quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Claudemiro Amaral (Poemas Avulsos)


ALMAS ENCARCERADAS

Velhas saudades dos meus tempos idos
repetem hoje, ao te fitar — Peti!
Lá do passado, sonhos esquecidos
cobrem de amor meu coração por ti!

No teu olhar mais divinal eu vi
partirem certos, para os meus sentidos,
laços de amor... e me desfaleci…
Pois somos ambos já comprometidos!...

Como explicar deste mistério o enredo?
se há pecado?... e no pecar faz medo?...
Mistério, pois... mas essas ondas passam!

Pois nosso amor, que é divinal, consola,
balsamizando sempre, por esmola,
as nossas almas quando se entrelaçam!
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BUSCANDO A VERDADE


Vale pensar maduramente e crer,
vendo a verdade em toda parte estar!
Vale buscar para depois saber
que quem procura sempre há de encontrar!

Mas o saber que em tudo faz vibrar
mostra a verdade a palpitar no ser!
Se na distância ela nos faz pensar,
dentro de nós ela nos faz crescer...

Pois o saber, como a estrela-guia,
mantém-se oculto; mas, pra quem confia,
sem ser preciso ele apalpar, nem ver,

ele perdura e sempre está presente,
vendo o passado a refletir na frente,
por luz suprema a palpitar no ser...
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EU SINTO


Eu sinto em mim uma saudade imensa!
Certo desejo, talvez sede ou fome!
Sinto minha alma em vibração suspensa!
Sinto a verdade me mudando o nome...

Sinto, não nego, que uma luz consome
a densa treva como recompensa,
mas o segredo social que tome
outro caminho onde há respeito e crença!

Eu sinto fome... fome de saber!
Eu sinto sede é de me ver crescer
no meu saber para matar a fome!.,.

Eu, vendo a treva a consumir quem erra,
vejo a virtude aproximar da terra,
como a verdade me mudando o nome!
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FRATERNIDADE


Quero falar sem atacar. Porém,
nunca fugi, falando a verdade.
Mostrar defeito em quem talvez não o tem
é sinal vivo de perversidade!...

Pra ser sincero, contra tal maldade,
o melhor mesmo é só fazer o bem...
mas, do abuso contra a liberdade,
é bom mostrar sem ofender ninguém!

Quem porventura pode ser isento
da sutileza, do sagaz fermento
que nos envolve, a toda humanidade?

Quem assim for que lave então a mão;
mas que respeite sempre o seu irmão
no doce afeto da fraternidade!...
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MAGIA DIVINA


A luz acende... E, sem mostrar aonde
fica o mistério em combustão no ser:
se em plena luz onde a virtude esconde,
se na magia que lhe faz nascer!...

Se no segredo que lhe faz crescer,
se na ciência que não me responde,
se dentro em mim me conduzindo a ver
no próprio éter, onde o mistério esconde!

Eu sou na carne um embrião movendo..
sou luz no éter devagar crescendo:
um vivo morto pra depois nascer...

Imerso em trevas sem achar saída!
como centelha a navegar perdida,
buscando a vida para à luz volver!
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OBRA-PRIMA


Do protoplasma até o corpo ereto
que dorme a vida em embrião latente:
transmuta a vida e vai nascer na frente
no ser sublime e já de amor repleto!...

É a própria vida que palpita e sente
necessidade de fazer completo,
no ser vivente, um embrião secreto
reproduzindo e transformando a gente!

Vivendo o corpo, em células reparte
deixando à vida uma função de amor
onde o saber vem revelando a arte...

Como oficina gera mais calor:
vem a função que multiplica e parte
a obra-prima para o CRIADOR!...
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O MEU RESPEITO


Do meu respeito vem felicidade
como ornamento do meu ser pensante!
Tudo eu respeito... a própria iniquidade,
Por um dever que encontrei distante...

Aqui, porém, como um farol brilhante
está a luz... a própria liberdade!
A decantada e como um astro errante,
mas que nos cobre de felicidade.

Mas do abuso nasce a anarquia:
nasce a vileza na "democracia",
o vitupério na "religião".

Nasce o fermento da sociedade...
Nasce o descaso — nasce a falsidade
e desrespeito por qualquer Nação!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

Aparecido Raimundo de Souza (Comédias da Vida na Privada) Parte Seis


GALHOS DESFOLHADOS

O MARCELO LOROTEIRO FICOU sabendo, no Bar do Zé  do Caneco da Saideira, que o seu vizinho de frente a sua casa, o Belmiro Funga-Funga estava fazendo um curso presencial para Pai de Santo. Belmiro Funga-Funga tinha uma mulher maravilhosa que fechava o comércio, a Aretuza. A Aretuza era linda por demais e quando passava na frente do bar do Zé do Caneco da Saideira, toda a galera babava. Alguns, mais afoitos, gritavam vivas, outros apenas levantavam o caneco em respeito ao amigo.

Aretuza fora feita por um escultor caprichoso, que não esquecera de colocar todas as belezas do mundo (na dosagem e na medida certa) ao confeccionar tal fêmea. Aretuza era tão linda e majestosa que às vezes  as pessoas, ao cruzarem com ela na rua, no supermercado, na padaria, paravam só para se deleitarem com a sua majestade impecável e porque não dizer, inimitável. A filhota dela, a Luanna, na faixa dos dezessete, não lhe ficava a dever favores.

Quando as duas saíam juntas, difícil dizer, com precisão, qual das criaturas se constituía na mais formosa. Apesar de todas essas felicidades ao alcance das mãos e dos olhos, os  amigos, ao serem sabedores do tal curso de pai de santo, ficaram encucados. A curiosidade aflorou com força total. Literalmente, os amigos que se reuniam no bar, todos os finais de tarde (após a chegada do trabalho), para uma descontração básica antes de chegarem em suas casas, estavam, sem tirar nem pôr, com a bisbilhotice coçando igual sarna braba.

Entretanto, nenhum dos amigos, tinha coragem suficiente para chegar nas barbas do Belmiro Funga-Funga e inquirir sobre o tal curso. Marcelo Loroteiro,  contudo, um dos mais chegados amigos de Belmiro Funga-Funga  e, talvez, o mais impaciente de toda a galera, tinha fama de pegar todas, resolveu que daria um jeito de tirar esse troço em pratos limpos e matar o indiscreto que o incomodava desde que tomara conhecimento do fato.

Teve que esperar quase dois meses. No decorrer desses sessenta dias, as investidas foram muitas, porém, o Belmiro Funga-Funga desconversava, mudava de assunto, falava até de futebol (que odiava) e Marcelo Loroteiro se viu quase na iminência de desistir da empreitada. Difícil, claro, deixar pra lá. No bar do Zé do Caneco da Saideira, uma corrente apostava que diante da seriedade de Belmiro Funga-Funga o Marcelo Loroteiro comeria mosca e não conseguiria seu intento.

Outra banda asseverava que ele levaria à termo a  palavra empenhada, e, em breve, revelaria a todos, o segredo trancafiado a sete chaves do tal curso de pai de santo. E as apostas, de ambas as correntes dentro do estabelecimento do Zé voavam alto. As disputam giravam em torno de quatro caixas de cerveja para quem apostara que o Marcelo Loroteiro não alcançaria êxito, contra seis que batia na tecla que ele teria sucesso pleno em sua jornada.

Pois bem. Quase ao extremo de inteirar três meses, e já sem respaldo criativo para interpelar o Belmiro Funga-Funga, eis que Marcelo Loroteiro topou com o seu vizinho e amigo de cervejadas fazendo compras no supermercado. Seu rosto se alegrou. Chegou quase a chorar, em face da oportunidade que lhe caíra do céu. “É hoje que tiro essa história do anonimato – pensou satisfeito com seus botões – é hoje o dia ‘d’ ou deixo de me chamar Marcelo Loroteiro’”.

Enrolou daqui, enrolou dali, quando o Belmiro Funga-Funga se dirigiu a um dos caixas, para passar as compras, pulou atrás dele, colando em seu cangote, dado a impressão de um acaso não programado. Ao vê-lo em sua retaguarda, por sinal, acima do normal, Belmiro Funga-Funga se virou e deu-lhe um forte abraço:

- Belmiro, meu chapa – sorriu Marcelo. Que prazer  cruzar com você.

Belmiro Funga-Funga não se fez de rogado:

- O prazer é todo meu, caro amigo. Não o tenho visto no bar do Zé.

- Falta de tempo, meu camarada. Muito serviço. E você, quais as novidades?

- Por enquanto, nenhuma. Tudo velho. Mais novo só nós dois.

- Pensei que tivesse ganho na loteria.

- Nem de jogo eu gosto, você sabe disso melhor que eu.

- Cara, fiquei sabendo, não sei se é verdade, ouvi uma história  que você está fazendo um curso. Procede essa conversa?

- Sim, meu amigo Marcelo. Tem bem uns três para quatro meses.

- E posso saber por quê, ou para quê?

- Claro, meu amigo. Não faço segredo da minha vida pra ninguém...

- Eu sei, eu sei... Afinal conheço você faz bem uns vinte anos...

- Por ai.

- E quanto ao curso?

- É um curso de Pai de santo, amigo Marcelo. Dentro de uma semana me formarei e receberei o meu canudo.

- Canudo?

- O diploma.

- Ah, entendi. Diga ai: virou macumbeiro?

- Não.

- Espírita?

- De forma alguma

- Então, qual o objetivo desse  curso de  pai de santo?

- É que o Luiz lá da empresa... O Luiz que trabalha no RH, nosso vizinho... Bebe com a gente...  Mora em frente a sua casa, Marcelo...  Seus filhos jogam bola com os filhos dele, como os meus também... O Luiz me falou, em segredo, que eu preciso tirar um certo caboclo safado e pilantra que vive dando em cima da minha mulher quando estou no trabalho. Me indicou esse curso. Estou quase terminando. Até o final deste mês, eu descobrirei, ou melhor, eu verei através dos ensinamentos que recebi, quem é o safado sem vergonha...

Marcelo Loroteiro quase teve um troço. Em questão de segundos, ficou amarelo, empalideceu, passou de preto a vermelho, de vermelho à cor de rosa. Por pouco, não desmaiou. Finalmente conseguiu balbuciar:

- Da... Da...  A... Are... Aretuza?

- Claro, meu chapa. Acaso tenho outra mulher senão a Aretuza? Ei Marcelo, o que houve? Você está bem? Fale, meu amigo, está se sentindo bem?

Desde esse dia, o Marcelo Loroteiro nunca mais foi visto no pedaço. Mudou de repente com toda a sua família para lugar incerto e não sabido.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. Comédias da vida na privada. RJ: Ed. AMC-Guedes, 2020.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 339


Humberto de Campos (Os Suspensórios)


Um advogado ilustre, pessoa da minha estima, contava-me, há dias, um caso curioso que o impressionara profundamente. Procurado por uma senhora, que desejava divorciar-se, fizera ele a petição competente, com todo o segredo, e foi levá-la ao juiz. E regozijava-se com a surpresa que ia causar ao péssimo esposo da sua cliente, quando abriu a boca estupefato: no cartório havia, já, uma petição do marido, que apelava para o mesmo recurso judiciário apoiado nas mesmas razões em que se apoiava a mulher. E, como conversa puxa conversa, contou-me o ilustre causídico uma história interessante, que ele havia lido, poucos dias antes, em certa revista estrangeira.

Homem de gênio desigual, o Sr. Fabiano preparava-se para sair, quando, de repente, começou a perder a paciência. Faltava-lhe o suspensório, que devia estar preso à calça vestida na véspera, e era com indignação que ele berrava, com as mãos segurando o cós:

- Não o viste, Maria?

A criada respondia-lhe negativamente e ele trovejava para a mulher:

- Não o viste, Marcela?

De repente, coordenando as ideias, ajustando o "puzzle" das lembranças recentes, calou-se, acalmando completamente a tempestade. E ia fazer o possível para que ninguém falasse mais em tal coisa, quando a mulher chegou à porta do quarto, avisando:

- Fabiano, aí tem uma pessoa que quer falar contigo, com urgência.

- Quem é?

- O Sr. Octaviano, da farmácia.

Um minuto depois, mostrando nas olheiras escuras as infinitas torturas de uma noite de insônia, entrava no quarto, usando da intimidade que ligava as duas famílias, o Sr. Octaviano, farmacêutico de renome. Estava soturno, grave, circunspecto, e, sentindo-se a sós com o amigo, explicou, misterioso, o motivo daquela visita matinal:

- Você sabe - começou - que eu tinha absoluta confiança em minha mulher. Em minha casa não entrava, jamais, outro homem. Entretanto, ao penetrar, ontem, no nosso quarto de dormir, encontrei isto debaixo da cama. Veja!

E, dizendo isso, arrancou do bolso do sobretudo, que não tirara, um par de suspensórios azul, com fivelas de prata, que exibiu, confiante, aos olhos espantados do amigo.

A essas vozes, porém, a porta escancara-se e, de um pulo, aparece no meio do quarto uma figura de mulher. Era D. Marcela que, tendo visto e ouvido tudo pela fechadura, bradava, branca de cólera:

- Mas, que é isso, afinal? Esse suspensório é o teu, que estas procurando há meia hora!

E cerrando os punhos, no rumo do esposo:

- Indigno! Canalha! Miserável! Não fico nesta casa mais, nem um minuto! Cachorro!...

E prorrompendo em soluços:

- Bandido! Infame! Desgraçado!..

Atarantado com o que acabava de ouvir, o Sr. Octaviano recuara até à parede, boquiaberto. Pálido, tonto, desorientado, o Sr. Fabiano fizera outro tanto, em sentido contrário. E ia a comédia por essa altura, com a moça a arrancar furiosamente os cabelos no meio do quarto, quando apareceu à porta a criada, trazendo alguma coisa nas mãos.

- Patrão, achei os seus suspensórios.

A patroa parou de chorar, estacando, de olhos escancarados, pálida, de cera. E a criada continuou:

- Estavam na secretária da senhora, ao lado do canapé.

Recobrando o ânimo, o Sr. Fabiano encaminhou-se, rápido, para a rapariga, e vendo que os suspensórios eram cinzentos, e não azuis, como os seus, trovejou, furibundo:

- De quem são estes suspensórios, senhora?

Mas não obteve resposta. D. Marcela. apavorada havia saído pela porta dos fundos.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XI


Alguns lados têm a vida
e a moeda só dois tem,
esta, pra ser convertida,
deve aquela ser também.
- - - - - -
A perda de um familiar
que na vida amamos tanto,
é difícil superar
sem antes secar o pranto.
- - - - - -
Até parece verdade
tudo o que o falso nos diz,
nada sobre a falsidade,
mas nada de ser feliz.
- - - - - -
A terra ficou molhada
sob a chuva que caía
e a relva toda orvalhada
co'a chuva se confundia.
- - - - - -
Bom se no fim da jornada
revendo as suas 'raízes',
todos deixassem a estrada
plenos de paz e felizes.
- - - - - -
De cinismo e hipocrisia
este mundo está repleto,
causando a paralisia,
de todo e qualquer projeto.
- - - - - -
Do além não temos regresso
para ele caminha a vida,
tem uma porta de acesso
mas nenhuma de saída.
- - - - - -
Ecos de paz bem queremos
todo o momento escutar
e assim também poderemos
num grito a manifestar.
- - - - - -
Em Deus me sinto no meio,
Ele em mim faz a morada,
é meu guia e grande esteio
nesta longa caminhada.
- - - - - -
Encher o mundo de flores
talvez um sonho impossível,
mas abrandar muitas dores,
nos parece ser possível.
- - - - - -
Figueira que não dá figo
no fim deve ser cortada,
tem a morte por castigo
numa sentença marcada.
- - - - - –
Galopa o tempo sem upa,
pelos campos da existência,
nele vamos na garupa
laçar na eterna querência.
- - - - - -
Magistral facho suspenso
às mãos do vasto universo,
sol brilhante, forte e imenso,
tal um fogaréu disperso.
- - - - - -
Nada tem que seja eterno
a não ser a eternidade,
todo o ser é subalterno
em nível de "humanidade".
- - - - - -
Nada tem que tanto esquente
quanto ao fervente quentão,
mas o chocolate quente,
também causa tentação...
- - - - - -
Nas esquinas do passado
deixo um pedaço de mim,
por alguém vai ser juntado
depois de chegar meu fim.
- - - - - –
Na vida quem não caminha
pode ser 'atropelado'.
Acelera ou sai da linha,
que atrás vem um apressado!
- - - - - -
Nem sempre a lágrima traz
traços dum gesto amoroso,
não raras vezes se faz
por um golpe doloroso.
- - - - - -
O poeta reproduz
nos seus brilhantes poemas,
um pouco da sua luz
tendo a sombra como temas,
- - - - - -
Os passarinhos encantam
quando cantam nas florestas,
o astral humano levantam
na cadência das serestas.
- - - - - -
Os tempos passam velozes
cometendo atrocidades,
atrás, uns rastros atrozes,
que chamamos de saudades.
- - - - - –
Ouça a voz do coração
para enfrentar um dilema,
seja sempre a solução,
nunca parte do problema.
- - - - - -
Pedra solta, rola imersa,
na água turbulenta e fria,
rija, impune e controversa,
companheira à travessia.
- - - - - -
Poucas florestas existem
porque foram devastadas,
algumas delas resistem
pois à lei são preservadas.
- - - - - -
Quando a vida nos parece
no abismo se fragmentar,
possamos ter numa prece
a coragem de enfrentar,
- - - - - -
Se houvesse fraternidade
a guerra não nasceria,
no mundo, a felicidade,
com certeza afloraria.
- - - - - -
Sentimentos de ternura
pode a lágrima expressar
e a dor que o tempo não cura
também faz extravasar.
- - - - - –
Sorriso triste no rosto,
rugas na fronte e na mente,
mostram à luz do desgosto
sombras dum sonho pendente.
- - - - - -
Surge a vida no horizonte
sendo rota ao próprio ser,
quanto mais longe da fonte
mais perto do entardecer.
- - - - - –
Todos mantêm a esperança
de ao chegar na eternidade,
poder pôr sobre a balança
algum fruto de bondade.
- - - - - -
Vestígios estão presentes
entre os sonhos do passado,
são linhas que mesmo ausentes
seguiremos seu traçado.
- - - - - -
Vida: maior obra d'arte,
que devemos proteger,
se fizermos nossa parte
mais vida vemos crescer.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro gentilmente enviado pelo autor.

Rubem Braga (Negócio de Menino)


Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia:

- Papai me disse que o senhor tem muito passarinho...

- Só tenho três.

- Tem coleira?

- Tenho um coleirinha.

- Virado?

- Virado.

- Muito velho?

- Virado há um ano.

- Canta?

- Uma beleza.

- Manso?

- Canta no dedo.

- O senhor vende?

- Vendo.

- Quanto?

- Dez contos.

Pausa. Depois volta:

- Só tem coleira?

- Tenho um melro e um curió.

- É melro mesmo ou é vira?

- É quase do tamanho de uma graúna.

- Deixa coçar a cabeça?

- Claro. Come na ...

- E o curió?

- É muito bom curió.

- Por quanto o senhor vende?

- Dez contos.

Pausa.

- Deixa mais barato...

- Para você, seis contos.

- Com a gaiola?

- Sem a gaiola.

Pausa.

- E o melro?

- O melro eu não vendo.

- Como se chama?

- Brigitte.

- Uai, é fêmea?

- Não. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.

Pausa.

- O coleira o senhor também deixa por seis contos?

- Deixo por oito contos.

- Com a gaiola?

- Sem a gaiola.

Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro d'água. E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar:

- O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

Fonte:
Rubem Braga. A Traição das Elegantes. RJ: Sabiá, 1967.

V Prêmio Literário Gonzaga de Carvalho (Classificação Final)



 


CATEGORIA: POESIA

VENCEDORES


Primeiro Lugar:
Oldair Ferreira Motta
Belo Horizonte-MG
“Eterna poesia para Teófilo Otoni”

Segundo lugar:
André Abreu
Taboão da Serra-SP
“As velhas cantigas”

Terceiro lugar:
Dilercy Adler
São Luiz-MA.
“A vida real”

MENÇÕES HONROSAS:


Alfredo Nogueira Ferreira
Florianópolis-SC
“Serra das Esmeraldas”

Paulo Jurza
Belo Horizonte-MG 
“Ver as velas”

Leandro Campos Alves
Caxambú-MG
“Oração de súplica à Nação”

Érika Lourenço Jurandy
Rio de Janeiro-RJ
“Desolação”

Adriano da Silva Ribeiro
Contagem-MG
“Alto Gonzaga de Carvalho”

Maria Luciene
Fortaleza-CE
“Meu poema dedicado”

Mauri Alves da Silva
,Embú das Artes-SP
“Solidariedade e ação”

Valéria Victorino Valle
Anápolis-GO
“É guerra”

Celso Gonzaga Porto
Cachoerinha-RS
“Paz... onde estás?”

Cláudia Lundgren
Teresópolis-RJ
“O frio minh’alma”

Cláudio de Almeida Hermínio,
Belo Horizonte-MG
“Devoção”

Celso Henrique Fermino,
São José do Rio Preto-SP
“À espera”,

Rosimeire Leal da Motta Piredda,
Vila Velha-ES
“Equilibrando-se num fio de linha”

Marcelo de Oliveira Souza
Salvador-BA
“Partida”

Francisco Martins Silva”
Uruçuaí-PI
“Toda arte é sagrada”

Jerônimo Luiz Gonçalves
Goiânia-GO
“Passeio pela vida”

Silvio Parise
Rhode Island-EUA
“Novas descobertas”

Antonia Aleixo Fernandes
São Paulo-SP
“Re-existir”

Antônio Francisco Cândido
Congonhas-MG
“Palavras”

Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco-PR
“O Brasil, terra Pindorama”

Ieda Thomé
Rio de JaneiroRJ
“Abstenção”

Daniela Martins Cunha
Governador Valadares-MG
“Soneto da Pandemia”

Maria Elza Fernandes Melo Reis
Capanema-PA
Nada Seria”

Rossana Monteiro
Aracaju-SE
“Goodless”

Emanuela Rufino
RecifePE
“Somente Eu!”

Lucivalter Almeida dos Santos
Nazaré-BA
“Pra quem sabe viver...”

Cláudio de Almeida
São Paulo-SP
“A mãe nossa de cada dia”

João Bosco de Castro
Bom Despacho-MG
“Estética e ética”

CATEGORIA: CRÔNICA

VENCEDORES

Primeiro Lugar:

Paulo Jurza
Belo Horizonte-MG
“Onde está o mundo”

Segundo lugar:
João Bosco de Castro
Bom Despacho-MG
“O drama das corujinhas”

Terceiro lugar:
Juracy Nonato Ferreira
Santa Helena de Minas-MG
“Impaciente e teimoso”

MENÇÕES HONROSAS:

Lucivalter Almeida dos Santos
Nazaré-BA
“Repensando a realidade do tempo”

Amalri Nascimento
Rio de Janeiro-RJ
“Sonhos”

Celso Gonzaga Porto
Cachoeirinha-RS
“Carnaval”

Carlos Lúcio Gontijo
Santo Antônio do Monte-MG
“O poema que anda”

Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Rio de Janeiro-RJ
“irresponsabilidade em grupo”

Maria Eugênia Porto Ribeiro da Silva
Belo Horizonte-MG
“Teatro de amor”

Helena Selma Colen
Ladainha-MG
“Mínimos detalhes”

Marina Barreiros Mota
Nova Viçosa-BA
“Sutiã”

Vânia Rodrigues Calmon
Vila Velha-ES
“Liberdade da Maria”

Coracy Teixeira Bessa
Salvador-BA
“O boquê no centro da mesa”

Marcelo Oliveira Souza
Salvador-BA
“A rede social”

Ândrei Clauhs”
Brasília-DF
“O corredor do bom humor”

Leandro Campos Alves
Caxambú-MG
“Envelhecer”

Fernando Catelan
Mogi das Cruzes-SP
“Até Amanhã!”

Evandro Ferreira
Caucaia-CE
“Lá em cima”

Magali Maria de Araújo Barroso
Belo Horizonte-MG
“Voo rasante”

João Carlos de Araújo Júnior
Tomé-Açu-PA
“Quaresmal”

Elizabeth Cury Bechir Watanabe
Itanhaém-SP
“Minha praça”

Carmelita Ribeiro Cunha Dantas
Aparecida de Goiânia-GO
“Milagre da vida”

de Dilercy Adler
São Luiz-MA
“O pijama de papai”

Alfredo Nogueira Ferreira
Florianópolis-SC
“Um lamento e um apelo”

Isabel Cristina Silva Vargas
Pelotas-RS 
“Meus medos e minha fé”

Paulo Murilo Carneiro Valença
Receci-PE.
“A voz do retrato”

CATEGORIA: CONTO

VENCEDORES

Primeiro Lugar:

Cláudio de Almeida
São Paulo-SP
“Casal italiano apaixonado por sueca”

Segundo lugar:
Adevaldo Rodrigues de Souza
Belo Horizonte-MG
“O dia em que o apocalipse chegou”

Terceiro lugar:
Paulo Jurza
Belo Horizonte-MG.
“Que foi feito do boi?”

MENÇÕES HONROSAS:

Décio Mallmith
Porto Alegre-RS
“A cerveja”

Celso Gonzaga Porto
Cachoeirinha-RS
“A curiosidade e o aprendizado”

Marina Motta Barreiros
Nova Viçosa-BA
“O homem no espelho”

Cosme Custódio da Silva
Salvador-BA
“Medo”

Josenilson Costa dos Santos
Salvador -BA
“O amor do Beija-Flor”

Amalri Nascimento
Rio de Janeiro-RJ
“Salto para a morte”

Almir Zaferg
Teixeira de Freitas-BA
“Milla”

José Moutinho dos Santos
Belo Horizonte-MG
“Contando o conto”

Tereza Azevedo
Campinas-SP
“Pout-pourri da Carocinha”

Paulo Roberto de Oliveira Caruso
Niterói-RJ 
“No lugar errado”

Patrícia Ferreira dos Santos
Salvador-BA.
“A Lua, o Sol e os Cometas”

Teófilo Otoni/MG, 21 de julho de 2020.

PROFª ELISA AUGUSTA DE ANDRADE FARINA
Presidente
PROF. WILSON COLARES DA COSTA
Secretário-Geral

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 338


Rachel de Queiroz (O Pó ao Pó)

    
Meu amigo Afrânio Soares faz uma enquete sobre incineração de mortos e eu lhe pirateio a ideia, porque esse assunto de queima de defunto sempre foi muito da minha predileção. Não sei por que se faz objeção a esse método de disposição de cadáveres que tem a favor de si uma tradição milenar e inúmeros outros elementos de conveniência, economia e estética.

Sobre a tradição milenar, não digo novidade nenhuma: a pira era instituição fundamental em grande parte das civilizações primitivas. Na velha antiguidade todos os povos cremavam os seus mortos — com exceção dos egípcios que os embalsamavam, dos judeus que os depunham em sepulcros e dos chineses que os enterravam, Mas os gregos, que foram os mestres do nosso mundo, usavam a pira para consumir os seus mortos, como ainda hoje o fazem indianos e mais povos asiáticos.

Diz-se que foi o cristianismo que acabou com a incineração dos cadáveres, em respeito pelo corpo humano, batizado e remido por Nosso Senhor, e destinado a refazer-se na Ressurreição Final. Mas acho que é até heresia, duvidar-se dos poderes de Deus, pensar que Ele não poderia ressuscitar um homem das suas cinzas, se o pode ressuscitar depois de consumido pela terra, devorado pelos bichos, dissolvido pelas águas.

E aqueles que são mortos pelo fogo, em incêndios, por lança-chamas, em guerra? Então esses perdem o direito de voltar à carne no dia do Juízo Final?

Com a incineração dos corpos acaba-se a maioria dos ritos fúnebres, os velórios, a lenta decomposição de alguém que amamos exposto no caixão à luz e ao calor dos círios, ao cheiro adocicado da cera derretida e das flores que murcham. E isso ainda não é nada, quando pensamos na repugnante operação que se vai processar debaixo da terra, até que só fiquem do morto os ossos limpos do esqueleto.

Já o fogo purifica tudo. Apressa, dignifica. Neste instante você é defunto, um instante mais é cinza. Pó ao pó, como diz a Escritura. E às suas cinzas, ao próprio resto pulverizado do seu invólucro mortal, podem-se dar os destinos mais variados jogá-las ao mar, onde serão dissolvidas nas grandes águas, atirá-las à terra, onde talvez ajudem a brotar uma flor ou uma fruta e, mesmo, quem sabe, a piedade dos filhos há de guardá-las em santuário doméstico, pequeno depósito, relicário do ausente querido.

Acaba-se o horror dos cemitérios. Os mortos já não serão importunos nem incômodos — já não haverá o problema angustioso de alojá-los. A gente morre, quem nos ama chora, reza, fecha-se o caixão, abre-se o forno — e está tudo liquidado. Rapidamente. Limpamente.

Por mim, não quero outro destino para esta fatigada carcaça. Joguem a cinza pelo mundo, porque o mundo todo eu amei; e talvez algum punhadinho seja levado pelo vento até ao Ceará.

Fonte:
Rachel de Queiroz. As Menininhas e outras crônicas. RJ: J. Olympio, 1976.

Correia Garção (Poemas Escolhidos)


SONETOS

1
Cheios de espessa névoa os horizontes,
Espantosas voragens vem saindo!
Foi-se o Sol entre as nuvens encobrindo,
Voltando para o mar os quatro Etontes

Caiu a grossa chuva pelos montes,
Os incautos pastores aturdindo;
E engrossados os rios vão cobrindo
Com embate feroz as curvas pontes

Com medonho estampido, navorosos.
Os longos ecos dos trovões soando.
A rezar nos pusemos temerosos.

Parou a chuva; correm sussurrando
Os torcidos regatos vagarosos;
Não me atrevo a sair, fico jogando.
****************************************

2
Ao som dos duros ferros que arrastava,
A lira de ouro Corydon tangia:
De Márcia o doce nome repetia,
Mas no meio do canto soluçava.

No rosto macerado, que enfiava,
O lacrimoso pranto reluzia,
E nos olhos, que aos altos céus erguia,
O pensamento intrépido voava.

Não se assombra de ventos insofridos,
Nem com ousado lenho arar intenta
O polo do futuro nebuloso;

Menos chora terrenos bens perdidos.
De pouco um peito grande se contenta:
Antes quer ser honrado que ditoso.
****************************************

3

Três vezes vi, Marília, de alva lua,
Cheio de luz o rosto prateado,
Sem que dourasse o campo matizado,
A linda aurora da presença tua.

Então subindo à serra calva e nua,
De um íngreme rochedo pendurado,
Os olhos alongando pelo prado,
Chamava, mas em vão, a morte crua.

Ali comigo vinham ter pastores,
Que meus suspiros férvidos ouviam,
Cortados do alarido dos clamores.

Tanto que a causa do meu mal sabiam,
Julgando sem remédio minhas dores,
Por não poder-me consolar, fugiam.
****************************************

CANTATA DE DIDO


Já no roxo oriente branqueando,
As prenhes velas da troiana frota
Entre as vagas azuis do mar dourado
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A misérrima Dido,
Pelos paços reais vaga ululando,
C'os turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Eneias.
Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Cartago lhe apresenta;
Com medonho fragor, na praia nua
Fremem de noite as solitárias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cúpulas soberbas
Piam noturnas, agoureiras aves.
Do marmóreo sepulcro
Atônita imagina
Que mil vezes ouviu as frias cinzas
De defunto Siqueu, com débeis vozes,
Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa!
D'Orco aos tremendos numens
Sacrifícios prepara;
Mas viu esmorecida
Em torno dos turícremos altares,
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho
Em pélagos de sangue converter-se.
Frenética, delira,
Pálido o rosto lindo
A madeixa sutil desentrançada;
Já com tremulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,
Onde do infido amante
Ouviu, enternecida,
Magoados suspiros, brandas queixas.
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilíacas roupas que, pendentes
Do tálamo dourado, descobriam
O lustroso pavês, a teucra espada.
Com a convulsa mão súbito arranca
A lâmina fulgente da bainha,
E sobre o duro ferro penetrante
Arroja o tenro, cristalino peito;
E em borbotões de espuma murmurando,
O quente sangue da ferida salta:
De roxas espadanas rociadas,
Tremem da sala as dóricas colunas.
Três vezes tenta erguer-se,
Três vezes desmaiada, sobre o leito
O corpo revolvendo, ao céu levanta
Os macerados olhos.
Depois, atenta na lustrosa malha
Do prófugo dardânio,
Estas últimas vozes repetia,
E os lastimosos, lúgubres acentos,
Pelas áureas abóbadas voando
Longo tempo depois gemer se ouviram:

«Doces despojos,
Tão bem logrados
Dos olhos meus,
Enquanto os fados,
Enquanto Deus
O consentiam,
Da triste Dido
A alma aceitai,
Destes cuidados
Me libertai.

«Dido infelice
Assaz viveu;
D'alta Cartago
O muro ergueu;
Agora, nua,
Já de Caronte,
A sombra sua
Na barca feia,
De Flegetonte
A negra veia
Sulcando vai.

Fonte:
Correia Garção. Obras poéticas. publicação em 1778.

Correia Garção (1724 – 1772)

Pedro António Correia Garção, nasceu em Lisboa/Portugal em 13 de junho de 1724 e faleceu em 10 de novembro de 1772.

Estudou Literatura Clássica no Colégio dos Jesuítas, em Lisboa, e frequentou o curso de Direito na Universidade de Coimbra, não terminando-o. Em 1756, juntamente com Cruz e Silva, Teotónio Gomes de Carvalho e Manuel Nicolau Esteves Negrão, fundou a Arcádia Lusitana, utilizando como pseudônimo arcádico Coridon Erimanteu.

Foi escrivão na Casa da Índia e dirigiu a Gazeta de Lisboa de 1760 a 1762. Casado e apreciador da convivência social, manteve relações com estrangeiros, facilitadas pelo domínio do inglês, do francês e do italiano, e também com alguns portugueses das classes mais privilegiadas.

Devido a problemas financeiros, passou a viver na Quinta da Fonte Santa e em 1771 foi detido no Limoeiro, por razões não esclarecidas, onde veio a falecer.

Tentou a criação de um teatro nacional com a redação de alguns textos dramáticos (na comédia Assembleia insere-se a célebre Cantata de Dido) e também dedicou alguma atenção ao gênero epistolar e à poesia de circunstância. Esforçou-se sobretudo no sentido de cultivar os gêneros greco-latinos.

Admirador de Horácio, fundiu o horacianismo com a poesia do cotidiano e atingiu assim o melhor da sua obra. Para além do poeta latino, também seguiu os quinhentistas portugueses Sá de Miranda, António Ferreira, Camões e Diogo Bernardes.

Fonte:
Infopédia

Lygia Fagundes Telles (A Estrutura da Bolha de Sabão)


Era o que ele estudava. "A estrutura, quer dizer, a estrutura" - ele repetia e abria a mão branquíssima ao esboçar o gesto redondo. Eu ficava olhando seu gesto impreciso porque uma bolha de sabão é mesmo imprecisa, nem sólida nem líquida, nem realidade nem sonho. Película e oco. "A estrutura da bolha de sabão, compreende?" Não o compreendia. Não tinha importância. Importante era o quintal da minha meninice com seus verdes canudos de mamoeiro, quando cortava os mais tenros, que sopravam as bolas maiores, mais perfeitas. Uma de cada vez. Amor calculado, porque na afobação o sopro desencadeava o processo e um delírio de cachos escorriam pelo canudo e vinham rebentar na minha boca, a espuma descendo pelo queixo. Molhando o peito. Então eu jogava longe canudo e caneca. Para recomeçar no dia seguinte, sim, as bolhas de sabão. Mas e a estrutura? "A estrutura" - ele insistia. E seu gesto delgado de envolvimento e fuga parecia tocar mas guardava distância, cuidado, cuidadinho, ô! a paciência. A paixão.

No escuro eu sentia essa paixão contornando sutilíssima meu corpo. Estou me espiritualizando, eu disse e ele riu fazendo fremir os dedos-asas, a mão distendida imitando libélula na superfície da água mas sem se comprometer com o fundo, divagações à flor da pele, ô! amor de ritual sem sangue. Sem grito. Amor de transparências e membranas, condenado à ruptura. Ainda fechei a janela para retê-la, mas com sua superfície que refletia tudo ela avançou cega contra o vidro. Milhares de olhos e não enxergava.

Deixou um círculo de espuma. Foi simplesmente isso, pensei quando ele tomou a mulher pelo braço e perguntou: "Vocês já se conheciam?" Sabia muito bem que nunca tínhamos nos visto mas gostava dessas frases acolchoando situações, pessoas. Estávamos num bar e seus olhos de egípcia se retraíam apertados. A fumaça, pensei. Aumentavam e diminuíam até que se reduziram a dois riscos de lápis-lazúli e assim ficaram. A boca polpuda também se apertou, mesquinha. Tem boca à-toa, pensei. Artificiosamente sensual, à-toa. Mas como é que um homem como ele, um físico que estudava a estrutura das bolhas, podia amar uma mulher assim? Mistérios, eu disse e ele sorriu, nos divertíamos em dizer fragmentos de idéias, peças soltas de um jogo que jogávamos meio ao acaso, sem encaixe.

Convidaram-me e sentei, os joelhos de ambos encostados nos meus, a mesa pequena enfeixando copos e hálitos. Me refugiei nos cubos de gelo amontoados no fundo do copo, ele podia estudar a estrutura do gelo, não era mais fácil? Mas ela queria fazer perguntas. Uma antiga amizade? Uma antiga amizade. Ah. Fomos colegas? Não, nos conhecemos numa praia, onde? Por aí, numa praia. Ah. Aos poucos o ciúme foi tomando forma e transbordando espesso como um licor azul-verde, do tom da pintura dos seus olhos. Escorreu pelas nossas roupas, empapou a toalha da mesa, pingou gota a gota. Usava um perfume adocicado. Veio a dor de cabeça: "Estou com dor de cabeça", repetiu não sei quantas vezes. Uma dor fulgurante que começava na nuca e se irradiava até a testa, na altura das sobrancelhas. Empurrou o copo de uísque. "Fulgurante." Empurrou para trás a cadeira e antes que empurrasse a mesa ele pediu a conta. Noutra ocasião a gente poderia se ver, de acordo? Sim, noutra ocasião, é lógico. Na rua, ele pensou em me beijar de leve, como sempre, mas ficou desamparado e eu o tranquilizei, está bem, querido, está tudo bem, já entendi. Tomo um táxi, vá depressa, vá. Quando me voltei, dobravam a esquina. Que palavras estariam dizendo enquanto dobravam a esquina? Fingi me interessar pela valise de plástico de xadrez vermelho, estava diante de uma vitrina de valises. Me vi pálida no vidro. Mas como era possível. Choro em casa, resolvi. Em casa telefonei a um amigo, fomos jantar e ele concluiu que o meu cientista estava felicíssimo. Felicíssimo, repeti quando no dia seguinte cedo ele telefonou para explicar. Cortei a explicação com o felicíssimo e lá do outro lado da linha senti-o rir como uma bolha de sabão seria capaz de rir. A única coisa inquietante era aquele ciúme. Mudei logo de assunto com o licoroso pressentimento de que ela ouvia na extensão, oh, o teatro. A poesia. Então ela desligou.

O segundo encontro foi numa exposição de pintura. No começo aquela cordialidade. A boca pródiga. Ele me puxou para ver um quadro de que tinha gostado muito. Não ficamos distantes dela nem cinco minutos. Quando voltamos, os olhos já estavam reduzidos aos dois riscos. Passou a mão na nuca. Furtivamente acariciou a testa. Despedi-me antes da dor fulgurante. Vai virar sinusite, pensei. A sinusite do ciúme, bom nome para um quadro ou ensaio.

"Ele está doente, sabia? Aquele cara que estuda bolhas, não é seu amigo?" Em redor, a massa fervilhante de gente, música. Calor. Quem é que está doente? eu perguntei. Sabia perfeitamente que se tratava dele mas precisei perguntar de novo, é preciso perguntar uma, duas vezes para ouvir a mesma resposta, que aquele cara, aquele que estuda essa frescura da bolha, não era meu amigo? Pois estava muito doente, quem contou foi a própria mulher, bonita, sem dúvida, mas um tanto grosseira, fora casada com o primo de um amigo, um industrial meio fascista que veio para cá com passaporte falso, até a Interpol já estava avisada, durante a guerra se associou com um tipo que se dizia conde italiano mas não passava de um contrabandista.

Estendi a mão e agarrei seu braço porque a ramificação da conversa se alastrava pelas veredas, mal podia vislumbrar o desdobramento da raiz varando por entre pernas, sapatos, croquetes pisados, palitos, fugia pela escada na descida vertiginosa até a porta da rua, espera! eu disse. Espera. Mas que é que ele tem? Esse meu amigo. A bandeja de uísque oscilou perigosamente acima do nível das nossas cabeças. Os copos tilintaram na inclinação para a direita, para a esquerda, deslizando num só bloco na dança de um convés na tempestade. O que tinha? O homem bebeu metade do copo antes de responder: não sabia os detalhes e nem se interessara em saber, afinal, a única coisa gozada era um cara estudar a estrutura da bolha, mas que ideia!

Tirei-lhe o copo e bebi devagar o resto do uísque com o cubo de gelo colado ao meu lábio, queimando. Não ele, meu Deus. Não ele, eu repeti. Embora grave, custosamente minha voz varou todas as camadas do meu peito até tocar no fundo onde as pontas todas acabam por dar, que nome tinha? Esse fundo, perguntei e fiquei sorrindo para o homem e seu espanto. Expliquei-lhe que era o jogo que eu costumava jogar com ele, com esse meu amigo, o físico. O informante riu. "Juro que nunca pensei que fosse encontrar no mundo um cara que estudasse um troço desses", resmungou ele voltando-se rápido para apanhar mais dois copos na bandeja, ô! tão longe ia a bandeja e tudo o mais, fazia quanto tempo? "Me diga uma coisa, vocês não viveram juntos?" - lembrou-se o homem de perguntar. Peguei no ar o copo borrifando na tormenta. Estava nua na praia. Mais ou menos, respondi. Mais ou menos eu disse ao motorista que perguntou se eu sabia onde ficava essa rua. Tinha pensado em pedir notícias por telefone mas a extensão me travou. E agora ela abria a porta, bem-humorada. Contente de me ver? A mim?! Elogiou minha bolsa. Meu penteado despenteado. Nenhum sinal da sinusite. Mas daqui a pouco vai começar. Fulgurante.

"Foi mesmo um grande susto" - ela disse. "Mas passou, ele está ótimo ou quase - acrescentou levantando a voz. Do quarto ele poderia nos ouvir se quisesse. Não perguntei nada.

A casa. Aparentemente, não mudara, mas reparando melhor, tinha menos livros. Mais cheiros. Flores de perfume ativo no vaso, óleos perfumados nos móveis. E seu próprio perfume. Objetos frívolos - os múltiplos – substituindo em profusão os únicos, aqueles que ficavam obscuros nas antigas prateleiras da estante. Examinei-a enquanto me mostrava um tapete que tecera nos dias em que ele ficou no hospital. E a fulgurante? Os olhos continuavam bem abertos, a boca descontraída. Ainda não.

"Você poderia ter se levantado, hein, meu amor? Mas anda muito mimado", disse ela quando entramos no quarto. E começou a contar muito animada a história de um ladrão que entrara pelo porão da casa ao lado, "a casa da mãezinha", acrescentou afagando os pés dele debaixo da manta de lã. Acordaram no meio da noite com o ladrão aos berros pedindo socorro com a mão na ratoeira, tinha ratos no porão e na véspera a mãezinha armara uma enorme ratoeira para pegar o rei de todos, lembra, amor?

O amor estava de chambre verde, recostado na cama cheia de almofadas. As mãos branquíssimas descansando entrelaçadas na altura do peito. Ao lado, um livro aberto e cujo título deixei para ler depois e não fiquei sabendo. Ele mostrou interesse pelo caso do ladrão mas estava distante do ladrão, de mim e dela. De quando em quando me olhava interrogativo, sugerindo lembranças mas eu sabia que era por delicadeza, sempre foi delicadíssimo.

Atento e desligado. Onde? Onde estaria com seu chambre largo demais? Era devido àquelas dobras todas que fiquei com a impressão de que emagrecera? Duas vezes empalideceu, ficou quase lívido. Comecei a sentir falta de alguma coisa, era do cigarro? Acendi um e ainda a sensação aflitiva de que alguma coisa faltava, mas o que estava errado ali? Na hora da pílula lilás ela foi buscar o copo d'água e então ele me olhou lá do seu mundo de estruturas. Bolhas. Por um momento relaxei completamente: não sei onde está, mas sei que não está, eu disse e ele perguntou, "Jogar?" Rimos um para o outro.

"Engole, amor, engole" - pediu ela segurando-lhe a cabeça. E voltou-se para mim, "preciso ir aqui na casa da mamãezinha e minha empregada está fora, você não se importa em ficar mais um pouco? Não demoro muito, a casa é ao lado", acrescentou. Ofereceu-me uísque, não queria mesmo? Se quisesse, estava tudo na copa, uísque, gelo, ficasse à vontade. O telefone tocando será que eu podia?...

Saiu e fechou a porta. Fechou-nos. Então descobri o que estava faltando, ô! Deus. Agora eu sabia que ele ia morrer.

Fonte:
Conto publicado em 1978, em livro da autora, de mesmo nome do conto.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 337


Nota:

Novas delegacias da União Brasileira dos Trovadores:

Campo Mourão/PR - Sinclair Pozza Casemiro

Lages/SC - José Atanásio Pinto

Sinclair Pozza Casemiro (Uma Mão Lava a Outra)


Isso é sério. E é também uma cacofonia, eu sei. Cacofonia é um vício de linguagem; uma sucessão desagradável de sons, segundo Dr. Francisco Borba e todos os dicionaristas, gramáticos e linguistas de que eu me lembre... Mas é muito verdadeiro e então, apesar do vício, figura malquista na língua, o povo anda repetindo "uma mão lava a outra" pelos séculos dos séculos, amém.

O que vou contar aqui aconteceu com o Seu Gancedo, nosso amigo e professor nessas andanças do Caminho de Peabiru. Com ele e sua esposa, Dinorah, grávida de sua primeira filha na ocasião.

Moravam num sítio, no município de Engenheiro Beltrão, viviam ali felizes, porém batalhando nas dificuldades próprias do lugar e dos tempos, ainda sem muita estrutura no campo. Quando chovia, por exemplo, o que era uma dádiva para as lavouras, era um suplício para os doentes ou para aqueles que precisassem sair de casa por qualquer outro motivo urgente.

E um dia, choveu, choveu. O casal precisava ir à cidade, ela tinha consulta, ele tinha interesses urgentes para tratar. E eles tinham um trator que enfrentava qualquer tropeço daquele chão misterioso. Então, foram.

Num determinado ponto, uma subidinha complicada, seu Gancedo precisou parar, deu um probleminha no motor. Estavam já muito tristes, desanimados, quando decidiram buscar ajuda na casa do sítio que dali se avistava, muito perto. O coração de Dinorah se encheu de esperança, se avivou, seus lábios se descontraíram.

Mas, não é que o dono da casa (e do sítio) mesmo reconhecendo o casal, não eram amigos, apenas conhecidos, não socorreu? Isso mesmo! Viu a mulher, grávida, ouviu o apelo do marido, mas não pôde atender, estava sem condições de ir até ao trator, não saberia mesmo o que fazer e ficou por isso mesmo. A princípio seu Gancedo não entendeu, ficou entre a perplexidade, a vergonha e a revolta, um tanto desolado. Dinorah, então, na sua costumeira candura, não conseguia mesmo compreender aquilo de jeito nenhum. Por que seria tanta indiferença? Aquilo não era comum, as pessoas no sítio costumavam ser solidárias, mesmo desconhecendo-se.

Ficaram os dois, conjeturando: será isso, será aquilo, afinal, o que poderia ser responsável por atitude tão mesquinha?

Inconformados, seguiram de volta à estrada, com o olhar e o peito doloridos pelo que entendiam como injustiça. O sitiante possuía até um veículo, o que poderia ter sido a solução fácil de seus problemas, afinal. Poderia ter oferecido uma carona e nem precisava ser para Seu Gancedo, levasse a Dinorah que ele se arranjava por lá mesmo. E, o olhar fixo no caminho, seguiam, devagar, equilibrando-se no barro liso, até chegarem de volta ao trator e...ficar esperando sabe-se mais pelo quê. De repente, ouviram o ronco de um outro trator, a esperança renasceu. Mas, quem era? O próprio sitiante, que passou por eles dirigindo uma carreta e seguiu, sossegado. Os olhos do casal acompanharam–no, silentes, não havia o que se fazer.

Mais à frente, não é que a carreta do insensível sitiante emperra e barranca? Isso mesmo! Caiu, encostou na ribanceira da estrada, num barranco, coisa que seu Gancedo não teria deixado acontecer se fosse ele o motorista. Aquilo era sinal de "barbeiro". Mas, lá estava a carreta, poderosa, nas mãos de um incompetente (e maldoso) motorista, encalhada na estrada. E... vuuuuumm.... vuuuumm.....vuuuuuuuuuuuumm..., nada!

Aí então aconteceu a maior: o "navalha" desce, com as mãos na cintura ou no bolso, sei lá, mas com atitude de não sei mais o quê fazer e... olha para o trator e o casal! Meu Deus, mas como agir agora? Ele não lhes tinha negado ajuda? E só mesmo um outro trator e a colaboração de um outro motorista para tirá-lo dali!

E seu Gancedo? O que você acha que ele fez?

É... espicaçou o homem, "tá vendo, seu orgulhoso?" Negou ajuda, como o outro fez? Deu risada, zombou da desgraça e humilhação do outro?

Quem conhece o seu Gancedo sabe o que ele fez: foi de encontro ao necessitado, mais que ele ainda, deu sua mão e o acompanhou até a carreta, a Dinorah, muito calma e segura acompanhando com os olhos toda aquela cena. Assim também era ela, o casal se combinava.

Dinorah esperou, às margens da estrada. Seu Gancedo assumiu o volante da carreta e tirou-a do barranco, era mesmo algo fácil de resolver para um bom motorista, nem precisou do trator. Devolveu-a para o arrogante e já bastante arrependido sitiante, que, assim, acabou sendo recompensado com o bem pelo mal que fizera.

Chateado, ofereceu ao casal a esperada carona e seguiram, juntos, até Engenheiro Beltrão, deixando o trator do casal para ser consertado depois, por um mecânico que Seu Gancedo traria.

Acontece? Sim, e muito... Por isso que é bom a gente não esquecer esse ditado antigo, mal escrito e mal exemplo porque é cacofônico, mas muito verdadeiro: uma mão lava a outra.

Fonte:
Sinclair Pozza Casemiro. Causos do coração do Paraná (por entre as beiras do Ivaí e do Piquiri…). Campo Mourão: Sisgraf, 2005.

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) V


Obs do blog: O primeiro verso e título de cada poema é do poeta colocado abaixo do título, com a página e livro onde se encontra.
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EU SEI QUE VOAREI, NA IMENSIDADE

João Baptista Coelho, in "Um outro livro de Job", p. 75.

Eu sei que voarei, na imensidade
Do reino da palavra que é magia
Se as brancas asas gráceis da Poesia
Me derem essa pura caridade.

Com alma solta em franca liberdade
Planarei sobre o mar e a maresia
E tudo o que até aqui não entendia
Verei na limpidez de uma verdade.

Nesse dia em que a treva se dilui
Serei mais do que algum dia já fui
Numa grandeza de alma sem ter fim.

E este mundo será meu por completo
Que no imenso infinito eu me projeto
E já não caibo inteiramente em mim.
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MEU IRMÃO, VEM COMIGO VER O MAR


Glória Marreiros, in "Terra de Ninguém", p. 33

Meu irmão, vem comigo ver o mar
Chão e calmo em constante movimento
Berço da vida e fonte de alimento
Com espuma que é renda de um altar.

Esquece a dor de um barco a naufragar
Abandona-te às ondas e ao bom vento
Que o mar é esse líquido elemento
Que os homens trazem de volta à luz do lar,

Mãe de lendas por tantas gerações
Ó mar tu é que irmanas as nações
Nascidas pelos cantos deste mundo.

Reino do céu azul, brumas e medos
Só tu sabes os bens e os segredos
Que guardas no teu seio tão profundo.
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NOS TRISTES OLHOS MAL SUSTENHO O PRANTO

João Xavier de Matos, in "Cem Sonetos Portugueses", p. 50

Nos tristes olhos mal sustenho o pranto
Por ver como é tão pobre e diminuta
A alma que no peito trago enxuta
De trovas que lhe tragam novo canto.

Não tem razão de ser um tal espanto
Que ser pequeno é fado que me enluta
E, aos poucos, vai matando, qual cicuta
Que tomo pela mão do desencanto.

Ser pouco talvez tenha uma virtude
Se a alma o reconhece e não se ilude
Com sonhos de grandeza bem fadada.

No concerto do mundo todos cabem:
Mais vale o que de nós outros não sabem
Do que nós deles não sabermos nada.
****************************************

QUIS O TEMPO QUE NESTE TEMPO ESPERE


Joaquim Sustelo, in "No Silêncio do Tempo", p. 74
Quis o tempo que neste tempo espere
Lento, o correr das horas e dos dias
E o vento vai ditando as profecias
Com que o tempo o meu peito sangra e fere.

Por muito que eu estime e considere
O saber que em teu seio me trazias
Eu noto que também tu me escondias
O limbo que a vil morte nos confere.

Passa em mim sem causar ruína ou dano
Faz do meu ser um templo mais humano
Liberto de dor, mal, culpa ou pecado.

Estarei aqui pronto a receber
A vida que me queiras conceder
Cumprindo humildemente esse meu fado.
****************************************

SINTO O SANGUE GELAR-SE-ME NAS VEIAS


José Barreto, in "Cânticos de Paixão e Outras Cores", p, 24

Sinto o sangue gelar-se-me nas veias
Quando no peito morre uma esperança
Ou se solta um cabelo de uma trança
Onde o ouro brilhava sem ter peias;

E quando a luz que havia nas ideias
Se extingue sem deixar qualquer herança
Que no futuro seja uma lembrança
Dos povos que cantaram epopeias.

E o meu corpo minado pelo frio
Ganha a dureza gélida de um rio
A que os polos dão alma de glaciar.

Sou branca massa de água deslizando
Que sobe um mar de mágoa abominando
Onde eu não sou capaz de me afogar.

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

Sílvio Romero (Melancia e Coco Mole)


(Folclore do Sergipe)

Havia um homem que gostava muito de uma moça e queria casar com ela. Um dia ele foi chamado pras guerras e disse à moça que não casasse com outro, que quando ele voltasse casaria com ela. Para ninguém desconfiar o rapaz tratava a moça por – Melancia – e a moça o tratava por – Coco Mole.

Um dia se despediram muito chorosos e ele partiu para as guerras.

Todo dia aparecia casamento para esta moça, porém ela não queria, com sentido no seu querido. Passados alguns anos e, aparecendo um dia um casamento, o pai da moça decidiu que ela havia de aceitar. Ela fez o gosto do pai, e, quando foi no dia do casamento, o seu namorado chegou das guerras, indagou logo pela moça e soube que ela se casava naquele mesmo dia.

O rapaz ficou muito triste e não quis comer.

Um caboclo, que era pajem dele, perguntou-lhe por que estava tão triste. Sabendo da história, disse-lhe: "Não tem nada, meu amo. Deixe estar que eu arranjo tudo!"

Havia uma árvore no fundo do quintal da casa da moça, onde ela costumava ir conversar com o antigo namorado. O caboclo ensinou ao amo que fosse para debaixo da árvore, que lhe garantia que a moça iria lá ter. Ele fez o que o caboclo recomendou, e este se dirigiu para casa da noiva.

Chegando lá encontrou já todos os convidados, o noivo e a noiva já preparados, só faltando o padre para os casar. O caboclo pediu licença para fazer uma saúde à noiva, chegou-se para junto dela e disse:

"Eu venho lá de tão longe
Corrido de tanta guerra
Melancia, Coco Mole
É chegado nesta terra"

Todos bateram palma e disseram: "Bravo! Caboclo, faça outra saúde". O caboclo retrucou:

"Não há bebida tão boa
Como seja o aluá
Melancia, Coco Mole
Vos espera no lugar

Todos bradaram: "Muito bem! Caboclo!… faça outra saúde!"

O caboclo entusiasmado continuou:

"Moça, que estais tão bonita
Não vos lembrais do passado
Melancia, Como Mole
Vos manda muito recado"

Aí a moça levantou-se e disse que ia beber água. Saiu caladinha pela porta do quintal e foi direitinho à árvore onde ela costumava ir conversar com seu antigo namorado, que era o do peito. Chegando aí, encontrou-o e ao mesmo tempo a um padre que já ali se achava apalavrado para os casar.

Fonte:
Sílvio Romero, Folclore brasileiro; cantos e contos populares do Brasil. RJ: José Olympio, 1954.

domingo, 2 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 336



NOTA DO BLOG:

Ontem não houveram postagens em virtude de ter ficado boa parte do dia sem luz, devido a serviços de manutenção da Companhia Elétrica (COPEL) na região.

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Joubert de Carvalho


Um jornalista de São Paulo, amigo do Aristeu Brandespim (diretor da revista NP), de passagem por Maringá, almoçou conosco e a certa altura indagou: “Onde fica a Rua Joubert de Carvalho? Eu gostaria de fotografá-la”. A pergunta nos deixou surpresos, por dois motivos: primeiro porque não existia aqui nenhuma rua com esse nome; segundo porque de repente nos demos conta do absurdo que era a Câmara Municipal até então não haver prestado tal homenagem ao célebre autor da bela canção xará da cidade. Respondi ao jornalista: “Por enquanto não temos a rua que você procura, mas volte a Maringá no próximo ano, que a teremos”. Brandespim acrescentou: “Assino embaixo. Vamos providenciar”.

Na edição seguinte da revista NP, setembro de 1958, saiu na última página o artigo em que reivindiquei da Câmara a criação da Rua Joubert de Carvalho. Nem precisava gastar muitos argumentos, porque a justificativa era óbvia. Manuel Tavares, n’A Tribuna de Maringá, e Ivens Lagoano Pacheco, no O Jornal, deram total apoio. O vereador Alceu Hauare apresentou o projeto, a aprovação foi unânime, e o prefeito Américo sancionou com as honras devidas.

No dia 21 de abril de 1959, pousou no Aeroporto Gastão Vidigal o avião que trouxe Joubert pela primeira vez a Maringá. Com a presença das personalidades mais representativas da cidade e um grande número de admiradores do famoso compositor, descerrou-se na esquina da antiga Rua Bandeirantes com a Avenida Duque de Caxias, no prédio da Companhia Melhoramentos, a placa de bronze com a indicação: Rua Joubert de Carvalho. Banda, rojões, discursos, aplausos, e aquela multidão cantando em coro: “Maringá, Maringá, / para haver felicidade /é preciso que a saudade / vá bater noutro lugá...”

Várias outras vezes Joubert de Carvalho visitou Maringá. Numa delas para a inauguração do seu busto na praça Raposo Tavares, em frente à antiga estação rodoviária. A história é interessante. No início de 1972, Brandespim e eu estávamos no Rio de Janeiro, telefonamos para Joubert e ele nos convidou para um lanche em seu apartamento, na Rua Paula Freitas, Copacabana. Numa sala onde o compositor tinha seu piano, vimos um busto dele, de bronze, presente de um escultor amigo. Sem pestanejar, sentenciei, em coro com o Brandespim: “Esta bela peça não pode ficar escondida aqui; o lugar dela é numa praça pública em Maringá”.

Joubert sorriu e comentou: “Já até pensei nisso, mas não posso dar uma de oferecido. Se algum dia receber um pedido oficial do prefeito de Maringá, tudo bem”. Pois então, tudo bem. Voltando para casa, procuramos o prefeito Adriano Valente, contamos a história, Adriano achou a ideia ótima e de imediato mandou datilografar o ofício solicitando ao grande músico que doasse o busto à cidade e que aqui viesse para a inauguração. Foi outro momento inesquecível. Com o tempo, a praça foi ficando feia, mas o busto de Joubert continua lá, à espera de que naquele espaço se construa algo à sua altura.

(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 14-5-2020)

Fonte:
texto enviado pelo autor

Li Bai (Poemas Escolhidos)


ACORDANDO EM UM DIA DE PRIMAVERA
Sonhar viver? Viver um sonho?
        Por que se preocupar?
Viver sempre bêbado,
        Dormir o resto do tempo.
É o que faço. Ao acordar
        eu vi um pássaro cantando entre as flores.
Eu perguntei: “Que dia é hoje?”
        “Primavera”, responderam.
“O currupião canta”. Eu suspirei.
        Aquele canto me tocava.
Eu me servi um copo
        e cantei esperando
        que a lua aparecesse.
No fim de minha canção,
        estava tudo esquecido.
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ADEUS A MENG HAORAN


A oeste do pavilhão da Grua amarela,
          Despedimo-nos, velho amigo.
Entre as flores e a bruma de março
          desces rumo à aldeia de Yang.
A vaga silhueta de tua solitária vela
          desaparece no espaço esmeralda,
E só resta o Grande Rio
          Que corre para o infinito do céu.
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BEBENDO SOZINHO SOB O LUAR


Entre as flores
         um jarro de vinho
        bebo sozinho
Ergo o copo,
        convido a lua,
Com minha sombra e eu
        já somos três.
Mesmo que a lua
         não saiba beber
e que minha sombra
         em vão me acompanhe,
eu me alegro
          festejando a primavera
          neste instante.
Eu canto,
        a lua me acompanha.
Eu danço,
        e minha sombra tropeça,
        e me estende o braço.
Ainda sóbrio,
         que a festa prossiga!
Bêbados,
        cada segue seu caminho!
Ligados para sempre
        simples amigos,
na Via-Láctea,
         Um ao outro,
Nos esperaremos.
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DIÁLOGO SOBRE A MONTANHA


Há quem me pergunte
         por que eu vivo
         nestas verdes colinas,
sem responder, eu sorrio,
        com o coração sereno:
flores de pessegueiro
         flutuam na água:
tudo vai embora e se apaga.
        Aqui é outra, a terra.
e outro, o céu.
        Nada em comum
com o mundo dos humanos
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NA CASA DA SENHORA XUN


Hospedo-me
         ao pé da montanha dos Cinco Pinheiros.
Profunda solidão
          e nada para me alegrar...
Rude é o trabalho
         dos camponeses
         no outono.
Ouço a mulher
            da fazenda vizinha
            socar o trigo
           no frio da noite.
A mulher que me hospeda se ajoelha
          para me oferecer
          um prato suculento
          de arroz.
A comida no prato
          brilha como pérolas
          sob a lua.
Perturbado,
          eu me lembro daquela lavadeira
          que ofereceu à sua visita
         um prato de arroz.
Agradeço três vezes,
           mas não consigo
engolir um só bocado.
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PENSAMENTOS


Diante de minha janela
        O brilho do luar.
Ou é a geada
         cintilando no chão?

Levanto a cabeça
        E contemplo a lua.
Baixo a cabeça -
        Saudades de minha terra natal!
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VISITA AO MONGE TAOÍSTA

Os latidos do cão se perdem
         no barulho da água
         depois da chuva,
A flor do pessegueiro
         se cobre de orvalho.
No fundo da floresta
         vez em quando
        um cervo.
Perto da torrente,
        ao meio dia,
        nenhum bater de sino.
A ponta fina dos bambus perfuram
        a névoa azulada
A cascada se agarra
        ao pico esmeralda
Ninguém sabe dizer
        onde ele foi,
E eu aqui, triste
        apoiado
ao tronco do pinheiro.

Fonte:
Sérgio Capparelli e Sun Yuqi

Aparecido Raimundo de Souza (Rubem Fonseca em Xeque)


A imensa arte de um grande escritor que só faz arte

NOTA DO ENTREVISTADOR: A reportagem abaixo, foi realizada em 2018, pouco antes de Rubem Fonseca lançar seu último livro, CARNE CRUA (na Livraria Travessa, na Visconde de Pirajá, em Ipanema), livro onde reuniu 26 crônicas curtas e  inéditas. Infelizmente, o escritor  veio à óbito, episódio que ocorreu em 15 de abril deste ano de 2020. Rubem Fonseca faleceu no Hospital Samaritano, aos 94 anos, após sofrer um infarto fulminante. Quando de nossa entrevista, em sua residência, fez questão de nos presentear com um de seus livros A Coleira do cão, lembrança que guardamos com muito carinho em nossa biblioteca pessoal. Descanse em paz, meu amigo.
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Estou aqui no Rio de Janeiro, ou mais precisamente na rua General Urquiza, no Leblon, tomando um delicioso café no apartamento de um cara que escreveu vários livros, entre eles, Coleira do cão, Feliz Ano Novo, Agosto, O Cobrador,  O Caso Morel, A Grande Arte, Vasta Emoções, O Selvagem da ópera, Diário de um Fescenino, O Doente Molière,  e outros mais. Ao todo, 30 títulos. Falo desse personagem mundialmente conhecido nas nossas letras, não só na esfera  nacional, como, igualmente, na internacional.

Não é outro o nosso entrevistado de hoje, senão o meu amigo JOSÉ RUBEM FONSECA, ou simplesmente RUBEM FONSECA. Mineiro de Juiz de Fora, nas Minas Gerais, onde nasceu aos 11 de maio de 1925. Rubem Fonseca é contista, romancista, ensaísta e roteirista brasileiro. Viúvo de Thea Maud, falecida em 1997 e pai de três filhos, Maria Beatriz, José Alberto e José Henrique Fonseca (este último, cineasta). Não podemos nos esquecer também dos seus cinco netinhos.

Aparecido: Vamos começar pelo final. Que prêmios o senhor ganhou como escritor:
Rubem: Aparecido, foram tantos. Vamos ver se me lembro de  alguns. Ganhei o Jabuti em 1970, 1984, e 1993. Antes o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1979 e 2000. Em 2003 ganhei o Prêmio Camões, depois o Prêmio da Casa de Las Américas, em 2005, o Prêmio da ABL de Ficção, Romance, Teatro e Conto em 2007 e o Machado de Assis em 2015.

Aparecido: Além de exercer as funções que enumerei acima, o senhor teve alguma formação profissional?

Rubem: Sim. Me formei em direito na Faculdade Nacional de Direito, hoje UFRJ.

Aparecido: Chegou a exercer a profissão?

Rubem: Por pouco tempo. Meus colegas de faculdade e depois, no cotidiano do dia a dia viviam dizendo, melhor dizendo, viviam me criticando que como advogado eu era um excelente escritor. (Risos)

Aparecido: O senhor também fez uma rápida incursão pela polícia aqui do Rio de Janeiro. Procede essa informação?

Rubem: Perfeitamente. Em 1952, trabalhei como comissário de polícia prestando serviços no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão.

Aparecido: Não gosto de fazer esse tipo de pergunta. Acho meio piegas, peço, todavia ao senhor que me perdoe. Qual foi seu primeiro livro?

Rubem: Nada a desculpar, Aparecido. Fique a vontade para perguntar o que quiser. Eu é que agradeço por saber que seu público leitor tem interesse em conhecer mais acentuadamente um pouco a meu respeito e a respeito do meu trabalho.  Meu livro de estreia foi um livro de contos, ao qual dei o nome de Os prisioneiros. Saiu em 1963.

Aparecido: Como escritor, o senhor deve ter a sua preferência por este ou por aquele autor.  Estou vendo aqui que a sua biblioteca é  imensa e bastante diversificada. Poderia enumerar alguns autores que já leu?
Rubem: Com toda certeza. Tirando os clássicos, como Jorge Amado,  José Lins do Rego, Machado de Assis,  Érico Veríssimo, eu tive o prazer de ler Nélida Piñon, todos, Ferreira Gullar, todos, Ariano Suassuna, todos, Luiz Fernando Veríssimo, alguns, Lya Luft, alguns, Moacyr Scliar, todos, Mailson Furtado e Carol Bensimon. Infelizmente a literatura brasileira não é vista com bons olhos. Não é bem difundida. Temos uma gama muito grande de escritores ótimos e gabaritados, mas o brasileiro por natureza tacanha, não gosta de ler. Ele não foi educado para isso. Em paralelo, as grandes editoras não prestigiam os escritores como deveriam, notadamente os que estão chegando agora. Apenas uma meia dúzia sobrevive de direitos autorais.

Aparecido: O senhor falou que as grandes editoras não prestigiam os escritores, notadamente os que estão chegando agora. A que o senhor atribui esse descaso?

Rubem: As grandes empresas editoriais que estão no mercado dão mais valor aos “empacotados”, e seus forasteiros, quando deveriam  se debruçar aos talentos que surgem a cada dia e que, por carência de um olhar mais acentuado, acabam se perdendo no obscuro do anonimato.

Aparecido: O que seria para o senhor os “empacotados”?

Rubem: (Risos) “Empacotados”, Aparecido, são todos os autores estrangeiros, ou seja, os não nascidos no Brasil, mas que vivem aqui, no meio de nós. Perceba. Faço referência aquelas figuras que surgiram do nada, talvez nem saibam para que lado fica o Brasil e, apesar disso, infestam as estantes de nossas livrarias  como  se fossem piolhos em cabecinhas de crianças. A exemplo eu traria à baila Ben Sherwood, Andressa Urach, Jojo Moyes, Nicholas Sparks, E. L. James, Zoé Valdés,  S. J. Watson, Stephenie Meyer, L. J. Smith, etc., etc. Com isso, autores emergentes deixam de prosperar e ter seu destaque à luz do sol.

Aparecido: Alguns críticos consideram seus escritos pornográficos. O senhor é um escritor que descamba para esse lado considerado para muitos, ou por muitos  como se fosse um autor obsceno?

Rubem: Sou literalmente devasso, sem ser expressamente deplorável.

Aparecido: Me fale um pouco de seu romance Bufo Spallanzani. Faço referência a ele, por três motivos distintos. a) Foi o livro que mais edições ganhou desde que o senhor o publicou; b) acabou virando um longa metragem e  c) porque a mim, me pareceu retratar, ainda que indiretamente, um pouco da sua vida. O personagem central é um escritor, vive da literatura,  contudo, de repente...

Rubem: Esse romance é um conto repleto de citações de e sobre outros autores e livros, além de muitas digressões sobre a arte de escrever narrativas. O personagem central, Ivan Canabrava narra acontecimentos de sua vida em flashback, ora aos leitores, ora a Minolta, sua namoradinha adolescente, amiga, amante e confidente. Várias histórias se entrelaçam, se misturam, se abraçam e se completam. Dividi a trama em cinco longas partes: 1) Foutre ton encrier, 2) Meu passado negro, 3) O relógio do Pico do Gavião, 4) A prostituta das provas e 5) A maldição. Na verdade, Aparecido são episódios da vida do narrador. Depois de se ocultar em uma casa, com uma menina adolescente, durante dez anos, o personagem Ivan descobre o amor e a literatura e se torna um escritor famoso. Durante esse tempo ele assumiu uma  nova identidade e, até mesmo fisicamente, se  tornou um homem diferente. Seu grande êxito, como autor consagrado, permite que leve uma  vida confortável. E a certeza de que não serão descobertas as suas imposturas e  os seus terríveis mistérios. Enfim tudo isso lhe dá a necessária tranquilidade para escrever seus livros. Até o dia em que a milionária Delfina Delamare aparece morta em seu carro. No porta–luvas do automóvel da mulher assassinada, um policial curioso encontra um livro de Gustavo com a dedicatória: “Para Delfina, que sabe que a poesia é uma ciência tão exata  quanto a geometria”. Para surpresa e horror de  Gustavo, esse policial começa a suspeitar dele.  O marido da morta, supondo que o escritor fosse amante dela, lhe faz uma série de ameaças. É isso. Se eu falar mais, estaria tirando a virgindade contida no romance sem me desfazer da calcinha que o reveste.  (Risos).

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Texto de Rubem Fonseca do livro “Histórias Curtas”

A LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL.

Decidi que iria lutar contra essa falsa noção de que existem raças superiores. Os defensores dessa ideia acreditam que ela é uma teoria científica comprovada. Essa crença tem sido usada para toda sorte de barbaridades, escravidão, exclusão, carnificinas. Mas o que eu podia fazer? Pensei em comprar uma metralhadora para matar racista, mas não sabia onde comprar uma metralhadora. Pensei em uma porção de coisas tolas e insensatas, mas afinal tive uma boa ideia: pichar as paredes da cidade com a frase ABAIXO O RACISMO.

Fonte:
Texto enviado pelo jornalista Aparecido Raimundo de Souza (Vila Velha/ES)