terça-feira, 11 de outubro de 2022

Fernando Pessoa (Caravelas da Poesia) XLVII


NÃO TRAGAS FLORES, QUE EU SOFRO

 
Não tragas flores, que eu sofro...
Rosas, lírios, ou vida...
Tênue e insensível sopro.
O céu que não olvida!

Não tragas flores, nem digas...
Sempre há de haver cessar...
Deixa tudo acabar...
Crescem só urtigas.
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NÃO VENHAS SENTAR-SE À MINHA FRENTE, NEM A MEU LADO
 
Não venhas sentar-te à minha frente, nem a meu lado;
Não venhas falar, nem sorrir.
Estou cansado de tudo, estou cansado,
Quero só dormir.

Dormir até acordado, sonhando
Ou até sem sonhar,
Mas envolto num vago abandono brando
A não ter que pensar.

Nunca soube querer, nunca soube sentir, até
Pensar não foi certo em mim.
Deitei fora entre urtigas o que era a minha fé,
Escrevi numa página em branco, "Fim".

As princesas incógnitas ficaram desconhecidas,
Os tronos prometidos não tiveram carpinteiro.
Acumulei em mim um milhão difuso de vidas,
Mas nunca encontrei parceiro.

Por isso, se vieres, não te sentes a meu lado, nem fales.
Só quero dormir, uma morte que seja
Uma coisa que me não rale nem com que tu te rales -
Que ninguém deseja nem não deseja.

Pus o meu Deus no prego. Embrulhei em papel pardo
As esperanças e ambições que tive,
E hoje sou apenas um suicídio tardo,
Um desejo de dormir que ainda vive.

Mas dormir a valer, sem dignificação nenhuma,
Como um barco abandonado,
Que naufraga sozinho entre as trevas e a bruma
Sem se lhe saber o passado.

E o comandante do navio que segue deveras
Entrevê na distância do mar
fim do último representante das galeras,
Que não sabia nadar.
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NA PAZ DA NOITE, CHEIA DE TANTO DURAR
 
Na paz da noite, cheia de tanto durar,
Dos livros que li,
Que os li a sonhar, a mal meditar,
Nem vendo que os vi,
Ergo a cabeça estonteada
Do lido e do vão
Do ler e vazio que há e quis na noite acabada -
Não no meu coração.
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NAS ENTRESSOMBRAS DE ARVOREDO
 
Nas entressombras de arvoredo
Onde mosqueia a incerta luz
E a noite ocupa a medo
O incerto espaço em que transluz…
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NÁUSEA. VONTADE DE NADA
 
Náusea. Vontade de nada.
Existir por não morrer.
Como as casas têm fachada,
Tenho este modo de ser.

Náusea.  Vontade de nada.
Sento-me à beira da estrada,
Cansado já no caminho
Passo pra o lugar vizinho.

Mas náusea.  Nada me pesa
Senão a vontade presa
Do que  deixei de pensar
Como quem fica a olhar...
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NA VÉSPERA DE NADA
 
Na véspera de nada
Ninguém me visitou.
Olhei atento a estrada
Durante todo o dia
Mas ninguém vinha ou via,
Ninguém aqui chegou.

Mas talvez não chegar
Queira dizer que há
Outra estrada que achar,
Certa estrada que está,
Como quando da festa
Se esquece quem lá está.
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NA VÉSPERA
 
Na véspera de não partir nunca
Ao menos não há que arrumar malas
Nem que fazer planos em papel,
Com acompanhamento involuntário de esquecimentos,  
Para o partir ainda livre do dia seguinte.
Não há que fazer nada
Na véspera de não partir nunca.
Grande sossego de já não haver sequer de que ter sossego!  
Grande tranquilidade a que nem sabe encolher ombros  
Por isto tudo, ter pensado o tudo  
É o ter chegado deliberadamente a nada.
Grande alegria de não ter precisão de ser alegre,
Como uma oportunidade virada do avesso.
Há quantas vezes vivo
A vida vegetativa do pensamento!
Todos os dias sine linea
Sossego, sim, sossego...
Grande tranquilidade...
Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas!
Que prazer olhar para as malas fitando como para nada!
Dormita, alma, dormita!
Aproveita, dormita!
Dormita!
É pouco o tempo que tens!  Dormita!
É a véspera de não partir nunca!

Aparecido Raimundo de Souza (No tapa)


O GILBERTO VENESIANO e a sua mulher Penélope, resolveram, antes de embarcarem para a casa da filha (que havia ganho o primeiro bebê) darem uma passadinha no dentista. Como ficariam fora, pelo menos uns quinze dias, rumaram para o consultório do especialista. Na sala de espera, amargaram uns quarenta minutos em face de um cliente que precisou colocar às pressas dois dentes interinos em vista de tê-los perdidos numa briga de vizinhos.

Estavam, pois, às portas de desistiram da empreitada, quando, finalmente, a secretária mandou que entrassem:

— O doutor Cunegundes os espera. Queiram me acompanhar, por favor. Desculpem a demora.

Assim que se viram diante do estilista bucal, Penélope, soltando fogo pelas ventas, se adiantou e botou as mãos nas cadeiras, fazendo pose de mandona:

— Doutor Cunegundes, ouça com muita atenção. Quero que atenda a um pedido meu...

O doutor Cunegundes, até aquele instante, calmo e sereno, como sempre, se abriu em mesuras:

— Bom dia para a senhora também, dona Penélope — respondeu sorrindo. Claro que atenderei ao seu pedido. Aqui o cliente tem sempre razão. Obviamente, se a sua requisição a ser feita estiver ao meu alcance...

Dona Penélope não tinha papas da língua. Era uma criatura chata, avoada, sem noção. Sem se importar com o bom dia do doutor, a mulher alterou ainda mais a voz, se fazendo meio que descontrolada e fora de si:

— Tenho certeza que o senhor acatará o que tenho em mente...

Sem mais delongas, a mulher voltou a encarar o odontólogo dentro dos olhos. Mantendo a voz tonitruante esclareceu:

— Seguinte. Arranque esse maldito dente que lhe trouxe na mais profunda aflição. Todavia, desde logo, torno claro o desejo veemente de passar bem longe da anestesia. Não quero nenhum paliativo para estancar a dor. Estamos entendidos?    

Em resposta, o doutor Cunegundes coçou a cabeça. Diante da estranha solicitação da cliente observou, meio que ressabiado:

— Dona Penélope, entenda. Sem o procedimento da anestesia, a senhora sofrerá o diabo. Sem levar em conta que poderá passar mal, desmaiar... precisar ser levada para um hospital. Perceba, não é um simples pedido, como a senhora colocou. A coisa não funciona bem assim.

— Não importa — vociferou a mulher. Assumo as consequências do meu ato. Vamos em frente. Sem anestesia...

— Posso saber da senhora, pelo menos, os motivos da tal dispensa?  Acaso medo da agulha?

— Doutor —, estou... desculpe, estamos, eu e meu marido, com muita pressa. Entende, agora, o motivo da minha, digo, da nossa afobação desordenada? Pior, meu nobre, da maldita e intrépida impaciência que nos acelera os fundilhos da alma e as pregas do coração?

O dentista franziu o cenho. Boquiaberto e sem ação, se viu, de repente, no mato sem cachorro:

— Por certo eu entendo a sua situação... mas dona Penélope, eu...

— Doutor Cunegundes... por favor, sem qualquer outro argumento que por ventura possa querer trazer à baila.

Fez uma parada básica e acrescentou:

— Estamos com o tempo apurado. Sem contar o desrespeito de quase uma hora, ou mais, que mofamos como duas múmias paralíticas sentadas na sua recepção e a sua secretária, colada na droga do celular, sequer nos ofereceu uma água, menos ainda um café...

O doutor Cunegundes procurou aparentar uma serenidade que começava a voar longe de seus brios. Por dentro, tinha a impressão que explodiria:

— A senhora quer um café?  Seu Gilberto, aceita uma água?

Dona Penélope se adiantou de novo e retrucou, se contrapondo ao consorte:

— Doutor Cunegundes, o Gilberto não quer nada. Nem eu. Somente que o senhor faça o seu trabalho.

— Sem anestesia?

— Fui bastante clara quanto a isso. Como disse, e volto a frisar, sem anestesia. Estamos, como diria, meio que desembestados.  Queremos que nos livre do incômodo do dente, que cobre pelo seu trabalho e nos libere. A essa altura, deveríamos estar quase chegando ao nosso destino.

O doutor Cunegundes, perdeu, de vez a paciência. Nessa fase do campeonato, se mostrou deveras nervoso. Na verdade, além do semblante completamente desfigurado, danou a tremular as mãos. “Que mulher encapetada, essa”. Pediu licença, foi ao banheiro e lá, depois de beber um copo de água e um calmante forte com o restante de café da garrafa, se preparou para o atendimento:

— Quero que saiba, de antemão, a coisa vai doer horrores. A senhora sofrerá o diabo. Confesso, estou pasmo, dona Penélope. Devo acrescentar que a senhora é muito corajosa. Parabéns pela sua bravura e sangue frio.

Tirou do bolso um lenço, secou o suor, se benzeu:

— Sente-se, por favor. Seja o que Deus quiser. Qual é o dente?    

Dona Penélope, então se virou para o marido e, com um sorriso bailando nos lábios sensuais, se dirigiu a ele e mandou a ordem:

— Gilberto, meu amor, o doutor vai, enfim, nos levar a sério. Eu sabia que não criaria nenhum tipo de embaraço. Lembra do que lhe falei, quando vínhamos para cá? Que o doutor Cunegundes é cabra da peste e porreta...

Dona Penélope fez uma breve pausa. Estava satisfeita. A sua vontade, com a anuência do especialista a deixou acesa e saltitante. Para não perder mais nenhum segundo, concluiu, a sua fala, observando:

— Além de porreta, o nosso doutor tem convicção e sabe que os clamores vindos de clientes antigos, não podem ser contestados. OK, meu ilustre doutor. Nosso bate papo se estendeu além do tempo que eu havia previsto.  Gilberto, meu amor, seja macho. Senta na cadeira e mostra o dente “dodói” para o nosso salvador da pátria.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Therezinha D. Brisolla (Trov’ Humor) 04

 

A. A. de Assis (A massa da discórdia)

Na hora do recreio havia sobre a mesa um prato de pastéis. Seis professores na sala, sete pastéis. Cada boca serviu-se do seu bocado, a refeição ideal para o horário. O copo de chá gelado completava a merenda. Mas o pastel estava provocativamente delicioso, deixando no gogó dos comilões aquele irresistível gostinho de quero mais.

Sobrara no prato um pastel, o sétimo, sobre o qual pousavam gulosos os olhos dos seis candidatos a saboreá-lo. A boa educação, contudo, não permitia que nenhum dos presentes se apossasse do cujo. Melhor se tivesse vindo a conta certa, assim aquela sobra não perturbaria o recreio. O pessoal conversava para distrair, entretanto a tentação era demais. Seis olhares espetando o pastel, de longe. Ah, esses bons modos...

Poderia alguém ter sugerido um sorteio. No papelzinho, no palitinho, no par ou ímpar. Qualquer coisa, desde que se definisse a quem caberia o apetitoso conjunto de carne e massa. Ninguém tinha coragem de fazer a sugestão, com medo de ser chamado de fominha.

E o solitaríssimo pastel ali se oferecendo, cheiroso, fofucho. Poderiam reparti-lo em seis pedaços. Parecia, porém, que todos achavam tal solução deselegante. Além disso, a quem caberia a azeitona? Pois é: tinha uma azeitona no enredo, para atrapalhar. Dividir uma azeitona em seis pedaços seria operação deveras complicada, convenhamos. Falaram de futebol, falaram de política, falaram de tudo. Os olhares continuavam fixos no prato. Cada parceiro na esperança de que os outros cinco saíssem da sala. Ficando sozinho, o premiado comeria o último pastel sem constrangimento algum. Mas quem disse que sairia alguém dali? Havia unanimidade na gula.

Chegaram a desejar que entrasse na sala uma sétima pessoa, a fim de engolir a massa da discórdia e resolver de vez o impasse. Não apareceu ninguém. O pastel ali, esfriando, desafiando a imaginação criativa dos seis. Nenhum deles ao menos se atreveu a confessar o que estava pensando. Percebia-se apenas pelo jeitão meio vesgo. Ou era isso que uns acreditavam estar percebendo nos demais.

Tocou a sino, acabou o recreio. Última esperança de que voltasse todo mundo para o trabalho deixando apenas um na sala do lanche. Ninguém quis ser o primeiro a sair. Saíram juntos, os seis.

Minutos depois a moça da cozinha veio recolher a garrafa de chá, os copos e o prato. Pensou lá com seus temperos: “Uai, acho que o pastel não agradou... até deixaram sobra...” E sem mais indagações comeu ali mesmo o desprezado, para desocupar o prato. Alimento aliás muito providencial, visto que a moça havia acordado de madrugada e o café da manhã, naquelas alturas, estava mesmo já pedindo algum reforço.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 23-6-2022)

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XLVIII


VOLTARÁS?
 
MOTE:
"Voltarei" dizes depressa
num agrado à despedida;
fica comigo a promessa
e em tuas mãos, minha vida!

Domitila Borges Beltrame
São Paulo/SP


GLOSA:
"Voltarei" dizes depressa
num aceno muito leve...
Jamais voltarás! Confessa!
Senti no teu até breve!
 
Eu sei, tu fizeste assim,
num agrado à despedida;
pra ficar longe de mim
após a tua partida!
 
Não há nada que me impeça
de continuar a sonhar...
Fica comigo a promessa
de que um dia vais voltar!
 
Se um dia a minha alegria
se entristecer, for perdida,
a deixarei na poesia,
e em tuas mãos, minha vida!
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ADORMECE SAUDADE
 
MOTE:
Fugindo da realidade,
eu vivo menos tristonho,
quando adormeço a saudade
no travesseiro do sonho!

João Freire Filho
Rio de Janeiro/RJ, 1941 – 2012


GLOSA:
Fugindo da realidade,
mergulhando na ilusão,
eu diminuo a ansiedade
do meu pobre coração.
 
No mundo da fantasia
eu vivo menos tristonho,
só de pensar na alegria
eu já me sinto risonho.
 
Muita ternura me invade
e uma paz, grande, sem fim,
quando adormeço a saudade
que sinto dentro de mim.
 
À saudade companheira,
sonhando, feliz, proponho,
dormir sua vida inteira
no travesseiro do sonho!
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AMOR TRANSCENDENTAL
 
MOTE:
Este amor envolto  em pranto,
é tão grande, tão profundo,
e é tão puro o seu encanto,
que não cabe neste mundo!

Luiz Otávio
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP


GLOSA:
Este amor envolto em pranto,
chorando a dor da saudade,
é enorme, nem sei bem quanto,
é maior que a realidade!
 
Este amor sem dimensão,
é tão grande, tão profundo,
que ultrapassa o coração
e nele, inteira, me inundo!
 
Este amor é um acalanto
que vem embalar meu dia,
e é tão puro o seu encanto,
que se transforma em poesia!
 
Este amor, tão sem igual,
eu vivo a cada segundo,
é um amor transcendental,
que não cabe neste mundo!
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LUA... FAROL... MAR...
 
MOTE:

Inspirando a serenata
com seus raios encantados,
a lua é o farol de prata
do mar dos apaixonados.

Maria Nascimento S. Carvalho
Rio de Janeiro/RJ    


GLOSA:
Inspirando serenata
o luar canta contente.
Imita a voz da cascata
e emociona muito a gente!
 
Esse luar tão bonito
com seus raios encantados,
ilumina o infinito,
deixa os olhos marejados!
 
Tanta beleza arrebata
e a sonhar, então, me ponho:
a lua é o farol de prata,
a lua é um farol de sonho!
 
Esse prateado profundo,
nesses mares tão sonhados,
é o farol maior do mundo,
do mar dos apaixonados.
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ROTA PERDIDA
 
MOTE:

Sou barco em rota perdida
navegando em meio à treva,
sem saber, no mar da vida,
a que porto ele me leva...

Sérgio Bernardo
Rio de Janeiro/RJ


GLOSA:
Sou barco em rota perdida
enfrentando a tempestade,
mas não quero, ter vencida,
minha força de vontade!
 
Eu sigo, sozinho, a esmo,
navegando em meio à treva,
a procura de mim mesmo,
numa busca que me enleva!
 
Nessa esperança crescida
eu me envolvo por inteiro,
sem saber, no mar da vida,
se sou bom ou mau barqueiro!
 
Nesse mar de solidão,
meu pensamento se eleva,
e indaga com emoção,
a que porto ele me leva…

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas Virtuais de Trovas VII. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. Maio 2003.

Humberto de Campos (O Elefante)

Abu-Beker, o mercador opulento que espantava Bagdá com os esplendores do seu luxo, encontrou, um dia, entre as suas quatrocentas mulheres, uma, de beleza excepcional, que lhe enchera do vinho do desejo a bilha de ouro do coração. Chamava-se Kiusa, e sua língua era doce como uma tâmara. Adorando-a até o desespero, uma dúvida o atormentava, dia e noite, na suntuosidade do seu palácio: a dúvida de que aquele corpo era seu, apenas, e de que ninguém lhe violava, subornando os eunucos, a honestidade do gineceu. E foi atormentado que, um dia, se dirigiu à mesquita, e pediu, com o rosto em terra, soluçando versículos do Alcorão:

- Alá, tu, que abranges o universo com teu poder, consente que seja minha, unicamente, a esposa do meu amor. Eu tenho pensado, nas minhas vigílias aflitas, no meio de conservá-la virgem de beijos alheios; e encontrei um remédio: arrebatá-la para as montanhas, para os desertos, para as florestas que marcam os limites do mar, onde não haja outros seres senão eu e ela. Transforma-se, pois, na tua misericórdia, em um elefante soberbo e poderoso, para que eu atravesse, puxando o seu carro, as regiões desertas da Arábia!

Instantes depois, graças a um sortilégio comum nas terras do Crescente, saía as portas de Bagdá um carro suntuoso, tauxiado de ouro e forrado de púrpura, puxado pesadamente por um elefante. E foi de coração sossegado que Abu-Beker penetrou, transformado no monstruoso plantígrado, as florestas da Índia, arrastando pacientemente o carro do seu amor.

Certo dia, após uma viagem penosa e longa, o elefante parou de repente, desatrelou-se com o auxilio da tromba, e, abandonando os varais, deu volta em torno do carro, cuja entrada era por trás. E soltou um rugido de dor e de espanto: dentro, nos coxins que a sua opulência amontoara, deitavam-se enlaçados, Kiusa, maravilhosa de formosura, e bêbada de desejo, e, ao seu lado, beijando-lhe os olhos, Ebn-Ali, mercador de Alexandria! Ele tinha vindo, desde Bagdá, a puxar o carro dos dois amantes, que, dentro, se enlaçavam amorosos, enquanto ele, confiado e sereno, feria as patas pelo caminho!

Um barrido de desespero marcou o fim daquele encantamento humilhante. E era tornado homem, com o seu manto de mercador despedaçado pelos espinhos da viagem, que Abu-Beker gemia, com o rosto no solo.

- Alá, bendito sejas tu, na tua gloriosa sabedoria! Debalde tentarão os homens, mesmo com o teu auxilio, forçar as mulheres à honestidade, quando dias querem traí-los!

E debulhava-se em lágrimas, quando ouviu, de súbito, uma voz poderosa, que lhe disse:

- Mortal, aprende, tu mesmo, à tua custa, esta grande verdade; nenhum homem poderá, jamais, subtrair a mulher à traição, quando ela o queira enganar. O insensato que, como tu, trouxer, por prevenção, o leito às costas, terá, ao fim da viagem, uma surpresa dolorosa: verá que arrastou pelos caminhos, sem o saber, a mulher e o amante!

Abu-Beker levantou-se, enxugou os olhos, e, para esquecer, começou a ler o Alcorão.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.

domingo, 9 de outubro de 2022

II Concurso de Trovas Memorial "Rubens Luiz Sartori", de Campo Mourão/PR (Trovas Premiadas)



ESTADUAL

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NOVOS TROVADORES  
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Tema: Destino (s)

1º.
Helder Martinez Dal Col
Campo Mourão/PR

Cada experiência nova:
fortuna, alegria ou dor,
acaba virando trova.
Destino de Trovador!

2º.
Romualdo Vicente De Ramos
Curitiba/PR

Fecho meus olhos e rezo
ouvindo o soar do sino,
assim cultivo o que prezo
para cumprir meu destino.
    
3º.
Silvania Maria Costa
Campo Mourão/PR

Que insensatez é o desejo,
pensando até me amofino.
Quase nada do que almejo,
me reserva o tal destino!    

4º.
Ana Aparecida Ceola Ribeiro
Campo Mourão/PR

Professor, eis teu destino,
nesta nobre profissão:
Disseminar bom ensino.
A ti, minha gratidão!
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ESTADUAL

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ESTUDANTIL
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Tema:  Segredo (s)


VENCEDOR
Pedro Henrique Schewinski Pereira

Curitiba/PR
Escola Guido Arzua
Sexto  Ano B - 10 anos

Numa vida temos medos,
e chegam sem ter sentido;
enfrentando os meus segredos,
o sofrimento é vencido.
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ESTADUAL

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VETERANOS  
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Tema: Mistério (s)


1º.    
Maria Helena Oliveira Costa

Ponta Grossa/PR

Nos mistérios da existência
Deus demonstra o Seu poder
ao colocar Sua essência
no peito de cada ser!

2º.    
Maria Eunice Silva de Lacerda
Toledo/PR  

Entre as tantas digitais
deste imenso planisfério,
todas elas, desiguais.
Mistério! Grande mistério!

3º.    
Caterina Balsano Gaioski
Irati/PR

Amor, sublime mistério,
tão cantado em prosa e verso,
sem seguir nenhum critério,
intriga todo o universo.
    
4º.    
Luis Parellada Ruiz
Londrina/PR

Encanto tem teu olhar,
que produz tranquilidade,
e que permite somar
mistério e felicidade.

5º.    
A. A. de Assis

Maringá/PR
Em tudo há mistério, e sério,
no entanto o maior, sem fim,
é desvendar o mistério
que eu mesmo sou, para mim...

6º.    
Luiza Fillus
Irati/PR

Mistérios são tênues linhas
que abrem possibilidades
de vislumbrar entrelinhas,
no mar das diversidades.

7º.    
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba/PR

Há um mistério quando penso
numa paixão de guri.
Eu sinto um prazer imenso
em sofrer pensando em ti.

8º.    
Célia Terezinha Neves Vieira
Irati/PR

À Santíssima Trindade
perguntei qual é o critério...
como pode a humanidade
mergulhar no seu mistério?

9º.    
Vera Tereza Rolim Chyczy
Curitiba/PR

Um mistério busco, louco,
decifrar, sem conseguir:
- Se o teu amor é tão pouco,
por que teimo em te seguir?

10º.    
Albano Bracht
Toledo/PR

Nunca encontrei a maneira
pela questão requerida.
Vou cismar a vida inteira,
que grande mistério, a vida.

11º.    
Luiz Vieira
Irati/PR

Amor à primeira vista
acontece sem critério...
sendo uma aventura mista
seu resultado é mistério.
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NACIONAL     

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NOVOS TROVADORES
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Tema: Destino (s)

1º.    
Carlos Carvalho Cavalheiro
Sorocaba/SP

Uma só letra é vital!
Veja o exemplo de destino,
que com mais uma vogal,
converte-se em desatino.
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2º.    
Elvira Glória Drummond Miranda
Fortaleza/CE

A aranha, tecendo a teia,
segue a luz do próprio tino;
quisera ter tal candeia
a iluminar meu destino.
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3º.    
Hélio Cabral Filho
Biguaçu/SC

Nesse mundo em desatino,
o tempo nos mostra o prazo,
muitas vezes, por destino,
outras vezes por acaso.
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4º.    
Luciano Izidoro de Borba
Tombos/MG

No espaço das cordilheiras
bate as asas o condor,
ultrapassando as barreiras
num destino de esplendor.
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5º.    
Darcy Bandeirante de Azevedo Costa
Taubaté/SP

No meu trovar eu opino
e posso me declarar:
não acredito em destino...
eu construo meu trilhar!
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6º.    
Selma Arraval
Mairinque/SP

Atribuir ao destino
a razão do teu fracasso
me parece um desatino.
Quanto ao meu, sou eu que faço.
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7º.    
Arthur Thomaz da Silva Neto
Sumaré/SP

Os destinos se cruzaram,
mesmo que por uns instantes…
e as almas se eternizaram
em amores fascinantes.
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8º.    
Bernadéte Schatz Costa
Joinville/SC

Não adianta nem querer
mudar meu rumo ou destino,
pois à vida cabe ter
o seu próprio descortino.
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9º.    
Janete Francisco Sales Yoshinaga
São Paulo/SP

Se a tempestade perdura,
fico de pé, não me inclino,
sempre enfrento com bravura
as ciladas do destino.
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10º.    
Araken dos Santos
Magé/RJ

Com a minha velha pena
e a pujança de menino,
faço dos versos, a habena
que dirige o meu destino.
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11º.    
João Libero Rosa Marques
Peruíbe/SP

Quão desditoso é o destino
que conduz à perdição.
Fé é um fato pequenino
mas nos leva à salvação.
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12º.    
Rosinéa Siqueira Fernandes Azevedo
Campos dos Goytacazes/RJ

No belo jardim do amor,
sob o manto da poesia,
o destino envolve a flor,
perfumando-a de alegria.
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13º.    
José Airton Mellega
Piracicaba/SP

Desde criança o destino,
guia os passos nessa vida.
Somos só, um peregrino,
esperando a despedida.
= = = = = = = = = = = = =
    
14º.    
Mônica Monnerat
Santos/SP

Se queres calma e alegria
neste coração menino,
mantém a mente sadia,
segue em paz o teu destino.
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NACIONAL     

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VETERANOS
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Tema: Mistério (s)


1º.    
Roberto Tchepelentyky

São Paulo/SP

Desde quando tu partiste...
Temos abraços risonhos
num infinito que existe
nos mistérios dos meus sonhos.
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2º.    
Jerson Lima de Brito

Porto Velho/RO

Se emudeço, escondo juras
e nego a paixão voraz,
quando meu olhar procuras,
o mistério se desfaz.
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3º.    
Antonio Rosalvo Ribeiro Accioly

Nova Friburgo/RJ

No chão de dentro da gente,
onde a alma está escondida...
Deus cultivou a semente
com seus mistérios da vida.
= = = = = = = = = = = = =

4º.    
Antonio Colavite Filho

Santos/SP

No meu quarto, solitário,
apesar de mil percalços,
há um mistério, sem horário,
que é o som dos teus pés descalços...
= = = = = = = = = = = = =

5º.    
Cezar Defilippo

Astolfo Dutra/MG

Nos tropeços me reponho,
busco forças, caio em pé,
e conquisto cada sonho
com os mistérios da fé.
= = = = = = = = = = = = =

6º.    
Francisco Maia dos Santos

Caicó/RN

Dentre os mistérios da vida,
um deles, me faz pensar;
após a nossa partida,
se há vida em outro lugar.
= = = = = = = = = = = = =

7º.    
Francisco Gabriel

Natal/RN

Diante dos mistérios meus,
na culpa não me condeno;
ante os mistérios de Deus,
qualquer mistério é pequeno.
= = = = = = = = = = = = =

8º.    
Maria Madalena Ferreira  

Magé/RJ

Mesmo aos cientistas mais sérios
intrigam - tenho certeza! -
os insondáveis mistérios
que existem na Natureza!!!
= = = = = = = = = = = = =

9º.    
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo/SP

Não há mistério nenhum,
quando o amor forma casais,
é uma soma de um mais um
que dá dois, dá três...ou mais.
= = = = = = = = = = = = =

10º.    
Elias Pescador
São Paulo/SP

Quando a saudade desata
todo o mistério da dor,
a vida aos poucos retrata
que somos reféns do amor...
= = = = = = = = = = = = =

11º.    
Maria Helena Ururahy Campos Fonseca
Angra dos Reis/RJ

Mistério, eterna magia,
que traz à mente esquecida,
lampejo que contagia
a saudade adormecida.
= = = = = = = = = = = = =

12º.    
Romilton Faria
Juiz de Fora/MG

Há mistérios tão presentes,
norteando nossa sorte,
no plantio das sementes,
no nascimento e na morte.
= = = = = = = = = = = = =

13º.    
Maria Lúcia Spadarotto Neves
Itaperuna/RJ

Ao meu coração indago:
- Por que permite essa dor,
se em meu ser somente trago
doces mistérios de amor?
= = = = = = = = = = = = =

14º.    
Edweine Loureiro da Silva
Saitama/Japão

Não se leve muito a sério!
Quando estressado, sorria!
A vida não tem mistério
se escolhemos a alegria.
= = = = = = = = = = = = =

15º.    
Claudio de Morais
Taubaté/SP

O padre em seu ministério
passa a conhecer Jesus,
a nós revela o mistério    
de Cristo tornar-se Luz.
= = = = = = = = = = = = =

16º.    
Mara Melinni
Caicó/RN

Se a vida é uma estrada acesa,
na escuridão, me confundo;
mas, persisto ante a incerteza
dos mistérios vãos do mundo!…
= = = = = = = = = = = = =

17º.    
Jaime Pina da Silveira
São Paulo/SP

Ah! o amor... esse é um mistério!...
Sim... eu sei... porque o vivi.
É que o levei tão a sério
que até de mim me esqueci!...
= = = = = = = = = = = = =

18º.    
Elisa Alderani
Ribeirão Preto/SP

A palavra já nos diz...
impossível explicar.
O mistério contradiz
a razão de procurar.

TOTAL DAS TROVAS RECEBIDAS

Nacional/Internacional – 143 trovas
Estadual – 35 trovas

NÚMERO DE TROVAS RECEBIDAS

ESTADOS DO BRASIL


AC - 1
BA - 1
CE - 6
GO - 1
MA - 1
MG - 25
MT - 1
PE - 5
RJ - 28
RN - 9
RO - 1
RS - 3
SC - 3
SE - 1
SP - 51


OUTROS PAÍSES

Japão - 1
Moçambique - 1
Portugal - 4



A Delegacia de Campo Mourão congratula todos os trovadores, honrada com vossas participações neste Concurso que contribuíram para o sucesso dele.
 
Abraços fraternos,
Sinclair Pozza Casemiro - delegada
José Feldman - sub-delegado

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Varal de Trovas n. 569

 

Stanislaw Ponte Preta (Era a Regininha)


O marido - que era um santo marido, como todos os enganados - deixou o escritório mais cedo e passou no "Seu Morais" para comprar sorvete de gabiroba, uma das taras de sua mulher. A mulher tinha muitas, mas o marido pensava que a única tara dela fosse sorvete de gabiroba.

Então o marido chegou e foi entrando em casa sem assobiar, o que é um perigo. Todo marido enganado devia entrar em casa assobiando, para evitar certas coisas, mas os maridos enganados que ainda não sabem não assobiam, é lógico e por isso mesmo ele entrou sem assobiar.

Estava colocando o sorvete no freezer (a surpresa seria na hora do jantar) quando ouviu a voz da mulher lá dentro. Ela dissera qualquer coisa e depois dera uma gargalhada, dessas gargalhadas assanhadinhas que certas mulheres dão quando o marido não está perto. Ele estranhou aquilo e foi até o quarto, onde encontrou Leonor deitada na cama, seminua, falando ao telefone.

A mulher, quando viu o marido, ficou com um ar assim meio sobre o de quem achou mosca no pirão. Logo se recompôs de fisionomia, e se dizemos de fisionomia é porque o resto ficou à mostra. Foi o marido, pouco depois, que teve o cuidado de dobrar o lençol por cima dela, escondendo o principal.

Antes, entretanto, ficou ali, parado na porta, sem entender direito, com aquele olhar ausente que crioulo faz quando vai andando pela rua com rádio transistor colado ao ouvido.

A mulher - dizia eu - recompôs-se com certa facilidade e continuou a falar no mesmo tom de voz:

- Mas, Regininha, essa anedota que você acabou de me contar é ótima!... e riu de novo, mas já sem aquele leve tom sexy da primeira risadinha que ele ouvira lá da cozinha, de gabiroba na mão, isto é, com o sorvete aquele.

Tirou um lenço do bolso, limpou os dedos e veio sentar na beirinha da cama, enquanto a mulher dava-lhe um adeusinho e continuava a conversar pelo telefone:

- Pois é isso, Regininha... nós precisamos marcar uma biriba para uma noite destas. Não, Regininha. O quê, Regininha? Tá bem, Regininha.

O marido pôs-se a sorrir de si mesmo. Por um momento suspeitara da pobre mulher. Não sabia explicar por que. Apenas, quando ouvira a sua voz, sentiu um leve calafrio a percorrer sua espinha, desde a nuca até a ZM (Zona Morta). Talvez porque não fosse aquele o tom de voz que sua mulher usava para o trivial havia já muito tempo. Mas, agora, tudo se dissipava. Era a Regininha.

- Você leu o artigo de Jacinto de Thormes de ontem, Regininha? - continuava a mulher: - Divino, Regininha, simplesmente divino.

Foi nesse pedaço que ele a cobriu com o lençol.

- Então tá, Regininha. Ele vai bem. Acaba de chegar aqui. (TAPANDO O FONE.) - Está mandando um abraço para você. OK, Regininha. Outro para você, Regininha.

E, ao desligar, antes que o marido abrisse a boca, tentou explicar o óbvio:

- Era a Regininha.

Deram-se um beijo mixuruca e o marido já ia para o banheiro, quando a campainha da porta tocou.

Era a Regininha.

Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Rosamundo e os outros. Publicado em 1963.

Professor Garcia (Reflexões em Trovas) 13


Almas cheias de pecados,
rondam noites dolorosas,
e em corpos tão mutilados,
há tantas almas bondosas!
= = = = = = = = = = =

Aos ideais, não me oponho,
nem curto promessas vãs...
Garimpo sonho por sonho
nos cascalhos das manhãs!
= = = = = = = = = = =

Cumprindo os ritos do outono,
percebo nas tardes mansas,
tanta alegria sem dono,
no olhar de tantas crianças!
= = = = = = = = = = =

De tudo o que a vida apronta
e, no meu peito, ainda vive...
Eu só nunca fiz a conta
dos desencantos que tive!
= = = = = = = = = = =

Em silêncio, olha o infinito,
a mãe, que o filho venera!...
No silêncio, há tanto grito
que acorda o sono da espera!
= = = = = = = = = = =

Este teu olhar sombrio,
à distância, me traduz,
que um olhar cego e vazio
busca outro raio de luz!
= = = = = = = = = = =

Foram tantas despedidas,
que hoje, eu procuro um recanto,
que esconda mágoas retidas
no disfarce do meu pranto!
= = = = = = = = = = =

Já velho, encurtando os passos,
no outono e arrastando as penas,
ninguém mais lhe estende os braços,
sequer, as tardes serenas!
= = = = = = = = = = =

Muitas pedradas me dão,
e a resposta é mais ousada:
Dou pedradas de perdão
que vencem qualquer pedrada!
= = = = = = = = = = =

Não temo falsa premissa,
nem falsidades fatais;
tenho medo é da justiça
com rumos tão desiguais!
= = = = = = = = = = =

Na praça, as horas passando,
e ante o olhar da solidão,
a lua passa bordando
sonhos de amor pelo chão!
= = = = = = = = = = =

No instante em que tu me rondas,
ó, lua do meu sonhar,
ouço os conselhos das ondas,
sinto as angústias do mar!
= = = = = = = = = = =

Ó, mar, por que não te acalmas?
vê como a noite está mansa...
Não pesco os sonhos das almas,
pesco os sonhos da esperança!
= = = = = = = = = = =

O tempo, aponta os sinais
que mudam nosso destino:
Menino não brinca mais
com brinquedos de menino!
= = = = = = = = = = =

Por mais que a vida se apresse;
sentindo que a idade avança,
mesmo que nela, eu tropece,
não perco nunca a esperança!
= = = = = = = = = = =

Por mais que o adeus se descarte,
nele, o que se intensifica,
não é a dor de quem parte,
mas é a dor de quem fica!
= = = = = = = = = = =

Quando a aurora, abre a janela,
se expõe e puxa a cortina,
deixa a alvorada mais bela
aos olhos da luz divina!
= = = = = = = = = = =

Quando a noite me insinua
a ver o seu negro véu,
no lago, eu vejo outra lua,
rindo da lua no céu!
= = = = = = = = = = =

Que o tempo nunca me peça,
medidas da mocidade;
não há no mundo, quem meça,
da infância, uma só saudade!
= = = = = = = = = = =

Se a ostentação te faz nobre,
esquece!… É falsa nobreza;
nobre é quem deixa que o pobre
ponha mais pão sobre a mesa!
= = = = = = = = = = =

Sempre juntos, de mãos dadas,
e o casal, muito depois...
Segue contando as passadas
e a solidão entre os dois!
= = = = = = = = = = =

Se uma onda se encapela,
e acalma com a lua cheia,
o mar, com ciúme dela,
não deixa rastros na areia!
= = = = = = = = = = =

Se um certo olhar te conduz,
a uma paixão envolvente...
Vê, se de fato, traduz
o amor que teu corpo sente!
= = = = = = = = = = =

Sou como o mar entre as brumas,
que ante as procelas, se alteia,
mas deixa versos de espumas
nos pergaminhos da areia!
= = = = = = = = = = =

Teu olhar me disse tudo!...
E, eu só vim saber depois,
que aquele silêncio mudo
disse tudo por nós dois!
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Fonte:
Professor Garcia. Versos para refletir. Natal/RN: Trairy, 2021.
Livro enviado pelo trovador.

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Vanice Zimerman (Tela de Versos) 6: Gotas de Cera

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 63


Sinistra noite. Pressaga. Tanto visto, tanto anunciado. Ventosraiostrovõesaguaceiro. Mancomunados da mãe-natureza. Muita chuva, sinais dos tempos? Ciclos da natureza em constância inconstante? Previsões dos homens ? Indagações permanentes.

Não seria a vida constante aguaceiro, chuvarada, temporais, enchentes a qualquer tempo? Passam os ventos, as águas baixam, o sol ressurge, a vida volta ao seu normal. Perene ciclo dos humanos. E dos ventos, e das águas, dos presságios, do sem tempo…

Fonte:
Texto enviado pelo autor.


Mario Quintana em Prosa e Verso – 24 -

5005618942
Não existe no mundo tanta gente como o número de ordem que me deram no cartão de identidade, que não vou te mostrar porque não poderias lê-lo antes de o ter dividido da direita para a esquerda em grupos de três, para depois o pronunciares cuidadosamente da esquerda para a direita. Sei que o mesmo acontece contigo, mas que te importa, que nos importa isso — antes que um dia nos identifiquem a ferro em brasa, como fazem os estancieiros com o seu gado amado?

Esse número, de quintilhões ou quatrilhões, não me lembro mais, me faz recordar que venho desde o princípio do mundo, lá do fundo das cavernas, depois de pintar nas suas paredes, com uma habilidade hoje perdida, aqueles animais que vejo nos álbuns, milagre de movimento e síntese. Agora sou analítico, expresso-me em símbolos abstratos e preciso da colaboração do leitor para que ele “veja” as minhas imagens escritas. Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando os problemas dele, João Silva... Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!

Fonte:
Mário Quintana. A Vaca e o Hipogrifo. Publicado em 1977, pela editora Garatuja (Porto Alegre).

XXXI Concurso Nacional/Internacional de Trovas da UBT Bandeirantes/PR (Trovas Premiadas)


Âmbito Nacional/Internacional

NOVOS TROVADORES

Tema: Recanto

* * * * * * * * * * * *  
VENCEDORES
* * * * * * * * * * * *  


1º Lugar
Meu coração é recanto,
iluminado, sem breus,
meu refúgio sacrossanto
onde converso com Deus!
Geisa da Silva Moreira Alves
Resende – RJ

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2º Lugar
Eis nas letras meu encanto,
minhas dores e alegrias.
Faço da folha o recanto,
para minhas poesias.
Paulo Roberto Araújo Martins
Volta Redonda – RJ

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3º Lugar
Vou coletando memórias
e lapidando momentos...
Nós somos baús de histórias,
recantos dos sentimentos!
Ana Lúcia Cordeiro
Belo Horizonte – MG

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4º Lugar
És eterno em minha vida,
nos recantos da saudade,
és lembrança mais querida
dos dias da mocidade.
Geisa da Silva Moreira Alves
Resende – RJ
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5º Lugar
Nem todo canto é de encanto,
de um pássaro engaiolado,
qualquer ode é puro pranto,
no seu recanto isolado.
Cleber Duarte
Umarizal – RN


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DEMAIS VENCEDORES EM ORDEM ALFABÉTICA
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Em um recanto isolado
de meu coração sofrido,
saudade eu tenho guardado
do amor não correspondido.
Aparecida Militão Kugelmeier
Campinas – SP

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Teço a paz, no meu recanto,
acolhendo amigos meus...
tal costura, por encanto,
revela a face de Deus!
Elvira Drummond
Fortaleza – CE

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O recanto mais perfeito
pra morar, nos braços teus,
para mim ele foi feito
pelas mãos do nosso Deus!
Gleyde Costa
Campos dos Goytacazes – RJ
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Nas tardes sem emoção,
em que o marasmo me invade,
busco sempre a inspiração
no recanto da saudade!
Janete Francisco Sales Yoshinaga
São Paulo – SP

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O poeta tem um recanto
que não diz para ninguém.
Nele, no riso ou no pranto,
versa como lhe convém.
Jorge Ribeiro Marques
Rio de Janeiro – RJ

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Meu recanto, céu na terra,
quem vê não esquece mais:
um pedacinho de serra
entre as serras das Gerais.
José Erato Ferraz
Juiz de Fora – MG

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Eu me encontro no recanto,
guardo letras e canção,
faço plano, seco o pranto
e bem trato a solidão !
Júlio Augusto Gurgel Alves
Fortaleza – CE

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Se o recanto canta a dor,
o místico entoa o canto
e o cantar encantador,
alivia o desencanto.
Luciano Izidoro de Borba
Tombos – MG

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Por quaisquer canto e recantos,
que ruflem sempre os tambores,
da terra excluindo os prantos,
levando aos lares amores!...
Luiz Cláudio Costa da Silva
Natal – RN

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Neste meu doce recanto,
tendo a paz como aconchego,
o vento, apenas um canto,
só aumenta o meu sossego.
Melânia Ludwig Rodrigues
São José do Rio Preto – SP

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A emoção é minha lavra,
meu refúgio, o meu recanto.
No verso talho a palavra,
a rima luz, joia encanto.
Paulo Roberto Araújo Martins
Volta Redonda – RJ

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No recanto da poesia,
entre as chamas da paixão,
transcrevo com alegria,
os versos do coração.
Rosinéa Siqueira
Campos dos Goytacazes – RJ

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Âmbito Nacional/Internacional

VETERANOS

Tema: Trégua

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VENCEDORES
* * * * * * * * * * * *  


1º Lugar
Sem trégua, sigo na lida
por um mundo mais humano,
onde a defesa da vida
esteja em primeiro plano.
Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas – MG

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2º Lugar
Cansado… ainda resisto…
Peço a Deus que me conforte
e lembro que mesmo Cristo
pediu trégua antes da morte!
Edy Soares
Vila Velha – ES

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3º Lugar
Caso o ser humano desse
trégua para as ambições,
talvez nunca mais houvesse
uma guerra entre as nações.
Edson de Paiva
Rafael Godeiro – RN

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4º Lugar
Caminhei léguas e léguas
e, mesmo em trôpegos passos,
nem ao cansaço dei tréguas
pra chegar logo aos teus braços!!!
Maria Madalena Ferreira   
Magé – RJ

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5º Lugar
Nosso amor segue um caminho
onde há sempre um quero mais...
pois entre um beijo e um carinho,
não peço trégua... jamais!!
Luiz Antonio Cardoso
Taubaté – SP


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DEMAIS VENCEDORES EM ORDEM ALFABÉTICA
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Em qualquer briga, conflito,
ou na guerra, tanto faz,
eu sempre digo e repito:
Melhor que a trégua é a paz.
Antônio Francisco Pereira
Belo Horizonte – MG

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Já não há trégua que valha
para travar a ambição,
provoca-se uma batalha
tendo, ou não tendo, razão.
António José Barradas Barroso
Parede – Portugal

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Eu sempre vivi demais,
na parte boa ou sofrida.
Na minha vida jamais
eu pedi tréguas à Vida!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora – MG

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Quanta gente, aflita, chora
numa luta sempre a esmo,
sem ter a trégua que implora
na guerra consigo mesmo.
Cezar Defilippo
Astolfo Dutra – MG

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Trégua tarda, frase franca
ante a guerra e os seus assombros:
que vale a bandeira branca
fincada em meio aos escombros?
Cezar Defilippo
Astolfo Dutra – MG

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A paixão não tem respeito
e não dá trégua um segundo;
se avança ao nicho do peito
toma as dimensões do mundo.
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo – SP

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Ah, se por respeito ou luto
um cessar-fogo se faz,
nessa trégua de um minuto
surge uma chance de paz.
Cléber Roberto de Oliveira
São João de Meriti – RJ

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Brigas são tantas e tais…
Mas, ao final do debate,
sempre que o amor grita mais
vem a trégua e vence o embate!
Clenir Neves Ribeiro
Nova Friburgo – RJ

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Quando Deus quer a mudança
que vai fazer diferença,
uma trégua a gente alcança
entre a batalha e a sentença!
Dáguima Verônica de Oliveira
Santa Juliana – MG

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Se uma discórdia der causa
a total falta de apreço,
que da trégua, em breve pausa,
surja um novo recomeço.
Dulcidio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de fora – MG

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Quem vive com amargura,
achando que é tudo em vão,
precisa buscar a cura
dando trégua ao coração.
Edweine Loureiro
Saitama – Japão

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Mais uma guerra acontece...
Por que tanta insanidade?
E, sem trégua, assim padece
outra vez a humanidade.
Edweine Loureiro
Saitama – Japão

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Breve trégua enquanto o vinho
rega o amor que a gente fez,
mas basta um simples carinho…
E ele incendeia outra vez!
Edy Soares
Vila Velha – ES

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Se a Humanidade fraterna,
de amar o Amor for capaz,
a trégua há de ser eterna,
e, então teremos a Paz!
Élbea Priscila de Sousa e Silva
Caçapava – SP

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Quando uma trégua acontece
e silencia os canhões,
o homem, por fim, reconhece
o poder das orações.
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru – SP

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Uma trégua ante os atritos
do nosso amor sem medidas,
só fez aumentar os gritos
da saudade em nossas vidas...
Ercy Maria Marques de Faria
Bauru – SP

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A dor que, sem trégua, atinge
o pobre, que nada tem,
dói bem mais se você finge
que não enxerga ninguém.
Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas – MG

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A vida não nos dá trégua
nos tangendo para a frente,
como se fosse uma régua
medindo os passos da gente...
Gilvan Carneiro da Silva
São Gonçalo – RJ

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Quando o coração reclama,
eu peço trégua à vaidade
e me entrego, em nossa cama,
ao sonho, ao pranto, à saudade...
Jerson Lima de Brito
Porto Velho – RO

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Pediu-me um tempo... e sozinho
peguei-me triste a pensar...
A trégua é o melhor caminho
pra quem não quer mais voltar.
Juarez Francisco Moreira da Silva
Rio das Ostras – RJ

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Quando o amor pede uma trégua,
os conflitos se resolvem
e as razões postas na régua
em abraços se dissolvem.
Luciana Pessanha Pires
Itaperuna – RJ

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Diferente  do  rancor
e  das  guerras  que  exterminam,
as  nossas  brigas  de  amor
em  trégua  sempre  terminam!
Maria Nelsi Sales Dias
Santos – SP

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Mesmo que o doutor insista
não dê trégua ao coração;
às vezes cardiologista
pouco entende de paixão.
Olympio da Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte – MG

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Meu amor não se desfez;
sem partir, tu continuas...
Aceita a trégua, outra vez,
de minhas mãos sobre as tuas!!!
Professor Garcia
Caicó – RN

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Trégua! Bradam corações
diante de triste guerra;
tanques, mísseis, explosões
devastando a nossa Terra!
Regina Rinaldi
Pariquera-Açu – SP

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Quem chega à terceira idade
longe de quem se quer bem
se casa com a saudade,
que não dá trégua a ninguém!
Renata Paccola
São Paulo – SP

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Não há trégua no poeta,
quando a inspiração borbulha,
pois ela até se arquiteta
na mais humilde fagulha!
Roberto Tchepelentyky
São Paulo – SP

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Quando o perdão natural,
cria trégua verdadeira,
não deve ser casual,
e sim, para a vida inteira.
Romilton Faria
Juiz de Fora – MG

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Partiste... Foi -me preciso
dar trégua... Renunciar,
disfarçar com um sorriso
meu desejo de  chorar.
Sarah Passarella
Campinas – SP


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TROVA DESTAQUE
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A trova quando troveja
o trinco trava na porta,
a terra treme, lateja
e a trégua já nasce morta.
Max Reis
Belém – PA

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Âmbito Estadual (Paraná)

Tema: Emoção

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VENCEDORES
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1º Lugar
A emoção se envolve em laços
e maior não pode haver:
— sentir um filho nos braços,
logo após vê-lo nascer!...
Lucília Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes – PR

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2º Lugar
Foi na emoção disfarçada
de uma lágrima contida
que eu vi seguir noutra estrada
a razão da minha vida...
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa – PR

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3º Lugar
Intensa emoção me invade
ao rever o berço antigo;
e, passo a passo, a saudade
caminha, feliz, comigo!
Leonilda Yvonneti Spina
Londrina – PR

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4º Lugar
Cada vez que nasce um filho,
o universo em procissão,
das estrelas chama o brilho
pra saudar nossa emoção.
Albano Bracht
Toledo – PR

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5º Lugar
A mulher num elo eterno
de emoção, ternura e brilho,
faz do seu ventre materno
um mundo de amor... ao filho!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes – PR

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DEMAIS VENCEDORES EM ORDEM ALFABÉTICA
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Ah, que fantástico evento
e que emoção generosa:
testemunhar o momento
em que o botão vira rosa.
A. A. de Assis
Maringá – PR

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Como é bom o amor, se a gente,
sem limite de emoção,
ama alguém que também sente
pela gente igual paixão!
A. A. de Assis
Maringá – PR

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Compensa a dor e o cansaço
a forte emoção sentida,
pela mãe que em seu regaço
acolhe uma nova vida.
Caterina Balsano Gaioski
Irati – PR

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Sentindo a nossa aflição,
a saudade, com cuidado,
deixa rastros de emoção
no caminho do passado.
César Augusto Ribas Sovinski
Curitiba – PR

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Palavra, não disse não,
o seu olhar segredou,
mas foi tão grande a emoção,
num quase... ela revelou!
Janete de Azevedo Guerra
Bandeirantes – PR

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Emoções são afloradas
em feições não reprimidas,
nos sorrisos das chegadas
e nos prantos das partidas!
Lucília Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes – PR

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Numa música sentida,
dedilhada ao violão,
cada lágrima contida
é uma nota da emoção.
Luiz Vieira
Irati – PR

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Todo o esforço concentrado,
pressionando o coração,
tem um grito aprisionado,
libertado na emoção.
Luiz Vieira
Irati – PR

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Um luar, um violão
e uma tristeza sonora;
nos versos de uma emoção,
a minha saudade chora.
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba – PR

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Na mais cruel solidão,
sem você perto de mim,
faço da minha emoção,
trovas, nas noites sem fim...
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba – PR

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Ah! ...Nesta altura da vida,
a emoção que espero ter
é a de ver, enternecida,
empatia em cada ser!
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa – PR

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A lua, tal qual farol
do céu prateia o sertão,
após um dia de sol
traz com ela, a emoção.
Maria Lacerda
Toledo – PR

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O sol, a chuva atravessa
e, o céu se estampa de cores.
Um lindo arco-íris que expressa:
emoção, poesia, amores...
Maria Lacerda
Toledo – PR

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Saudade é sempre bem-vinda
quando a lembrança que aflora,
nos traz emoções, ainda,
dos bons momentos de outrora!
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes – PR

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Que emoção tão diferente!
Oh! Meu Deus, que maravilha!
Um abraço comovente,
do filho de minha filha.
Silvia Maria Svereda
Irati – PR

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Fonte:
Lucília Trindade Decarli

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Daniel Maurício (Poética) 40


Artur de Azevedo (A cozinheira)


Capítulo I

Araújo entrou em casa alegre como passarinho. Atravessou o corredor cantarolando a Mascote, penetrou na sala de jantar, e atirou para cima do aparador de vieux-chêne um grande embrulho quadrado; mas, de repente, deixou de cantarolar e ficou muito sério: a mesa não estava posta! Consultou o relógio: era cinco e meia.

— Então que é isto? São estas horas e a mesa ainda neste estado! - Maricas!

Maricas entrou, arrastando lentamente uma elegante bata de seda. Araújo deu-lhe o beijo conjugal, que há três anos estalava todo dia à mesma hora, invariavelmente - e interpelou-a:

— Então, o jantar.

— Pois sim, espera por ele!

— Alguma novidade?

— A Josefa tomou um pileque onça, e foi-se embora sem ao menos deitar as panelas no fogo!

Araújo caiu aniquilado na cadeira de balanço. Já tardava! A Josefa servia-os há dois meses, e as outras cozinheiras não tinham lá parado nem oito dias!

— Diabo! dizia ele irritadíssimo; diabo!

E lembrava-se da terrível estopada que o esperava no dia seguinte: agarrar no Jornal do Comércio, meter-se num tílburi, e subir cinquenta escadas à procura de uma cozinheira!

Ainda da última vez tinha sido um verdadeiro inferno! — Papapá! — Quem bate! — Foi aqui que anunciaram uma cozinheira? — Foi, mas já está alugada. — Repetiu-se esta cena um ror de vezes!

— Vai a uma agência, aconselhou Maricas.

— Ora muito obrigado! — bem sabes o que temos sofrido com as tais agências. Não há nada pior.

E enquanto Araújo, muito contrariado, agitava nervosamente a ponta do pé e dava pequenos estalidos de língua, Maricas abria o embrulho que ele ao entrar deixara sobre o aparador...

— Oh! como é lindo! exclamou extasiada diante de uma magnífico chapéu de palha, com muitas fitas e muitas flores. Há de me ficar muito bem. Decididamente és um homem de gosto!

E, sentando-se no colo de Araújo, agradecia-lhe com beijos e carícias o inesperado mimo. Ele deixava-se beijar friamente, repetindo sempre:

— Diabo! diabo!...

— Não te amofines assim por causa de uma cozinheira.

— Dizes isso porque não és tu que vais correr a via sacra à procura de outra.

— Se queres, irei; não me custa.

— Não! Deus me livre de dar-te essa maçada. Irei eu mesmo.

Ergueram-se ambos. Ele parecia agora mais resignado, e disse:

— Ora, adeus! Vamos jantar num hotel!

— Apoiado! Em qual há de ser?

— No Daury. É o que está mais perto. Ir agora à cidade seria uma grande maçada.

— Está dito: vamos ao Daury.

— Vai te vestir

Às oito horas da noite Araújo e Maricas voltaram do Daury perfeitamente jantados e puseram-se à fresca.

Ela mandou iluminar a sala, e foi para o piano assassinar miseravelmente a marcha da Aída; ele, deitado num soberbo divã estofado, saboreando o seu Rondueles, contemplava uma finíssima gravura de Goupil, que enfeitava a parede fronteira, e lembrava-se do dinheirão que gastara para mobiliar a ornar aquele bonito chalé da rua do Matoso.

Às dez horas recolheram-se ambos. Largo e suntuoso leito de jacarandá e pau-rosa, sob um dossel de seda, entre cortinas de rendas, oferecia-lhes o inefável conchego das suas colchas adamascadas.

À primeira pancada da meia-noite, Araújo ergue-se de um salto, obedecendo a um movimento instintivo. Vestiu-se, pôs o chapéu, deu um beijo de despedida em Maricas, que dormia profundamente, e saiu de casa com mil cuidados para não despertá-la.

A uns cinquenta passos de distância, dissimulado na sombra, estava um homem cujo vulto se aproximou à medida que o dono da casa se afastava...

Quando o som dos passos de Araújo se perdeu de todo no silêncio e ele desapareceu na escuridão da noite, o outro tirou uma chave do bolso, abriu a porta do chalé, e entrou...

Na ocasião em que se voltava para fechar a porta, a luz do lampião fronteiro bateu-lhe em cheio no rosto; se alguém houvesse defronte, veria no misterioso noctívago um formoso rapaz de vinte anos.

Entretanto, Araújo desceu a rua Matriz e Barros, subiu a de São Cristóvão, e um quarto de hora depois entrava numa casinha de aparência pobre.

Capítulo II

Dormiam as crianças, mas dona Ernestina de Araújo ainda estava acordada. O esposo deu-lhe o beijo convencional , um beijo apressado, que tinha uma tradição de quinze anos, e começou a despir-se para deitar-se. Araújo levava grande parte da vida a mudar de roupa.

— Venho achar-te acordada: isso é novidade!

— É novidade, é. A Jacinta deu-lhe hoje para embebedar-se, e saiu sem aprontar o jantar. Fiquei em casa sozinha com as crianças.

— Oh, senhor! é sina minha andar atrás de cozinheiras!

— Não te aflijas: eu mesma irei amanhã procurar outra.

— Naturalmente, pois se não fores, nem eu, que não estou para maçadas!

Depois que o marido se deitou, dona Ernestina, timidamente:

— E o meu chapéu? perguntou; compraste-o?

— Que chapéu?

— O chapéu que te pedi.

— Ah? já não me lembrava... Daqui a uns dias... Ando muito arrebentado...

— É que o outro já está tão velho...

— Vai-te arranjando com ele, e tem paciência... Depois, depois...

— Bom... quando puderes.

E adormeceram.

Logo pela manhã a pobre senhora pôs o seu chapéu velho e saiu por um lado, enquanto o seu marido saía por outro, ambos à procura de cozinheira. Os pequenos ficaram na escola.

Os rendimentos de Araújo davam-lhe para sustentar aquelas duas casas. Ele almoçava com a mulher e jantava com a amante. Ficava até a meia-noite em casa desta, e entrava de madrugada no lar doméstico.

A amante vivia num bonito chalé, a família morava numa velha casinha arruinada e suja. Na casa da mão esquerda havia o luxo, o conforto, o bem estar; na casa da mão direita reinava a mais severa economia. Ali os guardanapos eram de linho; aqui os lençóis de algodão. Na rua do Matoso havia sempre o supérfluo; na rua de São Cristóvão muitas vezes faltava o necessário.

Araújo prontamente arranjou cozinheira para a rua do Matoso, e à meia noite encontrou a esposa muito satisfeita:

— Queres saber, Araújo? Dei no vinte! Achei uma excelente cozinheira!

— Sério?

— Que jantar esplêndido! Há muito tempo não comia tão bem! Esta não me sai mais de casa.

Pela manhã, a nova cozinheira veio trazer o café para o patrão, que se achava ainda recolhido, lendo a Gazeta. A senhora estava no banho; os meninos tinham ido para a escola.

— Eh! eh! meu amo, é vosmecê que é dono da casa?

Araújo levantou os olhos; era a Josefa, a cozinheira que tinha estado em casa de Maricas!

— Cala-te, diabo! Não digas que me conheces!

— Sim, sinhô.

— Com que então tomaste anteontem um pileque onça e nos deixaste sem jantar, hein?

— Mentira sé, meu amo; Josefa nunca tomou pileque. Minha ama foi que me botou pra fora!

— Oras essa! Por que?

— Ela me xingou pro via das compra, e eu ameacei ela de dizê tudo a vosmecê.

— Tudo, o que?

— A história do estudante que entra em casa à meia-noite quando vosmecê sai.

— Cala-te! disse vivamente Araújo, ouvindo os passos de dona Ernestina, que voltava do banho.

O nosso herói prontamente se convenceu que a Josefa lhe havia dito a verdade. Em poucos dias desembaraçou-se da amante, deu melhor casa à mulher e aos filhos, começou a jantar em família, e hoje não saí à noite sem dona Ernestina.

Tomou juízo e vergonha.

Fonte:
Artur de Azevedo. Contos Fora da Moda. Publicado originalmente em 1894,