quarta-feira, 2 de maio de 2012

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Entre Amigos)


Abraço
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ - "Cidade Poema"

Chegou como aragem mansa
Em manhã de primavera
Era a mais doce quimera
A mais intensa esperança
A desejada bonança
Que um homem quer e espera!

No rosto abria um sorriso,
Um semblante angelical
Um mundo pleno e total
Era o próprio paraíso
Nunca senti nada igual!

Nos seus olhos cor de mel
Trazia a luz que irradia
Lindo toque de magia
O mundo de esplendor
Que eu sempre quis um dia

Seus braços aconchegantes
Era um buquê de carinho
O afago de um ninho
A ternura de amante
O perfume do jasmim
Emoção mais fascinante
Que senti dentro de mim.

E assim, bem de mansinho,
Nossos braços se enroscaram.
E ficamos bem juntinhos
Atados como num laço...
Então eu pude sentir
Minha razão de existir
Nesse terno e doce abraço.

Serenata
ROSEMARY PETERS/PR

Permita que eu feche
os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te

Permite que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,
e a dor é de origem divina.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como
as estrelas no seu rumo ...

Confissões de amor...!
CIDUCHA/SP

Tu és o meu amor!
Que navega meu mar
purificado de lua,
tão certo como o vento
que vem e passa,
sedento de horizonte...

Tu és o meu amor,
que se enquadra no limite certo,
da minha ternura e bem querer...
Um encantado,
que haverá de colher
a flor primeira da madrugada
raio de luz a colorir meu dia!

Tu és o meu amor!
Um iluminado,
que banirá a sombra
do meu olhar ferido,
acalentará meu desamparo,
na saga do sonho bandido,
e serás sempre...
Sempre...
Sempre...
O meu Amor querido!

Cântaro da Dor
ZENA MACIEL/PE

Aos pés da deusa poesia
rasgo o véu das fantasias
Derramo o cântaro da dor
no amargo cálice da saudade.

Nas folhas virgens de ilusão
escrevo versos de solidão
Deito no colo das letras
rimas molhadas de lágrimas.

Com as carícias das palavras
afago o solitário coração
que sofre por não entender
o jogo obsceno da vida.

Visto as anáguas do tempo
para ver o entardecer dos
pensamentos, que choram,
diante do funeral dos sonhos

Alma Viva
ILKA VIEIRA/RJ

Quero da vida o encontro com a magia da arte
Colher dela a sabedoria insigne do silêncio
Sair ilibada em passeio poético por toda parte
Soprando pétalas do meu coração "florêncio"

Quero da vida vagar lúcida, sentindo-me louca
Chamando quem não conheço à luz da natureza
Na troca de prosa sem pressa ou de pressa pouca
Compartilhar a ópera silvestre em sua grandeza

Quero da vida envelhecer jovem sem esmolar cuidados
Repintar sonho desfeito, rir de sonho errante
Descalçar meus pés e deixá-los seguir descasados
Na brincadeira entre passado e impulsos doravante

Quero da vida rejuvenescer velha à brisa do mar
Tornar-me onda, passarada, barco à deriva...
Poeta triste, morto e ressuscitado para amar...
Ilha habitada, corpo aquecido, Alma Viva !o!

Fonte:
Poemas enviados por A. M. A. Sardenberg

Esopo (Fábula 8: O Javali e o Burro)


Um dia, um burro encontrou um javali e, como estava alegre e bem disposto, zurrou e cabriolou em frente deste. "Como estás, meu amigo, como estás?", zombou o burro.

O javali ficou aborrecido com estas familiaridades e eriçou o pêlo, arreganhando os dentes.

"Ora esta, amigo! Que impertinência!".

Estava para se atirar ao burro quando, controlando-se, disse: "Vai-te embora, estúpida criatura! Não me custava nada vingar-me de ti, mas não vale a pena sujar as minhas presas com um burro tão tolo!"

Moral da história

É indigno dum espírito elevado argumentar com gente sem nível nem coragem.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

terça-feira, 1 de maio de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Pará

Wagner Marques Lopes / MG ( A FAMÍLIA em trovas), parte 7

Pintura de Jose Ferraz de Almeida Junior

Família e novos caminhos

Se o mundo se desatina
em ações torpes, malvadas,
a família mais se inclina
a propor outras estradas.

Família e seu eterno lema

Família – mil teoremas
para explicar seu porvir.
Ela traz eterno lema:
“amar para progredir”.

Lições de pai

No coração e retina
guarda o filho bons roteiros,
sabendo que o pai lhe ensina
com os exemplos verdadeiros.

O sim e o não em família

Família que se desdobra
nas artes da educação,
torna-se sábia de sobra
para dizer “sim” ou “não”.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

J. G. de Araujo Jorge (Arco-Íris)


Hoje
estou chovendo
Mas não é o meu pranto
que molha meus olhos.

É uma doce paz, intocada
e feliz
e me deito na chuva, olhos abertos,
como menino que fui,
leve e puro,
tão longe.

Hoje
estou chovendo,
e a visão
de tua lembrança, como um raio de sol
lança uma serpentina de arco-íres
no coração.

Fonte:
J G de Araujo Jorge. "O Poder da Flor" . 1a ed.1969.

A. A. de Assis (Revista Virtual Trovia n. 149 - maio de 2012)


Inesquecíveis

Depois que, mãe, tu partiste,
como uma santa em seu véu,
o céu que eu via tão longe
ficou mais perto, e mais céu...
Adelmar Tavares

A mesa, agora, deserta,
no bule, o café já frio...
E pela porta entreaberta
a dor de um grande vazio!
Francisco Macedo

Surpreendente maravilha
a que agora me acontece:
minha mãe é minha filha
na medida em que envelhece!
Jesy Barbosa

Minha mãe verteu mais pranto
que a Mãe de Nosso Senhor...
A Virgem chorou um Santo,
minha mãe – um pecador.
José Maria M. de Araújo

A mulher sempre é mais pura,
mais bonita e mais completa,
quando a ponho na moldura
dos meus olhos de poeta.
Orlando Brito

Esta carta te escrevi
com sangue de minhas veias...
Espero, ao menos, de ti,
que com lágrimas a leias!
Oscar Soares

"O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para
não cair no desespero.” – Paulo VI, in Mensagem aos artistas


Brincantes

Trabalho só é bacana
se tiver, por sua vez,
uma folga por semana
e férias de mês em mês!
Ademar Macedo – RN

Aprendo com meu enólogo:
rascante só na sangria.
Se o verso não vem análogo,
quebro a jarra em que jazia...
Antonio Cabral Filho – RJ

Buraco de fechadura,
na minha infância inocente,
era a perfeita moldura
das belas primas da gente!
Héron Patrício – SP

Eta mulher jogo duro!
Por mais que eu implore e tente,
não me garante o futuro...
só quer saber de... presente.
João Costa – RJ

Em lendas da humanidade,
a maçã tem sua vez:
Com Newton e a... gravidade,
e com Eva e a... gravidez!
José Fabiano- MG

Segredo é um substantivo
oculto e mais que perfeito
que eleva ao superlativo
predicados do sujeito!
José Ouverney – SP

Quando ocorre um descaminho,
é normal que se suponha:
– ou foi falta de carinho...
ou carência de vergonha!
Osvaldo Reis – PR

Tentando aparentar trinta,
o cinquentão se “ferrou”.
Comprou um estoque de tinta,
mas… o cabelo acabou.
Wandira F. Queiroz – PR

Líricas e filosóficas

É mais que um beijo, é uma prece,
aquele beijo miudinho
com que a mãe afaga e aquece
os seus filhotes no ninho!
A. A. de Assis – PR

Pela ambição do poder,
até guerra o homem faz.
Traz a morte, por não ver
que o poder está na paz!
Adélia Woellner – PR

Namorando a natureza,
como quando era menino,
sigo a trilha na certeza
de encontrar novo destino.
Agostinho Rodrigues – RJ

Se o medo é um adversário
de um sono bom, rotineiro,
a fé, amigo, ao contrário,
é sempre um bom travesseiro.
Amilton Monteiro – SP

Num cantinho iluminado
pela luz da solidão,
um coração desprezado
espera outro coração.
Antonio Juraci Siqueira – PA

Desvelo é aquele cuidado
com que o poeta, a seu jeito,
passa uma noite acordado
buscando um verso perfeito.
Arlindo Tadeu Hagen – MG

Doce trova, companheira:
criatura e criação,
chega de toda maneira
e aporta em meu coração!
Carmen Pio – RS

Com poemas, sons ou telas
e inspiração desmedida,
o artista torna mais belas
as belas coisas da vida!
Carolina Ramos – SP

Mãe viva, mãe que partiu...
todas merecem louvores;
seu amor sempre floriu
na rima dos trovadores.
Conceição de Assis – MG

Quando a tristeza maltrata
minhas horas de abandono,
bebo o luar cor de prata
e me embriago no sono!
Delcy Canalles – RS

Farol aceso no monte
faz da noite quase dia.
Espalha luz no horizonte,
servindo aos nautas de guia.
Diamantino Ferreira – RJ

Partes, levando a metade
da metade que eu já sou,
deixando inteira a saudade
na metade que restou...
Divenei Boseli – SP

Meu barco segue à deriva,
no rumo do inconsciente;
navego na expectativa
de me encontrar novamente.
Djalma Mota – RN

Persuasiva e eloquente,
saudade fala de afeto
com sete letras, somente,
que valem todo o alfabeto.
Dorothy J. Moretti – SP

A chuva cai... bate mansa...
molha as ruas da cidade...
lava tudo... só não cansa
de regar minha saudade!
Eduardo A. O. Toledo – MG

A prudência é uma balança
que equilibra a nossa vida
ao dosar, com temperança,
a tentação desmedida.
Eliana Jimenez – SC

Vivo em constante conflito,
entre o delírio e a razão:
– meu sonho alcança o infinito...
meus pés... tropeçam no chão.
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Em cada beijo roubado,
que roubo de ti, meu bem,
sinto o gosto do pecado
que o beijo roubado tem!
Francisco Garcia – RN

Para abrandar desatinos
e a violência dos marmanjos,
Deus põe em nossos meninos
a inocência dos seus anjos!
Gabriel Bicalho – MG

Nossa solidão a dois,
é tão grande, tão sem fim,
que eu sinto o nosso depois
bem antes morrer em mim...
Gislaine Canales – SC

Sou da poesia um projeto,
mas alguns versos componho,
e neles gravo, discreto,
tudo o que sinto e o que sonho.
Humberto Del Maestro – ES

As lembranças de nós dois
fui guardando nas caixinhas...
para descobrir, depois,
que em verdade...eram só minhas!
Istela Marina – PR

Ausência do bem, o mal
só traz sofrimento a quem
não conhece o especial
prazer que é se querer bem!
Jeanette De Cnop –PR

Contemplando a natureza,
pergunto-me ao refletir:
Como, insano, tal beleza
pode o homem destruir?
Jessé Nascimento – RJ

Relembrando a mocidade
te vejo a cada momento,
no feitiço da saudade
que adorna o meu pensamento.
Joamir Medeiros – RN

O rio, da fonte ao mar,
rega a vida em seu redor.
Cuidar dele é, pois, tornar
mais belo o mundo, e melhor.
Jorge Fregadolli – PR

Tantos passos caminhei
por labirintos incertos.
Hoje nas trovas achei
como vencer os desertos.
José Feldman – PR

Deus sabe, mas não diz onde
se encontra a chave perdida
do mistério que se esconde
no lado oposto da vida.
José Lucas de Barros – RN

Partiu, deixando o seu traço
no meu caminho dos sós…
– A saudade é esse espaço
que existe sempre entre nós.
José Valdez – SP

Ao digitar trovas, use inicial maiúscula somente no primeiro verso.
Nos demais versos, só se for nome próprio ou início de frase.


Tudo é possível no sonho,
bem longe da realidade.
É a ele que me transponho
para matar a saudade.
Mª Lúcia Fernandes – RJ

Fito o espelho... e o que constato?
Rugas... tristezas... enfim,
o verdadeiro retrato
do que a vida fez de mim!
Mª Madalena Ferreira – RJ

Se te alegra eu ser culpada
por um mal que nem conheço,
aceito a culpa, calada,
e finjo até que mereço.
Maria Nascimento – RJ

O amor é sorriso... ou pranto.
O amor é nuvem... ou sol.
O amor é lágrima... ou canto.
O amor é treva... ou farol.
Mª Thereza Cavalheiro – SP

Fui ao encontro marcado
num tempo que já passou...
Sei que é parte do passado,
marcado no que hoje sou...
Mário Zamataro – PR

Tenho por certo, em verdade,
bem vivo, embora pungente,
que a mais pungente saudade
é aquela de alguém presente!
Maurício Friedrich – PR

Tempo de mãozinha dada,
eles dizem que passou,
mas isso não me diz nada,
pensa assim quem nunca amou.
Messody Benoliel – RJ

A maior sabedoria
de quem sabe o seu saber
é saber que a cada dia
sempre tem o que aprender.
Nei Garcez – PR

Livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as
pessoas. Os livros só mudam as pessoas. – Mário Quintana


A utopia, em minha mente,
traduz-se desta maneira:
– um lugar inexistente
que existirá, caso queira!...
Newton Vieira – MG

Tudo agora é tão comum,
nada dói na consciência...
Mas não há motivo algum
que justifique a violência.
Olga Agulhon – PR

Ao mesmo tempo em que mata,
mata e faz viver também...
Saudade é dor que maltrata,
maltrata fazendo bem!
Pedro Emílio – RJ

Dou-te atenção e carinho,
tu me dás indiferença,
pois, mesmo estando pertinho,
me negas tua presença.
Renato Alves – RJ

A poesia é pura imagem
vestida em traje de gala;
metafísica linguagem
através da qual Deus fala!
Roza de Oliveira – PR

Entre todos os recantos
é aqui que me sinto bem:
– o meu lar tem tais encantos
que outros lugares não têm!
Sônia Martelo – PR

No lar do pobre, indefeso,
relegado em agonia,
esperança é o fogo aceso
na panela ao fim do dia!
Selma Patti Spinelli – SP

Prestigiar quem muito faz pela trova
é também um modo de trabalhar pela trova.


No aceno discreto e mudo
que entre lágrimas fizeste,
teus olhos disseram tudo
do amor que nunca disseste.
Thalma Tavares – SP

Já que o amor rejuvenesce,
por que viver de saudade?
Coração não envelhece
e sonho... não tem idade!
Terezinha D. Brisolla – SP

Na minha busca amorosa,
não invejo amor alheio,
pois mesmo a vida ditosa
tem seus espinhos no meio.
Vanda Alves – PR

Revezam-se em nossas rotas
sombra e luz, contras e prós,
e as vitórias e derrotas
começam dentro de nós...
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Causador da minha insônia,
motivo do meu sorriso,
sem nenhuma cerimônia...
me transporta ao paraíso!
Vânia Ennes – PR

Em que pese o dissabor
na turbulência da lida,
existe a fonte do amor
agraciando nossa vida.
Vidal Idony Stockler – PR

O mundo tem seus deleites,
mas este a muitos supera:
é bom demais dar aceite
na amizade bem sincera.
Wagner Lopes – MG

Partiste... e o meu desencanto
vendo ruir a ilusão,
escorre em gotas de pranto,
orvalhando a solidão.
Wanda Mourthé – MG
-------------
Visite
http://poesiaemtrovas.blogspot.com
http//www.falandodetrova.com.br
http://aadeassis.blogspot.com/

Olga Agulhon (O Presente do Vovô)


Eu era a caçula de seis irmãos e morávamos na fazenda que meu pai possuía, perto da cidade.

Estudávamos na escolinha que havia na cabeceira da fazenda, perto da qual também existiam uma pequena mercearia e a igrejinha. Ali eram feitas grandes quermesses e vinha gente de toda a vizinhança, o que realmente lotava o lugar, pois em nenhuma das fazendas de café havia menos que cinco famílias.

Como eram gostosas aquelas festas! A de São João era um estouro. Tinha a reza do terço, hasteamento das figuras dos santos nos mastros, queima de fogos, quadrilha, comidas típicas, fogueira e outros folguedos. À meia-noite, várias pessoas passavam descalças sobre as brasas da fogueira. Lembro-me de que, desde muito pequena, brigava contra o sono para estar acordada nesse momento. Pensava que um dia também teria a coragem e a fé, que, segundo os praticantes, eram os únicos segredos para não queimar os pés.

O Natal, então, era pura alegria. Ficávamos sempre encantados com o presépio da igreja e emocionados com o momento que representava o nascimento de Jesus, quando uma criança da comunidade, vestida de anjo, entrava na gruta para colocar o menino Jesus na manjedoura. Todos batiam palmas com intensidade, muitos deixavam rolar algumas lágrimas e alguns, dentre eles minha mãe, choravam mesmo.

Quando voltávamos para casa, o Papai Noel já havia deixado o presente ao lado do sapatinho posto na janela.

Meu avô Antônio cantava e tocava sanfona em todas essas festas. Todos gostavam dele e, muitas vezes, convidavam-no para contar causos, como diziam os colonos.

As pessoas reuniam-se no terreirão da fazenda, sob a luz das estrelas e do lampião de gás, para ouvi-lo contar suas histórias, que faziam pequena a noite, trazendo mais rápido o raiar dos dias de domingo.

Quando minha avó morreu, vô Antônio tornou-se amargo e triste. Já não brincava conosco, nem cantava, nem tocava, nem contava histórias.

As festas, sem a sua presença, não tinham mais a mesma alegria, e as noites tornaram-se mais longas. Talvez quisesse que todos sentissem, tal como ele, a falta da vovó. Achavam falta dele e lembravam do motivo de sua ausência e de sua tristeza. Conseqüentemente, recordavam da vó Ana. Era assim que eu pensava, ou penso agora, não sei.

Vovô realmente não se conformava com a morte da companheira de mais de cinqüenta anos. Dizia não poder imaginar o que teria feito para que ela partisse sem ele.

Prometeu, então, que esperaria por ela em silêncio, para poder ouvir quando ela o chamasse.

Disse-me, um dia, que só tocaria novamente a sua sanfona quando vovó viesse buscá-lo. Tocaria e cantaria para ela e para se despedir de nós e deste mundo.

As pessoas, inclusive meus pais, achavam que vovô havia ficado louco, ou melhor, que ele já estava caduco, gagá. Diziam que ele, de tanto inventar histórias, chegara ao ponto de inventar uma na qual realmente acreditava.

Eu não entendia, porque todos os que diziam essas coisas também sempre disseram que vovô era um homem honesto, honrado e que sua palavra valia tanto quanto uma nota promissória. Então, vovô não mentia e, portanto, eu acreditei nele.

O certo é que se passaram mais de três anos e vovô permanecia quase sem conversar, sentado na varanda, em sua cadeira de balanço, com a sanfona ao lado.

Naquela noite, véspera de Natal, estávamos todos reunidos na varanda, clara pelo brilho da lua cheia, passando o tempo com conversa fiada até que chegasse a hora de dormir e o Papai Noel pudesse entrar sem ser visto.

Quando o sono já se aproximava, notei que vovô sorria, olhando longe, lá fora, para o carreador.

De repente, pegou a sanfona e começou a tocar e cantar baixinho, com a voz sem treino, rouca e cansada.

Assim que terminou a canção, fechou os olhos; e permaneceu ali, com a sanfona sobre o colo e um sorriso no rosto, segundo a minha lembrança de menina.

Meus pais choraram muito, mas eu não consegui encontrar motivo para ficar triste; só achei que ele tinha recebido o seu presente antes da hora.

Ninguém viu vovó vir buscá-lo, como ele dizia que aconteceria, mas acreditei ter sentido a sua presença. Então me explicaram que isso era coisa de crianças pequenas, que do mesmo modo que os vovozinhos, já gagás, confundiam suas histórias e seus sonhos, confundiam a realidade e a fantasia; e acreditavam em Papai Noel.

Novamente não entendi, porque aquilo que senti, sabia ter sentido.

Ao amanhecer, o presente do Papai Noel estava lá, ao lado do sapatinho posto na janela.

Fonte:
Academia de Letras de Maringá

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Cidade de Santos)


Dedico esse poema a todos os Santistas, em especial aos amigos e amigas poetas que nos receberam (Eu, Hildebrando e Ivanet) no Espetinho do Floriano

Oh! Santos de tantas santas,
Santos de belas meninas,
Santos de lindos olhares,
De barcos singrando os mares
E alegres bares nas esquinas.

Oh! Santos de lindos jardins
Adornando as enseadas,
Seu perfume é de jasmim,
Sua beleza é sem fim,
Deixa a vida apaixonada!

Santos da balsa que traz
Alguém que se espera tanto
Santos de luz e de paz
Santos de tantos encantos!

Santos de grandes poetas
Que bordam versos brilhantes,
Santos de grandes atletas,
Santos de Reis e profetas,
Santos de ternas amantes.

Fonte:
Poema enviado pelo autor

Pedro Bandeira (É Proibido Miar)


Filharadas e cachorradas

Quando nasce filho, todo mundo fica alegre.

Quando você nasceu - faz um tempão, não é mesmo? -, foi uma alegria de dar gosto.

Eu sei que você não lembra. Afinal, você era muito pequeno naquele tempo e estava mais preocupado com a hora da mamadeira. Mas pode acreditar: todo mundo ficou muito, muito satisfeito.

Com os bichos é a mesma coisa. Veja o caso de Dona Bingona, por exemplo.

Dona Bingona era uma linda cachorra vira-lata que andava muito orgulhosa da sua enorme barriga. Ela estava esperando cachorrinhos, e esperou, e esperou, até que nasceu uma porção.

Um, dois, três... sei lá. Não dava pra contar direito, porque os cachorrinhos nunca ficavam quietos. A gente nunca sabia se já tinha contado aquele ali que corria atrás do irmãozinho, ou aquele outro que rolava que nem bola.

Era tanto cachorrinho que as tetinhas da Dona Bingona nem eram suficientes para todos mamarem. Tinham que mamar em turnos, e, enquanto alguns mamavam, sempre sobravam outros que ficavam puxando o rabo de algum irmãozinho para ele andar logo.
"Ora, mas tem um jeito muito fácil de descobrir quantos cachorrinhos tinham nascido", diria você. "Era só contar as tetinhas da Dona Bingona e depois contar quantos cachorrinhos sobravam na hora da mamada. Aí, era só somar o número das tetinhas ocupadas com o número dos cachorrinhos sobrantes e pronto!"

A sua idéia foi ótima, concordo. Mas você também há de concordar que não pegava bem essa intimidade de ficar contando as tetinhas da Dona Bingona, uma vira-lata de respeito, não acha?

Seu Bingão, o pai, também era um vira-lata de respeito. Filho, neto, bisneto e "transaneto" de vira-latas de respeito, Seu Bingão estava muito orgulhoso com a filharada. Era uma cachorrada alegre, brincalhona, que logo fez a alegria das crianças do bairro.

De todos os irmãos, o mais sapeca era Bingo.

Eta cachorrinho danado!

Bingo era alegre, era brincalhão, era curioso como ele só.

Vivia correndo por todos os cantos, metendo o focinho onde não era chamado.

"O que será que tem lá em cima?", pensava o cachorrinho olhando para a mesa da sala.

Era pensar e agir. Lá ia o Bingo e puxava a toalha com os dentes.

Desastre!

Cataprum, cataprás! Vinha tudo pra baixo, tigela, prato, salada, copo, jarra e feijão.

Assustado com o barulho, Bingo se escondia um pouco debaixo da mãe, mas logo esquecia o susto e ia reinar mais adiante.

Uma hora era xixi no tapete, outra hora era vaso quebrado.

- Quem sujou a colcha branca que eu acabei de lavar?

- Foi o Bingo, não vê? Não vê as pegadinhas de barro?

- Eta cachorrinho danado!

Mas com o Bingo, acredite, ninguém conseguia ralhar. Era só chegar perto dele que lá vinha o cachorrinho, rabo em pé, abanando, lingüinha de fora, pronto para brincar, carinhoso como ele só. Teve até uma vez em que ele se pôs a lamber a televisão, pois havia simpatizado com a atriz da novela.

É claro que Dona Bingona procurava dar a melhor educação para os seus filhotes, e insistia para que o Bingo só fizesse xixi no caixotinho cheio de areia que havia num canto. Mas como, se o Bingo virava o caixotinho e espalhava toda a areia?

Outro tormento era quando enceravam a casa. Quem conseguia impedir o Bingo de vir correndo e escorregar gostosamente até a parede do outro lado?

Certa vez, o dono da casa ficou quase louco: onde estava o pé esquerdo do seu sapato de ir a casamentos? Pois o sapato, cheio de marcas de dentinhos, foi encontrado no meio da horta, entre as couves e as chicórias.

E a horta, então? Volta e meia, lá ia o Bingo cavoucar por todo lado, desenterrar cenouras e rabanetes, atrás de alguma minhoca teimosa que teimava em se esconder do nariz cheirador do Bingo.

Assim era o Bingo. Um cachorrinho levado como ele só. Mas quem não gostaria de ter um Bingo assim?

Cachorros ao ar livre

Seu Bingão, Dona Bingona e a cachorradinha moravam num galpão muito confortável, no canto de um belo quintal, nos fundos de uma casa bem grande.

De vez em quando, os portões da casa se abriam para o passeio dos cachorros.

A primeira vez que os cachorrinhos foram passear com os pais foi uma verdadeira festa.

A dona da casa escovou todos os filhotes e amarrou fitas cor-de-rosa no pescoço das cachorrinhas e fitas azuis no pescoço dos cachorrinhos.

Assim, devidamente preparados, aconteceu o primeiro passeio e começaram os problemas da família do Seu Bingão.

Logo que se viram livres, com toda a calçada, com todos os postes e todas as árvores à disposição, os cachorrinhos saíram correndo para explorar as novidades.

Atrás, orgulhosamente, iam os pais, imaginando a inveja de todos os cachorros da vizinhança, principalmente do Fritz, aquele pastor alemão antipático do 102. Cachorro metido a gente!

Dona Bingona imaginava a cara da Frida, aquela pastora alemã magrela. Ah, Dona Bingona duvidava que outra cadela pudesse ter uma ninhada de filhotes tão lindos!

Os cachorrinhos nunca tinham visto automóveis e saíram atrás do primeiro que passou, com aqueles latidozinhos de cachorro novo:

- Iap, iap, iap.

Dona Bingona ficou preocupadíssima. Algum dos filhotes podia ser atropelado, não é? Mas Seu Bingão nem ligou. Perseguir carros era o destino de todos os cães, e seus filhos haveriam de se safar das dificuldades. Afinal, eram ou não eram de sua linhagem, da tradição dos vira-latas de respeito?

Até que passou um carro com o escapamento entupido e... Bam!

Os cachorrinhos tomaram o maior susto com o estouro, mas logo já estavam brincando de novo.

Quem preocupava Seu Bingão era o Bingo. Enquanto todos os machinhos da ninhada da Dona Bingona farejavam os postes e as raízes das árvores para fazer xixi logo em seguida, Bingo nem ligava. Ele estava mais interessado em sacudir o rabinho para todos os humanos que passavam, xeretar as sacolas que as madames carregavam e! lamber todas as mãos que se abaixavam para fazer-lhe festinhas.

Na hora em que todos foram perseguir automóveis, Bingo tinha arranjado um jeito de passar pelas grades de um jardim, cair no meio das roseiras, espetar-se nos espinhos e voltar ganindo para o aconchego da mamãe:

- Caim, caim, caim!

O mais grave, porém, ainda estava para acontecer. Na curva da primeira esquina, a família defrontou-se com um vira-lata vagabundo, desses sem respeito algum, sujo e magro.

Seu Bingão fez aquilo que se esperava dele. Enfrentou o vagabundo com seu possante latido, mostrando os dentes ameaçadoramente. No mesmo instante, Dona Bingona e os filhotes imitaram o líder, e o vira-lata importuno viu-se acuado contra a parede por todos os cães.

Por todos os cães, menos por Bingo. Sacudindo o rabo, o cachorrinho correu até o vagabundo, deu-lhe umas lambidinhas e ficou fazendo o seu “iap-iap” enquanto corria em volta convidando o novo amigo para brincar.

"Que vergonha!", ia pensando Seu Bingão, enquanto voltavam para casa. "Um filho meu perder a chance de mostrar a bravura de um vira-lata de respeito! Fazer amizade com vagabundos, cheirar as pessoas em vez de fazer xixi nos postes, meter-se com rosas em vez de perseguir os carros! Vergonha! Estragou o passeio de todos nós. E agora? Como é que eu vou olhar pra cara do Fritz, aquele pastor alemão cheio de raças, pedigris e não sei mais o quê?"

Mas o Bingo não sentia vergonha nenhuma. Estava muito feliz com o seu primeiro passeio, correndo alegremente na frente de todos.

O vizinho do telhado

A família do Seu Bingão tinha um vizinho. No telhado do galpão onde moravam, vivia um velho gato, sábio e calmo. Seu nome, ninguém sabia, porque ninguém era dono dele. Tinha escolhido o telhado para morar e por lá ficava enquanto queria e de lá saía para passear quando cismava.

Todos já se haviam acostumado com o gato, e até que ele tinha sua utilidade: quando aparecia alguma visita no quintal, Seu Bingão adorava exibir-se, rosnando na direção do gato, para todo mundo saber quem era o chefe por ali.

O gato também já estava acostumado com a vizinhança e com a arrogância do Seu Bingão. Mas, para não decepcionar as visitas, arrepiava-se todo com os latidos do vizinho, fingia medo e, logo que as visitas se distraíam, virava para o lado e ia cuidar da vida.

E vai que Bingo virou, mexeu e acabou fazendo amizade com o gato. Um simpatizou com a alegria e a curiosidade do outro, e o outro ficou fascinado com a experiência e a vida aventurosa do um.

Bingo, como todos os cachorrinhos, brincava o dia inteiro e, quando o sol ia dormir, lá ia ele dormir também.

Mas, com o gato, a história era diferente. Ah, se era! O bichano cochilava o dia inteiro, lá no telhado, acordando somente para um gole d'água, para fingir medo do Seu Bingão ou para uma lambidinha no prato de leite com pão do Bingo. Mas, logo que a lua aparecia por cima do telhado, o velho gato mergulhava na noite, e o mundo era todo dele.

"Ah, que vida maravilhosa!", invejava o Bingo.

O cachorrinho pensava todos os dias naquele mundo que era bem maior que o seu quintal. Um mundo que o velho gato via de cima. Um mundo em que a altura dos muros não importava. O mundo negro da noite, o mundo da cor do gato.

Sombras assombradas

Bingo morria de medo da noite. Mas, ao mesmo tempo, ela o atraía com as fascinantes histórias do gato. E o cachorrinho fechava os olhos, sonhando com ele mesmo a passear pelos telhados, a pular por cima dos muros, a enfrentar os desafios escondidos nas sombras.

Deu de acordar à noite e espiar medrosamente para fora do galpão. À sua volta, todos os irmãozinhos dormiam amontoados sobre almofadas, ao som dos roncos de Seu Bingão.

Lá fora, recortada contra a lua cheia, Bingo conseguia ver a sombra do gato, orgulhosamente dominando os telhados, como o imperador da noite.

A noite. Que maravilha não ter medo da noite, não tremer quando as sombras escondem o que está a um passo da gente! O gato enxergava através das sombras, o gato via tudo. Como podia haver segredos para uma criatura como ele?

Mesmo sem ousar esticar uma pata para fora da segurança do galpão, Bingo ficava um tempão acordado, tentando ver um pouco mais do que era possível ver dos telhados fracamente iluminados pelo luar. Tentando imaginar tudo o que podia haver e acontecer por trás das cortinas negras da escuridão.

De tanto soltar sua imaginaçãozinha à noite, Bingo deu de acordar tarde. Geralmente, quando conseguia sair de sua almofada, as tigelinhas de pão com leite já tinham sido esvaziadas pelos irmãozinhos.

Mas Bingo não se importava, tão fascinado estava com os mistérios que não conseguia resolver. Com os olhinhos pesados, já piscando de sono, pensava num mundo bem maior que o seu quintal. Por onde andaria o gato àquela hora?

De longe, o cachorrinho ouvia o brado da liberdade:

- Miaaauuu!

Aos poucos, aquele som foi se intrometendo na cabeça do Bingo, foi crescendo, foi tomando corpo, até que ocupou todos os espaços que deveriam ser preenchidos pelo volumoso latido do Seu Bingão.

O primeiro miado

Os filhotes já estavam crescidinhos e tinha chegado a hora de Dona Bingona mostrar para Seu Bingão como ia bem a educação daquela cachorradinha que havia de continuar a tradição dos vira-latas de respeito.

O tempo dos “iap-iap” tinha chegado ao fim. Era preciso mostrar ao chefe da família que os filhotes estavam se tornando vira-latas de verdade e que a voz deles se encaminhava para impor o respeito que se esperava.

Seu Bingão postou-se de patas cruzadas, com aquele jeitão de pai que se prepara para assistir ao filho declamar um versinho e finge que nem está ligando.

Todos os cachorrinhos estavam excitadíssimos. Cada um apostava que ia se sair melhor que o outro e tratava de empurrar, para ser o primeiro da fila.

Dona Bingona, depois de muito trabalho, conseguiu alguma ordem e começou a exibir as qualidades de cada filho.

O latido do primeiro cachorrinho, fracote e tímido mas muito simpático, provocou a resposta muda de um piscar de olhos seco mas aprovador por parte do patriarca da cachorrada.

Veio mais um, mais safadinho, latindo animadamente, com uma voz fina de cachorrinho novo.

E veio outro, com um latido um bocadinho só mais forte, mas suficiente para receber um rosnar orgulhoso do pai.

Aí chegou a vez do Bingo. O cachorrinho, com o rabo pra lá e pra cá, deu uns pulinhos até Seu Bingão e aplicou-lhe a mais molhada lambida de que era capaz.

Com a autoridade que se esperava, o pai empurrou delicadamente o filho com o focinho e ficou à espera.

Bingo sentou-se sobre as patas traseiras, língua de fora e aquele olhar sapeca que todos conheciam muito bem.

A família estava à espera, mas Bingo não deixou a espera ficar muito comprida. Preparou-se e soltou o mais sonoro:

- “MIAAAU!”

Ecos de um simples miado

Horror! Alvoroço! Pandemônio! Coisa nunca vista!

Enquanto os filhotes ficavam sem saber o que estava acontecendo, e Dona Bingona fingia uma espécie de desmaio de cachorro, Seu Bingão levantou-se como se tivessem jogado um balde de água gelada em suas costas.

Que brincadeira era aquela?

A expressão de fogo nos olhos do pai deixou o pequeno Bingo morto de medo e cheio de surpresa.

Não tinham gostado do seu miado? Por quê? Ele tinha caprichado tanto...

Pois é. Parece que não tinham gostado. Bingo não se lembrava de ter visto o pai tão zangado.

De olhos arregalados, toda a pose perdida, Seu Bingão nem sabia o que pensar.

Como?! Um filho dele? Miando? Onde estava aquele latido destinado a meter medo a toda a mal- dita raça dos felinos de todas as cores e capaz de fazer correr todos os carteiros? Não! Aquilo ele não podia admitir. O que diriam dele? O que diria o Fritz, aquele pastor alemão antipático? O que seria da sua honrada linhagem dos vira-latas de respeito?

Tão bravo estava Seu Bingão, tão nervosa estava Dona Bingona, que todos os filhotes se assustaram. E todos, ao mesmo tempo, puseram-se a ganir, desconsoladamente.

A um canto, lá estava Bingo. Sozinho, rabo entre as pernas, orelhinhas murchas.

A incompreensão humana

Uma bagunça como aquela, no quintal, nunca tinha sido vista. Ou melhor, nunca tinha sido ouvida. Abriu-se a porta da cozinha, e os donos da casa apareceram para ver o que estava acontecendo.

Era gente muito boa. Bingo já sabia muito bem. Gente sempre disposta a fazer um cafuné no cangote e a encontrar alguma guloseima extra para ele.

"Esse pessoal vai me compreender", pensou Bingo.

Correu para o lado dos donos, abanando o rabinho, cheio de esperança. Olhou firme para cima e pronunciou o seu forte:

- “MIAAAU!”

Os óculos do dono pularam do nariz e a dona quase se engasgou com a dentadura. O dono pôs-se a falar apressadamente, enquanto procurava os óculos, de quatro, no meio dos cachorros. A dona pôs-se a balançar a cabeça, sem falar nada, porque ainda não tinha desengasgado.

Finalmente o dono encontrou os óculos e colocou-os de novo sobre o nariz, mesmo com uma das lentes quebrada pela queda. Voltaram os dois para dentro e bateram a porta da cozinha. Bingo pôde ouvir que discutiam alto, primeiro só o dono, depois com a dona junto, quando conseguiu desengasgar e pôr a dentadura no lugar.

Ai, ai, ai... Pelo jeito, o miado também não tinha dado certo com os humanos. O que iria acontecer agora?

Apavorado, surpreso, ofendido, Bingo ouviu alguma coisa parecida com “carrocinha”, ou algo do gênero.

Uma decisão de respeito

Bingo nunca tinha ouvido falar em carrocinha, mas Seu Bingão e Dona Bingona sabiam muito bem do que se tratava, pois a cachorra agarrou-se ao marido, tremendo. De medo, na certa.

Seu Bingão balançou a cabeça. Não havia nada a fazer. Ele sempre havia pensado que o pior destino de um cão é a carrocinha. Mas, agora, a carrocinha lhe parecia a melhor solução para uma tragédia daquele tamanho. Melhor a carrocinha do que a dignidade enlameada por um filho seu, miando como... como um gato!

Dona Bingona estava com o coração partido. Em condições normais, ela teria se oferecido para ser presa pela carrocinha, só para salvar um filhote seu. Mas a situação era diferente. Por mais que ela quisesse proteger o Bingo, não poderia, como boa mãe que era, permitir que a presença de seu filhote continuasse dando um péssimo exemplo como aquele. Era a carrocinha para um ou a perdição para toda a ninhada.

Assim, com tristeza, mas decidida, Dona Bingona deu as costas para o filhote e foi juntar-se ao marido. Ela era, também, uma vira-lata de respeito.

Os outros cachorrinhos, mesmo sem saber a razão de tudo aquilo, logo descobriram quem era mais forte e trataram de se juntar aos pais, por via das dúvidas.

A um canto do quintal, Bingo ficou só.

Do outro lado, debaixo do galpão, nenhum membro da família olhava para ele.

Mas, lá de cima, no alto do telhado, havia dois olhos fixos no pobre cachorrinho.

Bingo levantou o olhar. Lá estava o gato.

Ao relento, ao luar

Pelo resto daquela tarde, ninguém mais brincou naquele quintal. E ninguém chegou perto do Bingo, como se ele tivesse alguma doença contagiosa, tipo catapora ou sarampo, que ninguém quer pegar.

Quando a noite caiu, todos os cães foram para o galpão ajeitar-se em suas almofadas. Depois que todos já estavam acomodados, Bingo aproximou-se, exausto, só pensando em dormir.

Mas Seu Bingão levantou a cabeça e rosnou ameaçadoramente, mostrando os dentes.

O pobre Bingo parou, quis chorar, quis pedir, mas fez meia-volta. Nada adiantaria. Nada daria jeito.

Deitou-se num canto da horta e adormeceu, iluminado pelo luar. O mesmo luar que, naquele momento, em algum canto da cidade, iluminava o gato.

O homem de uniforme

Na manhã seguinte, um caminhãozinho cercado por grades, com cães de todos os tamanhos e feitios latindo e ganindo lá dentro, parou em frente à casa.

Os donos da casa e dos cachorros da família Bingão saíram para receber um homem de uniforme, com uma corda na mão.

Pelo jeito, depois de ouvir a explicação, o homem de uniforme não gostou da história:

- Cachorro que mia não pode!

- Mas por que não? - perguntou o dono com os óculos de lente quebrada.

- Não sei por quê. Só sei que nunca ouvi falar de cachorro miando. Quem mia é gato!

- Isso nós sabemos - concordou a dona com a dentadura solta. - Só que, infelizmente, esse mia...

- Então não é cachorro. É “gachorro”, ou “cachogato”, sei lá. E isso a carrocinha não pode prender.

A discussão não durou muito. O dono levantou os óculos quebrados para a testa, para enxergar melhor, meteu a mão no bolso, tirou uma ou duas notas e passou-as para o homem de uniforme.

O sujeito embolsou o dinheiro e suspirou:

- Está bem, vou ver o que posso fazer.

Quando aquele homem de uniforme, com sua corda, entrou no quintal, foi uma correria. Seu Bingão esqueceu-se do respeito e foi esconder-se debaixo da almofada. Dona Bingona pulou para baixo do tanque e entalou-se num balde.

Os cachorrinhos corriam de um lado para outro do quintal, e o homem de uniforme não sabia o que fazer.

- Qual deles? Este aqui? Aquele lá?

Cada cachorrinho apontado tratava logo de latir o mais que podia para livrar-se do laço.

A dona interveio, dentadura solta:

- Não, não é nenhum desses. É o Bingo. Cadê o Bingo?

- Bingo, vem cá!

E lá veio o Bingo. Aproximou-se do homem de uniforme. Todos os cães abriram um espaço, no meio do qual ficou o cachorrinho. Olhou para o homem, olhou para o laço e fez, tristemente:

- “Miau”...

- “Teje” preso! - gritou o homem de uniforme, jogando o laço em torno do pescocinho do Bingo.

Em cima do telhado, assistindo a tudo, estava o gato.

Na jaula sobre rodas

Bingo só pôde respirar quando lhe tiraram o laço do pescoço e o jogaram dentro da carrocinha.

Clang! fez a porta ao fechar-se.

Clic, clic! fez o cadeado ao trancar a porta.

O cachorrinho olhou à sua volta. Estava espremido entre vários companheiros de desgraça. Tudo lhe parecia um sonho mau, um pesadelo.

- Ora, vejam! - comentou um cão cheio de sarnas. - Agora eles estão prendendo crianças.

- Por que vocês estão presos? - perguntou timidamente Bingo. - Vocês também miam?

- Miar?! - horrorizou-se um cachorro de maus bofes. - Nós somos cães vagabundos, mas somos cachorros de verdade.

- Só temos azar - lamentou-se um felpudo, coçando as pulgas.

- Esse cachorrinho deve ser maluco...

- Antes cachorro maluco que cachorro louco! - resmungou um pequinês falsificado.

- É muito azar mesmo - lamentou-se de novo o felpudo, que era de lamentar-se. - Fome, pulgas, carrocinha, e ainda por cima um filhote maluco. Ai, ai, isso é o que chamam de “vida de cachorro”!

- É, mas tem cachorro que leva vida melhor do que muita gente - comentou o das sarnas. - Eu mesmo conheci uma cadelinha cheirosa, cheia dos talcos e dos trinques, que morava numa casa que...

- Ai, nem fale nesses cachorros almofadinhas - rosnou o cachorro de maus bofes. - Essa vida não é pra nós.

- Pois foi por causa daquela cadelinha que eu vim parar aqui - continuou o das sarnas. - Eu e ela estávamos no maior dos namoros quando chegou esse sujeito de uniforme, com aquele laço maldito.

- Vai ver foram os donos da tal cheirosinha que chamaram o homem do laço - raciocinou o pequinês.

Bingo ouvia tudo aquilo como se nada estivesse acontecendo de verdade. Na certa, ele ia acordar e ver-se novamente no seu quintal. Aí podia bater um papinho com o gato, e tudo voltaria a ficar como antes.

Um mestiço de buldogue inter- rompeu o pensamento do Bingo:

- Pra onde será que estão nos levando?

- Sei lá - tentou responder o sarnento. - Já vi muitos colegas caírem no laço da carrocinha. Só não vi nenhum voltar pra contar o que aconteceu...

Todos ficaram em silêncio. Em cada cabeça surgiram idéias diferentes acerca do destino daquela viagem sacolejante. E nenhuma era uma imagem agradável.

Já estava escurecendo quando a carrocinha freou na frente de uma casa grande, cercada de muros altos, onde estava escrito Canil Municipal. Lá de dentro ouviam-se uivos tristes e ganidos de cortar o coração. Nenhum latido de alegria.

No Canil Municipal

A grande porta da casa abriu-se e a carrocinha entrou por ela, manobrando até chegar perto de uma série de jaulas cheias de cães.

Bingo, na escuridão da noite que caía, mal pôde ver o que havia dentro das jaulas. Adivinhou apenas sombras assustadas que pulavam contra as grades, fazendo um alarido ensurdecedor.

Clic, clic! fez o cadeado destrancando a porta.

Clang! fez a porta ao abrir-se.

Querendo aproveitar a oportunidade, o cão de maus bofes pulou para fora, tentando fugir e ameaçando morder quem estivesse à frente.

Como um relâmpago, uma corda cortou o ar e apertou-se em torno do pescoço do cão, enquanto - vapt, vapt! - a ponta de outra corda caía várias vezes sobre o lombo do fujão, deixando marcas vermelhas e arrancando um ganido longo, sufocado pelo laço.

Com gritos e golpes de corda, os cachorros foram empurrados para uma das jaulas. Bingo, pequeno que era, conseguiu livrar-se das lambadas e esgueirou-se a salvo para o fundo da masmorra.

Outro “clang”, mais dois ou três “clics” e estavam todos presos de novo.

O canil estava cheio. No escuro, os cães se empurravam, se amassavam, excitados, perturbados, aflitos.

- Chega pra lá! - ameaçou um grandão, pêlo liso, negro. - Chega pra lá, senão vai dentada!

- Que é isso, valentão? - enfrentou um dos que acabavam de chegar junto com Bingo. - Estamos juntos, na mesma desgraça. Não vamos nos morder uns aos outros!

- É isso mesmo - concordou um veterano. - Vamos nos ajeitar, porque não temos outro jeito.

Aquilo tudo estava sendo demais para o pobrezinho do Bingo. Onde estaria o seu amigo gato? Quem sabe, ele poderia socorrê-lo, fazer alguma coisa. Bingo apoiou as patas da frente na grade e, como um chamado, soltou o mais forte “miau” de que era capaz.

Quem é que tá miando aí?

O som daquele miado atravessou todas as jaulas.

Inimigos de nascença de todos os gatos, os pobres cães prisioneiros puseram-se a latir ferozmente, como se pudessem arrebentar as grades e devorar o autor do “miau”.

Surpresa maior aconteceu na jaula onde estava o Bingo. Nenhum dos cães conseguiu entender.

- Que é isso?

- Será que eu ouvi direito?

- Esse cachorrinho fez “miau”?

- Vai ver, é um gato disfarçado!

- Pega!

- Pega o gato disfarçado!

- Mata!

- Esfola!

A cachorrada toda caiu em cima do Bingo. O pobre cachorrinho conseguiu escapar correndo entre as pernas dos agressores e ficou zanzando, ziguezagueando, até que, exausto, viu-se cercado, no fundo da jaula.

Nesse instante, um berro humano veio salvar Bingo.

- Quem é que tá miando aí?

- Que bagunça é essa?

- Cala a boca, cachorrada!

Vendo as cordas nas mãos dos carcereiros, os cachorros meteram os rabos entre as pernas.

Bingo, por um momento, estava salvo. Mas tinha saído todo esfolado da tentativa de linchamento, e seus arranhões provaram aos outros cachorros que ele não usava disfarce algum. Era um cão. Como os outros. Só que miava, e isso não podia ser admitido pelos companheiros de cela. Eram vagabundos, mas eram cachorros de verdade.

- Que vergonha! Um cachorro que mia! - rosnou o cão sarnento.

- Que azar! - lamentou-se o das pulgas, coçando as pulgas. - Além da prisão, além das pulgas, ainda tinha de aparecer um cachorro que mia!

Lambendo seus ferimentos, abandonado a um canto, Bingo estava triste, triste...

A raiva e a fúria

"Coitado!", você deve estar pensando. "Tanta dor, tanto sofrimento, mas por que ele não parou de miar e começou a latir como qualquer cachorro? Aí, todos os problemas dele estariam resolvidos, não acha?"

Acho. E confesso que até pensei nisso. Mas Bingo não queria. Ele achava que seus miados não faziam mal a ninguém. Por que mudar, então?

E olhe que os problemas não pararam por aí. No canil, Bingo conheceu as pulgas, pintinhas pretas puladoras e coçativas que não existiam lá no seu quintal, pois a dona da dentadura solta sempre dava banho nos cachorrinhos e botava um talquinho que, além de cheiroso, acabava com a vida das pulgas.

E a comida, então? Ah, que saudade das guloseimas e das tigelinhas de leite lá do quintal! No canil, o estômago novinho do Bingo passou mal: a comida que eles davam, além de pouca e rara, tinha gosto de sabão com quiabo e, pelo cheiro, parece que já vinha estragada.

- Você não vai comer? - gozou o pequinês falsificado, quando viu Bingo afastar-se da comida na noite seguinte. - Está com luxinho, é? Pois deixe que eu como a sua parte.

- Ei, sai pra lá! - intrometeu-se o grandão, de pêlo negro. - A comida do cachorrinho que mia vai ficar é pra mim!

A cachorrada já ia se engalfinhando numa briga de morte para disputar a comida fedorenta que Bingo tinha rejeitado, quando um barulho infernal veio da jaula ao lado.

- Que é isso? - surpreendeu-se o cão de maus bofes.

- É o vira-lata amarelo! - latiram da outra jaula. - Parece que está com raiva.

Raiva?! Os cães ficaram apavorados. A raiva é o pior que pode acontecer a um cachorro.

Os carcereiros chegaram em seguida. Estavam tão nervosos quanto os cães e traziam paus compridos, além das cordas.

- Olha! - apontou o chefe. - É aquele amarelo lá. Abre a porta. Laça com cuidado!

Bingo não pôde ver o que se passava. Ouviu os “clics”, o “clang” e as lambadas, logo seguidas por um ganido estrangulado.

Os carcereiros saíram da cela arrastando, meio enforcado pela corda, um cão amarelo que se debatia e espumava pela boca.

O chefe dos carcereiros tirou da cinta um objeto estranho, escuro, com um cano, que Bingo nunca tinha visto.

Ouviu-se um barulho parecido com os estouros dos canos de escapamento dos automóveis, que os cães conheciam tão bem: bam!

O cão amarelo parou de se debater.

Naquele momento, todos os prisioneiros começaram a uivar, enquanto os homens iam embora carregando o pobre cachorro louco.

Vamos fugir daqui!

Bingo tinha passado por tanta coisa naqueles dois dias que já se sentia um cão adulto, experiente, e não mais o cãozinho novo que era. Uma mosca pousou nos seus ferimentos e ele lambeu a pata, que coçava e ardia.

Seus companheiros de jaula estavam muito nervosos:

- Por que o vira-lata amarelo ficou quietinho depois daquele barulho de escapamento de automóvel? - perguntou o cão negro.

- Vai ver, ficou com medo. Eu também tenho medo de barulho de escapamento - confessou o pequinês.

- O que vai acontecer com ele? - o mestiço de buldogue também estava assustado.

- Sei lá - respondeu o sarnento. - Ele está doente, não está? Então ele precisa de um hospital de cachorros, não é?

- Quer dizer que os homens vão tratar dele? E ele vai voltar pra cá?

- Duvido - intrometeu-se um veterano. - Nunca vi um cão raivoso aparecer de novo, curado. Querem saber o que eu acho? Eu acho que eles vão acabar com ele!

- Não agüento mais! - desesperou-se o cão de maus bofes. - Fome, jaula, chicotadas, e ainda ficar raivoso pra essa gente acabar com a nossa vida! Eu não vou suportar isso!

- Podia ter sido um de nós! - lembrou o buldogue.

- Que azar! Podia ter sido eu! - lamentou o cão pulguento.

- E nós vamos ficar aqui, parados? - concluiu o de maus bofes. - Vamos fugir daqui!

- É isso mesmo! - Apoiado!

- Ninguém agüenta mais!

- Vamos fugir, sim - concordou o pequinês. - Mas fugir como?

- Precisamos de um plano - ajuntou o buldogue.

- Que azar! Não temos um plano - choramingou o das pulgas.

O cão de maus bofes latiu mais alto:

- Cambada de vira-latas burros! Vocês não são capazes de pensar em nada? Pois eu tenho um plano!

- Um plano? Que plano?

- Vamos, diga logo!

- Um de nós finge-se de cachorro louco. Aí, vêm os homens com os paus e com os laços. Aí, todos os outros pulam em cima deles, de surpresa. Aí, mordemos todo mundo, sem dó nem piedade. Aí...

- Aí, o quê? - perguntou o buldogue.

- Aí a gente foge, cachorro burro!

Os companheiros aprovaram a idéia na hora:

- Boa!

- Ótimo plano!

- Mas quem vai se fingir de raivoso?

- Não olhe pra mim! Você é besta? E se não der certo? Eu não quero que eles acabem comigo. Eu não quero morrer!

- Nem eu!

- Eu muito menos!

- Que tal cachorrinho que mia? - sugeriu o pequinês. - Ele é muito pequeno e nem vai servir para atacar os homens. Ele que se finja de louco!

- Isso! Se não der certo, azar dele! - caçoou o felpudo, das pulgas e dos azares. - Assim ele aprende a miar melhor! Eh, eh, eh!

- Deixem de ser burros! - berrou o líder, de maus bofes. - O cachorrinho é pequeno demais. Ele não vai saber se fingir de raivoso.

- É mesmo. O cachorrinho não serve pra nada!

- Que azar! O cachorrinho não pode se fingir de cachorro louco. E quem é que vai fingir?

- Você! - decidiu o líder.

- E-e-eu?! - gaguejou o das pulgas.

- Você mesmo. Não se preocupe, tudo vai dar certo.

- Que azar! Logo eu?

O plano estava pronto, e até Bingo achou que ia dar certo. Mas, se ele era pequeno demais para atacar os carcereiros e também era pequeno demais para fingir-se de cachorro louco, que papel ele teria no plano de fuga?

- Nenhum! - rosnou o de maus bofes. - Você não vai fugir com a gente. Quem mia não pode!

Nas sombras, uma idéia

- Vamos aproveitar agora que está bem escuro - comandou o líder, sempre de maus bofes. - Pulguento, vá lá para o fundo e comece a babar, rosnar e fingir-se de raivoso. Eu, o grandão, o buldogue e o sarnento ficamos deste lado da porta. O pequinês e os outros ficam do lado de lá. Quando vocês ouvirem o “clic, clic, clang”, já sabem: vamos cair em cima dos homens. Estão prontos?

- Estamos! - latiram todos.

- Então, pulguento, comece a fingir!

- Que azar! Que azar! - lamentou-se o das pulgas.

Bingo olhou para fora. Estava muito escuro mas, no telhado das jaulas em frente, o cachorrinho pensou ver uma sombra, que maciamente deslizava pelas telhas. Uma sombra da cor da noite. Seria o gato?

E Bingo teve uma idéia. Encolheu-se num canto da jaula, junto à grade, e ficou bem escondido na escuridão.

O felpudo começou a fazer o seu papel. Rosnou e babou o melhor que podia e rolou na terra, enquanto os outros cães ficavam em silêncio.

Não demorou quase nada, e a mesma balbúrdia que antecedera as desventuras do cão amarelo repetiu-se. Os homens vieram correndo, paus e cordas nas mãos.

- Outro raivoso? Não é possível!

- Aqui! Nesta jaula!

- Anda logo!

- Cuidado!

Vieram os “clics” e o “clang”. O chefe dos carcereiros entrou na frente e o cão de maus bofes pulou, pronto para abocanhar-lhe a garganta.

Bam, bam! Ouviu-se duas vezes aquele ruído de escapamento de automóvel.

E todos os prisioneiros viram o cão de maus bofes girar no ar e cair como uma fruta madura.

O que teria acontecido? Por que o líder, tão valente, estava agora quietinho, no chão, como o cão amarelo? Será que ele tinha tanto medo assim de escapamento de automóvel?

Sem saber o que fazer, os cachorros encolheram-se e todos os homens entraram na jaula. Entraram furiosos, afastando os cães com os paus compridos, batendo a torto e a direito com as cordas, laçando todos os cães que conseguiam ver no escuro.

Quase nos calcanhares do chefe dos carcereiros, Bingo fez, bem baixinho, aquilo que melhor sabia fazer:

- “Miau”!

Surpreso, o chefe olhou para baixo e não viu nada naquela escuridão.

- Um gato no canil?! Sai daqui, gato vagabundo!

E, com um pontapé, jogou Bingo para fora da jaula.

Adeus, Bingo

Livre, no corredor entre as jaulas, onde todos os cães latiam e atiravam-se contra as grades, Bingo correu tudo o que pôde. Espremeu-se pelas paredes, aproveitando as sombras e procurando o portão de saída, no meio daqueles muros tão altos.

Foi aí que a lua saiu de trás das nuvens e veio iluminar o pátio em frente ao portão.

- Que é isso? - gritou uma voz. - Um cachorro fora da jaula?!

- Hein? O quê? Pega! Laça ele!

Surgiram homens de todos os lados. Só, no meio do pátio iluminado pela lua, o cachorrinho não tinha para onde fugir.

Os olhinhos do Bingo cruzaram-se com o olhar amarelo do gato, lá no alto do muro.

- Vem - pareciam dizer aqueles olhos. - Pule!

Pular? Ele, um cachorrinho de quintal? Como?

- Vem. Você vai conseguir!

Não havia outro jeito. Quase cercado pelos homens, Bingo correu, tomou impulso e saltou.

Plaft! fez o corpinho do cachorro ao chocar-se contra o muro.

Ainda tonto pela queda, Bingo olhou novamente para cima do muro.

- Vem. Não desista agora. Você vai conseguir!

Bingo correu de novo, esticou-se todo e, mais uma vez - plaft!

O cachorrinho rolou na terra, levantou-se, correu de um laço que foi jogado contra o seu pescoço e olhou para aqueles olhos amarelos.

- Vem. Força! Tente de novo. Você vai conseguir! Você vai conseguir!

Com o corpo todo doído pelas duas quedas, Bingo disparou pelo pátio, ziguezagueou entre as pernas dos homens, livrou-se das pauladas e correu como nunca. Lutando pela vida, saltou como um gato.

Agarrou-se com as patinhas na beirada do muro, enquanto ouvia novamente aqueles estouros de escapamento de automóvel. A seu lado, lascas de reboco e tijolo foram arrancadas do muro.

Bingo não conseguia puxar o corpo para cima. Suas forças já estavam no fim.

Na sua frente, dois olhos amarelos fixaram-se nele.

- Força! Tente! Você está quase livre.

O cachorrinho cravou as unhas no muro, reuniu todas as energias e soltou o seu mais forte:

- “Miaaau”!

Lá embaixo, os homens viram, recortadas contra a lua cheia, as sombras de um gato e de um cachorro correndo sobre os telhados.

Ninguém mais pôde encontrar o Bingo. Nunca se soube para onde ele foi. Uns dizem que ele partiu para bem longe e foi aprender outras línguas. Dizem que, agora, Bingo sabe cocoricar, mugir, balir e até trinar. Outros acham que ele foi para uma terra onde todo mundo pode falar a língua que quiser. Uma terra onde é permitido miar. Uma terra onde é permitido ser diferente!

Fonte:
Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)

Hermoclydes S. Franco / RJ (MÃE! A maior das Criações)

Mãe e filha (pintura de Renoir)

1 – A maior das Criações
De Deus, ao fazer o mundo,
Foi a Mãe que, entre emoções,
Possui o amor mais profundo!

2 – Ser MÃE é trabalho insano
Que tal carinho irradia
E te faz, por todo o ano,
Ser a MÃE de cada dia!

3 – MÃE, flor de amor e bondade,
Nem precisa rima rica,
Na poesia de saudade
Da lembrança que nos fica!...

4 – Minha MÃE, frases serenas,
Seus conselhos e bondades
Tornaram bem mais amenas
Minhas sofridas saudades...

5 – Era uma vez... A saudade
Da meiga MÃE que ensinava,
Na minha infância, a verdade
Nas histórias que contava!…

Fonte:
trovas enviadas pelo autor

Esopo (Fábula 7) O Lobo e a Cegonha


Ao devorar a sua presa, o lobo ficou com um osso entalado nas goelas, o que lhe causou tamanha dor que o bicho desatou a correr e a uivar, pedindo a todos os que encontrava que o ajudassem. Por fim encontrou uma cegonha, à qual o lobo prometeu uma recompensa se ela conseguisse tirar-lhe o doloroso objeto. A cegonha fez o que lhe foi solicitado e, depois de tirar o osso, pediu ao lobo a sua recompensa.

"Que imprudência!", disse o lobo. "Meteste a cabeça dentro da minha boca e eu facilmente a podia ter arrancado. Em vez disso, permiti-te que a retirasses com a maior segurança. Não te parece que é uma recompensa suficiente ?"

Moral da história

Diz-se que uma boa ação merece recompensa, mas quem lida com animais selvagens (e há muitos homens que não são melhores que estes) e escapa com vida não deve esperar outra recompensa.

Fonte:
Fábulas de Esopo. Coleção Recontar. Ed. Escala, 2004.

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje) VII


Contraste
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ - Cidade Poema


Você é fogo, a chama mais ardente,
Semente a germinar em pleno cio,
É luz que o sol espalha suavemente,
É toque de prazer, é arrepio...

É água cristalina da nascente
Que corre lentamente para o rio,
Paixão que vem assim, tão de repente,
Deixando o coração por quase um fio.

Você é o meu passado mais presente...
Calor a me aquecer durante o frio,
Loucura que enlouquece loucamente!

Você é como um sonho inocente,
É brisa mansa em manhã de estio
E muitas vezes temporal fremente!

Soneto antigo
CECÍLIA MEIRELES


Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.

Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.

O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.

Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.

Amar direito
AMILTON MACIEL


Que me valeu ganhar um bom dinheiro,
Juntar montes de bens em minha vida;
Viajar sem parar o mundo inteiro,
Se eu tenho a vida sempre aborrecida?

Que me valeu estar ainda solteiro,
Com boa cama e até boa comida,
Se nunca passa em casa algum carteiro
Com uma carta de amor pra mim trazida?

Sem amor, pouco vale esta existência,
Ou melhor, muita vez não vale nada,
Pois só o amor lhe dá mais consistência!

Preciso, então, de amor! De amor perfeito;
Que seja de bondade exagerada,
E então me ensina a amar... E amar direito!

As cousas do mundo
GREGÓRIO DE MATOS


Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.
A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa,
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa
E mais não igo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.

Contradição
MARIA NASCIMENTO S. CARVALHO


Hoje, mais uma vez, desesperada
por ser injustamente preterida,
vejo que já nasci predestinada
a amar sem nunca ser correspondida...

Mas o que me dói mais, na despedida,
é saber que fui sempre desprezada
porque foste o anjo bom da minha vida
e eu, da tua, jamais pude ser nada.

Se me pudesse ver da eternidade,
chorando de tristeza e de saudade
pelo amor que no tempo se perdeu,

Carlos Drummond de Andrade me diria:
"E agora", como vais viver Maria
sem o José que achavas que era teu?!

Ironia de lágrimas
CRUZ E SOUZA


Junto da morte é que floresce a vida!
Andamos rindo junto a sepultura.
A boca aberta, escancarada, escura
Da cova é como flor apodrecida.

A Morte lembra a estranha Margarida
Do nosso corpo, Fausto sem ventura...
Ela anda em torno a toda criatura
Numa dança macabra indefinida.

Vem revestida em suas negras sedas
E a marteladas lúgubres e tredas
Das Ilusões o eterno esquife prega.

E adeus caminhos vãos mundos risonhos!
Lá vem a loba que devora os sonhos,
Faminta, absconsa, imponderada cega!

Soneto do amor total
VINICIUS DE MORAES


Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te enfim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude

Perspectiva
LUIZ POETA (LUIZ GILBERTO DE BARROS)


Dentro dos olhos que se fecham sobre a vida,
O teu sorriso se condensa em fantasia,
A tua tela é pulsante e colorida
E a tua vida faz da tinta, a poesia.

Tudo é revisto com sutis perspectivas,
E cada traço geométrico que traças,
Longe das frias lentes das objetivas,
É muito mais que imagem fora das vidraças.

Surrealista na intenção, porém real
Na dimensão que a metafísica alcança,
A tinta dança na pureza do vitral
Que o teu olhar vai colorindo de esperança.

O todo é tudo e quando tudo é tempo e pó,
Cada partícula do tempo que se ausenta
Vai transformando a essência de estar só
Na emoção que o teu silêncio experimenta.

E é nessa doce ocasião de libertar
O teu sorriso sobre a mágica das tintas,
Que tu libertas, com teu jeito de sonhar,
No coração, a emoção com que te pintas.

Fonte:
Poemas enviados pelo autor

José de Alencar (Senhora)


Análise

Senhora foi publicado em 1875. O romance pode ser considerado uma das obras-primas de seu autor e uma das principais da literatura brasileira. Uma vez que trata do tema do casamento burguês, ou seja, baseado no interesse financeiro, pode ser considerada precursora do Realismo ou pré-realista.

Alencar classifica a obra dentro de seus “perfis de mulher”, já que concentra na mulher o papel mais importante dentro da sociedade de seu tempo. Aurélia é a protagonista do romance, uma jovem mulher dividida entre o amor e o ódio, o desejo e o desprezo pelo homem que ama. Essa personalidade dividida apresenta um desvio psíquico ocasionado a partir do rompimento do noivo, Fernando Seixas, e que causou um certo caso de esquizofrenia na personagem.

A personagem Aurélia Camargo é idealizada como uma rainha, como uma heroína romântica, pelo narrador. De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco, elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal maneira de caracterizar a personagem - pelos elementos exteriores - é típica do narrador observador. Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem, afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.

O conflito entre os protagonistas gera momentos de grande emoção e sofrimento. É desse embate entre o desejo de vingança e o desejo de amar em plenitude que nasce a ação psíquica que se transforma em enredo. Se a temática e o psiquismo da obra representam antecipações realistas, ambos fortemente consolidados pela evidente critica de uma sociedade que valoriza mais a aparência e o dinheiro que os sentimentos humanos, a idealização das personagens reflete o universo romântico presente na obra. O desenlace configura, por si só, a vitória do Romantismo em Alencar sobre a possibilidade realista.

Para melhor entendermos a obra, devemos perceber as interações do artista que a criou. Alencar acreditava sinceramente na vitória do homem na reforma de si mesmo e da sociedade. Não havia nele ainda o traço de pessimismo profundo e de ceticismo que tantas páginas maravilhosas fizeram nascer em Machado de Assis. É dessa crença nos sentimentos humanitários que bruta o Romantismo alencariano, do qual bruta a força vital de suas personagens. Divididos entre o ódio e o perdão, a necessidade financeira e os apelos do coração, vencem sempre os segundos. O mesmo caso pode ser observado na construção do romance Lucíola, mas com um final trágico. Em ambos os romances a premente necessidade do dinheiro, veículo central de uma sociedade aristocrática e burguesa, obriga personagens a trocarem seus sentimentos por dinheiro. O grande vilão, o antagonista, é sempre a sociedade e seus hábitos doentios e seus costumes imorais. Se é essa a pretensão do autor, o seu recado para a sociedade de seu tempo, devemos classificar Senhora com um romance de costumes. Se o cenário das personagens é o Rio de Janeiro da segunda metade do século XIX, podemos também considerá-lo como um romance urbano com traços de psicologismo e critica social.

Estrutura da obra

Senhora é um romance dividido em quatro partes e não obedece uma ordem cronológica, isto é, a primeira parte (O Preço), narra os episódios atuais, enquanto que a segunda parte (Quitação), fala-nos do passado de Aurélia, seguem os capítulos: Posse e Resgate. A narrativa é feita por um narrador que parece penetrar na alma de Aurélia Camargo para transmitir suas confidências mais intimas.

Esses títulos contrariam ostensivamente o espírito de uma história de amor, como efetivamente é o romance Senhora. Mas, como se trata de um amor contrariado pelos hábitos sociais, fica clara a idéia de que os títulos foram assim escolhidos para hipertrofiar a metáfora contida no livro. Eles explicitam, em tom caricatural e hiperbólico, a idéia de que a compra efetuada por Aurélia é uma metáfora do casamento por interesse, muito corrente na época, mas sempre disfarçado por elegantes e frágeis encenações sociais.

Enredo

Na primeira parte, O Preço, Aurélia Camargo dá a conhecer para o leitor: jovem de 18 anos, linda e debutando nos bailes. A principal ação desta primeira parte do romance começa quando Aurélia pede ao tio que ofereça ao jovem Fernando Seixas, recém-chegado na corte após uma longa viagem ao Nordeste, a sua mão em casamento. Entretanto, uma aura de mistério cobre o pedido, pois Fernando não deve saber a identidade da pretendente e além disso a quantia do dote proposto deve ser irrecusável: cem contos de réis ou mais, se necessário.

A habilidade mercantil de Lemos, que chega a ser caricata, e a péssima situação financeira de Fernando - moço elegante mas pobre, que gastou o espólio deixado pelo pai e que precisava restituí-lo à família para a compra do enxoval da irmã - fazem com que dêem certo os planos de Aurélia.

Na noite de núpcias, Fernando se surpreende ao ver nas mãos de Aurélia, um recibo assinado por ele aceitando um adiantamento do dote. Aurélia se enfurece, acusa-o de mercenário e venal. E ela começa a contar a vida e os motivos que a levaram a comprá-lo.

Na segunda parte, Quitação, conhecemos a vida de ambos os protagonistas. Aqui há um retorno aos acontecimentos em suas vidas, o que explica ao leitor o procedimento cruel de Aurélia em relação a Fernando.

Na terceira parte, Posse, a história retorna ao quarto do casal. Vemos Fernando arrasado de vergonha, mas Aurélia toma o seu silêncio como cinismo. É o início da fase de hipocrisia conjugal.

Na quarta parte, Resgate, temos o desenrolar da trama. Intensificam-se os caprichos e as contradições do comportamento de Aurélia, ora ferina, mordaz, insaciável na sua sede de vingança, ora ciumenta, doce, apaixonada. Intensifica-se também a transformação de Fernando, que não usufrui da riqueza de Aurélia, tornando-se modesto nos trajes, assíduo na repartição onde trabalhava, e assim adquirindo, sem perder a elegância, uma dignidade de caráter que nunca tivera.

No final, Fernando, um ano após o casamento, negocia com Aurélia o seu resgate. Devolve-lhe os vinte contos de réis, que correspondiam ao adiantamento do montante total do dote com o qual possibilitava o casamento da irmã, e mais o cheque que Aurélia lhe dera, de oitenta contos de réis, na noite de núpcias.

Separam-se, então, a esposa traída e o marido comprado, para se reencontrarem os amantes, a última recusa de Seixas sendo debelada quando Aurélia lhe mostra o testamento que fizera, quando casaram, revelando-lhe o seu amor e destinando-lhe toda a sua fortuna.

O enredo deste romance mostra claramente a mistura de elementos romanescos e da realidade. Foco narrativo - O romance é narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, ou seja, que tudo sabe sobre as personagens, penetrando em seus pensamentos e em sua alma. Esse narrador é também intruso, já que interfere em vários momentos, apresentando-se ao leitor. A técnica narrativa empregada por Alencar em Senhora é sem dúvida bem moderna, se tomarmos como base suas obras anteriores, já que o autor utiliza digressões.

Tempo - O tempo é cronológico, tomando como base o século XIX, durante o Segundo Império. Entretanto, não há linearidade, já que a história é contada a partir de flash-back.

Espaço

O espaço central da narrativa é Rio de Janeiro.

Personagens

As personagens são bem construídas e já apresentam certa profundidade psicológica. Ao contrário de várias personagens românticas, não constituem meros tipos sociais, já que são capazes de atitudes inesperadas.

1. Fernando Seixas: Jovem estudante de Direito, bem vestido e apreciador da vida em sociedade. A falta de dinheiro o conduz a acreditar que a única maneira de evitar a ruína final é casando-se com um bom dote. Envolvido pelo amor de Aurélia, chega a pensar em abandonar os hábitos caros, mas acaba percebendo que não consegue viver longe da sociedade. Depois do casamento por interesse, é humilhado, arrepende-se e consegue resgatar o dinheiro que recebeu a Aurélia.

2. Aurélia Camargo: Moça pobre. Aurélia é decente e apaixonada por Fernando Seixas. A decepção amorosa transforma-a num mulher vingativa e fria, mas que não consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. Seu comportamento é típico de uma esquizofrênica, já que se vê dividida entre sentimentos contraditórios até o final do romance. O amor parece ser sua salvação, redimindo-a de perder o homem que ama por causa de seu orgulho.

3. Dona Emília: Viúva, mãe de Aurélia. Mulher honesta e séria, que amargou imenso sofrimento por causa de seu amor por Pedro Camargo.

4. Pedro Camargo: Pai de Aurélia, filho natural de um rico fazendeiro do interior de São Paulo, de quem nutria grande medo. Morre à mingua por não conseguir confessar seu casamento contra a vontade do pai.

5. Lourenço Camargo: Avô de Aurélia. Pai de Pedro. Homem duro e rústico, mas que procura ser justo depois que descobre a existência do casamento do filho.

6. D. Firmina: Parente distante de Aurélia e que lhe serve de companhia quando fica rica.

7. Lemos: Tio de Aurélia. “Velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulância de rapaz, e casava perfeitamente com seus olhinhos de azougue.” Foi escolhido por Aurélia como tutor porque a moça podia dominá-lo facilmente. Estilo de época e individual

Alencar não destoa do Romantismo em voga. A sua visão de mundo é baseada na emoção, e o mundo urbano, com seus problemas políticos e econômicos, o aborrece, por isso foge para o passado; escapa para os lugares selvagens. Suas obras procuram retratar um Brasil e personagens mais ideais do que reais, mais como ele gostaria que moralmente fossem (românticos e moralistas) do que objetivamente eram (realistas). Senhora é um romance de características definidas de forma romântica, mas que já traduz uma temática realista: a crítica ao casamento burguês.

Problemática e principais temas

O conflito amoroso entre os protagonistas nasce desse choque entre os sentimentos e o interesse econômico. Aurélia Camargo é uma mulher de personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico. Daí sua contradição, sua personalidade marcada por extremos psíquicos: dá maior valor aos sentimentos, mas vale-se do dinheiro para atingir seu objetivo de obter o grande amor de sua vida, Fernando Seixas. Dessa forma, o dinheiro acaba impondo o valor burguês que lhe era atribuído na sociedade do século XIX. A realização amorosa só se cumpre depois de Aurélia vencer a aparente esquizofrenia que parece conduzi-la á dúvida quanto às intenções de Fernando Seixas. O comportamento esquizóide manifesta-se nas atitudes antitéticas de desejar o amor do marido com todas as suas forças, mas lutar contra o mesmo até suas últimas reservas.

Fonte:
Passeiweb

União Brasileira de Escritores ( Mesa Redonda, Posse de diretoria regional do Núcleo da UBE e lançamento do livro "Gente Pobre" de Dostoievski)



Caríssimos(os) Amigos(as)

Segue convite para mesa-redonda, posse da primeira diretoria regional do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba e lançamento do livro "Gente Pobre" de Dostoievski, no próximo dia 4/maio/2012. Peço que acusem o recebimento, confirmando ou não a presença. Por favor, prestigiem!

Atenciosamente,

Luiz Antonio Cardoso - Coordenador Regional do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraiba-SP


O Núcleo Regional da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba/SP, a Associação Cultural LetraSelvagem, o Clube dos 21 Irmãos-Amigos de Taubaté e a Seção de Tremembé-SP da UBT - União Brasileira de Trovadores,

convidam Vossa Senhoria para a

Mesa Redonda: A IMPORTÂNCIA DE FIODOR DOSTOIEVSKI PARA A PSICANÁLISE E A RECEPÇÃO DE SUA OBRA NO BRASIL.
Integrantes da Mesa: Edson Amâncio (neurocientista e escritor, pertencente ao corpo clínico do Hospital Albert Einstein e especialista na obra de Dostoievski), Luís Avelima (poeta, jornalista e tradutor), Marcelo Ariel (poeta e dramaturgo), Joaquim Maria Botelho (escritor e jornalista, presidente da União Brasileira de Escritores) e Luiz Antonio Cardoso (poeta e escritor, Coordenador do Núcleo da UBE no Vale do Paraíba). Mediador: Nicodemos Sena (escritor e jornalista).

DATA:
04 de maio de 2012 (sexta-feira), às 19 horas.

LOCAL:
Auditório do Departamento de Ciências Sociais e Letras da Universidade de Taubaté - UNITAU
Rua Visconde do Rio Branco, nº 73 - Centro - Taubaté-SP
- ENTRADA FRANCA -
- Informações: (12) 8154-2177 -

Na mesma ocasião, o Presidente da União Brasileira de Escritores, JOAQUIM MARIA BOTELHO, empossará a primeira diretoria do Núcleo da UBE - União Brasileira de Escritores no Vale do Paraíba
(LUIZ ANTONIO CARDOSO - Coordenador Regional;
ANTONIO BARBOSA FILHO - Vice-Coordenador Regional;
KARINA PEREIRA - Secretária;
OSWALDO CRISANTE - Diretor de Eventos;
NICODEMOS SENA - Conselheiro Regional).

Também será apresentada ao público a edição brasileira do primeiro romance de Fiodor Dotoievski ("Gente Pobre"), editado pelo selo editorial LETRASELVAGEM, numa tradução de LUIS AVELIMA, diretamente do russo, trazendo na capa gravura de Oswaldo Goeldi, o principal ilustrador no Brasil dos livros de Dostoievski, sendo de se observar que tem sede em Taubaté-SP a Associação Cultural Oswaldo Goeldi, presidida pela neta de Oswaldo Goeldi, Lani Goldi, que detém os direitos sobre a obra deste grande pintor que integrou o movimento modernista no Brasil.

Com a edição de "Gente Pobre" no Brasil, a LETRASELVAGEM homenageia o inigualável autor russo, de quem emprestou o título para a sua coleção de romances. Publicado em 1846, quando Dostoievski tinha apenas 25 anos, Gente Pobre foi saudado entusiasticamente pelo influente crítico Vassilión Bielínski, que vaticinou o surgimento de um gigante da literatura, comparável a Gógol e Pushkin, considerados os maiores escritores da Rússia. O crítico tinha razão. Não se tratava de apenas mais um livro de estreia, nem Dostoievski era só mais um escritor.

Recebido como "a primeira tentativa de se fazer um romance social" no país dos czares, Gente Pobre é na verdade algo maior. Pois Dostoievski não se contenta em descrever o ambiente de um dos bairros miseráveis de São Petersburgo - onde um funcionário público de meia-idade e a sua jovem vizinha costureira, demasiado pobres para se casarem, encontram na troca de cartas a maneira de compartilharem os pequenos acontecimentos de suas vidas miseráveis. Além disso, realiza a incisiva e subterrânea sondagem psicológica da humanidade "humilhada e ofendida" que se observa em todos os seus romances, e que levou o pai da psicanálise, Sigmund Freud, a considerar Os Irmãos Karamazov (1879) a "maior obra da história".

Luiz Antonio Cardoso
Coordenador Reginal do Núcleo da UBE/SP no Vale do Paraíba
Presidente do Clube dos 21 Irmãos-Amigos de Taubaté-SP
Presidente da Seção de Tremembé-SP da UBT - União Brasileira de Trovadores
Vice-Presidente do Estado de São Paulo da UBT - União Brasileira de Trovadores
Supervisor Geral do Movimento União Cultural
Nicodemos Sena
Presidente da Associação Cultural LetraSelvagem
Conselheiro Regional do Núcleo da UBE/SP no Vale do Paraíba
1º Tesoureiro da UBE - União Brasileira de Escritores/SP


Fonte:
Luiz Antonio Cardoso

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Minas Gerais

Wagner Marques Lopes / MG (A FAMÍLIA em trovas), parte 6

A Família (pintura de Simon Silva)

Estações da família

Em questões familiares,
tempos amenos se espera:
depois dos mais frios ares,
bons ventos de primavera.

Parente e orgulho

Parente - teste seguro,
renteando nossa paz.
Teremos melhor futuro
livres do orgulho tenaz.

Os rios dos sentimentos

Fontes de vários lugares
formam rios de portento:
unidos, familiares
dão força aos bons sentimentos.

A educação que de fato conta

Olhar grave... Assim era
na educação muita antiga...
Hoje, a palavra sincera,
compreensão, mão amiga.

Fonte:
trovas enviadas pelo autor