sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 6


Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

CLASSIFICAÇÃO

Antes de passarmos à segunda parte deste trabalho onde abordaremos diversos mitos, os mais significativos, convém darmos uma parada na classificação e tipologia que alguns autores nos oferecem. Não nos será difícil depois reconhecer em quais das categorias abaixo se enquadram as lendas que se seguem..

Coutinho de Oliveira apresenta-nos a seguinte classificação, logo na Introdução do seu "Folclore Amazônico":

I - Lendas Cosmogônicas

II - Lendas Heróicas

III - Lendas Etiológicas

IV - Lendas de Encantados

V - Lendas Ornitológicas

VI - Lendas Mitológicas (ciclo da lara, da Boiuna, do Boto, do Curupira e da Matin-Taperê). Estas também são chamadas de Mitos Primários ou Domésticos.

Já Couto de Magalhães[39] dá-nos o esquema abaixo para a classificação dos deuses superiores e dos entes sobrenaturais:


* GUARA-I: Guará = vivente e Ci = mãe.
**JAÇI: Já = vegetal e Ci = mãe.


Por sua vez, Victor Jabouille[40] apresenta a seguinte tipologia:

1. Mito teológico - relata o nascimento dos deuses, os seus matrimônios e genealogias;

2. Mitos cosmológicos - debruça-se sobre a criação e o ordenamento do mundo e seus elementos construtivos;

3. Mito antropogônico - apresenta a criação do homem;

4. Mito antropológico - prolonga o anterior, descrevendo as características e desenvolvimento do gênero humano;

5. Mito soteriológico - apresenta o universo de iniciação e dos mistérios, das catábases e percursos purificatórios;

6. Mito Cultural - narra as atividades de heróis que, tal como Prometeu, melhoram as condições do homem;

7. Mito etiológico - explica a origem de pessoas e coisas; pesquisa as causas por que se formou uma tradição, procurando em especial encontrar episódios
que justifiquem normas;

8. Mito naturalista - justifica, miticamente, os fenômenos naturais, telúricos, astrais, atmosféricos;

9. Mito moral - relata as lutas entre o Bem e o Mal, entre anjos e demônios, entre forças e elementos contrários;

10. Mito escatológico - descreve o futuro, o homem após a morte, o fim do mundo.

39 Apud ORIÇO, Osvaldo. Op. cit. p. 44-47.
40 JABOUILLE, Victor. Op. Cit. P. 47-48


SEGUNDA PARTE

AS AMAZONAS

Tidas no princípio como fruto de uma observação mal feita pelos primeiros navegantes do Grande Rio; ou produto do delírio de um capitão espanhol; ou ainda, da ingenuidade clerical - sempre dispostos a aceitar o "absurdo" desde que viesse dos selvagens pagãos - de um frei Gaspar de Carvajal ou Cristobal de Acunã; as Amazonas permanecem, ainda, quase meio milênio depois, envoltas no mesmo véu de mistério, magia e sedução. Esse véu foi, em parte, descerrado pelo pesquisador Jacques de Mahieu, em seu livro "Os Vikings no Brasil"[1] e pelo arqueólogo Fernando Sampaio, autor de "As Amazonas".

Etimologicamente, Amazonas significa "sem seios"; de A-Mazós, pois acreditavam os antigos que as famosas guerreiras da Cítia oblavam o seio direito para melhor manejarem o arco e flecha. Contudo para o Barão de Santa-Anna Nery[2] o vocábulo tem raízes gregas, compostas por ama, que quer dizer "união" e zona, significando "cinto"; assim, amazonas pode ser traduzido por "unidas por um cinto". Já o paraense Alfredo Ladislau dá-nos, numa terminologia nativa, um significado que é exatamente igual ao que a lenda de Heródoto difundiu: "Aquelas que não têm seios" ou no dizer dos índios Ikam-ny-abas. Já o Padre de Acunã [3] informa que "Yacamiaba" é o nome dado ao pico que se destaca mais entre todos os outros", nas altas montanhas -provavelmente do Tumucumaque - onde vivem "essas mulheres masculinizadas"; entretanto os Tapajós as conheciam por "cunhantensequina" ou "mulheres sem marido", que ao meu ver é a expressão mais adequada Há, também, o vocábulo indígena "amassunu", que significa "águas que retumba" ou "ruído de águas", como um pouco provável gerador da palavra amazonas.

Busquei aqui oferecer um apanhado das prováveis origens do vocábulo "Amazonas" e seus possíveis significados, mas sejam quais forem, o fato é que devemos às lendárias guerreiras brancas da mitologia clássica, ao espanhol Francisco Orellana e ao Frei Gaspar de Carvajal o batismo que sofreu o "Mar Dulce" de Pinzon e o "Paranauaçu" ou "Paraguaçu" dos Tupis, como Rio das Amazonas e que por extensão denominaria toda a região. A lenda das Amazonas não se popularizou no Brasil, mas, a Amazônia e o rio Amazonas se transformaram em lenda mundial, pela imensa riqueza e potencial natural que guardam. Esperamos que a Amazônia não acabe como na canção de Vital Farias, "Saga da Amazônia":

"Era uma vez uma floresta na linha do Equador..."

1 MAHIEU, Jacques. Os viklngs no Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
2 NÉRI, Frederico José de Santana. O país das amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979.
(O autor é amazonense e publicou na França com o nome de Santa-Anna Nery).
3 Apud MAHIEU, Jacques de. Op. cit. p. 17.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

J. G. De Araújo Jorge (O Primeiro Amor)


Somos simples metades: biológica e sentimentalmente. Como as moedas, temos duas faces: cara e coroa. No singular, não existimos, não podemos continuar. Até porque, surgimos de dois,trazendo o destino de "Ser", no plural: não "sou", não "és" Somos. Ora, a vida.

"Matemática esquisita
que das suas sempre faz,
ao final de nove meses
somando dois, multiplica,
e ao invés de dois, às vezes,
são três, são quatro, e até mais."


Estou pensando estas coisas, quando me perguntam o que acho do primeiro amor. É uma entrevista com colegiais. Sim, eu já escrevi sobre o primeiro amor. Também já acreditei que existia, ou que existiu. Ficou naquela visão trêmula como as imagens no espelho dos igarapés da infância. Sobreviveu em lembranças concêntricas, que se ampliam e diluem infinítamente no coração, quando a pedrinha de um fato cai sobre a superfície das águas do igapó da memória.

"Onde está o meu primeira amor
a menina morena de cabelos negros
e de olhos da cor do rio
que nunca será esquecida?

O tempo ladrão roubou
de parceria com a vida."


Sim, acreditei nele, como toda gente. E porque apascento versos desde menino, como um nômade pastor, lembrei-o muitas vezes:

"O meu amor primeiro, o meu primeiro amor
foi anseio, e viveu a incerteza de uma ânsia;
botão que não se abriu, que não chegou a flor
um pedaço de céu quase limpo e sem cor
perdido nos senfins azuis da minha infância..."

Andei com ele por aí:

"Braços dados, nós dois vamos sozinhos,
o teu olhar de encantamento espraias
pelas curvas e sombras dos caminhos,
debruados de jasmins e samambaias. . ."


E por isso, também identifiquei-me com os casais em tempo de sonho:

"Nada tolda os seus olhos, nem um véu...
Andam sem ver os lados, vendo o fim,
e o fim que vêem é o azul do céu...

Ah, se a gente, tal como os namorados
pudesse eternamente andar assim
pela vida, a sonhar de braços dados..."


Mas fui vivendo, como toda gente, ou como quase toda gente. E um dia, quando relia as provas dos meus versos, comecei a perceber que me enganara, como toda gente, ou como quase toda gente. O primeiro amor não é o primeiro amor.

Ou pelo menos o que chamamos de primeiro amor. Deviam ter outro nome aquelas emoções que esvoaçaram sem deixar pegadas, quase e apenas como nuvens brancas no limbo do coração; aquelas lembranças de mãos dadas, assexuadas, beijando só com os olhos, olhando sem nada ver. Se, na realidade, nós nem nos apercebemos dele ! E só o encontramos quando o tivemos perdido, e há tanto tempo que é quase impossível reconstituí-lo!

E então a pergunta: afinal que é o primeiro amor? E a conclusão que só a vida nos pode dar: é aquele amor completo em todas as direções, dos pés a cabeça, não apenas no céu, mas na terra, nas nuvens e nos ventos, nas raizes e na solidão. Quando se beija não apenas com os lábios, mas com todos os sentidos, quando tudo se vê, mesmo de olhos fechados, e se sofre, até com o pensamento. Para que possa ser perfeito, Buda aconselhou: não deves pecar. Os cristãos repetiram como um eco: guarda a castidade. Tolice, porque estamos sempre puros diante do amor, e quando ele chega, é sempre novo, é sempre o primeiro.

Há infinitos primeiros amores. Ama-se tantas vezes a primeira vez! Renascemos em suas ânsias e toda vez que o perdemos, ficamos à deriva em nosso destino. Felizes, ou infelizes - que importa? - os que encontram o primeiro amor. Porque há homens também que passam a vida inteira amando, de amor em amor, e não amam nunca a primeira vez. Bom é amar a primeira vez muitas vezes, tantas quantas a vida inventar, e o coração puder! Há tanta coisa por aí se chamando de amor que de amor nada tem, não justifica a dor e a alegria, não revela nenhum mistério; de nenhum milagre é capaz !

Ah, o primeiro amor! Às vezes não nos chega propriamente num dia, mas durante a vida toda, em que o vamos construindo de tantas e insignificantes grandezas, sem mesmo tomarmos conhecimento de sua importância. E entretanto, é tudo. Basta que, de repente, vacile, nos ameace, e falta-nos a luz, o ar!

Outras vezes, irrompe como um pé-de-vento abrindo uma janela, abrindo-a ou fechando-a instantaneamente, e nos aparece como algo que emergiu da sombra em que o velávamos, subitamente belo e iluminado.

Ou, ainda, pode explodir como uma granada, e nos cegar até, e nos atordoar. E caímos nele, feridos mortalmente, sentindo-o escorrer quente no corpo, doendo de tanta alegria!

Muitas ocasiões, pensamos encontrá-lo, quando na realidade saltamos sobre ele, e caímos adiante, em duro leito de pó, onde se espoja. Não era amor, mas sua filha bastarda: a paixão. Como surge desaparece, em disparada - potro selvagem em pasto aberto. Mas, então, que é o amor, esse que é sempre o primeiro, múltiplo e infinito como o mar? Dele tentei dizer:

"E de repente. . . (parece incrível)
o tudo de antes não existe mais
não interessa . . .

Um novo amor, amor
é sempre um mundo novo
que começa.

Não importa o percorrido
o conquistado,
ou o que antes foi desejado
por teu marinheiro coração:
um novo amor
começa tudo de chão.

É como se abrisses os olhos para a vida
naquele instante,
como se para trás nada tivesse havido.
Nasces com um novo amor! E então reviverás
o mistério, deslumbrante
do que há de acontecer, como se nunca tivesse
acontecido. . ."


Talvez seja aquela força indômita do coração que levou o poeta a penitencias como esta:

"Chegas. E de repente me pergunto
que amor é esse que existiu sem ti?
Que flores? Se não houve primavera. . .
Ah, nascemos agora, um para o outro,
e antes, não fomos mais que vã espera. . ."


Ou a esta confissão final:

"Éramos apenas dois bichos...
(ou deuses?)
...Nem podia ser mesmo humana
tão louca felicidade..."


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Lino Vitti (Livro de Sonetos)


FLORINDO CORAÇÕES

Veja o belo jardim como anda florescido
tanta roseira em flor sonhando com perfumes!
Um verdadeiro céu de estelíferos lumes
estilhaçado em chão de vidro derretido.

Em flores transformou-se a montanha de estrumes
dado vida ao odor tristonho e ressequido.
Convidados da noite a um banquete subido
são insetos que vêm e luzem vagalumes.

Veja as rosas que estão clamando por olhares,
por sorrisos de quem bem perto delas passa,
por beijos de manhãs e céus crepusculares.

Deixemos repousar a vista generosa
nesse encanto floral da roseira que é graça
fundindo em coração cada botão de rosa.

A MEU PAI

Lado a lado, meu pai, nas andanças da vida,
mãos dadas com carinho e com grandioso amor,
umas vezes a estrada é uma senda florida,
muitas outras, porém tem espinhos e dor.

Em você, caro pai, encontrei nesta lida
mil sonhos a cumprir, de luz um resplendor,
A todos conduziu, com nossa mãe querida,
a um porto bem seguro, a um porto salvador.

Que a idade não lhe seja um peso doloroso,
antes uma alegria, anseio realizado,
uma vitória em meio a este mar proceloso.

Eu lhe desejo, pai, tão extremoso e amado
que o proteja o bom Deus que é grande e poderoso,
que o conserve, feliz, por muito ao nosso lado.

SER MONTANHA

Anseio do infinito, oh! cósmica montanha,
que buscas nesse afã silente, e pétreo, e vão?
Queres talves deter, numa invasão estranha,
esse pálio estelar luzindo em profusão?

Vais abraçar o sol? Impossível façanha!
Beijar, quem sabe,a lua em toques de emoção?
E quando o temporal em chuva e vento banha
o mundo, não te faz bater o coração?

Quando vejo surgir, no horizonte , o teu porte
qual vontade do pó de se elevar à altura
fugindo desta terra onde comanda a morte,

um profundo desejo a erguer-se me acompanha:
quero ser como tu, fugir desta clausura
e não ser nada mais que uma simples montanha.

MINHA ESCOLA

Eu não sou o poeta dos salões
de ondeante, basta e negra cabeleira.
Não me hás de ver, nos olhos, alusões
de vigílias, de dor e de canseiras.

Não trago o pensamento em convulsões,
de candentes imagens, a fogueira.
Não sou o gênio que talvez supões
e nem levo acadêmica bandeira.

Distribuo os meus versos quais moedas
que pouco a pouco na tua alma hospedas,
raras, como as esmolas de quem passa.

Vou porém me sentir feliz um dia
se acaso alguém vier render-me a graça
de o ter feito ricaço de poesia.

TAPERA

Torce o caminho manso e entre pedras percorre
agarrando-se, ansioso, à encosta da colina.
sobe-se um pouco e olhar curioso descortina
a paisagem feral da tapera que morre.

Reina a desolação e a tristeza domina
tudo, restos mortais. A luz do sol socorre
piedosmente, a flux,como um bálsamo, e escorre
sobre a ferida em flor dessa bela ruína.

Tetos a desabar, muros em derrocada,
ascercas pelo chão, porteiras vacilantes,
pompeando os ervaçais na casa abandonada.

Cadáveres, e só, da rica habitação
onde floriu, feliz, o grande senhor d´antes,
dos tempos memoriais da negra escravidão.

AO PASSAR DO VENTO

Quando tremula a fronde ao passar de uma brisa
é um sorriso floral dos galhos verdejantes;
quando às águas do lago um leve sopro alisa,
como a sorrir também, felizes e arquejantes;

quando às flores, sem nome, uma aura que desliza
beija e afaga a sonhar doces sonhos distantes;
quando às nuves no céu azul canta e suaviza
numa glória de sol e brilhos coruscantes;

eu cismo e vejo bem que os harpejos que passam
unidos pelo amor, pelo amor se entrelaçam,
e, alegres, todos vão com modos galhofeiros,

mostrando a nosso olhar, talvez muito cansado,
toda a beleza que há no vento tresloucado,
no sublime correr dos ventos passageiros.

FLOR SEM NOME

É uma flor, nada mais que uma flor que se abre
da carícia solar à glória luminosa.
Rubra, sangrando em luz, balouçando radiosa
- coraçãozinho triste espetado num sabre .

À noite, na penumbra, em suste se entreabre
para do orvalho ter lágrima silenciosa.
E quando o dia vem, vestido de cinabre,
entrega-lhe, a sorrir, a essência vaporosa.

Flor humilde do campo, orfãozinha ajoelhada,
de mãos postas em prece , à beira dos caminhos,
vestidinho vermelho a esmolar, a esmolar...

Ela pede somente, escondida e enjeitada,
o afago de quem passa, um pouco de carinho,
o beijo imaculado e longo do luar.

DERRUBADA ONOMATOPAICA

Atroa o bate-bate retumbante
dos mordentes machados na madeira.
E nessa luta trágica e gigante
rolam troncos em longa choradeira.

Aqui um jequibá soberbo!Adiante
uma velha e frondosa caneleira,
um cedro, uma peroba farfalhante,
toda a legião da flora brasileira.

O machado decepa inexorável,
nada lhe escapa à cólera maldita,
nada o detém na sanha abominável.

E há em cada tombo lástimas soturnas,
e a cada golpe toda a selva grita
pelo eco das quebradas e das furnas.

Fonte:

Amália Grimaldi/BA (Poemas Escolhidos)


A FRAGILIDADE DA COERÊNCIA

Teço a minha trama
E a do meu companheiro
As linhas são muito finas
Escanteada é a luz suspeita
Fios necessários por separar
Até percebo a agonia
Da sombra fugidia
E na clareza na certeza
Vejo que linhas tênues se partem fácil.

CANTOS DE CISNE

Pálida lembrança paterna
Engomado uniforme branco
Em noites de Lua Cheia
Cantarolava “Oh, cisne branco...”
Na verdade
Nunca escutara Argentina
Os verdadeiros acordes
Do tango de Gardel .

AGULHAS POR ENFIAR

Enfie esta agulha, Argentina
E ela prontamente
Desempenhava com facilidade
O que os olhos maternos cansados
Já não mais poderiam executar
A bem da verdade
Crescera ao pé da máquina
A ouvir trechos de melodia binária
Assim feliz supria contente
A incompetência adulta
O não enxergar conveniente
Agulhas necessárias por enfiar
Em fundos tão estreitos
Que a sua vista poderia alcançar.

O OUTRO LADO DO PRAZER

Misericórdia Senhor...
Escassez de homens nobres
Misericórdia, Senhor...
Escorregadia é a certeza
Aflita acena ao cais da tentação
O outro lado do prazer
Atravessa o mar da loucura contagiosa
Entrega-se ao algoz de face beijada.

UM CISCO NO OLHO

Caminhante silente
Gesto cuidado
Desvio do olhar
Incômoda atenção
Bela canção à esquina
Mas ninguém ali o conhecia
Desconfia-se
De cigano vagante.

BLOCO DE JUDAS

Dançariam seus ódios mútuos
A mulher dos cabelos ruivos e a serviçal judiada
Eis que o dia final havia chegado
Era tão somente um bloco engraçado
De fêmeas e machos tolos
E os importantes seriam então judiados
E ela, pretensiosa pecadora
Ao som de bumbo e tambor
Em seus vermelhos estonteantes
Retornaria à perversidade escura de antes
Ao socavão dos seus desejos malvados
Arderia no fogo do seu juízo final
Regozijo inútil.

UM QUASE NADA

À loja da esquina
Alegria de panos
Meus suspiros aí deixados
Seu Salim e seu riso de marfim
Armazém das cores
Quantas vezes aí voltei
Em meus ecos suspirados
Hoje perdidas tramas
Quase um fiapo
Um fio de pouca coisa
Alegria de quase nada
Em seu riso de marfim
Subiu aos céus suspirado.

DESORDENADA LUZ ORIENTAL

Os mais ricos pigmentos
Despeja o céu ao poente
Cores damascenas
Desordenada luz oriental
Seda persa de outrora
Cavalos do espectro
Em asas de luz ao rapto
Fio da trama por desatar
Sobre o aparador da sala de jantar
O suspiro esquecido
O vestido reinado da estátua
Desordenada luz oriental
Fantasma do Bairro Judeu.

FLORES MORRIDAS

Parei. Em esquina contente
Conjunção imaginária
A jogar bola de satisfação
Avistei meninos folgados
Sem dengos. Contudo plenos
Voltei. À Rua das Flores
Pálida lembrança de meus encantos
Avistei para desgosto meu
Mulheres sem alegrias
A carpir evidências
Mulheres antes meninas. Como eu
Nas mãos, suadas e mornas
Flores sozinhas traziam. Só Angélicas
Murchas outrora perfumadas.

Fonte:
http://www.ube.org.br/

Amália Grimaldi (1943)


Nasceu na cidade do Salvador, Estado da Bahia, em 15 de Novembro de 1943. Artista visual e escritora. Formação em Odontologia. Casada com Ernst Frank. Mãe de Fabiana Grimaldi. Avó de Manuela Grimaldi.

Reside atualmente em Valença, Bahia. é graduada em Odontologia pela UFBA em 1972. No ano seguinte ingressou na Escola de Belas Artes da Bahia. Não completando o curso todavia. Como dentista serviu às comunidades indígenas do Alto Solimões e do Rio Araguaia junto à Funai (1974-1977, 1980-1982).

Morou na Austrália de 1992 a 2002. As cartas que escrevera a familiares e amigos ajudaram-na a compor os seus primeiros poemas.

Ainda na região do Golfo da Carpentária, norte da Austrália, fez parte do corpo docente da Nhulunbuy High School ao lado da comunidade aborígine de Arnhem Land.

Trabalhou técnicas de linguagem para crianças com necessidades especiais - desenho, pintura, cerâmica e escultura.

Atividades literárias:
Valença-Ba -2008 e 2010- Livros editados- poemas da sua autoria: “Quando” e “ A Casa da Rua do Cais do Porto”.

Faz parte da II Antologia dos Escritores de Valença, BA – “Rio de Letras”, por Araken Vaz Galvão.

Atualmente escreve artigos e crônicas semanais para o Jornal Valença Agora.

É membro da Academia Valenciana de Letras – AVELA. Cadeira sob o número 38, Patrono: José Lins do Rego.

Fonte:
http://www.ube.org.br/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 490)


Uma Trova de Ademar

Fé, palavra pequenina,
que possui forças tamanhas.
Quem a tem, se determina
até a mover montanhas!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional

Minha forma de te amar
é tão intensa e sem fim,
que eu aprendi a gostar
mais de ti do que de mim!
–GERALDO AMÂNCIO/CE–

Uma Trova Potiguar


A saudade dos meus filhos,
dói, machuca, me amordaça.
Comparo-me aos velhos trilhos,
Por onde o trem já não passa.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Por entre mil embaraços,
luto contra anseios vãos:
quero cair em teus braços,
mas nunca nas tuas mãos...
–PETRARCA MARANHÃO/AM–

Uma Trova Premiada


2011 - Niterói/RJ
Tema: MEMÓRIA - M/H

Nunca serás esquecida,
porque tens a permissão
de sair da minha vida...
Da minha memória... não!
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Simplesmente Poesia

Trovando em Defesa da Natureza!!
–CARLOS AIRES/PE–


Com a devastação da flora
Nossa pátria Mãe Gentil
Está perdendo a cada hora
O seu porte de Brasil !!

Se o corte da motosserra
Deixa uma arvore caída
Fica chorando a mãe terra
Por ver a filha sem vida!!

Quem derruba a árvore bela
Comete um ato mesquinho
Nem se dá conta que nela
Residia um passarinho!!

O que segura o machado
Com seu afiado corte
Não sente que o golpe dado
Devasta e provoca a morte!!

Estrofe do Dia

Emoções que na vida eu já vivi
não previa o mais sábio dos profetas;
pois eu que era na vida um sonhador
vejo agora, alcançando minhas metas
que em mim nasce a mais pura da certeza,
de que tudo que tem de mais beleza
Deus coloca na mente dos poetas!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Veleiro do Amor
– LINO VITTI /SP –


Coração - débil barco aventureiro -
pelo oceano do amor, toma cautela.
Pode surgir um vendaval traiçoeiro
que te arrebate e te estrçalhe a vela.

Perscruta o rumo. Sobre o mar inteiro
se prepare talvez árdua procela.
Busca horizontes claros, meu veleiro,
onde o sol brilha e o mar não se encapela.

Não te faças ao largo em demasia
que vem a noite horrenda e a treva zas
queira roubar-te a luz que te alumia.

E então sem rumo, sem farol, sem paz
quiçá não possas mais voltar um dia
à mensa praia que deixaste atrás.

Prêmio Jabuti de Literatura 1959 - 2011 (Contos, crônicas e novelas)


1959: Jorge Medauar
1960: Dalton Trevisan • Ricardo Ramos
1961: Clarice Lispector
1962: Ricardo Ramos
1963: Julieta de Godoy Ladeira
1964: João Antônio
1965: Dalton Trevisan
1966: Lygia Fagundes Telles
1967: Bernardo Élis
1968: Marcos Rey
1969: Maria Cecília Caldeira
1970: Rubem Fonseca
1971: Ricardo Ramos
1972: Holdemar Menezes
1973: Luiz Vilela
1974: Elias José
1975: Caio Porfírio Carneiro
1976: Regina Célia Colônia
1977: Domingos Pellegrini Júnior
1978: Hermann José Reipert
1979: Sônia Coutinho
1980: Modesto Carone
1981: José J. Veiga
1982: Autran Dourado
1983: Sérgio Sant'Anna
1984: Caio Fernando Abreu
1985: Charles Kiefer
1986: Sérgio Sant'Anna
1988: Moacyr Scliar
1989: Caio Fernando Abreu
1990: Diogo Mainardi
1991: Rosa Amanda Strauz
1993: João Antônio • Otto Lara Rezende • Vilma Áreas • Charles Kiefer
1994: Nelson Rodrigues • Marcos Rey • Hilda Hilst
1995: Dalton Trevisan • Regina Rheda • Victor Giudice
1996: Lygia Fagundes Telles • Rubem Fonseca • Caio Fernando Abreu
1997: Marina Colasanti • Silviano Santiago • Antônio Carlos Villaça
1998: Raduan Nassar • Flávio Moreira da Costa • João Silvério Trevisan
1999: Charles Kiefer • Rubens Figueiredo • João Inácio Padilha
2000: Raimundo Carrero • Marçal Aquino • Ignácio Loyola Brandão
2001: Mario Pontes • Rodolfo Konder • Lygia Fagundes Telles
2002: Fernando Sabino • Marçal Aquino • Rubem Fonseca
2003: Rubem Fonseca • Luiz Nassif • Fernando Bonassi
2004: Sergio Sant'Anna • Martha Medeiros • José Roberto Torero • João Gilberto Noll
2005: Alcione Araújo • Paulo Henrique Britto • Frei Betto • Edgard Telles Ribeiro • Cíntia Moscovich
2006: Marcelino Freire • Silviano Santiago • Mário Araújo
2007: Ferreira Gullar • Artur Oscar Lopes • João Anzanello Carrascoza
2008: Vera do Val • Jorge Eduardo Pinto Hause • Jaime Prado Gouvê
2009: Fabrício Carpinejar • Rubem Alves • Déa Rodrigues da Cunha Rocha
2010: José Rezende Jr. • Vário do Andaraí • Mário Chamie • Manuel Bandeira
2011: Dalton Trevisan

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Abilio Terra Junior (Poesias Escolhidas)


E A INCÓGNITA PERSISTE

e a incógnita persiste,
pois não sei dos teus sentimentos
e tu não sabes dos meus

me persegues com o olhar
quando sabes que não posso ver-te,
mas posso sentir-te

te finges interessada em algo
que não eu,
mas me sentes

o tempo nos deixa marcas,
nos amadurece por dentro
quanto ao sentimento

permanece encoberto
só aflora em raros momentos
em que o coração acorda

e conta a nossa história
que imaginei e tu também
que toca o nosso íntimo

porque tanto mistério,
eu me pergunto;
e imagino que tu também

se o amor nos ronda
e, às vezes, se cansa e se vai,
pois se sabe presente

e não se faz de indulgente,
pois sabe não ser esse o caminho
de tão nobre sentimento

quando ele aflora,
mostra-se poderoso
nos deixa perplexos

quando nos sabemos amantes
permanecemos distantes
e a dor nos dilacera

ALI, PASSAVA BOI, PASSAVA BOIADA

Ali... passava boi, passava boiada
tinha uma palmeira na beira da estrada
onde foi cravado muito coração...

Triste Berrante
Solange Maria e Adauto Santos
Trilha sonora da novela ‘Pantanal’

neste mesmo espaço selvagem,
em seu compasso de espera
o olhar fraterno do boi se alongava,
me espreitava na doce comunhão

eu o amava e o estreitava
no meu coração tão sincero,
sentia seu cheiro gostoso,
seu porte de cavaleiro,
senhor da sua missão

eram tempos tão fiéis
que nos amávamos, corríamos
ao vibrar do berrante
que clamava ao vaqueiro seu valor

o olhar trigueiro da cabocla
expressava sua emoção;
nossos corações se enlaçavam
naquela palmeira solitária

nunca mais meu coração
vibrou tão nobre, tão puro,
naqueles tempos de ouro
em que eu sentia a vida

depois, se estreitou, se quedou
nas urgências do tempo veloz;
perdeu-se da sua glória
na sua origem de mestre

entre carros que passam velozes
no asfalto negro e perdido,
meu olhar enxerga além
e vê o boi que passa a boiada
––-
A JANELA ENTREABERTA

agora não podes divagar
após o ato consumado
e tergiversar, como uma borboleta
de flor em flor,
com palavras e mais palavras

pois te esvaíste em um longo sussurro no deserto
e a flor sedenta se transubstancia
em um esplendor sereno e compreensivo

nada mais esperes; te entregues
à momentânea tensão que se foi

observe os retângulos das paredes
e o canto do pássaro que pousa, displicente,
sobre um frágil galho que invade a janela

a atmosfera, ora pesada, ora leve
se insinua nos poros;
um sorriso surge e um olhar sedoso
observa teus cabelos
que se espraiam e se avolumam

a cada instante em que a vida
se declara presente e vitoriosa

os jogos foram-se, um a um,
e resta agora um momento
de imponderável sensibilidade

dúvidas e certezas espalham-se
e ganham a janela entreaberta

-----------------
É natural de Belo Horizonte-MG e reside em Brasília-DF. Economista, servidor público aposentado, dedica-se, atualmente, à poesia e aos contos e crônicas.

Casado com Luiza Helena, e filhos Roberto e Marcella.

Possui sete livros virtuais para download e poemas formatados para leitura na sua homepage ‘Os Homens Pássaros’, http://www.oshomenspassaros.com .

Aprecia gnosticismo, música, animais, pintura, escultura, fotografia, ecologia, ciência, poesia, literatura, cinema, surrealismo, arte, natureza, universo, defesa dos direitos humanos e assuntos afins.

Possui dois livros publicados, ‘Numa Floresta de Símbolos’, pela Editora Alcance e ‘Os Homens Pássaros’, pela CBJE.

Define-se como um poeta que observa o mundo ao seu redor e não se contenta com as aparências e que tenta utilizar as palavras para perscrutar o mundo do sonho e o mundo da realidade.

No seu modo de entender, estes mundos se encontram interpenetrados, não há como separá-los.

Abilio Terra Junior na Editora Alcance:
http://www.editoraalcance.com.br/index.php/abilio-terra-junior/


Fonte:
http://www.ube.org.br/espaco-do-autor.asp?ordem=autor&tipo=6

Ademar Macedo (Carnaval em Versos)


T R O V A S

Aquele amor sem fronteira
no carnaval de nós dois,
morreu nesta quarta-feira
pra virar cinzas... depois!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Nesta paixão sem igual,
de alegria verdadeira,
nossa vida é um Carnaval
sem direito à quarta-feira!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

As cinzas da quarta-feira
são prantos de Carnaval...
Quanta menina faceira
trocou o "bem" pelo "mal"...
–HERMOCLYDES S. FRANCO/RJ–

Vi cinzas, na quarta-feira
retratando a decepção
de uma folia passageira
de um carnaval de ilusão.
–MIFORI/SP–

Meio-dia...quarta feira,
com os meus passos ranzinzas,
no trabalho, que canseira...
estou coberto de cinzas...
–NILTON MANOEL/SP–

Pôs-se fim na pagodeira,
resta a cinza, em despedida,
que o vento da Quarta feira
vai levando na avenida!
–PEDRO WILSON ROCHA/CE–

P O E S I A S :

Neste carnaval, espero,
Que brinque com sensatez
E abraçar todos vocês
Na quarta, é o que mais quero
Eis meu pedido sincero
Que faço e não volto atrás
Gosto de você demais
Se for dirigir, não beba
De Deus a graça receba
Tenha um carnaval de paz!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Na quarta-feira de cinzas
logo bem cedo do dia,
faço de rimas e versos
toda minha fantasia;
me visto de inspiração
pra ser mais um folião
no bloco da poesia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

S O N E T O S

Palhaço
–SERGIO SEVERO/RN–


A maquilagem, aos poucos, perde o viço
O narigão vermelho se desprega
As “Troças” inda insistem na “refrega”,
Mas os Maracatus, deram sumiço.

Num ombro um suspensório jaz, puído
no outro, já caiu, de desfiado
O frouxo pantalão, qual um vestido
velho, põe à mostra o aramado.

Já arrefece o som do tamborim,
Os lábios já perderam o seu carmim,
as pernas não suportam o mesmo passo...

Com o Carnaval morrendo na Ribeira,
junto com a chuva, desta quarta-feira,
chora, o meu tristíssimo Palhaço.

Quarta-Feira de Cinzas
–J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC–


Toda a terra está envolta nas neblinas
e a friagem se difunde pelo espaço...
– longe se ouve, em cadência, passo a passo
o caminhar dos boêmios nas esquinas...

Pela sombra - as estrelas pequeninas
com sono, tem o olhar nevoento e baço...
No silêncio da noite ouço o compasso
do sereno a pingar das serpentinas...

Algum bando tardio passa adiante
- e deixa pela noite uma batida
de samba em agonia - estrebuchante...

Quarta-feira de cinzas já amanhece,
- mais outro carnaval em minha vida,
vida que há muito um carnaval parece!...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Domitilla Borges Beltrame (Cristais Poéticos)


ESTAÇÃO DO AMOR

Vens! e quando vens
trazes a PRIMAVERA
no brilho do teu olhar,
na alegria do teu riso
que me levam ao umbral do paraiso...
Vens! e quando vens
trazes a primavera
na concha de tuas mãos
que me cobrem com o pólem do teu carinho
fertilizando o canteiro de meu OUTONO...
Vens! e, quando vens
trazes a primavera
no sol de tuas palavras
enchendo-me de VERÃO
a alma e o coração...
Vens! e quando vens
trazes a primavera
no calor do teu beijo
aquecendo de desejo
o frio INVERNO
da longa espera!

ESTRANHA LOUCURA

Que estranha loucura é esta
que faz de minha vida uma festa,
um mundo de cores,
canto de passarinho
e perfume de flores?

Que estranha loucura é esta
que me faz, tão consciente,
perder a razão e o juizo,
desejar o paraíso
a qualquer preço e de qualquer jeito?!

Que estranha loucura faz o meu peito
bater tão descompassadamente,
verter tanta ternura?!

É a paixão pela vida
que me torna atrevida,
descobrindo-me poeta,
fascinada pelo verso,
apaixonada pelo AMOR!

LIBERTAÇÃO

Cortei as amarras,
soltei o meu barco,
tracei nova rota...
Disse adeus ao velho cais
e, qual errante arrais,
navego outros mares...
Quero ancorar em ignoradas margens,
desbravar uma diferente terra,
encontrar novas paisagens,
descobrir o segredo do outro lado da serra...
Correr leve e solta
pelas brancas areias de novo sonho
já não mais tristonho,
e, quem sabe, olhos nos olhos,
mãos nas mãos,
viver um amor inesperado,
entregar os beijos que não dei,
escrever os versos que guardei!…
--
Fontes:
http://www.recantodasletras.com.br/poesiasdeamor/3261856
Ademar Macedo

Pedro Mello (Um Rouxinol Chamado Domitilla Borges Beltrame)

Desenho feito por J. B. Xavier

Nascida em Minas Gerais, Domitilla há muitos anos reside na capital paulista. Conheceu a UBT na década de 80 e desde então, “abduzida” pela magia da Trova, tornou-se uma Trovadora de renome em todo o país, produzindo intensa e belamente.

Quando entrei na UBT – Seção São Paulo em 1997, Domitilla era a Presidente da Seção já há algum tempo, cargo que ocupou até 2006, quando fez de Selma Patti Spinelli sua sucessora no comando da Seção. Atualmente é Vice-Presidente de Finanças da Seção e Presidente da UBT – Estado de São Paulo, em sucessão a José Valdez de Castro Moura.

Recentemente, em uma reunião, Selma chamou Domitilla de rouxinol, em alusão à sua voz doce, afinada e delicada como cantora. , de fato, como um rouxinol, Domitilla nos encanta com o tom diáfano e delicado de suas trovas. Uma de minhas trovas preferidas de “saudade” é de Domitilla.Na minha humilde opinião, contém um dos melhores “achados” que já vi, sentir saudade da própria saudade:

Depois do agrado, é verdade,
apressado ele partia...
Mas hoje tenho saudade
da saudade que eu sentia...

E por falar em saudade, Domitilla é dona de metáforas de notável sutileza e encantamento, ao nos envolver na sua atmosfera de saudade:

Quando a lembrança me invade
no porto da vida – e quanto!
- brilha o farol da saudade
sob a neblina do pranto!

Eu ergo a taça a brindar
a noite que o quarto invade
e, no cristal do luar,
bebo o vinho da saudade!

Com altivez, disse um dia:
- “Ir procurar-te? Jamais!”
Mas a saudade vadia
não respeita o “nunca mais”...

Quando a vida, num desmando,
fecha a porta da esperança,
vem a saudade, arrombando,
as janelas da lembrança !...

Li teu bilhete: "Lembranças!".
E, na emoção que me invade
um carrilhão de esperanças
desperta minha saudade !

E esta que não fica a dever a nenhuma das trovas antológicas que conhecemos e tanto amamos:

Vem a noite e, sem tardança,
esta saudade se espalma
e acorda tua lembrança
adormecida em minha alma !

Nem sempre, porém, a palavra “saudade” aparece claramente em um dos quatro versos, embora se insinue nas entrelinhas:

Vou carregar vida afora
esta dor que mortifica,
por eu não ter tido agora
coragem de gritar: Fica!

Em minha varanda, a sós,
vendo os ganchos na parede,
eu choro a falta dos nós
que amarravam nossa rede!

Eu não te esqueço e confesso:
No calvário da lembrança,
teu corpo ficou impresso
no sudário da esperança!...

Como percebemos até aqui, Domitilla Borges Beltrame é uma trovadora de intensa vocação lírica e, nesse lirismo envolvente, sua pena abre um leque de sensações, falando de sentimentos profundos, como nas trovas a seguir:

Minha mágoa se retrata
neste porto... Junto ao cais,
pois, na espera, me maltrata
o medo do “nunca mais”...

Para o encontro dos amantes,
o dia cerrou o olhar,
mas, indiscreta, em instantes,
a lua veio espiar!

Sou um pecador confesso.
Do teu castigo a alguns passos,
um só favor eu te peço:
- Crucifica-me em teus braços!...

Nossa união, em verdade,
é assim perfeita, eu suponho:
tu és sol da realidade.
Sou lua, carrego o sonho !

O nosso amor escondido,
sem promessa de aliança,
tem o sabor proibido
da fruta da vizinhança!...

"Voltarei" dizes depressa
num agrado à despedida;
fica comigo, a promessa
e em tuas mãos, minha vida!

Que murmurem, não me importa ...
Pecado, nossos abraços?!
Deixo o mundo além da porta ,
faço meu céu em teus braços !

Conforme vimos, Domitilla é intensamente lírica. Em dados momentos, porém, Domitilla consegue um efeito poético que poucos conseguem: um entrecruzamento de gêneros, em trovas que são líricas e filosóficas ao mesmo tempo:

No alento para viver
mergulhando em teu olhar,
sou como um rio a correr
na eterna busca do mar...

Brigamos, mas a tormenta
em instantes se desfaz;
um grande amor sempre inventa
um arco-íris de paz!...

É claro que o lirismo “incorrigível” de Domitilla cede lugar a trovas sentenciosas, filosóficas, que são Poesia em estado puro, além de inegáveis lições de vida:

A nossa fé é a virtude
que nos dá tanto otimismo,
que deixa ver, da altitude,
a flor nas trevas do abismo!

Procure espalhar, na vida,
alegria em sua estrada,
que a alegria dividida
é sempre multiplicada!

O talento poético de Domitilla se reparte, e a filosofia e o lirismo se fundem em trovas pictóricas, que representam verdadeiras aquarelas em quatro versos:

Rasgando o ventre da serra
num parto de luz e cor,
o sol vem brindar à terra
numa oferenda de amor!

Assim banhada de lua,
em um silêncio encantado,
a velha matriz da rua
guarda o perfil do passado!...

Dificilmente algum de nós riria ouvindo o cantar de um pássaro, principalmente diante de um rouxinol. Mas Domitilla é um rouxinol eclético. Também nos brinda com trovas humorísticas de bom gosto e bem construídas. As trovas a seguir, ambas premiadas em Nova Friburgo quando o tema era livre, nos revelam um senso de humor que também não deixa a desejar aos mestres do gênero, sendo a última simplesmente perfeita!:

Em Lisboa, zero grau
anuncia o aviador.
- "Que bom, exclama o Lalau,
não é frio nem calor!"

O marido agonizante,
insistindo quer saber :
"- Fui traído ?" E ela hesitante:
"- E, se você não morrer?!"

Domitilla publicou um livro de trovas, chamado “Trovas, gotas de ternura”, atualmente esgotado. Apreciando de relance sua poética, somos levados a concluir que é um privilégio termos nas hostes da UBT uma Trovadora de tamanha grandeza. Esperamos sinceramente que ela continue produzindo maravilhas como estas que lemos aqui e que o nosso Criador lhe dê anos de vida, saúde e inspiração!

Fonte:
http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1610624

Bruno Grunig (Dez Dicas para Escrever um Livro)


Se você pretende escrever um livro, não custa nada pesquisar um pouco aqui e ali. Principalmente se for marinheiro de primeira viagem. E procure não levar tão a sério tudo o que vê por aí. Inclusive as dicas abaixo. Porque nem sempre o que funciona para um, funciona para outro. Você precisa dar uma “peneirada” nas informações. Testar algumas coisas, e assim por diante.

Eu mesmo já vi informações, dicas por aí, que descartei logo de cara. Para mim. Para você talvez não seja o caso.

Acima de tudo, lembre-se que existe uma espécie de “aura” em torno do assunto. Escrever livros pode parecer coisa feita só para uma meia dúzia de privilegiados. Mas não é. Você pode escrever um livro, sim senhor. E hoje em dia, publicar é bem fácil. Caso não consiga uma editora, não engavete seu projeto. Publique o livro em PDF. Divulgue na internet. Garanto que você vai pular de alegria ao entregar o primeiro livro ao primeiro leitor. Mesmo que seja de graça.

Vamos então às

Dez dicas para escrever um livro

1 - Aprenda tudo o que puder sobre escrever livros antes de encarar a empreitada. Enquanto aprende, vá “ensaiando”. Ou seja, escrevendo mini-livros – digamos assim. Pequenas histórias, com poucas páginas.

2 - Leia, leia e leia. Ler está para escrever assim como escutar está para falar. Se você não lê, não vai saber escrever.

3 - Para os primeiros trabalhos, escolha assuntos que já conhece bem. Por exemplo: suponhamos que você entenda bastante de motocicletas. Nada mais óbvio que escrever sobre motocicletas.

4 - Não perca meses, anos, no primeiro livro. Faça algo bem feito, mas não fique enchendo de salamalaques e detalhes, achando que aquele vai ser “o cara”. Provavelmente não vai ser. O primeiro livro geralmente não é “o cara”. Aí, saber que você perdeu – por exemplo – um ano e meio para escrever algo que não serve…

5 - Não queira agradar gregos e troianos. Querer parecer bacana pra todo mundo é o jeito mais fácil de não agradar ninguém. De preferencia, escolha um “nicho de mercado”. Quanto mais você focar seus livros num determinado público, melhor.

6 - Procure obter feedback, ou seja, opiniões de terceiros. Mas não a mamãe, o papai e os amigos. Estes podem até te atrapalhar. Vai dar mais trabalho, mas é melhor procurar alguém imparcial. Que lhe diga algo que preste.

7 - Não se iluda. Ao invés de ficar sonhando em ser o maior escritor do universo, trabalhe. Escreva, aprenda. Talvez você seja mesmo, no futuro, um escritor famoso. Mas primeiro faça o dever de casa.

8 - Escreva porque gosta. Assim seu trabalho sai mais espontaneo. Escrever com uma mão esquanto faz as contas “dos livros que vai vender” com a outra, só vai te atrapalhar.

9 - Quando tiver um livro pronto, não tenha medo de mostrar. É melhor ouvir críticas negativas do que não ouvir nada. E saiba de uma coisa: se alguém cair de pau, e falar um montão na sua orelha por causa do livro, você provavelmente está no caminho certo. O primeiro sinal de que você fez algo interessante é alguém baixar a ripa.

10 - Se for mandar o livro para uma ou mais editoras, procure saber antes as regras de cada uma delas. Muitas fazem inclusive a exigencia de que a obra seja registrada. É… o caminho das editoras é árduo. E quando mandar o livro, prepare-se para esperar. As editoras demoram meses para responder. Mas respondem. Infelizmente, a maior parte das respostas é não. Mas não se acanhe por causa disso. A cada não talvez você esteja mais perto do sim. Lembre-se também que livros já publicados de outra maneira geralmente não são aceitos.

É claro que tem muito mais que isso. Mas acredito que estas dez dicas já servem para dar uma luz, se é que aí do teu lado estava meio escuro.

Fonte:
http://comoescrever.com.br/dez-dicas-para-escrever-um-livro/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 489)


Uma Trova de Ademar

É dando que se recebe,
digo sempre aos meus irmãos:
quem não dá... logo percebe
que não tem nada nas mãos!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Para a Família Macedo,
nobre gente potiguar,
fazer Poesia é brinquedo
de uma beleza sem par!
–AMILTON MACIEL/SP–

Uma Trova Potiguar


E a vida vai me orvalhando
sonhos bons da mocidade
que os anos foram deixando
no silêncio da saudade...
–REVOREDO NETTO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Meu coração, hoje em dia,
desfeito, cansado e mudo,
lembra uma feira vazia,
depois que venderam tudo!
–PE. CELSO DE CARVALHO/MG–

Uma Trova Premiada


2009 - Cambuci/RJ
Tema: POETA - Venc.


Eu creio na honestidade,
na justiça clara e reta,
no fim da desigualdade...
- Não sou louco... Eu sou poeta!
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Simplesmente Poesia

Estranha Loucura
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–


Que estranha loucura é esta
que faz de minha vida uma festa,
um mundo de cores,
canto de passarinho
e perfume de flores?

Que estranha loucura é esta
que me faz, tão consciente,
perder a razão e o juizo,
desejar o paraíso
a qualquer preço e de qualquer jeito?!

Que estranha loucura faz o meu peito
bater tão descompassadamente,
verter tanta ternura?!

É a paixão pela vida
que me torna atrevida,
descobrindo-me poeta,
fascinada pelo verso,
apaixonada pelo AMOR!

Estrofe do Dia

Tudo quanto na vida a gente cria
tem o santo mistério divinal,
porque vendo a poesia em todo canto,
e a beleza do reino universal;
acredito que Cristo foi poeta,
e escreveu a poesia mais completa
na lapela da aurora matinal.
–PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Quarta-feira de Cinzas
–HENRIQUE MARQUES SAMYN/RJ–


E quando a Quarta-Feira enfim chegou
e em cinzas transformou toda a folia,
rasgou, despudorada, a fantasia
que tantos mascarados deslumbrou;

e quando a Quarta-Feira enfim chegou,
fingiu não ver o mais cinzento dia;
e, em meio à rua clara e tão vazia,
cantou marchinhas e canções de amor.

No corpo nu calou toda a tristeza:
deitou-se, doida de melancolia,
na cama de confetes da calçada.

Se fez na quarta-feira, uma Tigresa:
lançou-se, incontrolável, sobre o dia –
bebeu, sedenta e só, a madrugada.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

J. G. de Araújo Jorge (Poesia, De Longe)


Ana Amélia (Ana Amélia Queiroz Carneiro de Mendonça) é uma das mais ricas sensibilidades que conheço. Sua obra, de feição clássica, neo-romântica, a coloca entre os maiores nomes femininos de nossa poesia, ao lado de Gilka machado, Adalgisa Nery, Benedicta de Melo, Beatrix dos Reis Carvalho, Ilka Sanches, Seleneh de Medeiros, Maria José Giglio, e tantas outras. Seu soneto “Mau de Amor” tornou-se peça natológica. Incluí-o em minha antologia “Os mais belos sonetos que o amor inspirou”, volume I, dedicado à poesia brasileira.

Minha admiração por Ana Amélia vem de longe, de meus tempos de estudante secundarista do Pedro II. Ela era nossa “rainha dos estudantes”, e me lembro de que participou da festa que escolheu os “príncipes da poesia e da prosa” do velho colégio. Festa memorável a que compareceram muitos acadêmicos, e entre eles Coelho Neto e Alberto de Oliveira, então os “príncipes da prosa e poesia” brasileiras.

Mas, além de sua própria poesia, Ana Amélia é uma excelente tradutora. Talvez nenhum outro poeta tenha conseguido passar para o nosso idioma, com tanta facilidade, os versos de Shakespeare, mas de outros poetas ingleses e norte-americanos.

Nesta pequena nota quero destacar uma das traduções de Ana Amélia, em que sua capacidade de transferir para o nosso idioma, intactas, todas as belezas do original, acabou por nos oferecer uma obra-prima, de lirismo inigualável. Trata-se de sua tradução do soneto XIX da poetisa norte-americana Edna St. Vincent Millay, que, com outros trabalhos de Ana Amélia, figuram no volume III de “Os mais belos sonetos que o amor inspirou”. Não me poupo a alegria de oferecê-lo aos leitores.

SONETO XIX

Tu também morrerás, cinza adorada.
Essa beleza é certo que pereça,
essa mão, essa esplêndida cabeça,
esse corpo de argila iluminada.

Sob o gume da morte, ou sob a geada,
serás mais uma folha que estremeça
e com as outras te vás, verde e travessa,
depois morta, sem cor, desintegrada.

De nada o meu amor terá valido,
apesar deste amor, tu chegarás
ao fim do dia e tombarás vencido,

obscuro como a flor que cai, por mais
que tenhas sido belo, e tenhas sido
mais amado que todos os mortais.

Edna St. Vincent Millay


* * *

A maior sonetista contemporânea de Portugal desapareceu há apenas dois anos: Virgínia Victorino. Depois de Florbela Espanca, e ao lado de Maria Helena, forma a trindade das grandes vozes do lirismo português de nossos dias. É a poetisa de maior público em sua terra, e seus livros esgotam edições sucessivas. Perfeita na forma, simples e comunicativa na linguagem, despida de quaisquer artificialismo, a poesia de Virgínia Victorino é uma flechada no coração. Dos três livros que deixou: “Namorados”, “Apaixonadamente” e “Renúncia”, possuo os dois primeiros.

Quando selecionava sonetos portugueses para o volume II de “Os mais belos sonetos que o amor inspirou” vi-me em dificuldades diante da obra de Virgínia Victorino: Tinha vontade de incluir todos os seus trabalhos. Como Guilherme de Almeida, que foi nosso “príncipe dos poetas”, seus sonetos são pequenas jóias, inconfundíveis, singulares, e não se pode tentar escolher uns poucos sem se correr o risco de cometer injustiças. E, por isso mesmo, excepcionalmente, Virgínia Victorino figura na antologia com o maior número de trabalhos: onze sonetos.

Ao preparar estas notas, estou atendendo a uma leitora que me pediu para que citasse algumas poesias de poetisas estrangeiras, das que mais gosto, tal como fiz aqui com as poetisas brasileiras.

Eis, portanto, um soneto de Virgínia Victorino, talvez o de minha preferência:

MÁGOA

Eu que cheguei a ter essa alegria
de junto ao meu possuir teu coração,
eu que julgara eterna a duração
do voluptuoso amor que nos unia,

sou,- apagada a última ilusão,
morto o deslumbramento em que vivia,
- um cego que ao lembrar a luz do dia
sente mais negra ainda a escuridão.

Tu me deste a ventura mais perfeita,
perdi-a, e dei-te a chama insatisfeita
dessa imensa paixão com que te quis...

Hoje, o que sinto, inútil, revoltada,
não é mágoa de ser tão desgraçada,
é pena, de ter sido tão feliz.

Virgínia Victorino


Ela é cognominada Joana da América, pela projeção literária de seu nome em todo o continente, e até no Brasil.Nasceu na pequena vila de Melo, em Cerro Largo, no Uruguai, e tem hoje mais de 70 anos. Poetisa de grande expressão lírica, seus primeiros livros são de versos exaltados, sensoriais, apaixonados, em linguagem clássica e pura. Ultimamente sua poesia ganhou certa expressão mística e até religiosa. A panteísta, algo pagã, de “Cântaro fresco” e “Raiz salvage”, hoje pinta vitrais em “Estampas de la Bíblia”.

Minha velha e grande admiradora pela sua poesia levou-me a procurá-la em Montevidéu, quando, ainda estudante, participei de uma caravana, e fui a Buenos Aires e ao Chile. Infelizmente ela estava em visita à sua terra natal, e não a encontrei.

Ao selecionar os sonetos de poetas latino-americanos para o volume II de “Os mais belos sonetos que o amor inspirou”, apesar de contar com traduções de trabalhos seus, feitas por Murilo Araújo, Melo Nóbrega e Othon Costa, fiz questão de transladar para nosso idioma algumas de suas páginas. E, sem nenhum favor, um dos seus mais lindos sonetos é este:

A PROMESSA

...E todo o ouro do mundo parecia
diluído na tarde luminosa.
Apenas um crepúsculo de rosa
a alta copa das árvores tingia.

Súbito amor a minha mão unia
à tua mão morena, carinhosa.
Éramos Booz e Ruth, ante a formosa
terra que aos nossos olhos se estendia.

-- Me amarás? Perguntaste. Lenta e grave
veio-me aos lábios a promessa suave
da amante moabita, tão querida;

e foi como um “Amem!” que nesse instante
se ouviu, num toque de oração, vibrante
bater o sino da pequena ermida!


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Nilto Maciel (A Pálida Visitante)


Como qualquer leitor, dediquei alguns anos a ler um pouco das literaturas antigas, especialmente a grega e a latina. Conheci também parte da literatura egípcia: o Livro dos Mortos, os Contos do Harpista, as epopéias das Aventuras de Sinuhé e das Desventuras de Unamon, o conto mítico O náufrago, e outros. Antes disso, havia lido estudos como A Literatura no Egito Antigo, de Thorbjörn Ling. E aqui se inicia minha visita ao mistério da morte de cinco homens de diferentes latitudes. Talvez por um acaso tenha lido uma página da biografia de Ling. E então minha curiosidade se voltou exclusivamente para a vida (e a morte) do lingüista sueco, me fazendo esquecer os seus estudos. Vasculhei bibliotecas imensas em busca de outras biografias dele. Interessavam-me a morte de Ling e, especialmente, a doença que o matou. Como podia um europeu ter morrido de lepra no Egito?

Thorbjörn Ling me levou a Jacob Grillparzer, autor de uma História do Egito Antigo. Em um dos capítulos mais curiosos e interessantes narra pragas de insetos ocorridas no Egito Antigo. Uma dessas pragas de gafanhotos é narrada com refinada arte e com tantos detalhes que não tive como não voltar ao Êxodo: “Estendeu, pois, Moisés a sua vara sobre a terra do Egito, e o Senhor trouxe sobre a terra um vento oriental todo aquele dia e toda aquela noite; quando amanheceu, o vento oriental tinha trazido os gafanhotos. E subiram os gafanhotos por toda a terra do Egito, e pousaram sobre todo o seu território; eram mui numerosos; antes destes nunca houve tais gafanhotos, nem depois deles virão outros assim. Porque cobriram a superfície de toda a terra, de modo que a terra se escureceu; devoraram toda a erva da terra, e todo fruto das árvores, que deixara a chuva de pedras, e não restou nada de verde nas árvores, nem na erva do campo, em toda a terra do Egito”.

A narração de Jacob é muito mais rica, mais minuciosa do que a bíblica. Parece-nos ver as nuvens de insetos sobrevoando as plantações e o chão. Ouve-se o chiar medonho dos gafanhotos devorando tudo, num craque-craque incessante, como se se visse o desfolhamento contínuo das árvores. Sente-se o odor da seiva no momento de sua sucção pelos acrídios.

O livro de Jacob transcreve trechos de inúmeros clássicos, assim como de obras menos conhecidas. Uma destas é O Egito e os Hebreus, de Gustav Hus. Segundo o biblicista tcheco, o capítulo bíblico da praga dos gafanhotos se referia, originalmente, a um tipo de gafanhoto já desaparecido. Não seria apenas uma figura de retórica o trecho seguinte: “Antes destes nunca houve tais gafanhotos, nem depois deles virão outros assim”. Na verdade, tais gafanhotos teriam existido somente naquele tempo, naquela estação do ano, naqueles dias de praga, ou naquele dia e naquela noite terríveis. O nome dessa espécie teria constado de manuscritos hebraicos, gregos e latinos. Estaria mencionado em uma versão da Bíblia, tendo sido dela extirpada por volta do terceiro século da era cristã. Consoante Hus, os insetos teriam sido transmissores de uma doença, espécie de lepra, que teria acometido populações inteiras do Egito e de toda a região desde o Rio Nilo até a Assíria.

O latinista Juan Carnicer afirma desconhecer, em textos latinos, qualquer alusão ao gafanhoto de Gustav Hus. Faz referência aos primeiros documentos latinos do século VII a.C. e transcreve trechos de obras de diversos escritores romanos, como Lívio Andrônico, Névio, Plauto e Ênio. Dedica algumas linhas a Plínio e sua locusta, e ainda descreve a anatomia de animais como a lagosta-gafanhoto.

Denis Papineau publicou numa revista científica um estudo intitulado Origem e Evolução dos Gafanhotos. Apesar do título, o biólogo francês não se limita aos gafanhotos — refere-se também às lagostas, aos grilos e às esperanças. E lembra algumas doenças, como gafa, sarna e lepra. Porém não afunda na História e muito menos nas origens da palavra locusta.

Recentemente tive um sonho esquisito. Eu me encontrava no Egito, como turista. Já havia visitado a Esfinge, as pirâmides e outros templos da cultura egípcia. Acompanhava-me sempre um homem branco, louro, cinqüentão, robusto, alto, com quem eu conversava o tempo todo. Falávamos de faraós, dinastias, deuses. Ao despertar, tive a idéia de o homem do sonho ser Thorbjörn Ling, cuja fisionomia nunca tinha visto, por mais que a buscasse nas enciclopédias. Dias depois, porém, consegui um exemplar da edição sueca de seus ensaios dedicados à literatura no Egito Antigo. Numa das primeiras páginas está estampada uma fotografia de Ling. Não tenho dúvida de que retrata exatamente a fisionomia e o corpo do personagem do meu sonho. Há no livro também uma biografia dele: nasceu em 1833 e faleceu em 1893. Dedicou sua vida a estudos de literaturas asiáticas e africanas. Matou-o uma espécie de lepra, uma doença de pele, que o consumiu em poucos dias, quando visitava o Egito. Nem sequer conseguiu voltar à Europa. O corpo de Ling, inteiramente desfigurado, foi embalsamado e conduzido à sua terra natal.

Renovei correspondência com estudiosos da Literatura Egípcia antiga. Pietro Landini, professor de Literatura em Roma, me enviou uma longa carta. Eu o tinha conhecido em 1994, quando visitei a Universidade onde lecionava. Convidou-me a voltar à Itália. O resto do escrito é dedicado a Gustav Hus e sua obra: nascido em 1764, viveu quase sempre na miséria. Faleceu em 1824, quando de uma epidemia ocorrida em Praga. O professor dedica algumas linhas à importância do biblicista, ao seu livro citado no início deste comentário e a uma coletânea de lendas por ele publicada. Uma dessas lendas teria como enredo uma praga de gafanhotos. Talvez se tratasse da mesma narrativa estudada por Jacob. A curiosidade me levou a solicitar a Pietro um exemplar da coletânea. Ou, se isto lhe custasse muito trabalho, pelo menos uma cópia da lenda. No entanto, não obtive resposta. Pietro faleceu exatamente no dia em que me escreveu a carta.

Como Jacob Grillparzer conhecera a obra de Hus? Reli alguns capítulos de sua História, especialmente o das pragas de insetos ocorridas no Egito Antigo. Como da primeira vez, achei-o interessantíssimo, uma obra de arte literária. Li também uma pequena biografia do historiador alemão: primeiro filho de um casal de judeus, nasceu em 1821, em Bremen, e faleceu em 1881. De que morreu Jacob? De uma febre terrível, possivelmente causada por picadas de insetos. A informação é concisa e vaga. Que insetos teriam matado o historiador?

Dediquei-me, a seguir, a Juan Carnicer e os escritores latinos por ele estudados. Essas leituras me fizeram recordar o meu pobre latim e minha antiga paixão pelo Império Romano. No entanto, Carnicer não me saía da cabeça. Queria saber mais dele, de sua vida e sua morte. O ano de seu nascimento é 1907; o de seu falecimento, 1967. Matou-o uma indigestão. Havia jantado com amigos num restaurante de Barcelona. Segundo os seus amigos e o garçom que os serviu, o prato escolhido por Juan havia sido lagosta. Durante todo o jantar falaram de crustáceos, romanos e latim. Ao se despedirem, ele se queixou de muito sono. Encontraram-no morto, no dia seguinte, as mãos retorcidas, os dedos feito garras, e todo o seu sangue derramado no chão do quarto.

Restava-me Denis Papineau. Folheei revistas de biologia e enciclopédias. Não encontrei qualquer referência a ele. Procurei biólogos brasileiros. Nenhum deles conhecia o francês. Telefonei a um amigo parisiense, Charles Sautet, e falei-lhe de minhas buscas. Ele me prometeu descobrir o paradeiro de seu compatriota. Alguns dias depois, telefonou-me: iria mandar livros que me interessariam muito. Um desses livros é uma biografia de Denis: nascido em 1912, faleceu em 1972. Matou-o um câncer de pele.

Ontem regressei do Cairo. Trouxe livros e fotografias. E mais mistérios. Lembram-se do meu sonho, do homem com quem conversava o tempo todo? Pois lá o encontrei novamente. Apresentou-se a mim como Jacob. Falava alemão, tendo nascido em Praga. Não me falou de literatura nem de história nem da Bíblia. Disse-me ser professor de latim. Perguntei-lhe se conhecia Juan Carnicer. Ele sorriu: “Quem dii oderunt, paedagogum fecerunt”*. Indaguei se a praga dos gafanhotos ocorrida no Egito Antigo havia sido registrada por escritores romanos. Ele conduzia exemplar da revista onde Denis Papineau publicou o estudo sobre os gafanhotos. Fez-me doação dele. E se pôs a citar Horácio: “Pallida mors aequo pulsat pede pauperum tabernas regunque turres (...)”**. Depois olhou para mim com um olhar de eternidade, e prometeu: “Quando chegares à tua terra, eu te visitarei”. E desapareceu atrás de uma pirâmide.

Eu o espero.
–––––––
Notas:
(*) A quem os deuses odeiam, fazem-no professor.
(**) A pálida morte bate com pé igual nas barracas dos pobres e nos palácios dos reis (...)

Fonte:
Nilto Maciel. Pescoço de Girafa na Poeira: contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Dora Dimolitsas (Poesias Avulsas)


A REVOLTA DOS DEUSES

Transbordo ópera na espreita
Explosão nuclear, começo e fim
Medos, tsunami, violação do estante

Abro as cortinas e entulhos se sobrepõem
Transformações profundas sísmicas
Medos ,lágrimas e espanto

Já é tarde demais
Os deuses já despem os véus

SANGRA O SANTO SUDÁRIO

a espada é o elo,
esbarra nas distorções,
fazem os abismos de Breton
no caracol do rebento
não há lamentos
Microcefalia, cólera, massas profanas
( os impúberes-psíquicos )
deixam expostos o brilho
dos olhos,
nos ossos do crânio sagrado

SÃO PAULO À NOITE

São Paulo de noite nas ruas
Parece nua com suas cores, suas luzes piscando
Todas no mesmo ritmo, como um grande coração.
As luzes parecem pulsação.
Nos bares a vida noturna embala
As caras que encaram no peito a noite.
Não tem jeito, a noite é linda e leve,
Leva-nos a muitas reflexões.
Aqui, acolá, uma pessoa passa cantando, falando, sorrindo.
Olhando pra longe bem ao longe,
A existência do que parece vazio,
Do que nos fala ao ouvido, baixinho.
Através do vento que bate no rosto
Cochichando palavras inexplicáveis.

A noite em São Paulo é mágica
Ando na Avenida Paulista
Preocupada, pensativa, mas feliz,
Bebendo a brisa que passa
Abraçando a noite que fala...
Pensando em Você, como está:
Pensa em nós, ou faz tudo
Para me afastar de suas lembranças?
Lamento dizer, mas você está impregnado
Em mim, assim como estou em você.
Somos ligados não sei por quê acordo
No Céu, mas sei que são laços eternos.
Por isso já aprendi a amá-lo
Na incerteza das suas lembranças, mesmo de longe,
Morrendo de ciúmes de quem está perto.

NOITE DE SOL

Na noite,
Lençóis macios testemunham imagens
Que em teu olhar pasmo se formam.

O corpo nu, inteira cobiça,
Um busto que faz as mãos tremer
Deixando transpirar.

Desejos no beijo, no abraço,
Bombolinar, sonhar entre os lençóis,
Amar, deixar o sol brilhar.

AMOR EM ECO

Havia astros refletindo
Com a luz do luar
Em sinfonia pronuncia
O nome do amor em eco.

O relógio marcando a hora
Do dia que logo vai clarear,
Mãos prontas para estrelas pegar
Num reflexo da luz
Que a noite está sempre mostrando.

Nas cantigas grito,
Em sinfonia pronuncio
O teu nome ao cantar o amor.

NOS BARES

Nos finais de semana os bares ficam lotados.
À noite, bandas de garotos
Iniciando uma carreira promissora,
Fazem suas demonstrações.

Muitas luzes piscando,
Muitas jovens adolescentes com seus ficantes.

A noitada está só começando,
Dança agarradinho, cochicho no ouvido
Dança sensual fazendo a garotada sonhar.

A sedução faz parte da noite, fala macia,
E dois jovens vão parar na cama.
Aos pais, a quase certeza do neto chegando.

POETAS EM SARAU

Da sacada do prédio ao lado
Vejo poetas em deliciosos saraus,
Muita gente circulando
Bebendo as palavras poéticas,
Vejo os rostos das pessoas
Que na noite deixam a alma falar
Transitando nos corredores.

Paro e me pergunto
A poesia é sonho ou é real?
Chego à conclusão:
Bem vivida a vida é poesia

A LINGUAGEM POÉTICA

Traz o envolvimento perceptivo,
Criativo e principalmente belo.
Capaz de abraçar nossa alma por inteiro.
Ilustra e da cores a nossa imaginação,
O poeta em sua capacidade de ver e comunicar
Constrói todo um universo
Faz viagens, permitindo que sua criação
Tenha vida própria e alma...
as imagens transitam entre um elo e outro.
E assim o Poeta se comunica, cumprindo
Seu compromisso social de levar beleza e cores
A todo espaço que pareça vazio..
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Dora Dimolitsas (Convite: Poemas à Flor da Pele)

Dora Dimolitsas


Nascida no Acre em Sena Madureira, criada em colégio de freiras.

Trabalhou e se preparou profissionalmente no 5º Batalhão de Engenharia e Construção em Porto Velho, Rondônia.

Atuando na área de Saúde, estando presente na construção da cidade de Vilhena ,indo para São Paulo em 69, prestando concurso para o governo federal ( hoje aposentada.)

Prestando serviço no Hospital Brigadeiro, em São Paulo, Laboratorista com vários cursos de especialização em hematologia ,bioquímica, hemoterapia, citologia e citoquimica, bacteriologia.

Também com curso de puericultura e educação sanitária, participou de varias atividades nacionais de vacinas contra a poliomielite, membro da CIPA, com estagio em Analises Clinicas na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Paulo. Trabalhou também no Hospital Ipiranga no período de epidemia de meningite, atuando ativamente na elaboração de exames para definição da meningite.

Tem diversos cursos de Poesia e Teatro cursados na Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos.

Escritora,poetisa,atriz,escritora,produtora Cultural, e Jornalista.

Representante dos Projetos Culturais: Poemas a Flor da Pele, Proyecto Cultural /Sur/Paulista, com eventos dentro dos hospitais públicos, para pacientes, funcionários, e crianças leucêmicas, e hemofílicas.

Cônsul de Poetas Delmundo.

Colunista do Jornal o Rebate e o São José

Produtora de eventos no Centro Cultural de São Paulo e na Biblioteca Alceu Amoroso Lima pela Prefeitura.

É poeta Prata da Casa das Rosas

Membro da
Academia de Letras da Mantigueira
Academia de Letras Itapirense de Letras e Artes
Academia de Cabo Frio,
Academia de Arte de Cabo Frio-ArtPop
Academia Cabista de Letras, Artes ,
Academia de Letras de Niteroiense de Belas Artes, Letras e Ciencias,

Membro da Literarte com o Premio Literarte de Cultura de 2012
Guardiã do Cinquecentenário:
Premio da Academia Brasileira de Honrarias ao Merito
varias medalhas e Premios do Proyecto Cultural Sur
varios Premios da Companhia de Teatro Loucos do Taró, e CICESP

Autora das peças: Dama de Vermelho Por intenção, e Cortejo de Baco, além do Roteiro do filme: Os Druidas e o Segredo da Pedra da Luz (em parceria)

Auitora de dois livros Solos

- Coruja Mitologica
– Poesias e Fractais.

Mais 120 antologias, Entre elas:
- Destaques na Poesia em 2011
– de Raimundo Nonato, Delicatta,
– Poemas A Flor Da Pele,Varias Cronicas,
– Mais 20 Plaquetes

Fonte:
Rebra