quarta-feira, 5 de outubro de 2011

JB Xavier (A. A. de Assis, Um Amigo Para Todas as Horas)

Assis, retrato por Jaime Pina

Algumas pessoas vivem do estardalhaço e com ele buscam sua auto-afirmação; outras, alimentam-se do silêncio e dele se originam suas forças. É o caso de A. A. de Assis.

Assis pertence à classe de pessoas especiais, em cuja proximidade todos desejam estar, porque emana dele tal mansuetude, que o universo se apazigua ao seu redor.

De Antonio Augusto de Assis vem a placidez do recolhimento e a contemplação parece orientar seus gestos e palavras, mesmo em seus momentos de maior descontração.

Como diz Olga Agulhon, no livro ‘Vida, Verso e prosa’ de autoria do homenageado: ‘‘Conviver com A. A. de Assis é verdadeiramente uma bênção. Ele vive plenamente e emana dele tantas boas energias que todos ao seu redor também se transformam e querem com ele aprender.’’

Viver plenamente: talvez esteja aí o segredo dos sábios. Sapiência não é acúmulo de conhecimentos, embora a atenção à experiência costume levar a ela, tampouco é a presunção do saber, porque esta afasta a humildade, que é o primeiro requisito do sábio. Paradoxalmente, sapiência é a consciência do não saber, é a compreensão vívida das próprias limitações.

Neste sentido A. A. de Assis é sábio, porque nunca o vi alardear saber. Pelo contrário, sempre que o encontrei nas muitas festas da UBT nas quais tive o prazer de sua companhia, sempre o vi observando, mais que falando, e isto, se não é a sapiência, é, pelo menos, uma das veredas do caminho que leva a ela.

Em outro trecho, Agulhon diz: ‘’O homem poeta - de alma ou expressão -
não é como um homem qualquer, que se deixa levar pela correria quase automática que o cotidiano teima em nos impor. Ao contrário, é aquele que tem sensibilidade de enxergar a beleza, o sentido, a estesia de cada fragmento de vida existente nas entrelinhas e nos segundos que passam’’.

E eu completaria: Eis porque A. A. de Assis é um diamante entre esmeraldas, um hino entre o ruído, um oásis na desolação.

Ele não rege sua passagem por este mundo através apenas do dizer e do pensar, mas também do fazer, e acima de tudo, do sentir.

Seu espírito inquiridor está sempre arguindo a vida que o cerca, em busca de novas descobertas para exprimir a beleza.

A convivência com A. A. de Assis convida ao pensar. Muitas vezes, nas rodas de amigos, o vi sorrir complacente, certamente diante de algum arroubo de sabedoria de algum interlocutor, tentando impressionar com seus conhecimentos.

Nessas ocasiões fiquei a observá-lo com redobrada atenção, ao ver um poeta que já venceu todos os concursos possíveis na UBT, que já conquistou todos os títulos disponíveis, sorrindo complacentemente ao exibido. Entretanto, apesar de todas as suas conquistas, não se percebe certezas em A. A. de Assis. E de que outra forma poder-se-ia reconhecer um sábio, senão pela dúvida? Não existe sabedoria na certeza. Pelo contrário! A sabedoria que flui da certeza frequentemente é estúpida; a ignorância que flui da dúvida frequentemente é sábia.

A palavra que me ocorre ao conviver com A. A. de Assis é ‘Plenitude’! A pobreza de espírito se mantém distante dele, porque esse sentido de plenitude que o acompanha fá-lo transbordar do cadinho fervente de seu universo criativo particular e escorrer como lava fervilhante de vida pelas encostas crestadas de um mundo cinza, colorindo-o com seus versos, instalando vida através da poesia, espalhando esperança através da sua fé.

A. A. de Assis pertence à classe daqueles que tratam bem o seu hoje, e ao fazê-lo, constroem um ontem que deixa saudades e um amanhã gentilmente esperançoso.

Ainda Aguilhon: ‘’A. A. de Assis olha e enxerga, repara e escuta, sente e recolhe, para depois transformar tudo em poesia.’’

A. A. de Assis - um homem que, com mansuetude e suavidade, nos lembra que há momentos em que apenas nós próprios podemos ser nossos confessores, e que os princípios impostos por nós sobre nós mesmos, assim como sua transgressão, não precisam ser explicados a mais ninguém, além de nossa própria consciência.

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/homenagens/3254658

Participe da Trova-Legenda de Eliana Ruiz Jimenez


Caros amigos trovadores,

Participe da Trova-Legenda, no blog Poesia em Trovas (http://poesiaemtrovas.blogspot.com/ ), da catarinense Eliana Ruiz Jimenez.

É postada uma imagem no canto direito do blog, para que o trovador use como inspiração para fazer uma (ou mais) trova. Feita a trova, é só enviar para a Eliana em elianarjz@gmail.com , para que seja postada abaixo da imagem.

Vamos prestigiar nossa irmã trovadora.

A nova imagem para inspiração é:



ALGUMAS DAS QUE JÁ FORAM POSTADAS:


Dois corpos lindos, cansados,
deixam na areia a cantar...
Dois corações abraçados
beijando as ondas do mar!
PROF. GARCIA/RN

Eis que o dia amanheceu
e o amor outra cena ensaia:
meu coração, junto ao teu,
vai dar sol... e vai dar praia!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Ó mar, não adianta, não!
Pode perder a esperança.
Nossos corações estão
onde você não alcança...
JOSÉ FABIANO/MG

Quantas bênçãos recebidas
quando se caminha aos pares:
um ideal, duas vidas
dois corações similares.
ELIANA JIMENEZ/SC

As marcas de tanto amor,
em forma de corações,
vem provar que o sonhador
navega... feito Camões.
ARI SANTOS DE CAMPOS/SC

Foi noite de lua cheia,
e que saudade deixou...
- Em dois corações, na areia,
sinais do que ali rolou!
A. A. DE ASSIS/PR


Foi de tirar o chapéu
o que nos mostra você.
Fez jus a um belo troféu
a cena que aí se vê.
A. A. DE ASSIS/PR

Ele, ela, o avião, a bruma,
mil sonhos sob os chapéus...
Fantasias, uma a uma,
vão subindo para os céus.
A. A. DE ASSIS/PR

Não vá, ela diz e chora:
meu coração é só teu!
E eu lhe disse... Eu indo embora
deixo um pedaço do meu.
ADEMAR MACEDO/RN

Por ser eterno esse amor
não amedronta a partida,
sendo Deus o condutor
não existe despedida.
ELIANA JIMENEZ/SC

No teu corpo perfumado,
no brilho do teu olhar,
há sempre um sonho encantado,
o sonho do eterno amar!
JOSÉ FELDMAN/PR

Não quero, nesta partida,
ver pranto no teu olhar,
eu vou mas volto, querida,
pois sem ti... não sei voar!
JOSÉ OUVERNEY/SP

Em cada beijo roubado
que roubo de ti, meu bem,
sinto o gosto do pecado
que o beijo roubado tem!
PROF. GARCIA/RN


Voa passarinho, voa,
que gaiola é só maldade.
Livre, lá nos céus entoa
o cantar da liberdade.
ELIANA JIMENEZ/SC

Sabiá posto em gaiola
canta triste, perde o alento:
lembra o som de uma viola
tocada por um detento.
A. A. DE ASSIS/PR

Dói muito ver um canário
cantando humilhado e triste,
em troca do vil salário
de um punhadinho de alpiste!
A. A. DE ASSIS/PR

Voa feliz passarinho,
que o teu destino é voar.
Prisão, nunca foi teu ninho,
és lindo, solto a cantar!
PROF. GARCIA/RN

As gaiolas da maldade
são projetos anti-ninhos,
retirando a liberdade
das asas dos passarinhos.
DJALMA MOTA/
---

Fonte:
http://poesiaemtrovas.blogspot.com/

Olavo Bilac (Almas Inquietas: poesias) Parte 7, final


TÉDIO

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardes em vir, último outono,
Lançar-me a folhas últimas ao vento!

Oh! dormir no silêncio e no abandono,
Só, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que não vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fúnebre, vazia
Como uma catedral abandonada!...

A VOZ DO AMOR

Nessa pupila rútila e molhada,
Refúgio arcano e sacro da Ternura,
A ampla noite do gozo e da loucura
Se desenrola, quente e embalsamada.

E quando a ansiosa vista desvairada
Embebo às vezes nessa noite escura,
Dela rompe uma voz, que, entrecortada
De soluços e cânticos, murmura...

É a voz do Amor, que, em teu olhar falando,
Num concerto de súplicas e gritos
Conta a história de todos os amores;

E vêm por ela, rindo e blasfemando,
Almas serenas, corações aflitos,
Tempestades de lágrimas e flores...

VELHAS ÁRVORES

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo”! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

MALDIÇÃO

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...

REQUIESCAT

Por que me vens, com o mesmo riso,
Por que me vens, com a mesma voz,
Lembrar aquele Paraíso,
Extinto para nós?

Por que levantas esta lousa?
Por que, entre as sombras funerais,
Vens acordar o que repousa,
O que não vive mais?

Ah! esqueçamos, esqueçamos
Que foste minha e que fui teu:
Não lembres mais que nos amamos,
Que o nosso amor morreu!

O amor é uma árvore ampla, e rica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
Infelizmente, frutifica
Apenas uma vez...

Sob essas ramas perfumadas,
Teus beijos todos eram meus:
E as nossas almas abraçadas
Fugiam para Deus.

Mas os teus beijos esfriaram...
Lembra-te bem! lembra-te bem!
E as folhas pálidas murcharam,
E o nosso amor também.

Ah! frutos de ouro, que colhemos,
Frutos da cálida estação,
Com que delícia vos mordemos,
Com que sofreguidão!

Lembras-te? os frutos eram doces...
Se ainda os pudéssemos provar!
Se eu fosse teu... se minha fosses,
E eu te pudesse amor...

Em vão, porém, me beijas, louca!
Teu beijo, a palpitar e a arder,
Não achará, na minha boca,
Outro para o acolher.

Não há mais beijos, nem mais pranto!
Lembras-te? quando te perdi
Beijei-te tanto, chorei tanto,
Com tanto amor por ti.

Que os olhos, vês? já tenho enxutos,
E a minha boca se cansou:
A árvore já não tem mais frutos!
Adeus! tudo acabou!

Outras paixões, outras idades!
Sejam os nossos corações
Dois relicários de saudades
E recordações.

Ah! esqueçamos, esqueçamos!
Durma tranqüilo o nosso amor
Na cova rasa onde o enterramos
Entre os rosais em flor...

SURDINA

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!

Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?

Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas...
Que frio!

Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente
Que quer dizer a tua prece?

Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!

Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?

Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
- A morte é o último conforto...
Que frio!

Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.

E com que mágoa o sino canta,
No ar sossegado, no ar sombrio!
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!

ÚLTIMA PÁGINA

Primavera. Um sorriso aberto em tudo. Os ramos
Numa palpitação de flores e de ninhos.
Dourava o sol de outubro a areia dos caminhos
(Lembras-te, Rosa?) e ao sol de outubro nos amamos.

Verão. (Lembras-te, Dulce?) À beira-mar, sozinhos,
Tentou-nos o pecado: olhaste-me... e pecamos;
E o outono desfolhava os roseirais vizinhos,
Ó Laura, a vez primeira em que nos abraçamos...

Veio o inverno. Porém, sentada em meus joelhos,
Nua, presos aos meus os teus lábios vermelhos,
(Lembras-te, Branca?) ardia a tua carne em flor...

Carne, que queres mais? Coração, que mais queres?
Passam as estações e passam as mulheres...
E eu tenho amado tanto! e não conheço o Amor!
----
Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 2


Repertório
Já sabemos o que é informação e o que é redundância. Sabemos que um fato deixa de ser informação quando todos já o conhecem e sabem sobre ele.

O leitor pode chegar à conclusão de que o texto jornalístico é totalmente informativo, mas isso não é verdade. Mesmo o jornalismo precisa ter alguma redundância. Isso porque o texto jornalístico, além de informativo, precisa ser compreendido pelo público ao qual se destina.

Imagine que um rapaz vai enviar uma carta de romântica à sua amada. Lá pelas tantas ele escreve: Você é o sol e eu sou um heliotrópio.

Qual seria a reação dela? No mínimo ela iria achar que o coitado estava doido e que heliotrópio era doença.

Isso porque heliotrópio não faz parte do repertório dela. Mas o seu sinônimo, girassol, faz. Assim, se ele reescrevesse a frase, o resultado seria muito melhor:Você é um sol e eu sou um girassol. Da mesma forma, o jornalista precisa adaptar sua linguagem ao repertório das pessoas que lêm jornal. A maioria das pessoas que cobram uma linguagem mais acadêmica nos jornais ignora completamente a questão do repertório.

Não quero dizer que o jornalismo deve usar uma linguagem inculta, mas deve-se privilegiar a linguagem coloquial. Além disso, deve-se sempre procurar palavras que sejam mais acessíveis ao público. Quando isso não ocorre (é o caso de uma matéria sobre ciência), deve-se explicar o significado das palavras que estão sendo usadas no texto.

Não basta ser informativo. É necessário ser compreensível.

CAPÍTULO 1

A REDAÇÃO JORNALÍSTICA E AS OUTRAS MODALIDADES DE TEXTO


Antes de começarmos, é bom definir exatamente o que é um texto jornalístico para evitar problemas futuros. Devemos, acima de tudo, diferenciar o jornalismo da propaganda e de outras modalidades de texto.

Um texto jornalístico é igual a uma dissertação?
Não. Não é. Existe um tipo de texto jornalístico aparentado com a dissertação, o artigo, mas ele fica para depois. As matérias jornalísticas têm uma grande diferença da dissertação.

Veja um exemplo de uma dissertação e um texto jornalístico:

EXEMPLO DE DISSERTAÇÃO

ANTROPOFAGIA CULTURAL

Uma discussão que tem intrigado intelectuais, artistas e pesquisadores é a cultura brasileira. O que é cultura nacional? Quais são as manifestações culturais que podem ser caracterizadas como legitimamente tupiniquins? Existe realmente uma cultura nacional, ou somos simples imitadores? Uma resposta curiosa para essas perguntas é representada pela antropofagia cultural.

Esse ponto de vista ganha uma metáfora na desafortunada viagem do Bispo Sardinha. O episódio se passou na época do Brasil Colônia. O sacerdote teve sérias desavenças com o Governador Geral do Brasil, em Salvador. A coisa se tornou tão séria que a Corte o chamou a Portugal para que explicasse a situação. Ainda na costa brasileira, o barco naufragou e os sobreviventes nadaram desesperados até a praia. Deram azar. Os índios antropófagos estavam lá, esperando que a comida chegasse até eles. Que me desculpem o trocadilho, mas jantaram o sardinha.

O mesmo fez o povo brasileiro com a cultura que veio de fora. Ela foi jantada e digerida. Danças típicas, como a quadrilha e o carimbó tiveram sua origem nos salões nobres da Europa, mas aqui foram transformadas com o tempero índio e negro, transformando-se em algo completamente diferente. Algo típico do Brasil, embora tenha se originado de algo estrangeiro.

Quando Gilberto Gil e os Mutantes introduziram a guitarra elétrica na MPB, muitos chiaram. Para os patrulheiros de plantão, usar guitarra elétrica era se render à dominação cultural americana. Quem conhece a tropicália sabe que foi exatamente o oposto que aconteceu. A mistura de ritmos, instrumentos e influências deu origem a algo completamente novo e inusitado. Algo genuinamente nacional.

Mais recentemente tivemos outros exemplos, ainda na música. Chico Science e Pato fu fazem uma música sem fronteiras, misturando ritmos e dando continuidade a uma tradição que remonta aos primeiros antropófagos que jantaram os náufragos europeus.

O mesmo fenômeno pode ser visto no cinema, literatura, quadrinhos e televisão. Veja-se o caso das telenovelas. Inicialmente realizadas com roteiros importados do México ou de Cuba, elas acabaram tomando uma “cara” nacional. O Brasil inventou um jeito de fazer novela que é reconhecido em todo o mundo e supera em qualidade até mesmo quem nos serviu de modelo.

Fechar-se em si próprio não parece ser a característica do brasileiro. Somos, como dizia Sérgio Buarque de Holanda, um povo cordial. Estamos sempre abertos ao novo, ao que vem de fora. Exemplo disso foram os imigrantes que ajudaram a construir o país e fizeram de nossa população um fenômeno de mistura e beleza. Observar as arquibancadas de um jogo do Brasil é observar um espetáculo de mistura racional e beleza. Há desde pessoas negras a loiras de olhos azuis.

A maioria de nosso povo é uma mistura de negros, índios, portugueses, espanhóis e italianos. O mesmo ocorrre com nossa cultura. Nossa ótica é a da mistura. A cultura nacional parece ser uma mescla de todas as outras culturas, mas é também extremamente original.

Somos, portanto, antropófagos. Antropófagos culturais. Mas para que a antropofagia não degenere em macaquismo (imitação pura e simples) são necessários alguns cuidados. O primeiro deles, claro, é preservar o que já temos. Não se faz antropofagia abandonando o que já existe para adotar o que vem de fora, e sim misturando o alinígena com o nacional. Como mixar rock com maracatu. Ficção-científica com cordel. Chiclete com banana. Se não preservamos e não damos valor ao que já faz pare da cultura nacional, então seremos eternos imitadores.

Um outro cuidado é fazer uma leitura crítica do que chega até nós. Os índios antropófagos escolhiam as melhores partes para devorarem (preferencialmente o cérebro, pois se acreditava que a inteligência da vítima passaria para o guerreiro). Andar por aí usando camisas de universidade americanas ou vestido de cowboy não é antropofagia, é macaquismo.

Podemos, claro, aproveitar até mesmo o lixo cultural que chega até nós, mas devemos fazer isso criticamente. Isso sim é antropofagia. Observe que o texto tem por objetivo expor a opinião do autor sobre o assunto. O ponto de vista do escritor, sua idéia sobre a questão é claramente identificada. Ele defende que a cultura brasileira é caracterizada pela antropofagia cultural.
–––––––––
No texto jornalístico, ao contrário, o autor apenas expõe os fatos, sem tomar partido e sem defender um ponto de vista.

EXEMPLO DE TEXTO JORNALÍSTICO

Filha de Fidel lidera manifestação em Nova Jersey

A filha de Fidel Castro, Alina Fernández, vai liderar a manifestação que ocorrerá na próxima quarta-feira (10) em Nova Jersey, Estados Unidos, para pedir que o menino cubano Elián González fique no país. Lázaro González, tio-avô do menino, com quem Elián viveu em Miami após seu resgate, também vai liderar a manifestação. O protesto, que acontece em Jersey City, onde vive a comunidade de exilados cubanos mais importante depois de Miami, foi organizada por grupos anticastristas, entre os quais a FNCA (Fundação Nacional Cubano Norte-americana).

Lázaro González e sua filha Marisleysis tentam impedir a volta de Elián à ilha. Para isso, querem que um tribunal permita ao menino cubano pedir asilo político nos Estados Unidos. O pai do menino, Juan Miguel González, pediu através de seu advogado, Gregory Craig, que o Tribunal Federal de Apelações de Atlanta, que deve examinar o caso na quinta-feira, reconheça o que ele considera seu direito de ser o único representante dos interesses de Elián nos Estados Unidos.

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Observe que o jornalista se mantém neutro quanto ao assunto. Ele nem defende que o menino Elián continue nos EUA, nem defende a ida dele para Cuba. Além disso, há toda uma preocupação de organizar as informações. Trata-se da pirâmide invertida: as informações mais importantes aparecem primeiro, depois as informações menos importantes.
––––––––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 355)


Uma Trova Nacional

Sem avistar horizontes,
no vale do meu desgosto,
meus olhos são duas fontes
regando o chão do meu rosto...
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar

Tanto tempo se passou,
mas pra mim presente estás,
naquele verso de amor
que não esqueço jamais.
–MARA MELINNI/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - ATRN-Natal/RN
Tema: INSPIRAÇÃO - 13º Lugar


A inspiração, inconstante,
tem caprichos de mulher:
chega, às vezes, inebriante
e outras, nem chega sequer!
–WANDA DE PAULA MOURTHÉ/MG–

Uma Trova de Ademar

A saudade nos corrói,
nos fere muito e magoa;
e quando ela nasce... Dói
no coração da pessoa!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Confirmando o encanto enorme,
que é um orgulho nacional,
o mar se espreguiça e dorme
nessas praias de Natal...
–ÉLTON CARVALHO/RJ–

Simplesmente Poesia

Quando Nosso Amor Morreu
–R. C. LIMA/PB–


Quando nosso amor morreu,
só nós dois é que choramos.
Ninguém se compadeceu,
somente você e eu,
logo nós que o matamos.

Estrofe do Dia

Passarinho que preso está vivendo
não mais sente o prazer de ser liberto
e quando ouve outro pássaro ali por perto
sua dor cruciante vai crescendo,
quando canta parece estar dizendo:
eu preciso escapar dessa maldade,
venha aqui me soltar por caridade
que eu tentei sair só mas foi em vão;
passarinho que canta na prisão
não é canto é um grito de saudade.
–ENEVALDO HIPÓLITO/PI–

Soneto do Dia

O Filho

–FRANCISCO MACEDO/RN–

O Filho é um ser que Deus nos oferece,
e que através do qual estagiamos.
O exercício de amor que praticamos
e pouco importa o que nos acontece!

Filho é um “curso de amar”, e que parece,
ultrapassar o quanto nos amamos...
Não nos pertencem, mas, nós o guardamos,
vivenciando, assim, essa benesse.

Ele é maior que nós... Ele é o futuro!
Nasceu de nós, um porto inseguro,
temendo a cada instante, o seu adeus.

A vida, o amor e nós, grande consórcio,
um misto de missão, litisconsórcio...
Na verdade, um empréstimo de Deus!...
---
Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XI – No Ano 2228


CAPITULO XI
No Ano 2228


Voltei ao castelo e minha amiga deu começo enfim as suas revelações sobre o choque das raças.

— Decifrou o quebra-cabeças? perguntou-me logo que entrei.

— É dos indecifráveis, respondi — dos indecifráveis para quem não inventou nenhum porviroscópio. Um ponto, entretanto, me intriga. Acho que a população negra da América é muito pequena em relação á branca para que possa jamais constituir perigo.

– Seria assim, de fato, emendou a moça, se com o crescer do país a proporção se conservasse sempre a mesma. Não foi exatamente isso o que se deu. Enquanto a corrente imigratória europeia trazia ondas e mais ondas de brancos a somarem-se aos já estabelecidos no país, nada alarmava, nem deixava vislumbrar um futuro agravamento da situação. Mas essas ondas foram diminuindo em virtude dos obstáculos opostos á entrada de imigrantes, e por fim sobreveio um maquiavélico sistema de drenagem. Em vez de entrada franca a quem quisesse vir localizar-se no país, organizou o governo americano em todas as nações do velho mundo um serviço de importação de valores humanos, consistente em atrair para lá a fina flor eugênica das melhores raças europeias. Já aliviada do seu ouro em favor da América, viu-se a Europa tambem aliviada da sua elite.

– Desnataram a pobre Europa! Só deixaram no velho mundo o soro…

– Isso mesmo. Daí a qualificação de maquiavélico dada ao sistema. Os mais perfeitos tipos de beleza plástica, as mais fortes inteligências, os mais puros valores morais, eram descobertos onde quer que florescessem e seduzidos, de modo a, mais cedo ou mais tarde, se localizarem na Canaã americana. Por fim achou-se o
país bastante povoado; e a mentalidade proibicionista, assustada com o espectro do super-povoamento, suplantou a imigracionista. Fecharam-se todas as portas ao fluxo europeu e a nação passou a crescer vegetativamente apenas. Data daí a "inflação do pigmento".

Até essa época a população negra representava um sexto da população total do país. A predominância do branco era pois esmagadora e de molde a não arrastar o americano a ver no negro um perigo sério. Mas com o proibicionismo coincidiu o surto das ideias eugenisticas de Francis Galton. As elites pensantes convenceram-se de que a restrição da natalidade se impunha por mil e uma razões, resumíveis no velho truismo: qualidade vale mais que quantidade. Deu-se então a ruptura da balança. Os brancos entraram a primar em qualidade, enquanto os negros persistiam em avultar em quantidade. Foi a maré montante do pigmento. Mais tarde, quando a eugenia venceu em toda a linha e se criou o Ministerio da Seleção Artificial, o surto negro já era imenso.

– Ministerio da Seleção Artificial?

– Sim. O grande Ministerio, o verdadeiro fator da espantosa transformação sofrida pelo povo americano. O seu espirito criador, a coragem de enveredar por sendas novas sem esperar que outros o fizessem primeiro, deu àquele povo um enorme avanço sobre os demais.

Essas restrições melhoraram de maneira impressionante a qualidade do homem. O numero dos malformados no físico desceu a proporções. mínimas — sobretudo depois do ressurgimento da sabia lei espartana.

— A que matava no nascedouro as crianças defeituosas? exclamei arrepiado. Tiveram eles a coragem de fazer isso?

– Se o senhor Ayrton visse, como eu vi, o resultado dessa e de outras leis semelhantes, só se admiraria da estupidez do homem em retardar por tanto tempo a adoção de normas tão fecundas. Entre cortar no inicio o fio da vida a uma posta de carne sem sombra de
consciência e deixar que dela saia o ser consciente que vai vegetar anos e anos na horrível categoria dos "desgraçados", a crueldade está no segundo processo. A lei espartana reduziu praticamente a zero o numero dos desgraçados por defeito físico. Restavam os desgraçados por defeito mental.

– De numero infinito…

– Esses foram impedidos de se reproduzirem pela Lei Owen, fruto das grandes ideias pregadas por Walter Owen. Walter Owen foi o verdadeiro remodelador da raça branca na América. Apareceu cento e poucos anos antes do choque das raças com o seu famoso livro O Direito de Procriar, onde lançava os fundamentos do Código da Raça, conjunto de leis tão sabias e fecundas em resultados que, podemos dizer, a Era Nova da raça humana datou da sua promulgação. A lei Owen, como era chamado esse Código da Raça, promoveu a esterilização dos tarados, dos malformados mentais, de todos os indivíduos em suma capazes de prejudicar com má progenie o futuro da espécie. Só depois da aplicação de tais leis é que foi possível realizar o grandioso programa de seleção que já havia empolgado todos os espíritos. Os admiráveis processos hoje em emprego na criação dos belos cavalos puro-sangue passaram a reger a criação do homem na América.

– E lá se foram os peludos!…

– Exatissimamente... Desapareceram os peludos — os surdos-mudos, os aleijados, os loucos, os morféticos, os histéricos, os criminosos natos, os fanáticos, os gramáticos, os místicos, os retóricos, os vigaristas, os corruptores de donzelas, as prostitutas, a legião inteira de malformados no físico e no moral, causadores de todas as perturbações da sociedade humana. Essas leis está claro que eram fortemente restritivas da natalidade, sobretudo, no começo, quando havia quasi tanto joio quanto trigo. Crescer para a América não equivalia mais a avultar ás tontas em numero, como hoje, e sim a elevar o indice mental e físico dos seus habitantes. Os Estados Unidos (e o Canadá, que já se fundira neles) cresciam dessa maneira admirável, se bem que incompreensível para nós hoje, que vivemos em plena licenciosa anarquia procriadora.

Miss Jane tomou fôlego e prosseguiu:

— Mas... o "mas" perturbador de todos os cálculos humanos surgiu. Apesar de submetida aos mesmos processos restritivos dos brancos, a raça negra começou desde logo a apresentar um indice mais alto de crescimento. A proporção do negro puro relativa ao branco subiu a um quinto, a um quarto, a um terço, e por fim chegou á metade... Quer dizer que o binômio racial, desprezado na era do crescimento imigratório e descurado no inicio do regime seletivo, passou a entrar na fase aguda do "resolve-me ou devoro-te".

— Em quantos eram calculados os negros nesse momento?

– Na era em que tomamos este corte anatômico do futuro, ano 2228, as estatísticas apresentavam dados alarmantes. Negros, 108 milhões; brancos, 206 milhões. E como o coeficiente da natalidade negra acusasse uma nova subida, o instinto de conservação dos brancos eriçou-se nos primeiros arrepios da legitima defesa. Dos muitos alvitres propostos para de uma vez por todas arrancar a América do seu beco sem saída predominavam duas correntes de ideias contrarias, conhecidas por "solução branca" e "solução negra". A solução branca…

– Já sei! exclamei aflito por acertar uma só vez que fosse. A solução branca era expatriar o negro!…

– Muito bem! confirmou miss Jane, alegre de ter-me proporcionado um inocente prazer mental. Queriam os brancos a expatriação dos negros para o…

– Vale do Amazonas! exclamei de novo, radiante do meu sucesso anterior e esperançoso de segunda vitoria. Dias antes eu lera não sei onde uma qualquer coisa que me deixara entrever isso.

– Bravos! Nesse andar vai o senhor Ayrton substituir com vantagem o nosso porviroscópio perdido. Para esse vale, sim. O antigo Brasil cindira-se em dois países, um centralizador de toda a grandeza sul-americana, filho que era do imenso foco industrial surgido ás margens do rio Paraná. Com as cataratas gigantescas ao longo do seu curso, acabou esse fecundo Nilo da América transformado na espinha dorsal do país que em eficiencia ocupava no mundo o lugar imediato aos Estados Unidos. O outro, uma republica tropical, agitava-se ainda nas velhas convulsões políticas e filológicas. Discutiam sistemas de voto e a colocação dos pronomes da semimorta lingua portuguesa. Os sociólogos viam nisso o reflexo do desequilíbrio sanguíneo consequente á fusão de quatro raças distintas, o branco, o negro, o vermelho e o amarelo, este ultimo predominante no vale do Amazonas.

Não pude deixar de estremecer diante das revelações de miss Jane sobre o futuro do meu país.

– Que tristeza, miss Jane! exclamei compungido. Pois vai dar-se isso então?

– Não vejo motivos para a sua tristeza, respondeu ela. Acho até que a divisão do país constitui uma solução ótima, a melhor possível, dado o erro inicial da mistura das raças. A parte quente ficou a sofrer o erro e suas consequências; mas a parte temperada salvou-se e pode seguir o caminho certo. A sua tristeza vem da ilusão territorial. Mas reflita que a muita terra não é que faz a grandeza de um povo e sim a qualidade dos seus habitantes. O Brasil temperado, além disso, continuou a ser um dos grandes paises do mundo em território, visto como fundia no mesmo bloco a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

Enchi-me de orgulho patriótico e sem querer levantei-me da cadeira com um hurrah entalado na garganta.

– Vencemos a Argentina, então? Conquistamos todo o Prata?

– Errou desta vez, senhor Ayrton. Não houve guerra, nem conquista de qualquer espécie. Os povos deste sul abriram os olhos a tempo, viram que a espinha dorsal da zona era o rio Paraná e foram-se arrumando ao longo das suas quedas como costelas, formando um todo único, mais ligados pelos interesses econômicos e geográficos do que por vinculas de sangue.

– Mas a velha rivalidade entre brasileiros e argentinos?

– Não passava de uma ingênua voz de sangue. Brasileiros e argentinos, descendentes de lusos e espanhóis, encampavam sem o saber o velho antagonismo que sempre dividiu a península ibérica. Mas tantas ondas de sangue novo despejou cá a imigração, que o
elemento inicial luso-espanhol foi suplantado e não teve forças para perpetuar a ingênua rivalidade hereditaria

– Mas por que dividiram o Brasil? perguntei ainda mal consolado. Era só povoar o norte da mesma maneira que o sul…

– Um país não é povoado como se quer, senhor Ayrton, ou como apraz aos idealistas. Um país povoa-se como pode. No nosso caso foi o clima que estabeleceu a separação. Dos europeus só os portugueses se aclimavam na zona quente, onde, graças ás afinidades com o negro, continuaram o velho processo de mestiçamento, acabando por formar um povo de mentalidade incompatível com a do sul.
Mas voltemos á América do Norte. O nosso caso é o americano. Mais tarde revelarei ao senhor Ayrton o que se passou no Brasil e como surgiu a grande Republica do Paraná. Estávamos na solução branca, e direi que todos os brancos americanos só queriam uma coisa: exportar, despejar os cem milhões de negros americanos no vale do Amazonas. Isso, entretanto, constituia uma empresa formidável ou, melhor, impraticável, não só em virtude de tremendas dificuldades materiais como por ferir de face a Constituição Americana. O pacto fundamental do grande povo era profundamente sábio, tão sábio que conseguira elevar a antiga colônia inglesa á liderança universal e, pois, gozava de um respeito na verdade supersticioso. Essa carta impedia uma duplicidade de tratamento para cidadãos iguais entre si perante a sua serena majestade de lei substantiva.
Já os negros se batiam por uma solução muito mais viável e justa. Queriam a divisão do país em duas partes, o sul para os negros e o norte para os brancos. Alegavam que era a América tanto de uma raça como de outra, visto como saíra do esforço de ambas; e já que não podiam gozar juntas da obra feita em comum, o razoável seria dividir-se o território em dois pedaços. Mas como os brancos preferiam continuar no status-quo a resolver o caso por esse processo, o problema racial permanecia de pé, cada vez mais ameaçador.
Dez anos antes começara a aparecer na cena americana um vulto de excepcional envergadura: Jim Roy, o negro de gênio. Tinha a figura atlética do senegalês dos nossos tempos, apesar da modificação craniana sofrida por influencia do meio. Tal modificação o aproximava do tipo dos antigos aborígines encontrados por Colombo. Era esse, aliás, o tipo predominante no país inteiro, e cada vez mais acentuado depois que a interrupção da corrente imigratória permitiu um evoluir étnico não perturbado por injeções estranhas. Até na tez levemente acobreada começava a transparecer nos americanos a misteriosa influencia do ambiente geográfico.

– Engraçado! Quer dizer que com o tempo todos iam virando indios…

– Não quer dizem bem isso, e sim que se aproximavam um pouco do tipo ameríndio, no que pude observar. Talvez que dentro de vinte ou trinta mil anos a sua hipótese esteja realizada. Infelizmente o aparelho que meu pai construiu não ia além do ano 3257.
Em Jim Roy a sua semelhança com um mestiço de senegalês e pele-vermelha (coisa impossível, pois de há muito já não existia um só indio na América) acentuava-se pela cor da pele, nada relembrativa da cor clássica dos pretos de hoje.

– Influencia do meio?

– Não. Não foi isso milagre da influencia do meio, nem era coisa singular, privativa de Jim Roy. Quasi toda a população negra da América apresentava pele igual á sua. A ciência havia resolvido o caso de cor pela destruição do pigmento. De modo que se Jim Roy aparecesse diante de nós hoje, surpreenderia da maneira mais desconcertante, visto como esse negro de raça puríssima, sem uma só gota de sangue branco nas veias, era, apesar de ter o cabelo carapinha, horrivelmente esbranquiçado.

– Albino?

– Não albino. Esbranquiçado — um pouco desse tom duvidoso das mulatas de hoje que borram a cara de creme e pó de arroz…

– Barata descascada, sei.

– Mas nem eliminando com os recursos da ciência o característico essencial da raça deixavam os negros de ser negros na América. Antes agravavam a sua situação social, porque os brancos, orgulhosos da pureza étnica e do privilegio da cor branca ingenita, não lhes podiam perdoar aquela camouflage da despigmentação.
Era Jim Roy na realidade um homem de imenso valor. Nascera fadado a altos destinos, com a marca dos condutores de povos impressa em todas as facetas da sua individualidade. Como organizador e menear talvez superasse os mais famosos organizadores surgidos entre os brancos. A história da humanidade poucos exemplos apresentava de uma eficiencia igual á sua. Consagrara-se desde muito jovem á execução dum plano de gênio, traçado nas linhas mestras com a mais perfeita compreensão do material humano sobre que pretendia agir.

– Está me lembrando o velho Moisés…

– Jim Roy conseguira o milagre da associação integral da população negra sob a bandeira dum partido político cujas forças, coletadas por extensa cadeia de agentes distritais, vinham, como fios telefônicos, ter á estação central da sua chefia suprema. Sempre sabias e construtoras, suas instruções desciam com autoridade de dogmas sobre todas as células da Associação Negra (era o nome do partido) e as fazia moverem-se como puros autômatos. Esta abdicação, ou melhor, esta sujeição consciente e consentida de todas as vontades a uma vontade única aperfeiçoara-se de tal modo que no ano da tragédia a situação politica dos Estados Unidos passou de fato a depender do lider negro.

– Passou a depender dele como? Pois não eram os negros apenas cem para duzentos milhões de brancos?

– Não se impaciente, senhor Ayrton. Temos que ir por partes. Disse eu que a situação politica da América passou a depender de Jim Roy e foi fato. Mas antes de lá chegarmos temos que fazer um rodeio politico. Gosta de politica, senhor Ayrton?

– Nem eleitor sou, miss Jane.

– E da politica feminina?

– Essa desconheço. Suponho, entretanto, que ha de ser mais felina que a dos homens...
---------------
continua… XII – A Simbiose Desmascarada

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

4 de Outubro (Dia de São Francisco de Assis)


Fonte:
http://kipasa.com/pt/dia-de-sao-francisco-de-assis/

A. A. de Assis (Francisco, o Poeta)


Gosto muito de Francisco, um santo e tanto, o bom Francisco de Assis. Não somente por ser ele santo, e santo forte e alegre e sábio; mas sobretudo porque além de santo soube Francisco ser poeta, e máximo.

Poeta mesmo, de entender e amar integralmente a gente e o mundo e a vida. Poeta da ternura e da partilha. Poeta do amor valente e generoso e da coragem de doar-se. Poeta do não-ter, por lhe bastar o ser. Santo-poeta da total pureza.

Francisco vem há oitocentos anos tentando convencer a humanidade de que a alegria está nas coisas simples. Na festa dos lírios, que não tecem nem bordam, e no entanto se vestem mais belamente do que Salomão. Na traquinice dos pássaros, que não plantam nem ceifam, e no entanto jamais sofreram privações.

Poucos souberam viver tão assumidamente a poesia da fraternidade. Levando paz aos corações tumultuados pela violência. Levando esperança às almas sufocadas pela angústia. Levando luz às mentes perturbadas pelo medo e pela dúvida. Disposto sempre a perdoar antes mesmo de ser perdoado, a amar antes mesmo de ser amado. E ensinando a gente a aceitar a chamada para o céu como aurora da eterna graça.

Francisco foi um descomplicador da vida, virtude própria do poeta intrínseco. Despojou-se de toda coisa inútil, para ser somente um homem bom.

Hoje Francisco seria um dos grandes líderes na luta contra a fome, contra a doença e contra a indigência cultural. Seria um vigoroso apóstolo da natureza, pedindo aos povos que sujem menos o ar e as águas, que usem com mais prudência os defensivos agrícolas, que parem de derrubar os bosques e as florestas. Seria um incansável militante das entidades protetoras dos animais. E por certo encontraria tempo e fôlego para ser também o de que tanto gosta: um entusiasmado animador de todos os grupos empenhados em semear e manter viva a poesia na face da Terra.

Francisco, o poeta. O nosso poeta. O santo da bondade, irmão querido de cada um de nós, irmão do sol, da lua e de cada uma das estrelas, irmão das plantas, irmão das aves, irmão dos peixes, irmão de todos os bichos de todas as matas, e das borboletas que brincam de flores nos jardins. Francisco, irmão da natureza inteira, irmão de tudo quanto Deus criou.

A bênção, meu São Francisco. Me ensine a ser poeta um pouquinho assim como você. O mundo precisa muito de uma urgente franciscanização.

Fonte:
O Autor

Carolina Ramos (Esperança)


Que falta faz a mão do Poverello,
mão chagada, que lembra o Salvador!
Mão que outras mãos unia, como um elo,,,
elo de luz fraterna, elo de Amor!

Que falta faz o ardor do seu anelo,
quando tentava unir a um só Pastor
as ovelhas dispersas – sonho belo,
que a vida se compraz em decompor!

E a vida o quanto vale?! – Um quase nada!
Por todo o lado, há só gente empenhada
em fazer gente ser mais infeliz!

...Quem sabe ainda houvesse uma esperança
se o mundo ouvisse a voz, humilde e mansa,
do bom Francisco...nosso Irmão de Assis!
---
Fonte:
Soneto enviado pela autora
Montagem da Trova por José Feldman, com trova enviada pelo autor.

Vinicius de Moraes (A Espantosa Ode a São Francisco de Assis)


1
Meu são Francisco de Assis, Francisco de Assim, poverello, ou como te chame a sabedoria dos povos e dos homens
Este é Vinicius de Moraes, de quem se podia dizer - o poeta - se jamais alguém o pudesse ser depois de ti.

2
Este é o impuro, o inconstante, o trágico, o leproso e possivelmente o morto
Que vem a ti o fiel, o calmo, o humano, o constante.

3
Este é o que sacrifica a vida pelo prazer da hora, e se desgraça
Que vem a ti que sacrificaste a vida pela eternidade e pela graça.

4
Este é o homem da mulher, o homem da carne, o homem da terra
E que te ama santo da Mulher, santo da Carne, santo da Terra.

5
Este é o que peca e não se arrepende, o supliciador e o criador do espasmo
E que te exalta irmão humilde e louco, confidente, e inventor do êxtase.

6
Este é o mágico do desespero, o inquisidor e o sedutor, o poeta triste
Que te proclama o rei, entre todos, amante sem mácula.

7
Meu são Francisco de Assis! acolhe teu amigo e teu criado
Que partiu para sempre e se perdeu, e nunca mais foi encontrado.

8
Tenho um mistério a te dizer, mas quem sabe não o ouvirias
Vendo-me criança - se é que eu fui criança um dia!

9
Ó dá-me teu sorriso, são Francisco, e me purifica
E liberta-me da vã palavra de sonho que me impurifica!

10
Eis que converti meu demônio a mim e meu anjo a mim
E me sinto demais em mim mesmo e quisera me despedaçar em ti.

11
Porque me sinto covarde de não poder dormir e precisar fechar a porta
Ao vento frio ou ao chamado sombrio da pureza morta.

12
És tu um dom da minha miséria e serias o mesmo
Se eu fosse como tu mesmo? - e te proclamaria?

13
E [...] porque amo a miséria em mim que me deposita em ti
Porque não fosse eu sombra não serias sol nem pensarias em mim.

14
E [ ... ] porque aceito minha depravação e faço a minha queixa sem piedade
E de todos tenho piedade menos de mim - e não há salvação para minha piedade

15
Sou digno como o animal nobre que morre em silêncio e sem lágrimas
E não tem limbo ou purgatório, céu ou inferno para a sua alma.

16
Mas sou impuro como a terra que recebe a consumação da carne
E astuto como o fogo e plástico como a água.

17
Meu são Francisco, ouve o meu voto e compreende o meu vazio
E me aquece do frio, e me protege do sonho sombrio.

18
Tu és a Palavra - a palavra inexistente - a poesia
Que eu busco sem tréguas, que busco de noite e que busco de dia.

19
Não creio em Deus mas creio em ti - Deus é minha melancolia
Tu és minha poesia - ou quando não seja o amor que ela se deseja

20
Tenho o lar e tenho o mar, e nada tenho
Tenho a emoção - tenho-a? - nem pranto mais blues.

21
Na verdade muitas coisas eu tenho, e muita razão de ser feliz
Se não existisses talvez - mas exististe, São Francisco de Assis!

22
És a infância não vivida, és a mocidade não merecida
És tudo de justo feito injusto pela catástrofe da vida.

23
Ninguém o sabe senão tu - nem mesmo eu sei! nesse momento
Meu pensamento é tédio mas amanhã pode ser contentamento.

24
Porque há em mim uma fonte pura de mal que me embriaga
De bem, mas que subitamente me estanca o que me falta.

25
É a mulher, essa que me suporta e que me acaricia
E a quem acaricio, e a quem eu rio e que se ri.

26
Não fosse ela, e eu estaria como Jó te mentindo,
Porque o poeta é a semente da mentira se, no desespero, só.

27
Dou-te meu voto além da mulher! é a criança que te fala
Quando subitamente se conheceu menino no grande silêncio de uma sala.

28
Quando brincando com o próprio sexo o surpreendeu sensível
E o viu inteligente e emocionado e não compreendeu.

29
E que criou sozinho a primeira forma nua para o prazer contemplativo E que se deu a ela desvairado do mistério de se saber vivo.

30
E que a transportou na memória em amor e que foi traído
Pelo toque de outra mão menos pura e mais desmerecida.

31
E que foi seviciado antes do sêmen pela desventura
Feito mulher, e a perdoou, e a amou, e a fez sua criatura.

32
E que foi iniciado nos prazeres da carne como o inocente aprendiz
A quem a mulher diz - Faz! e ele faz, tal como eu fiz.

33
Antes do sêmen! e não morri - e bela fiz minha criatura
Eis por que não há salvação e eu amo a minha degradação e impostura.

34
Porque eu sou o sedutor, se seduzido, e o erótico, se seviciado
E o amante, se querido, e o perdido, se privilegiado.

35
Porque fazemos um - eu e a mulher - e não há dois arrependimentos
Para um só corpo - nem duas salvações para um só sentimento.

36
E se alguém não vem comigo eu não quero ir, porque não sou sozinho
E se eu fosse sozinho não estava nesse momento clamando de ti

37
Meu são Francisco de Assis! ouve tu ao menos a minha inefável miséria
Sem perdão e sem consolação e sem fim nos caminhos da Terra.

38
Ouve o apelo mais íntimo, o que não está nas minhas palavras
E que está no meu ser infeliz e no ser infeliz que eu crio à minha passagem.

39
O santo, o herói e o poeta - três penitências do mundo
Tu, santo, herói e poeta - uma penitência em mim.

40
Nunca te verei no céu, nem nunca me verás no inferno
Mas hei de te escutar no estio, e tu me escutarás no inverno.

41
Não me verás no céu porque não há paixão para a serenidade
Nem no inferno porque não há castigo para a fatalidade.

42
Mas eu te escutarei aqui na Terra, entre as grandes árvores
A cabeça no seio da amiga, e a quem eu falo como ao pássaro.

43
Um dia deixarei a cidade da minha angústia e sua torre
E irei a Assis entre colinas me abandonar à tua saudade.

44
E dá-me nesse dia de chorar todas as lágrimas contidas
E de me perder em mim o pranto e de me ajoelhar no teu sepulcro.

45
Ó grande santo louco, meu irmão, taumaturgo em minha alma
Taumaturgo - palavra que contém silêncio e que me acalma!

46
Just now I have been in a [ ... ] party in the Magdalen's cloister
And there was an Armenian [ ... ] all the others.

47
Good inocent peopte [ ... ] some liquor in their rooms
But was a bloody phantom between them, so help me God!

48
Eu sou o conhecimento perfeito das coisas e dos homens
Linchai-me! eu sei todos os segredos, e eu me abandono.

49
Nunca criatura criada foi tão pagã como eu, so help me God!
Arrastando meu ser à execração e à contemplação quieta da morte.

50
Em vão te direi - ou não? - porque não vens beber meu vinho
Na minha mesa, e poderíamos falar com mais carinho.

51
São Francisco de Assis! meu irmão, meu único inimigo
No céu, eu te maldigo, eu te bendigo. Eu me persigno!

52
Tive uma jetatura: a mulher; uma aventura: a poesia
Uma desventura: a delicadeza. Sou delicado, não peço, mendigo!

53
Mendigo: mendigo o pão de meus pais, o amor de meus amigos
Mas só a mulher me persegue e só à mulher eu persigo.

54
Santo! tenho gana de te dizer: foge de mim! evita o meu contato escuro
Porque eu sou puro na maldade e puro na sinceridade e impuro.

55
Quatro livros escrevi - e sou tão moço! e nada compreendo de mim
Senão que sou cruel com a mulher, e que minha angústia não tem fim.

56
Fui buscado, também. Buscou-me a sociedade, o anfitrião
E eu fui mendigo em meu salão e me desprezei e disse não.

57
E me mandaram a Oxford, e eu disse não, e vi jovens viscondes
Que temeram meu pudor, e eu disse não, e me persigno!

58
Tudo é magia! Lembras-te? o silêncio fantástico das noites
E a alma bêbada de emoção? e nenhum pouso.

59
Ah, que a vida não tem solução. Muitos o disseram em vão
E o direi em vão, e morrerei, e os que me virem, sorrirão.

Fonte:
http://www.viniciusdemoraes.com.br/site/

Olivaldo Junior (Francisco (ou Poema a São Francisco de Assis))


Não quero o Francisco de altares,
que os altares que tenho são trovas,
pequenos versos e rimas
que lhes deixo aos pés.

Não quero o Francisco de alturas,
que as alturas que tenho são rosas,
pequenas petalazinhas
que lhes deixo à mão.

Não quero o Francisco de altezas,
que as altezas que tenho são pobres,
pequenos sóis, luazinhas
e estrelinhas quaisquer.

Não quero o Francisco sem Clara,
sem as aves, sem os animais...
Eu quero o Francisco de cara,

com altares de alturas, altezas
que têm os servos, acima,
bem acima, em paz.

Fonte:
Poema enviado pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 354)


Uma Trova Nacional

São Francisco te amo tanto...
Temos algo igual, porém,
estou longe de ser santo
mas sou Francisco também!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova Potiguar

Com sua fé inaudita,
São Francisco, na verdade,
fez a prece mais bonita
pela Paz da humanidade!
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2001 - Intersedes/SP
Tema: SÃO FRANCISCO - M/H

Entendo agora a grandeza
de São Francisco de Assis,
pois vivo em meio à pobreza
e, mesmo assim... sou feliz!
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Fazer o mal, não me arrisco,
porque Deus logo percebe.
Penso igual a São Francisco:
é dando que se recebe!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Bendigo a pessoa honrada
que guarda, na alma, a raiz
da humildade ilimitada
de São Francisco de Assis.
–JOSÉ MARIA M. DE ARAÚJO/RJ–

Simplesmente Poesia

Creio, pensando em Jesus,
e em são Francisco também,
que existe um arco de luz
ligando Assis a Belém...
–DAVID DE ARAÚJO/SP–

Estrofe do Dia

Sobre São Francisco, esse santo e mito,
muito já foi dito, e, tudo é verdade,
trocou riqueza, pela santidade,
renunciou aos bens, sem nenhum conflito,
mas, muita coisa, inda não foi escrito,
o exemplo de luta, a lição de amor
a cada exegeta, eu peço um favor,
se aprofunde mais e diga a razão
porque São Francisco, esse santo irmão,
se fez padroeiro do Trovador...
–FRANCISCO MACEDO/RN –

Soneto do Dia

Francisco de Assis
–MARIA DE LOURDES CAMPOS/SP–

Deixando atrás o fausto, a riqueza
e o sonho de tornar-se um cavaleiro,
abraçaste a evangélica pobreza,
na caridade e amor foste o primeiro!

No ardor da fé venceste a vil fraqueza,
do Cristo foste humilde mensageiro,
no afã de amenizar toda a aspereza
da trilha incerta e rude do viajeiro...

Assim sendo dos pobres o mais pobre,
– quando bem poderias ser um nobre,
na alegria de dar foste feliz!

Teu nome é nota no esplendor das claves,
falando às feras, encantando as aves,
Ó São Francisco, Universal, de Assis!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 25)

Hermoclydes S. Franco (Proposições a um Vocabulário em Trovas) Letras “G”, “H” e “I”


LETRA “G”

GETÚLIO VARGAS: Legenda;
Petrobrás – grande momento!
Leis Trabalhistas, na agenda
E na Carta-Testamento.

GORILA: Grande macaco
Que jamais andou fardado.
GOSTO: O que tantos têm fraco.
GOTEIRA: Pingo-pingado...

GRAMÁTICA: Rege a língua.
Tanta gente descompassa
Que certas trovas, à mingua
Das regras, perdem a graça.

GRAMPO: Peça de metal,
Com várias aplicações.
No telefone é ilegal
Vigia das ligações.

GUARATINGUETÁ: “Guará”
Bem simplesmente à paulista.
Deixei emoções por lá;
Trouxe a saudade sulista!

GUERRILHA: Guerra entre irmãos,
Em ataques de emboscada.
Se os povos dessem as mãos
Seria a paz conquistada!

GUARDA-COSTAS: É patrulha;
Marinha no litoral;
O truculento que empulha,
Em troca do vil metal...

LETRA “H”

HABANERA: Lembra a Espanha;
Dança e musica de escol.
HABEAS-CORPUS: Não se ganha
De juiz de futebol...

HORACIO: Poeta latino,
De estilo “enxuto” (bem seco?);
Em Niterói – que homem fino
E nobre: Horácio Pacheco!

HORTO: Arvoredo; Floresta;
O Jardim das Oliveiras.
HOSANA: É louvor; É festa
Nas comunhões domingueiras...

LETRA “I”

IANQUE: Norte-americano.
IARA: Senhora mãe d’água.
IATAGÃ: Sabre otomano
IATE: Cura qualquer mágoa...

IDEALISTA: Sonhador.
IDILIO: Romance suave.
IEMANJÁ: Deusa do amor
Que protege qualquer nave...

IRÔNICO: Zombeteiro.
IRRACIONAL: Sem razão.
ISCA: Pavio de isqueiro;
Comida de tubarão...

ITAIPAVA: Clima frio.
Arvoredo... Rios claros...
Flores que, em tardes de estio,
Recendem perfumes raros!

ITAPOÃ: Praia linda
E famosa, na Bahia.
Por ali, ressoa, ainda,
De Vinicius a elegia.

Fontes:
Trovas enviadas pelo autor
Imagem = montagem por José Feldman

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 353)


Uma Trova Nacional

Tentei fugir de mansinho...
devagar, romper os laços...
Desisti : qualquer caminho
sempre me leva aos teus braços...
–WILMA MELLO CAVALHEIRO/RS–

Uma Trova Potiguar

Quando o vaqueiro valente
se encontra longe de casa,
no seu aboio plangente
toda a saudade extravasa.
–REINALDO AGUIAR/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - ATRN-Natal/RN
Tema: INSPIRAÇÃO - 11º Lugar

“Bate” a inspiração na gente...
Verso nenhum se aquieta,
quando Deus, onipotente,
nos permite ser poeta!
–ROBERTO TCHEPELENTYKY/SP–

Uma Trova de Ademar

O tempo mostrou-me enfim,
sem regras e sem medida,
que a poesia é para mim
uma opção real de vida.
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Não paras quase ao meu lado ...!
e em cada tua partida,
eu sinto que sou roubado
num pouco da minha vida ...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia

Mote:
Toda casa de taipa abandonada,
Guarda um grito de fome dentro dela.

Glosa:
Tapera velha na beira da estrada
Onde mora o fantasma da maldade
É o retrato da tristeza que invade
Toda casa de taipa abandonada.
Foi projeto de vida inacabada
Triste, morreu insepulto e sem vela
Sem porta sem tramela e sem janela
É um retalho de vida mal vivida
Como um brado de revolta incontida
Guarda um grito de fome dentro dela.
–MARIVA/PB–

Estrofe do Dia

Eu não vou debruçar-me na janela
e nem vou conversar com as vizinhas,
porém através das preces minhas
me inspiro ao reflexo de uma vela,
se me chamam pra ver uma novela
eu recuso o convite e digo não;
para mim a maior televisão
é pensar em “Chudu” eternamente,
acredito que Deus está presente
no silencio da minha solidão.
–DINALVA/PB–
(VIÚVA DE MANOEL CHUDU - POETA VIOLEIRO)

Soneto do Dia

Tenho Pena
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–

Tenho pena dos que sofrem na vida,
neste mundo tão mau tão inclemente,
dos que morrem sem culpa, do inocente
que sozinho, nem sabe o que é guarida.

Da montanha calada e soerguida
que altiva enfrenta as águas da vertente,
do mar, enfurecido de repente,
das ondas que se curvam na descida.

Tenho pena do brilho das estrelas,
dos cegos, que jamais poderão vê-las
e do tempo que mostra a realidade.

Tenho pena das lágrimas vertidas,
da ilusão cujas asas são partidas
e de um sonho que deixou tanta saudade.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 1


“O jornalismo não é um gênero literário a mais. Enquanto, na literatura, a forma é compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado. O jornalismo se propõe processar informação em escala industrial e para consumo imediato”
LAGE, Nilson. Linguagem Jornalística. São Paulo, Ática, 35

“Surpresa agradável: cientistas confirmam que o cérebro adora o inesperado Nada mais chato que a rotina e os acontecimentos absolutamente previsíveis, certo? Isso mesmo. A mente humana gosta é de ser surpreendida. Essa foi a conclusão a que chegaram neurologistas da Emory University Health Sciences Center, nos Estados Unidos. Por diversas vezes, os médicos pingaram gotas de suco de frutas ou de água em voluntários monitorados por ressonância magnética. A escolha da bebida era aleatória, ou seja, foram testadas diversas seqüências que podiam ser quebradas a qualquer momento. Quando a bebida era trocada – o que pegava o cérebro de surpresa –, a atividade dos neurônios ficava mais intensa. De tão entusiasmada, essa resposta chegava a ser mais forte do que aquelas causadas pela sensação de prazer. "A mente humana é atraída por estímulos inusitados. Quando um evento foge do esperado, o cérebro mobiliza mais células para gravar o acontecimento", explica o neurologista Paulo Henrique Bertolucci, professor de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal de São Paulo”. (Priscila Boccia. Revista Saúde, abril de 2001)

APRESENTAÇÃO

Este texto é resultado de minhas aulas como professor de cursos seqüenciais e de graduação na área de comunicação. Ele foi feito com o objetivo de solucionar as principais dúvidas que eu encontrava em meus alunos quando estes começavam a escrever jornalisticamente.

Embora haja manuais de redação dos principais jornais do país, eles são visivelmente feitos para pessoas graduadas. A bibliografia de iniciação ao texto jornalístico é totalmente deficiente. O objetivo deste trabalho é, portanto, abrir caminho para a realização de um trabalho desse tipo, que sirva de guia para quem não conhece ainda nem mesmo os conceitos básicos de jornalismo, tais como pauta e lide. Sendo um texto experimental, eu ficaria muito satisfeito ao receber críticas e comentários que possam enriquecê-lo.

INTRODUÇÃO

Seja uma senhora perguntando sobre seus novo vizinhos, um homem do campo ouvindo um radinho de pilha ou um executivo lendo um jornal, todos atualmente estão muito interessados em um produto chamado informação. A necessidade de informação, de novidade, é tão antiga quanto o homem. Os nossos antepassados que se aproximavam cuidadosos de uma árvore em chamas após um relâmpago estavam curiosos com o fenômeno e queriam conhecê-lo melhor.

Da mesma forma, uma criança que coloca um objeto na boca está querendo informações sobre ele. A curiosidade e a necessidade de informações movem o mundo.

Mas o que é, exatamente, informação?

Leia a matéria abaixo e tente responder porque ela configura informação:

Pedreiro morde cachorro e quase é linchado

O pedreiro Jair Rodrigues da Silva, 32 anos, escapou de um linchamento em Americana (133 km de São Paulo), depois de morder o focinho de um cachorro vira-lata que o atacou, no bairro Antônio Zanaga, periferia da cidade.

O fato ocorreu quando Silva amarrou uma corda de nailon no pescoço do cachorro e saiu para passear. Como o animal não andava, o pedreiro resolveu empurrá-lo com um chute. O cachorro o mordeu e o pedreiro revidou, primeiro com pauladas, depois a dentadas, que feriram gravemente o animal.

Moradores do bairro que assistiram a cena ficaram revoltados e passaram a perseguir o pedreiro, que só foi salvo graças à intervenção da Guarda Municipal de Americana. O cachorro foi levado para o Centro de Zoonoze da cidade. Silva foi para o Hospital Municipal de Americana, onde foi medicado e liberado. Os dois passam bem. A polícia registrou boletim de ocorrência contra o pedreiro por maus tratos a animais.

Cachorros mordendo homens são muito comuns e, portanto, não dão notícia. Entretanto, um homem mordendo um cachorro é um evento que foge do normal e, portanto, configura informação. Já temos, portanto, uma indicação do que seria informação: tudo aquilo que foge do normal, que é novo, diferente.

Esse conceito está intimamente relacionado ao de redundância. Redundância é repetição. Se escrevo duas vezes a mesma palavra, estou sendo redundante. Se levo meia-hora para dizer algo que poderia ser dito em dois minutos, estou sendo redundante.

A redundância é um conceito oposto ao de informação. O que é redundante não é informação, e o que é informação não é redundante. Um cachorro mordendo um homem é redundância, pois diariamente milhares de cachorros mordem humanos. Mas um homem mordendo um cachorro é um evento com baixa probabilidade de ocorrer, sendo, portanto, informativo.

As pessoas costumam ter certa ojeriza à redundância. Pessoas que falam muito e dizem pouco costumam ser evitadas e chamadas de chatas. O indivíduo chato é, na verdade, um tremendo redundante. Nosso cérebro tem tanta necessidade de informação que, quando o estímulo é muito redundante, ele simplesmente apaga. Esse é o princípio da hipnose. O hipnotizador balança um pêndulo monotonamente na frente do hipnotizado e repete sempre as mesmas palavras, no mesmo tom. Como defesa, o cérebro entra em estado hipnótico.

O mesmo ocorre com aquelas aulas chatas, em que todo mundo dorme. O estímulo é tão redundante que o cérebro se nega a continuar prestando atenção. Se quisermos uma definição um pouco mais científica de informação, podemos recorrer ao conceito emitido pelo matemático Claude Shannon, criador da teoria da informação. Ele diz que informação é a diminuição da quantidade de incerteza quando se recebe uma resposta a uma pergunta.

Vamos imaginar uma situação. Eu recebo meus proventos por um determinado banco e ligo para o mesmo, perguntando se o dinheiro já saiu. Se o funcionário responder “sim”, a minha quantidade de incerteza diminuiu, não é mesmo? O mesmo ocorre se ele responder “não”. Nos dois casos, a minha dúvida está sendo respondida de forma que eu tenha mais informações do que antes.

Entretanto, se o funcionário me der respostas como “Não sei” ou “talvez”, eu vou continuar com a mesma dúvida de antes. Assim, a mensagem é de nível informacional baixíssima.

A mesma situação pode ser aplicada a uma eleição. Temos dois candidatos, A e B, ambos com chance de serem eleitos. Se o jornal me diz: “A venceu”, ele estará, certamente, repassando uma informação. Quanto maior a quantidade de respostas possíveis, maior a quantidade de informação da mensagem. E a mensagem será mais informativa se a resposta for a menos provável. A manchete “A e B empataram” tem muito mais informação do “A venceu”. Primeiro, porque agora o leque de respostas foi aumentado (antes eram apenas duas possibilidades, agora são três), segundo porque a resposta dada foi justamente a mais improvável. É muito pouco provável que dois candidatos tenham exatamente o mesmo número de votos.

Portanto, quanto maior a quantidade de respostas possíveis, maior a carga de informação da mensagem. E quanto mais improvável a mensagem, mais informativa ela será.

A mensagem “A venceu” terá mais informações, quanto maior for a quantidade de candidatos com chances reais de serem eleitos. E a mensagem terá ainda mais informação se “A” for justamente o candidato que se achava ter menores chances de vitória.

Um jornalista se vê diariamente diante de vários fatos e acontecimentos. Alguns devem ser enunciados, outros não. A escolha entre um e outro ficará a cargo da quantidade de informação desses eventos.

Isso fica bem claro no caso das pessoas vitimadas por balas perdidas no Rio de Janeiro. No começo a imprensa noticiou muito esses fatos, e agora parece ter se esquecido deles. O que aconteceu? As pessoas deixaram de ser atingidas por balas perdidas? Não. Simplesmente a coisa se tornou tão redundante que perdeu toda a carga de informação. A primeira pessoa acertada por uma bala perdida é um novidade. A centésima já é redundância.

O jornalista estará sempre em busca de eventos novos, improváveis. Não é à toa que uma das perguntas prediletas de todo repórter é “O que aconteceu de diferente?”.

Ao fazer uma matéria sobre vigilantes noturnos, o jornalista procurará retirar do entrevistado casos e histórias que saiam do normal e, portanto, tenham interesse para o leitor. Por outro lado, uma notícia que já tenha sido veiculada dificilmente vai voltar a ter interesse para o receptor.

Há um conto de Cortazar que mostra bem isso.

Um homem senta-se em um banco de praça e começa a ler um jornal. À medida em que lê, as páginas vão ficando em branco, demonstrando que aquilo já não é mais informação para ele. O homem termina de ler e deixa as folhas em branco sobre o banco. Passa uma outra pessoa e vê um jornal normal. Afinal, como ela ainda não leu o jornal, ele ainda traz informações para ela. A pessoa começa a ler e as páginas vão ficando em branco, como ocorrera com o outro.

O processo continua por todo o dia, até a meia-noite, quando o jornal fica definitivamente em branco, ou seja, ele deixa de ser informativo e passa a ser, definitivamente, redundante.

Lembre-se: o jornalismo lida com o diferente, improvável, com fatos que fogem do normal.
––––––––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

Ialmar Pio Schneider (Amor Antigo)

Tela de Glaucia Scherer


Eu quis fazer um verso de saudade
que me trouxesse os dias já vividos;
e pensei nos caminhos percorridos
quando te amei demais, na mocidade.

Mas, hoje mergulhado na ansiedade,
só me atormentam sonhos reprimidos,
como se fossem cânticos perdidos
que me negaram a felicidade.

Aquela que cruzou o meu destino
e só me fez cantar inutilmente
os seus dotes de rara exuberância,

matou pra sempre os sonhos de menino
que povoavam então a minha mente
de todos os amores sem constância...

Porto Alegre - RS, 26 de maio de 2002
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Fontes:
Soneto e Imagem enviados pelo autor

Olavo Bilac (Almas Inquietas: poesias) Parte 6


BALADAS ROMÂNTICAS

I
Branca...

Vi-te pequena: ias rezando
Para a primeira comunhão:
Toda de branco, murmurando,
Na fronte o véu, rosas na mão.
Não ias só: grande era o bando...
Mas entre todas te escolhi:
Minh’alma foi te acompanhando,
A vez primeira em que te vi.

Tão branca e moça! o olhar tão brando!
Tão inocente o coração!
Toda de branco, fulgurando,
Mulher em flor! flor em botão!
Inda, ao lembra-lo, a mágoa abrando,
Esqueço o mal que vem de ti,
E, o meu ranços estrangulando,
Bendigo o dia em que te vi!

Rosas na mão, brancas... E, quando
Te vi passar, branca visão,
Vi, com espanto, palpitando
Dentro de mim, esta paixão...
O coração pus ao teu mando...
E, porque escrevo me rendi,
Ando gemendo, aos gritos ando,
- Porque te amei! porque te vi!

Depois fugiste... E, inda te amando,
Nem te odiei, nem te esqueci:
- Toda de branco... Ias rezando...
Maldito o dia em que te vi!

II
Azul...

Lembra-te bem! Azul-celeste
Era essa alcova em que amei.
O último beijo que me deste
Foi nessa alcova que o tomei!
É o firmamento que a reveste
Toda de um cálido fulgor:
- Um firmamento, em que puseste
Como uma estrela, o teu amor.

Lembras-te? Um dia me disseste:
“Tudo acabou!” E eu exclamei:
“Se vais partir, por que vieste?”
E às tuas plantas me arrastei...
Beijei a fímbria à tua veste,
Gritei de espanto, uivei de dor:
“Quem há que te ame e te requeste
Com febre igual ao meu amor?”

Por todo o mal que me fizeste,
Por todo o pranto que chorei,
- Como uma casa em que entra a peste,
Fecha essa casa em que fui rei!
Que nada mais perdure e reste
Desse passado embriagador:
E cubra a sombra de um cipreste
A sepultura deste amor!

Desbote-a o inverno! o estio a creste!
Abale-a o vento com fragor!
- Desabe a igreja azul-celeste
Em que oficiava o meu amor!

III
Verde...

Como era verde este caminho!
Que calmo o céu! que verde o mar!
E, entre festões, de ninho em ninho,
A Primavera a gorjear!...
Inda me exalta, como um vinho,
Esta fatal recordação!
Secou a flor, ficou o espinho...
Como me pesa a solidão!

Órfão de amor e de carinho,
Órfão da luz do teu olhar,
- Verde também, verde-marinho,
Que eu nunca mais hei de olvidar!
Sob a camisa, alva de linho,
Ta palpitava o coração...
Ai! coração! peno e definho,
Longe de ti, na solidão!

Oh! tu, mais branca do que o arminho,
Mais pálida do que o luar!
- Da sepultura me avizinho,
Sempre que volto a este lugar...
E digo a cada passarinho:
“Não cantes mais! que essa canção
Vem me lembrar que estou sozinho,
No exílio desta solidão!”

No teu jardim, que desalinho!
Que falta faz a tua mão!
Como inda é verde este caminho...
Mas como o afeia a solidão!

IV
Negra...

Possas chorar, arrependida,
Vendo a saudade que aqui vai!
Vê que linda, negro, da ferida
Aos borbotões o sangue cai...
Que a nossa história, assim relida,
O nosso amor, lembrado assim,
Possam fazer-te, comovida,
Inda uma vez pensar em mim!

Minh’alma pobre e desvalida,
Órfã de mãe, órfã de pai,
Na escuridão vaga perdida,
De queda em queda e de ai em ai!
E ando a buscar-te. E a minha lida
Não tem descanso, não tem fim:
Quanto mais longe andas fugida,
Mais te vejo eu perto de mim!

Louco! e que lúgubre a descida
Para a loucura que me atrai!
- Terríveis páginas da vida,
Escuras páginas, - cantai!
Vim, ermitão, da minha ermida,
Morto, do meu sepulcro vim,
Erguer a lápida caída
Sobre a esperança que houve em mim!

Revivo a mágoa já vivida
E as velhas lágrimas... a fim
De que chorando, arrependida,
Possas lembrar-te inda de mim!

VELHA PÁGINA

Chove. Que mágoa lá fora!
Que mágoa! Embruscam-se os ares
Sobre este rio que chora
Velhos e eternos pesares.

E sinto o que a terra sente
E a tristeza que diviso,
Eu, de teus olhos ausente,
Ausente de teu sorriso...

As asas loucas abrindo,
Meus versos, num longo anseio,
Morrerão, sem que, sorrindo,
Possa acolhe-los teu seio!

Ah! quem mandou que fizesses
Minh’alma da tua escrava,
E ouvisses as minhas preces,
Chorando como eu chorava?

Por que é que um dia me ouviste,
Tão pálida e alvoroçada,
E, como quem ama, triste,
Como quem ama, calada?

Tu tens um nome celeste...
Quem é do céu é sensível!
Por que é que me não disseste
Toda a verdade terrível?

Por que, fugindo impiedosa,
Desertas o nosso ninho?
- Era tão bela esta rosa!...
Já me tardava este espinho!

Fora melhor, porventura,
Ficar no antigo degredo
Que conhecer a ventura
Para perde-lo tão cedo!

Por que me ouviste, enxugando
O pranto das minhas faces?
Viste que eu vinha chorando...
Antes assim me deixasses!

Antes! Menor me seria
O sofrimento, querida!
Antes! a mão que alivia
A dor, e cura a ferida.

Não deve depois, tranqüila,
Vendo sufocada a mágoa,
Encher de sangue a pupila
Que já vira cheia de água...

Mas junto a mim que te falta?
Que glória maior te chama?
Não sei de glória mais alta
Do que a glória de quem ama!

Talvez te chame a riqueza...
Despreza-a, beija-me, e fica!
Verás que assim, com certeza,
Não há quem seja mais rica!

Como é que quebras os laços
Com que prendi o universo,
Entre os nossos quatro braços,
Na jaula azul do meu verso?

Como hei de eu, de hoje em diante,
Viver, depois que partires?
Como queres tu que eu cante
No dia em que não me ouvires?

Tem pena de mim! tem pena
De alma tão fraca! Como há de
Minh’alma, que é tão pequena,
Poder com tanta saudade?!

VILFREDO
LENDA DO RENO, GRANDMOUGIN

I
O castelo

Sobre os rochedos, longe, o castelo aparece,
Dominando a extensão das florestas sombrias.
A tarde cai. O vento abranda. O ar escurece.
E Vilfredo caminha entre as neblinas frias.

Vai vê-la... E estuga o passo. Alto e silencioso,
Abre o castelo, em fogo, os vitrais das janelas.
Nas ameias, manchando o céu caliginoso,
Aprumam-se perfis de imóveis sentinelas.

Vilfredo vai ouvir a voz da sua Dama...
Mas, no seu coração perturbado, parece
Que vive, em vez do amor, essa ligeira chama,
Que arde apenas um dia, arde e desaparece...

E o arruinado solar, refletido no Reno,
Sobre o qual paira e pesa um sonho sobre-humano,
Sobe, entre os astros, só, furando o céu sereno,
Com a calma e o esplendor de um velho soberano.

II
As fadas da lagoa

Vilfredo conheceu o amor nos braços d’Ela...
Teve-a nua, a tremer, nos braços, nua e fria!
Teve-a nos braços, louca, apaixonada e bela!
Mas parte, alucinado, antes que aponte o dia...

É que uma outra paixão o descuidado peito
Lhe entrou. Paixão cruel, loucura que o atordoa,
Desde o momento em que, formosas, sobre o leito
Das águas calmas, viu as fadas da lagoa.

Parte... À margem fatal da lagoa das fadas
Chega, e em êxtase fica, a riba em flor mirando.
Um ligeiro rumor de vozes abafadas
Aumenta... E exsurge da água o apaixonado bando.

Corre Vilfredo, em febre, a aperta-las ao seio,
E despreza o passado e esquece o juramento:
Beija-as, e, na expansão do carinhoso anseio,
Imola toda a vida aos beijos de um momento.

Para os seus corpos ter, toda a alma lhes entrega:
E, na alucinação do gozo em que se inflama,
Por esse amor, por essa embriaguez renega
O Deus dos seus avós, o amor da sua Dama...

III
O remorso

Delira. Mas, depois do delírio sublime,
O remorso, imortal, nasce com o arrebol.
E ele mede a extensão do seu monstruoso crime,
E esconde a face à luz vingadora do sol.

Busca assustado a paz, busca chorando o olvido...
Á volúpia infernal o coração vendeu,
E o inferno lhe reclama o coração vendido,
Cobrando em sangue e pranto o gozo que lhe deu.

Quer rezar, quer voltar ao seu fervor primeiro,
Quer nas lajes, de rojo, abominando o mal,
Ser de novo Cristão, Fiel e Cavaleiro:
Mas não encontra paz na paz da catedral.

Pobre! até no palor das faces maceradas
Das monjas, cuida ver as faces que beijou;
Ah! seios de marfim! ah! bocas perfumadas!
Recordação cruel de um Éden que acabou!

Parte só, sem destino, errando, a passo incerto,
Por montes e rechãs, no inverno e no verão,
E por anos sem conta habitando o deserto,
Sem lágrimas no olhar, sem fé no coração.

Das florestas sem fim sob a abóbada escura
Ouve, nos alcantis de em torno, a água rolar;
Sobre ele, a longa voz das árvores murmura,
E o vendaval retorce os ramos negros no ar.

Mas à fera, ao inseto, ao limo verde, ao vento,
Ao sol, ao rio, ao vale, à rocha, à serpe, à flor
É em vão que Vilfredo implora o esquecimento
Do seu amor cruel, do seu horrendo amor...

IV
O Castigo

Volta... Nem luta já contra o crime que o atrai...
Velho e trôpego vem, mendigo esfarrapado,
E examine, por fim, num calefrio, cai
Sem consciência, ao pé das águas do Pecado.

Calma. A noite caiu. Nem um pássaro voa.
Não piam no silêncio as aves agoireiras.
Mas palpitam, luzindo, à beira da lagoa,
Fogos-fátuos subtis sobre as ervas rasteiras.

E, então, Vilfredo vê, presa de um medo
Do denso turbilhão dos fogos repentinos,
Com tentações no olhar e convites na voz
Surgirem turbilhões de corpos femininos.

E o Inferno pela voz dos fogos-fátuos fala!
Vilfredo foge. O horror vai com ele, inclemente!
Foge. E corre, e vacila, e tropeça, e resvala,
E levanta-se, e foge alucinadamente...

Em vão! pesa sobre ele um destino fatal:
E o louco, em todo o horror dos campos tenebrosos,
Vê fechar-se e prende-lo a cadeira infernal
Das infernal multidão dos Elfos amorosos...
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Fonte:
BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo : Martin Claret, 2002. Alma Inquieta. (Coleção a obra-prima de cada autor). Digitalizado por Anamaria Grunfeld Villaça Koch – São Paulo/SP