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domingo, 6 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (A Vida de Pedro Cem)


Impressa em Recife, junho de 1932
–––––––

 Vou narrar agora um fato
 Que há cinco séculos se deu,
 De um grande capitalista
 Do continente europeu,
 Fortuna que como aquela,
 Ainda não apareceu.

 Pedro Cem, era o mais rico,
 Que nasceu em Portugal,
 Sua fama enchia o mundo
 Seu nome anda em geral,
 Não casou-se com rainha
 Por não ter sangue real.

 Em prédios, dinheiro e bens
 Era o mais rico que havia,
 Nunca deveu a ninguém
 Todo mundo lhe devia,
 Balanço em sua fortuna
 Querendo dar não podia.

 Em cada rua ele tinha
 Cem casas para alugar,
 Tinha cem botes no porto
 E cem navios no mar,
 Cem lanchas e cem barcaças,
 Tudo isto a navegar.

 Tinha cem fábricas de vinho
 E cem alfaiatarias,
 Cem depósitos de fazendas
 Cem moinhos e cem padarias
 E tinha dentro do mar,
 Cem currais de pescarias.

 Em cada país do mundo
 Possuía cem sobrados,
 Em cada banco ele tinha
 Cem contos depositados,
 Ocupava mensalmente
 Dezesseis mil empregados.

 Diz a história aonde eu li
 O todo desse passado,
 Que Pedro Cem nunca deu
 Uma esmola a um desgraçado.
 Não olhava para um pobre,
 Nem falava com criado.

 Uma noite teve um sonho
 Um rapaz o avisava
 Que aquele orgulho dele
 Era quem o castigava
 Aquela grande fortuna
 Assim como veio voltava.

 Ele acordou agitado
 Pelo sonho que tinha tido,
 Que rapaz seria aquele?
 Que lhe tinha aparecido
 Depois pensou, ora! Sonho,
 É devaneio do sentido.

 Um dia, no meio da praça
 Ele a uma moça encontrou,
 Essa vinha quase nua,
 Aos seus pés se ajoelhou
 Dizendo: senhor? Olhai!
 O estado em que estou.

 Ele torceu para um lado
 E disse: minha senhora?
 Olhe a sua posição!...
 E veja o que fez agora
 Reconheça o seu lugar,
 Levante-se e vá embora

 Oh! Senhor! Por esse sol
 Que de tão alto flutua,
 Lembrai-vos que tenho fome
 Estou aqui quase nua,
 Sou obrigada a passar,
 Nesse estado em plena rua.
 Ele repleto de orgulho
 Nem deu ouvido, saiu,
 A pobre ergueu-se chorando
 Chegou adiante caiu,
 Vinha passando uma dama
 Que com o manto a cobriu.

 Era a marquesa de Évora
 Uma alma lapidada,
 Tirando o seu rico manto
 Cobriu essa desgraçada,
 Ali conheceu que a pobre
 Foi pela fome postrada.

 Levante-se minha filha
 E pegou-lhe pela mão,
 Dizendo a criada a ela:
 Vá ali comprar um pão
 Que a essa pobre infeliz,
 Falta alimentação.

 Entregando-lhe uma bolsa
 Com quarenta e dois mil réis,
 Apenas tirou dali
 Um diploma e uns papéis
 Não consentindo que a moça
 Se ajoelhasse aos seus pés.

 E com aquela quantia
 Ela comprou um tear,
 Tinha mais duas irmãs
 Foram as três trabalhar
 Dali em diante mais nunca,
 Faltou-lhe com que passar.

 Vamos agora tratar
 Pedro Cem como ficou,
 E o nervoso que sentiu
 Uma noite que sonhou
 Que um homem lhe apareceu
 E disse olhe bem quem eu sou,

 Que tens feito do dinheiro 
 Que tomaste emprestado?
 Meu senhor mandou saber
 Em que o tens empregado?
 E por qual razão cumpriu
 As ordens que ele tem dado?

 Ele perguntou no sonho
 Mas que dinheiro eu tomei,
 Até aos próprios monarcas
 Dinheiro muito emprestei,
 O vulto zombando dele
 Disse: quem tu és eu sei.

 Que capital tinhas tu
 Quando chegaste ao mundo?
 Chegaste nu e descalço
 Como o bicho mais imundo
 Hoje queres ser tão nobre,
 Sendo um simples vagabundo.

 E metendo a mão no bolso
 Tirou dele uma mochila,
 Dizendo é esta a fortuna
 Que tu hás de possuí-la,
 Farás dela profissão,
 Pedindo de vila em vila.

 Pedro Cem sonhando disse:
 Ave agoureira te some
 Tua presença me perturba
 Tua frase me consome
 De qual mundo tu vieste?
 Diz-me por favor teu nome.

 Meu nome, disse-lhe o vulto
 És indigno de saber,
 Meu grande superior
 Proibiu-me de dizer.
 Apenas faço o serviço,
 Que ele me manda fazer.

 Despertando Pedro Cem
 Daquilo contrariado
 Ter dois sonhos quase iguais
 Ficou impressionado,
 Resolveu contrafazer,
 E ficar reconcentrado.

 Pensou em tirar por ano
 Daquela grande riqueza
 Sessenta contos de réis
 E dar de esmola à pobreza
 Depois refletindo, disse:
 Não me dá maior fraqueza

 Porque ainda mesmo Deus
 Querendo me castigar,
 Não afundará num dia
 Meus cem navios no mar,
 As cem fazendas de gado,
 Custarão a se acabar.

 As cem fábricas de tecidos
 Que tenho funcionando,
 Os parreirais de uvas
 Que estão todos safrejando,
 Cem botes que tenho no porto
 Todo dia trabalhando.

 Cem armazéns de fazendas
 As cem alfaiatarias,
 As cem fundições de ferro
 Cem currais de pescarias
 As cem casas alugadas,
 Cem moinhos, cem padarias.

 E as centenas de contos
 Nos bancos depositados,
 E tudo isso em poder
 De homens acreditados
 Ainda Deus querendo isso
 Seus planos eram errados

 Pedro Cem naquela hora
 Estava impressionado,
 Quando aproximou-se dele
 O seu primeiro criado,
 E disse: aí tem um homem,
 Diz vos trazer um recado.

 Mande que entre a pessoa
 Ele ao criado ordenou:
 Era um marinheiro velho
 Chegando ali o saudou,
 Que novas traz, meu amigo?
 Pedro Cem lhe perguntou.

 Disse o velho marinheiro:
 Venho-vos participar,
 Que dez navios dos vossos
 Ontem afundaram no mar
 Morreram as tripulações
 Só eu me pude salvar.

 Que navios foram esses?
 Perguntou-lhe Pedro Cem,
 Respondeu o marinheiro:
 Foi Tejo e Jerusalém
 E Douro e Penafiel
 Os outros eu não sei bem.

 Aquela inda estava ali
 Outro portador bateu
 O empregado das vacas
 Contou o que sucedeu;
 Incendiaram os cercados
 E todo o gado morreu.

 Pedro Cem nada dizia
 Ficando silencioso,
 Apenas disse: na terra
 Não há homem venturoso
 Quem se julgar mais feliz
 É pior que cão leproso.

 Chegou outro portador
 O empregado da vinha,
 Disse o depósito estourou
 Vazou o vinho que tinha
 Pedro Cem disse: meu Deus!...
 Que sorte triste esta minha.

 Saiu aquele entrou outro
 Era um cônsul norueguês,
 Disse nos mares do norte
 Andava um pirata inglês,
 Noventa navios vossos
 Tomou ele de uma vez.

 Meu Deus!... Meu Deus!... que fiz eu
 Exclamava Pedro Cem
 Não há homem nesse mundo
 que possa dizer vou bem,
 quando menos ele espera
 A negra desgraça vem.

 Dos cem navios que tinha
 Alguns foram afundados,
 E outros pelos piratas
 Nos mares foram tomados
 Acrescentou a pessoa:
 Vinham todos carregados.

 Ali mesmo veio o mestre
 Da barca Flor do Mundo
 Esse fitou Pedro Cem
 Com um silêncio profundo
 Depois disse: senhor marquês?!
 Dez barcaças foram ao fundo

 Quatros vinham carregadas
 Com bacalhau e azeite,
 Duas vinham da Suécia
 Com queijo, manteiga e leite,
 De todas as mercadorias
 Não tem uma que se aproveite.

 Quatro das dez que afundaram
 Traziam pérola e metal,
 Só da ilha da Madeira
 Vinham um milhão de coral
 Topázio, rubi, brilhante,
 Ouro, esmeralda e cristal.

 Pedro Cem baixou a vista
 Nada pôde refletir
 Exclamou que faço eu?
 Devo deixar de existir,
 Mas matando-me não vejo,
 Isso até onde pode ir.

 Chegou o moço do campo
 Tremendo e muito assustado
 E disse: senhor marquês
 Venho aqui horrorizado,
 Deu murrinha nas ovelhas
 E mal triste em todo gado.

 Naquele momento entrou
 Um rapaz auxiliar,
 Esse puxando um papel
 Disse: venho procurar,
 Tudo quanto se perdeu
 Na barca Ares do Mar.

 Pedro Cem perguntou quanto
 Tirou o moço uns papéis.
 Que se lia entre brilhantes
 Pulseiras, colares, anéis,
 Um milhão e quatrocentos
 E vinte contos de réis.

 Entrou outro auxiliar
 Disse eu quero pagamento,
 Por tudo que se perdeu
 No navio Chave do Vento
 Que vinha da América do Norte
 Com grande carregamento

 Chegou um tabelião
 Dá licença senhor Marquês?
 Venho lhe participar
 Que o grande banco francês,
 Dois alemães, três suíços
 Quebraram todos de vez

 Lá se foi minha fortuna
 Exclama Pedro Cem,
 Ontem fui milionário
 Hoje não tenho um vintém
 Só mesmo na campa fria,
 Eu hoje estaria bem.

 Dando balanço nos bens
 Quis até desesperar.
 Tudo quanto possuía
 Não dava para pagar
 Nem pela décima parte
 Os prejuízos do mar.

 Exclamava: oh! Pedro Cem
 Que será de ti agora!
 No pouco que me restava
 A justiça fez penhora,
 Pedro Cem de agora em diante
 Vai errar de mundo afora.

 Carpir esta sorte dura
 que a desventura me deu,
 Talvez muitas vezes vendo
 Aquilo que já foi meu,
 Em lugar que não se saiba
 Quem neste mundo fui eu.

 Ali no terraço mesmo
 Forrando o chão se deitou,
 As onze e meia da noite
 O sonho conciliou
 No sono sonhando viu
 O rapaz que lhe falou.

 Aquele perguntou, Pedro
 Como te foste de empresa,
 Já estás conhecendo agora
 Quanto é grande a natureza?
 Conheceste que teu orgulho
 Foi quem te fez a surpresa?

 Metendo a mão na algibeira
 Dali um quadro tirou.
 Onde havia dois retratos
 Que a Pedro Cem os mostrou
 Conheces esses retratos
 O rapaz lhe perguntou.

 Via-se naquele quadro
 Uma dama bem vestida
 Pedro Cem disse por sonho:
 Essa é minha conhecida
 A outra uma moça pobre
 Com fome no chão caída.

 Perguntava-lhe o rapaz:
 Quem é esta conhecida
 É a marquesa de Évora
 E esta que está caída?
 Essa? É uma miserável,
 Dessa classe desvalida.

 O rapaz puxa outro quadro
 Verde cor de esperança,
 Onde via-se uma monarca
 Suspendendo uma balança
 Estava pesando nela
 Caridade e esperança.

 Mostrou-lhe mais quatros quadros
 Que Pedro Cem conheceu,
 Tinha a Marquesa de Évora
 Quando a bolsa a pobre deu
 Que estirou a mão dizendo:
 Toma este dinheiro que é teu.

 No quadro via-se um anjo
 Assim nos diz a história,
 Com uma flor onde se lia:
 jardim da eterna glória,
 Presenteado por Deus,
 Esta palma de vitória.

 Quem planta flores tem flores
 Quem planta espinho tem espinho
 Deus mostra ao espírito fraco
 O que nega ao mesquinho,
 A virtude é um negócio
 A boa ação um pergaminho.

 Depois que ele acordou
 Triste impressionado
 Interrogava si próprio
 Porque sou tão desgraçado
 Achou na cama a mochila,
 Com que tinha sonhado.

 Será esta a tal mochila
 Que o fantasma me mostrou;
 É esta que o homem em sonho
 Em desespero exclamou:
 Na noite em que a cruel sina,
 Por sonho me visitou.

 De tudo restava apenas
 A casa de moradia,
 Essa mesma embargaram
 Antes de findar-se o dia
 Então disse Pedro Cem
 Cumpriu-se a profecia.

 Lançando a mão na mochila
 Saiu no mundo a vagar
 Implorando a caridade
 Sem alguém nada lhe dar
 Por uma cinco ou seis vezes
 Tentou se suicidar.

 Ele dizia nas portas:
 Uma esmola a Pedro Cem
 Que já foi capitalista
 Ontem tem, hoje não tem
 A quem já neguei esmola
 Hoje a mim nega também.

 Foi ele cair com fome
 Em casa daquela moça,
 Quando foi a porta dele
 Com fome, frio e sem força,
 Que ele não quis olhá-la
 A marquesa deu-lhe a bolsa.

 A criada o viu cair
 Exclamou: minha senhora!...
 Ande ver um miserável,
 Que caiu de fome agora,
 Onde? Perguntou a moça
 Ana disse: Ali fora.

 A moça disse à criada:
 Que trouxesse leite e pão
 Aproximando-se dele
 Disse: o que tens meu irmão
 Bateste em todas as portas
 Não encontraste cristão.

 Senhora! Se vós soubesseis
 Quem é esse desgraçado
 Não me abririas a porta
 Nem me davas esse bocado
 Respondeu ela: conheço
 Mas eu esqueço o passado.

 Me recordo que a marquesa
 Fez minha felicidade,
 Viu-me caída com fome
 Teve de mim piedade,
 Deu-me com que comprar pão
 E esta propriedade.

 Pedro Cem se levantou
 Disse obrigado e saiu
 Andando duzentos passos
 Tombou por terra, caiu
 E umas frases tocantes,
 Em alta voz proferiu:

 "Vai unir-se à terra fria
 O que não soube viver
 Soube ganhar a fortuna
 Mas não na soube perder
 Se tenho estudado a vida
 Tinha aprendido a morrer.

 Foi como a corrente d’água
 Que pela serra desceu,
 Chegou o verão a secou
 Ela desapareceu,
 Ficando só os escombros
 Por onde a água correu.

 Eu tive tanta fortuna
 Não socorria ninguém,
 A todos que me pediram
 Eu nunca dei um vintém,
 Hoje preciso pedir,
 Não há quem me dê também.

 Não desespero, pois sei
 Que grandes crimes hoje espio,
 Nasci em berços dourados
 Dormi em colchão macio
 Hoje morro como os brutos
 Neste chão sujo e frio.

 Foram as últimas palavras
 Que ali pronunciou,
 Margarida, aquela moça
 Que a marquesa embrulhou
 Botou-lhe a vela na mão,
 Ele ali mesmo expirou.

 A justiça examinando
 Os bolsos de Pedro Cem,
 Encontrou uma mochila
 E dentro dela um vintém
 E um letreiro que dizia:
 Ontem teve e hoje não tem.

Fonte:
Cascudo, Luís da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Rio de Janeiro, Ediouro, sd. Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

sábado, 5 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (A Velha Bizunga)


Colhido em Maricá, RJ
––––––––––-

Velha Bizunga,
 Casai vossa filha,
 Pra termos um dia
 De grande alegria.
 "Eu, minha filha,
 Não quero casar;
 Pois não tenho dote
 Para a dotar.

 Saiu a Preguiça,
 De barriga lisa:
 — Case a menina,
 Que eu dou a camisa.
 "Quem dê a camisa
 Decerto nós temos;
 Mas a saia branca,
 Donde a haveremos?

 Saiu a cabrita
 Do mato manca:
 — Case a menina,
 Darei a saia branca.
 "Quem dê saia branca
 De certo nós temos;
 Mas o vestido.
 Donde o haveremos?

 Saiu o veado
 Do mato corrido:
 — Case a menina,
 Que eu dou o vestido.
 "Quem dê o vestido
 De certo nós temos;
 Porém os brincos,
 Donde os haveremos?

 Saiu o cabrito
 Dando dois trincos:
 — Case a menina,
 Eu darei os brincos.
 "Quem dê os brincos
 De certo nós temos;
 Mas falta o ouro,
 Donde o haveremos?

 Saiu do mato
 Roncando o besouro
 — Case a menina,
 Qu’eu darei o ouro.
 "Quem nos dê o ouro
 De certo nós temos;
 Mas a cozinheira,
 Donde a haveremos?

 Saiu a cachorra
 Descendo a ladeira:
 — Casai a menina,
 Serei cozinheira.
 "Quem seja a cozinheira
 É certo já temos;
 Porém a mucama,
 Donde a haveremos?

 Saiu a traíra
 De baixo da lama;
 — Casai a menina,
 Serei a mucama.
 "Quem seja a mucama
 De certo nós temos,
 Porém o toucado,
 Donde o haveremos?

 Saiu o coelho
 Todo embandeirado:
 — Casai a menina,
 Darei o toucado.
 "Quem dê o toucado
 É certo que temos;
 Porém o cavalo,
 Donde o haveremos?

 Saiu do poleiro
 Muito teso o galo
 — Casai a menina,
 Que eu dou o cavalo.
 "Quem dê o cavalo
 De certo nós temos;
 Porém o selim,
 Donde o haveremos?

 Saiu um burro
 Comendo capim
 — Casai a menina,
 Darei o selim.
 "Quem dê o selim
 É certo que temos;
 Porém falta o freio,
 Donde o haveremos?

 Saiu uma vaca,
 Pintada no meio:
 — Casai a menina,
 Eu darei o freio.
 "Quem nos dê o freio
 Sim, senhores, temos;
 Porém a manta,
 Donde a haveremos?

 Saiu a onça
 Co‘a boca que espanta:
 — Casai a menina,
 Que darei a manta.
 "Quem nos dê a manta,
 É verdade temos;
 Mas quem será o noivo?
 Donde o haveremos?

 Saiu o tatu
 Com o seu casco goivo:
 — Casai a menina,
 Que eu serei o noivo.
 "O noivo tratado
 De certo nós temos;
 Porém o padrinho,
 Donde o haveremos?

 Saiu o ratinho
 Todo encolhidinho:
 — Casai a menina,
 Serei o padrinho.
 "Quem seja o padrinho
 De certo nós temos;
 Porém a madrinha.
 Donde a teremos?

 Saiu a cobrinha,
 Toda pintadinha:
 — Casai a menina,
 Serei a madrinha.
 "Quem seja a madrinha
 De certo nós temos;
 Mas quem pague o padre,
 Donde o haveremos?

 Saiu a cobrinha,
 Que era a comadre:
 — Casai a menina,
 Pagarei ao padre.
 Cada um dando o que pôde
 Todos se arrumaram:
 Chamado o padre,
 Logo se casaram.

 Caindo o sereno
 Por cima da grama,
 Debaixo da pedra
 Fizeram a cama,
 Se divertiram,
 Cantaram, dançaram;
 E diz o lagarto
 Que também tocaram.

 Se é verdade ou não,
 Isso lá não sei;
 O que me foi contado
 Eu também contei.

 O que sei só é
 Que tanto brincaram,
 Que todos também
 Se embebedaram.

 Até eu também
 Me achei na função,
 E pra casa truce
 De doce um buião.

Fonte:
Romero, Sílvio. Cantos populares do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954; Disponível em Jangada Brasil. Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Clássicos do Cancioneiro Popular (A Nau Caterineta)

Aquarela de Tiago Taron (Portugal)
Colhida em Sergipe
––––––––––––-

Faz vinte e um anos e um dia
Que andamos n’ondas do mar,
Botando solas de molho
Para de noite jantar.

A sola era tão dura,
Que a não pudemos tragar,
Foi-se vendo pela sorte
Quem se havia de matar,
Logo foi cair a sorte
No capitão-general.
"Sobe, sobe, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real,
Vê se vês terras de Espanha,
Areias de Portugal.

— Não vejo terras de Espanha,
Areias de Portugal,
Vejo sete espadas nuas
Todas para te matar.
Arriba, arriba, gajeiro,
Aquele tope real,
Olha pra estrela do norte
Para poder dos guiar.

— Alvistas, meu capitão,
Alvistas, meu general,
Avisto terras de Espanha,
Areias de Portugal.

Também avistei três moças
Debaixo dum parreiral,
Duas cosendo cetim,
Outra calçando o dedal.
"Todas três são filhas minhas,
Ai! Quem mas dera abraçar!
A mais bonita de todas
Para contigo casar."

— Eu não quero sua filha
Que lhe custou a criar,
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.

"Tenho meu cavalo branco,
Como não há outro igual;
Dar-te-lo-ei de presente
Para nele passear."

— Eu não quero seu cavalo
Que lhe custou a criar;
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.

"Tenho meu palácio nobre,
Como não há outro assim,
Com suas telhas de prata,
Suas portas de marfim."

— Eu não quero seu palácio
Tão caro de edificar;
Quero a nau Caterineta
Para nela navegar.

"A nau Caterineta, amigo
É d’El-Rei de Portugal,
Mas não serei mais ninguém,
Ou El-Rei te há de dar.

Desce, desce, meu gajeiro,
Meu gajeirinho real,
Já viste terras de Espanha,
Areias de Portugal…"

Fonte:
Jangada Brasil
Setembro 2010 - Ano XII - nº 140. Edição Especial de Aniversário