo,
um tejo bebendo ovo
escondido no quintal;
uma tramela de pau
é a tranca do portão,
mulher catando algodão
vaqueiro entrando no mato;
tudo isso é o retrato
das coisas do meu sertão.
(LUCAS CORREIA/CE)

Dois Soneto dos Dias 8 e 9 de fevereiro

– Darly O. Barros/SP –
CANTARES

Meu estro, qual estertorante fio
lodoso, a rastejar por um deserto,
vacila, em aceitar o desafio
das folhas brancas de um caderno aberto...

- Hesitação não é do teu feitio,
faze sonora a pena que te oferto,
quero-a vibrante, como a voz de um rio,
que tem, no mar, o seu destino certo;

mas, te lembrando , sempre, que és poeta,
que dês à voz a entonação correta
quando de paz falares, vai, avança,

leva o teu canto a todos os lugares
e, que ao dulçor do som dos teus cantares,
o mundo colha um sopro de esperança!

– Dorothy Jansson Moretti/SP –
FOLHA NA TEMPESTADE

A tarde é fria e escura. Do céu turbulento,
a chuva, em grossos fios, cai sobre as calçadas,
e os carros, pela rua, em louco movimento,
espirram, sem consciência, as águas empoçadas.

Fugindo ao temporal, pessoas apressadas
inconscientes, também, sem parar um momento,
ignoram ao passar, entanguidas, geladas,
duas crianças sós, sem o mínimo alento.

Acaso importa a alguém que o vento instigue ou tolha,
ou leve a qualquer lado as folhas arrancadas?
A criança de rua é também uma folha

arremessada ao vento, em plena tempestade...
E há de rolar sozinha até quando a recolha
o carinho de alguém... e de um lar de verdade.

Fonte:
Ademar Macedo

Tania Montandon (A Poesia na Arte Moderna e suas Interfaces)

Tania Montandon pintando
As portas tremem vendo-a chegar mais uma vez. O céu está lindo, a cabeça vazia, o coração capotando, taquicardia...

Um mundo, um submundo, uma sociedade, um lugar pros excluídos. Vida! O que é isso? Um dom, uma magia, uma música sem melodia única, mas múltipla, enquanto respira e percebe quão menos sabe e a que se destinara...

Toda inovação em arte, como reconhecia Wordsworth, implica mudanças sociais. A revolução permanente assegura a posição em que se encontra até que o corpo volte à terra e nela desapareça misturada a ossos de homens e bestas, talos de plantas, folhas de trigo e esterco.

Curiosa análise de Piet Mondrian:

"No futuro, a realização do puramente escultórico na realidade palpável substituirá a obra de arte, pois não precisaremos quadros, já que vivemos no meio da arte realizada."

Quanto mais a vida se desequilibra, mais se demanda a arte.

A arte moderna nasce no meio da revolução oposta àquela arte que já não quer ser, da substância e do espírito da antiga e eterna arte, via sublimação, transformação artística de pensamentos, considerações e formas novas. Descoberta de outras ordens de fenômenos, aperfeiçoamento do verso, poder criador da imaginação poética, força das palavras e realidades vivas, concretas além de abstrações teóricas.

A liberdade angustiada diante tantas repressões da cultura leva à eclosão do rio ocluso de longas águas agitadas e posses particulares da essência transbordante, predispondo a se fazer o que mais não se desejaria fazer, boicote do desejo vital do sujeito como ataque impulsivo ao desejo repressor do Outro.

A palavra é a portadora da mensagem dos interesses supremos do espírito à consciência.

astro de nervo e ocluso vento
em diálogo diáfano do sanguíneo catavento
hipógrifo violento
que consiste, emparelhados com o vento,
os gestos e as vozes,
os olhares e a vida,
para dentro e para fora, intransponível
A luz se comunica
pois que é força !
Que o temor se multiplique!
todos os gestos do eu e de fora
para um e outro lado abrindo espantos
em deserto monte,
quando se parte o sol a outro horizonte
musicalmente estranha de vendaval em si
garra de fogo a violentar montanhas
cega e desesperada
baixarei a aspereza emaranhada

Palavras são signos das representações do espírito.

"O extremo limite de toda a especulação sobre a natureza da poesia, sua essência, pertence ao campo da estética, e não concerne a poeta e crítico de preparação tão limitada quanto eu." (Thomas Eliot)

O poema se faz pelo discurso e imagem poética e usa ritmo, harmonia, rima, combinação de palavras... O poeta substitui as formas espirituais pelas formas sensíveis: imagens, intuição, sensação...

A palavra direta dá ao objeto só o caráter concreto. Para se alcançar o sentido poético necessita-se juntar ao termo algo que possibilite a visão de uma imagem figurada. A palavra se transfigura na poesia.

Sentimento

Há conforto, amor, abundância na linda casa
Tanta miséria, fome, carência na favela
Novas ondas de vida palpitam em meu coração
Um amigo secreto surge na oportuna ocasião

Desmerecida do conhecido, margem do avesso
Outra paisagem é benquista, atiça o desejo
Sensações carnais, anseios angelicais
Adentram a subjetividade, talvez sejam vitais

O espelho mostra as marcas do já feito, feio
O desejo mostra o anseio pelo novo, insatisfeito
Áspera lida de esperanças emaranhadas
Algo desperta novas notas em vendaval, estranhadas

"Não é a coisa em si mesma ou sua existência prática, senão a imagem e o discurso o que constitui como o núcleo central do poema."
(Hegel, fonte de todas teorias da expressão poética moderna, mesmo aquelas que se colocam em oposição a ele)

Que peso tem a brisa sentida
Na grade fria da janela
Montanha de dor chorando no verão
Imensa é a coroa de espinhos sobre ela
A impor, canhestra, sua simbolização.

A paixão mística é a exaltação e a negação da vontade, a mortificação.

Para saber tudo, deves não querer saber algo em nada.

Solitário, o morto ascende à montanha da dor original.
E nem uma só vez seu passo ressoa no destino insonoro.

Mas se os infinitamente mortos despertassem em símbolo,
Em nós, olhai, mostrariam talvez os engastes pendentes
Das aveleiras vazias, ou a chuva que cai
Sobre o reino obscuro da terra em primazia

Na venturosa ascensão,
Sentiríamos uma ternura enorme
Perturbadora, misteriosa
Quase o cair da felicidade

No alto, as fumaças recém-nascidas
Estrelas seriam no país da dor
Luzidia lamentação revelando nomes:
Do que não é, não foi, não será jamais.

A mente convoca quaisquer mundos caprichosos e variáveis
Afeiçoa-se a ele ou o muda, onipotente
Pode o convocar ou o banir à sua mercê
.

O organismo biológico tende sempre à preservação da vida e da espécie humana. Porém a mente é tão complexa e possui poderes desconhecidos a ponto de conseguir enganar o próprio ser em sua ambiciosa busca para satisfazer a escorregadia falta infinita até conseguir com que se deseje a própria extinção, esquecendo-se que ansiar é o próprio viver.

Não há por que ter que saber ao que se anseia, a ânsia basta assim como a vida. Ambas terminam juntas, como duramente descobrira Buda. Conhecer e aprender a lidar com a ansiedade talvez seja a chave para uma vida sábia.

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro/Iara Melo. Portal CEN.