sábado, 28 de maio de 2011

A. A. De Assis (O Dente Penhorado)


O distinto entrou numa fase de vento contra, perdeu tudo, ficou devendo a meio mundo, inclusive ao verdureiro. Uma nota comprida em tomate, alface, cenoura, a salada completa. Acontece que o verdureiro, homem pacato mas inimigo dessa coisa de levar cano, bateu pé firme. Encostou na parede o infeliz, a peixeira na mão, a voz enfezada: “Se o senhor não tem dinheiro, me pague com algum objeto... de mão vazia não volto”.

Nada havia a oferecer: a casa, o carro, os eletrodomésticos, os passarinhos com gaiola e tudo, os ternos, a bicicleta do filho, os outros credores já haviam levado. Mas o homem insistia: “Alguma coisa havera de ter sobrado... já sei... esse dente aí, esse dentão de ouro que o senhor tem na boca, levo ele, deve estar valendo pacas. Ou levo ou o senhor penhora ele e me paga o que deve”.

“Penhorar não dá – explicou o devedor – eu acho que ninguém aceita dente no prego. Que ideia mais estapafúrdia...”. O credor não quis saber de desculpa: “Se ninguém aceitar, eu aceito. Quando o senhor puder, me paga com juro, e aí então devolvo a joia”.

Era um dente de estimação, belo canino colocado nos bons tempos, adorno que lhe garantiu muitos sorrisos irresistíveis, um tesouro mesmo. Tudo, menos penhorar tal peça.

A peixeira brilhou, a voz do verdureiro cada vez mais medonha, era ceder ou ter a barriga furada. Mas como extrair o dente, se ele não tinha como pagar ao dentista? “Não tem mistério – emendou o credor – pago eu a conta ao doutor e debito em sua dívida. O ouro tá subindo de preço, deve cobrir tudo isso”.

Recibo passado, o homem levou a joia e um documento em que o devedor lhe dava autorização para vender o objeto empenhado, caso a dívida não fosse paga após seis meses.

Nesse meio tempo o devedor se encalacrou mais ainda, sumiu, dizem que se mandou para a Amazônia, sabe-se lá. Terminado o prazo, o verdureiro esperou mais algumas semanas, até que de repente começou a desfilar sorrindo mais que nunca. Achou melhor não vender o dente, seria um desperdício. Instalou a preciosidade na boca e se realizou.

Se algum dia você encontrar por aí um verdureiro ostentando vislumbroso dentão, pode ser que não seja o mesmo, mas também pode ser que seja. Por via das dúvidas, melhor pagar pontualmente as alfaces que dele comprar...

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

William Shakespeare (Depois de algum tempo)


“Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança.

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão.

Depois de um tempo você aprende que o sol queima se ficar exposto por muito tempo. E aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoa-la por isso. Aprende que falar pode aliviar dores emocionais.

Descobre que leva-se anos para construir confiança e apenas segundos para destruí-la, e que você pode fazer coisas em um instante, das quais se arrependerá pelo resto da vida.

Aprende que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distancias. E o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem da vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher.

Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendermos que os amigos mudam, perceber que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobre que as pessoas que você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa – por isso, sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pois pode ser a última vez que as vejamos.

Aprende que as circunstâncias e os ambientes tem influência sobre nós, mas nos somos responsáveis por nós mesmos. Começa a aprender que não se deve comparar com os outros, mas com o melhor que pode ser. Descobre que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que quer ser, e que o tempo é curto.

Aprende que não importa aonde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer lugar serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as conseqüências.

Aprende que paciência requer muita prática. Descobre que algumas vezes, a pessoa que você espera que o chute quando você cai, é uma das poucas que o ajudam a levantar-se.

Aprende que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que se teve e o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou.

Aprende que há mais dos seus pais em você do que você supunha.

Aprende que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são bobagens, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.

Aprende que quando está com raiva tem o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobre que só porque alguém não o ama do jeito que você quer que ame, não significa que esse alguém não o ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.

Aprende que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a perdoar-se a si mesmo.

Aprende que com a mesma severidade com que julga, você será em algum momento condenado.

Aprende que não importa em quantos pedaços seu coração foi partido, o mundo não pára para que você o conserte.

Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores.

E você aprende que realmente pode suportar... que realmente é forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que você tem valor diante da vida”!

“Nossas dádivas são traidoras e nos fazem perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar”.

Fonte da Imagem:
http://anormal-anm.com/?p=3750

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas no. 225)


Uma Trova Nacional


A distância não me impede
de te querer e esperar...
porque o coração não mede
nada além do verbo amar!...
–MARISAVIEIRA OLIVAES/RS–

Uma Trova Potiguar

A musa chega e me inspira,
num delírio encantador...
Afina as cordas da lira
e enche o meu mundo de amor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


2000 - J.F. de Fortaleza/CE
Tema: FEITIÇO - 1º Lugar

Quem se vale da mentira
deve lembrar-se, primeiro,
que um dia o feitiço vira
contra o próprio feiticeiro!
–ANTONIO JURACI SIQUEIRA/PA–

Uma Trova de Ademar

Quando o destino é cruel
na vida de um pecador...
Seu pão tem gosto de fel,
feito com massas de dor!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O teu agrado me acorda,
o teu carinho me esquenta.
Sou um boneco de corda
que tua mão movimenta.
–ORLANDO BRITO/MA–

Simplesmente Poesia

Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.

E então serás eterno.
-CECÍLIA MEIRELES/RJ-

Estrofe do Dia

Poesia é sentimento,
tudo que contem beleza,
os feitos da natureza
os pássaros, o firmamento
a chuva, a neblina, o vento
a maré, a maresia,
uma aragem branda e fria
sussurrando seus rumores;
são todos esses primores
os focos da poesia.
–ZÉ DE CAZUZA/PB–

Soneto do Dia

–RACHEL RABELO E GILMAR LEITE/PE–
Quimera

No meu sonho, deleite de prazer,
abraçada no teu verso moreno,
sinto o gosto vibrante do querer,
derramando os orvalhos no sereno.

Envolvido nas flores do viver
descobri no teu corpo acuçeno,
um perfume suave me aquecer
que deixou meu desejo bem ameno.

Quando acordo, voltando pra verdade,
vejo o sol mostrar a realidade:
nossos corpos distantes, separados.

Mas resta o navio do sentimento
onde os sonhos viajam como o vento
pra tornar os desejos atracados.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

José Faria Nunes (A Confissão)


Mente em conflito, Jurandir caminha. Cabisbaixo, remoendo a dúvida, aproxima-se da igreja, ou melhor, do templo. Confessa ou não confessa?

Católico por tradição, busca sua igreja para harmonizar-se com seu interior.

Já na praça olha o templo que se abre acolhedor à sua frente com sua arquitetura barroca. Nem imagina que dois séculos passados, durante o governo do príncipe regente (a rainha perdera as condições de governar), fosse ali o local de evidência da elite de então, da nobreza de sangue azul e de títulos. Mais de títulos. Combinação perfeita de novos ricos em ascensão e uma nobreza esfacelada, maior parte permanecida em além mar, na velha Lisboa.
Sangue azul ou não, era a elite o centro das decisões políticas, econômicas e sociais. Dos tempos áureos restaram apenas os detalhes físicos do prédio e do mobiliário, dando ares de sobriedade, lembrança dos tempos em que as jovens com seus véus e vestes brancas entoavam cânticos ao som do órgão e as senhoras com véus pretos rezavam o terço, pois da missa em latim nada entendiam. Apenas a homilia ou o sermão eram na língua pátria.
Hoje os freqüentadores do templo são de classe média, de pobres e alguns até abaixo da linha de pobreza.

A nave da igreja vazia revela os novos tempos de uma comunidade onde os valores ganham novas significações. Por certo nos bares as mesas e cadeiras já invadem as calçadas e em alguns deles até as pistas de rolamento dos veículos.

Jurandir, homem que daqui a menos de dois anos entra na conta dos sexagenários, ajoelha-se no confessionário entalhado, ornado em ouro, assim como o altar e o teto do templo. Do outro lado da treliça do confessionário o confessor mal ouve o seu ato de contrição. Lê o Missal para, logo mais, mais uma missa celebrar.

- Quanto tempo faz que não confessa? – Pergunta o padre, ao interromper a leitura.

- Nem sei, padre. Faz muito tempo. - Responde Jurandir, modos desajeitados, peixe fora do aquário, muito tempo fora da igreja.

- Tudo bem. Conta seus pecados. – Diz o padre voltando a atenção para o missal.

- Pois é, padre. Eu, que cheguei a esbravejar a igreja quando jovem e até a negar a proficiência da fé, estou arrependido. Muito erro fiz. Erro, inclusive, de interpretação de textos da bíblia, a exemplo dos referentes ao matrimônio. Explico melhor. Nos Evangelhos, onde se diz que o homem é a cabeça da mulher, eu entendia que a ele caberia administrar a sociedade conjugal. Onde diz que a mulher deve ser submissa ao marido, eu entendia submissão como no dicionário: “ato ou efeito de submeter-se”; ou então “disposição para aceitar a dependência”. Isso conforme o Aurélio, que acrescenta no termo submisso: “que se submete ou se sujeita”; “obediência, humildade, respeito”. Enquanto isso, ao homem caberia amar a mulher, sacrificar-se nos trabalhos mais duros, se necessário, mas com a prerrogativa dos dizeres bíblicos. Hoje sei de meu equívoco ao interpretar referidos textos e venho confessar meu erro. Admito que tenha entendido tudo às avessas. Não quanto nas responsabilidades dos homens, ou até mesmo nestas. Além de provedor deve também o homem ombrear-se nas tarefas domésticas, ajudar a mulher nas atribuições que antes pensava eu que não fossem responsabilidade do homem. Errei mais uma vez. Errei quando não aceitei que aquela que me foi declarada esposa, nos termos do texto bíblico fizesse o contrário. A mim caberia também o dever de obediência a ela, de submissão, de aceitar suas ordens e imposições, seu direito de falar e o meu dever de apenas ouvi-la. Ouvi-la e atender a sua vontade, ampla, geral e irrestrita. Errei, padre, pois resisti e não a obedecia em tudo. Errei quando pensei que eu, de acordo com o texto bíblico com a interpretação dos dicionários, poderia ter autonomia de locomoção, de livre arbítrio, de decisão em meus negócios, de agir como sujeito. Mas a realidade é outra, não é, padre? Ainda bem que o senhor não se casou. Já pensou o senhor ter que perder sua autonomia até de pensar ou de falar? Nem de escrever ou ler? Já nem digo de fazer, de agir. A mulher é quem pode, ao homem cabe obedecer. Sabe qual o verbo que ela mais aprecia? O impositivo verbo ter: você tem que... isso, tem que... aquilo, etc. e tal. E eu só percebi que estava errado quando entendi melhor a pregação religiosa. Os padres, os diáconos, os pastores, têm apresentado interpretações diferentes para aqueles dizeres bíblicos. Os dicionários bíblicos, por certo, têm conceituações diferentes das dos dicionários de sinônimos, não é, padre? Para a bíblia submissão tem outro sentido, não é? Ser cabeça do casal, conforme a bíblia, quer dizer diferentemente do que eu entendia, não é? Pelo menos de uns tempos para cá, não é? Por tudo isso é que estou arrependido, padre, e estou aqui para confessar meus pecados.

Pecados de entender errado a bíblia e agir de acordo com o que eu entendia antigamente. Mas agora é diferente, padre. Eu sei que estava errado e quero me redimir. Venho pedir perdão por todos os meus pecados. E para terminar, padre, considerando que eu sou fraco e não vou dar conta de seguir a bíblia de acordo com as novas regras que agora sei que são as corretas, preciso de uma nova postura de vida. Não quero mais desobedecer as ordens, as diretrizes, o comando daquela com quem me casei. E como não dou conta de cumprir esses mandamentos bíblicos de submissão e obediência, agora conforme os dicionários, decidi: para não mais errar ou para errar menos, só tenho um caminho, padre: o divórcio.
Agora pode ditar a penitência que devo fazer, padre. Por tudo isso, peço perdão.

Jurandir percebe que o padre caiu em sono profundo, certamente pela desimportância de sua confissão.

Levanta-se com cautela, olha a igreja agora quase cheia, caminha contrito para ajoelhar-se diante do altar. Começa a rezar o terço, penitência que julga compatível com os tantos pecados confessos. O padre determinaria penitência menor?

Na parede de acesso ao confessionário, uma fila de fiéis que aguardam para se confessar.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje I)


Apresentamos neste projeto os seguintes Poetas de Ontem e de Hoje:

Poetas de ontem

Vicente de Carvalho
Hermes Fontes
Humberto de Campos
Olegário Mariano
Paulo Setúbal

Poetas de Hoje

Antonio Manoel Abreu Sardenberg
Maria Nascimento Santos Carvalho
Theca Angel
Maria Luiza Bonini
Amilton Monteiro Maciel
Professor Garcia
Diamantino Ferreira

Felicidade
VICENTE DE CARVALHO
1866 - 1924


Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada:
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim : mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.

Biografia
Vicente de Carvalho (V. Augusto de C.), advogado, jornalista, político, magistrado, poeta e contista, nasceu em Santos, SP, em 5 de abril de 1866, e faleceu em São Paulo, SP, em 22 de abril de 1924. Eleito em 1o de maio de 1909 para a Cadeira n. 29, na sucessão de Artur Azevedo, foi recebido na sessão de 7 de maio de 1910, por carta.

Era filho do major Higino José Botelho de Carvalho e de Augusta Bueno Botelho de Carvalho. Fez o primário na cidade natal e, aos 12 anos, seguiu para São Paulo, matriculando-se no Colégio Mamede e, depois, no Seminário Episcopal e no Colégio Norton, onde fez os preparatórios. Aos 16 anos matriculou-se na Faculdade de Direito. Em 1886, com 20 anos, era bacharel em Direito. Republicano combativo, cursava ainda o 4o ano quando foi eleito membro do Diretório Republicano de Santos. Em 1887, era delegado a Congresso Republicano, reunido em São Paulo. Em 1891, era deputado ao Congresso Constituinte do Estado. Em 1892, na organização do primeiro governo constitucional do Estado, foi escolhido para a Secretaria do Interior. Por ocasião do golpe de estado de Deodoro, abandonou o cargo que vinha exercendo. Mudou-se, então, para Franca, município do interior paulista, e tornou-se fazendeiro. Em 1901, regressou a Santos, dedicando-se à advocacia. Em 1907, mudou-se para São Paulo, onde foi nomeado juiz de direito. Em 1914, passou a ministro do Tribunal da Justiça do Estado.

Vicente de Carvalho foi, durante toda a sua vida, um jornalista combativo. Até 1915, sua atuação na imprensa foi quase ininterrupta. Em 1889, era redator do Diário de Santos, fundando, no mesmo ano, o Diário da Manhã, de Santos. Ali manteve ainda colaboração em A Tribuna e fundou, em 1905, O Jornal. Até 1913 colaborou no Estado de S. Paulo. No fim da vida, cansou-se do jornalismo, mas continuou em contato com seus leitores através dos versos que publicava nas páginas de A Cigarra.

Poeta lírico, ligou-se desde o início ao grupo de jovens poetas de tendência parnasiana. Foi grande artista do verso, da fase criadora do Parnasianismo. Da sua produção poética ele próprio destacou poemas que são de extrema beleza, como: "Palavras ao mar", "Cantigas praianas", "A ternura do mar", "Fugindo ao cativeiro", "Rosa, rosa de amor", "Velho tema", "O pequenino morto".

Obras: Ardentias (1885); Relicário (1888); Rosa, rosa de amor (1902); Poemas e canções (1908); Versos da mocidade (1909); Verso e prosa, incluindo o conto "Selvagem" (1909); Páginas soltas (1911); A voz dos sinos (1916); Luizinha, contos (1924); discursos e obras políticas e jurídicas.

Solenemente
HERMES FONTES
1888 - 1948


Juro por tudo quanto é jura...Juro,
Por mim, por ti, por nós...por Jesus Cristo,
Que hei de esquecer-te! Vê-me ...Estou seguro
Contra teu sólio cuja dor assisto.

E visto que dúvidas tanto...visto
Que ris do que é solene, te asseguro,
Juro mais: pelo ser em que consisto!
Por meu passado! Pelo teu futuro!

Juro pela Mãe Virgem Concebida!
Pelas venturas de que vou ao encalço!
Por minha vida...Pela tua vida!

Juro por tudo que mais amo e exalço:
E depois de uma jura tão comprida
Juro...Juro qu'estou jurando falso!...

Biografia
Hermes Fontes, compositor e poeta, nasceu em Buquim SE, em 28/8/1888 e faleceu no Rio de Janeiro RJ, em 25/12/1930. Filho de lavradores, formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais no Rio de Janeiro, para onde se mudou com a ajuda do governador da Província de Sergipe. Foi oficial de gabinete do Ministério da Viação durante o governo de Washington Luiz. Suicidou-se no Rio de Janeiro.

Em 1908, publicou Apoteoses, sua primeira obra poética. Em 1913 publicou Gênese, seu segundo livro de poesias. No mesmo ano, teve gravada pelo cantor Roberto Roldan, na Odeon, a modinha Constelações, parceria com Cupertino de Menezes. Colaborou com o jornal "O Fluminense", de Niterói (RJ), e mais tarde fundou o jornal "A Estréia", trabalhando ao mesmo tempo nos Correios e Telégrafos.

Em 1922, o cantor Baiano lançou na Odeon, o fado-tango Luar de Paquetá, composta dois anos antes, em parceria com Freire Júnior e que alcançou enorme sucesso, tornando-se no ano seguinte, título de uma revista que logrou mais de uma centena de apresentações. Regravada várias vezes, entre outros por Francisco Alves, logrou repetir o sucesso em 1944, quando foi regravada em dueto por Dircinha Batista e Déo, com acompanhamento de orquestra e coro.

Publicou ainda os livros de poesias Ciclo da perfeição, Mundo em chamas, Miragem do deserto, Epopéia da vida, Microcosmo, Despertar, A lâmpada velada e A fonte da mata.

Tu...
HUMBERTO DE CAMPOS
1886 - 1934


Quando alguém me pergunta, por ventura,
Quem me faz de outros tempos diferente,
Pensas tu que teu nome se murmura,
Que o exponho à ânsia voraz de toda gente?

Não; digo apenas o seguinte: é pura,
Casta, simples e meiga: é uma dolente
Cauta rola de tímida candura,
Flor que menos se vê do que se sente.

Mimo de graça e de singeleza;
Clara estrela arrancada a um céu profundo:
Doce apoteose da Delicadeza...

Nesse ponto, de súbito, me calo;
E, sem dizer teu nome, todo mundo
Fica logo sabendo de quem falo!

Biografia
Nasceu Humberto de Campos em Miritiba, Maranhão, em 25.10.1886, filho de Joaquim Veras e Anna de Campos. Em 1910, publica seu primeiro livro de poesias, "Poeira", ao qual se seguiram mais dois, que, em 1933, são agrupados num só volume sob o nome de "Poesias Completas".

Em 1918, publica seu primeiro livro de prosa "Seara de Booz", constituído de pequenos artigos escritos entre 1915 e 1916, sob o pseudônimo de Micromegas.

A este se seguiram, entre outros, Mealheiro de Agripa, Crítica ( em 4 volumes), Carvalho e Roseiras, Sombras que sofrem, Os Párias, Destinos, Memórias, Memórias Inacabadas, O Monstro e outros contos, Sepultando os meus mortos, Lagartas e Libélulas, À sombra das tamareiras e Notas de um diarista..

Humberto de Campos, sob o pseudônimo de "Conselheiro X.X.", exerceu a chamada literatura fescenina.

Em 1919, entra para a Academia Brasileira de Letras. Trabalhou em vários jornais, tais como "O correio da manhã", "O Diário Carioca", "A Noite" e "O Jornal" Em 1926 foi eleito deputado federal pelo Estado do Maranhão, sendo reeleito em 1926. Com a revolução de 1930, perde o mandato. Ë nomeado pelo Governo Provisório, instalado no país, Inspetor de ensino federal e é feito Diretor interino da Casa de Rui Barbosa.

Sempre teve uma saúde frágil e em 1928, é diagnosticado o seu mal, Hipertrofia da hipófise, doença progressiva que o acompanhará até seu falecimento.

"Dele, seu biógrafo Macário de Lemos Picanço diz o seguinte: "Poeta, anedotista, contista, ensaísta, cronista, autobiografista, a obra literária de Humberto de Campos apresenta altos e baixos, mas o que é alto tem a claridade da luz e a simplicidade das almas sãs. Possuidor de estilo fácil, corrente, sem as frases empoladas, qualquer pessoa podia compreendê-lo.

Não tinha artifícios, não tinha preocupação de retumbância. Ao contrário, escrevia com a maior naturalidade e as fantasias, as imagens, as expressões poéticas lhe vinham sem esforço. Faleceu em 5.12.1934, aos 48 anos de idade.

Você nunca está só
OLEGÁRIO MARIANO
1889 - 1958

Você nunca está só. Sempre a seu lado
Há um pouquinho de mim pairando no ar.
Você bem sabe: o pensamento é alado...
Voa como uma abelha sem parar.

Veja: caiu a tarde transparente.
A luz do dia se esvaiu... Morreu.
Uma sombra alongou-se a seus pés mansamente...
Esta sombra sou eu.

O vento ao pôr do sol, num balanço de rede,
Agita o ramo e o ramo um traço descreu.
Este gesto do ramo na parede
Não é do ramo: é meu.

Se uma fonte a correr, chora de mágoa
No silêncio da mata, esquecida de nós,
Preste bem atenção nesta cantiga da água:
A voz da fonte é a minha voz.

Se no momento em que a saudade se insinua
Você nos olhos uma gota pressentiu,
Esta lágrima, juro, não é sua...
Foi dos meus olhos que caiu...

Biografia
Olegário Mariano (O. M. Carneiro da Cunha), poeta, político e diplomata, nasceu em Recife, PE, em 24 de março de 1889, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1958.

Era filho de José Mariano Carneiro da Cunha, herói pernambucano da Abolição e da República, e de Olegária Carneiro da Cunha. Fez o primário e o secundário no Colégio Pestalozzi, na cidade natal, e cedo se transferiu para o Rio de Janeiro. Freqüentou a roda literária de Olavo Bilac, Guimarães Passos, Emílio de Meneses, Coelho Neto, Martins Fontes e outros. Estreou na vida literária aos 22 anos com o volume Angelus, em 1911. Sua poesia falava de neblinas, de cismas e de sofrimentos, perfeitamente identificada com os preceitos do Simbolismo, já em declínio.

Foi inspetor do ensino secundário e censor de teatro. Representou o Brasil, em 1918, como secretário de embaixada à Bolívia, na Missão Melo Franco. Foi deputado à Assembléia Constituinte que elaborou a Carta de 1934. Em 1937, ocupou uma cadeira na Câmara dos Deputados. Foi ministro plenipotenciário nos Centenários de Portugal, em 1940; delegado da Academia Brasileira na Conferência Interacadêmica de Lisboa para o Acordo Ortográfico de 1945; embaixador do Brasil em Portugal em 1953-54. Exerceu o cargo de oficial do 4o Ofício de Registro de Imóveis, no Rio de Janeiro, tendo sido antes tabelião de Notas.

Em concurso promovido pela revista Fon-Fon, em 1938, Olegário Mariano foi eleito, pelos intelectuais de todo o Brasil, Príncipe dos Poetas Brasileiros, em substituição a Alberto de Oliveira, detentor do título depois da morte de Olavo Bilac o primeiro a obtê-lo.

Além da obra poética iniciada em livro em 1911, e enfeixada nos dois volumes de Toda uma vida de poesia (1957), publicados pela José Olympio, Olegário Mariano publicou durante anos, nas revistas Careta e Para Todos, sob o pseudônimo de João da Avenida, uma seção de crônicas mundanas em versos humorísticos, mais tarde reunidas em dois livros: Bataclan e Vida Caixa de brinquedos.

Sua poesia lírica é simples, correntia, de fundo romântico, pertinente à fase do sincretismo parnasiano-simbolista de transição para o Modernismo. Ficou conhecido como o “poeta das cigarras”, por causa de um de seus temas prediletos.

Só tu
PAULO SETÚBAL
1893 - 1937

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu que jamais abracei,
Só tu, nest'alma, ficaste,
De todas as que eu amei.

Biografia
Paulo Setúbal (P. S. de Oliveira), advogado, jornalista, ensaísta, poeta e romancista, nasceu em Tatuí, SP, em 10 de janeiro de 1893, e faleceu em São Paulo, SP, e, 4 de maio de 1937. Eleito em 6 de dezembro de 1934, sucedendo a João Ribeiro, foi recebido em 27 de julho de 1935, pelo acadêmico Alcântara Machado. Órfão de pai aos quatro anos, sua mãe cuidou sozinha de nove filhos pequenos. Ela colocou o pequeno Paulo como interno no colégio do seu Chico Pereira e começou a trabalhar para viver e sustentar os filhos. Transferindo-se com a família para São Paulo, o adolescente Paulo entrou para o Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos irmãos maristas, onde estudou durante seis anos. Aí começou o interesse pela literatura e pela filosofia. Leu Kant, Spinoza, Rousseau, Schopenhauer, Voltaire e Nietzsche. Na literatura, influenciou-o sobretudo a leitura de Guerra Junqueiro e Antero de Quental. Muitas passagens do seu primeiro livro de poesias, Alma cabocla, lembram a Musa em férias de Guerra Junqueiro.

Esse período de sua vida é de franco e desenfreado ateísmo. Fez o curso de Direito em São Paulo. Ainda freqüentava o 2o ano quando decidiu fazer-se jornalista. Era a época da campanha civilista quando foi procurar emprego no diário A Tarde. Lá ingressou como revisor; logo a seguir, a publicação de uma de suas poesias naquele jornal deu-lhe notoriedade imediata, e ele ganhou sua primeira coluna como redator. Já nessa época começava a sentir os sinais da tuberculose que iria obrigá-lo a freqüentes interrupções no trabalho, para repouso.

Concluído o curso de Direito em 1915, iniciou carreira na advocacia em São Paulo. Em 1918, devido à gripe espanhola, Paulo Setúbal partiu para Lages, em Santa Catarina, onde morava o irmão mais velho, e lá tornou-se um advogado bem-sucedido. Levava, porém, uma vida dissoluta, às voltas com mulheres e com o jogo. Cansado de tudo, voltou para São Paulo, e também lá se estabeleceu como advogado.

Iniciou-se, então, a principal fase de sua produção literária, que o levaria a ser o escritor mais lido do país. Destaca-se, especialmente, pelo gênero do romance histórico, com A marquesa de Santos (1925) e O príncipe de Nassau (1926). Sabia como romancear os fatos do passado, tornando-os vivos e agradáveis à leitura. Os sucessivos livros que escreveu sobre o ciclo das bandeiras, a começar com O ouro de Cuiabá (1933) até O sonho das esmeraldas (1935), tinham o sentido social de levantar o orgulho do povo bandeirante na fase pós-Revolução constitucionalista (1932) em São Paulo, trazendo o passado em socorro do presente.

Em 1935, Paulo Setúbal chegou ao apogeu, sendo consagrado pela Academia Brasileira de Letras. Mas, nesse mesmo 1935 ele ingressa em nova fase da crise espiritual que vinha de longe e que terá repercussão em sua literatura. O temperamento sociável, expansivo e alegre; o freqüentador de festas e reuniões dava lugar ao homem introspectivo, vivendo apenas cercado da família e dos amigos mais próximos. Aos problemas crônicos de saúde acrescentava-se a minagem psicológica ocasionada pela desilusão com os rumos da política e consigo mesmo. Entrou a freqüentar fervorosamente a igreja da Imaculada Conceição, perto de sua residência em São Paulo, e a ler a Bíblia e livros como a Psicologia da fé e A imitação de Cristo. É quando escreve o Confíteor, livro de memórias, a narrativa de sua conversão, que ficou inacabado.

Obras: Alma cabocla, poesia (1920); A marquesa de Santos, romance-histórico (1925); O príncipe de Nassau, romance histórico (1926); As maluquices do Imperador, contos-históricos (1927); Nos bastidores da história, contos (1928); O ouro de Cuiabá, história (1933); Os irmãos Leme, romance (1933); El-dorado, história (1934); O romance da prata, história (1935); A fé na formação da nacionalidade, ensaio (1936); Confíteor, memórias (1937).

Alucinação
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis "Cidade Poema"


Tentei em vão suavizar a vida,
Tornar mais leve o fardo tão pesado,
Fazer da volta o ponto de partida,
Buscar na ida o amor tão cobiçado!

Eu quis fazer da pauta a partitura
De um canto leve, doce e tão suave,
Cantar a vida com toda a ternura,
Voar em sonhos como uma ave!

Eu quis da luz o raio de esperança
Mas, por castigo, só me veio a treva.
Não me atrevo e guardo na lembrança
O que a serpente aprontou pra Eva...

E desse jeito fico aqui quietinho,
No meu cantinho, bem acompanhado,
Pois não será por falta de carinho
Que comerei a fruta do pecado!

Nunca mais
MARIA NASCIMENTO SANTOS CARVALHO
Rio de Janeiro


Não sei de onde é que vem tanta ansiedade
e essa angústia que me comprime o peito,
torturando, porque, na realidade,
nem de pensar em ti, tenho o direito.

E, como todo o ser mais que imperfeito,
que não doma os caprichos da vontade,
eu luto, mas sequer encontro um jeito
de me livrar das garras da saudade...

Bem sei que não entrei na tua vida,
e, mesmo tendo sido preterida,
meu amor floresceu, criou raiz...

Mas fui punida com severidade,
porque deixaste em mim tanta saudade
que nunca mais eu pude ser feliz!

Noite...quem dera...
THECA ANGEL


Quem dera meu amor
A noite chegando, trouxesse
Um pouco que fosse de teu perfume
Uma centelha de teu olhar
O som inebriante de teus sussurros
A ilusão de teu toque em minha pele...
Quem dera ela tudo isso substituísse...
E trouxesse você no embalo de sua luz...
Te fizesse presente em mim
Com a volúpia de teu ardor...
Quem dera fosse realidade
E não uma projeção desta saudade

Finjas tristeza, poeta!
MARIA LUIZA BONINI

Ao fingires a dor que, deveras, sentes
Estás revigorando a força do poeta
Se saudares a alegria, por de certo, mentes
No intento de dissimular a dor secreta

Ao fingires a dor que, deveras, sentes
À inspiração que está em ti, despertas
Alimentando o amar que há em ti, latente
Para que a tristeza e a dor fiquem alertas

Ao fingires a dor que, deveras, sentes
Abortas de dentro de ti toda a tristeza
Passas a alimentar da alegria toda beleza

Ao fingires a dor que, deveras, sentes
Asperges ao mundo um cantar tocante e uno
Eleva-nos a devaneios por misteriosos rumos

O sabiá
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP


Em minha casa tem um sabiá
Que canta sempre, desde manhãzinha,
Escondido em um lindo jatobá
Que fica logo atrás de minha cozinha.

Nem os gritos do forte carcará,
À cata de indefesa andorinha,
Na luta para ver quem vencerá,
Sobrepujam essa minha avezinha!

O seu cantar anima a minha vida,
Que vai chegando ao fim de sua corrida,
Pois apesar de triste, é uma doçura...

E consegue alegrar os dias meus!
Creio até que seu canto de ternura
Não mereço, mas ganho de meu Deus!

Sentimento
PROF. GARCIA
Caicó/RN

Quando o dia se apressa e vai embora,
num silêncio que fere e que angustia,
a tristeza me invade e me devora,
nas horas sepulcrais, do fim do dia.

Como quem diz adeus e triste chora,
vai-se o sol delirando de agonia,
e a cortina da noite, Deus decora,
com luz tênue, de vã melancolia.

Distante, bem distante, muito além,
a tristeza me acena, como quem
se despede de alguém, que já morreu,

foi apenas a luz de um dia lindo,
que cansada, acenou quase dormindo
e nos braços da noite adormeceu!

Luz
DIAMANTINO FERREIRA
Rio de J
aneiro

Como caminha um cego e de bengala
apalpa seu trajeto, não cair,
arrasto-me na vida e nem se fala
de quantos tombos mais estão por vir;

apesar do infortúnio, é prosseguir
e na estrada da vida, qual na sala,
palmilhar como sempre; e no porvir
eu não perca a esperança de encontrá-la!

Nasci feliz, aluz dentro dos olhos;
mas cresci, tropeçando nos escolhos,
chegados tão somente por te amar!

Perdida a vista, mas...Pior castigo:
nem a esperança de trazer comigo
o sonho de voltar a te enxergar!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXXVII – O Jabuti e os Sapinhos


Andando a filha da onça muito namorada pelo lagarto e pelo homem, que desejavam desposá-la, o jabuti jurou que havia de vencer aos dois. Pensou um plano. "Achei, achei!" — disse de repente.

Foi a uma aguada e pegou um punhado de sapinhos, que soltou no bebedouro, com ordem, quando qualquer bicho viesse beber, de cantar uma coisa assim:

Turi, turi...
Quebrar-lhe as pernas...
Furar-lhe os olhos...
Justificar
E recomendou:

— Mas se eu aparecer com a minha gaita vocês ficam logo caladinhos, ouviram?

Logo depois apareceu o macaco, que vinha beber. Ao ouvir a cantiga da água, deu um pulo de medo e sumiu-se.

Outros bichos vieram, acontecendo a mesma coisa.

Veio o lagarto — e fugiu no galope.

Veio o homem — e fugiu fazendo o pelo-sinal.

Faltava só o jabuti. Foram buscá-lo.

— Pois vou, porque não tenho medo nenhum, mas quero que todos os animais me acompanhem de perto.

A bicharia toda o seguiu. Quando chegou em certo ponto, disse o jabuti:

— Bem, agora vocês parem. Eu vou só. Aproximou-se do bebedouro e deu um toque de gaita. Os sapinhos emudeceram como peixes.

O jabuti bebeu sossegadamente e foi ter com os animais, que estavam assombrados de tanta valentia. A onça, muito alegre, deu-lhe a filha em casamento.
=================
— O que achei mais graça — disse Narizinho — foi aparecer um homem disputando com o jabuti a mão da filha da onça.

— E mesmo assim, mesmo em luta com o rei dos animais — observou Pedrinho — foi o cágado quem venceu. Isso mostra que os índios punham o jabuti até acima do homem, em matéria de esperteza.

— Que pena não termos um cágado aqui! — suspirou a menina. — Gosto cada vez mais desse bichinho.

— E é gostoso mesmo — disse tia Nastácia. — Ensopado, com bastante tempero e um bom pirão de farinha de mandioca, é gostoso da gente comer e lamber as unhas.

Emília fulminou-a com os olhos.

— E agora? — perguntou Narizinho. — Ainda sabe mais alguma coisa do jabuti?

— Arre, menina. Que tanto quer? — respondeu a preta. — Não sei mais nada, não. Chega. Tenho de ir cuidar do jantar. Até logo.

— Então vovó que conte mais algumas. Dona Benta respondeu:

— Eu sei centenas de histórias. O difícil está na escolha. Sei histórias do folclore de todos os países.

— Então conte uma do folclore da Índia! — pediu o menino. — Da índia, não. Da China — pediu Narizinho.

— Da China, não. Do Cáucaso — pediu a boneca, que andava com mania de coisas russas.

E dona Benta contou uma história do folclore do Cáucaso.
–––––––––––––
Continua… XXXVIII – A Raposa Faminta
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n.224)


Uma Trova Nacional

As almas bem verdadeiras,
como rosas nos caminhos,
devem ser como as roseiras:
não escondem seus espinhos.
–CIDINHA FRIGERI/PR–

Uma Trova Potiguar

Quero ter você comigo
no sonho que nos encanta
um amor que seja amigo
numa canção que acalanta.
–ARTHUNIO MAUX/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: ENCANTO - M/E

Quando é longa e dura a estrada,
nós sempre aprendemos tanto,
que as conquistas, na chegada,
têm sempre o dobro do encanto.
–OLGA AGULHON/PR–

Uma Trova de Ademar


A saudade na pessoa,
faz ela ficar doente;
quando germina, magoa
e fere o peito da gente!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quatro versos num estojo,
mas além desta embalagem,
a trova, deve em seu bojo,
comportar uma mensagem.
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–

Simplesmente Poesia


–GISLAINE CANALES/SC–
Madrugada

A madrugada
é minha amiga.
Está sempre comigo,
na alegria
e na dor.
Está comigo,
se estou feliz
com meu amor.
Está comigo,
quando a solidão
toma conta
do meu coração.

Estrofe do Dia

Poesia é a minha paz,
meu mundo, meu universo;
um mar de sabedoria
onde eu vivo submerso;
é minha alimentação,
é meu sustento, é meu pão
feito de rima e de verso...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–CARMO VASCONCELOS/PT–
Paz ao Mundo

Jamais se alcança a paz entre o tumulto
Do egoísmo em desmedida proporção,
Qual ópio que embebeda o coração
E doa à mente errada falso indulto.

A paz é agasalho dado ao imo,
Oferta da tranquila consciência,
Quando usa a plena ação, sem contundência,
E do amor faz bordão de fiel arrimo.

Ausente a paz, soçobram as nações,
Esmorecem as almas em martírio,
E sucumbem os corpos em delírio!

Livremo-nos de fúteis ambições;
Supremacias vãs – solo infecundo...
E pintemos de Paz o Mapa-Mundo!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 223)

Cantigas de Roda. por Juan Cruz
Uma Trova Nacional

Na soleira da saudade,
toda insônia se acomoda;
lembrando da mocidade,
nossa alma brinca de roda!
–MIFORI/SP–

Uma Trova Potiguar

Os teus olhos sacrossantos,
Musa do idílio e do amor;
enchem meus versos de encantos
e os meus olhos de esplendor.
DJALMA MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

1988 - São Paulo/RJ
Tema: LIVRO - M/H

Cada página que é escrita
para o livro de nós dois
diz que é ainda mais bonita
a história que vem depois.
–VANDA FAGUNDES QUEIRÓZ/PR–

Uma Trova de Ademar

Saudade dói e magoa,
e é por demais persistente;
basta pensar na pessoa
para voltar novamente.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


É uma ilusão a desculpa
de querer culpar alguém,
quando a gente tem a culpa
das culpas que a gente tem.
–ELTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia


–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–
Seu Beijo

Seu beijo é favo de mel,
a seiva que me alimenta,
é pedacinho do céu,
desejo que me atormenta!

É o fogo mais ardente,
que se pode experimentar,
é sinônimo de querer,
volúpia louca de amar!

Seu beijo é tudo, enfim!
É o querer.
O gostar,
vontade imensa de ter
mas que não posso alcançar!
seu beijo é gotinha dágua,
nas profundezas do mar!

Estrofe do Dia

Te dou tudo que queres nesta vida
gasto minha saliva esquento o crânio,
o esforço que faço é momentâneo
o que vejo e o que sinto é sem medida;
tua fuga é um beco sem saída
confundindo o amor com a razão,
misturando cabeça e coração
transformando o real no fictício,
eu te trato com tanto sacrifício
e tu me pagas com tanta ingratidão.
–ANTÔNIO LISBOA/RN–

Soneto do Dia

–DIAMANTINO FERREIRA/RJ–
Conselho.

Afasta de mim os teus olhos… Procuras
curvar-me ao seu brilho? Por que não desistes?
Nas lutas de amor não triunfam loucuras:
mais pode um sorriso que os olhos mais tristes…

Se almejas da vida somente as venturas
por que – se é frustrado – no intento persistes?
Não poupes sorrisos, palavras, ternuras…
E foge de tudo, daquilo em que insistes.

Repara nos outros que vivem ditosos:
felizes, tranqüilos, semblantes formosos…
Sem manchas no dia do Eterno Juízo!

A vida é tão bela! Desterra a tristeza!
Insere em teus olhos a eterna beleza!
Reabre teus lábios num doce sorriso!…

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

A. A. De Assis (A Cólica de Sua Alteza)


Quem me contou foi um cearense brincalhão, mas garantindo que tudo se dera como aqui será narrado. A cidadezinha recebera a visita de um príncipe que por aquelas áreas excursionava. Faixas saudando Sua Alteza, bandinha de música, a criançada abrindo alas, o povo todo em traje de festa para a nobre acolhida.

Chegado, saudado, discursado, o mais amedalhado visitante que o lugar já conhecera foi almoçar na chácara do principal chefe político do município. Vasta macarronada, carnes várias, o homem comeu além da conta, resultando inoportuno incômodo abdominal. A discreta pergunta a um dos empregados: “Onde é o banheiro?” A resposta simplória: “A gente aqui toma banho no rio ou na bacia; qual é que a alteza prefere?” O problema, porém, não era banho, eram outras necessidades: “Onde vocês fazem cocô?”, indagou o ilustre sem rodeios. “Ah, sim... nós costuma ir atrás da moita, lá fora... mas alteza também faz isso?”

A alteza em apuros, o pessoal estudando a solução honrosa: “Se segura um pouco, que vamos cuidar dos preparativos”. Minutos depois voltou a dona da casa: “A alteza pode adentrar ali naquele aposento”.

Já quase coisando nas calças, o príncipe fechou a porta, assustou-se com o cenário: jarros de flores em volta, um tapete vermelho, sobre o tapete um penico. Se é que príncipe também faz “dessas coisas”, então que as faça com a indispensável dignidade. Mas a hora não era apropriada para muitos raciocínios. O distinto sentou-se, aliviou-se. Um tanto desajeitado com a gorda retaguarda em tão acanhado recipiente, todavia...

Resolvida a emergência, entrou em pauta outra circunstância: o papel. Nem sequer um pedaço de jornal. Usar o lenço? Nesses momentos vale tudo. Ia começar a operação quando ouviu a banda vindo na direção da casa...

Que seria agora? Os músicos pararam em frente, o príncipe não conteve a curiosidade, levantou-se em condições não muito elegantes, foi espiar pela greta da janela. Era a homenagem mais estranha que já recebera em toda a sua biografia.

A bandinha caprichando no dobrado, a criançada formando duas filas, no meio vinha entrando um par de moças trazendo vistosa bandeja de prata com o sucedâneo local do papel higiênico: meia dúzia de sabugos, mimosamente escolhidos. “Para a alteza havera de ser tudo muito especial”.

Fonte:
ASSIS, A. A. de. Vida, verso e prosa. Maringá: EDUEM, 2010.

Instituto Memória Convida para Lançamento Nacional em 7 de Junho, em Curitiba


CONVITE!

07/06/2011 - 19H00 - PALACETE DOS LEÕES

O Instituto Memória Editora & Projetos Culturais e o BRDE - Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - convidam para o Lançamento Nacional das obras abaixo.

Lembramos que a sociedade somos NÓS e contamos com a presença de todos para abrilhantar esta noite de valorização da cultura nacional.

Tudo o que é necessário para o triunfo do mal, é que os homens de bem nada façam.
(Edmund Burke)
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Anthony Leahy - Editor Presidente
Conselheiro da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História - SP
Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia de Cultura de Curitiba
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www.institutomemoria.com.br

IRENE COELHO
Uma Brasileira de Coração Português
Thais Matarazzo Cantero

UM FILME JAMAIS ESQUECIDO
e outras crônicas
Ilário Iéteka
O TOQUE: ESSÊNCIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Vislumbre de uma Nova Humanidade
Renata Jurach Bueno

ÊXTASE ALÉM DA MAGIA
Pedro Henrique Osório

SÓ SEI QUE FOI ASSIM!
Crônicas Escolhidas
Alcione Prá
Jocelino Freitas
Neyd Montingelli

COMO FALAR EM PÚBLICO MELHOR
Manual de Oratória - 2a.Edição
Enos de Castro Deus Filho

SERVIÇO:

Data: 07 de Junho de 2011

Horário: das 19h às 22h

Local: Palacete dos Leões - Av. João Gualberto, 530, Alto da Glória.
# Estacionamento interno gratuito #

Fonte:
Texto enviado por Anthony Leahy

Ialmar Pio Schneider (Pinhão)


Fruto do pago crioulo
Que a peonada saboreia,
Junto ao fogo que clareia
O hospitaleiro galpão,
Enquanto que o chimarrão
Complementa a xucra ceia !

Eu te bendigo, alimento
Que a Divina Providência
Nos legou por excelência,
Pois não existe na estância
Alguém que negue a sustância
Que nasce da tua essência.

Nas noites frias de inverno,
Quando procuro o aconchego
E sentado num pelego,
Vou curtindo a solidão,
No meu peito redomão
Só sinto paz e sossego.

Fruto selvagem do pago
Que se debulha da pinha,
Em toda ignorância minha
Desconheço outro igual,
Que a gente come com sal
Com as prendas, na cozinha.

E mesmo assado na chapa
De um fogão ou sobre a brasa,
És um grito que extravasa
Aquilo que o guasca sente,
Ao se encontrar de repente
Solito e longe de casa.

Peço ao Patrão lá de riba,
No verso que vai ao léu,
Sem fazer muito escarcéu,
Que embora tenha comida,
Quando for pra outra vida
Não falte pinhão no Céu.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Monteiro Lobato (Histórias de Tia Nastácia) XXXVI – O Jabuti e o Jacaré


Louco de inveja da gaitinha do jabuti, o jacaré resolveu furtá-la. Para isso ficou à espera dele no bebedouro.

— Olá, amigo jacaré — disse o jabuti aparecendo. — Que faz- aí?

— Tomando sol.

O jabuti bebeu e pôs-se a tocar a gaitinha.

O jacaré então disse:

— Empreste-me um pouco isso; quero ver se sei tocar.

O jabuti deu-lhe a gaita. Ele, pluf, atirou-se ao rio e lá se foi com ela.

O jabuti danou. Passados dias, engoliu uma porção de abelhas duma colméia e foi para o bebedouro esperar o jacaré. Escondeu-se num monte de folhas secas, apenas com a boca de fora, bem lambuzada de mel. De vez em quando soltava uma abelha: zum!

O jacaré apareceu, e pensando que fosse uma colméia enfiou o dedo na boca do jabuti. O jabuti, nhoc! ferrou o dedo dele.

— Ai, ai ai! — gritava o jacaré. — Largue meu dedo!

E,o jabuti

— Só largarei se me entregar a gaitinha — e apertava o dedo do jacaré. Não agüentando mais, este gritou para o seu filho, lá longe:

Ó Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado!
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê...
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê...

O rapaz, que era meio surdo, respondia:

— O quê? Sua camisa, meu pai? Seu chapéu?

E o jacaré, aflito:

Não, Gonçalo,
meu filho mais velho,
a gaita do cágado!
Tango-lê-rê...
A gaita do cágado!
Tango-lê-rê...

E o Gonçalo:

— O que; meu pai? Suas calças?

O jacaré tornava a repetir a cantilena — e assim uma porção de tempo até que o filho entendeu e veio com a gaitinha. Só então o jabuti largou o dedo do jacaré, que saiu ventando.
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— Que graça! — exclamou Emília. — Jacaré com dedo e filho gente! Mas serve, a historinha. Gostei.

— Então vai gostar ainda mais da do jabuti e os sapinhos — disse tia Nastácia. E contou.
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Continua… XXXVII – O Jabuti e os Sapinhos
–––––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Histórias de Tia Nastácia. SP: Brasiliense, 1995.
Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source

Marcelo Spalding (O Certo e o Errado no Ensino da Língua Portuguesa)


Chegou aos noticiários nacionais o dilema de cada professor de língua portuguesa: diante das novas teorias linguísticas e, em especial, da sociolinguistica, como lidar com variações como “nós pega” ou “os carro” em sala de aula? Simplesmente apontar o erro seria reforçar o que tem se chamado de preconceito linguístico, mas deixar de fazê-lo poderia colocar a disciplina num limbo perigoso onde o vale-tudo acaba com a especificidade da disciplina.

O tema ganhou relevância graças à polêmica provocada pelo livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver, Aprender – adotado pelo Ministério da Educação (MEC) e distribuído pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA) a 484.195 alunos de 4.236 escolas. Confira um trecho do livro, publicado pela Editora Global:

“Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro’?’ Claro que pode. Mas fique atento, porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico (…) Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas.”

Professores respeitados, como Claudio Moreno, foram enfáticos na defesa do ensino do português chamado padrão, reafirmando que o papel da escola é ensinar o futuro cidadão a se utilizar da língua escrita culta, “cujas potencialidades espantosas aparecem na obra de nossos grandes autores”. Para Moreno, “os linguistas sabem que nosso idioma é muito mais amplo do que a língua escrita culta que é ensinada na escola — mas a escola sabe, mais que os linguistas, que essa é a língua que ela deve ensinar”.

Por outro lado, linguistas de consistente formação acadêmica, como Pedro Garcez, reiteraram que não é uma questão de certo e errado, mas de adequação: “de certa forma, todos nós brasileiros produzimos frases com falta de concordância. Isso do nosso ponto de vista não é erro, é a linguagem natural. Esse é o português brasileiro.”, afirma o professor da UFRGS.

Claro que a questão é mais profunda do que esses exemplos um tanto grosseiros pegos pela mídia, pois outras tantas construções corriqueiras são erradas do ponto de vista gramatical, mas continuam sendo repetidas por pessoas das mais variadas classes sociais e pela própria mídia. Exemplos? “Tu vai”, “duzentas gramas”, “Houveram momentos”, “Me empresta”, “Ele trouxe para mim ver”, “Assisti o show”, etc.

No fundo o que está em jogo é a entrada de novos atores sociais no dia a dia da língua portuguesa, com suas influências e estilos. O paulistano usa “então” no começo de cada frase, um vício de linguagem horrível, mas nem por isso se discrimina o paulistano ou, por outro lado, se usa isso em filmes, novelas e livros didáticos. Mesma coisa o “r” carregado dos cariocas ou o “tu vai” dos gaúchos. Essas são as variações geográficas, por isso não causam tanto furor como as variações sociais, marcas linguísticas de classes ou grupos sociais específicos. Essa variação pode ser de interpretação, léxico, sintaxe e até ortografia (como os sempre criticados “vc” ou “tb” da Era Digital).

E o professor, em sala de aula, faz o quê? Uma das formas de lidar com o problema sem encara-lo de frente tem sido concentrar o trabalho com a Língua Portuguesa em textos, evitando a normatização da gramática e da ortografia. Mas será que, afora os exageros, não é importante que os jovens tenham um conhecimento técnico de sua língua, e não apenas intuitivo, para melhor interpretação, correção, clareza e variação na leitura e na produção textual? Não será importante, especialmente aos futuros profissionais da língua, como comunicadores, advogados, professores de todas as áreas, cientistas sociais, etc, saber onde se utiliza ou não o “a” craseado, a vírgula, a preposição antes do “que”? E não é importante que, para isso, eles saibam pelo menos o que é um sujeito, um verbo, um objeto, um adjunto adverbial? Um adjetivo, um advérbio, um substantivo, um pronome, uma preposição?

Pode parecer espantoso, mas nem sempre eles sabem. Não com facilidade. Vejamos um exemplo bem prático do meu dia a dia em sala de aula, a frase "A expansão desenfreada da cidade é uma grande ameaça para seu desenvolvimento". Para muitos, o verbo é "expansão", o que pode causar grande confusão na hora de concordar o verbo com o sujeito e faria com que muitos escrevessem essa frase com “Há” ou “À” no lugar do “A”. Adiante, poucos percebem que “seu” é um pronome que retoma “a cidade”, ainda que um esteja no masculino e o outro no feminino.

Claro que o mais importante não é a gramatiquice, é que nosso cidadão saiba expressar-se com coerência, coesão e, mais ainda, tenha postura crítica e ideias originais. Também é importante, entretanto, que não sejam sonegadas desse cidadão as regras sociais, incluindo aí o português padrão, pois ali adiante esse desconhecimento pode acabar excluindo, ou, pelo menos, subvalorizando pessoas de alta capacidade e que lutaram muito para reescrever seus destinos.

O papel da escola, enfim, é apresentar e ensinar ao aluno a variante “culta” da língua: aprender ou não, interessar-se ou não por ela, é um direito do aluno, mas se ele precisar dessa variante e não conhecê-la por omissão da escola teremos praticado, sem exagero, um crime. Dos grave.

Fonte:
Texto enviado pelo autor
Imagem = Junior Paiva

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 222)


Uma Trova Nacional

No embalo da serenata,
quisera ser como a lua
vestindo com tons de prata
os homens tristes da rua!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Uma Trova Potiguar

A saudade, a dor, o trauma,
que pranteia, os olhos meus,
tortura e faz de minha alma,
refúgio, de um triste adeus...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Bandeirantes/PR
Tema: DESVELO - M/H.

Com desvelo produzindo,
nas pinceladas finais,
Deus devia estar sorrindo
quando fez os pinheirais!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova de Ademar

A mais triste Solidão
que os seres humanos têm
é abrir o seu coração...
Olhar e não ver ninguém!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Teus passos eu sigo a esmo
numa atração que me assombra,
deixando de ser eu mesmo
para ser a tua sombra...
–VENTURELLI SOBRINHO/MG–

Simplesmente Poesia


–MENOTTI DEL PICCHIA/SP–
Noite

As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem.
Todos os rumores são postos em surdina,
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato de câmara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos,
tomam a posição horizontal
e ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo.
Cada sono em ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.

Estrofe do Dia

É tranquilo viver a juventude
no remanso febril dos verdes anos,
sem sentir o amargor dos desenganos
nem as dores da falta de saúde;
mas não é permanente essa virtude,
porque o tempo interfere no viver,
muitas vezes trazendo desprazer,
com o peso enfadonho da canseira.
Quem quiser ser feliz a vida inteira,
é preciso saber envelhecer.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

–EDMAR JAPIASSÚ MAIA/RJ–
Auto Retrato

Nem sei há quanto tempo que um sorriso
não enfeita o meu rosto macerado
pelas dores que têm me dominado,
pelos árduos caminhos que hoje piso...

Bem sei o quanto tenho me esforçado
para encontrar o amor de que preciso,
e transportar-me em luz ao paraíso
de sonhos que a ilusão me tem negado...

Quando tristonho ao pranto me condeno,
percebo ser no pranto um Ser pequeno,
que na apatia busca o seu abrigo.

E a sorte, nos seus rasgos de avareza,
não deixa que eu me dispa da tristeza,
e possa parecer menos comigo!

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas no. 221)



Uma Trova Nacional

Cabelo é um negócio louco...
há divergências fatais:
– Na cabeça, um fio é pouco;
mas... na sopa... ele é demais!
–ELISABETH SOUZA CRUZ/RJ–

Uma Trova Potiguar

Nosso mundo anda e desanda
não é como a gente quer;
na guerra, o homem é quem manda,
em casa, manda a mulher.
–HILTON DA CRUZ GOUVEIA/RN–

Uma Trova Premiada

2009 – Campos dos Goytacazes
Tema: Conhaque – Venc.

Foi tão grande o benefício
daquele conhaque a dois,
que eu fui lembrar-me do início
só nove meses depois!.
– RODOLPHO ABBUD/RJ –

Uma Trova de Ademar

Vejam a triste desdita
da minha prima Filó:
namorou um eremita
e morreu no caritó!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O forró foi bom de fato,
no sítio do Manelão.
Tinha mais casal no mato
do que dentro do salão.
ALYDIO C. SILVA /MG–

Simplesmente Poesia

–NASSER QUEIROGA/PE–
Extra…. Extra‼‼‼!

Encontrei um poeta sem talento
Que escreve o que já existe
Que diz ser alegre quando e' triste
Pois escreve só o que os outros sentem
E diz ser profundo sendo raso
Tem ate torcida organizada

Este cara e' um arraso
Pões na verdade e' um arrasado
E ainda fica zangado
Se o pai o da cria o descobre

Também o pobre tem um trabalhão danado
De copiar e colar
Pra outro vim reclamar

Extra….. Extra‼‼‼‼‼‼‼‼!

Estrofe do Dia

Era metida à grã-fina,
pertencia à alta roda,
copiava toda a moda
de uma atriz bailarina.
Só queria ser menina,
parda querendo ser branca,
vivia botando banca,
mas tomei conhecimento...
No sutiã só enchimento,
e a roupa era da “sulanca”
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Soneto do Dia

–JERSON BRITO/RO–
A Entrega

Entregadores carregavam grande estante
Subindo escada, seu destino: a cobertura
O prédio tinha dez andares... Que tortura!
Diz um do trio: "alguém vá ver quanto é faltante"

Um deles sobe e no retorno comunica:
"Duas notícias vou lhes dar, nenhuma anima"
"Apenas uma diga agora e lá em cima
Você nos fala e, descansado, a outra explica"

De imediato, ele concorda com seus pares:
"Pois, sendo assim, informarei vocês primeiro
Que são restantes pro final mais sete andares"

Chegando ao topo, o cara foi logo indagado:
"Qual a segunda má notícia, companheiro?"
"Nós acessamos, por engano, o bloco errado...”

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Antonio Manuel Abreu Sardenberg (Poesia, Soneto e Trova)



ALMA
Antonio Manoel Abreu Sardenbera
São Fidélis/RJ

Quando a vida vem sussurrar baixinho
Dizendo coisas que se quer ouvir,
Deixe o recado chegar de mansinho,
Que toda a alma também quer sentir.

Prepare o peito para uma festa,
Faça um convite para ela entrar,
Reparta o resto todo que inda resta,
Pois dividir é muito mais que dar.

E deixe o amor enaltecer a vida
Dando guarida ao pobre coração.
Quando chegar a hora da partida,
Que nos sussurre a voz da emoção.

E que o acalanto de linda cantiga
Deixe que venha a paz que tanto acalma
Trazendo junto a esperança antiga
Que ainda vive dentro dessa alma.

AMOR À ROÇA
Amilton Maciel Monteiro
São José dos Campos/SP

Idoso, já comendo de apisteiro,
Sem condição alguma de voltar
À minha antiga faina de vaqueiro,
Eu passo o dia todo a meditar...

Mas não lamento estar o tempo inteiro
Deitado, sem poder me levantar,
Pois aproveito bem ainda o cheiro
Gostoso do curral que vem no ar...

Vem-me à lembrança o verde da campina
Bastante esbranquiçada de nelore,
Mal dissipava o sol toda a neblina...

E vou compondo versos, quanto possa...
Não quero que a saudade me estupore,
Com tanto amor que tenho pela roça!

TROVAS

Nos braços do bailarino,
na garganta do cantor,
em cada tango argentino
geme uma história de amor!
A. A. DE ASSIS – PR

Velho farol apagado,
as ondas vêm te beijar,
pelo serviço prestado
aos navegantes do mar.
EVANDRO SARMENTO – RJ

Depois que fiquei sozinho,
meu cantar emudeceu;
o mais triste passarinho
canta mais feliz que eu!
FRANCISCO GARCIA – RN

Amigo é firme presença,
seja no riso ou na dor;
é uma forte bem-querença
que chega a ser quase amor!
ALICE CRISTINA BRANDÃO – RS

A vida é renovação
(é amor, é sonho e alegria);
é feita só de emoção,
recomeça a cada dia!
GISLAINE CANALES – SC

Das estrelas não esperes
mais que palavras ao vento;
as estrelas são mulheres
que piscam sem sentimento.
SELMA PATTI SPINELLI – SP

Ao ver o cair da tarde,
sinto vontade de estar
longe do mundo covarde,
perto do céu para amar...
CARMEM PIO – RS

A máscara é camuflagem
do que oculta a veleidade,
pois perdeu toda a coragem
de confrontar a verdade.
SÔNIA SOBREIRA DA SILVA – RJ

Soltei o teu nome ao vento...
e o vento, só por maldade,
repete a todo momento
o nome desta saudade.
CONCEIÇÃO ABRITTA – MG

Quando de noite o cansaço
envolve-me de mansinho,
busco a paz em teu abraço,
sedenta do teu carinho
VANDA ALVES DA SILVA – PR

Liberdade inconsequente
é tolice, é ilusão;
é liberdade demente,
bem pior que a escravidão...
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG/RJ.

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Hercílio Pinheiro (1918 – 1958)




artigo publicado por José Lucas de Barros

ERCÍLIO OU HERCÍLIO PINHEIRO(Francisco Ercílio Pinheiro de Oliveira) – Luiz Gomes-RN, 18-11-1918 – Tabuleiro do Norte - CE, 09-04-1958, morreu com apenas 40 anos incompletos, mas deixou um respeitável nome na história da cantoria nordestina. Boa voz, dom de repentista, estudioso, carismático, impressionou fortemente a quantos o ouviram e com ele cantaram. Dizem que o velho Pinto do Monteiro foi ao Ceará somente para cantar com ele, e, não o encontrando por lá, disse:

“Eu subi ao Ceará,
que chamam terra da luz,
mas não cantar com Hercílio
é cravar-me numa cruz,
é como subir ao céu
e não falar com Jesus!”

Conta-se que, na cantoria em que os dois geniais repentistas realmente se encontraram, Hercílio brindou o mestre Pinto com esta magistral sextilha:

“Canta, Severino Pinto,
massa dos quatro elementos,
catadupa do improviso,
montanha de pensamentos,
grandeza de céus e mares,
força da rosa-dos-ventos!”

(Informante: Raimundo Lourival de Lima(Lourinho), funcionário do Banco do Nordeste, Currais Novos – RN, gerente, em 1985). O poeta José de Sousa tem uma versão desse repente de Hercílio que apresenta diferenças em alguns versos, mas não demonstrou a devida segurança para contestar a informação de Raimundo Lourival. Esse tipo de dúvida para trabalho de improviso que não foi gravado ou anotado no momento de sua criação é muito comum, e o pesquisador muitas vezes não tem como solucionar, optando por apresentar a forma mais aceitável, para não deixar de registrar um repente de alta expressão, como é o caso analisado.

Numa cantoria, quando o assunto girava em torno da fé em Deus, Hercílio, reconhecendo que sem Ele nada somos, improvisou:

“Eu fui, eu sou e serei...
São três coisas de mister.
Se eu fui foi porque Deus quis,
se eu sou é porque Deus quer,
e para o tempo futuro
eu serei, se Deus quiser.”

Hercílio cantava numa casa sertaneja quando o companheiro chamou sua atenção para uma lagartixa que caía do teto:


“Caiu um bicho nojento,
feio e sujo sem parelha!”

Hercílio resumiu com arte e graça:

“Caiu um bicho da telha,
parece uma lagartixa:
é carne que não se come,
é couro que não se espicha.
Eu peço ao dono da casa:
pegue um pau, mate essa bicha!”

Hercílio cantava com Dimas Batista em mútuos elogios. Dimas findou assim uma sextilha:

“Não vejo quem pague os versos
do grande Hercílio Pinheiro.”

Hercílio, inspirado e elegante, respondeu:

“Enfrentar meu companheiro,
cantando, ninguém se atreve.
No momento em que ele canta
Parece que Deus escreve
Com tinta da cor do céu,
Em papel feito de neve

Numa cantoria em que os repentistas falavam da Escritura Sagrada, Hercílio improvisou:

“Na Escritura Sagrada,
me lembro que Jesus disse:
“Quem tivesse pra dar, desse,
quem não tivesse, pedisse;
quem fosse triste chorasse,
quem fosse alegre sorrisse.”

Dimas Batista, em dura peleja com Hercílio, assanhou a fera:

O que eu fizer num minuto
Você num ano não faz.

Hercílio foi fulminante na reprimenda:

Você tem razão demais,
Porque nasceu desumano,
Mesmo este é o costume
Do povo pernambucano:
Fala a verdade um minuto
E mente o resto do ano.

Por fim, minha homenagem ao inesquecível Hercílio Pinheiro:

-Perdemos há meio século
Nosso grande violeiro
E, por todos os recantos,
Lamenta o Nordeste inteiro
O silêncio da viola
Do grande Hercílio Pinheiro.

Seu nome virou legenda
No mundo da cantoria;
Morreu jovem, mas deixou
Um rastro de poesia
Que ilustra as mais lindas páginas
De sua biografia.

Fonte:

Honório de Medeiros (Ercílio Pinheiro)



“Um dom dado por Deus”. Assim Seu Chico Honório começou a me falar de sua amizade com o grande cantador de viola e repentista Ercílio Pinheiro, de quem foi amigo pessoal, nascido em Luis Gomes, Rio Grande do Norte, no Sítio Arapuá, no dia 13 de novembro de 1918, e morto tão prematuramente em 9 de abril de 1958, aos quarenta anos de idade.

Ercílio, desde pequenino, versejava batendo em uma lata “desafiando” sua irmã. Cedo aprendeu as técnicas de sua arte através de Inocêncio Gato, com quem fez sua primeira cantoria. E cedo, também, veio morar em Mossoró, onde exerceu a atividade de locutor da Rádio Tapuyo até se entregar totalmente à viola.

Seu Chico recorda suas primeiras cantorias – com Antônio de Lelé, na casa de Zé Honório, em São João do Sabugi; com Justo Amorim, na casa de Cabo Palmeira, patrocinada por Zuza Patrício; com Chico Monteiro na fazenda de Sinhozinho Crisóstomo, a cinco léguas de Alexandria, todas tiradas a cavalo, no novenário de Santo Izidro. Eu o deixo divagar mergulhado nas lembranças de quase setenta anos atrás. Ele, entretanto, não demorada a repetir: “Ercílio foi um dom de Deus.”

“Hospedei Ercílio e Dimas Batista em Mossoró. Ercílio era um homem correto, digno, honesto. Transpirava honestidade. Morreu dezessete dias antes de você nascer. Foi o melhor cantador de viola do Brasil em sua época. Respeitava todos seus companheiros, mas, os superava em muito. A grande teima, naqueles anos, era qual dos dois cantadores era o melhor: Ercílio ou Dimas. Houve um desafio célebre, na década de cinqüenta, entre os dois, um desafio real, não esses de hoje, onde tudo é combinado, que começou de tarde, varou a noite e ganhou a madrugada e somente parou por que o juiz da cidade – Taboleiro do Norte, Ceará – deu por encerrada a peleja, dando-a como empatada.”

“Ercílio era irmão de João Pinheiro e seu sócio no bar “Irmãos Pinheiro” aqui em Mossoró. Esse bar é tradicional ponto de encontro de comerciantes, políticos, advogados, ainda hoje, mas a maioria de seus familiares mora em Taboleiro do Norte, no Ceará. Ercílio tinha entre um metro e setenta e um a um metro e setenta e seis. Era muito magro. Branco, calvo, cabelos finos, usava óculos com grau muito forte por que era quase cego em conseqüência de uma miopia. Fumava cigarro de palha ou de fumo cortado.”

“Eu o conheci quando era chefe de trem na linha Mossoró-Sousa. Como era seu admirador, terminei fazendo amizade com ele por conta das viagens que ele fazia para ir cantar. Na verdade devo a Ercílio minha vinda para a Igreja Católica. Um dia, quando já estávamos perto de Mossoró, ele me perguntou: Chico, você já fez sua Páscoa? Respondi-lhe que nunca tinha me crismado nem feito Páscoa. Ele me ofereceu os livros que eu tinha que estudar e me disse que ia me levar a Frei Luis. Esse Frei Luis era um terror. No dia seguinte fui me confessar com Frei Luis, a mando de Ercílio, e lhe disse que nunca tinha me confessado. Levei um grande carão e ganhei uma penitência de sete padres-nossos de joelho. Até que não foi muito pesada. A segunda confissão foi com Frei Damião. Ercílio foi quem encaminhou. Novo carão e novas penitências.”

“Quando Ercílio vinha a Mossoró eu já sabia: de manhã, lá pelas dez horas, nós nos encontrávamos e a outros amigos na praça do Pax, para conversar sobre cantoria, repente, cantadores, viola. Ercílio era muito admirado, entre outras qualidades, por ter o que os entendidos chamam de “pulmão limpo”, ou seja, sem pigarro, um canto claro e bonito. Uma vez, não me contive: Ercílio, quem é o cantador que você teme em uma disputa? Não temo ninguém, respondeu. Aliás, continuou, não disputo com ninguém, só comigo mesmo. Mas eu sempre me fiz respeitado na minha profissão. Agora respeito e sou respeitado por Dimas Batista.”

“Assim é o gênio”, conclui Seu Chico. “Estudou à luz de lamparina, mas seu dom, esse não tem como aprender, Ercílio nasceu com ele.”

Fonte:
Honório de Medeiros