sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Quem são o MesmaFrequência?



O 'MesmaFrequência' é um grupo cultural sem estrutura formal (não tem estatuto, presidente, etc.) que tem como objetivo agrupar pessoas que se identificam culturalmente. Tudo é decidido em conjunto, por consenso, inclusive a escolha dos coordenadores dos projeto, a quem cabe organizar os respectivos eventos. Não existem 'donos' ou ganhos financeiros de qualquer espécie, só 'altos lucros' culturais...

Comunicamo-nos em torno de um e-mail e realizamos alguns projetos específicos.

Por ter sido iniciativa de Hélio Rubens de Arruda Miranda, foi o coordenador do projeto 'Sarau Cultural', que será realizado a cada dois meses (o próximo será dia 6 de Dezembro), revezando-se com o Sarau Cultural do Instituto Julio Prestes, de Itapetininga, do qual também é coordenador (realizado bimestralmente).

O projeto 'Cine Clube', que pretende reunir colegas do MF para assistir um 'filme cabeça' (roteiro interessante) e discuti-lo, é o segundo projeto criado pelo MesmaFrequencia. O coordenador escolhido foi Benão, artista especializado em artes cinematográficas. Será realizado em algum sábado de novembro (a data ainda não foi acertada), na casa da Delia Maria (onde realizaram o primeiro Sarau).

Fontes:
Hélio Rubens de Arruda Miranda.
Imagem
http://www.josebautista.net

Projetos do MesmaFrequência (MF) em Andamento em Sorocaba

- Projeto Sarau Cultural: a próxima edição será dia 6 de Dezembro. Ver detalhes abaixo. As inscrições estão abertas.

- Projeto 'Cine Cult': aguardando sugestão, pelo coordenador Benão, de dia, horário e indicação do filme a ser exibido.
Local: casa da Delia Maria.

AGENDA

Dia 25/10 - Sábado
17 horas - Cerimonia de entrega dos diplomas e presentes aos ganhadores do IV Concurso de Redação, do Instituto Julio Prestes.
Local: Câmara de Itapetininga.

Dia 27/10 - Segunda feira

19h30 - Lançamento do DVD "Os jornalistas e as eleições' evento promovido pela Aliança Internacional de Jornalistas - entrada grátis -
Local: Shopping Cidade Jardim - Auditório Livraria da Vila - Desta vez, deverá acontecer um bate-papo dos participantes do Dialógo com o público presente. Por isso o auditório com a projeção do DVD em telão ao fundo.

Dia 01/11 - Sábado

15 hs - Lançamento de livro 'Vidas Entrelaçadas', do MF Nicanor Pereira. O livro tem 160 páginas, formato 14x21 e a editora é 'O Clássico'.

O lançamento acontece durante a Expo-literária, na Biblioteca Municipal de Sorocaba, no dia 01 de novembro (sábado), às 15 horas, com as solenidades de lançamento e tarde de autógrafos.

Sinopse: a obra conta com a apresentação do literato Geraldo Bonadio, presidente da Academia Sorocabana de Letras e compreende um romance que se reporta a um casal de jovens enamorados. Têm eles o primeiro encontro na praia de Itapoã, Vila Velha/ES, vindo a seguir o envolvimento de um dos deles com as drogas, causando, desta forma, terríveis problemas e sofrimentos a ambos. No entanto, após longa separação, período em que acontecem uniões conjugais que se desfazem, prisões, enfermidades, assassinatos etc, permanecendo, porém, entre os protagonistas o amor "platônico" (intelecto-emocional). A restauração desse moço, proporcionada por sua firme disposição de cura e libertação, com o auxílio divino, reconstitui a vida de ambos, tornando-os incansáveis apologistas contra o ingresso de nossa juventude ao mundo das drogas. Leitura agradável, intrigante e emocional, de grande conteúdo ético e moral, sem qualquer apelo sexual, inspirando, nos seus conceitos, importantes princípios cristãos, tão necessários, na época em que vivemos.

Vidas Entrelaçadas é, antes de um romance, um brado de advertência aos jovens e adolescentes sobre o perigo da primeira "viagem" ao mundo de desgraças e infinitos sofrimentos a que conduzem as drogas. Leitura ideal para a família e jovens de todas as idades.

Nicanor Filadelfo Pereira. Poeta e cronista, nasceu em São Paulo em 19/08/39 e aos sete anos de idade foi residir em Jandira /SP onde cursou o primário, na Escola Mista da Parada Jandira, cursou depois o ginasial em Osasco e o Colegial (Clássico) no Colégio Campos Salles, na Lapa, São Paulo, capital. Foi correspondente dos jornais regionais: O Imparcial e O Suburbano da cidade de Itapevi/SP.

Aos dezoito anos ingressou na política partidária, tendo exercido diversos cargos na estrutura dos partidos de que fez parte, desde o PSB, PSP, posteriormente na Arena e, depois, no MDB. Foi vereador na cidade de Jandira, onde exerceu o primeiro mandato de Presidente da Câmara.

Sempre teve interesse especial pela Literatura, dedicando-se à escrita em prosa e verso. Em 1981 transferiu-se com sua família para Sorocaba, onde reside atualmente, mantendo, no entanto, seus vínculos com a cidade de Jandira, em função de suas atividades comerciais. Em Sorocaba faz parte das diretoria da CERES - Casa do Escritor da Região de Sorocaba, onde exerce o cargo de Diretor Executivo, é membro do Grupo Coesão Poética de Sorocaba e colunista dos sites: www.sorocult.com e www.joaquimevonio.com

Dia 08/11 - Sábado

19 horas - Lançamento do 3º livro do Gonçalves Viana (Vianinha), intitulado "Estilhaços".
No Depois Bar e Arte, situado na Rua Cônego Januário Barbosa, 123, próximo da Rodoviária.

Gonçalves Viana é Técnico em Projetos Industriais. Poeta, humanista e grande admirador da Música. Vice-Presidente da Ceres (Casa do Escritor de Sorocaba). Membro do grupo Coesão Poética de Sorocaba. Co-autor do 3º Volume do Livro "Biblioteca Sorocabana - Poesias". Autor do livro "Vertentes" lançado em 2006 pela Otonni Editora com incentivo da Ceres. Colunista do Espaço Literário do site sorocult.com. Co-autor na 1ª Coletânea Literária do site www.sorocult.com.

Dia 22/11- Sábado
20 horas
- Sarau Cultural do Instituto Julio Prestes -
na casa do casal Alcidenet-Mara -
INSCRIÇÕES ABERTAS!

Dia 06/12- Sábado
20 horas - 2o. Sarau Cultural do MF -
na rua Joel Ribeiro nº 140 - Jardim Emília. O local chama-se Clínica Expressão. A referência é a rua Washington Luis, na altura do 201.
Fone: 32310196. Outros telefones para contato: 32474744 e 91492628.
INSCRIÇÕES ABERTAS!

Fonte:
Douglas Lara.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Música e Poesia no Domingo da Casa das Rosas (São Paulo)


A Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, realiza, nesse domingo, dia 26/10 às 15 h, o evento A Casa é Um Palco.
Gratuito!

Serão distribuídos:
15 CD’s do projeto Musiclub
24 exemplares do livro “MEIOHOMEM” de Rui Mascarenhas.

Show com Zulu de Arrebatá e Artistas Convidados:
Zulu de Arrebatá é músico, poeta e compositor, além de ter importante participação na produção e divulgação do que de melhor se produz na música brasileira contemporânea. Participou do grupo Matéria Prima e foi um dos criadores do MPA – Movimento Popular de Arte de São Miguel Paulista–, ambos revolucionaram a cena musical dos anos 70.

Os artistas convidados são:
Léo Tomaz (jornalista, cantor e compositor),
Nelson Mouriz (artista plástico e restaurador),
Professora Antonia Sarah Azis Rocha (interpreta “Auto São Miguelino”, poesia adaptada da tese de mestrado “O bairro à sombra da chaminé”, acompanhada da professora Valdirene Barroquillo),
João Gomes de Sá (professor e poeta),
Cícero Dias (professor e poeta).
Este espetáculo tem por objetivo, divulgar as diferentes formas e tendências de produções artísticas e culturais, desenvolvidas em São Miguel Paulista e zona leste.

Leitura de poemas com Rui Mascarenhas:
No final de 2007 lançou o livro “MEIOHOMEM”, desde então vem se dedicando à literatura e à fotografia participando da extensa programação literária no estado de São Paulo e em todo o Brasil, promovendo e divulgando uma nova variante lúdica do texto alternativo.

O autor escreve no blog http://www.meiohomem.blogspot.com/ e recentemente participou do SIMPOESIA, em São Paulo, e da I Bienal de Poesia Internacioal de Brasília, tendo alguns de seus poemas publicados na antologia “Poemário”, organizado pela Biblioteca Nacional de Brasília – 2008.

Sarau aberto ao público.

Casa das Rosas
Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura.
Av. Paulista, 37. - São Paulo
Próximo ao Metrô Brigadeiro e ao Shopp. Paulista.
11 3285-6986 / 11 3288-9447

Fonte:
E-mail enviado por Rui Mascarenhas. http://meiohomem.blogspot.com/

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Júlia Mira dos Santos (Sonhos)

A noite chegou, e com ela as estrelas,
Com as estrelas o luar...
E, com o luar, a certeza
De que vale a penha sonhar!

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Júlia Mira dos Santos - 11 anos de idade - Sorocaba/SP . In
MORAES, Cintian e LARA, Douglas (orgs). Rodamundinho 2008. Itu/SP: Ottoni.

Carolina Arakaki de Camargo (Uma Pequena Maçã)

Eu sempre via aquele senhor sentado na calçada comendo uma maçã tão vermelha quanto as suas calças em xadrez. A cada mordida ele sorria, dava risada. Acho que ele se lembrava de alguma coisa de sua infância ou alguma coisa do gênero que sempre o divertia. Possuía um amigo, um cãozinho vira-lata, com quem sempre dividia sua maçã e que me parecia ter altos papos com ele.

Sempre tive a curiosidade de lhe perguntar o nome, de onde veio ou para onde iria, mas sempre me faltou coragem.

Um dia percebi que ele não estava mais lá. Estava apenas o cachorro deitado, choramingando.

E isso se repetiu conforme os dias iam passando.

Naquela calçada em que o via sentado havia um açougue. Resolvi perguntar por ele:

- Com licença. Havia um senhor que sempre se sentava nesta calçada, junto com aquele cachorrinho. O senhor sabe onde ele está?

- Ele veio a falecer há uma semana, minha jovem. Era seu parente?

- Não, não, era apenas uma pessoa que eu observava. O senhor sabe onde ele está enterrado?

- No cemitério da cidade.

- O senhor por um acaso teria uma maçã?

- Sim, naquela cesta ali.

Peguei a maçã mais vermelha de todas e levei até o cachorrinho, que comeu apenas a metade e ficou me observando. A outra metade, peguei e comecei a caminhar, e ele a me seguir. Chegamos ao túmulo do senhor Onigawa. Deixei a maçã e ficamos por um tempo lá.

Voltei para casa e o cãozinho permaneceu naquela calçada.

A partir daquele dia, nós sempre levávamos uma maçã ao cemitério, ao túmulo daquele senhor que eu apenas descobri o nome, mas que me ensinou que até mesmo aquelas pequenas e vermelhas maçãs poderiam me abrir um sorriso.

Fonte:
MORAES, Cintian e LARA, Douglas (organizadores). Antologia Rodamundinho 2008. Itu, SP: Ottoni, 2008. p.36.

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de outras linguas) Letra C


cadunt altis de montibus umbrae
latim - As sombras caem dos altos dos montes; anoitece.

caetera desiderantur
latim - Faltam outras coisas. Deseja-se o restante.

calomniez, il en reste toujours quelque chose
fr - Caluniai, (da calúnia) fica sempre alguma coisa. Palavras que Beaumarchais em O Barbeiro de Sevilha coloca nos lábios de Basílio, personagem hipócrita.

camelotts du roi
fr - Camelôs do rei. Apelido dado aos agressivos e extremados partidários da realeza, em França.

camelus cupiens cornua aures perdidit
latim - O camelo desejando ter chifres perdeu as orelhas. Aplica-se ao ambicioso frustrado.

capitis diminutio
latim - Direito - Diminuição de capacidade. Empregada para designar a perda da autoridade.

cara deum soboles, magnum Jovis incrementum
latim - Geração querida dos deuses, nobre descendente de Júpiter. Anúncio que faz Virgílio (Écloga IV, 49) do nascimento de criança ilustre, hoje aplicado pelos bajuladores aos que nasceram em berço de ouro.

carpe diem
latim - Aproveita o dia. (Aviso para que não desperdicemos o tempo). Horácio dirigia este conselho aos epicuristas e gozadores.

carpent tua poma nepotes
latim - Os teus descendentes colherão os teus frutos. Não pensar unicamente em si e no presente pois o nosso trabalho aproveitará às gerações futuras (Virgílio, Écloga IX, 50).

castigat ridendo mores
latim - Corrige os costumes sorrindo. Princípio em que se fundamenta a comédia, criado por Jean de Santeuil.

casus belli
latim - Motivo de guerra. Incidente que pode levar duas ou mais nações a um conflito.

causa debendi
latim - Direito - Causa da dívida. Base de um compromisso ou obrigação.

causa mortis
latim - Direito - A causa da morte. 1 Diz-se da causa determinante da morte de alguém. 2 Imposto pago sobre a importância líquida da herança ou legado.

causa obligationis
latim - Direito - Causa da obrigação. Fundamento jurídico de uma obrigação.

causa petendi
latim - Direito - A causa de pedir. Fato que serve para fundamentar uma ação.

causa possessionis
latim -Direito - Causa da posse. Fundamento jurídico da posse.

causa traditionis
latim -Direito - Causa da entrega. Razão da tradição das coisas entre os interessados.

causa turpis
latim -Direito - Causa torpe. Causa obrigacional ilícita ou desonesta.

caveant consules ne quid respublica detrimenti capiat
latim - Que os cônsules se acautelem a fim de que a república não sofra nenhum dano. Palavras de advertência com que o Senado Romano investia os cônsules de poderes ditatoriais, durante as crises políticas.

cave canem
latim - Cuidado com o cão. Era costume, outrora, pintar um cão junto à porta da casa com os dizeres cave canem, a fim de que ninguém ousasse entrar temerariamente.

cave illius semper qui tibi imposuit semel
latim - Acautela-te para sempre daquele que te enganou uma vez. Quem faz um cesto faz um cento.

cave ne cadas
latim - Cuidado, não caias. Advertência que fazia um escravo ao triunfador romano, para que ele não se deixasse possuir de orgulho excessivo.

cedant arma togae
latim - Cedam as armas à toga. Cícero recomenda que as forças armadas se sujeitem às autoridades civis.

celebret
latim - Certificado de bispo católico romano, ou superior religioso, testemunhando que o portador é sacerdote, e pedindo que lhe seja permitido dizer missa em outras dioceses além da sua.

Ce que femme veut Dieu le veut
francês - O que a mulher deseja Deus o quer. Provérbio pelo qual se exprime a influência irresistível da mulher.

C'est un droit qu' à la porte on achète en entrant
francês - É um direito que se compra ao entrar pela porta. Boileau defende (Arte Poética, III, 150) o direito de o espectador manifestar seu desagrado no teatro.

chassez le naturel, il revient au galop
francês - Expulsai a natureza, ela volta a galope. Inúteis os esforços que violentam demasiadamente a índole do indivíduo (Destouches).

cherchez la femme
francês - Procurai a mulher. Frase com que os criminalistas procuram demonstrar a presença da mulher nos crimes misteriosos.

cheto fuor, commodo dentro
italiano - Quieto por fora, agitado por dentro. Provérbio aplicado ao relógio e às pessoas muito reservadas e impassíveis.

chi dura vince
italiano - Quem persiste vence. Elogio da pertinácia na conquista de um ideal.

chi va piano va sano
italiano - Quem anda devagar vai sem perigo.

chi va sano va lontano
italiano - Quem vai com segurança vai longe.

citra petita
latim - Direito -Aquém do pedido. Diz-se do julgamento incompleto, que não resolve todas as questões da lide.

civis sum romanus
latim - Sou cidadão romano. Aplica-se àqueles que se envaidecem da própria origem.

claudite jam rivos, pueri; sat prata biberunt
latim - Fechai agora os riachos, meninos; os prados beberam bastante. Basta, chega, acabemos com isto.

coeli enarrant gloriam Dei
latim - Os céus narram a glória de Deus. Locução do Salmo XIX, 1, em que o salmista descreve a grandeza de Deus pela magnificência de suas obras.

coelo tonantem credidimus Jovem
latim - Acreditamos em Júpiter quando ele troveja no céu. Frase de Horácio (Odes, III, 5, 1). Só nos lembramos de Deus quando nos sentimos ameaçados.

coemptio
latim - Sociol Forma de casamento praticada na antiga Roma, dispensando-se assistência sacerdotal e consistindo numa venda simbólica da noiva ao noivo.

cogito, ergo sum
latim - Penso, logo existo. Princípio desenvolvido por Renato Descartes (1596-1650) quando abandonou os princípios tradicionais da filosofia do magister dixit, ou escolástica, para fundar o sistema conhecido como cartesianismo.

comme il faut
frances - Como convém; como deve ser.

compelle intrare
latim - Obriga-os a entrar. Expressão de Cristo (São Lucas, XIV, 23) referindo-se aos convidados para o festim. Aplica-se à insistência de alguém em procurar fazer outrem aceitar algo cujo valor desconhece.

compos sui
latim - Senhor de si; sem se perturbar.

compurgatio
latim -Direito e Sociologia - Instituição jurídica de defesa, observada em sociedades mais simples, em que o réu procura obter absolvição, arrolando certo número de testemunhas, que juram pela sua inocência.

concedo
latim - Concedo, estou de acordo. Palavra usada em Lógica: Ele é ladrão, concedo, mas hábil político.

conditio juris
latim -Direito - Condição de direito. Condição, circunstância ou formalidade indispensável para a validade de um ato jurídico.

conditio sine qua non
latim - Condição sem a qual não. Expressão empregada pelos teólogos para indicar circunstâncias absolutamente indispensáveis à validade ou existência de um sacramento, p. ex., a vontade expressa dos noivos para a validade do matrimônio.

conscientia fraudis
latim -Direito - Consciência da fraude.

conscientia sceleris
latim -Direito - Consciência do crime.

consensus omnium
latim - Assentimento de todos; opinião generalizada.

consuetudo consuetudine vincitur
latim - Um costume é vencido por outro costume. Princípio de Tomás de Kempis segundo o qual os maus hábitos podem ser eficazmente combatidos por outros que lhes sejam contrários.

consuetudo est altera natura
latim - O hábito é uma segunda natureza. Aforismo de Aristóteles.

consummatum est
latim - Tudo está consumado. Últimas palavras de Jesus ao morrer na cruz (João, XIX, 30).

contraria contrariis curantur
latim - Os contrários curam. Princípio da medicina alopata, oposto ao da homeopatia: similia similibus curantur.

conventio est lex
latim - Ajuste é lei, o que foi tratado deve ser cumprido: Cumprirei a cláusula, pois conventio est lex.

coram populo
latim - Diante do povo. Em público (Horácio, Arte Poética, 185).

corpus alienum
latim -Direito - Coisa estranha que não é objeto da lide.

corpus christi
latim - Corpo de Cristo. 1 A hóstia consagrada. 2 Festa litúrgica móvel, celebrada na quinta-feira depois do domingo da Santíssima Trindade. 3 A solenidade desta festa, também chamada Corpo de Deus.

corpus delicti
latim -Direito - Corpo de delito. 1 Objeto, instrumento ou sinal que prove a existência do delito. 2 Ato judicial feito pelas autoridades a fim de provar a existência de um crime e descobrir os responsáveis por ele.

corpus juris canonici
latim - Código do Direito Canônico. Conjunto de leis eclesiásticas codificadas por São Pio X e promulgadas pelo Papa Bento XV em 1917. O Concílio Vaticano II encarregou uma comissão de reformá-lo.

corpus juris civilis
latim -Direito - Corpo do Direito Civil. Denominação dada por Dionísio Godofredo ao conjunto das obras do Direito Romano formado pelas Institutas, Pandectas, Novellas e Código, organizado por ordem do imperador Justiniano.

coup de foudre
francês - Raio. Desgraça inesperada; amor à primeira vista.

coup de théatre
francês - Golpe teatral. Mudança repentina de situação, como no teatro.

credant posteri!
latim - Creiam os pósteros! Locução interjetiva empregada para afirmar um fato muito extraordinário.

credo Deum esse
latim - Creio que Deus existe.

credo quia absurdum
latim - Creio por ser absurdo. Expressão de Santo Agostinho para determinar o objeto material da fé constituído pelas verdades reveladas, que a razão humana não compreende.

cuilibet in arte sua perito est credendum
latim - Deve-se dar crédito a quem é perito em sua arte. Ouvir os especialistas na matéria.

cui prodest?
latim - Direito - A quem aproveita? Os criminalistas colocam entre os prováveis criminosos as pessoas a quem o delito podia beneficiar.

cuique suum
latim - A cada um o que é seu. Aforismo do Direito Romano e da justiça distributiva em que se baseia a propriedade privada.

cuivis dolori remedium est patientia
latim - A paciência é remédio para cada dor. Sofre-se menos quando se aceita a dor com resignação.

cujus regio, ejus religio
latim - 1 De tal região, (segue) a sua religião. Exprime a tendência do homem de aceitar a religião predominante em seu país. 2 A quem governa o país compete impor a religião. Princípio consagrado pela Paz de Augsburgo (1555).

cum bona gratia dimittere aliquem
latim - Despedir alguém com bons modos. Ser educado até para com os importunos.

cum brutis non est luctandum
latim - Não se deve lutar com os brutos. Não disputar com ignorantes e insolentes.

cum grano salis
latim - Com um grão de sal. Isto é brincadeira; não é verdade.

cum laude
latim - Com louvor. Graduação de aprovação, em algumas universidades equivalente a bom.

cum quibus
latim - Com os quais. Dinheiro: não ter cum quibus; não ter dinheiro.

cum re presente deliberare
latim - Deliberar com a coisa presente. De acordo com as circunstâncias.

cuncta supercilio moventis
latim - Movendo todas as coisas com o supercílio. Expressão de Horácio (Odes, III, 1) referindo-se a Júpiter que move o Universo com um franzir de sobrancelhas.

currente calamo
latim - Ao correr da pena. Escrever currente calamo: escrever com rapidez, sem se preocupar com o estilo.

curriculum vitae
latim - Percurso da vida. Conjunto de dados que abrangem o estado civil, instrução, preparo profissional e cargos anteriormente ocupados, por quem se candidata a emprego.

Fonte:
http://www.portrasdasletras.com.br

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Comemoração do “Dia do Livro” em Sorocaba no dia 21 de outubro

Em mais uma ação de incentivo à leitura do “Projetos de Leitura”, o “Dia do Livro” ocorrerá em Sorocaba no dia 21 de outubro, terça-feira, das 9h30 às 16h, na Praça Cel. Fernando Prestes, Centro.

O projeto “Dia do Livro” realizado em parceria com as Secretarias de Educação e Cultura de Sorocaba conta com o apoio do PAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e consiste na venda em praças públicas dos livros de Laé de Souza, também autor do projeto, pelo preço simbólico de R$ 1,00.

Durante o evento o escritor fará várias sessões de autógrafos e será distribuído material informativo sobre seus outros projetos de incentivo à leitura, em execução há dez anos, com o apoio das leis de incentivo à cultura. As cidades de Campinas e São Paulo também serão contempladas com o “Dia do Livro” nos dias 25 e 29 de outubro, respectivamente.

O público terá acesso aos livros na tenda Dia do Livro, onde estarão expostos os títulos Nos Bastidores do Cotidiano, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Acontece..., e Espiando o Mundo pela Fechadura, crônicas curtas que retratam o cotidiano das pessoas comuns e as complexidades das relações humanas, em linguagem coloquial e abordagem bem-humorada, o que facilita a compreensão dos textos e torna a leitura agradável; e o infantil Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial, que narra aventuras de um garoto e seu inseparável cãozinho, apresentando conceitos éticos para o pequeno leitor, publicados pela Editora Ecoarte.

Laé de Souza participará da 2ª edição da Expo Literária onde ministrará três palestras para estudantes e professores sobre seu trabalho de escritor e coordenador de diversos projetos de leitura focados nas escolas da rede pública, parques, praças, hospitais, transportes coletivos, hipermercados e outros, com o intuito de formar leitores de todas as etnias, faixas etárias, credos e classes sociais. “É uma grande inverdade o estigma de que o brasileiro não gosta de ler. A parceria com as prefeituras dá a oportunidade ao público de adquirir livros a preços acessíveis e estimular o hábito da leitura por prazer. Ações como estas são caminhos para a formação de leitores”, afirma o escritor.

O Dia do Livro é a data da fundação da Biblioteca Nacional em 29 de outubro de 1810 quando a Real Biblioteca Portuguesa foi transferida para o Brasil.

Serviço:

Dia do Livro

Preço: R$ 1,00

Data: 21 de outubro de 2008 – terça-feira

Horário: 9h30 às 16h

Local: Praça Cel. Fernando Prestes – Centro


Sorocaba – SP
Assessoria de Comunicação:
Rozângela Inojosa Galindo
(11) 9261-5500 / (15) 3227-4581
imprensa@projetosdeleitura.com.br
www.projetosdeleitura.com.br
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Fonte
Douglas Lara. Em
http://www.sorocaba.com.br/acontece

Claudio Willer entrevista Ivan Pinheiro Machado: a leitura no Brasil e os pockets da L&PM Editores

Na revistaria nas docas em Belém do Pará, o mostruário dos pockets da L&PM. Banca de jornais em São Paulo, aqui ao lado de casa: também um sortimento de pockets L&PM (e não é daquelas bancas grandes, da Avenida Paulista, onde, é claro, também se encontram os mesmos pockets). Livraria Cultura e outras boas casas do ramo: também lá estão os pockets. Onipresença de livros baratos, na faixa dos dez reais, incluindo títulos importantes, de Balzac aos beats, de Homero a Lorca, em edições de qualidade, atraentes. Vencer a barreira da distribuição e da escala: uma tentativa já feita por outras editoras, mas que nunca deu tão certo. E sem abandonar a publicação e circulação dos livros no formato convencional, destinados exclusivamente às livrarias.

Agulha já se manifestou, em artigos e editorial, sobre os preços elevados do livro brasileiro, como obstáculo á leitura e à redução dos nossos índices de analfabetismo funcional (da ordem de 70%). Daí caber o exame dessas mudanças recentes no perfil do mercado editorial; e – esperamos - dos hábitos de leitura no Brasil.

Motivo adicional para tratar do assunto: por enquanto, essa expansão não parece ter sido registrada. O espaço dos pockets nas páginas de suplementos e cadernos de cultura e variedades não é nem remotamente proporcional àquele que ocupam na vida real. Municipalidades e instituições poderiam formar boas bibliotecas através da aquisição de pockets, alimentando programas de estímulo à leitura, em vez de recorrerem aos pedidos de doação para formar acervos aleatórios.

Claro que a observação vale para essas edições da L&PM e umas poucas iniciativas de outras editoras que também vêm lançando livros mais baratos sem prejuízo da qualidade. Mas, comparadas aos títulos de algumas outras coleções à venda em bancas, os pockets da L&PM parecem a realização de um ideal iluminista. Detalhe adicional: no catálogo da L&PM, não consta a categoria “auto-ajuda”.

Quem me pôs em contato com Ivan Pinheiro Machado, em 1982, foi o jornalista Marcos Faerman (de quem já tratei em Agulha # 61: Literatura e jornalismo: Marcos Faerman), indicando-me para preparar uma coletânea de textos de Antonin Artaud, que saiu no ano seguinte e teve reedições. A seguir, por sugestão minha, Ginsberg, Uivo, Kaddish e outros poemas, com sucessivas reedições e agora em pocket. E, agora, um ensaio sobre geração beat, para uma nova coleção, a sair ainda em 2008. Quanto à circulação desses pockets, posso atestá-la: cresce o número de pessoas que me identificam, em primeiro lugar, como o tradutor e estudioso de Ginsberg. [CW]

CW Ivan, quem é você? Dê um breve perfil de si mesmo. Você é gremista? Nasceu em Bagé?

IPM Nasci em Porto Alegre, gremista graças a Deus, jornalista, arquiteto de formação e pintor.

CW Algumas capas da L&PM são suas: por trás do editor, o artista plástico?

IPM Bem antes de ser editor eu já pintava. Na Faculdade de Arquitetura eu desenvolvi o desenho e cheguei a cursar um ano de Escola de Artes da Universidade Federal aqui em Porto Alegre. Como pintor expus pela primeira vez em 1976, depois de receber o prêmio de pintura no Salão do Jovem Artista do MASP em S. Paulo. Depois disso fiz mais de 20 exposições, inclusive em N. Iorque, Compenhague e Paris. Sempre fiz a direção de arte na L&PM, além de mais ou menos umas 600 capas entre livros convencionais e pockets. Fiz muitos projetos gráficos e ilustrei alguns livros da L&PM como, por exemplo, os livros do grande Dalton Trevisan.

CW O que é a L&PM? Como se formou essa editora?

IPM A L&PM tem orgulho de ser uma das poucas grandes editoras brasileiras independentes. Temos o mesmo quadro acionário há 34 anos (Paulo de Almeida Lima e eu) e resistimos a todas as propostas de compra, tantos de grupos nacionais como internacionais. Nossa opção é ser a melhor editora independente brasileira, sem depender de capital de ninguém e com uma perspectiva cultural real e absolutamente cúmplice do leitor. A L&PM nasceu em 1974, o Lima (L) e eu (PM) vínhamos de uma experiência frustrada como publicitários e formamos a L&PM para publicar o livro RANGO, célebre personagem do grande desenhista Edgar Vasques que tinha sido nosso sócio na Agência de Publicidade Ciclo Cinco Propaganda. Éramos muito jovens (22 anos) e a editora criou-se em plena ditadura, no ambiente universitário efervescente dos anos 70 e, na sua origem, para editar livros de quadrinhos, cartum e reportagem.

CW O que você faz na L&PM? Qual a sua função na editora?

IPM Sou o responsável pelo departamento editorial e o Paulo Lima, além de colaborar na parte editorial é o responsável pela fantástica logística de distribuição da L&PM e dos livros da coleção L&PM POCKET.

CW O surgimento e crescimento da L&PM têm relação com o ambiente literário gaúcho? Com o fato de Porto Alegre ser pólo literário e o Rio Grande do Sul ser um mercado literário forte, que teve editoras locais importantes?

IPM A L&PM Editores é uma editora nacional. Nós nos dirigimos para o Brasil, sem bairrismos ou regionalismos. Evidentemente somos fruto de um meio cultural bastante desenvolvido que é o ambiente de Porto Alegre e que influenciou as nossas opções. Mas como mercado, disputamos o mercado brasileiro e, hoje, o maior mercado da L&PM, a praça que consagrou a coleção L&PM POCKET, é São Paulo.

CW Lembro-me de que, na segunda metade da década de 1970, publicações da L&PM tinham relação com uma cultura de resistência ao regime militar. Fale sobre esse período. Quais foram os títulos mais importantes? Millor Fernandes e Luis Fernando Veríssimo, outros autores gaúchos?

IPM A L&PM surgiu e incorporou-se na campanha de resistência democrática à ditadura nos anos 70. Publicamos vários livros (a maioria, nos primeiros tempos) contra a ditadura. Sofremos perseguição política e econômica, apreensões de livros e conseguimos sobreviver. Foi aí que se forjou o caráter da editora e esta característica fundamental que é sua independência e sensibilidade à inovação e às grandes transformações. Millôr foi nosso primeiro grande autor, junto com Josué Guimarães com livros publicados em 1976. Josué deixou uma grande obra e infelizmente morreu precocemente em 1986. Millôr está firme e forte, graças a Deus, e até hoje nos dá a honra de publicá-lo. Luis Fernando publicou quase 30 livros pela L&PM que ele deixou em 1999. Seu grande sucesso na L&PM é o legendário “Analista de Bagé” de 1981 com meio milhão de livros vendidos. No mais, a grande maioria dos escritores gaúchos com algum destaque nacional nos últimos 30 anos publicou algum livro ou toda a obra pela L&PM Editores. Por exemplo: Mario Quintana, Caio Fernando Abreu, Josué Guimarães, Luis Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Martha Medeiros, Cláudia Tajes, Sergio Caparelli, Edgar Vasques, David Coimbra, Luis Antonio de Assis Brasil, Alcy Cheuiche, Eduardo Bueno, Célia Ribeiro, Sergio Faraco, José Antonio Pinheiro Machado, Tabajara Ruas, Sergio Jockymann, Jorge Furtado, Cyro Martins e muitos outros. Lya Luft é um dos poucos casos em nunca publicou uma obra original na L&PM, mas fez várias traduções do inglês e do alemão para nós.

CW A coleção Rebeldes e Malditos, para a qual preparei a coletânea de Artaud, já não era uma tentativa de lançar livros a custo mais baixo e em maior escala? Também havia uma coleção de textos de iniciação, algo um pouco além da Primeiros Passos da Brasiliense. O que houve com elas? Por que não tiveram continuidade?

IPM A coleção Rebeldes & Malditos é praticamente uma manifestação na nossa geração. Tínhamos menos de 30 anos na época e vivíamos a censura intelectual, a repressão e a agressividade da ditadura militar. Em parte, publicando os malditos, exorcizávamos o que sentíamos de revolta e sufoco na época. Além de colocar os jovens em contato com uma grande literatura. Criamos na época, também, uma coleção que se chamava “Universidade livre”, um belo nome de uma bela coleção que não foi em frente, mas serviu como semeadura para o grande e fundamental projeto dos pockets que se materializaria no final dos anos 90. A coleção Rebeldes & Malditos foi praticamente toda reeditada na L&PM POCKET com muitos acréscimos em relação a coleção original.

CW Como surgiu a conexão L&PM – beat?

IPM Surgiu dentro desta idéia que eu citei acima: uma manifestação da nossa geração no final dos anos 70 e uma resposta aos tempos de repressão e censura. E também do fascínio pela contra-cultura. Não se podia falar mal do regime, nem do país, pois os livros eram apreendidos. Então falávamos mal dos regimes políticos dos outros (semelhantes ao nosso da época) e das instituições burguesas consolidadas em geral. A literatura beat tinha esta aura libertária e inovadora e eu tinha como editor-assistente o então jovem Eduardo Bueno que havia traduzido o “On the Road” de Jack Kerouac para a editora Brasiliense e que era um entusiasta e conhecedor do movimento beat. Hoje a L&PM publica em sua coleção de bolso o clássico “On the Road” e toda a obra de Kerouc, bem como livros de Allen Gisberg (tradução de Cláudio Willer), Neal Cassady, William Burroughs, Lawrence Ferlinghetti, Carl Solomon, Charles Bukowski entre outros.

CW Houve também o lançamento da série de textos sobre anarquismo, alguns reeditados agora em pocket. Beat e contracultura; rebeldes e malditos; anarquismo: além, evidentemente, da ocupação de espaços, de nichos no mercado editorial, títulos nessas áreas refletem preferências, opções ideológicas, visão de mundo?

IPM Exatamente. Neste ponto somos fiéis a nossas origens e a editora faz questão de rejuvenescer a cada ano de vida, olhando o futuro e sendo coerente às suas origens. Mesmo porque a L&PM Editores tem uma fantástica equipe editorial, predominantemente composta de jovens. E são estas as pessoas que colocam em prática um projeto concebido para estar na vanguarda do mercado editorial.

CW E essa relação L&PM – Charles Bukowski, tão estável, e que já dura décadas? Suponho que, dentre os títulos da L&PM, os desse boêmio debochado estejam entre os mais vendidos.

IPM O Charles Bukowski é publicado pela L&PM desde 1979, como Woody Allen. E o velho Buk é sem dúvida uma marca registrada da editora e tem milhares de leitores em todo o Brasil. As novas gerações devoram os livros de Bukowski com a mesma avidez que aqueles que hoje são cinquentões consumiam na década de 70.

CW Da segunda metade da década de 1980 até o final da década de 1990, dois fatores influíram no mercado editorial: primeiro a inflação elevada; depois o controle da inflação, a estabilização monetária. Livros eram caros porque tinham um sobrepreço, para compensar perdas provocadas pela inflação. Continuaram caros porque seu preço incorporou o sobrepreço. Editores preferiram reduzir a escala, as tiragens, e manter o preço, correndo menos riscos, parece-me. O que houve com a L&PM nesse período? Quais foram os principais títulos e iniciativas? A série de livros de história, de Eduardo Bueno?

IPM A L&PM foi uma vítima desta conturbada realidade econômica brasileira. Justamente neste período (no final da década de 90) tivemos muitos problemas financeiros e quase fechamos. Sofríamos com a inflação, os juros altíssimos e o assédio das multinacionais e das grandes editoras sobre os autores do nosso catálogo. Nos anos 80, no miolo da crise econômica pós-plano Cruzado, nós estávamos muito voltados para um público jovem. O Eduardo Bueno, como eu já disse, era meu assistente editorial e fez um grande trabalho tanto na coleção “beat” como na nossa maravilhosa série de livros sobre história. Ele contribuiu muito para o desenvolvimento e o sucesso da editora e a coleção História é um marco editorial no país e hoje também está plenamente reeditada na coleção POCKET.

CW Como e quando surgiu a idéia dos pockets?

IPM A idéia surgiu em 1996 quando vimos que não tínhamos como superar as enormes dificuldades econômicas que enfrentávamos caso mantivéssemos a mesma política editorial. Foi uma época em que entrou muito dinheiro estrangeiro no mercado, capitalizando os nossos concorrentes que, por sua vez, assediavam nosso autores. Como não tínhamos dinheiro, para sobreviver, fomos obrigados a ter idéias. Foi aí que decidimos de criar a primeira coleção de livros de bolso “de verdade” no Brasil. Foi uma decisão radical, pois concentramos toda a nossas energia neste projeto que era sistematicamente desprezado pelos nossos concorrentes. Nossa sobrevivência como empresa passou a depender unicamente do sucesso deste projeto. E nós tivemos sorte e em dez anos conseguimos consolidar a coleção com o apoio de milhões de leitores. Hoje tenho convicção de que a Coleção L&PM POCKET, sem falsa modéstia, é a única novidade que surgiu no mercado editorial nos últimos 25 anos. Tanto é que, hoje, é copiada (literalmente) por todo mundo.

CW A barreira da distribuição: editoras de porte médio de São Paulo e Rio de Janeiro têm dificuldade em chegar ao Norte do Brasil. Soube de calotes de distribuidores e quebras de livrarias, provocando prejuízos. Como foram transpostos esses obstáculos? Em especial, relativamente aos pockets, fazer que os livros estejam em tantos lugares me parece uma façanha logística. Como isso foi posto em prática?

IPM Este é um trabalho de mais de 10 anos levado em frente pelo Paulo Lima que criou a maior logística de distribuição de livros já concebida no mercado editorial brasileiro. Nós não divulgamos o número de pontos de venda, mas eles abrangem todo o território nacional desde o Chuí no Rio Grande até o mais distante ponto de venda no Norte do país. É a distribuição mais invejada (pelos concorrentes) do país.

CW Qual a diferença com alguns outros empreendimentos, em matéria de livro mais barato e em maior escala ou tiragem? (lembro-me de que no prefácio de On the Road Eduardo Bueno comenta que, durante o período em que essa obra esteve na Ediouro, não aconteceu nada)

IPM Não posso falar dos concorrentes, pois desconheço dados. Quanto a nós, procuramos respeitar o leitor oferecendo um livro de alto nível, tanto do ponto de vista editorial como do ponto de vista industrial. Nosso projeto sempre foi oferecer os melhores livros pelo menor preço. Quando começamos, o livro de bolso era tido como um livro de quarta categoria, estava queimado no mercado. Era o refugo dos editores. Livros feios, mal feitos e que não agüentavam uma leitura, pois as páginas caíam nas mãos do leitor. Acho que o mercado deve a coleção L&PM POCKET a restauração da dignidade do livro de bolso.

CW Vamos aos números. L&PM deve estar na ponta em número de títulos em nosso mercado editorial, suponho. E de tiragens. Quantos títulos são publicados por ano? Quais as maiores tiragens? Qual a sua proporção de venda em bancas, em livrarias, pela internet? Há outros canais de venda?

IPM Hoje em dia, nossos concorrentes são poderosos e estão sempre atrás de números da L&PM. Portanto, você me desculpe, mas não estou autorizado a detalhar números e percentagens. Mas, digamos assim, nossa distribuição é heterodoxa, ampla e original, mas a base da venda ainda é a livraria. A velha e boa livraria é que nos dá o maior respaldo de venda. Não vendemos direto pela internet. Encaminhamos os pedidos às grandes redes. Até agosto de 2008 a coleção estava com 740 volumes e em torno de 10 milhões de livros vendidos deste 1997. Nossa previsão é lançar em torno de 100 títulos pocket e 40 convencionais no próximo ano de 2009.

CW O que vende mais? Como estão indo Homero, Sêneca, Shakespeare, Descartes, Balzac, Tolstoi, Dostoiévski, Kafka, Fernando Pessoa? Conseguem equiparar-se à culinária, a Garfield, à literatura de entretenimento?

IPM Sim, a literatura e o entretenimento como quadrinhos, gastronomia e comportamento tem pesos semelhantes na venda.

CW De autores brasileiros, quais são os mais importantes?

IPM A coleção se orgulha de oferecer um “cardápio” de autores brasileiros de peso. Lá estão Millôr Fernandes, Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Marina Colassanti, Affonso Romano, Dalton Trevisan, Nelida Piñon, Silvio Lancellotti, Deonísio da Silva, Mario Prata e todo o poderoso time de gaúchos que eu enumerei no começo desta entrevista. Há também o maravilhoso time de cartunistas e desenhistas com Paulo Caruso, Laerte, Angeli, Glauco, Adão Iturrusgaray, Toninho Mendes, Santiago, Edgar Vasques, Nani, Ciça e Iotti. Não posso me esquecer também da série “Saúde” com textos fáceis e eficientes de prevenção do Dr. Fernando Lucchese, um best seller nacional. São todos muito importantes, cada um à sua maneira e todos contribuíram para que a coleção L&PM POCKET seja o sucesso que é e tenha o prestígio cultural que tem.

CW Observo também que há bastante narrativas do gênero policial, de histórias de detetive – um gênero que nunca deu muito certo no Brasil, ou, ao menos, não teve os resultados que se esperava. Como vão Simenon, Agatha Christie e seus confrades?

IPM Vão muito bem. Aos poucos o consumidor vai se acostumando e conhecendo melhor os autores policiais. A coleção oferece muitas opções além de Agatha Christie e Simenon, como os craques do “noir” Raymond Chandler, Dashiel Hammett, David Goodis, Ross Macdonald, Chester Himes, Ruth Rendell, Patrícia Higsmith, clássicos como Poe, Stevenson, Lovecraft e todas as histórias de Sherlock Holmes escritas por Sir Arthur Conan Doyle.

CW Quais títulos não deram certo, embora apostasse neles? Quais o surpreenderam, ultrapassaram sua expectativa?

IPM A coleção de bolso não trabalha com o best seller. É uma venda parelha onde todos os livros vendem bem.

CW Distribuição em bancas pode provocar ciúme de livrarias? Há desprezo elitista de críticos? Desatenção de dirigentes culturais públicos?

IPM As livrarias se constituem no principal ponto de vendas, portanto não existe conflito. A imprensa é o único preconceito que a coleção não conseguiu derrubar. Azar da imprensa, pois a coleção mostrou-se vitoriosa apesar do silencio dos jornais e revistas. Quanto a questão das compras governamentais, a editora não depende das compras de governo para sobreviver, portanto não tem queixas.

CW E os beats? Uns anos atrás, pareciam fora de moda. O que, dessa retomada de circulação de autores beat, é competência, gerenciamento correto, e o que corresponde a uma retomada de interesse, especialmente por jovens?

IPM O distanciamento de aproximadamente duas décadas correu a favor dos beats, como se vê. Conforme o livro que você escreveu e será publicado na série L&PM POCKET Enciclopaedya, há a figura do grande poeta Allen Ginsberg que – por ser o mais, digamos assim, centrado de todos eles – cuidou meticulosamente da memória e da posteridade do movimento, aquecendo a lenda criada em torno deste movimento fundamental para toda a revolução cultural promovida nos anos 60 e 70. O interesse portanto passou a ser histórico e as causas generosas que os beats defendiam e a forma anárquica e libertária como viviam e escreviam, até hoje tem apelo para a juventude. E além do mais, livros como “On the road” de Kerouac, “Uivo” de Ginsberg, “O primeiro terço” de Neal Cassady e “Um parque de diversões na cabeça” de Ferlinghetti tornaram-se clássicos e referência fundamental para a compreensão da contra-cultura e da cultura pop pós anos 60.

CW A coleção de biografias: quem desperta mais interesse, Kerouac ou Julio César?

IPM Para falar a verdade o grande best seller é “Gandhi”, o que, por outro lado, demonstra a alma generosa do leitor.

CW O grande comprador de livros no Brasil é o MEC, Ministério da Educação. Estimativas do que vai para a rede de ensino variam entre 40 e 60% do total de exemplares publicados. A L&PM atua nesse campo?

IPM Eventualmente, sim. Mas como é uma compra eventual, não contamos com isto no planejamento estratégico da empresa.

CW Seleção de títulos, como é feita? Como tratei diretamente com você de tudo o que publiquei pela L&PM, em comparação com editoras do mesmo porte, me parece bastante pessoal (e menos burocrática).

IPM Sem dúvida, procuramos ser mais simples e diretos quando tratamos com autores que estão habituados à L&PM. Nós temos um planejamento permanente para dois anos, como de resto é comum no meio editorial. Hoje sabemos o que vamos publicar até o final de 2010. Mas novos projetos vão sendo criados todo o tempo e temos também a interlocução dos nossos colaboradores sistemáticos que são os autores. Evidentemente estamos também abertos às sugestões dos leitores. No caso da coleção POCKET nosso projeto inicial era formatar uma grande coleção que fosse, como eu gosto de chamar, “polifônica”, ou seja, que abrigasse várias vozes. Hoje com quase 800 volumes, acho que conseguimos este objetivo, pois a coleção atinge vários públicos, sem ser filosoficamente contraditória.

CW Editores são leitores. Fale de suas leituras, suas preferências, sua vida cultural.

IPM Meu trabalho me impõe uma leitura que nem sempre seria a minha opção de lazer e/ou estudo. Mas de qq forma eu, embora suspeito, sou fã da linha editorial da L&PM. Gosto de ler quase tudo. Tive momentos inesquecíveis lendo dezenas de romances de Balzac (para editar a Comédia Humana), gosto muito de todos os beats, dos policias “noir” como Hammett, Chandler, David Goodis. Adoro Tolstoi, principalmente Guerra & Paz, Dostoiévski e o maravilhoso “Crime e castigo”. Curto os americanos Hemingway, Fitzgerald, Faulkner, Steinbeck, Norman Mailer, Paul Auster, John Dunning. Gosto de quadrinhos, de Hugo Pratt, Guido Crepax, Breccia. Enfim, procuro ler de tudo, as novidades, as novas tendências, procuro me inteirar do que está sendo feito na Europa, Estados Unidos e na América Latina. E por falar em América Latina é bom que se diga que temos um trabalho importante com autores latino-americanos fundamentais como Eduardo Galeano de quem a L&PM publica a obra toda, Mario Benedetti, Bioy Casares, Jorge Luis Borges, Pablo Neruda (quase 20 livros), Mario Arregui e os clássicos Ricardo Güiraldes e Horácio Quiroga.

Claudio Willer (Brasil, 1940) é um dos editores da Agulha. Entrevista realizada em setembro de 2008.

Fonte:
Floriano Martins e Claudio Willer. Revista de cultura Agulha # 65 . fortaleza, são paulo - setembro/outubro de 2008

Mensagens Poéticas ...para descontrair I

(seleção de Ademar Macedo/RN)

Mulher que pensa em vingança
e tem veneno de sobra,
da cobra tem semelhança,
com todo respeito à cobra!!!
(Marcos Medeiros/RN)

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Sem ter escolaridade,
um atleta um tanto idoso
disse que apesar da idade
não tem sistema nervoso!
(Ademar Macedo/RN)

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Anda nua pelo quarto,
provoca, e diz que não quer...
- E o marido? – Esse anda farto...
das pirraças da mulher.
(Olga Agulhon/PR -2007 > Bandeirantes/PR)

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Vem gente de todo o lado,
ver minha prima Janete,
num "triquíni" muito ousado:
chapéu, sandália e chiclete...
(Carlos Guimarães/RJ)

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O casal que muito briga
quando a noite principia,
deitam de costa um pro outro
ele gelado ela fria,
com o placar de zero a zero
o jogo amanhece o dia...
(Geraldo Amâncio/CE)

@@@@@@@@@@

Fonte:
Olga Agulhon (Academia de Letras de Maringá)

sábado, 18 de outubro de 2008

Fundec de Sorocaba (Teatro: A Casa de Bernarda Alba)



FUNDEC

convida

Espetáculo Teatral "A Casa de Bernarda Alba"

Direção: Mario Persico

Alunos do Núcleo de Artes Cênicas da FUNDEC

Datas: 18 e 19/10 - sábado e domingo Horário: 20h

Local: Sala FUNDEC - Rua Brigadeiro Tobias, 73 - Centro - Sorocaba/SP
(Os ingressos (2 por pessoa) devem ser retirados com uma hora de antecedência na sede da FUNDEC a partir das 19h)

- Entrada gratuita -

(Mais informações através do telefone 15. 3233.2220 ou no site www.fundecsorocaba.com.br

Fonte:
E-mail enviado pela FUNDEC eventos
)

Federico Garcia Lorca (A Casa de Bernarda Alba)

A Casa de Bernarda Alba (1936) é a última peça, e a terceira da trilogia de dramas folclóricos, do escritor espanhol Federico García Lorca. Compõem a trilogia as peças Bodas de Sangue(1933) e Yerma (1934).

Dados sobre a obra

Finalizada exatos trinta dias antes de morrer assassinado, em 19 de agosto de 1936, por forças do governo durante a Guerra Civil Espanhola, A Casa de Bernarda Alba, última peça teatral escrita pelo poeta espanhol Federico García Lorca, teve sua montagem de estréia apenas em 1945, em Buenos Aires, cidade na qual Lorca passara cinco meses em 1933, e só viria a ser encenada na Espanha no ano de 1964.

Enredo

Em A casa de Bernarda Alba, seu único texto de teatro escrito em prosa, Lorca recorre ao simbolismo para realizar uma nova investida no teatro. Bernarda Alba, personagem central do texto, é uma matriarca dominadora que mantém as cinco filhas, Angústia, Madalena, Martírio, Amélia e Adela sob vigilância implacável, transformando a casa onde vivem, em um pequeno povoado na Espanha, em um caldeirão de tensões prestes a explodir a qualquer momento.

Com a morte de seu segundo marido, Bernarda decretara um luto de oito anos e submete suas filhas à reclusão dentro das frias paredes de sua casa e das janelas cerradas. Duas das moças, porém, apaixonadas por um mesmo galanteador das redondezas, um rapaz de vinte e cinco anos chamado Pepe Romano, desencadeiam no meio daquele luto uma disputa cruel e perigosa para conquistarem o amor daquele mesmo homem, com conseqüências trágicas.

A construção central do drama de Lorca – a casa na qual uma família de mulheres solitárias é controlada por uma mãe centralizadora e tirânica – teria sido inspirada por uma família da pequena cidade granadina de Valderrubio, onde os pais do poeta tinham uma propriedade rural e conheceram certa Frasquita Alba, mãe de quatro filhas às quais comandava com mão de ferro e um homem de nome Pepe de la Romilla, que teria se casado com a filha mais velha de Frasquita por seu dote e, posteriormente, se envolvido com a mais jovem das irmãs. Dessa história real, Lorca apropriou-se da idéia de uma casa sem homens para compor o tema central de La Casa de Bernarda Alba, qual seja o lugar da mulher na sociedade espanhola.

Estrutura e trama

O drama divide-se em três atos, todos situados no interior da casa de Bernarda Alba, mãe de cinco filhas – Angustias, Madalena, Amélia, Martírio e Adela – que vive com elas e sua mãe senil em um pequeno povoado do interior da Espanha.

Primeiro ato

O primeiro ato inicia-se com um diálogo entre La Poncia, serva mais antiga da casa, e outra mulher que Lorca denomina apenas por Criada. Elas conversam enquanto arrumam a sala de visitas para a chegada dos que acompanharam o cortejo fúnebre do segundo marido de Bernarda Alba, e por intermédio das falas dessas duas personagens é que são apresentadas a personagem-título do drama, descrita como tirana de todos los que la rodean e mãe controladora das cinco hijas feas que lhe restaram com a morte do esposo, bem como as demais personagens e a própria ambientação da trama. Sabe-se também que Angustias, a filha mais velha, é fruto do primeiro casamento de Bernarda Alba e a única detentora de um dote deixado pelo pai, ao contrário das irmãs, que nada herdam do pai recém-falecido.

Entram em cena as mulheres vindas do enterro de Antonio Maria Benavides, e Bernarda dá ordens às criadas para que sirvam os homens, que ficaram a conversar do lado de fora da casa. É ela também quem conduz as orações pelo morto e, depois da saída das convidadas, maldiz o falatório que, acredita, será iniciado pelas pessoas daquele povoado assim que passarem pelos umbrais de sua porta. Bernarda anuncia que as mulheres da casa manterão um luto de oito anos, nos quais permanecerão trancadas naquela casa, sem contato com o mundo exterior. Ouvem-se gritos e a Criada surge a contar para Bernarda Alba dos desvarios de Maria Josefa, avó das moças; ela ordena à serviçal que leve sua mãe para o pátio, para que os vizinhos não a ouçam, mas orienta em que lugar específico deve ser mantida a velha senil para que os vizinhos não a vejam.

Dando por falta de sua filha Angustias, Bernarda descobre que a moça estava a conversar com um homem no portão de casa e espanca-a; ela opõe-se à idéia de que suas filhas mantenham qualquer relacionamento com os homens. Amélia e Martírio, espelhando as palavras de Bernarda, comentam sobre a história do pai de Adelaida, uma moça do povoado, cujas desilusões que causou às mulheres são aludidas como sinal do terror que é a convivência com os homens. Magdalena, por sua vez, entra em cena para contar às irmãs que Angustias, a mais velha, será pedida em casamento por Pepe el Romano – o que ela atribui apenas ao interesse do jovem rapaz pelo dote da irmã. Adela, a mais nova, apaixonada em segredo pelo pretendente da irmã, lamenta sua sorte.

O primeiro ato encerra-se com a aparição de Maria Josefa, a mãe de Bernarda Alba, que expressa em sua loucura a vontade das netas: ¡Quiero irme de aqui, Bernarda! ¡Bernarda, yo quiero um varón para casarme y para tener alegria! Apesar de o drama de Lorca ter em seu título a chefe da família de mulheres solitárias, Bernarda Alba, muito se questiona sobre quem seria a real protagonista da história. Ainda que não esteja presente em todas as cenas, a personagem da matriarca está contida em todas as ações por ser a referência de medo, de ordem e, conseqüentemente, de transgressão na vida das filhas e criadas . É pelo discurso das personagens que a presença de Bernarda Alba impõe-se em cena desde o primeiro ato, que tem poucas ações e apresenta um caráter quase didático em seu início, que funciona à guisa de prólogo semelhante ao antes visto no Filoctetes, de Sófocles, no qual duas personagens apresentam uma terceira quase em tom narrativo, para situar a audiência na trama.

Segundo ato

No segundo ato, as irmãs encontram-se em uma peça interior da casa, tecendo e bordando o enxoval de Angustias. Conversam sobre a corte de Pepe el Romano à irmã mais velha, e La Poncia faz um contraponto aos comentários de Angustias ao contar sua própria história de como conheceu e casou-se com um marido que pouca alegria lhe trouxera.

Adela não está presente e as irmãs preocupam-se com ela; procurada pelas irmãs, Adela surge em cena algo transtornada, e La Poncia diz-lhe em particular que seu mal é cobiçar o noivo de sua irmã. A serva tenta convencer a filha mais nova de Bernarda Alba que seu destino é aguardar que sua irmã venha a falecer para assumir o posto de segunda esposa de Pepe el Romano, e diz que assim o faz para defender a honra da casa em que trabalha há tantos anos. Adela revolta-se com La Poncia e afirma que lutará por seu direito de amar o homem que deseja. As demais irmãs, por sua vez, lamentam seus destinos de mulheres solitárias, quando La Poncia conta-lhes sobre os novos homens que chegaram ao povoado, trabalhadores para a colheita próxima, do qual se ouve o canto distante. Quando saem as irmãs para espiar pelas frestas das janelas os homens que passam na rua, Angustias surge em cena reclamando o desaparecimento de uma fotografia de Pepe el Romano, que estava em seu quarto, presente de seu noivo.

Bernarda ordena que La Poncia procure o retrato desaparecido; as suspeitas recaem sobre a mais jovem, Adela, mas a serva encontra-o entre as roupas de dormir de Martírio. Bernarda ameaça espancar a filha, que diz ter sido o ato apenas uma brincadeira inocente que fizera com a irmã, Angustias, mas Adela acusa Martírio de nutrir uma paixão secreta por Pepe el Romano. As paixões ocultas, a inveja e a hipocrisia começam, então, a ser desmascaradas: Martírio e Adela dizem a Angustias que Pepe el Romano casa-se apenas por interesse em seu dote, e Bernarda ordena, rispidamente, que as filhas se calem.

La Poncia, em conversa reservada com a matriarca, diz suspeitar que Martírio escondera o retrato por conta do amor de Enrique Humanes, um rapaz que a cortejou mas que fora rechaçado pela mãe por ser de uma classe social inferior. Bernarda, desgostosa com os comentários da serva, relembra-a que ela está naquela casa por piedade da matriarca, que a acolhera ainda jovem, mesmo sendo La Poncia filha de uma meretriz. Sem perceber o perigo do comentário, La Poncia conta que Pepe el Romano esteve até às quatro e meia da madrugada a conversar a noiva, mas diante da negativa de Angustias percebe-se que ele esteve em companhia de outra pessoa da casa. Martírio e Adela conversam em particular e a mais jovem revela que Pepe el Romano está a cortejá-la em segredo.

La Poncia traz a notícia de uma jovem da aldeia que engravidara sendo solteira, dera à luz um menino em segredo e que o matara, sendo o crime revelado por acaso do destino; ouve-se o povo nas ruas que clama pelo linchamento da moça; Bernarda e Martírio saem em apoio à morte da pecadora, enquanto Adela desespera-se e clama pela libertação da moça, recordando que ela também corria perigo por seu amor secreto por Pepe.

Nesse segundo ato, Lorca antecipa diversos elementos que irão desencadear no desfecho apresentado no ato seguinte, como antes fizera no primeiro ato ao mostrar a paixão de Adela por Pepe el Romano: sabe-se então do amor e da inveja de Martirio pelo casamento de Angustias por meio de uma revelação que beira o inverossímil – a primeira furta da irmã que está noiva um retrato do futuro marido – e do envolvimento carnal de Adela com o rapaz, sugerido pelas ações finais do segundo ato. A situação trágica – a entrada, no universo fechado da casa de Bernarda Alba, do elemento masculino e o desequilíbrio por ele causado na harmonia inicial – é preparada para a catástrofe final, apresentada no ato final.

Terceiro ato

O terceiro ato passa-se no pátio interno da casa de Bernarda Alba, onde a matriarca recebe a visita de Prudência e com ela compartilha de uma ceia modesta. A visitante conta a Bernarda Alba de seus desgostos por conta de sua filha, expulsa de casa pelo pai. Angustias e Martírio estão brigadas, e Bernarda insiste que elas façam as pazes ao menos para manter as aparências de um lar em harmonia. A filha mais velha diz desconfiar de Pepe, que lhe avisara que aquela noite não iria à casa por conta de outros compromissos com os pais em outro povoado, e todas retiram-se para dormir. Bernarda e La Poncia conversam sobre as suspeitas da empregada de que uma cosa tan grande estaria a passar na casa; a matriarca rechaça essa idéia, e diz confiar que em suas mãos está o controle total do que se passa ali.

La Poncia parece antever a desgraça que se aproxima e comenta com a Criada sobre o envolvimento de Adela e Pepe; a moça aparece no pátio e some logo em seguida, entrando no curral. Maria Josefa, a mãe de Bernarda, surge em cena carregando uma ovelha nos braços e, em sua loucura, fala do poder de Pepe el Romano sobre todas as netas, às quais agoura um destino cruel de solidão. Martírio vai até o curral e chama Adela, que aparece algum tempo depois, recompondo-se; elas brigam por conta do que Adela estaria a fazer com a irmã mais velha, Angustias, ao roubar-lhe o futuro esposo, mas Adela acusa Martírio de também estar apaixonada pelo rapaz, e esta acaba por confessar que o ama. Seguem as duas brigando, pois Martírio diz que irá denunciá-la, e Adela fala de sua intenção de fugir e tornar-se amante de Pepe el Romano.

Bernarda aparece no pátio e ameaça surrar Adela; esta toma-lhe o bastão das mãos e quebra-o em duas partes. Com o alvoroço de vozes, as demais mulheres surgem em cena. Adela diz, então, a Angustias que ela, a mais jovem, é a verdadeira mulher de Pepe; Bernarda sai de cena e busca uma escopeta com a qual entra no curral e atira. Martírio mente, dando a entender que a mãe matara Pepe el Romano, que na verdade apenas correra com o disparo. Adela corre para o curral e lá se tranca; Bernarda ordena que Adela abra a porta, mas é La Poncia quem abre o curral e descobre a tragédia: Adela está morta, enforcada.

Bernarda, diante da comoção de todas e da notícia trazida pela criada de que os vizinhos já se levantavam para ver o que acontecia naquela casa, ordena que a filha morta seja vestida como si fuera doncela e que as demais filhas mantenham silêncio sobre o que ali se passara.

O final do drama, como nas demais peças estudadas, parece precipitado – e tal sensação é ainda mais forte em A Casa de Bernarda Alba por conta da rapidez com que os acontecimentos – e as falas – finais se sucedem. A situação trágica agudiza-se com a presença de Pepe el Romano no curral, onde mantém um encontro furtivo com a filha mais nova, Adela, e tal situação parece insuportável para Martírio, talvez por uma associação de diversos sentimentos: a dor de ver seu objeto de desejo interessado na irmã mais nova; a sensação de que ele, pela primeira vez, adentra a casa, domínio das mulheres, ameaçando o equilíbrio da família; e a inveja por saber que duas irmãs o possuem – uma pelo dote e pelo casamento, outra pelo desejo e pelo amor carnal – e nada para ela restara a não ser a lembrança de um amor do passado que lhe fora impedido pela mãe.

Do momento em que o conflito entre Martírio e Adela é deflagrado até o ato desesperado de Adela, o drama de Lorca é acelerado pela brevidade das falas e intempestividade das ações das personagens, sobretudo de Bernarda Alba, que parece agir rapidamente na tentativa de retomar a harmonia da casa, tão profundamente abalada pelos acontecimentos.

A verossimilhança, que a princípio seria abalada pela decisão extrema de Adela em se matar diante da possibilidade da morte do amado, não se vê ameaçada por conta da forma intensa que o autor escolheu para terminar seu drama, oferecendo à audiência uma solução trágica, para uma situação dramática opressora e claustrofóbica, que parece funcionar como única alternativa possível para a personagem Adela diante de um mundo que só lhe oferecia limites e nenhuma escolha.

Sobre a Peça

Lançando mão de personagens-tipo, representantes de condutas sociais claramente marcadas, o último drama rural lorquiano consegue agudizar ainda mais a crítica iniciada por Bodas de Sangue (1933) e Yerma (1934). Cada uma das personagens tem um comportamento diferente do das demais, o que destaca sobremaneira várias nuances da sociedade espanhola. Assim como fazem o Estado e a Igreja, Bernarda Alba cerceia a liberdade de suas filhas - representantes do povo, reprimido e assustado, incapaz de enfrentar o sistema que o sufoca, embora desejoso de mudanças e liberdade -, esconde sua mãe e oprime os empregados. De acordo com FOUCAULT (2004: 247), “Geralmente se chama instituição todo comportamento mais ou menos coercitivo, aprendido. Tudo que em uma sociedade funciona como um sistema de coerção, sem ser um enunciado, ou seja, todo o social não discursivo é a instituição”.

Sob essa perspectiva, não somente as instituições públicas são responsáveis pela opressão do indivíduo. A que se destacar, também, o imenso poder que emana do núcleo familiar, instituição privada que fortalece as bases do sistema político autoritário que está prestes a dominar a Espanha que Lorca retrata. Ainda segundo FOUCAULT (2004: 249), o poder flui através dos discursos, a partir de um ponto que aos pouco se irradia:

De modo geral, penso que é preciso ver como as grandes estratégias de poder se incrustam, encontram suas condições de exercício em micro-relações de poder. Mas sempre há também movimentos de retorno, que fazem com que as estratégias que coordenam as relações de poder produzam efeitos novos e avancem sobre domínios que, até o momento, não estavam concernidos.

Analisada sob a ótica foucaultiana, a última peça escrita por García Lorca permite afirmar que o poder político que o Estado e a Igreja demandam, na sociedade espanhola, oferece a Bernarda a credencial necessária para reproduzir em microcosmo o despotismo observado em macroescala. Para a filha que ousou ultrapassar os padrões de comportamento impostos, resta a morte: castigo para aqueles que, como o que vitimou próprio autor da peça, é imputado àqueles que ousam desacomodar a ordem vigente.

Fontes:
- http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Casa_de_Bernarda_Alba
- Luciana Ferrari Montemezzo. O Poder e as instituições na Casa de Bernarda Alba. In http://coralx.ufsm.br/grpesqla/revista/num09/art_05.php
- Imagem = http:// http://www.tap.org.br/

Federico Garcia Lorca (Poemas)

Se as minhas mãos pudessem desfolhar

Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as estrelas
e mais dolente que a mansa chuva.

Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!
=========================
O poeta pede a seu amor que lhe escreva

Amor de minhas entranhas, morte viva,
em vão espero tua palavra escrita
e penso, com a flor que se murcha,
que se vivo sem mim quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra inerte
nem conhece a sombra nem a evita.
Coração interior não necessita
o mel gelado que a lua verte.

Porém eu te sofri. Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre tua cintura
em duelo de mordiscos e açucenas.
Enche, pois, de palavras minha loucura
ou deixa-me viver em minha serena
noite da alma para sempre escura.
====================

Fonte:
http://www.astormentas.com/lorca.htm

Federico Garcia Lorca (1898 - 1936)



Filho de Federico García Rodríguez, homem simples e inteligente, e de Vicenta Lorca, uma professora, Federico García Lorca nasceu em 5 de junho de 1898 em Fuente Vaqueros. Pouco tempo depois, a família muda-se para um povoado vizinho de Asquerosa, onde o poeta vive até a adolescência. Sua infância desenvolve-se em meio às letras e à música que aprende com a mãe, de quem herda a grande sensibilidade artística e humana.

Na Universidade de Granada, segue duas carreiras, uma para agradar ao pai: Direito, e outra por satisfação pessoal: Filosofia e Letras. Continua estudando violão e piano.

Os primeiros escritos que publica são trabalhos em prosa. Depois escreve um artigo por ocasião do centenário de Zorilla no boletim do Centro Artístico de Granada, em fevereiro de 1917. Logo, um livro intitulado Impresiones y Paisajes, que aparece em Granada em 1918 e que foi o resultado de uma viagem de estudos que realizou com outros companheiros da Universidade, sob a direção do catedrático de Teoria da Arte, no ano de 1917, pelas velhas cidades castelhanas. Nota-se nessa obra uma semelhança com o estilo de Gabriel Miró.

Nesse momento, nosso jovem poeta se projeta simultaneamente por meio da poesia, da prosa, da música e da pintura.

Entre os anos de 1919 e 1928, realiza suas imortais investidas no teatro e na poesia espanhola. A primeira poesia que publica, "Balada de la Placeta", aparece na antologia da poesia espanhola do romance curto.

Em 1919, seu primeiro intento dramático, intitulado O Malefício da Mariposa, estréia e fracassa em 22 de maio de 1920. No ano seguinte, publica seu primeiro livro de poemas. O ano de 1928 marca a vida do poeta, com a publicação de Romancero Gitano. Rápido obtém êxito de público e elogio da crítica.

A primeira edição se esgota rapidamente e, no ano seguinte, 1929, publica a segunda edição do Romancero. Lorca começa a viajar pelo mundo, passando por alguns países da Europa, por Nova York, por Buenos Aires e, na primavera de 1935, o poeta, em sua plenitude, conclui nova obra: La Casa de Bernarda Alba.

Em 16 de julho de 1936, abandona Madri rumo a Granada, onde está sendo impresso, pela Universidade, seu novo livro de poesias: Diván del Tamarit. Segundo o escritor Falla, Lorca, descoberto em casa de um amigo, é preso pelo governo franquista. Não se sabe se por engano ou se por vingança pessoal, o poeta, arrancado de sua prisão ao amanhecer, é levado ao lugar do sacrifício nas ladeiras da serra. Em 17 de julho, estoura o movimento militar-falangista contra a República e uma das primeiras notícias trágicas a abalar o mundo é o fuzilamento de Federico García Lorca.

Bibliografia

Poesia

• El libro de los poemas (1918-1920)
• Canciones(1921-1924)
• Poema del cante jondo (1921)
• Romancero gitano(1924-1927)
• Poeta en Nueva York (1929-1930)
• Llanto por Ignacio Sánchez Megias (1934)
• Diván de Tamarit (1931-1934)

Teatro

• Mariana Pineda (1923)
• La Zapatera Prodigiosa (1930)
• Amor de don Perlimplin con Belisa en su jardín (1931)
• Así que pasen cinco años (1931)
• El público (inacabada, 1933)
• Doña Rosita la Soltera o el lenguaje de las flores (1935),
• Bodas de sangre (1933)
• Yerma (1934)
•La Casa de Bernarda Alba (1936)

Fonte:
http://www.klickescritores.com.br

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Nicodemos Sena (Potira dentro da Lua)

As águas do rio ficam muito serenas. Nenhum som, nenhuma voz, nada se ouve, como se de repente um grande sono tivesse baixado sobre o rio e todas as coisas dormitassem.

Abaixo da cintura, sinto-me deslizar pela maciez de musgos, samambaias, mururés e lianas. Tépida é a água, cálida a sua frescura. Através do espelho negro dos olhos de Potira consigo ver os peixes de olhos mortiços e escamas faiscantes no fundo das águas. Cobras peçonhentas, agora inofensivas, descem da terra e trançam entre nossos corpos, provocando-nos leves arrepios. Grandes e pequenos jacarés arrastam-se uns sobre os outros, as cobras enfiando-se-lhes pela boca e saindo de suas entranhas como longos cordões.

Os curumins entram no rio com seus arcos e flechas de brinquedo; correm de um lugar para outro mirando os peixes que se amparam em quelônios. O mais taludo dos fedelhos aproxima-se de nós e tenta apalpar os seios de Potira. Faço-lhe uma carranca, mas o maroto não se afasta, apenas ri com a boca escancarada; vejo guelras em sua garganta. Potira deixa-se tocar pelo pirralho e pede que eu não me zangue, pois o curumim é apenas um “petitinga”, peixe-miúdo. Piracanjuba, peixe-da-cabeça-amarela, é seu nome.

Uma cunhã ainda muito “mucu” (nova) vem nadando pelo fundo e se roça em meu corpo. Potira dá-lhe um beliscão no costado. A cunhã se afasta, os cabelos lisos e muito compridos esvoaçando-lhe sobre as costas. Bela é a cunhantã, formoso o seu dorso, porém, em meio à pelugem do púbis, vejo, num átimo de relâmpago, como faca brilhando entre musgos, um pequeno falo. Potira diz que o homem que se juntar com ela será feliz. “Ixé inti xa recó nha, rerecó uahá” (eu não tenho o que você tem), lamenta-se, apalpando-me o pênis.

Piracanjuba, que entrara na idade em que os curumins se tornam perigosos, desinteressa-se de Potira e põe-se a seguir a cunhã-mucu.

Uma arraia cinza, de ferrão imenso, chega planando perto de nós; da sua sombra vultos de gente começam a sair.

“Aba-pe aipó?” (quem são eles?), pergunto. Potira diz que são os que morreram afogados no “upabanema” (lago fedorento). Eles saem do fundo dos rios, retornam como eram em vida e se dirigem para o céu, pelo clarão das estrelas. No fundo dos olhos negros de Potira vejo miríades de pontinhos reluzentes. Como isso aconteceu, se há pouco ainda era manhã?! “Inti mahã! Oar pituna!” (não! a noite já caiu!), exclama Potira. “Psiu! Ninguém deve acordar o rio”, adverte ela. A Mãe-d’água, quando o rio dorme, senta-se na proa das canoas e penteia seus lindos cabelos à luz do luar.

“Vamos ver a mãe d’água?”,convida Potira, em português surpreendentemente perfeito, pois os homens debaixo d’água, ou em transe, unidos pela paixão, no sonho ou no desespero, falam a mesma língua. Consigo ver a sua voz fluindo pela água, em halos transparentes. Fala baixinho, ciciando no meu ouvido. Linda é a sua voz se infiltrando por entre mururés e lianas; ao ouvi-la, jacarés, peixes e quelônios adormecem. Estou ligado ao mundo pela sua voz, que me entra pela alma e conduz a todos os lugares e a lugar nenhum.

Sem pernas, caminhamos em busca da Mãe-d’água, um dentro do outro, no útero fofo do rio, ligados pelo tênue fio da vida. De repente, Potira pára (ou fui eu que parei?). Sem olhos vemos o mundo invertido na linha do horizonte. Ou é o mundo que nos vê? Que bela visão! O rio suspenso na abóbada celeste e o Céu sentado nas águas do rio!

Eu e Potira flutuamos no éter, extasiados, plenos de imensidão, calados, mas nossas almas falam. Nos olhos de Potira enxergo os tempos antigos, muito antigos, em que o seu povo morava no teto do Céu. Lá, muito acima, há tudo que se pode desejar. Há batata-doce, macaxeira, inhame, mandioca, milho, frutos de inajá, banana, caça de toda variedade e tartarugas da terra, tudo o que se pode comer e imaginar. Sou um guerreiro experiente e descubro no mato a cova de um tatu. Quero caçar o animal e começo a cavar. Cavo, cavo o dia todo, até de noite, sem encontrar o tatu. Na manhã seguinte, bem cedo, vou para o mato, a fim de continuar a cavar. Cavo até de noite, em vão. No quinto dia, quando estou cavando bem fundo, vejo de repente o tatu-gigante, mas, na ânsia de cavar, furo a abóbada celeste. O tatu então despenca, vai caindo, caindo, até chegar a Terra. Acompanho o tatu na queda, mas um vento forte, de tempestade, pega-me e atira-me de volta para cima, fazendo-me retornar ao Céu, de onde, através do buraco, olho a Terra, lá em baixo. Distingo uma pequena floresta de buritis, um grande rio e campos imensos. Nostalgia infinita toma conta de mim; desse mundo distante sinto saudade. Corro para minha aldeia e conto a novidade: “Cavei um buraco no Céu”, digo a todos. “Como foi que isso aconteceu?”, pergunta um guerreiro. Conto como descobri no mato a cova do tatu-gigante e comecei a cavar, dia após dia, até furar o firmamento. “E onde está o tatu agora?”, querem saber os homens. “Rolou para baixo, eu vi ele cair numa floresta de burutis”, respondo. “O que faremos agora? Ficamos no Céu ou descemos para a Terra?”, pergunta um dos homens. Falam e pensam por muito tempo, até que resolvem mudar-se para a Terra. “O problema é só como vamos descer para lá”, diz um deles. Um outro sugere: “Façamos uma corda comprida de todos os nossos fios, e cordas de arco de todos os nossos cintos e braceletes; cada homem vá para sua choça e de lá traga o que tiver em cordões e fitas”. “Você tem razão, a corda deve ficar forte, igual à de nossos arcos”, retruca outro. Fazemos a corda comprida e depois a jogamos pelo buraco do Céu. Começamos a descida, mas logo paramos, pois a corda não é suficientemente comprida para chegar até a Terra. Tristonhos, voltamos ao Céu. Lá, amarramos muitas outras fitas e cordas para encompridar a corda; ainda não é o bastante; temos que voltar de novo para prolongar a corda, que, mais uma vez, não tem o comprimento necessário. Damos nova busca na aldeia, juntamos tudo o que há em fitas, cordões, cintos e colares; por fim, a corda fica muito comprida. Um homem sem medo e sem vertigem desce e pisa primeiro na Terra. Vejo-o chegar e amarrar a corda no tronco de uma árvore gigantesca. Começa a descida de toda a tribo: primeiro os jovens, depois as mulheres com as crianças, as menores presas a tipóias nas costas das mães; em seguida, os homens e, por fim, os anciãos. Os que aterrizam partem logo para os campos imensos. Os jovens, à frente, procuram o caminho para uma nova morada. Temerosos, alguns hesitam e não acompanham os demais na descida.

Segurando minha mão na descida, Potira solta gritinhos. Vejo um curumim estranho que vem correndo e, ao ver a corda, corta-a, zombando: “Estou cortando a corda para eles ficarem eternamente lá em cima”. Nesse instante, acho que tenho uma vertigem, pois de nada me lembro. A tribo ficou dividida; uma parte continuou morando no Céu e outra, na Terra. Onde eu e Potira ficamos?

“Na terra”, diz Potira.

“No céu”, digo eu.

O que importa, se estamos juntos? Onde estamos será o nosso Céu. Raios translúcidos partem de um disco escarlate, metade água metade ar, olho dourado na linha do horizonte. Dia ou noite, o que será?

“Oar pituna. Pituna i roine” (a noite caiu, será fria), diz Potira.

“Guaraci osem umã; i porang sepiaca” (o sol já saiu, é bela a visão dele), retruco-lhe.

“Acanga aiua! Iaci-tatá” (louco! é o luar!), diz Potira, divertindo-se com a minha confusão. “Aape iporanga reté” (lá é muito bonito), completa a rapariga.

Não sei por quanto tempo avançamos. Sinto as minhas pernas, a ferida já não dói, mas estou muito cansado. Potira, ao contrário, parece cheia de energia.

“Iaciçuaçu poranga reté!” (como a lua cheia está bonita!), exclama.

“Poranga mahiê ne iaué!” (tão bonita como tu!), retruco.

Afastamo-nos tanto da praia que não enxergo mais a margem; estamos em águas profundas, mas o piso do rio (ou teto do Céu?) nunca foge dos pés. Jacarés e peixes menores ficaram para trás. Tainhas, atuns e xaréus são nossos companheiros. Potira segura firme minha mão e, ágil como um peixe, às vezes, me puxa.

O disco escarlate aos poucos vai se erguendo. Baça é a sua luz, tépido o seu calor. Gotas d’água escorrem como suor pelo meu rosto e respiro com dificuldade.

“Poranga iaci-tatá” (lindo é o luar), diz Potira, adiantando-se à maneira dos golfinhos. De repente pára e olha-me.

Que visão enlouquecedora: Potira dentro da Lua!

“Iuri Iké!” (vem cá!), ela me chama.

Estranho, muito estranho, Potira parece outra. Seu rosto redondo fica do tamanho da Lua e seus olhos refletem uma luz mortiça.

“Iuri Iké! Esiquiié umem!” (vem cá! não tenhas medo!), ela me anima.

Hesito. O rosto esfogueado da cunhantã, suas narinas dilatadas e a língua que umedece os lábios como se estivesse com sede atemorizam-me. Pego-lhe as mãos, nossos dedos se entrelaçam e os corpos unidos balouçam com as ondas.

De longe, muito longe, chegam-me vozes, muitas vozes, vozes muito antigas. As vozes frias dos mortos; as vozes dos vivos que gesticulam em volta dos castelos suplicando comida e agasalho; vozes portuguesas do Alentejo fluindo no ar trêmulo das manhãs; vozes hebraicas que imprecam e pregam; vozes inglesas que murmuram e soluçam; vozes brasileiras que suplicam e amaldiçoam; trêmulas vozes d’África procurando o sentido do mundo; vozes de Dante: “Misere di me, gridai a lui qual che tu sii, od ombra od omo certo!”; e o poeta que se agarra à última quimera para não enlouquecer, dizendo-me: “Atenta, amigo, para a modulação da voz, aprende a sua condensada chama, ali onde há de acender algum claro sentido, a menos que te bastem as estacas do ruído. As muitas vozes que perseguem nosso dia com suas águas turvas, suas lâminas, as que sempre esquecerás antes que calem e a que lembrarás por sua acesa chama; a voz da amada, lasciva e profana, a voz do nada, a voz muda, e a que te engana”. No meio de tudo, a voz de Potira murmurando: “Potira nde rausuba” (Potira te ama). Mas o primeiro naco assado da minha carne a danada vai comer com volúpia, por amor, para que eu, desfazendo-me em suas entranhas, fique entranhado para sempre em sua alma. Gosto dela mesmo assim: Potira fazendo sua própria vontade, Potira espetando seu próprio corpo, Potira mordendo-me com caninos de jaguarete, Potira unhando-me com unhas de suçuarana. Nhaêpepô-oaçu, meu matador, lasca já meu crânio com o ibirapema. Potira, pequena antropófaga, podes comer-me com prazer — que doce ventura ter teu corpo por sepultura!

De dentro da Lua, Potira me olha e enxerga o meu pensamento. Pingos de mel brotam-lhe dos olhos, adocicando-me o sofrimento. Uma auréola de pétalas circunda-lhe o rosto, embriagando com seu perfume o mundo. Fico zonzo, já não tenho pernas, nem braços nem corpo. A terra sumiu, a água sumiu e todos os bichos aquáticos desapareceram. Sem olhos, sem boca e sem ouvidos, apenas penso, ou penso que penso, pois não lembro das palavras, já não penso, apenas pressinto e sinto, um vulto entrando na cabana.

Fontes:
Dossier Amazónico. In Revista “Construções Portuárias” (Lisboa, 2002).
Imagem =
http://www.triplov.com

Nicodemos Sena (1958)


Nasceu no dia 8 de julho de 1958, em Santarém, Pará, Amazônia brasileira. Passou parte de sua infância entre os índios maués, na região de fronteira entre os estados do Pará e Amazonas, experiência que para sempre o marcaria. Em 1977, veio para São Paulo, onde se formou em Jornalismo, pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), e em Direito, pela USP (Universidade de São Paulo).

Em 1999, estreou com o romance “A espera do nunca mais – uma saga amazônica” (Editora Cejup, Belém, PA, 876 páginas).

Em 2000, “A espera do nunca mais” conquistou o Prêmio Lima Barreto/Brasil 500 Anos, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seu segundo romance, “A noite é dos pássaros” (Editora Cejup, 136 pág., 2003), foi primeiramente publicado em forma de folhetim, no jornal “O Estado do Tapajós” (Pará, Brasil) e na revista eletrônica portuguesa “TriploV”.

Foi publicado no Dossier Amazónico, na revista literária portuguesa “Construções Portuárias” (nº01, 2002), no qual um trecho de “A noite é dos pássaros” foi incluído, ao lado de importantes escritores da Amazônia, como Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, Vicente Franz Cecim, Age de Carvalho, Benedicto Monteiro e Benedito Nunes.

Fragmentos de “A noite é dos pássaros” foram publicados nas revistas “Palavra em Mutação” (nº 02, 2003) e “Storm-Magazine”, ambas de Portugal. Em 2003, “A noite é dos pássaros” conquistou o prêmio Lúcio Cardoso, da Academia Mineira de Letras, e, em 2004, Menção Honrosa no prêmio José Lins do Rego, da União Brasileira de Escritores (UBE/Rio de Janeiro).

Seus romances mereceram comentários em grandes jornais do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Goiânia, Brasília e Belém do Pará (“O Globo”, “O Estado de São Paulo”, “Jornal da Tarde”, “Estado de Minas”, “Hoje em Dia”, “A Tarde”, “O Liberal”, “Jornal Opção”, “Caderno Brasília”) e da Cidade do Porto, em Portugal (“O Primeiro de Janeiro”).

Sobre sua ficção já se manifestaram importantes críticos e escritores brasileiros, entre os quais Antonio Olinto, Nelly Novaes Coelho, Olga Savary, Fábio Lucas, Oscar D’Ambrosio, Antonio Carlos Secchin, Dirce Lorimier Fernandes, Ronaldo Cagiano, Acyr Castro, Manoel Hygino dos Santos, Nelson Hoffmann, Carlos Nejar, Caio Porfírio Carneiro, Tanussi Cardoso e Adelto Gonçalves.

O escritor vem sendo considerado a revelação da literatura amazônica nos últimos anos, tornando-se verbete na “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, direção de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa (edição conjunta da Global Editora, Fundação Biblioteca Nacional, DNL, Academia Brasileira de Letras, 2ª edição, 2001). A obra ficcional de Nicodemos Sena expressa o conflito étnico — cultural entre dois mundos — o do colonizador europeu e o do índio autóctone. Por seu estilo vigoroso e a temática inspirada na vida das populações marginalizadas da Amazônia (índios e caboclos), a crítica já comparou esse romancista da Amazônia a grandes ficcionistas brasileiros, como Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro, Mário de Andrade e Érico Verissimo, e a importantes ficcionistas latino-americanos, como o paraguaio Augusto Roa Bastos e o peruano José María Arguedas. O escritor reside atualmente em Caraguatatuba, São Paulo, Brasil, onde, durante o ano de 2004, finalizou o seu terceiro romance, “A mulher, o homem e o cão”.
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Entrevista com Nicodemos Sena
Por Maria João Cantinho

Maria João CantinhoEm 1999, o panorama da literatura brasileira ficou marcado pela sua saga amazónica “A Espera do Nunca Mais”. Como romance de estreia, como guarda a experiência da sua escrita?

Nicodemos Sena – Eu tinha 41 anos quando foi publicado o meu primeiro romance. Um livro de 876 páginas! Muitas pessoas ainda me perguntam como pude, já na estréia, aparecer com um livro desse tamanho, e que logo de cara conquistou um prêmio nacional de literatura, o Lima Barreto, da UBE-União Brasileira de Escritores? Poucos sabem que escrevo desde pequeno. Aos 13 anos de idade, ainda morando na Amazônia, escrevi um romance que, sete anos depois, joguei fora por absoluta impossibilidade de revisá-lo, já que apresentava muitos defeitos. Eu era uma criança cheia de imaginação, mas ainda não tinha cultura literária para escrever um romance. Como quase todo adolescente, “cometi” também poemas românticos, que até foram publicados em “A Província do Pará”, então o maior jornal da Amazônia. Mas o meu veio “poético” logo secou. Nos quinze anos seguintes, já em São Paulo, enquanto estudava e trabalhava (e criava filhos, que cedo vieram), só me sobrava tempo para escrever histórias curtas, chegando até a ganhar um concurso de contos entre universitários, mas nunca me preocupei em reuni-los em livro. Como contista, eu tinha um sério problema: a história queria sempre continuar; era com certa relutância que eu concluía o relato. Por isso, talvez, apenas três contos sobreviveram; apesar dos protestos de minha mulher, a primeira leitora do que escrevo, joguei mais de trinta contos no lixo. Depois de passar pela poesia e pelo conto, voltei ao romance, à história longa. Era como se eu quisesse refazer o romance que eu escrevera aos 13 anos. Aos 34, formado em Jornalismo e Direito, larguei praticamente tudo para me dedicar à literatura. Num país como o Brasil, de relativamente poucos leitores e milhões de analfabetos, a opção pela literatura parecia uma loucura – foi o que acharam alguns amigos. Pois foi como um louco que me lancei na aventura de escrever o romance que veio a se chamar “A Espera do Nunca Mais”. Até saí de São Paulo e fui morar em São José dos Campos, uma cidade menor, onde, sem que nenhum editor soubesse que Nicodemos Sena estava escrevendo um romance, lancei-me ao trabalho, que me consumiu sete anos: um e meio em pesquisa, quatro escrevendo e mais um ano revisando. Foi como meter-me num túnel escuro e profundo sem saber se teria fôlego para sair do outro lado.

M.J.C. – Foi um longo exercício de maratonista. Poderia descrever a caminhada?

N.S. – Busquei inspiração estética na própria geografia amazônica, com seus labirintos de rios, a selva intrincada, os cipoais, a lentidão que a tudo rege. Nessa geografia, não só os rios, mas também as idéias, os desejos, os projetos de vir a ser, tramam labirintos. Alguém já me disse que meus livros são “barrocos”. Sim, são barrocos, como barroca é a região em que se ambientam as histórias. Barroca, aberta e canibal. O tempo na cultura amazônica é algo bem particular, suave. As horas são medidas pelas luas, pelos dias de canoa ou de barco para chegar a tal lugar. Pela época da piracema, a época da desova. O homem amazônico, o homem dos rios, é fruto daquilo que o cerca. Na Amazônia, “o rio comanda a vida”. “A Espera do Nunca Mais” reflete bem isso; é um livro líquido, com grandes remansos. Como nas lendas e mitos indígenas, a linearidade da trama é apenas aparente, pois a história, ou as histórias, vão e voltam, e o narrador não tem pressa em acabar o que está contando.


M.J.C. – Não falámos nisso, mas será que Graciliano Ramos teve algo a ver com a sua aventura?

N.S. – Como leitor, iniciei-me com os românticos brasileiros e portugueses – José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, Bernardo Guimarães, Camilo Castelo Branco, o “primeiro” Machado de Assis – de forma que a leitura de “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, quando eu tinha 15 anos de idade, foi uma verdadeira “paulada”. Até hoje, quando releio este pequeno grande livro, emociono-me. “Vidas Secas” (1938) conta a triste história de um casal de sertanejos, aviltados pelas mesquinhas condições de vida do campo, que procuram inutilmente cultivar. Fabiano, alma elementar, é subjugado pelo “soldado amarelo”, em cena de covardia. Quando sente que pode vingar-se, recua: “Governo é governo”. Mas, dentro daquela pobreza extrema, abre-se uma esperança para o casal infeliz, movido pela iniciativa da mulher, Sinhá Vitória – procurar região mais próspera: “E andavam para o sul metidos naquele sonho”.
Depois de Machado de Assis, Graciliano Ramos é, na minha opinião, o maior romancista brasileiro. Nele, a obra de arte cumpre sua função social, de não apenas entreter, mas principalmente “esclarecer as consciências e elevar a alma” acima de tudo o que é mesquinho. Mesmo num romance “psicológico” como “Angústia” (1936), ele não perdeu de vista o ambiente social. E nisso somos parecidos. Também mostro o homem simples engolido pela complexa trama social. Aprendi com Graciliano que um texto longo pode ser conciso, pode ser “líquido” sem ser aguado, amplo mas não esparramado, extenso mas não frouxo. Afora isso, somos bem diferentes. O texto de Graciliano é seco e sólido, quase pétreo, pois expressa a magreza gerada pela seca nordestina, enquanto o meu estilo é como a água que se amolda no espaço vasto e no tempo infinito da planície amazônica. Nos livros de Graciliano, as personagens expressam a aspereza do sertão, numa economia extrema; parece que o homem economiza até mesmo as lágrimas. Já as minhas personagens deixam-se levar, sem nenhuma pressa, pelas águas abundantes que brotam das cordilheiras e descem pelo Grande Vale; vou desfiando histórias que se cruzam, depois se bifurcam, e de novo se cruzam num lento e angustiante entrelaçar de pontas que terminam se juntando na mesma direção, como a labiríntica malha dos rios que vão desaguar no mar.

M.J.C. – Pode-se dizer que “A Espera do Nunca Mais” se situa em contra-corrente, relativamente ao que se faz no Brasil? O que o levou à escrita deste romance?

N.S. – Fernando Pessoa escreveu que a finalidade da arte não é agradar, mas elevar o homem por meio da beleza, erguer a alma acima de tudo quanto é estreito, acima dos instintos. Cervantes afirmou que o romance deve divertir e ensinar juntamente. Venho da Amazônia, um lugar de terríveis contradições. Ao lado da Amazônia paradisíaca, dos grandes rios e das florestas catedralescas, que desperta fascínio (e medo) em pessoas de todo o mundo, existe uma outra Amazônia – do genocídio do índio pelo branco, da exploração criminosa dos recursos naturais, do servilismo e escravidão, da destruição do antigo modo de vida nativo, sob o patrocínio do grande capital que invadiu a região nas últimas quatro décadas. A verdadeira face da tragédia que se chama Amazônia não é revelada ao mundo. Mostra-se apenas a terra exótica, de ninguém, espaço vazio e acéfalo a ser ocupado segundo planos elaborados pelos tecnocratas de Brasília ou do estrangeiro acumpliciados pelas corruptas elites locais.
Desde pequeno, convivi com a injustiça na região. Vi de perto a luta do pobre para sustentar a família, debaixo das piores humilhações; a guerra que é sobreviver nesse mundo, sem perder a dignidade. Dessa experiência de vida no paraíso/inferno amazônico extraí a matéria-prima usada no “A Espera do Nunca Mais”. Não escrevo apenas para divertir; também quero provocar uma reflexão sobre a “realidade”. Assumo, portanto, um compromisso ético. Não pode ser outro o comportamento do escritor numa sociedade que converte tudo (inclusive o imaginário) em mercadoria, uma sociedade que gera, em todos os setores da vida, inclusive nas artes, um certo “esplendor do vazio”; uma sociedade que avançou materialmente mas vai retrocedendo à barbárie; uma sociedade que cria consumidores de produtos descartáveis e não homens que valorizem as perenes coisas do espírito; uma sociedade da imagem, do espetáculo e do corpo, que valoriza o egoísmo e o sucesso a qualquer custo; uma sociedade urbana onde a palavra, que antes era sagrada e plena de sentido, chegou ao nível mais alto de estafa e esvaziamento; uma sociedade do “vale tudo” (tudo pelo mercado, tudo pelo sucesso, tudo pelo público), cuja lógica também tem condicionado a poesia e o romance. Infelizmente, muitos artistas acabam adotando os valores dessa sociedade. E a arte, que nasceu para questionar as aparências, revelar o oculto, esclarecer as consciências e elevar a alma, é convertida em mera diversão que aos homens imbeciliza. Diversão do “público”, que espera sempre coisas palatáveis. Ou diversão do autor, quando este se contenta com a “arte-pela-arte” ou se alheia “na linguagem”, esquecendo-se de que o artista, a arte e a vida precisam andar juntos.

M.J.C – Então não achas lícito desejar ser lido pelo maior número de leitores?

N.S. – Como artista, busco alcançar o “outro”, mas, quando me ponho a escrever, não penso no “leitor” ou no “público”, personagens imaginárias, que “não têm mais tempo para longas leituras”. Acho que um autor tem que correr riscos: não pode deixar-se escravizar pelos temas, ou pela exigência editorial, na esperança de agradar a quem o lê e obter sucesso de venda. O escritor precisa ser honesto naquilo que escreve e transparente consigo mesmo, obedecendo somente à sua própria consciência. No Brasil, país que possui um rico imaginário herdado dos índios nativos e dos africanos que foram trazidos como escravos, vem acontecendo uma sinistra “assepcia da imaginação”. Os escritores brasileiros precisam voltar a interessar-se pelo mítico e o antigo que estão na raiz da nossa cultura. Muitos romancistas, como mariposas atraídas pela lâmpada, na ânsia de agradarem ao público, deixam-se seduzir pelos temas mais explosivos, escrevendo textos que pouco diferem do relato jornalístico. No afã de integrar-se ao mundo civilizado, dito “moderno”, o escritor brasileiro, com poucas exceções, se esquece de que, faça o que fizer, será sempre um brasileiro.

M.J.C. – A globalização, em todo o mundo, tem sido o pior dos flagelos para a identidade cultural de cada país, não te parece?

N.S. – Sim. A perda da identidade nacional é uma das conseqüências funestas da globalização, uma verdadeira catástrofe. No mundo “globalizado” em que vivemos, podem até desaparecer as fronteiras visíveis da política e da economia, mas as diferenças do mundo invisível da cultura não se eliminam impunemente. Fica cada vez mais claro que o desprestígio da expressão local, das marcas do tempo, do vento e da terra, a pretexto de alcançar-se um elevado universal, não passa de imposição totalitária de culturas velhas, esgotadas, agonizantes. O mundo de cada um de nós é o mundo de todos os homens. O homem é o mesmo em qualquer parte do mundo. Podemos ser universais sem deixarmos de ser brasileiros (ou portugueses, ou italianos, espanhóis ou japoneses...), desde que o façamos com engenho e arte. Ouso afirmar que o “regional” e o “universal”, assim como a “humanidade”, em arte, não passam de abstrações vazias. Não existem. O que há é o ser humano concreto, que nasce, cresce e morre nalgum lugar. Captar esse homem, esse “outro”, que o próprio escritor traz dentro de si, com suas alegrias e tristezas, esperanças e decepções, heroísmos e vilanias, deve ser o objetivo do artista.

M.J.C. – A propósito dessa transformação do regional em universal, relembro aqui a obra de Vicente Franz Cecim, que é igualmente um caso de transfiguração da Amazónia e que, justamente, se transformou numa obra universal, considerando o seu universo mítico de Andara. Cecim é o único autor da Amazónia que chegou a Portugal, publicando “Ó Serdespanto” (Íman Edições, 2001). Mas existe uma constelação de escritores da Amazónia que nos é desconhecida, não é? Para nós, a quem apenas nos chega a literatura do Rio de Janeiro e de S. Paulo, que autores são importantes descobrir?

N.S. – Antes de falar dos escritores nativos, é bom lembrar que, até o século XIX, praticamente apenas europeus haviam escrito sobre a Amazônia – Gaspar de Carvajal, Cristóbal de Acuña, João Felipe Bettendorff, Luiz e Elizabeth Agassiz, Frederick Hartt, Alfred Russel Wallace, Carl Friedrich Philipp von Martius, Charles-Marie de La Condamine e tantos outros. Mais do que inventariar ou noticiar as maravilhas da nova terra, alguns estrangeiros pretenderam contar de forma “artística” as coisas do paraíso/inferno amazônico. Conan Doyle, Júlio Verne e Le Carré ambientaram histórias na Amazônia, produzindo páginas das quais não se pode afirmar que sejam o ponto alto de suas obras. O alemão Von Martius, com o material colhido em andanças pela Amazônia na primeira metade do século XIX, num momento de folga do seu trabalho de naturalista, escreveu “Frey Apolônio”, o primeiro romance ambientado no Norte do Brasil. A despeito dos defeitos de composição literária, o livro, ainda hoje, pode ser lido com interesse, pois Martius, que amava a Amazônia, era um excelente pintor de paisagens e costumes. Todavia, tais peças literárias fracassaram em seu intento de revelar ao velho mundo a fantástica realidade da nova terra, abrindo-se um abismo entre a imagem e a sua expressão. É que, nessas obras, o contexto invadiu o texto; a portentosa natureza amazônica fez o alienígena perder o ritmo e o fio da narrativa – talvez a única exceção à mediocridade dos textos escritos por europeus sobre a Amazônia seja a “Carta sobre o Tocantins” (1654), do padre Antônio Vieira.
“A Muhraida”, escrita em 1785 pelo tenente português João Wilkens, epopéia dos índios Muras do alto Amazonas, forjada nos moldes de “Uraguai” de Basílio da Gama e “Caramuru” de Santa Rita Durão, e publicada na mesma época, apresentando mais ou menos as mesmas virtudes e defeitos, não obteve, ao contrário das duas últimas obras, sucesso ou “fortuna crítica”. Mais sorte teve Ferreira de Castro, outro português, que escreveu, a partir de sua experiência de seringueiro no rio Madeira, o romance “A Selva” (1930), que se tornou repentinamente um “clássico”.
Depois dos estrangeiros, a Amazônia foi descrita por brasileiros de fora da região. O pernambucano Alberto Rangel escreveu o célebre “Inferno Verde” (1908, contos), com prefácio de Euclides da Cunha. O próprio Euclides, carioca, a exemplo do que já fizera com o Nordeste ao escrever “Os Sertões” (1902), legou-nos páginas inesquecíveis sobre a Amazônia, em “À Margem da História” (1909). O potiguar Peregrino Júnior escreveu “Matupá” (1933, contos), “Histórias da Amazônia” (1936, contos) e “Puçanga” (1930, contos). O carioca Gastão Cruls escreveu “A Amazônia Misteriosa” (1925, romance). O mineiro Oswaldo França Júnior - “De Ouro e de Amazônia” (1989, romance). Outro mineiro, Antonio Olinto - “Sangue na Floresta” (1992, romance). Partindo do mito amazônico de Macunaíma, referido por Koch-Grünberg num dos 5 volumes da obra “De Roraima a Orinoco”, o paulista Mário de Andrade escreveu a rapsódia de mesmo nome, onde fixa, de modo impressionante (embora questionável), a índole do homem Brasileiro, na face do “herói sem nenhum caráter”. Mais recentemente, o mineiro Aricy Curvello deixou-se enfeitiçar pelas coisas do Grande Vale; quando trabalhava para a Mineração Rio do Norte, que explora bauxita no rio Trombetas, escreveu o magnífico “O Acampamento” (1975), um dos melhores poemas do livro “Mais que os Nomes do Nada”.
A Amazônia, todavia, já pode se orgulhar dos seus próprios escritores, desde que Tenreiro Aranha (1769-1811), o mais antigo poeta autóctone, escreveu seus versos, a maioria extraviados no tempo. Alguns alcançaram até projeção nacional, como José Veríssimo, com “Cenas da Vida Amazônica” (1886), primeiro livro de contos amazônicos de que se tem notícia; Inglez de Souza, autor do clássico romance “O Missionário” (1891); Dalcídio Jurandir - “Chove nos Campos de Cachoeira” (1940); Benedicto Monteiro - “Verde Vagomundo” (1972, romance); Haroldo Maranhão - “Rios de Raiva” (1987, romance); Ildefonso Guimarães - “Senda Bruta” (1965, contos); Sant’Ana Pereira - “Invenção de Onira” (1988, romance) e Alfredo Garcia - “O Livro de Eros” (1998, contos). Mas é “Cobra Norato” (1931), do gaúcho Raul Bopp, o poema “amazônico” por excelência, a ele se ombreando apenas o “Repertório Selvagem” (1998, poemas) e “Berço Esplêndido” (2001, poemas), ambos de Olga Savary, e “Viagem a Andara, o Livro Invisível”, monumental obra ficcional e poética que Vicente Franz Cecim vem edificando há 23 anos.

M.J.C. – Achas que a política cultural dos dois países caminha no sentido de favorecer o intercâmbio cultural?

N.S. – Noto uma distância muito grande entre os dois países. A literatura portuguesa contemporânea é quase completamente desconhecida dos leitores brasileiros. No Brasil se fala muito de Fernando Pessoa e José Saramago, não apenas pela grandeza de suas obras, mas também porque outros, do mesmo porte, aqui não são editados. A distribuição das edições portuguesas é bem limitada. Desconfio que o governo português não tem desempenhado um grande papel no campo da divulgação da cultura e das artes portuguesas no Brasil. Os governos brasileiros, até onde eu sei, também pouco ou nada têm feito para levar a cultura e as artes brasileiras aos portugueses. Tem-se a impressão de que os dois países viraram de costas um para o outro. Ou será que estou enganado? Se pensarmos nos outros países de língua portuguesa, a coisa fica ainda mais complicada. Não contentes em não promover o necessário intercâmbio cultural, obstáculos absurdos à integração são criados, como, por exemplo, a recíproca cobrança de impostos sobre a entrada de livros em seus territórios, o que eleva o preço final do livro e inviabiliza a sua comercialização. A conseqüência principal dessa situação é o enfraquecimento da língua portuguesa, o nosso instrumento cultural mais importante.

Fontes:
http://www.releituras.com
http://www.storm-magazine.com