segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 1


“O jornalismo não é um gênero literário a mais. Enquanto, na literatura, a forma é compreendida como portadora, em si, de informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado. O jornalismo se propõe processar informação em escala industrial e para consumo imediato”
LAGE, Nilson. Linguagem Jornalística. São Paulo, Ática, 35

“Surpresa agradável: cientistas confirmam que o cérebro adora o inesperado Nada mais chato que a rotina e os acontecimentos absolutamente previsíveis, certo? Isso mesmo. A mente humana gosta é de ser surpreendida. Essa foi a conclusão a que chegaram neurologistas da Emory University Health Sciences Center, nos Estados Unidos. Por diversas vezes, os médicos pingaram gotas de suco de frutas ou de água em voluntários monitorados por ressonância magnética. A escolha da bebida era aleatória, ou seja, foram testadas diversas seqüências que podiam ser quebradas a qualquer momento. Quando a bebida era trocada – o que pegava o cérebro de surpresa –, a atividade dos neurônios ficava mais intensa. De tão entusiasmada, essa resposta chegava a ser mais forte do que aquelas causadas pela sensação de prazer. "A mente humana é atraída por estímulos inusitados. Quando um evento foge do esperado, o cérebro mobiliza mais células para gravar o acontecimento", explica o neurologista Paulo Henrique Bertolucci, professor de Neurologia do Comportamento da Universidade Federal de São Paulo”. (Priscila Boccia. Revista Saúde, abril de 2001)

APRESENTAÇÃO

Este texto é resultado de minhas aulas como professor de cursos seqüenciais e de graduação na área de comunicação. Ele foi feito com o objetivo de solucionar as principais dúvidas que eu encontrava em meus alunos quando estes começavam a escrever jornalisticamente.

Embora haja manuais de redação dos principais jornais do país, eles são visivelmente feitos para pessoas graduadas. A bibliografia de iniciação ao texto jornalístico é totalmente deficiente. O objetivo deste trabalho é, portanto, abrir caminho para a realização de um trabalho desse tipo, que sirva de guia para quem não conhece ainda nem mesmo os conceitos básicos de jornalismo, tais como pauta e lide. Sendo um texto experimental, eu ficaria muito satisfeito ao receber críticas e comentários que possam enriquecê-lo.

INTRODUÇÃO

Seja uma senhora perguntando sobre seus novo vizinhos, um homem do campo ouvindo um radinho de pilha ou um executivo lendo um jornal, todos atualmente estão muito interessados em um produto chamado informação. A necessidade de informação, de novidade, é tão antiga quanto o homem. Os nossos antepassados que se aproximavam cuidadosos de uma árvore em chamas após um relâmpago estavam curiosos com o fenômeno e queriam conhecê-lo melhor.

Da mesma forma, uma criança que coloca um objeto na boca está querendo informações sobre ele. A curiosidade e a necessidade de informações movem o mundo.

Mas o que é, exatamente, informação?

Leia a matéria abaixo e tente responder porque ela configura informação:

Pedreiro morde cachorro e quase é linchado

O pedreiro Jair Rodrigues da Silva, 32 anos, escapou de um linchamento em Americana (133 km de São Paulo), depois de morder o focinho de um cachorro vira-lata que o atacou, no bairro Antônio Zanaga, periferia da cidade.

O fato ocorreu quando Silva amarrou uma corda de nailon no pescoço do cachorro e saiu para passear. Como o animal não andava, o pedreiro resolveu empurrá-lo com um chute. O cachorro o mordeu e o pedreiro revidou, primeiro com pauladas, depois a dentadas, que feriram gravemente o animal.

Moradores do bairro que assistiram a cena ficaram revoltados e passaram a perseguir o pedreiro, que só foi salvo graças à intervenção da Guarda Municipal de Americana. O cachorro foi levado para o Centro de Zoonoze da cidade. Silva foi para o Hospital Municipal de Americana, onde foi medicado e liberado. Os dois passam bem. A polícia registrou boletim de ocorrência contra o pedreiro por maus tratos a animais.

Cachorros mordendo homens são muito comuns e, portanto, não dão notícia. Entretanto, um homem mordendo um cachorro é um evento que foge do normal e, portanto, configura informação. Já temos, portanto, uma indicação do que seria informação: tudo aquilo que foge do normal, que é novo, diferente.

Esse conceito está intimamente relacionado ao de redundância. Redundância é repetição. Se escrevo duas vezes a mesma palavra, estou sendo redundante. Se levo meia-hora para dizer algo que poderia ser dito em dois minutos, estou sendo redundante.

A redundância é um conceito oposto ao de informação. O que é redundante não é informação, e o que é informação não é redundante. Um cachorro mordendo um homem é redundância, pois diariamente milhares de cachorros mordem humanos. Mas um homem mordendo um cachorro é um evento com baixa probabilidade de ocorrer, sendo, portanto, informativo.

As pessoas costumam ter certa ojeriza à redundância. Pessoas que falam muito e dizem pouco costumam ser evitadas e chamadas de chatas. O indivíduo chato é, na verdade, um tremendo redundante. Nosso cérebro tem tanta necessidade de informação que, quando o estímulo é muito redundante, ele simplesmente apaga. Esse é o princípio da hipnose. O hipnotizador balança um pêndulo monotonamente na frente do hipnotizado e repete sempre as mesmas palavras, no mesmo tom. Como defesa, o cérebro entra em estado hipnótico.

O mesmo ocorre com aquelas aulas chatas, em que todo mundo dorme. O estímulo é tão redundante que o cérebro se nega a continuar prestando atenção. Se quisermos uma definição um pouco mais científica de informação, podemos recorrer ao conceito emitido pelo matemático Claude Shannon, criador da teoria da informação. Ele diz que informação é a diminuição da quantidade de incerteza quando se recebe uma resposta a uma pergunta.

Vamos imaginar uma situação. Eu recebo meus proventos por um determinado banco e ligo para o mesmo, perguntando se o dinheiro já saiu. Se o funcionário responder “sim”, a minha quantidade de incerteza diminuiu, não é mesmo? O mesmo ocorre se ele responder “não”. Nos dois casos, a minha dúvida está sendo respondida de forma que eu tenha mais informações do que antes.

Entretanto, se o funcionário me der respostas como “Não sei” ou “talvez”, eu vou continuar com a mesma dúvida de antes. Assim, a mensagem é de nível informacional baixíssima.

A mesma situação pode ser aplicada a uma eleição. Temos dois candidatos, A e B, ambos com chance de serem eleitos. Se o jornal me diz: “A venceu”, ele estará, certamente, repassando uma informação. Quanto maior a quantidade de respostas possíveis, maior a quantidade de informação da mensagem. E a mensagem será mais informativa se a resposta for a menos provável. A manchete “A e B empataram” tem muito mais informação do “A venceu”. Primeiro, porque agora o leque de respostas foi aumentado (antes eram apenas duas possibilidades, agora são três), segundo porque a resposta dada foi justamente a mais improvável. É muito pouco provável que dois candidatos tenham exatamente o mesmo número de votos.

Portanto, quanto maior a quantidade de respostas possíveis, maior a carga de informação da mensagem. E quanto mais improvável a mensagem, mais informativa ela será.

A mensagem “A venceu” terá mais informações, quanto maior for a quantidade de candidatos com chances reais de serem eleitos. E a mensagem terá ainda mais informação se “A” for justamente o candidato que se achava ter menores chances de vitória.

Um jornalista se vê diariamente diante de vários fatos e acontecimentos. Alguns devem ser enunciados, outros não. A escolha entre um e outro ficará a cargo da quantidade de informação desses eventos.

Isso fica bem claro no caso das pessoas vitimadas por balas perdidas no Rio de Janeiro. No começo a imprensa noticiou muito esses fatos, e agora parece ter se esquecido deles. O que aconteceu? As pessoas deixaram de ser atingidas por balas perdidas? Não. Simplesmente a coisa se tornou tão redundante que perdeu toda a carga de informação. A primeira pessoa acertada por uma bala perdida é um novidade. A centésima já é redundância.

O jornalista estará sempre em busca de eventos novos, improváveis. Não é à toa que uma das perguntas prediletas de todo repórter é “O que aconteceu de diferente?”.

Ao fazer uma matéria sobre vigilantes noturnos, o jornalista procurará retirar do entrevistado casos e histórias que saiam do normal e, portanto, tenham interesse para o leitor. Por outro lado, uma notícia que já tenha sido veiculada dificilmente vai voltar a ter interesse para o receptor.

Há um conto de Cortazar que mostra bem isso.

Um homem senta-se em um banco de praça e começa a ler um jornal. À medida em que lê, as páginas vão ficando em branco, demonstrando que aquilo já não é mais informação para ele. O homem termina de ler e deixa as folhas em branco sobre o banco. Passa uma outra pessoa e vê um jornal normal. Afinal, como ela ainda não leu o jornal, ele ainda traz informações para ela. A pessoa começa a ler e as páginas vão ficando em branco, como ocorrera com o outro.

O processo continua por todo o dia, até a meia-noite, quando o jornal fica definitivamente em branco, ou seja, ele deixa de ser informativo e passa a ser, definitivamente, redundante.

Lembre-se: o jornalismo lida com o diferente, improvável, com fatos que fogem do normal.
––––––––––-
continua…

Fonte:
Virtualbooks

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