quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Fernando Pessoa (Caravela da Poesia) XLIV

 LONGE DE MIM EM MIM EXISTO
 
Longe de mim em mim existo
À parte de quem sou,
A sombra e o movimento em que consisto.
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MAIS TRISTE DO QUE O QUE ACONTECE
 
 Mais triste do que o que acontece
É o que nunca aconteceu.
Meu coração, quem o entristece?
Quem o faz meu?

Na nuvem vem o que escurece
O grande campo sob o céu.
Memórias? Tudo é o que esquece.
A vida é quanto se perdeu.
E há gente que não enlouquece!
Ai do que em mim me chamo eu!
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MARAVILHA-TE, MEMÓRIA!
 
Maravilha-te, memória!
Lembras o que nunca foi,
E a perda daquela história
Mais que uma perda me dói.

Meus contos de fadas meus -
Rasgaram-lhe a última folha...
Meus cansaços são ateus
Dos deuses da minha escolha...

Mas tu, memória, condizes
Com o que nunca existiu...
Torna-me aos dias felizes
E deixa chorar quem riu.
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MAS O HÓSPEDE INCONVIDADO
 
Mas o hóspede inconvidado
Que mora no meu destino,
Que não sei como é chegado,
Nem de que honras é dino.
Constrange meu ser de casa
A adaptações de disfarce.
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MENDIGO DO QUE NÃO CONHECE
 
Mendigo do que não conhece,
Meu ser na 'strada sem lugar
Entre estragos amanhece...
Caminha só sem procurar…
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MEU CORAÇÃO ESTEVE SEMPRE
 
Meu coração esteve sempre
Sozinho. Morri já...
Para que é preciso um nome?
Fui  eu a minha sepultura.
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MEU RUÍDO DE ALMA CALA
 
Meu ruído de alma cala.
E aperto a mão no peito,
Porque sob o efeito
Da arte que faz trejeito,
O que é de Cristo fala.

Cega, porca, lixo
Da vida que n'alma tem,
Esta criança vem.
Que Deus é que do além
Teve este mau capricho?
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MEUS DIAS PASSAM, MINHA FÉ TAMBÉM
 
Meus dias passam, minha fé também.
Já tive céus e estrelas em meu manto.
As grandes horas, se as viveu alguém,
Quando as viveu, perderam já o encanto.
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MINHA ALMA SABE-ME A ANTIGA
 
Minha alma sabe-me a antiga
Mas sou de minha lembrança,
Como um eco, uma cantiga.

Bem sei que isto não é nada,
Mas quem dera a alma que seja
O que isto é, como uma estrada.

Talvez eu tosse feliz
Se houvesse em mim o perdão
Do que isto quase que diz.

Porque o esforço é vil e vão,
A verdade, quem a quis?
Escuta só meu coração.
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MINHA MULHER, A SOLIDÃO
 
Minha mulher, a solidão,
Consegue que eu não seja triste.
Ah, que bom é o coração
Ter este bem que não existe!

Recolho a não ouvir ninguém,
Não sofro o insulto de um carinho
E falo alto sem que haja alguém:
Nascem-me os versos do caminho.

Senhor, se há bem que o céu conceda
Submisso à opressão do Fado,
Dá-me eu ser só - veste de seda-,
E fala só - leque animado.
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MÚSICA... QUE SEI EU DE MIM?
 
Música... Que sei eu de  mim?
Que sei eu  de haver ser ou estar?
Música... sei só que sem fim
Quero saber só de sonhar...

Música... Bem no que faz mal
À alma entregar-se a nada...
Mas quero ser animal
Da insuficiência enganada

Música... Se eu pudesse ter,
Não o que penso ou desejo,
Mas o que não pude haver
E que até nem em sonhos vejo,

Se também eu pudesse fruir
Entre as algemas de aqui estar!
Não faz mal.  Fluir,
Para que eu deixe de pensar!

Aparecido Raimundo de Souza (Como pássaro de vidro)

BENGALO DO CACHIMBO SALSICHÃO, o pai de Andorrinha do Cachimbo Salsichão (a moça que caiu da varanda do vigésimo andar do prédio de apartamentos onde morava) foi chamado para prestar esclarecimentos em face do trágico acontecido. Antes dele, esteve na chefatura a esposa, dona Peripécia do Cachimbo Salsichão, Furquilho do Cachimbo Salsichão, irmão da vítima, a senhorita Cáspita de Sá, empregada e Brocardo Amanciado, o namorado de Andorrinha. Tudo levava a crer, teria sido o Brocardo Amanciado o criminoso. Ele vivia brigando com a namorada e, comumente a agredia saindo nos tapas e safanões.

Da última vez em que partiram para as trocas de farpas, Brocardo Amanciado jurou, de pés juntos, que se a “Andorrinha não voltasse para ele, tomaria uma decisão trágica”. A conversa rolou entre Brocardo Amanciado e o irmão Furquilho do Cachimbo Salsichão. Ao delegado, Furquilho do Cachimbo Salsichão relatou, passo a passo, a prosa tida com seu futuro cunhado: “Eu mato a peste da sua irmã... — disse ele.

— Tem coragem? – Perguntei, incrédulo.

— Até de sobra. Se ela me deixar, faço a cadela ir visitar papai do céu mais cedo, completou, muito sério, e descontrolado.

— Não chame a minha irmã de cadela, alertei agarrando o maldito pela camisa.

— Desculpe. Não foi a minha intenção compará-la a uma cachorra. Coitado desses animais... se entendessem... após isso, virou as costas e saiu”.

Pelo sim, pelo não, Andorrinha do Cachimbo Salsichão teve um final desventurado e calamitoso. Partiu em mil pedaços a juventude de seus dezoito anos, deixando seus familiares à beira de um desespero imensurável, bem ainda de um precipício medonho e sem volta.

O delegado deixou para ouvir o pai da moça por derradeiro, levando em conta vários motivos. Ele odiava o Brocardo Amanciado. Coisa de santo. O seu imaculado, não batia com o do rapaz. Por seu turno, Brocardo tinha um ódio tremendo do sogro, tendo em vista que ele não o deixava pernoitar na casa da amada.

Praticamente dia sim, dia não, ambos entravam em conflito. Se fazia necessário a esposa, dona Peripécia do Cachimbo Salsichão largar seus afazeres domésticos e entrar em cena para acalmar os ânimos exaltados:

— Seu Bengalo — obtemperava Brocardo. Sou um rapaz direito. Não vou fazer nada de errado. Amo a sua filha e as minhas intenções, para com ela, são as melhores...

Ao que o sogro sempre batendo na mesma tecla, argumentava, seguro de si, sem claro, arredar pé e abrir a guarda:

— Já fui jovem igual a você, meu caro. Não fazia nada errado. Quando ia para a casa da minha namorada, hoje minha esposa Peripécia, meu sogro me obrigava a dormir na garagem. Tinha um sofá velho, caindo aos pedaços, cheio de formigas e era nele que eu passava as noites. Belo dia, me enchi de razão. Esperei o desgranhento se recolher e, quando o vi roncando, pulei da garagem para o quarto da minha doce amada...

Fez uma pausa, acendeu um cigarro, tirou algumas tragadas e continuou:

— Tal ato, desde então, passou a virar rotina...

— E a Andorrinha?

— Nasceu de uma inversão...

— Inversão?

— Sim.

— Como é lá isso?

— Certa noite, ao invés de eu pular para a cama da Peripécia, ela se adiantou e caiu de paraquedas dentro da garagem, passando a dormir comigo no bendito divã.

Brocardo interrompeu o sogro e mandou a pergunta que estava entalada:

— Mas espera lá, seu Bengalo. Tem algo na sua história que não consigo digerir. As idades, digo, o tempo entre o nascimento da Andorrinha e a vinda, ao mundo, do Furquilho... acho que o senhor...

O velho fuzilou o póstero genro com uma ferocidade monstruosa:

— Cala a boca, seu verme. Por favor, saia daqui.

— Mas...

— Sem mais, nem sem menos. Vamos, ordinário, desinfeta...

— Seu Bengalo, só fiz uma pergunta...

— Você não tem o direito de perguntar droga nenhuma, tampouco de achar o que acha que deve ser achado. Aqui quem tem que achar ou “desachar”, sou eu. Puxa o carro!

Dia seguinte, após as formalidades de praxe, o depoimento de Bengalo do Cachimbo Salsichão teve início:

— Então, seu Bengalo. Onde o senhor estava quando a sua filha se projetou do vigésimo andar?

— Na sala... vendo o jornal...

— O senhor estava sozinho?

— Não. O namorado da Andorrinha se fazia prostrado ao lado dela.

— Onde eles estavam, precisamente?

— Na varanda do meu apartamento...

— Na varanda de onde ela supostamente se projetou?

— Sim.

O delegado coçou a cabeça:

— O senhor acha que ela pulou, foi empurrada, ou pior, atirada?

— Não tenho como provar, mas eu, cá com meus botões, acho que o filho de uma égua do Brocardo a atirou.

— Eles estavam juntos na varanda? O senhor confirma?

— Sim. Com certeza.

— Continue...

—... Brocardo veio aos desmunhecos. Parecia uma libélula espavorida. Soluçando e chorando: “Seu Bengalo, pelo amor de Deus, a Andorrinha acabou de pular...”. Na hora, não atinei, e, meio que abestalhado, indaguei: “pulou de onde, para onde seu safado?”. O sujeito me olhou com cara de sonso e respondeu rispidamente: “Seu idiota, imbecil... ela se atirou aqui da sua varanda... faça alguma coisa....

O delegado antes de continuar pediu a um dos policiais que lhe trouxesse um café:

— O namorado dela, o Brocardo, pediu que o senhor fizesse alguma coisa. E que atitude o senhor tomou?

— O que qualquer pai faria. Me precipitei porta afora, ganhando as escadas saltando os degraus de três em três... minha esposa e a empregada entraram em desespero... os vizinhos apareceram do nada. O rato do Brocardo veio em meu encalço...

— E seu filho Furquilho?

— Jogando bola com os amigos num condomínio próximo ao nosso.

— Continue...

— Quando chegamos na área em que a minha filha certamente terminaria, como, de fato, encerrou com a sua desdita, me desesperei... literalmente me vi de joelhos, ao lado dela...

— Não entendi. Queira, por gentileza, ser mais claro e objetivo?

Na inocência que lhe amargurava o coração, o pai de Andorrinha agora chorando copiosamente, explicou:

— A minha ideia, seu delegado, não outra senão a de segurá-la no colo, para que não se despedaçasse no cimento do condomínio...

O delegado desferiu um forte e potente murro na mesa e se levantou abespinhado:

— Como é que é? O senhor está me tirando? Queria ampará-la no colo e evitar que se esborrachasse no chão? Foi o que ouvi?

— Sim, seu delegado. Isso mesmo. Quando topei com a minha pobre e querida filha, ali, morta, estirada, sem vida, toda coberta de sangue, da cabeça aos pés, me dei conta... meu Deus, doutor, me dei conta que a minha garotinha, ao saltar lá de cima, da varanda, ou ser jogada, sei lá, em seu curto trajeto, havia chegado primeiro...

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Adega de Versos 87: Madalena Ferrante Pizzatto

 

Clarisse da Costa (É sobre aproveitar os momentos)

Que fim levou as rosas no dia dos namorados? Que fim levou o abraço sem razões para abraçar? Onde foram parar todas as cartas de amor?

Cadê aquela vontade de ficar e deixar um pingo de saudade? Os dias passam e fica uma incerteza.

A janela se espelha no chão com a luminosidade do sol. O passarinho pela manhã fica escondido entre as folhas do pé de hibisco. Na gaveta os livros amarelados trazem histórias interessantes que falam um pouco da vida, a vida com nuances e sensações.

Eu parei para ler o livro "Marley e Eu" e comecei a dar risadas. Um cotidiano pacato e divertido! Nem se percebe as horas passarem com este livro.

Mas para que pressa? Às vezes é necessário desacelerar a vida.

Como diz a canção "não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si". É sobre aproveitar cada momento, buscar novos sonhos e sonhar. Ver os passos da incerteza chegando em algum lugar por acreditar que é possível. É viver. Viver o nascer do sol. Viver o florescer das flores. Viver o aconchego de um afago. Viver todos os momentos da vida.

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Silmar Böhrer (Croniquinha) 58

Reinos? O que são reinos?

A palavra reino surgiu do latim "regnum", designando um território onde os habitantes estão sujeitos a um rei. Como costuma acontecer com muitas palavras, esta também se multiplicou, criou asas e saiu pelo mundo dando sentido a corpos da natureza, a seres e entes - reino dos céus, reino animal, reino da poesia, reino vegetal.

Quando nascemos estamos iniciando nosso reinado. Crescemos e vamos em busca de ambições, reinos de possibilidades, conquistas. E se não somos reis de grandes domínios, alargamos algumas fronteiras, abrimos leques, fincamos raízes em espaços conquistados.

Sejam férteis, e sejam amplos, e sejam fartos de felícias nossos reinados - o reino das ideias e dos pensares é parte do conjunto da nossa obra. E se reinamos com bom-senso, prudência e alguma sabedoria, parece que temos chance de um dia desfrutar das delícias do reino dos céus.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

II Concurso de Pantun do CTS e da UBT Caicó-RN (Premiados) Estadual (RN)


1º LUGAR:
PROFESSOR GARCIA
Caicó

PANTUN DA MORTE SEM PENA

 
É duro, mas com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)

 
A mãe que pratica aborto,
por mais que ela se lastime,
dos olhos de um filho morto,
jamais foge deste crime.
 
Por mais que ela se lastime,
chore de pranto e de dor,
jamais foge deste crime,
aos olhos do criador.
 
Chore de pranto e de dor,
tente fugir do que fez,
aos olhos do Criador
é um ato de morbidez?...
 
Tente fugir do que fez,
ante a maldade e a vileza,
é um ato de morbidez?...
É duro, mas com certeza!
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2º LUGAR:
HÉLIO ALEXANDRE SILVEIRA E SOUZA
Natal

PANTUN DO AMOR ABORTADO


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)

 
A mãe que pratica aborto
nega o amor tirando a vida
dos olhos de um filho morto,
num adeus sem despedida...
 
Nega o amor tirando a vida
a mãe de um filho negado  
num adeus sem despedida
e acentua o seu pecado.
 
A mãe de um filho negado
ceifa infindos sonhos seus
e acentua o seu pecado
se não busca a luz de Deus.
 
Ceifa infindos sonhos seus
mãe que afronta a natureza;
se não busca a luz de Deus
é duro, mas, com certeza!
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3º LUGAR:
FRANCISCO GABRIEL
Natal

PANTUN DOS OLHOS SEM VIDA


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)


A mãe que pratica aborto
perece junto com a dor
dos olhos de um filho morto
clamando a falta de amor.

Perece junto com a dor
uma inocência ferida
clamando a falta de amor
da mãe que despreza a vida.

Uma inocência ferida
sofre com o golpe profundo
da mãe que despreza a vida
quando perde a luz do mundo.

Sofre com o golpe profundo
aquela vida indefesa
quando perde a luz do mundo.
É duro! Mas, com certeza!
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4º LUGAR:
MARA MELINNI
Caicó

PANTUN DO PASSO PERDIDO


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)


A mãe que pratica aborto,
mesmo sem pensar direito,
dos olhos de um filho morto,
vê seu destino sem jeito…

Mesmo sem pensar direito,
a vida perde o sentido…
Vê seu destino sem jeito,
na dor de um passo perdido.

A vida perde o sentido,
o tempo, a cruz não desfaz;
na dor de um passo perdido,
não há mais sonhos nem paz.

O tempo, a cruz não desfaz;
ressoa a voz da tristeza…
Não há mais sonhos nem paz…
É duro, mas, com certeza!
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5º LUGAR:
TROYA D’SOUZA
Parnamirim

PANTUN DO DESPREZO

É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos do filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)

A mãe que pratica aborto,
não se comove no breu
dos olhos do filho morto,
que a maldade promoveu.

Não se comove no breu,
da tragédia praticada.
Que a maldade promoveu,
Mais uma vida ceifada.

Da tragédia praticada,
encerrou-se o dom da vida.
Mais uma vida ceifada,
pelas mãos de uma bandida.

Encerrou-se o dom da vida,
com desprezo e com frieza,
pelas mãos de uma bandida,
É duro mas com certeza!
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6º LUGAR:
FABIANO FECHINE TORRES CLEMENTE
Natal

PANTUM DO ARREPENDIMENTO


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(Jose Lucas de Barros)

A mãe que pratica aborto,
jamais enxerga o amanhã
dos olhos de um filho morto,
não concebido em afã.

Jamais enxerga o amanhã,
do enviado de Jesus,
não concebido em afã,
por não querer dar à luz.

Do enviado de Jesus,
roga pela salvação,
por não querer dar à luz,
já que não tem solução.

Roga pela salvação,
pra livrar tanta fraqueza,
já que não tem solução...
é duro, mas, com certeza.
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7º LUGAR:
FABIANO DE CRISTO MAGALHÃES WANDERLEY
Natal

PANTUN DA ADVERSIDADE!


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)

 
A mãe, que pratica aborto,
vai de encontro, a natureza,
dos olhos, de um filho morto,
descarta toda frieza.
 
Vai de encontro, a natureza,
esse fato, que a envolveu,
descarta, toda  frieza,
o charme, do encanto, seu.
 
Esse fato, que a envolveu,
se torna, um crime, imponente,
o charme , do encanto seu,
é repulsivo, é fremente.
 
Se torna, um crime, imponente,
ceifa a vida, sem tristeza,
é repulsivo, é fremente,
é duro, mas, com certeza.
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8º LUGAR:
MARCOS ANTÔNIO CAMPOS
Natal

PANTUN DO INDEFESO

 
É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)

 
A mãe que pratica aborto
Apaga, no rosto, a luz,
dos olhos de um filho morto
em quem não pôs uma cruz.
 
Apaga, no rosto, a luz,
a falta de uma esperança,
em quem não pôs uma cruz,
a autora dessa vingança.
 
A falta de uma esperança
leva a mãe à depressão.
A autora dessa vingança,
pecou por não ter razão.
 
Leva a mãe à depressão,
os transtornos da tristeza.
Pecou por não ter razão,
é duro, mas, com certeza...
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9º LUGAR:
FRANCISCO MAIA DOS SANTOS
Caicó

VIDA CEIFADA


É duro, mas, com certeza,
a mãe que prática aborto,
nunca pensou na tristeza,
dos olhos de um filho morto.
(José Lucas de Barros-RN)


A mãe que pratica aborto,
consciência, ela não tem;
dos olhos de um filho morto,
sairão lágrimas também.

Consciência ela não tem,
matando um ser prematuro;
sairão lágrimas também,
depois de um golpe tão duro.

Matando um ser prematuro,
sem ter chance de nascer;
depois de um golpe tão duro,
foi condenado a morrer.

Sem ter chance de nascer,
esse ente sem defesa;
foi condenado a morrer,
é duro, mas, com certeza.
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10º LUGAR:
DANIEL BEZERRA DA SILVA
Parnamirim

ABORTO É INSENSATEZ


É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto!
(José Lucas de Barros-RN)


A mãe que pratica aborto,
comete um assassinato,
dos olhos de um filho morto,
quando mata um neonato.

Comete um assassinato,
sim, a mãe despudorada,
quando mata um neonato,
deve ser enclausurada.

Sim, a mãe despudorada,
que não quer a gravidez,
deve ser enclausurada,
por tamanha insensatez.

Que não quer a gravidez,
age com muita crueza
por tamanha insensatez,
é duro, mas, com certeza.
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11º LUGAR:
EDSON DE PAIVA
Rafael Godeiro

PANTUM DO DIREITO A VIDA

 
É duro, mas, com certeza,
a mãe que pratica aborto,
nunca pensou na tristeza
dos olhos de um filho morto
(José Lucas de Barros-RN)


A mãe que pratica aborto
mesmo sendo coagida,
dos olhos de um filho morto,
apaga a luz de uma vida

Mesmo sendo coagida,
mãe que cessa a gestação,
apaga a luz de uma vida,
deve ir para escuridão
 
Mãe que cessa a gestação,
abre mão do amor materno,
deve ir para a escuridão,
das profundezas do inferno

Abre mão do amor materno,
mulher que não tem defesa
das profundezas do inferno,
é duro, mas, com certeza!

O CTS e a UBT Seção Caicó-RN parabenizam todos os classificados e agradecem a todos os participantes!!

Atenciosamente,
Prof. Garcia
Caicó-RN, 01/08/2022.

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) Vagões 71 e 72


DIÁLOGO FILOSÓFICO


— As coisas não são o que são, mas também não são o que não são — disse o professor suíço ao estudante brasileiro.

— Então, que são as coisas? — inquiriu o estudante.

— As coisas simplesmente não.

— Sem verbo?

— Claro que sem verbo. O verbo não é coisa.

— E que quer dizer coisas não?

— Quer dizer o não das coisas, se você for suficientemente atilado para percebê-lo.

— Então as coisas não têm um sim?

— O sim das coisas é o não. E o não é sem coisa. Portanto, coisa e não são a mesma coisa, ou o mesmo não.

O professor tirou do bolso uma não barra de chocolate e comeu um pedacinho, sem oferecer outro ao aluno, porque o chocolate era não.
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DIÁLOGO FINAL

— É tudo que tem a me dizer? — perguntou ele.

— É. — respondeu ela.

— Você disse tão pouco.

— Disse o que tinha para dizer.

— Sempre se pode dizer mais alguma coisa.

— Que coisa?

— Sei lá. Alguma coisa.

— Você queria que eu repetisse?

— Não. Queria outra coisa.

— Que coisa é outra coisa?

— Não sei. Você que devia saber.

— Por que eu devia saber o que você não sabe?

— Qualquer pessoa sabe mais alguma coisa que outro não sabe.

— Eu só sei o que eu sei.

— Então não vai mesmo me dizer mais nada?

— Mais nada.

— Se você quisesse…

— Quisesse o quê?

— Dizer o que você não tem para me dizer. Dizer o que não sabe, o que eu queria ouvir de você. Em amor é o que há de mais importante: o que a gente não sabe.

— Mas tudo acabou entre nós.

— Pois isso é o mais importante de tudo: o que acabou. Você não me diz mais nada sobre o que acabou? Seria uma forma de continuarmos.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Daniel Maurício (Poética) 36

 

II Concurso de Pantun do CTS e da UBT Caicó-RN (Premiados) Nacional/Internacional


1º LUGAR:
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

PANTUN DOS VÁRIOS “EUS”


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
de um tempo que se perdeu,
brincam juntos de mãos dadas,
os vários “eus”; que fui eu.

De um tempo que se perdeu,
ao longo da travessia,
os vários “eus”; que fui eu
se encontram na nostalgia.

Ao longo da travessia,
os “eus”; que o tempo enrugou
se encontram na nostalgia,
celebrando o que passou.

Os “eus”; que o tempo enrugou
cirandam feito criança,
celebrando o que passou
pelas ruas da lembrança.
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2º LUGAR:
MÁRIO MOURA MARINHO
Sorriso/MT

Pantun da Colorida Infância


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)


Nas cirandas das calçadas,
pirralhos pobres, sem meia,
brincam juntos de mãos dadas,
ao clarão da lua cheia.

Pirralhos pobres, sem meia,
sobre o chão da fantasia,
ao clarão da lua cheia,
pintam sonhos de alegria.

Sobre o chão da fantasia,
inocência e puridade,
pintam sonhos de alegria,
com pincéis de ingenuidade.

Inocência e puridade
dão cor à vida que avança,
com pincéis de ingenuidade,
pelas ruas da lembrança.
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3º LUGAR:
LILIA SOUZA
Curitiba/PR

PANTUN DA SAUDADE


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)


Nas cirandas das calçadas,
momentos de antigamente
brincam juntos de mãos dadas,
nas ruas da minha mente.

Momentos de antigamente,
ao recordar tenho a prova:
nas ruas da minha mente,
a esperança se renova.

Ao recordar, tenho a prova,
neste sonho sem idade:
a esperança se renova,
cantando a mesma saudade.

Neste sonho sem idade,
cada qual é mais criança,
cantando a mesma saudade,
pelas ruas da lembrança.
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4º LUGAR:
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR

Pantun da Magia


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
 
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
sob os risos em cadência,
brincam juntos, de mãos dadas,
o amor, ternura e inocência.

Sob os risos em cadência,
onde o reino é de magia,
o amor, ternura e inocência
fecham portas à utopia...

Onde o reino é de magia
o tempo e a felicidade,
fecham portas à utopia
e abrem portões à saudade.

O tempo e a felicidade
veem na gente a criança
e abrem portões à saudade
pelas ruas da lembrança!
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5º LUGAR:
MIFORI
São José dos Campos/SP

Pantun da Saudade


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
as meninas e os meninos,
brincam juntos de mãos dadas...
São amores genuínos!

As meninas e os meninos,
vão formando seus valores.
São amores genuínos,
os novos descobridores!

Vão formando seus valores,
se educando para a vida,
os novos descobridores,
com coragem sem medida!

Se educando para a vida,
a idade adulta se alcança
com coragem sem medida,
Pelas ruas da lembrança!...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

6º LUGAR:
FERNANDO BELINO
Sete Lagoas/MG


Pantun da memória da infância

Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)


Nas cirandas das calçadas,
em movimento sem fim,
brincam juntos de mãos dadas,
os sonhos dentro de mim.

Em movimento sem fim,
imortais recordações,
os sonhos dentro de mim,
num vendaval de emoções!

Imortais recordações
surgem sem mandar aviso,
num vendaval de emoções,
misto de pranto e de riso.

Surgem, sem mandar aviso,
as memórias de criança;
misto de pranto e de riso,
pelas ruas da lembrança!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

7º LUGAR:
RENATA PACCOLA
São Paulo/SP

PANTUM DAS CIRANDAS


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas
garotos de pés descalços
brincam juntos de mãos dadas
sem angústias ou percalços.

Garotos de pés descalços
vivem mais intensamente,
sem angústias ou percalços
cirandando livremente!

Vivem mais intensamente
os que retornam à infância,
cirandando livremente,
mantendo o medo à distância.

Os que retornam à infância
revivem sua criança,
mantendo o medo à distância
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

8º LUGAR:
JOSÉ OUVERNEY
Pindamonhangaba/SP

PANTUN DA LENTIDÃO


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)


Nas cirandas das calçadas,
num filme que invade a mente,
brincam juntos, de mãos dadas,
meu passado e meu presente.

Num filme que invade a mente,
de modo quase abusivo,
meu passado e meu presente
afrontam meu porte altivo.

De modo quase abusivo
meus passos, agora lentos,
afrontam meu porte altivo;
limitam-me os movimentos...

Meus passos, agora lentos,
de um cirandar que hoje cansa,
limitam-me os movimentos
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

9º LUGAR:
CÉLIA M. G. MENDONÇA DE MELO
Juiz de Fora/MG

Pantun da Lembrança


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
nas ruas e nesta praça,
brincam juntos de mãos dadas,
anjinhos cheios de graça.

Nas ruas e nesta praça
brincam fadinhas faceiras,
anjinhos cheios de graça
e também as feiticeiras.

Brincam fadinhas faceiras;
são todas muito animadas
e também as feiticeiras,
neste meu conto de fadas.

São todas muito animadas
e eu, voltando a ser criança,
neste meu conto de fadas,
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

10º LUGAR:
MÁRCIA JABER
Juiz de Fora/MG

Pantun dos Amores sem Fadigas


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
ao som de velhas cantigas,
brincam juntos de mãos dadas,
os amores sem fadigas.

Ao som de velhas cantigas,
rodopiam, se entrelaçam,
os amores sem fadigas
nunca, nunca descompassam.

Rodopiam, se entrelaçam,
entre beijos dadivosos...
Nunca, nunca descompassam
em seus passos amorosos.
 
Entre beijos dadivosos,
bem querer, terna aliança
em seus passos amorosos
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

11º LUGAR:
JERSON LIMA DE BRITO
Porto Velho/RO

PANTUN DO ABANDONO


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)


Nas cirandas das calçadas,
meus versos, à tua espera,
brincam juntos de mãos dadas
sob a fúria da quimera.

Meus versos, à tua espera,
na madrugada sem fim,
sob a fúria da quimera,
bradejam dentro de mim.

Na madrugada sem fim,
as vozes roucas da ardência
bradejam dentro de mim,
lamentando a tua ausência.

As vozes roucas da ardência
ecoam, sem temperança,
lamentando a tua ausência
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

12º LUGAR:
MARIA EUNICE SILVA DE LACERDA
Toledo/PR

Pantun das Cirandas


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)
 
Nas cirandas das calçadas,
sob um luar que prateia,
brincam juntos de mãos dadas,
os meninos lá da aldeia.
 
Sob um luar que prateia:
pega-pega, amarelinha...
Os meninos lá da aldeia,
 também dançam cirandinha.
 
Pega-pega, amarelinha...
brincadeiras como outrora.
Também dançam cirandinha,
brincam crianças de agora.
 
Brincadeiras como outrora
seguindo em perseverança,
brincam crianças de agora,
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

13º LUGAR:
ADILSON ROBERTO GONÇALVES
Campinas/SP

Pantun da Festa de Desejos


Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
 
(Aloísio Alves da Costa-CE)

Nas cirandas das calçadas,
jovens, velhos e crianças
brincam juntos de mãos dadas
em jogos, festas e danças.

Jovens, velhos e crianças,
não importa qual a idade,
em jogos, festas e danças
buscam a felicidade.

Não importa qual a idade
dos que brincam nos festejos;
buscam a felicidade,
um de seus nobres desejos.

Dos que brincam nos festejos
fica ainda a paz de herança:
um de seus nobres desejos
pelas ruas da lembrança.
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14º LUGAR:
ELIZABETH APARECIDA DE CASTRO MENDONÇA FONTES
Joinville/SC

Pantun da Saudade

Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)

 
Nas cirandas das calçadas,
giram versos, poesia,
brincam juntos de mãos dadas
na mais doce melodia.
 
Giram versos, poesia,
resgatados da memória,
na mais doce melodia
relembrando cada história.
 
Resgatados da memória,
os sonhos, sem contratempo,
relembrando cada história
que foi bordada no tempo.
 
Os sonhos, sem contratempo,
trazem bem-aventurança
que foi bordada no tempo
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = =

15º LUGAR:
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

PANTUN DA NOSTALGIA

 
Pelas ruas da lembrança,
nas cirandas das calçadas,
saudade, sonho e esperança,
brincam juntos de mãos dadas.
(Aloísio Alves da Costa-CE)
 
Nas cirandas das calçadas,
meu passado e meu presente
brincam juntos de mãos dadas,
constroem uma corrente.
 
Meu passado e meu presente
sofrem em cumplicidade,
constroem uma corrente,
em suspiros de saudade.
 
Sofrem em cumplicidade,
padecem dores de outrora.
Em suspiros de saudade,
sentem o tempo ir embora.
 
Padecem dores de outrora,
suportam a triste andança...
Sentem o tempo ir embora
pelas ruas da lembrança.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

continua… Estadual

Fonte:
Resultado enviado pelo Prof. Garcia.

Luís da Câmara Cascudo (O Sonho de Paraguaçu)

Com destino ao mar Pacífico, tomaram o vento do porto de San Lucas de Barrameda, na Andaluzia, em dias de setembro de 1534, duas naus castelhanas tripuladas por 250 marinheiros, soldados e colonos. Destes, não poucos nobres. Dirigia a jornada Dom Simão de Alcaçovas e Soutomaior, fidalgo português a serviço de Carlos V. A expedição tinha por fim explorar e povoar duzentas léguas de costa, desde o povoado de Chincha até o estreito de Magalhães, ao sul do vasto e riquíssimo império que Francisco Pizarro acabava de conquistar para a Espanha, e doadas ao dito Alcaçovas pela Imperatriz Isabel, com o título de Província de Novo Leão.

Tendo navegado em mui curta extensão o estreito, tão trabalhosa e arriscada se lhe prefigurou a travessia, tais dificuldades teve de enfrentar desde logo, que se viu forçado a retroceder, procurando abrigo na ilha dos Lobos, onde sua gente revoltada o assassinou.

Tomou a direção da esquadrilha um Juan de Echearcaguana, que fez degolar os capitães das naves, pondo em seguida a capa sobre o Norte, em busca de São João de Porto Rico, no mar dos Caraíbas. Após haverem navegado em conserva durante dois dias, os baixéis perderam-se de vista.

Viajava aquele em que tremulara a insígnia do desditoso Alcaçovas, sempre amarrado ao litoral e ao atingir a altura de Boipeba, revoltou-se ainda uma vez a tripulação, encalhando-o num recanto da costa da ilha, que até hoje guarda, por isso, o nome de ponta dos Castelhanos. Foi no dia do Apóstolo São Tiago, Ia de maio de 1535. Metendo-se nos botes e numa chalupa, os amotinados abandonaram a embarcação, em busca de terra, onde foram amistosamente recebidos pelos índios tupinambás. Ao fim, porém, de breves dias, pilhando-os desprecatados, chacinaram-nos sem piedade. Poucos dos castelhanos escaparam à sangueira.

A outra nave, denominada "San Pedro", governada pelo piloto Juan de Mori, veio jornadeando igualmente sem perder a costa do horizonte. Fome e enfermidade flagelaram-lhe a tripulação, que de novo se revoltaria se, em tempo, o capitão não metesse nos ferros os mais salientes.

Cinquenta dias eram passados que sobre o mar corria a nau, quando entrou nas águas da baía de Todos os Santos, onde os mareantes toparam Diogo Álvares, Caramuru, em companhia de nove homens brancos, vivendo pacificamente entre os índios das vizinhanças.

Pouco depois chegou ao porto a chalupa do navio soçobrado em Boipeba, com dezessete sobreviventes da traição do gentio, quase todos feridos de flecha, narrando quanto lhes acontecera, dizendo mais que possivelmente outros dos seus companheiros haveriam escapado à mortandade, refugiando-se em qualquer parte da ilha.

Atendendo às súplicas do Mori, dirigiu-se Diogo Álvares ao local sinistro, vinte léguas ao sul de sua aldeia, encontrando ali noventa cadáveres em putrefação e quatro homens milagrosamente poupados da fúria dos selvagens, embora feridos.

Somente a 18 de agosto, a "San Pedro" largou as velas em rumo da Península, tendo alguns tripulantes ou passageiros da malograda expedição ficado na terra com o Caramuru, ao passo que dos companheiros deste alguns quiseram ir-se embora. Em troca de mantimentos que recebera de Diogo Álvares, largou-lhe Juan de Mori a chalupa e duas pipas de vinho.

Um pormenor que define a intensidade do sentimento religioso entre os homens da época, sem, infelizmente, torná-los menos cruéis: antes de partir, o capitão castelhano entendeu ser obra de misericórdia sondar a alma do voluntário exilado minhoto, submetendo-o a uma sabatina de catecismo. Nada havia esquecido, pois, diz um cronista: - "E falou-se-lhe em alguma coisa da Fé, e, ao que mostrou, estava bem nela".

Teve Diogo uma carta de agradecimento do grande Imperador Carlos V - vai por conta de Rocha Pita e do Padre Simão de Vasconcelos – pelo socorro prestado aos náufragos de sangue azul. Que quanto aos plebeus, certamente, pouco importaria ao magnífico senhor de meio universo que levassem eles o capeta.

Eis aí o caso narrado com algumas divergências pelos historiadores. Veja-se agora a seguinte lenda, que se relaciona com o naufrágio do navio castelhano em Boipeba. Na sua aldeia, à entrada da baía de Todos os Santos, residia Diogo Álvares. Em certa manhã de maio de 1536, sua esposa, a celebrada Catarina Paraguaçu, contava-lhe singular sonho por duas vezes tido àquela noite: em extensa praia vira um navio destroçado, homens brancos rotos, encharcados os trapos que mal lhes resguardavam a pele, transidos de frio e inânimes de fome, estando entre eles uma jovem mulher muito alva, de estranha e fascinadora beleza, tendo aos braços não menos bela e alva criancinha.

Mandou Caramuru explorar a costa próxima, desde a entrada da barra até além do rio Vermelho, a ver se nela algum navio fizera naufrágio, pois enxergara no sonho de Catarina celeste aviso para ir em auxilio de cristãos que por aquelas redondezas houvessem sido vítimas
das insídias do mar. Tais pesquisas resultaram negativas.

Nessa noite, Paraguaçu teve outra vez o mesmo sonho. Ordenou Diogo novas buscas, até muito longe estendidas. Passaram-se dias, e vieram os índios trazer-lhe novas de haver-se despedaçado uma embarcação de gente branca na costa da ilha de Boipeba, Boipeba, achando-se em terra os seus tripulantes, a curtir privações. Sem demora, partiu Caramuru em socorro dos náufragos, que eram castelhanos, trazendo-os com ele. Entre os náufragos, porém, não estava mulher alguma. E que não viera a bordo pessoa de outro sexo, asseguraram-lhe. Entretanto, à noite de sua volta, a linda mulher tornou aparecer a Catarina, agora sozinha - dizendo-lhe que a mandasse buscar para a sua aldeia e lhe fizesse uma casa.

Era-lhe a voz tão harmoniosa, que Paraguaçu despertou extasiada, rogando insistentemente ao marido que fosse de novo à ilha, à procura.

Diogo partiu pela segunda vez, e em todas as aldeias vizinhas do lugar do sinistro, deu rigorosa batida, julgando haverem os tupinambás em custódia a moça que se mostrava à esposa adormecida. Finalmente, na palhoça dum indígena, encontrou pequena arca, que dos destroços do navio soçobrado o mar atirara à praia. Abrindo-a, encontrou uma imagem da Virgem Maria, com o Menino Jesus nos braços. Ao ver a imagem, Paraguaçu exultou de alegria, nela reconhecendo os traços fiéis da moça dos sonhos. Diogo fez elevar com presteza, perto da sua habitação, uma ermida de taipa, onde colocou o santo vulto. E porque lhe ignorasse a invocação, deu-lhe a de Nossa Senhora da Graça, pelo que fizera aos náufragos, promovendo-lhes o salvamento, e à Catarina revelando-lhe o seu paradeiro. Mais tarde, Caramuru construiu outra igrejinha, mais bem-cuidada, de pedra e cal, no mesmo sítio de hoje, reedificada em 1770.

Desde o começo do povoamento da terra por cristãos, a Santa Virgem começou também a favorecê-los com muitas graças, sendo frequentes, nos tempos de antanho, as romarias de fiéis que procuravam o seu templo. Aos náufragos, especialmente, e isto logo que foi posta ali, socorreu por multiplicadas vezes. Quando algum navio era sinistrado nas costas próximas, reza a lenda, apareciam umedecidas as vestiduras da santa imagem, testemunhando assim, de maneira irrefragável, a intervenção da Senhora na salvação das vítimas das ondas furiosas e bancos de areia traiçoeiros.

Vindo Dom João de Lencastro governar o Brasil, em 1694, um dos primeiros cuidados que teve ao chegar a esta cidade foi dirigir- se reverentemente à Igreja de Nossa Senhora da Graça, a quem tributava especial devoção, e depor lhe aos pés o bastão de governador, rogando-lhe, com a mais viva fé, que lhe guiasse os passos na administração da república. Ouviu-lhe Maria Santíssima a súplica, pois os seus longos nove anos de gestão do Estado do Brasil resultaram de muito proveito para os povos, quer nas coisas pertinentes ao temporal, quer nas atinentes ao espiritual.

A Capela que Diogo Álvares elevara, bem como o terreno em derredor, doou-os Catarina Paraguaçu, na penúltima década do século de quinhentos, aos padres de São Bento, após haver obtido do Sumo Pontífice - asseveram-no Frei Vicente do Salvador e Padre Simão de Vasconcelos - muitas relíquias e indulgências para os romeiros.

Eis aí, segundo a história e a lenda, a crônica da tradicional Abadia de Nossa Senhora da Graça, onde jazem as cinzas da piedosa esposa de Diogo Álvares, Caramuru.

A imagem que ainda hoje se venera no altar mor é a mesma que foi por aquele encontrada no tejupá do índio de Boipeba, vai por mais de quatro séculos, medindo uns seis palmos de altura. Na sacristia veem-se três antigos óleos em que figura a celebrada princesa brasílica.

Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Lendas brasileiras para jovens. Projeto Livro para Todos.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Varal de Trovas n. 565

 

Jessé Nascimento (Amigos para sempre)

Conversavam animadamente, entrecortando o papo com gostosas gargalhadas. Relembravam outra época em que trabalharam juntos. Bons tempos, repetiam de quando em quando. Pareciam não ter pressa. E, vez por outra, o nome de outro colega era citado e os comentários e exclamações eram os mais diversos. Quem os ouvia conversando só poderia concluir, evidentemente, que se tratava de grandes amigos.

Os segundos eternizavam-se. E alguns já manifestavam sua pressa em chegar ao destino. As buzinas ecoavam ensurdecedoras e nenhum dos dois parecia dar-se conta do que estava acontecendo. Deviam estar conversando há uns dois minutos, pelo menos.

Reiniciaram-se as reclamações. Nervosas, as buzinas não se calavam. Imprecações e impropérios feriam os ouvidos mais sensíveis. E os dois - nem te ligo - continuaram conversando por mais um interminável minuto, talvez.

As vozes agitadas já dominavam o ambiente. Eu me divertia com tudo o que estava acontecendo. E não deixei de sorrir, por entre os dentes, com a felicidade daqueles dois amigos tagarelas que pareciam não se encontrar há séculos.

Foi quando os dois motoristas decidiram despedir-se, às gargalhadas, desejando-se sorte. Estavam pouco se  lixando para as imensas filas de veículos que se formavam em ambos os lados da rua. Enquanto conversavam, tinham parado seus ônibus em sentido contrário, detendo o trânsito de ida e vinda.

Ante o murmúrio geral e palavrões de alguns, nosso motorista, alheio e insensível à revolta que provocara, deu partida no ônibus e disse bem alto para o trocador e passageiros:

- Grande amigo, o melhor amigo que já tive.

Sorri no canto do meu banco. Eu talvez fora o único a não irritar-me com aquele encontro.

Fonte:
Recanto das Letras do autor. Crônicas.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/5239907

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XLVI


DEVANEIOS...
 
MOTE:
O devaneio profundo
pelos caminhos da mente,
liberta a gente do mundo
que oprime o mundo da gente!

Aloísio Alves da Costa
Umari/CE, 1935 – 2010, Fortaleza/CE


GLOSA:
O devaneio profundo
para longe nos transporta,
para um corredor bem fundo
que nos abre sua porta.
 
E divagamos, então,
pelos caminhos da mente,
caminhos do coração,
coração que é indulgente!
 
O pensamento oriundo
desse longo devaneio,
liberta a gente do mundo
liberta, em nós, cada anseio!
 
E essa nova liberdade
nasce da nova semente
e implode, então, a maldade
que oprime o mundo da gente!
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   PERFIL IMAGINÁRIO
 
MOTE:
Em meu quarto, solitário,
sinto a saudade afagando
o perfil imaginário,
que as minhas mãos vão traçando!

Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG


GLOSA:
Em meu quarto, solitário,
abraçado à solidão,
me transformo em visionário
e vivo intensa emoção!
 
Querendo, enfim, ser feliz,
sinto a saudade afagando
você, que é tudo que eu quis
e que eu continuo amando!
 
Meu quarto, quase um santuário,
reflete em tons bem brilhantes,
o perfil imaginário,
de nós dois, grandes amantes!
 
Seu perfil se evidencia...
Sinto meu ego enxergando
esse perfil de utopia,
que as minhas mãos vão traçando!
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   OFENSA ARREPENDIDA
 
MOTE:
Na praça da minha vida,
vi, de joelhos, em vão,
uma ofensa arrependida,
pedindo abraço ao perdão!

José Valdez de Castro Moura
Pindamonhangaba/SP


GLOSA:
Na praça da minha vida,
estavam tristes as flores
pela ausência dolorida
das ilusões e de amores.
 
Retornando ao meu passado
vi, de joelhos, em vão,
o mal que eu fiz, assustado,
gritando em meu coração!
 
Eu vi, pedindo guarida,
com os olhos rasos d’água,
uma ofensa arrependida,
afogando-se na mágoa!
 
Chorando, quase implorava
amor, carinho, afeição,
e de joelhos se atirava
pedindo abraço ao perdão!
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   CHORAR  POR  DENTRO
 
MOTE:
Tantas vezes me concentro,
deitado no meu penar.
É triste chorar por dentro
e por fora gargalhar!

Swami Vivekananda
Nazaré da Mata/PE, 1926 –  2010, Paranaguá/PR


GLOSA:
Tantas vezes me concentro,
pensando mil pensamentos,
dentro de mim mesmo, eu entro,
fico comigo uns momentos.
 
Sofrendo, sozinho, assim,
deitado no meu penar,
chego a ter pena de mim
por não saber mais amar.
 
Quando em meu ego eu adentro,
vejo rolar todo o pranto!
É triste chorar por dentro,
em profundo desencanto.
 
Dói, fingir ter alegria
para aos outros agradar,
no interior tanta agonia...
e por fora gargalhar!
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AMIGO, NÃO DIZ...
 
MOTE:
Amigo não diz "depende"...
"Vou pensar"... "Depois eu dou"...
- Amigo é aquele que atende
que vem sem dizer "Já vou"...

Waldir Neves
Rio de Janeiro/RJ, 1924 – 2007


GLOSA:
Amigo não diz "depende"...
Nunca nos faz esperar,
nosso amigo nos entende
e não nos deixa chorar!
 
Se for amigo, não  diz:
"Vou pensar"... "Depois eu dou"...
O que vale é ser feliz!
Por isso, feliz eu sou!
 
Ele não nos surpreende,
é espontâneo, é alegria!
- Amigo é aquele que atende
e acompanha nosso dia!
 
Amigo é pura emoção!
Presente que Deus criou,
que tem um bom coração,
que vem sem dizer "Já vou"...

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas VII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Maio 2003.

Guimarães Rosa (Sorôco, sua mãe, sua filha)


Aquele carro parara na linha de resguardo, desde a véspera, tinha vindo com o expresso do Rio, e estava lá, no desvio de dentro na esplanada da estação. Não era um vagão comum de passageiros, de primeira, só que mais vistoso, todo novo. A gente reparando, notava as diferenças. Assim repartido em dois, num dos cômodos as janelas sendo de grades, feito as de cadeia, para os presos.

A gente sabia que, com pouco, ele ia rodar de volta, atrelado ao expresso daí de baixo, fazendo parte da composição. Ia servir para levar duas mulheres, para longe, para sempre. O trem do sertão passava às 12h45m. As muitas pessoas já estavam de ajuntamento, em beira do carro, para esperar. As pessoas não queriam poder ficar se entristecendo, conversavam, cada um porfiando no falar com sensatez, como sabendo mais do que os outros a prática do acontecer das coisas. Sempre chegava mais povo - o movimento. Aquilo quase no fim da esplanada, do lado do curral de embarque de bois, antes da guarita do guarda-chaves, perto dos empilhados de lenha. Sorôco ia trazer as duas, conforme. A mãe de Sorôco era de idade, com para mais de uns 70. A filha, ele só tinha aquela. Sorôco era viúvo. Afora essas, não se conhecia dele parente nenhum.

A hora era de muito sol - o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro. O carro lembrava um canoão no seco, navio. A gente olhava: nas reluzências do ar, parecia que ele estava torto, que nas pontas se empinava. O borco bojudo do telhadilho dele alumiava em preto. Parecia coisa de invento de muita distância, sem piedade nenhuma, e que a gente não pudesse imaginar direito nem se acostumar de ver, e não sendo de ninguém. Para onde ia, no levar as mulheres, era para um lugar chamado Barbacena, longe.

Para o pobre, os lugares são mais longe.

O agente da estação apareceu, fardado de amarelo, com o livro de capa preta e as bandeirinhas verde e vermelha debaixo do braço. - "Vai ver se botaram água fresca no carro..." - ele mandou. Depois, o guarda-freios andou mexendo nas mangueiras de engate. Alguém deu aviso: - "Eles vêm! ..." Apontavam, da rua de Baixo, onde morava Sorôco. Ele era um homenzão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma barba, fiosa, encardida em amarelo, e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam medo dele; mais, da voz, que era quase pouca, grossa, que em seguida se afinava. Vinham vindo, com o trazer de comitiva.

Aí, paravam. A filha - a moça - tinha pegado a cantar, levantando os braços, a cantiga não vigorava certa, nem no tom nem no se dizer das palavras - o nenhum. A moça punha os olhos no alto, que nem os santos e os espantados, vinha enfeitada de disparates, num aspecto de admiração. Assim com panos e papéis, de diversas cores, uma carapuça em cima dos espalhados cabelos, e enfurnada em tantas roupas ainda de mais misturas, tiras e faixas, dependuradas virundangas: matéria de maluco. A velha só estava de preto, com um fichu preto, ela batia com a cabeça, nos docementes. Sem tanto que diferentes, elas se assemelhavam.

Sorôco estava dando o braço a elas, uma de cada lado. Em mentira, parecia entrada em igreja, num casório. Era uma tristeza. Parecia enterro. Todos ficavam de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas, por causa daqueles trasmodos e despropósitos, de fazer risos, e por conta de Sorôco - para não parecer pouco caso. Ele hoje estava calçado de botinas, e de paletó, com chapéu grande, botara sua roupa melhor, os maltrapos. E estava reportado e atalhado, humildoso. Todos diziam a ele seus respeitos, de dó. Ele respondia: - "Deus vos pague essa despesa...” O que os outros se diziam: que Sorôco tinha tido muita paciência, Sendo que não ia sentir falta dessas transtornadas pobrezinhas, era até um alivio. Isso não tinha cura, elas não iam voltar, nunca mais. De antes, Sorôco aguentara de repassar tantas desgraças, de morar com as duas, pelejava. Daí, com os anos, elas pioraram, ele não dava mais conta, teve de chamar ajuda, que foi preciso. Tiveram que olhar em socorro dele, determinar de dar as providências, de mercê. Quem pagava tudo era o governo, que tinha mandado o carro. Por forma que, por força disso, agora iam remir com as duas, em hospícios. O se seguir.

De repente, a velha se desapareceu do braço de Sorôco, foi se sentar no degrau da escadinha do carro. -"Ela não faz nada, seo Agente.. ." - a voz de Sorôco estava muito branda: - "Ela não acode, quando a gente chama.. ." A moça, aí, tornou a cantar, virada para, o povo, o ao ar, a cara dela era um repouso estatelado, não queria dar-se em espetáculo, mas representava de outroras grandezas, impossíveis. Mas a gente viu a velha olhar para ela, com um encanto de pressentimento muito antigo - um amor extremoso. E, principiando baixinho, mas depois puxando pela voz, ela pegou a cantar, também, tomando o exemplo, a cantiga mesma da outra, que ninguém não entendia. Agora elas cantavam junto, não paravam de cantar.

Aí que já estava chegando a horinha do trem, tinham de dar fim aos aprestes, fazer as duas entrar para o carro de janelas enxequetadas de grades. Assim, num consumiço, sem despedida nenhuma; que elas nem haviam de poder entender. Nessa diligência, os que iam com elas, por bem fazer, na viagem comprida, eram o Nenego, despachado e animoso, e o José Abençoado, pessoa de muita cautela, estes serviam para ter mão nelas, em toda juntura. E subiam também no carro uns rapazinhos, carregando as trouxas e malas, e as coisas de comer, muitas, que não iam fazer mingua, os embrulhos de pão. Por derradeiro, o Nenego ainda se apareceu na plataforma, para os gestos de que tudo ia em ordem. Elas nao haviam de dar trabalhos.

Agora, mesmo, a gente só escutava era o acorçoo do canto das duas, aquela chirimia, que avocava: que era um constado e enormes diversidades desta vida, que podiam doer na gente, sem jurisprudência de motivo nem lugar, nenhum, mas pelo antes, pelo depois.

Sorôco.

Tomara aquilo se acabasse. O trem chegando, a máquina manobrando sozinha para vir pegar o carro. O trem apitou, e passou, se foi, o de sempre.

Sorôco não esperou tudo se sumir. Nem olhou. Só ficou de chapéu na mão, mais de barba quadrada, surdo - o que nele mais espantava. O triste do homem, lá, decretado, embargando-se de poder falar algumas suas palavras. Ao sofrer o assim das coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa, exemploso. E lhe falaram:

- "O mundo está dessa forma.. ."

Todos, no arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas. De repente, todos gostavam demais de Sorôco.

Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido, e virou, pra ir s'embora. Estava voltando para casa, como se estivesse indo para longe, fora de conta. Mas, parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia perder o de si, parar de ser. Assim num excesso de espírito, fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem ia fazer siso naquilo? Num rompido - ele começou a cantar, alteado, forte, mas sozinho para si - e era a cantiga, mesma, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava continuando.

A gente se esfriou, se afundou - um instantâneo. A gente... E foi sem combinação em ninguém entendia o que se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorôco, e canta que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais da memória. Foi um caso sem comparação.

A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele, de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela cantiga.

Fonte:
João Guimarães Rosa. Primeiras Histórias. Publicado originalmente em 1962.

domingo, 31 de julho de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 2

 

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 10

As folhas secas rolando,
dão-me a nítida impressão,
de ver fantasmas brincando
de mãos dadas pelo chão!
= = = = = = = = = = =

Cabeça cor de algodão,
cabelos da cor de neve,
relendo em cada estação
as regras que o tempo escreve!
= = = = = = = = = = =

Contemplo a tarde morrendo
e, aos poucos, paro e medito,
ao ver a noite bebendo
a luz do Sol no infinito!!
= = = = = = = = = = =

Depois de crucificado,
ferido e morto na cruz,
aos cegos, pelo pecado,
Deus mostra o perdão da Luz!
= = = = = = = = = = =

Entre ilusões, sonhos vãos,
e um sonho que não se alcança...
Vão ficando em minhas mãos,
as tuas mãos, por lembrança!
= = = = = = = = = = =

Faminta, com pés descalços,
roupinha suja, rasgada,
três dos mais tristes percalços
da criança abandonada!
= = = = = = = = = = =

Hoje, quarenta e três anos
de casamento, completos;
mesma esposa, mesmos planos,
três lindas filhas, dois netos!
= = = = = = = = = = =

Já venci tão duras penas
nas caminhadas que fiz,
que hoje, até mágoas pequenas
me fazem ser mais feliz!
= = = = = = = = = = =

Mãos abertas balançando,
no mar, o velho coqueiro,
é um lenço verde acenando
à espera do jangadeiro!
= = = = = = = = = = =

Mesmo apesar da distância,
em meio a tantas esperas...
A primavera da infância,
é a melhor das primaveras!
= = = = = = = = = = =

Meu velho amor, vinde e vede,
como a ausência me castiga;
Meu armador, na parede,
mudou o tom da cantiga!
= = = = = = = = = = =

Não conto como castigos
as rugas aprofundadas;
são velhos trilhos amigos
dos rastros das madrugadas!
= = = = = = = = = = =

Não me causam queixa alguma,
os que pedradas, me dão;
eu retribuo uma a uma,
com pedradas de perdão!
= = = = = = = = = = =

Na tapera abandonada,
berço dos primeiros passos...
Vi minha sombra sentada
sorrindo e me abrindo os braços!!!
= = = = = = = = = = =

Noite adentro, e entre nós,
há um silêncio tão agudo,
que ao longe, se escuta a voz
do silêncio, em quase tudo!
= = = = = = = = = = =

No poente, o Sol, em seus passos,
antes que a tarde se amoite,
cansado, estende os seus braços
e abraça os braços da noite!
= = = = = = = = = = =

O mar se agita, se alteia,
e entre fortes vendavais...
O jangadeiro vagueia,
sem saber se volta ao cais!
= = = = = = = = = = =

Pergunto à tarde serena,
no instante triste do adeus;
Por que de mim não tens pena,
Se há penas nos versos meus?!...
= = = = = = = = = = =

Quando a seca, alonga o estio,
na aridez do meu sertão...
Há muito leito vazio,
poucos rastros pelo chão!
= = = = = = = = = = =

Se a solidão apertasse,
dobrava a dor que doía...
Se a mãe, no sonho, sonhasse,
que alguém na porta batia!
= = = = = = = = = = =

Se em teus braços me agasalho,
nada no mundo me afeta;
sem teu amor, nada valho,
mas, mesmo assim, sou poeta!
= = = = = = = = = = =

Sem teu amor, que ainda espero,
o mundo perde o esplendor;
se eu disser que não te quero,
perco a essência desse amor!
= = = = = = = = = = =

Ser poeta é cantar o grito
que há na voz dos oprimidos!...
E sentir Deus no infinito
e até nos sonhos perdidos!
= = = = = = = = = = =

Sozinha... sempre sozinha...
Cansada e contando os passos,
vai para a igreja a velhinha
puxando a fé pelos braços!
= = = = = = = = = = =

Tua ausência, ainda caminha,
sem rédeas, no meu presente!...
Minha alma, escrava e sozinha,
finge esconder, que não sente!

Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

sábado, 30 de julho de 2022

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 10

 

Athos Fernandes (Poemas de Amor) 2

SONETO A ADRIANO CÉSAR

Senta-te aqui, meu filho, e ouve o teu velho pai:
esta vida, querido, é duro embate, é luta
em que as regras morais não entram na disputa
e o império da ambição sempre crescendo vai.

E aqui, tal como ali, - Roma, Paris, Xangai, -
é o ouro o ditador das normas de conduta.
E entre as leis do Direito e as leis da força bruta,
quem acaso não sabe onde a razão recai?

É triste esta verdade, ó filho meu! No entanto,
quero que sejas bom e honesto como um santo,
que ames a Pátria, o humilde e protejas o só.

E assim aprenderás esta lição que prezo:
se há muito de Mamon no coração de um Creso,
há muito mais de Deus, no coração de um Jó!
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SONETO À ELISÂNGELA

As Musas convoquei dos montes do Parnaso,
para dar a você, querida, um bom soneto,
que da primeira quadra ao último terceto
fosse pleno de amor de pai, de que me abraso!

Mas eis que o estro me foge e a claudicar me atraso.
E sinto que entro mal no segundo quarteto.
Vou pedir rouxinóis ao velho Capuleto
e rosas ao jardim, crisântemos ao vaso.

Pois só o teu sorriso, ó meiga filha, é tudo!
Se do riso infantil alguém fizesse o estudo
no afã de descobrir tudo quanto traduz,

Por certo saberia este alguém, sem tardança,
que lê diz que este mundo é nada sem criança,
como um verso sem rima e a Igreja sem Jesus!
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BRUNO ROGÉRIO

Bruno Rogério Magalhães Monteiro,
é o nome todo do meu novo filho,
raio final de um sol que perde o brilho
e já se esconde por detrás do outeiro.

Que importa que ele seja o derradeiro?
O que importa é que siga honesto trilho,
que colha a espiga onde plantou seu milho,
que regue a flor nascida em seu canteiro.

Que seja puro e nobre. E ame a Virtude!
E à sua mãe dê tudo o que eu não pude
de bens terrenos dar, porque não os tinha...

Que preste culto a Deus e à Liberdade!
Que seja um bom no ardor da mocidade,
qual tento eu ser nesta velhice minha!
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MATER

Faz muito tempo já! Era no outono...
Folhas soltas levadas pelo vento...
Em nossa casa o luto, o desalento,
o vazio do tédio e do abandono!

Foi quando, ó mãe! Ao derradeiro sono
levou-te a morte, em meio ao sofrimento.
Mas ficaste vivendo em pensamento,
e em nossos corações, como num trono.

Que importa o tempo transcorrido? Importa
é que a mãe viva, mesmo estando morta,
pois vai além da morte o seu dulçor.

Santo nome imortal que nos encanta!...
Quer viva ou morta, a mãe é sempre santa,
- na santificação do seu amor.

TRÊS SONETOS DE AMOR

I


Chegaste em minha vida em hora amarga,
quando o estio se fora ao vir do inverno,
e a minha estrela, peregrina e pura,
por meu mal deixará o céu vazio!

Chegaste à minha vida quando as flores
murchas jaziam pelo chão nevado,
quando os meus lábios, trêmulos, cantavam
o cantochão dos tristes misereres.

Chegaste à minha vida solitária,
quando se fora a última esperança
no adeus final do derradeiro porto.

Chegaste à minha vida e a iluminaste
com teu sorriso de trigal maduro,
com teu olhar de estrela matutina!

II

Chegaste e me disseste: - “eis que te trago
uma esperança nova à tua vida.
Serás o meu Boaz* e eu serei Rute,
farta será de amor nossa colheita!

Venho da Shangri-La dos teus sonhares,
da terra da perpétua juventude.
O sangue quente que me aquece as veias
duplicará os grãos da tua eira.

Serei a tua Agar. E nova estirpe
há de nascer do nosso amor fecundo,
num consórcio de outono e primavera.

Serei tua Vestal, esposa e amante.
Mantendo deste amor acesa a pira,
com nardo e mirra incensarei teus deuses!”

III

Assim disseste e assim ficaste. E agora,
que o estio retornou, passado o inverno,
já estão voltando as musas forasteiras
que me haviam deixado o lar vazio.

Cresce a colheita em grãos centuplicados!
Já preparo o lagar para a vindima.
Os deuses lares já tem mirra e incenso.
Arde a pira no altar. Volta a alegria!

É o milagre do Amor ressuscitado!
É a esperança que chega e toma assento,
que se hospeda comigo, e janta e fica.

Não mais entoarei canções de outono,
que a primavera esplende em teu sorriso,
e há fartura de espigas na seara!...
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* Boaz é um personagem do Antigo Testamento da Bíblia, citado no livro de Rute.
 
Fonte:
Athos Fernandes. Shangri-La Poesias. 1979.

sexta-feira, 29 de julho de 2022

Edy Soares (Manuscritos (Di)versos) 14: Rotina

 

A. A. de Assis (Apóstolo honorário)

De repente me deu de pensar no grande apóstolo que teria sido Aristóteles caso ele tivesse convivido com os seguidores de Jesus Cristo. Na minha imaginação, vi-o lá na velha Grécia entrando no túnel do tempo e logo após desembarcando na Galileia, pronto para de imediato matricular-se como discípulo na escola do Mestre dos mestres.

Com o seu admirável currículo, foi recebido de braços abertos. Pediram-lhe apenas que antes aceitasse participar de uma rápida sabatina. Sem problema. O filósofo grego, hábil orador, em breve discurso resumiu suas ideias:

1. O ser humano foi criado para ser feliz. Para tanto, desde o início da história vem passando por um longo processo de aperfeiçoamento. A esse processo dá-se o nome de “educação” (do latim “ex-ducere” = trazer à luz; ou seja: trazer à tona e pôr em ação um conjunto de virtudes potencialmente contidas num ser originalmente rústico).

2. Desenvolve-se a educação mediante o que chamamos de “civilização” (do latim “civilis”), de onde temos também civismo, civilidade, cidade, cidadania.

3. Pode-se, assim, entender educação como evolução do ser humano do estágio de “zoon” para o estágio de “anthropos” – transformação do animal em homem e do homem em cidadão.

4. Simplificando: entende-se educação como o empenho em criar nas pessoas, desde a infância, o hábito de gostar das coisas justas e boas (“ethos” > ética), preparando-as para uma convivência harmônica no que nós gregos chamamos de “pólis” (= cidade) – comunidade de pessoas livres, pacíficas, democráticas, honestas, prestativas, sociáveis, generosas.

5. Desde sua origem até o estado em que atualmente se encontra, o ser humano vem mantendo uma contínua e sofrida luta interior, na qual se confrontam defeitos (egoísmo, ódio, inveja, ira, arrogância etc.) e virtudes (amor, bondade, ternura, alegria, solidariedade etc.).

6. Mediante a educação, busca-se reduzir ao mínimo os defeitos e ampliar ao máximo as virtudes. Quanto maior a predominância das virtudes, mais alto o grau de felicidade.

Pedro bateu o martelo: “Pode parar aí. Já deu para sentir que você é um pensador do bem. Precisa apenas familiarizar-se com a nossa linguagem. Por exemplo: o que você chama de ‘civilização’ nós chamamos de ‘salvação’ (do latim ‘salvare’, que vem de ‘salvus’ > ‘salus’, de onde temos saúde, sadio, salutar, sanidade, santidade, são. Em outras palavras: você associa educação com ‘civilização’ (entendida como fortalecimento da saúde moral); nós associamos educação com ‘salvação’ (entendida como fortalecimento da saúde espiritual)”.

João pediu um aparte: “Vocês falam em excelência do caráter, nós falamos em excelência da alma, porém queremos o mesmo: ver os homens e as mulheres convivendo como irmãos e irmãs, num clima de mútuo respeito e amorosa colaboração. Enfim, queremos todos alcançar a plena felicidade, que costumamos chamar de bem-aventurança – no tempo e na eternidade”.

Pedro encerrou a sessão: “Dê cá um abraço, caríssimo Aristóteles. Você é muito gente boa. Além de avalizar sua matrícula como discípulo, pedirei ao Mestre Jesus que lhe conceda um upgrade, promovendo-o logo de início a Apóstolo Honorário”.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 21-7-2022)

Fonte:
Texto enviado pelo autor.