sexta-feira, 10 de junho de 2022

Luiz Gonzaga da Silva (Trova e Cidadania) – 25


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PROGRESSO
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O progresso é desejável, sem dúvida, mas qual é o progresso que queremos? O progresso das coisas materiais apenas? O crescimento a qualquer custo? Crescer sem se preocupar com o sofrimento humano é apenas crescimento em si, e certamente não é progresso, é egoísmo e desarmonia.

O progresso traz mudanças,
cria fábricas e usinas,
mas se esquece das crianças
que dormem pelas esquinas!
Gerson César Souza
São Mateus do Sul/PR

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O progresso é necessário
ao bem-estar do país,
mas, que não faça o contrário
tornando o ser infeliz,
lalmar Pio Schneider
Porto Alegre/RS

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Homem!... é afoito o seu passo
e um paradoxo consome:
rompe limites no espaço
enquanto a terra tem fome...
Pedro Melo
União da Vitória/PR

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Mostrarão progressos falsos,
as cidades adiantadas,
enquanto houver pés descalços
em suas ruas calçadas.
José Fabiano
Belo Horizonte/MG

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Todo o "progresso", hoje em dia,
entra por todas as frestas...
Destrói a paz, a poesia,
mata o canto das florestas!
Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP


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TOLERÂNCIA
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A tolerância é uma das formas do exercício da cidadania. É preciso tolerar as diferenças. São justamente as diferenças que tornam o mundo e as relações humanas mais interessantes. O seu contrário, a intolerância, está relacionada com o preconceito. Evitar o preconceito é sermos tolerantes com as diferenças. A imagem poética do Príncipe dos trovadores brasileiros diz tudo:

O mar nos deu a receita
de um viver sábio, fecundo:
sendo salgado ele aceita
as águas doces do mundo!
Luiz Otávio
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP
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Ao ver a diversidade
entre as cores raciais,
o sol clamando igualdade,
fez nossas sombras iguais.
Cesário Brandi Filho
Juiz de Fora/MG
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Na opinião divergente,
respeito é considerar
que quem pensa diferente
também merece pensar!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG
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A verdade redentora
ante a farsa do vilão,
é chama iluminadora
dissipando a escuridão.
Pedro Grilo
Natal/RN
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Uma verdade é verdade
antes de ser proferida,
e sempre em qualquer idade,
ela deve ser mantida.
Nadir Nogueira Giovanelli
São José dos Campos/SP
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Às vezes o poeta põe em relevo o contraste entre a verdade e a mentira:

A verdade anda tão rara
que a mentira, ultimamente,
já nem sequer se mascara
para enganar tanta gente!
João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012
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Como é engraçada a vida
que de contraste se tece:
a Verdade anda escondida,
a Mentira é que aparece.
Ascendino Almeida
Catolé do Rocha/PB, 1916 – 1989, Natal/RN
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VIOLÊNCIA
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Segundo a OMS violência é: O uso intencional da força físico ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou que tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

A violência sempre esteve presente nas sociedades, às vezes de forma velada e muitas vezes de forma explícita. Em certas ocasiões assumem um caráter excepcionalmente preocupante. Atualmente ela se encontra em casa, na família, nas ruas, nas escolas, nas empresas, nas instituições e nos meios de comunicação. A violência inclui a falta de cidadania, a perda da solidariedade, a desvalorização do outro.


Neste mundo onde se enfrenta
os desafios terrenos,
a violência tanto aumenta
que torna os homens pequenos.
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ
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O mundo de hoje nos deixa
na terrível contingência
de ver aumentar a queixo
da escalada da violência...
Harley Clóvis Stocchero
Almirante Tamandaré/PR, 1926 – 2005
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Acabando a violência
ter-se-á fraternidade
e não haverá carência
de amor e felicidade.
Amasilde Rehwagen
Divinópolis/MG
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A violência não é somente aquela que resulta em sangue, É também a que resulta em privação. A violência institucional, embora não resulte, em geral, diretamente em agressão física, pode até ser mais cruel por atingir toda uma coletividade. A opressão, a exclusão de pessoas ou grupos, o desemprego, a não distribuição da riqueza constituem formas de violência. Por exemplo, a violência da fome:

As cruzes que vês, juncadas
em tantas plagas sem nome,
em geral são motivadas
pela violência da fome.
Aloísio Bezerra
Massapê/CE, 1925 – ????, Fortaleza/CE
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A tristeza me consome
diante desta crueldade!
A violência da fome
dizimando a humanidade.
Reinaldo Aguiar
Natal/RN, 1921 – 2010
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Hoje a fome encontra abrigo
nos campos de plantação...
Violência é plantar o trigo
e não ter direito ao pão.
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

Fonte:
Luiz Gonzaga da Silva (org.). Trova e Cidadania. Natal/RN, abril de 2019.
Livro enviado pelo autor.

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Daniel Maurício (Poética) 32

 

Carlos Leite Ribeiro (O cigarro!)

Maldito cigarro! Odeio-te!

Este descarado até parece que está a gozar comigo... descarado!...

Tu bem sabes que és imundo; és porco, és mal-cheiroso - és nauseabundo!

Olha lá, cigarro: por acaso sabes a quantos milhões de pessoas já fizeste mal? E continuas a fazer?...

Pois tu és um maldito!

E continuas impávido e sereno a prejudicar as pessoas. És cruel, impiedoso e asqueroso...

Eu, podia destruir-te neste momento - mas não o faço, pois, quero ver-te arder, destruindo-te como tu fazes aos teus apreciadores e a quem tem o desprivilégio de ter que de conviver com eles!

Ah, lembrei-me agora de uma frase que já ouvi a alguns anos:

"Se Deus tivesse dimensionado o Homem para ser fumador, teria colocado na cabeça uma chaminé!"

Tu, cigarro, és um vaidoso, um pedante.

Passas a vida nos lábios de qualquer um, mas sempre, sempre a fazeres mal!

Tens uma vida sem glória, pois, ao fim de seres consumido, não és mais do que um monte de cinzas, e ninguém se lembrará mais de ti.

A tua vida é efêmera, mas durante o teu curto reinado, podes provocar milhares de cancros.
 
Tu, cigarro, és um destruidor, um sádico, um paranoico: sinto-me nauseado com o teu sabor e com o teu cheiro.

Por isso vou dar-te o fim mais digno de ti:

"VOU ESMAGAR-TE DEBAIXO DOS MEUS PÉS!!!"

Mário Quintana em Prosa e Verso – 22 -

 
A PRIMEIRA AVENTURA

O corpo se desfez na terra:
o sopro que Deus lhe dera
está livre como o vento.

Nunca pensou que pudesse
andar por tantas lonjuras
como anda o pensamento.

Mas não era de turismos...

Voltou, ficou por ali...
leu o resto de uma página
que deixara interrompida...

Sentou no topo da escada.
Sentou à beira da estrada.
Morte — que grande estopada!

Até que um Anjo Glorioso
passou
olhou
não viu nada

...um anjo tão esplendente
que a própria luz o cegava!
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CANÇÃO

Cheguei a concha da orelha
à concha do caracol.

Escutei
vozes amadas
que eu julgava
eternamente perdidas.

Uma havia
que dentre as outras mais graves
tão clara e alta se erguia...

que eu custei mas descobri
que era a minha própria voz:
sessenta anos havia
ou mais
que ali estava encerrada.

Meu Deus, as coisas que ela dizia!
as coisas que perguntava!

Eu deixei-as sem resposta.
As outras vozes, mais graves,
tampouco
nenhuma lhe respondia.

O mundo é um búzio oco,
menino...

Mundo de vozes perdidas
e onde apenas o eco
eternamente
repete as mesmas perguntas.
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INTERROGAÇÕES

Nenhuma pergunta demanda resposta.
Cada verso é uma pergunta do poeta.
E as estrelas...
as flores...
o mundo...
são perguntas de Deus.
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LUNAR

As casas cerraram seus milhares de pálpebras.
As ruas pouco a pouco deixaram de andar.
Só a lua multiplicou-se em todos os poços e poças.
Tudo está sob a encantação lunar...

E que importa se uns nossos artefatos
lá conseguiram afinal chegar?
Fiquem armando os sábios seus bodoques:
a própria lua tem sua usina de luar...

E mesmo o cão que está ladrando agora
é mais humano do que todas as máquinas.
Sinto-me artificial com esta esferográfica.

Não tanto... Alguém me há de ler com um meio-sorriso
cúmplice... Deixo pena e papel... E, num feitiço antigo,
à luz da lua inteiramente me luarizo…
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O ADOLESCENTE

A vida é tão bela que chega a dar medo,

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova...
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!
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O AUTORRETRATO

No retrato que me faço
— traço a traço —
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
— pouco a pouco —
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
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RITMO

Na porta
a varredeira varre o cisco
varre o cisco
varre o cisco

Na pia
a menininha escova os dentes
escova os dentes
escova os dentes

No arroio
a lavadeira bate roupa
bate roupa
bate roupa

até que enfim
se desenrola
toda a corda

e o mundo gira imóvel como um pião!

Fonte:
Mário Quintana. Apontamentos de história sobrenatural. 1976.

Jaqueline Machado (Matilda, a menina que foi salva pelos livros)

Matilda era igual a qualquer outra criança do seu tamanho e, ao mesmo tempo, diferente. Tinha um semblante comum, mas sua alma era de anjo. Seus pais eram ligados às futilidades da vida, e não repararam na filha, que desde cedo (precocemente), se apegou aos livros. Enquanto os pais, junto do irmão da menina só pensavam em assistir os mais inúteis programas de televisão, comer porcaria e comprar supérfluos, a doce Matilda, no auge de sua primeira infância, já tinha o conhecimento de tais obras: O velho e o Mar de Ernest Hemingway, Orgulho e Preconceito de Jane Austen, A revolução dos bichos de George Orwell, Moby Dick de  Herman Melville,  entre outros.
 
Em virtude disso, ela teve de aprender a se cuidar sozinha, pois ninguém ligava para aquela garotinha que desde os primeiros passos já era renegada justamente por aqueles que mais lhe deviam cuidados e amor. Com o passar do tempo seus pais passaram a repelir irremediavelmente da visão de mundo da filha, que muito se distanciava da realidade familiar em que vivia. Como se não bastasse as tristezas vividas em casa, ao conhecer a escola, teve de enfrentar diversos maus tratos de uma insensível e amargurada diretora. Mas nem tudo estava perdido para a pequena Matilda. Sua professora era boa e por ela perdeu-se de encantos e decidiu adotá-la.

A adoção foi um alívio para a família biológica, que tinha a menina em seu meio como um verdadeiro fardo.

Junto à nova mãe, a garotinha pode, enfim, ser feliz. Essa história foi criada por Roald Dahl. A mensagem contida nessa historinha me fez refletir sobre duas questões diferentes. Primeiramente refleti muito sobre o pesado fardo das pessoas que nascem para seguirem um caminho diferente do considerado normal nos meios onde a ignorância é predominante em nossa sociedade. E a educação é deixada de lado.
 
Também refleti sobre o fato de que os pais vivem a requisitar o respeito dos filhos. Afinal, crianças e adolescentes têm o costume de se prevalecer facilmente dos mais velhos, pois são rebeldes, tirânicos.

Não há sombra de dúvida que os mais jovens devem respeitar – e muito – os mais velhos. Sobretudo, seus pais e avós. O problema é que poucos, quase ninguém na sociedade  costuma lembrar o quanto é importante os pais respeitarem suas crianças e jovens. Pois a maldade dos adultos é infinitamente superior a da garotada.

Além do mais, nada temo em dizer: pais que renegam, ferem e ultrajam seus filhos ou beneficiam mais a um do que a outro,  assim como acontece na obra literária: Matilda, em que a personagem principal, por possuir uma conduta um pouco diferenciada da conduta da família era renegada, e por isso precisou se educar sozinha, não merecem a dádiva de terem filhos.

Esta fantástica obra de Roald Dahl, sugere, que pais e mães não têm como missão a ditadura. Os pais têm como missão, sim, a arte da pedagogia. Portanto, devem agir como verdadeiros professores formadores de almas. Formadores de seres humanos bons.

O mundo está repleto de seres adultos totalmente infantis e de crianças sabiamente adultas.  Por isso, papais e mamães, amem seus filhos. Pois, amor, admiração e respeito não se impõem, se conquista.  
 
Fonte:
Texto enviado pela autora.

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Varal de Trovas n. 561

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 54

Nuances de uma tarde de maio: sol, vento, arco-íris, sino dos ventos ensandecido, chuva, melancolia, inspiração ausente, cavacos de neve, gargalhadas, sabiá faminto, versos em debandada, sorrisos, ora céu, ora nuvens, lampejos quase fagulhas, sombras nos caminhos. Outono perfeito.

Noite alta. Madrugada. Acolchoados com penas de ganso. Cobertores. Sacodem as galharias. Aves desassossegadas. Ventos fartos, ventos fortes açoitando os ninhos. Verbalizam vociferando. Lamúrias nos ares, cantigas nos beirais, ventoinhas ventantes. Há lamentos, há tormentos. "Noite dos ventos, noite dos mortos", verdade, Ana Terra?

Alvorecer. Nada alvo. Ventos a trabalhar, ventos atrapalhos. Frio. Primeiros pios. Pássaros no arredio. Sombras na manhã cinzenta. As cores da vida, como são?

Cães dormem. As achas crepitam, fumacinha nos chaminés. Pinhões na chapa. Café no bule.
Novo dia.

Bulício ali fora. "Sempre o vento".

Tristíssima invernia.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XXXI

A superação do entrave
ao longo da trajetória,
pode ser a peça-chave
na lapidação da história.
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Benditas terras tratadas
com carinho sem medida,
colhemos paz, se plantadas
nelas, sementes de vida.
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Como é belo o Rio Grande,
tão verdejante e florido!
Terra, aonde a vida se expande,
na alma de um povo aguerrido.
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Deito à noite, mas não durmo,
sem antes a Deus orar,
pra que o remanso noturno
possa as forças restaurar.
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Despertai nas lideranças,
ó Senhor, o dom de dar,
e mais forças e esperanças
aos que cansaram de amar!
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É nos porões da existência
e à sombra da obscuridade,
que adormece com frequência
depauperada, a saudade.
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Envolto em grande tumulto
alguém chora num espanto,
transforma em mal insepulto
toda a dor vertida em pranto!
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Feliz o caminhoneiro
que à cautela não desiste,
de buscar o dia inteiro
o sonho que nele existe.
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Mais uma vez eu vos peço,
ó Senhor, Pai de bondade,
derramai, mesmo em excesso,
bênçãos sobre a humanidade.
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Nada exista que te aduzas
à uma pedra à vida obstar,
mas em teu porvir produzas,
frutos de amor, bem-estar.
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Não chores, quando na vida,
só com pedras, defrontares,
planta uma flor, que florida,
ornas a estrada ao passares.
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Não seja a noite culpada
pela existência das trevas,
mas por estar apagada
a luz da vida que levas.
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Nas férteis margens do Nilo
a plantação vicejava,
deixava o povo tranquilo
pelos frutos que gerava.
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Nenhum espinho te impeça
de levar-te a caminhar
e enquanto a vida não cessa
Deus possa te acompanhar.
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Nunca chore, ó motorista,
se a pista estiver ruim!
Melhor assim, não desista.
que ser boa e ver seu fim!
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Nunca desistas da luta
mesmo que seja renhida,
lapida a tua conduta
com os valores da vida.
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Nunca ignores tua estrada
procura sempre acertar,
pra não percorrer a errada
pensando na certa estar.
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Quem parte leva consigo
bem mais que a felicidade,
talvez o abraço do amigo,
sob a forma de amizade.
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Quem se ancora no mediano,
sem buscar algo melhor,
não merece amparo humano,
nem de alguém o seu suor.
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Sendo o sol a grande fonte
a extravasar seu fulgor,
não condene um alto monte
por lhe ofuscar o esplendor.
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Tão depressa o tempo passa
e eu tento apertar o passo,
a sombra se torna escassa
com o aumento do cansaço.
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Tão perto da eternidade
na vida, nos encontramos,
basta uma fatalidade
e, por sua porta, entramos.
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Toda a demora, pra mim,
é um motivo de tensões,
parece não mais ter fim
a espera por soluções.
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Todo o malfeitor estuda
uma forma de enganar,
troca de escola e não muda
a estratégia de estudar.
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Um abraço, com ternura,
dado a quem é sofredor,
pode até não dar-lhe a cura,
mas acalma, sim, a dor.
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Um semblante sorridente,
sobre a vida a paz semeia,
sabe plantar no presente
o que o seu futuro anseia.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

A. A. de Assis (Maringá gota a gota) Dirceu Galdino

Faz bastante tempo o Dr. Dirceu Galdino Cardin e eu cultivamos um hábito que para mim é uma grande honra e é sempre uma oportunidade para aprender algo precioso: mais ou menos uma vez por mês almoçamos juntos em algum lugar para pôr a prosa (e os versos) em dia.

Ele é um dos advogados mais brilhantes e conceituados de Maringá, porém a conversa não entra na esfera jurídica. Nossa afinidade, que vem de longe, é de amigo para amigo, poeta para poeta. Falamos de literatura, questões de linguagem, filosofia, história, coisas assim.

Por conta da pandemia, tivemos que suspender por quase dois anos esse bom costume. Voltamos a nos reunir no início de maio. Na pauta um tema fascinante: o verbo “ser” (em latim o verbo “esse”). Sum, es, est, sumus, estis, sunt. Dirceu lembrou o que disse Deus a Moisés num dos momentos mais bonitos da Bíblia: – “Ego sum qui sum” (Eu sou aquele que sou), Veja a importância de tão pequenino verbo: “Ego sum” (Eu sou) é o nome de Deus.

A partir daí a conversa esticou-se por mais de uma hora. As velhas aulas de latim do antigo ginásio ajudaram bastante.

De “esse” temos “ens, entis” (o ser, o ente). Temos também “essência”. “Ser” é a essência de tudo aquilo que existe. Deus é o Ente por excelência, o Ser supremo. Deus é a essência da Vida. Deus é aquele que É. Deus é a Vida.

Nós, seres humanos, existimos porque somos, ou seja, porque recebemos de Deus o sopro da vida, ao qual chamamos de alma, espírito (em latim “anima”, “spiritu”; em grego “pneuma”).

Dirceu fez uma explanação sobre a diferença entre alma e espírito, mas não consigo reproduzir aqui. Pela complexidade, exigiria algum tempo e maior espaço. Em seguida, enquanto esperávamos o cafezinho, entramos em outros assuntos. Fico empolgado com o empolgamento dele ao falar de pássaros. Sabe da vida e da história de todos, do gaturamo ao sabiá-laranjeira, e identifica as modalidades de canto de cada um.

Entende também de árvores, flores, borboletas. Sua intimidade com a natureza é comovente. Parece um São Francisco de Assis.

Não é sem razão que escreve poesia tão bonita.

Como é super-respeitado no campo do direito, e devido à intensa movimentação do seu escritório, pouco tempo lhe sobra para a atividade literária. No entanto é um ótimo escritor, em prosa e verso. Tem dezenas de livros publicados e outros tantos a caminho. Escreve não apenas sobre temas jurídicos, mas também, e muito bem, sobre filosofia, política, economia. O que mais gosto, porém, é de ler os seus poemas curtinhos, à moda de haicais. Com o mínimo de palavras ele consegue dizer coisas primorosamente lindas, além de sábias.

Qualquer hora dessas a gente vai se encontrar de novo para comer um macarrãozinho por aí. Tenho certeza de que o papo, como de costume, será o melhor tempero da refeição.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 26-5-2022)

Fonte:
Texto enviado pelo autor

terça-feira, 7 de junho de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 6

 

Hans Christian Andersen (O Porco de bronze)


Na cidade de Florença, não muito longe da Piazza del Granduca, fica uma pequena travessa. Creio que lhe dão o nome de Porta Rosa. Ali, em uma espécie de mercado de verduras, está um porco de bronze, artisticamente trabalhado. Escorre-lhe da boca um fio de água clara e fresca, e o animal, com a idade, foi tomando uma cor negra. Só o focinho brilha ainda, como se fosse polido, e de fato o é: centenas de crianças e de lazzaroni (mendigos) o seguram com as mãos, enquanto unem a boca ao focinho do animal, para beber. E é um quadro realmente belo o que apresenta aquele animal tão talhado, abraçado por um bonito menino seminu, que lhe roça pelo focinho os lábios frescos.

Quem visita Florença encontra facilmente aquele sítio. Basta perguntar a qualquer mendigo onde fica o porco de bronze e achá-lo-á logo.

Era à boca da noite, já no fim do inverno. Estavam as montanhas cobertas de neve, mas havia luar; e a luz do luar italiano vale tanto ou mais que a de um dia nublado do inverno setentrional. Lá o ar cintila e nos eleva da terra, ao passo que na Norte a fria coberta de cinza que pesa sobre nós, aperta-nos contra a terra fria e úmida, que um dia há de pesar também sobre o nosso caixão.

No jardim do castelo do grão-duque estivera sentado o dia inteiro um menininho todo esfarrapado; bem podia ele servir de símbolo da Itália: bonito, sorridente , e contudo sofria. Tinha fome e sede, mas ninguém lhe dava esmola; e ao escurecer, à hora de fechar o jardim o porteiro enxotou-o. Ficou ele muito tempo parado, absorto em cismas, na ponte que atravessava o Arno, olhando para as estrelas que cintilavam na água , aquém da suntuosa Ponte Della Trinità.

Dali seguiu o caminho que vai dar ao porco de bronze. Meio ajoelhado, cingiu-lhe o pescoço com os braços e, encostando a boca no focinho reluzente, bebeu a grandes sorvos  a água fresca. Ao pé estavam algumas folhas de alface e castanhas: era seu jantar. Além dele não havia ninguém na rua: pertencia-lhe toda, portanto. Confiante o menino sentou-se nas costas do porco, curvou-se para a frente, descansando a cabeça crespa sobre  a  do animal. E, sem dar tino do que fazia, adormeceu.

Era agora meia-noite. O porco de bronze mexeu-se. O menino ouviu distintamente estas palavras:

- Agora, menininho, segura-te bem, porque vou correr!

E lá se foi o porco correndo, com ele às costas. Foi um passeio maravilhoso! Primeiramente chegaram à Piazza del Granduca, e o cavalo de bronze, que a estátua do duque cavalga, relinchou fortemente. Os brasões multicores da antiga Casa Do Conselho Municipal pareciam quadros transparentes. O David de Miguel Angelo brandia a funda. E havia estranha agitação. Os grupos de bronze que representam Perseu e o Rapto das Sabinas pareciam vivos: erguia-se deles um brado de medo mortal, que ecoava por toda a praça.

Junto ao Palazzo degli Uffizi, sob as arcadas, onde a aristocracia costuma reunir-se para os divertimentos carnavalescos, o porco de bronze estacou. Depois, disse ao menino:

- Segura-te bem! Segura-te bem, pois vamos subir a escada!

E o menino, meio assustado, meio alegre, nada dizia.

Entraram em uma extensa galeria, onde ele já estivera, cujas paredes estavam cheias de pinturas. Ali se viam bustos e estátuas, banhadas em uma luz esplêndida, como a luz do claro dia. Mas o mais lindo foi quando se abriu a porta de uma das salas laterais.O menino já conhecia toda a magnificência que ali reinava, mas nessa noite via as coisas no auge do esplendor.

Ali estava, de pé, uma bela mulher sem vestes, tão bela como a natureza e o maior dos mestres da escultura a poderiam plasmar. Aos seus suaves movimentos, delfins saltitantes cercavam-lhe os pés; nos seus olhos fulgia a imortalidade. O mundo chama-a Vênus de Médici. Aos seus lados, estavam estátuas de mármore inteiramente impregnados da vida do espírito. Eram homens nus, maravilhosos; um deles afiava a espada e chamam-no de o Afiador; os gladiadores em luta formavam  outro grupo. E aquela espada  que se afiava, e aquela luta que se tratava - era tudo pela deusa da beleza.

Tanto esplendor deslumbrou o menino. As paredes resplandeciam de tantas cores. Tudo ali era vida e movimento. Mas nenhum dos quadros ousou sair inteiramente da moldura. A própria deusa da beleza, os gladiadores e o afiador permaneciam nos seus lugares, imobilizados pela glória irradiada da Madona, de Jesus e de São João. As imagens dos santos já não eram mais imagens: eram os próprios santos.

Que esplendor e que beleza, de sala em sala! O menino tudo contemplava, pois o porco de bronze ia andando passo a passo, através de toda aquela magnífica pompa. Uma visão substituía outra visão. Mas um único quadro gravou-se profundamente na alma do menino, e isso sobretudo por causa das crianças alegre e felizes que nele apareciam.

É possível que muita gente passe por aquele quadro sem lhe prestar atenção. E contudo, encerra ele um tesouro de poesia: representa Cristo, que desceu ao limbo. Aqueles que o rodeiam não são os condenados, mas os pagãos. Pintou-o florentino Angiolo Bronzino. O que nele aparece de mais belo é a expressão da fisionomia das crianças; a confiança plena de que entrarão no céu. Duas meninas já se abraçaram; um menino estende a mão a outro, que está mais abaixo, apontando com o dedo para si mesmo, como se dissesse: "Eu entrarei no céu!" Os mais velhos mostram uma atitude de incerteza; esperam e curvam-se diante  do Salvador em humilde adoração.

O olhar do menino fixou-se naquele quadro mais tempo do que nos outros. O porco de bronze permanecia imóvel. Ouviu-se então um leve suspiro. Vinha do quadro, ou saíra do peito do animal? O menino ergue as mãos para aquelas crianças risonhas; mas nesse momento o animal levou-o, a correr, para o vestíbulo aberto.

- Muito agradecido! Abençoado sejas, maravilhoso animal! - disse o menino, acariciando o porco de bronze que, com ele às costas, ia pela escada abaixo.

- Abençoado sejas tu! - respondeu o porco. - Prestei-te um serviço e tu me fizeste outro, pois é somente com uma criança inocente no dorso que adquiro forças para correr. Vês? Posso entrar até no nimbo dos raios da lâmpada que arde em frente da imagem da Madona: só não posso entrar na igreja. Mas enquanto estás comigo posso deitar um olhar pela porta aberta. Não desças das minhas costas! Senão ficarei como morto, como vês o dia inteiro, na Porta Rosa.

- Não, ficarei contigo, meu querido porco! - disse a criança.

E lá se foram correndo a bom correr, pelas ruas de  Florença; chegaram assim à praça, em frente à igreja da Santa Croce.

Repentinamente abriu-se a porta e a luz dos círios do altar estendeu-se até a praça deserta.

De um monumento sepulcral, na nave lateral esquerda, irradiou um esplendor maravilhoso. Eram milhares de estrelas móveis que circundavam um túmulo, formando uma auréola: era o túmulo , de Galileu. É um monumento simples, mas a escada vermelha que fica ao fundo tem muita significação: é o símbolo da arte, pois indica um caminho que, por uma escada de brasas, conduz ao céu. Todos os profetas do espírito buscam o céu, como profetas Elias.

Na nave da direita, as estátuas , dentro de seus ricos sarcófagos, pareciam dotadas de vida. Lá estava Miguel Ângelo, mais além Dante , coroado de louro: Alfieri, Maquiavel: jazem ali, lado a lado, os grandes homens que são orgulho da Itália. É uma igreja magnífica, muito mais bela, ainda que menor do que a catedral de mármore de Florença.

Parecia que aquelas vestes de pedra tinham movimento, e que os vultos sublimes iam erguendo a cabeça, cada vez mais alto, mais alto , para contemplar, por entre os sons da música e dos cânticos, o radiante altar multicor, onde os meninos vestidos de branco agitam os turíbulos de ouro. E o aroma arrebatador encheu a igreja, transbordando para a vasta praça.

Mas quando o menino estendeu a mão para aquele esplendor, o porco deitou de novo a correr e ele teve de se segurar com toda a firmeza. Soprava-lhe o vento nos ouvidos e ainda ouviu o rangido dos gonzos da porta, que se fechava. Naquele mesmo instante pareceu-lhe que perdia o conhecimento; um frio glacial despertou-o e ele abriu os olhos.

Era já dia. Estava ainda deitado no dorso do porco de bronze, mas escorregara um pouco por sobre o animal. que ainda lá estava no mesmo lugar em que costuma repousar, na Rua Porta Rosa.

Ao lembrar-se daquela a quem chamava mãe, e que na véspera o mandara sair em busca de dinheiro, encheu-se o menino de terror. Não tinha nada: só fome e sede! Abraçou ainda uma vez o pescoço do porco de bronze e beijou-lhe o focinho. E com um gesto de adeus foi-se dali para uma das vielas mais estreitas, que mal dava passagem a burro carregado. Chegou a uma grande porta entreaberta; subiu a escada de pedra, entre paredes sujas; servia de corrimão uma corda. Chegou a uma galeria aberta, onde se via farrapos estendidos. Dali outra escada levava ao pátio, onde havia um poço, do qual partiam cabos de ferro para todos os andares da casa. E os baldes oscilavam no ar, enquanto a roldana guinchava, derramando a água sobre o pátio. Outra escada velhíssima levava para cima.

Dois marinheiros russos, muito alegres, que iam descendo, aos pinotes, quase deitaram abaixo o pobre menino. Atrás deles apareceu uma mulher, já não muito moça, mas cheia de vida; seus cabelos eram negros e abundantes.

- Que trazes? - perguntou ao menino.

- Não fiques zangada! - suplicou ele. - Não ganhei nada, nada!

E segurou o vestido da mãe, fazendo menção de beijá-lo.

Entraram num quarto pequenino, um quarto que nem quero descrever. Direi apenas que havia lá uma panela de alças, cheia de brasas, daquelas a que chamam marito. A mulher pegou nela, para aquecer os dedos, e dando uma cotovelada no menino, disse-lhe:

- É claro que trouxeste dinheiro.

A criança pôs-se a chorar e a mulher deu-lhe pontapés e mais pontapés, até fazê-lo gritar.

- Cala a boca, senão quebro-te a cabeça, gritalhão!

E, enquanto dizia, ia agitando o fogareiro. Com um grito de terror, o menino abaixou-se; nesse momento ia entrando a vizinha, carregando um marito.

- Felicita! Que fazes à criança?

- A criança é minha. Posso matá-la se quiser - e a ti também, Giannina!

E brandia o fogareiro, enquanto a outra levantava o seu para se defender. As panelas entrechocaram-se com tanta violência que voaram pelo quarto os cacos , cinzas e faíscas, Mas o menino esgueirou-se pela porta, atravessou o pátio e saiu para a rua. Correu, correu, até perder o fôlego. Parou diante da igreja, cuja grande porte lhe abrira à noite, e entrou. Lá dentro tudo resplandecia. Ajoelhou-se junto do primeiro túmulo à direita, o de Miguel Ângelo e desatou a chorar.

Entrava e saía gente. Terminou a missa. Ninguém deu pela presença da criança, a não ser um um burguês idoso, que parou e o olhou um instante. Depois foi andando, como os outros.

Torturado pela fome e pela sede, o menino sentia-se doente; parecia-lhe que ia desmaiar. Foi-se arrastando para um canto entre os monumentos de mármore, e ali pegou no sono. Já à tarde acordou-o um leve puxão. Viu então, sobressaltado, que estava ao seu lado aquele mesmo burguês idoso.

- Que é isto? Estás doente? Onde moras? Passaste o  dia inteiro aqui?

Foram essas algumas das perguntas que o velho fez. Respondeu-lhe o menino e o velho levou-o consigo para a sua casinha, que ficava perto, em uma travessa. Entraram em  uma oficina  de luveiro, onde estava uma mulher costurando diligentemente. Um pequeno lulu da Pomerânia, tosquiado tão rente que se via a pele rosada, saltou para cima da mesa e foi parar em frente ao menino.

- As almas inocentes se reconhecem - disse a mulher, acariciando a cachorrinha e a criança.

Deu-lhe aquela boa gente um prato de comida, e depois que comeu e bebeu disseram-lhe que podia passar a noite ali. Deram-lhe uma caminha pobre, mas que para ele, que tantas vezes dormira no frio chão de lajes, representava luxo principesco. E o rico sono dormiu, sonhando com os belos quadros e com o porco  de bronze!

No dia seguinte, de manhã, o pai Giuseppe saiu. A pobre criança não se alegrou nada com essa saída, pois sabia que dela resultaria a sua volta para o poder da mãe. Abraçou-se então com a cachorrinha brincalhona, e a mulher olhava para ambos com bondade.

Que resposta teria trazido o pai Giuseppe?

Falou demoradamente com a mulher, que fez sinal de assentimento com a cabeça, acariciando o menino. Depois ela disse:

- É uma criança magnífica, que pode  vir a ser um luveiro tão bom como  tu foste. Tem os dedos delicados e flexíveis: Nossa Senhora destinou-o para luveiro.

O menino ficou com eles e a  mulher ensinou-lhe a costura. Comia e dormia bem; tornou-se uma criança alegre e mexia com Belíssima - a cachorrinha - até que a mulher, ameaçando-o com o dedo, zangou-se um dia e ralhou com ele.

O menino tomou aquilo a sério. Ficou pensativo no seu cubículo, que dava para a rua, onde secavam peles. As janelas eram barradas por grossas varas de ferro. Ele não pode conciliar o sono: vinha-lhe sempre à ideia o porco de bronze. De repente ouviu um ruído que vinha de fora: "Claque, claque, claque!" Era um porco, não havia  dúvida! Correu à janela, mas nada viu: acabaram-se o ruído.

- Ajuda o senhor a levar a caixa de tintas. - disse no dia seguinte a luveira ao menino.

O moço vizinho, que era pintor, ia passando; levava na mão a caixa e uma grande tela enrolada. O pequeno pegou na caixa e acompanhou o moço. Escolheu este o mesmo caminho da galeria e subiram a mesma escada que o menino conhecia tão bem, desde aquela noite em que montara o porco de bronze. Conhecia também as estátuas e os quadros, a bela. Vênus de mármore e aquela outra, que vivia em cores. E tornou a ver a Madona, Jesus e São João.

Pararam diante do quadro de Bronzino, em que se vê Cristo no limbo e as crianças sorrindo em roda dele, na doce expectativa do céu. E o pobrezinho também sorriu.

- Agora podes ir para casa. - disse o pintor, quando viu que o menino ficara a seu lado, enquanto ia armando o cavalete.

- O senhor dá-me licença de olhar enquanto pinta? - perguntou a criança. - Posso ver como é que prende a tela no quadro?

- Ainda não vou pintar. - respondeu o moço, tirando o crayon da caixa.

Movia-se rapidamente a mão; tomando a olho as medidas do quadro grande, começou o trabalho. E, se bem que apenas aparecesse um traço muito fino, foi surgindo o Cristo, a pairar, bem como se via no quadro colorido.

- Mas vai-te embora, afinal! - disse o pintor.

E a passos silenciosos, lá foi indo o menino para casa; sentou-se, para aprender...a coser luvas.

Mas o dia inteiro seus pensamentos vagaram pela galeria de quadros. Daí resultou que picou o dedo com a agulha, mostrando-se desajeitado. Mas em compensação não buliu mais com a Belíssima.

Ao escurecer, vendo aberto o portão, saiu . Ainda fazia frio, mas o brilho das estrelas era belo e alegre. O menino andou peregrinando pelas ruas já desertas; achou-se em frente ao porco de bronze; curvou-se para lhe beijar o focinho polido e sentou no seu dorso.

- Ó animal abençoado! Quanta  saudade tenho tido de ti! Hoje vamos dar um passeio. Mas o porco de bronze permaneceu imóvel, a brotar água fresca do focinho O menino, escarranchado sobre o animal, sentiu que lhe puxavam o casaco. Era a Belíssima! A pequena Belíssima, de pelo tosquiado, ladrando como se dissesse:

- Olha, vê que também eu estou aqui! Por que estás neste lugar?

Um dragão, vomitando chamas, não teria espantado mais o menino do que ver a cachorrinha ali. Imagine! A Belíssima na rua , sem estar vestida, como costumava dizer a mulher! Que iria resultar daquilo? A cachorrinha nunca saía no inverno sem estar abrigada em uma pele de ovelha, cortada e cosida especialmente para ela. A pele, toda guarnecida de guizos e laçarotes, era presa do lado de baixo e no pescoço por meio de fitas vermelhas. A cachorrinha parecia um cabrito, quando saía na rua, sem estar vestida! Que iria acontecer agora? Foram-se-lhe todas as fantasias. o menino deu mais um beijo no porco de bronze e pegou a cachorrinha, que tiritava; saiu então a correr com ela nos braços.

- Que levas aí, fugindo assim? - gritaram dois soldados da guarda-civil, no caminho.

A cachorrinha ladrou, furiosa! Tirando-a do menino, perguntaram ainda:

- Onde roubaste esta cachorrinha tão bonita?

E como o menino pediu-lhes, chorando, que lha devolvessem, declararam:

- Pois se não a roubaste, podes avisar em casa que a procurem na Delegacia.

Deram-lhe o endereço e foram-se, levando Belíssima.

E foi uma coisa horrível! O menino não sabia se devia afogar-se no Arno ou se tornava à casa e confessava tudo. Com certeza iam matá-lo! Por fim decidiu:

- Mas era melhor que me matassem mesmo! Eu quero morrer, pois assim irei para perto de Jesus e de Nossa Senhora...

E por esse motivo foi que voltou: para ser morto.

Encontrou o portão fechado e não pode alcançar a aldrava. Não aparecia ninguém na rua. Afinal achou uma pedra e com ela batendo o portão, atroadoramente. De dentro perguntaram:

- Quem é?

- Sou eu! A Belíssima fugiu. Abram e matem-me! Grande foi o susto na casa, mas quem se horrorizou foi a senhora, pois olhando imediatamente para a parede, para o lugar onde estava habitualmente pendurada a roupa da cachorrinha, viu que lá estava a pele de ovelha.

- A Belíssima... a Delegacia! - exclamou a mulher. - Ó menino malvado! Como foi que levaste de casa? Agora ela vai morrer de frio... Um animal tão mimoso no meio daqueles soldados!

Teve o marido de sair imediatamente; a mulher lamentava-se, o menino chorava, Reuniram-se todos os moradores da casa, entre eles estava o pintor, que chamou o menino e o colocou entre os joelhos para interrogá-lo. Foi somente aos trancos que conseguiu apanhar todas a história do porco de bronze e da galeria - história que lhe pareceu um tanto fantástica. Consolou o menino e procurou sossegar a velha. Mas esta não se deu por satisfeita enquanto não chegou o pai Giuseppe com a Belíssima, que estivera no meio dos soldados! Grande foi então a alegria. O pintor acariciou o menino e deu-lhe um punhado de desenhos.

Que coisas maravilhosas! Quantas cabeças engraçadas! E lá estavam também o porco de bronze. Não se podia imaginar nada mais lindo. Fora fixado no papel mediante muito poucas linhas, e ali estava também esboçada a casa que lhe ficava por detrás.

Ah! Quem soubesse desenhar e pintar seria capaz de reunir ao redor de si o mundo inteiro!

No primeiro momento em que  se viu só, no dia seguinte, o menino pegou no lápis e procurou copiar o esboço do porco de bronze no lado em branco de um dos desenhos. Conseguiu-o, mas o desenho saiu meio  torto e desajeitado; uma perna era muito grossa, outra muito fina. Mas ainda assim, reconhecia-se o porco e o menino exultou de alegria. observou que o lápis não se movia exatamente como era preciso, mas no dia seguinte surgiu outro porco de bronze ao lado do primeiro e cem vezes melhor, e o terceiro já saiu tão bom que todo o mundo pode identificá-lo.

Mas a costura das luvas ia piorando e os recados pela cidade eram feitos com muita lentidão. O porco de bronze ensinou-lhe que todas as figuras podem ser representadas no papel, e a cidade de Florença é um livro de figuras! É só querer folheá-lo. Na Piazza della Trinità erguia-se uma coluna esguia, pedestal da deusa da Justiça, que lá está de olhos vedados e balança na mão. Também ela um dia apareceu fixada no papel - desenhara-a o pequeno aprendiz de luveiro. Ia crescendo a coleção de quadros, mas até então só continha reprodução de coisas mortas. Mas um dia em que Belíssima andava aos pulinhos em roda do menino, disse-lhe ele:

- Fica quietinha, que vais entrar na minha coleção de quadros e vais ficar muito bonita.

Mas a cachorrinha não quis ficar quietinha. E ele teve  de amarrá-la, prendendo-a pela cabeça e pelo rabo. Ela latia e dava pulos e o menino viu que tinha de retesar a corda. Nesse instante entrou a mulher do luveiro.

- Ah! bandido! Coitado do animalzinho!

E foi só o que pode dizer. Empurrou o menino para um lado, a pontapés, enxotou-o de casa, chamando-o de menino ingrato, que não prestava para nada, criança ímpia. E beijava , lavada em lágrimas, a sua pequena Belíssima, quase estrangulada.  

Ia o pintor entrando, de volta a casa, e ... foi aqui que esta história tomou outro rumo.

No ano de 1834 houve uma exposição na Academia delli Arti, em Florença. Dois quadros, colocados ao lado um do outro, atraíam a atenção de grande número de visitantes. No menor aparecia um menininho alegre, sentado a desenhar. O modelo era um lulu da Pomerânia, branco, com o pelo tosquiado de uma maneira muito esquisita. Como o animalzinho não quisera ficar quieto, o menino amarrara-o com um barbante, pela cabeça e pela cauda. Havia naquele quadro um cunho de verdade, que a todos agradava.

Contava-se que o pintor era um jovem florentino, que em criança fora encontrado na rua e criado por um velho luveiro, e  que aprendera o desenho sem mestre. Um pintor, ora célebre, descobrira-lhe o talento no dia em que o enxotavam de casa, por ter ele amarrado, para lhe servir de modelo, o luluzinho, que era o mimoso da mulher do luveiro.

O aprendiz de luveiro chegara a ser um grande pintor, como o demonstravam aquele dois quadros, sobretudo o maior. Neste via-se uma única figura - um belo menino coberto de andrajos, que dormia, sentado em plena rua, recostado no porco de bronze da Rua Porta Rosa. Todos conheciam aquele lugar. A criança, descansava os braços sobre a cabeça do porco e dormia profundamente. O lampião que arde em frente à imagem de Nossa Senhora lançava uma luz forte  de grande efeito, sobre o pálido e magnífico rosto da criança. Era um quadro maravilhoso.

Circundava-o uma grande moldura dourada, a qual estava suspensa uma coroa de louros . Mas por entre as folhas verdes serpeava uma fita preta - um longo crepe; o jovem pintor morrera poucos dias antes.

Fonte:
Hans Christian Andersen. Contos. Publicado originalmente em 1842.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Silmar Böhrer (Gamela de Versos) 21

 

Aparecido Raimundo de Souza (Às vezes como o joio e o trigo, o Azul e o Branco se misturam...)

DENTRO DO ESTOJO sobre a carteira, dois lápis de cores diferentes discutem. Um deles, o Azul, imponente:

— A minha cor é mais bonita que a sua!

O Branco, como sempre, calmo e tranquilo:

— Seu convencido. Deixa de ser bobo. Eu, o Branco, sou mais querido e amado pela Aninha (Aninha é a dona de ambos os lápis) do que você.

O Azul, se impondo:

— Engano seu. Eu sou o preferido dela...

O Branco, fazendo cara de riso:

— É mesmo? Desde quando?

O Azul, nervoso:

— Desde o momento em que ela foi na papelaria com a mãe, e meu viu dentro da caixinha, entre meus doze irmãos.

O Branco, desdenhando:

— Seu bobo. Bobo e desengonçado. Se acha o tal.

O Azul, alfinetando:

— De fato, eu não me acho. Eu sou o tal. Se você reparar os cadernos da Aninha, seja o de Matemática, seja o de Português, e até o de Inglês, perceberá que todos os desenhos que ela fez para ilustrarem as páginas, eu me sobressaio. Dou de dez a zero em você!

O Branco dando o troco à altura:

— Você é um azul metido. Não passa de um desbotado, ou melhor, superado. Já o branco, ou o meu branco, melhor me expressando, está em tudo o que é cristalino... por onde passo, deixo tudo às claras e transparente. O branco mostra os podres do azul.

O Azul partindo para a agressão:

— Você, seu branco azedo, se esqueceu que eu estou no topo. Sou o azul do céu infinito, o azul das águas do mar imenso. Sou ainda o azul da bandeira e também o azul da Esperança...

O Branco, rindo da mancada do adversário:

— Alto lá. A esperança não é azul. É verde.

O Azul tentando desconversar:

— Não mude o rumo da nossa prosa. O seu branco tira o brilho das coisas mais simples. Se você se olhar no espelho, perceberá que em face do descorado que deu origem às suas raízes, você se fez anêmico e quase invisível.

O Branco, mostrando conhecimento de causa naquilo que fala:

— Olha só o coitadinho, se fazendo de vítima. Cresça, moço. Meu branco está na alvura das nuvens, nos jalecos das pessoas que cuidam dos doentes nos hospitais, no açúcar que desfaz o amargo, na maisena da papa dos nenéns, no sal que tempera os pratos mais sofisticados, igualmente nos refrigeradores (você, por acaso já viu uma geladeira azul?). Também estou no branco da neve que cai, nos cabelos dos longevos, na maioria dos carros que rodam aí pelas ruas da cidade...

O Azul meio que irritado e prestes a partir para a agressão:

— Não seja por isso: o meu azul está presente nas Araras azuis, nos Gaios azuis, nos Sapos-boi-azuis nas Garças azuis, sem falar que existe uma empresa aérea com aviões azuis cortando os ares deste Brasil imenso.

Faz uma pausa, toma fôlego e prossegue, como se fosse o rei da cocada preta:

— Faço-me presente nas campanhas do “Novembro Azul”, que conscientiza o homem a cuidar do câncer de próstata... e um particular que tenho certeza, você nunca ouviu alguém mencionar: as crianças com autismo usam muito o azul em seus desenhos. Mudando o quadro, veja por exemplo, os times de futebol. O Grêmio de Porto Alegre é azul... as mulheres preferem vestidos azuis, sapatos azuis, lingeries azuis... quer mais? O Cruzeiro de Minas é azul. Não posso me esquecer que estou na crista da onda em canções famosas, como “Azul da Cor do Mar”, do Tim Maia, no “Azul” do Djavan, no “Todo Azul do Mar” do KLB...  

O Branco, de novo com um sorriso bonito no rosto, sem perder a esportiva:

— Acabou?

O Azul, quase colérico:

— Sim. Acabei.

O Branco querendo acabar com aquele papo sem lógica:

— Você realmente se acha... cretino de uma figa. Vou lhe dar o troco. Suas proezas são legais e bacanas. Sua cabecinha oca pode até se vangloriar, ou seu ego se imaginar o maioral, o intocável, Todavia, ouça o que vou dizer, e guarde a sete chaves para nunca se esquecer... você alardeou ser música famosa, time de primeira linha, aviões, carros, o raio que o parta... porém, numa coisa, eu ganho de você. E ganho longe...  

O Azul, descontrolado, fazendo gestos como se fosse desferir alguns tapas em seu contendor:

— Diga lá, seu Branco sem noção. Sou todo ouvidos. No que você me ganha?!

O Branco, aberto numa harmonia envolvente, manda a paulada que deixará o Azul sem saída:

— Eu represento a coisa mais importante neste mundo. Maior que seus times, suas músicas, seus cantores, seus aviões... quando tiver um tempinho, pergunte à Aninha... quando ela voltar do intervalo.

O Azul, cerrando os punhos:

— Não vou perguntar nada para ela. Quero saber de você. Fala logo, não estou com paciência...

O Branco, pondo, em definitivo um ponto final naquele diálogo e deixando o Azul, de fato, sem ter o que argumentar:

— Saiba, meu jovem e querido Azul, eu represento, ou melhor, eu simbolizo e patenteio o retrato fiel e sem retoques, ao pé da letra, daquilo que toda a humanidade busca incansavelmente: a PAZ!

O Azul sai de cena discretamente, enquanto o Branco se mantém quieto e humilde, em seu canto à espera que a Aninha retorne do recreio e a segunda parte da aula, tenha início.      
      
Fonte:
Texto enviado pelo autor, integrante de seu livro infanto-juvenil, ainda no prelo.

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) XVIII


APRENDER A SOFRER


Bem no fundo de minh’alma
Existe uma flor rara
Que faz de mim
O que quer
Esta flor é a mais bela
E eu sonho e sofro
Por ser ela bela mulher

Ela passa e às vezes
Me olha
Pois isto não me consola
Não sei o que fazer
Como viver satisfeito
Com a dor que sinto
No meu peito
Sem que possa resolver
 
Sei que ela não é culpada
Por ser por mim
Tão amada
E por ela eu sofrer tanto

Pensei em me revelar
Com certeza irei
Me decepcionar
E sofrer terrivelmente
Por ser ela pessoa importante
E ser ela o bastante
Não é difícil entender
Tenho que me conformar
E aprender a sofrer
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

CORAÇÃO E ALMA

Ela passou com o rosto
Entristecido,
Mostrando que havia
Tristeza e mágoa
Em seu coração.

Nada falou, nem eu a perguntei,
Mas sabia eu
Que nisso existia certa razão!

Faz algum tempo
Que a conheci,
Nossa amizade não era diferente
De outras amizades
Que tive e convivia,
Pois os amigos existem
Para nos ajudarem
Nas horas de angustias
Ou quando estamos
Em certas agonias.

Depois vim a saber
Que disseram a ela
Que eu tinha noivado,
Por isso estava de casamento marcado.

Fiquei admirado
Pois não tenho namorada,
Sendo assim
Nunca poderia estar compromissado.

Pobre menina
De coração e alma pura,
Não acredites no que dizem
Sem saber.
E se é por isto
Que estás entristecida
Vem depressa
Que meu coração
E alma
Estão prontos para te acolher.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O POETA SABE QUE VIVE PRA SOFRER

O amor, sonhos e flores!
Que há na vida de um poeta,
Lembrando da que se foi...
O deixando entristecido,
Mas ele é poeta...
E jamais ficará esquecido,
Embora com a dor de um novo amor!
O deixe desiludido.

O poeta sabe que vive pra sofrer,
Vive pra sofrer de amor...
E na vida esse prêmio não vai ter.

Mesmo assim é conformado!
Por ser um sofrimento gostoso,
Embora sofrendo muito...
Não deixa de ter vida;
E se um amor...
O deixa trazendo-lhe desilusão,
Já tem um lugar pra outra!
No seu sofrido coração.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

TUA AUSÊNCIA

Como sofro por a tua ausência,
Que não me faz esquecer-te um só momento.
Lembro-me de ti a toda hora,
Até quando o velho vento...
Querendo agradar-te,
Acariciava os teus cabelos docemente.

E tu ficavas insatisfeita.
Pois o vento brincava com os mesmos,
Pra lá e pra cá.
E indignavas-te dizendo:
– Por favor, procura outra pra incomodar.

Lembro-me de tudo que fazias parte,
Como aquele bordado cheio de ternura.
Que era uma toalha para a nossa mesa,
Que a deixou extremamente linda.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

VOLTEI A TER FÉ

Quanto amor,
Quanta loucura
Sem um pouco de esperança.
Perdi a credibilidade,
Por amar uma criança.

Quantas lutas eu venci,
Mas perdi alguns amigos.
Apesar de tanto tempo.
Com ela...
No coração ainda vivo.

A vida tem me deixado,
Com sofrimento e tortura.
Quantas vezes me levanto,
Decidido a desviar a loucura.

Mas agora decidi,
E voltei a ter a fé.
Que procurando acharei
Uma bela e nobre mulher.

Fonte:
Versos enviados pelo poeta.

Renato Frata (Os círculos da impaciência)

Ele tamborilava o tampo da mesa. Quem devia chegar se atrasara e o deixara impaciente, pois almejava muito o encontro já marcado com tanta dificuldade. O reatamento que é sempre difícil tinha agora passado tanto tempo, uma única oportunidade, daí a pressa em vê-la chegar e vez por todas resolver pendengas que o tempo, a reflexão e a maturidade se encarregaram de deixar perdoáveis.

Quando essa oportunidade aparece, melhor aproveitá-la. Odiava submeter-se à espera, mas em nome da possível aproximação com a pessoa deixou-se ficar.

- Serão uns momentos. - ruminou.

Com movimentos rápidos e instintivos desenhava círculos imaginários, como um compasso nas mãos de algum paisagista quando inventa praças e jardins e risca em todas as direções. As mãos são as primeiras a denunciar a aflição que está a se sentir.

Nessa tarefa de ajudar o tempo passar desenhou aros de diversos diâmetros que se interligavam; até o sol na sua forma circular e lhe deu no pensamento o poente em cor amarelo-avermelhado, que coincidentemente entrava pelo vão da porta para que a visita ao chegar, entrasse sem o incômodo de bater e esperar, daí a consulta minuto a minuto no relógio sobre a cristaleira de que ela tanto gostava.

O tempo andou e as réstias de luz que o inspiraram na fantasia dos riscos ficaram enegrecidas e acabaram por ser tingidas pelo negror da noite, e quem estava por chegar não apareceu. A porta trazia agora para o interior uns pontos de estrelas do céu escuro e lufadas de vento frio. Ela não viera. Fizera-o esperar e brincou com seus sentimentos. Mais uma vez. Parou com a mão, dissipou os círculos, resfolegou transformando a impaciência em ira e essa em palavrão.

A espera em vão o enlouqueceu, mexeu com seu brio de homem. Levantou-se, ajeitou o chapéu, apagou a luz e saiu trancando a porta. O escuro de dentro se misturou ao de fora. Se ela chegasse que esperasse pelo seu retorno, ou regressasse de onde viera, pois ele não aceitaria caprichos de mulher. Não mais. Mastigou a saliva, engoliu-a com força e respirou longamente.

O vento frio do começo de noite açoitou-lhe o rosto como uma cusparada. Então, ao embrulhar-se mais na capa de lã, vislumbrou um vulto que se entremostrava arcado, agarrado próximo do portão de entrada. Conteve-se por cautela. O que poderia ser? Aproximou--se e para seu espanto certificou-se de que ela ali estava. Por que não entrara?

Chegou-se mais e ouviu em quase sussurro: "Ajude-me, pisei em falso, torci o pé e não consigo mais andar. Jamais quis me atrasar a esse encontro tão esperado por nós, por mim."

Foi o que bastou para que ele aliviasse a tensão da face e dos punhos e fizesse brotar um leve sorriso no rosto cansado amainando as linhas da testa. Amparou-a e a conduziu à entrada. Abriu a porta e a levou até a cadeira que ocupara minutos antes. Descalçou-lhe o pé machucado, analisou o ferimento, apalpou-o de leve e reparou que a entorse não provocara sérias consequências. Uns cuidados especiais de primeira hora bastariam para que a dor fosse embora. Ato contínuo correu à geladeira, preparou uma bolsa com gelo e aplicou-a sobre o pé, fixando-a com uma toalha. Depois desgalhou ramos de alecrim e uns talos de alfazema, amassou-os fazendo com eles uma pasta que aplicou no pé doente, usando a mesma toalha para protegê-lo.

Tudo que pensara de ruim com a demora foi esquecido, pois os fatos que se sucedem numa velocidade louca têm o poder de apagar os do passado. E ele aceitou que assim o fosse.

Ainda a cuidar do ferimento, sentiu os dedos dela correrem sobre seus cabelos, num agradecimento - carinho há muito sonhado. Então seus olhares se encontraram, criaram atração tão grande que ele se ajoelhou, segurou em suas mãos e: "Obrigado por ter vindo." Ia complementar a frase, mas ela: "Obrigada por me aceitar." E ficaram nisso...

Olhos nos olhos, permaneceram assim bom tempo, só percebido pelo ponteiro grande do relógio na cristaleira que seguiu volteando o mostrador em ouro pálido, envelhecido. Até que ela voltou a dizer: "Se você quiser, teremos um novo começo, um novo princípio de vida. Que o passado seja sepultado e que o presente seja a marca de um futuro a dois. Perdão mútuo, sem cobrança. Cada qual completando o outro com o olhar dirigido à frente na conquista do presente e do futuro. Eu me disponho, pois acho que merecemos esta nova chance." Puxou-o para si e lhe ofereceu os lábios.

Antes de aceitá-los, porém, ele se levantou, tomou-a no colo e a depositou, sentada, sobre o tampo da mesa, para que o pé machucado não tocasse o solo. Os riscos circulares e imaginários da impaciência de minutos antes foram testemunhas de um beijo, um longo beijo que selou o pacto que deveria durar para o sempre, reforçando a certeza de que o recomeço por mais difícil possa parecer, quando imaginado e querido, trabalhado com dose certa de doação, dedicação e amor e colocados em prática com o ânimo de perenidade, têm o condão de vingar e florescer como nasce a semente do ingazeiro em beira de rio. Ou qualquer outra semente plantada e tratada com amor.

Basta ter fé e regá-la convenientemente, pois quando se quer e se deseja com fervor tudo de bom acontece.

Fonte:
Renato Benvindo Frata. Azarinho e o caga-fogo. Paranavaí/PR: Eg. Gráf. Paranavaí, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Estante de Livros (Os Filhos do Capitão Grant, de Júlio Verne)

O livro Os Filhos do Capitão Grant (em francês Les Enfants du capitaine Grant), é um romance geográfico escrito por Júlio Verne entre os anos de 1866 e 1868 A obra é dividida em três partes ( América do Sul, Austrália e Oceano Pacífico ).

Enredo

A história começa quando o aristocrata escocês lord Edward Glenarvan descobre, durante uma viagem de recreio no seu iate privado Duncan uma garrafa dentro de um tubarão-martelo Essa garrafa continha um pedido de socorro em três línguas (francês, inglês e alemão) mas a mensagem achava-se quase apagada pela ação da água. A primeira interpretação do documento coloca Harry Grant, capitão do navio Britannia e mais dois marinheiros no papel de náufragos, num naufrágio ocorrido dois anos antes, em 1862, e que se encontravam na Patagônia na terra de índios. Perante esta situação, Lord Glenarvan, demonstra ser um homem de bom coração e, ainda por cima, tratando-se de um escocês, decide ir a Londres procurar autoridades que o auxiliassem em possíveis buscas ao capitão.

Enquanto Glenarvan faz essa viagem a Londres, os filhos de Harry Grant, Mary e Robert Grant, de dezesseis e doze anos respectivamente, vão a Malcom-Castle (Residência dos Glenarvan) à procura de informações sobre o seu pai, mas, na falta deste falam com a sua esposa, lady Helena Glenarvan.

O lorde, não obtendo ajuda do governo britânico, decide ele mesmo fazer as buscas nos mares austrais, pelo paralelo 37º, pois conseguia-se saber a latitude a partir do documento mas não a longitude. E por essa razão atravessa toda a Patagônia sempre seguindo o paralelo desde o Pacífico ao Atlântico sem encontrar vestígios do capitão Grant e da sua tripulação.

Mas uma nova interpretação do documento desta vez pelo sábio e distraído Jacques Paganel, um consagrado geógrafo francês, que embarca no Duncan pensado entrar no Scotia, um navio a caminho da Índia, coloca o capitão Grant e os dois marinheiros, desta vez, na Austrália.

Análise, por Henrique Zimmermann

Talvez o maior sucesso de Júlio Verne seja a obra Vinte Mil Léguas Submarinas. Mas poucos sabem que “Léguas” é o segundo livro de uma trilogia que começa com Os Filhos do Capitão Grant e se encerra com A Ilha Misteriosa. Portanto, se deseja ler Vinte Mil Léguas, leia os três livros na ordem correta, isso ampliará a experiência.

A leitura do texto é bastante prazerosa. Apenas no início os personagens são um tanto superficiais e estereotipados. Mas à medida que a história se desenrola eles gradativamente ganham um ar mais palatável e começamos a nos importar com eles. A história não é tão profunda quanto O Capitão Háteras, o livro anterior de Verne, mas nem por isso deixa a desejar.

Um ponto importante do enredo é que Verne trabalha a dualidade entre escoceses e ingleses. Mostra os escoceses querendo se desvencilhar de qualquer relação com seus irmãos do sul, numa ideia patriótica da Escócia que é bastante interessante. Contraditoriamente, em alguns trechos do livro o próprio narrador se refere a eles como “ingleses”, talvez por falta de atenção, talvez por julgar que, apesar do esforço dos escoceses, eles não seriam tão diferentes de seus vizinhos. De qualquer forma, os ingleses sempre tiveram o papel central de exploradores nos livros de Verne, mas em Os Filhos do Capitão Grant o autor inicia um ciclo de críticas a esta nação.

Enquanto os personagens atravessam o continente australiano Verne adianta-se em criticar e condenar a colonização inglesa, especialmente acusando os exploradores de dizimarem comunidades aborígenes, destruindo sua cultura e exterminando seus indivíduos. Isto é uma visão bastante avançada para um europeu do Século XIX. Foi necessária uma dose de coragem para Verne se colocar tão abertamente contra o extermínio de “selvagens”, algo que não provocaria protestos entre seus contemporâneos franceses. Posteriormente os crimes da colonização inglesa serão novamente debatidos nas duas sequências deste livro: Vinte Mil Léguas Submarinas e A Ilha Misteriosa.

Em sua viagem pela latitude de 37°, os personagens visitam a América do Sul, um continente que infelizmente foi menos explorado por Verne quando se olha o conjunto total de sua obra. Na trajetória, passamos pela Cordilheira dos Andes no Chile e pela Patagônia e os Pampas da Argentina. É neste local que o lobo guará, animal admirado no Brasil, faz sua participação marcante com um ataque memorável. A violência das alcateias desse animal são um perigo a ser superado pelos protagonistas.

De resto, o livro vale a pena pela bela descrição das paisagens por onde os personagens percorrem em sua busca e pelas releituras do pedido de socorro do Capitão Grant, um fator que adiciona uma boa dose de imprevisibilidade ao roteiro.


Fontes:
excerto de texto de Henrique Zimmermann, em Woo! Magazine
Wikipedia

domingo, 5 de junho de 2022

Dorothy Jansson Moretti (Album de Trovas) - 7

 

Laurindo Rabelo (Poemas Escolhidos) XI

AO TROVADOR


Trovador, o que tens, o que sofres,
Por que choras com tanta aflição?
O teu pranto assaz me compunge,
Trovador, ah! não chores mais não!

Se acaso a mulher que tu amas
Te tratou com acerbo rigor,
Trovador, ah! por isso não chores,
Oh! não creias, por Deus, em amor.

O amor da mulher é a nuvem
Quando o vento a impele no ar...
O amor da mulher é volúvel,
É tão vário qual onda do mar.

O amor da mulher é um frágil
Pequenino, adoidado batel,
Que vagueia sem norte, sem rumo,
'Té quebrar-se em ignoto parcel.

O amor da mulher é luzerna
Numa noite de inverno a luzir;
É estrela do céu entre nuvens
Que a furto se vê reluzir.

A mulher tem o dom da beleza
Tem maneiras que sabem levar...
Mas no meio de seus atrativos
A mulher tem o dom de enganar.

Um exemplo tu tens em Helena
Que os muros de Tróia abateu,
Que infida, deixando o consorte,
Para os braços de Páris correu.

A mulher tem feitiço nos olhos
E nos lábios veneno letal;
A mulher nos ilude chorando
E sorrindo nos crava o punhal.

O amor da mulher, como a rosa
Desabrocha, mas logo fenece;
A quem hoje a mulher idolatra,
Amanhã menospreza, aborrece.

Trovador, ah! esquece essa ingrata,
Não mendigues a sua afeição;
Oh! despreza a quem te maltrata,
Não suspires por ela mais não!

Eu sinto angústias
Me sufocar;
Não há remédio,
Senão chorar.

Eia, choremos;
Comece o canto;
Também cantando
Se verte o pranto.

O canto às vezes
É brisa d’alma
Que o mal consola
E a dor acalma.

E cada letra
Que o canto diz,
Um ai exprime
Do infeliz!

O canto é prece
Que voa a Deus,
Se um triste canta
Os males seus...

E livre o canto
No ar se isola;
O céu penetra
E Deus consola.

Depois que a ingrata
Feriu-me tanto,
Que de mim fora,
Sem este canto!...

Talvez que as chagas
Fossem mortais,
Se as não curasse
Com estes ais.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

RISO E MORTE

Eu vim ao mundo chorando,
Chorar é o meu viver;
Quando eu deixar de chorar,
Estou prestes a morrer.

Quando a alma ao infortúnio
Assim ligado se tem,
Como termo da desgraça
A morte não longe vem.

Quando eu deixar de chorar,
Quando contente me rir,
Não se enganem, desconfiem,
Que não tardo a sucumbir.

Vem, oh! morte, ver meu pranto.
Não receies, podes vir;
Choro nos braços da vida,
Nos teus braços me hei de rir.

Muitas vezes um prazer
Que parece de ventura,
Não é mais que um riso d’alma
Vendo perto a sepultura.

O feliz ri-se da vida
Por ver nela o seu jardim;
O desgraçado, na morte
Por ver da desgraça o fim.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O CEGO DE AMOR

Pensam que vejo, não vejo,
Não vejo, que cego estou;
De que me servem os olhos,
Se minha luz se apagou?

Ah! não deixes que me perca
Nesta imensa escuridão;
Ó anjo que me cegaste,
Vem ao menos dar-me a mão.

Ao avistar-te nos olhos
A luz divina senti,
E por perder-te de vista,
A minha vista perdi.

Ah! não deixes...

Se eu cair, dá-me teus braços,
Dá-me pelo amor de Deus,
Que talvez recobre a vista
Caindo nos braços teus.

Ah! não deixes…
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JÁ NÃO VIVE A MINHA FLOR

Perdeu a flor de meus dias
Todo o perfume de amor,
Ramo seco pende d’alma,
Já não vive a minha flor!

O tempo, que tudo muda
Não minora a minha dor;
Já não tenho primavera,
Já não vive a minha flor.

Só encontro no deserto
Bafejo consolador;
Fechai-vos, jardins do mundo,
Já não vive a minha flor

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas. Ministério Da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional

Jaqueline Machado (Aruanda entre nós) 7 – Bará Exú


Seu Bará é mesmo inefável,
de rocha é feito o Senhor...
Seu caráter imutável
vence as guerras, vence a dor..


Perambulando pelas ruas, um forte homem chorava. Ele também ria. Na verdade, mais ria do que chorava.

Sua missão estava sendo cumprida e sentia–se feliz por isso. Mas, de vez em quando chorava pelas almas que se encontravam perdidas, ao passo que ria daquelas que gostavam de praticar o mal, a fim de se sentirem superiores, macabramente felizes...

- Pobres dos que humilham, causam dor, e que, apesar de tudo, se consideram bons. Acreditam estarem agindo em nome de Deus. Afinal, tais criaturas são da opinião de que Deus castiga. Portanto, é necessário fofocar, criticar, julgar, assim, em nome do Criador, apontar quem é demônio, quem é santo.

Será que esses sujeitos são loucos ou fingem tais loucuras? – disse o homem guardião das ruas, entre uma tragada e outra de seu charuto perfumado.

Era madrugada e a lua estava cheia. Cheia de graça... E lá do firmamento para ele, a lua sorria... Bailava...

Ao observá-la, ele tira o chapéu em sinal de reverência. E lembra que, em uma de suas vidas passadas, foi poeta e compunha lindos versos em homenagem à lua. A essa deusa pequenina que mesmo nua, estava sempre vestida com os trajes de uma beleza pura e majestosa.

Ele segue andando cruzeiro afora. Até chegar à sua morada.  Ajeita a capa preta que lhe cobre as costas, e senta no centro de uma encruzilhada muito limpa. Ali, põe-se a refletir, bem debaixo do luar:

- Esses ignorantes pensam que Deus castiga! – disse ele ao dar uma gargalhada. – Estão confundindo o Pai lá de cima com o Pai lá de baixo. Da fúnebre morada.

“O mal que enxergam nos outros está em si, mas não dão o braço a torcer, preferem punir. Jogar a culpa de seus pecados nas costas de seus semelhantes. E assim fingir. Fingir para si próprios que são bons e até mesmo felizes de verdade.

“Esses me dão trabalho. Me fazem subir e descer aos infernos dia e noite. Sim, pois cabe a mim, combater ao menos um pouco, os trágicos efeitos de tamanha injustiça. É por causa dos preconceitos, julgamentos imprecisos, e da velha e boa soberba que tanta gente é acometida por desgraças. Não por castigo! Isso me tira o juízo... É fato!

“Ha, se as pessoas praticassem as leis da empatia, o mundo já teria virado céu. E eu estaria agora deitado numa rede preguiçosa escrevendo poesias, com o pensamento jogado ao léu.
     
 “Ora, tanta maldade me faz rir, ora me faz chorar. Falam mal de mim, por ignorância. Alguns religiosos até me chamam de diabo. Mas tenho um bom coração. E ele é quente. Não é frio, igual a desses cidadãos que vivem a pregar o mal, sem em Deus realmente pensar.

“Não sou ignorante. Minha vivência é grandiosa. Em tempos de outrora, fui escritor, fui padre, fui doutor, fui homem apaixonado, e romântico sonhador. Também já fui errante... Mas sobre meus erros não quero falar. As minhas falhas foram corrigidas. E hoje trabalho para a luz. E nos Terreiros, entro faceiro a dançar.”

- Falando sozinho, moço? – pergunta uma linda mulher a sorrir. Ela trajava um vestido preto e vermelho, tinha um olhar profundo. E o seu sorriso era belíssimo e sincero. A moça era a companheira de trabalho do homem que guardava a encruzilhada.

- Olá, querida Rainha. Você demorou a chegar. – disse ele deixando expelir de sua boca, uma nuvem de fumaça do seu charuto.

- O motivo da demora foram as múltiplas demandas atribuídas a mim nas últimas vinte e quatro horas.

- A bagunça está grande... Tanta gente para salvar... Às vezes, isso cansa. Por isso estava aqui com os meus botões a desabafar. Mas não se preocupe. Não estou triste. Estou onde devo estar, cumprindo minha jornada.

- Então continuemos a caminhar. Nesse exato momento tem uma jovem precisando da nossa intervenção.

Em seguida, chegam a uma casa onde um feroz demônio tenta convencer uma moça a dar fim à própria vida. Ela estava no parapeito da janela de seu quarto, prestes a se jogar.

O guardião envolve a jovem com a proteção de sua capa. Sua companheira, por meio de bálsamos de consciências sensatas, a convence a desistir do suicídio. Chorando muito, a menina volta para a cama.

O demônio ri, prometendo voltar na noite seguinte. Mas é magneticamente encurralado pelo casal guardião. E conduzido a um vale de sombra. Lá, mesmo acorrentado, o bandido se agita, grita, faz ameaças.

O guardião toma postura, ajeita o chapéu, firma o olhar e divulga: não adianta querer medir forças comigo, meu camarada. Melhor não mexer com a minha pessoa. Sabe por quê? Porque não sou qualquer um. Sou trabalhador, sou guerreiro. Sou BARÁ EXÚ!

De mãos dadas, os guardiões partem para prestar socorro a outros necessitados...

Fonte:
Texto enviado pela autora.