quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Lendas Árabes (O Livro do Destino)



Certa vez — há muitos anos — quando de volta de Bagdá, aonde fora vender uma grande partida de peles e tapetes, encontrei num caravançará, (1) perto de Damasco, velho árabe de Hedjaz que me chamou de certo modo a atenção. Falava agitado com os mercadores e peregrinos, gesticulando e praguejando sem cessar; fumava constantemente uma mistura forte de fumo e haxixe e quando ouvia de um dos companheiros uma censura qualquer, exclamava, apertando entre as mãos, o turbante esfarrapado:

— Mac Allah! ó muçulmanos! (2) Eu já fui poderoso! Eu já tive o Destino nesta mão!

— É um pobre diabo — diziam. — Não regula bem do miolo! Allah que o proteja!

Eu, porém, - confesso — sentia irresistível atração pelo desconhecido do turbante esfarrapado. Procurei aproximar-me dele discretamente, falei-lhe várias vezes com brandura e ao fim de algumas horas já lhe havia captado inteiramente a confiança.

— Os homens da caravana me tomam por doido — ele me disse uma noite quando cavaqueamos a sós. Não querem acreditar que já tive nas mãos o destino da humanidade inteira. Sim, senhor: o destino do gênero humano!

Esbugalhei os olhos assombrado.
Aquela afirmação insistente de que havia sido senhor do Destino era característica do seu pobre estado de demência.

O desconhecido, porém, que parecia não perceber os meus sustos e desconfianças, continuou:

— Segundo ensina o Alcorão — o livro de Allah — a vida de todos nós está escrita — maktub! (3) no grande “Livro do Destino”. Cada homem tem lá a sua página com tudo o que de bom ou de mau lhe vai acontecer. Todos os fatos que ocorrem na terra, desde o cair de uma folha seca, até a morte de um califa, estão escritos — estão fatalmente escritos — no Livro do Destino!

E sem esperar que eu o interrogasse narrou-me o seguinte:

— Em viagem pelo deserto sonhei, certa vez, com um velho feiticeiro que ia ser enforcado. Esse feiticeiro, em sinal de gratidão, deu-me um talismã raríssimo que possuía. E essa pedra maravilhosa permitia a entrada livre na famosa Gruta da Fatalidade, onde se acha — pela vontade de Allah — o Livro do Destino. Viajei dois anos a fim de chegar à gruta encantada. Um djim (4) — gênio bondoso que estava de sentinela à porta — deixou-me entrar, avisando-me, porém, de que só poderia permanecer na gruta por espaço de poucos minutos. Era minha intenção alterar o que estava escrito na página da minha vida e fazer de mim um homem rico e feliz. Bastava acrescentar com a pena que eu já levava. — “Terá muito dinheiro!” Lembrei-me, porém, dos meus inimigos. Poderia, naquele momento, fazer grande mal a todos eles. Movido pela idéia única do ódio e da vingança, abri a página de Ali Ben-Homed, o mercador. Li o que ia acontecer a esse meu rival! e acrescentei em baixo, sem hesitar, cheio de rancor: — “Morrerá pobre, sofrendo os maiores tormentos!” Na página de Zalfah-el-Abarj escrevi, impiedoso, alterando-lhe a vida inteira: — “Perderá todos os haveres; ficará cego e morrerá de fome e sede no deserto!”

— E, assim, sem piedade, arrasei, feri, retalhei a todos os meus desafetos!

— E na tua vida? — indaguei curioso. — Que fizeste, ó muçulmano, na página em que estava escrita a tua própria existência?

— Ah! meu amigo! prosseguiu o desconhecido, cheio de mágoa. — Nada fiz em meu favor. Preocupado em fazer o mal aos outros, esqueci-me de fazer o bem a mim mesmo. Agi como um miserável. Semeei largamente o infortúnio e a dor, e não colhi a menor parcela de felicidade. Quando me lembrei de mim, quando pensei em tornar feliz a minha vida, estava terminado o meu tempo. Sem que eu esperasse, surgiu-me pela frente um efrite — gênio feroz — que me agarrou fortemente e, depois de arrancar-me das mãos o talismã, me atirou fora da gruta. Caí entre as pedras e com a violência do choque perdi os sentidos. Quando recuperei a razão, achei-me ferido e faminto, muito longe da gruta, junto a pequeno oásis do deserto de Omã. Sem o talismã precioso, nunca mais pude descobrir o tortuoso caminho da Gruta do Destino. E concluiu, entre suspiros, numa atitude de profundo e irremediável desalento:

— Perdi a única oportunidade que tive de ser rico e feliz!

Seria verdadeira essa estranha aventura? Até hoje ignoro. O certo é que o triste caso do velho árabe de Hedjaz encerrava grande e precioso ensinamento. Quantos homens há, no mundo, que preocupados em levar o mal a seus semelhantes, se esquecem do bem que poderiam fazer a si próprios...
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(1) Refúgio construido pelo govêrno ou por pessoas piedosas à beira do caminho para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de “rancho” e grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas.
(2) Mac Allah — exclamaçâo usual enfre os árabes — Por Deus!!! ou ainda: “Exaltado seja Allah!”
Muçulmanos — nome derivado de mouslin “aquele que se resigna à vontade de Deu”. Os muçulmanos seguem a religião de Mafoma e são, atualmente, em número de 200 milhões aproximadamente
(3) Maktub! — (estava escrito!) — particípio passado do verbo catab (escrever). Expressão que bem traduz o fatalismo muçulmana
(4) Djins e efrites são gênios sobrenaturais cuja existência os grabes admitiam. Essa crendice só subsiste nas classes incultas. Os djins são benfazejos ao passo que os efrites se divertem com o mal que podem fazer às criaturas.
Fonte:
TAHAN, Malba. Céu de Allah. Rio de Janeiro: Ed. Conquista, 1960.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Lançamento do Livro "Entre Nós" de Regina Lyra

Fonte:
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

Regina Lyra (Leitura ao Acaso)

Leitura de Uma Carta = Alfredo Keil (1850-1907)
Interessante como as leituras que fazemos e a nossa vivência, interpretam a vida de forma relativa. O conhecimento maximiza a compreensão, mas para que compreender o que não tem explicação? Assim a vida moderna, procura sempre a atenção racional e eloqüente, as interpretações sintáticas, morfológicas, interpretativas do inútil. Explicações várias, compreensão nenhuma!

O ser humano tão cheio de relatividades e incompreensões, não pode ser taxado por um método qualquer de análise quantitativa ou mesmo qualitativa. O homem é mais profundo do que qualquer tentativa freudiana e de seus seguidores. Terapias, compreensão do ser? O homem é único, e diferente entre si. Nesta tentativa de entender o existencial é que colocamos algumas interrogações, sem a pretensão do conhecimento formal, mas da vivência, da experiência, da observação. Do conhecimento poético, da sabedoria, das leituras, dos contatos, sobretudo do amor!

Sentir-se criança... Talvez até imatura como a própria criança o é. Mas o que pensar? Fazer? Tudo é uma questão de silêncios e palavras? As palavras falam dos silêncios e os silêncios significam o que as palavras não dizem! Nesta tentativa existencial de compreender o que os silêncios significam, prefiro compreender o que as palavras dizem, nas linhas e entrelinhas, dos textos. Considero hoje, que são os silêncios das palavras, que estão nas entrelinhas do texto.

Mas, é bem melhor ler as palavras escritas e dirigidas com emoção a alguém especial. Aguardando o momento de sussurrá-las ao ouvido, e de senti-las sussurradas, embriagando o corpo e nutrindo a alma, com o sentimento do bem querer...

Talvez a compreensão do silêncio, do passar ao largo, sem cumprimento, tenha deixado uma mágoa no peito. O som não responde, a música não toca, o que houve? Nada funciona?

Compreender o incompreensível ser? Onde penetrar a alma do bem querer? Tudo é previsível, menos o olhar que não falou... As mãos que não se tocaram, o beijo que calou!

Palavras... Apenas palavras... Silêncios do nada!
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Fontes:
http://www.reginalyra.net/indexsala.htm

Regina Lyra (Poemas)


TENHO NOS OLHOS

Tenho nos olhos,
gravados na retina
mágoas,
passadas!

Levantada a cortina,
vi alegrias,
da infância!

Fechados olhos
percebi a felicidade...

Detonei as tristezas,
mágoas...
Tenho nos olhos
luminosidade,
presente!
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QUANDO A PORTA ABRIU

Quando a porta abriu,
pensei na mudança
que entraria...
Móveis, livros, discos,
velhas lembranças!

Os amores se foram,
velhos amigos também.
Vieram outros,
ocuparam espaços,
v
ã
o
s...

O desamor surgiu,
se foi.
Sem despedidas
saiu pela porta aberta,
aproveitou
a fresta,
fenda partida
s
u
m
i
u!
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NAS ÁGUAS TURVAS

Nas águas turvas da mente,
esqueceu de nadar,
buscou crianças,
que ensinasse a brincar!

No embarque do futuro
viu pássaros a voar!
Esses pássaros
eram folguedos,
crianças,
no quintal!

Nas águas turvas da mente,
lembrança se desfez,
saudade constante,
primeira vez!

Tornou-se presente,
nas águas turvas da mente,
amantes do coração...
Chorou-se em vão,
de
s
a
u
d
a
d
e...
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CIDADE DO INTERIOR

Cidade linda...
montanhas, arestas...
Festas, infindas!

Não posso entender
se acaso gostes,
brisa do mar,
montanha do interior...

A floresta que me faz amar...
Cidade que encanta,
macio levanta...
O ar e o mar...

Neste querer absurdo,
se amante ou se mudo,
mas fácil de encontrar...

Aguardo na minha mão...
teu
o
l
h
a
r...

Nesta cidade que ama,
alucina, reclama...

- Carinhos de
menina...
- Desejos de
mulher...
Esta cidade,
me quer...
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O MAR DOS TEUS OLHOS...

Revi no teu olhar silencioso,
um ar desiludido...
Entendi tuas palavras em silêncio,
escorreguei na fragrância do meu sorriso...

Meus olhos procuraram os teus olhos...
Tamanha alegria
estampada na face...

Apenas para alegrar-te,
afoguei no mar dos teus olhos,
todo meu olhar...
Libertei a solidão do teu olhar...
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HORAS PERDIDAS

Aquele dia...
onde a vida pregara peças trágicas
pela sua natureza sensível...

Tornaram todos
silentes de palavras,
próprias tristezas
devastadas...

Partiram-se elos,
perderam-se laços
foram encontrados,
espaços vazios...

Nem tudo causaria melancolia...
Por isto não vejo a hora da partida!
Como também do regresso disposto,
Amor sem desgosto.

Corações em chama,
- buscam sintonia do olhar...
Permitam a entrada do amor...
Não precisa de ingresso,
valores
- desatualizados...
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Regina Lyra (Dormir sonhando ou sonhando acordado?)

Dreams = John Anster Fitzgerald (1823 - 1906))
As horas agradáveis, os momentos de carinho, os dias intensos de companheirismo estarão guardados para sempre nas lembranças. Espera-se ficar junto, mas depressa do que se possa imaginar. Se for para felicidade, alento do espírito, alimento do corpo e da alma.

Com o carinho de quem passou por várias fases, e viu a face da tranqüilidade, do amor, da ternura, estampada na própria face. Em pequenos detalhes, às vezes insignificantes, para os olhos de outrem, e de uma profundidade imensa aos olhos amados.

Nada aconteceu de diferente do sonho, idealizado, tudo foi perfeito! Espera-se que assim também sinta...

O ato de dormir junto tem um efeito maior do que se pode imaginar. É a entrega dos silêncios, é a entrega do sono. É o tomar conta um do outro, num momento de total entrega... Dormir... Pensar nos momentos passados juntos, isto já basta!
Estão integrados os corpos! Um está no outro e sente-se estar complementando os desejos. No jogo das palavras, que o sentimento seja entendido, e profundamente sentido!

Além de tantas coisas, que têm pouca duração, mas intensidade inigualável. Possa dizer que o carinho e a força do querer, é infinitamente maior do que qualquer palavra... E as palavras são meros transmissores de sentimentos e de frustrações. A não ser que digam aquilo que se deseja ouvir. Mas como saber o que o outro quer ouvir? A não ser quando a frase é objetiva: Eu te amo!

Este encontro fez ver o outro mais palpável, deixou de ser um sonho e tornou-se uma agradável realidade. Tão agradável que o coração dispara só em pensar no que os namorados, amantes e amados, passam... Mesmo quando o silêncio é a maior das palavras. Mesmo quando o sono faz os corpos se tocarem. Mesmo quando assustamos com um sofrimento passageiro, ou uma dor intensa. Na verdade, as palavras fogem como se já não pudesse dizer, escrever, apenas sentir...

Não fora a possibilidade de conhecer o novo, quantos amores se perderiam nas sombras dos degraus, imitando uma pueril escada?

Por isto o encantamento com a poesia. Poetas cantam e reinventam a poesia, sem o alarde de ser dono, sem a obstinação de ser perfeito... Apenas com a vontade permanente de escrever poesias, de estilos, formas e alegria. Dores, tristezas e nostalgia. Assim é a poesia. Para que fazê-la cruel? Se, é ela, apenas ela, que encanta e alucina, seus leitores e fãs...

Fontes:
http://www.reginalyra.net/indexsala.htm
Pintura = http://libertinando.blogspot.com/

Regina Lyra



A autora nasceu na cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, onde fez seus estudos de primeiro e segundo graus. As raízes da família estão plantadas na cidade de Areia. Pelo lado paterno Brito Lyra; pelo materno Leal e Almeida. Bacharelou-se pela Universidade Federal da Paraíba, no Curso de Administração.

Realizou Curso de Pós-Graduação pela Universidade Federal de Minas Gerais, defendeu sua dissertação de Mestrado, na Área de Administração de Recursos Humanos pela Universidade Federal da Paraíba. Sua vida profissional tem sido dedicada ao magistério na Universidade, tanto no curso de graduação como na pós-graduação, desenvolveu em seusalunos o espírito crítico e analítico. Além da necessidade de escrever artigos e publicá-los em revistas especializadas ou em anais de encontros nacionais e internacionais, tanto de pós-graduação como de graduação.

Além de ter exercido alguns cargos na Administração Universitária, tais como: Chefe e Sub-Chefe do Departamento de Administração; Assessora de Extensão do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, onde desenvolveu alguns projetos e escreveu alguns artigos acadêmicos. Assessora de Extensão do Departamento de Administração, onde desenvolveu vários seminários, foruns, encontros acadêmicos, ciclo de palestras, etc. Também foi Vice-Diretora do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, por um período de quatro anos. Além da dedicação ao magistério, exerceu o cargo de Coordenadora do Curso de Administração.

Coordenou também projetos de pesquisa aprovados pela UFPB. e CNPq. orientando estudantes para serem pesquisadores, como também no nível de monitoria. Portanto, alem da dedicação à docência escreveu textos ligados à área de administração e a questões mais amplas da área acadêmica como a pesquisa, o ensino e a extensão.

Desde criança demonstrou o interesse pela leitura, o mundo de Monteiro Lobato a fascinava. Também desenvolveu o gosto pela poesia. A poética de Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e Pablo Neruda, foram sua primeiras leituras.

Sempre teve facilidade de colocar no papel os seus sentimentos, fossem de dor, carinho, protesto ou amor. A percepção do sentir fazia com que descrevesse poeticamente o cotidiano. A sensibilidade lhe aflora a pele, faz da caneta sua grande companheira, e a folha sem vida, toma a dinâmica que transforma a letra morta em poesia. Faz parte do seu EU colocar no papel o seu sentimento e o sentimento que observa nos outros e na sociedade. A leitura do cotidiano também lhe encanta e lhe faz escrever poemas.

Em 1998, incentivada por poetas, críticos, familiares e amigos, conhecedores do seu trabalho, publicou o seu primeiro livro: O Livro das Emoções, trabalhos de uma vida inteira, pois desde a adolescência já escrevia poesias. O livro foi bem aceito pelos públicos e críticos paraibanos. Seu prefaciador, Luiz Augusto Crispim, afirmou: "O que me impressionou nesta coletânea O Livro das Emoções foi a inteireza, a unidade que acabou prevalecendo em suas páginas, como se durante a vida inteira, vivendo intensamente, Regina Lyra aos poucos se advertisse da seqüência que os seus poemas deveriam possuir, à medida que simplesmente vivia."

Sérgio de Castro Pinto, escreveu na orelha do Livro das Emoções, e afirmou: "Há quem parta do princípio de que a distância entre à flor da pele e a folha de papel somente pode ser vencida pela linguagem. Outros, no entanto, tentam fertilizar o solo estéril do cotidiano abrindo as comportas dos sentimentos. É o caso de Regina Lyra, para quem as palavras parecem ser uma espécie de cordão umbilical atando-a firmemente à fugacidade da vida."

Em 2000, publicou Sonhos & Fantasias, Tobias Pinheiro em carta dirigida a autora diz que: "Salta, como num passe de mágica, entre Sonhos & Fantasias, o seu manancial de pedras preciosas, os seus inspirados poemas, que nos levam às montanhas e às planícies, com a felicidade da descoberta de novos horizontes. Até o sumário pode ser considerado, para garimpeiro descuidado, uma fonte de poesia. Parabéns à Paraíba que exibe seus valores culturais e tem uma poetisa de tão amplos recursos para nos arrancar do torvelinho das realidades para o país dos sonhos, com as estrelas ao alcance de nossas mãos."

Ascendino Leite, prefaciando Sonhos & Fantasias, afirmou que "A gente pensa que é só abrir uma porta na fachada da mente e já se estar nas proximidades da poesia. O problema não é este. A poesia não se dispõe como objeto para se acomodar em algum escrínio; que é ela que aparece e fica na direção em que possa dizer que os olhos são dela e, ainda no seu domínio, jogar em nossa percepção os seus ricos mas invisíveis modos de aliciar-nos à sedução dos seus mistérios. ... Foi vencendo essas táticas mas para estar presente nela que cheguei ao topo da arte poética da autora deste livro revelador de tantas mágicas como o doce envolvente semblante das moedas de Sísifo.

Só os que desanimam no caminho perdem a vista do alto das montanhas e se deixam entregar à embriaguez do vocabulário que lhes foi imposto para brilhar no teatro dos desatendidos de invenções. Quer-se dizer, de poesia. Contentam-se com o mínimo, até com meias palavras. Alcançando o que se propôs, a que se dedicou com persistente carinho e amorosidade, Regina Lyra tomou nota do seu Sonho e tornou manifesta sua Fantasia lírica. É na verdade o que importa, o que acabou tomando forma, somando as coisas e as palavras, os sentimentos, as sensações. Para mim como prefaciador, não foi numa só vez que o visitei, porém só agora é que me dei conta o fascínio miraculoso da compreensão poética em todo o seu latejar inventivo e metafísico
."

No livro, Caracóis na praia, jornal literário de Ascendino Leite, publicado pela ed. Idéia, 2001, ele traça comentários sobre a poesia de Regina Lyra, em um dos seus textos, afirmando que "A poesia de Regina me comprometeu com muitos dos seus mistérios do gênero, e me inspirou algumas reflexões em torno, precisamente, da abundância com que se apresenta na nossa história literária contemporânea.

Já disse em alguma parte, que bom mesmo não é fazer poesia; bom mesmo é senti-la, sabendo que ela, para ser bem expressa e comunicar-se, deve passar primeiramente pelo nosso coração. Se, de repente, aflora no jardim dos carecidos do seu enlevo, a poesia logo se transforma em força angélica e planta, no universo social, os provedores emblemáticos da sua irradiação e do seu prestígio, isto é, os poetas
.

Regina Lyra achou de ser diferente da maioria deles; desse tipo de versejadores, desses poetas. Desprezou os artifícios com os quais hoje se pretende chegar ao romantismo versificado.

Ela não faz poema sujo.

Ela não sabe o que é isso.

Ela é o que não são os outros porque não sabem sentir o que ela sente. No fundo é a sentimentalidade da criação que ela pretende fixar. Na verdade fez poesia. Quase diria, fez Amor. Tal o de que nos dão notícias as ingênuas cartas idílicas dos amantes do passado, dos namorados do presente
". ( Leite, 2001, p.98).

Siqueira (2003, p.18), prefaciando o livro Insensatas Palavras, afirma que: "Regina Lyra não necessita de acenos de boas vindas. Ela escreve o que vive no cotidiano, com a ternura de quem acredita que a felicidade não é um ponto perdido na memória. E nem pede passagem, porque caminha sem medo pelas próprias emoções, despindo-as, desvendando-as, transmutando-as em versos".

Mais adiante ele diz que: "A palavra é apenas um dos instrumentos de expressão que pode dar asas ao poema. Talvez por isso, para Mário Quintana, ´a poesia se resume na procura da poesia`. Regina Lyra, quando escreve poemas como BANQUETE, muito mais do que expressar os seus sentimentos, está buscando sua melhor utopia".

Tobias Pinheiro em carta endereçada a autora (24/06/03), afirma que: " Regina Lyra nasceu predestinada, com o destino de servir, como a roseira que ajuda as abelhas dando-lhes mel e perfumando ambientes com sua pétalas, mas não se afasta dos espinhos, morre com eles. (...) "Tenho a lhe prevenir, minha irmã de sonho, que prossiga na doce missão de sonhar, porque o sonho é o maior bem da terra. E perdoar aqueles que não podem compreender um poeta que sonha num mundo cheio de injustiça e de dolorosas decepções. E tenha a certeza de que um dia o mundo inteiro pertencerá aos sonhadores como Regina Lyra, a professorinha com missão de ensinar exibindo um sorriso doce e de levar à posteridade as suas emoções e sonhos cheios de fantasia".

Ivan Junqueira escreve a respeito do livro Insensatas Palavras, faz a seguinte observação: Muito grato por suas ", Insensatas Palavras", por essa doação, em versos, de uma alma que busca o "encontro com o espasmo" e de um corpo que chora no "delírio do orgasmo". Sua poesia é tensa, corajosa e perturbadora. Que Deus a conserve"...

Marco Lucchesi em correspondência dirigida a Regina Lyra, em novembro de 2004, afirma: "A concisão, Regina, de seus versos e a intensidade com que emergem, aproxima do seu modo de ver o mundo e de sua conseqüente poesia".

Sua obra traz como característica a procura persistente pelo contexto poético, pela leitura do seu tempo. Contém uma temática voltada para uma poesia lírica, sem deixar de trabalhar outros temas. Sua busca incansável dos seus eus permeia diversidades de espaços. Assim, sua obra transcende a área geográfica do seu Estado, conquistando leitores e admiradores nas grandes cidades do País. Regina Lyra constrói poemas com uma linguagem contemporânea, de seu tempo, de sua história. Este é um dos papéis da sua arte. Com um grito amoroso de protesto social, busca o comprometimento com seu povo e a análise crítica do mundo.

Participou ao longo desses 10 anos de várias Bienais: em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Maceió. Festivais de poesia, FLIP em Paraty, entre outros tantos encontros de poesia. Reynaldo Valinho Alvarez a chamou: REGINA LYRA, FORÇA DA NATUREZA. Afirma: "Muita gente já foi comparada a um vulcão, pela capacidade explosiva de fazer coisas ou pela energia com que se atira à vida e suas peripécias. Regina Lyra também merece essa comparação, no que se refere à busca incansável de sua afirmação no território das letras".[...]

Em Tempo de Encanto, Ricardo Alfaya, enfatiza que "conhecendo três outros livros da Autora e mais os trabalhos que se acham em exposição no seu site, na Internet, atrevo-me a dizer que neste Regina resume simbolicamente sua busca atual como pessoa e como poeta. É uma obra delicada e que nos propõe sentimento, reflexão e harmonia. Regina, sem ufanismo ou otimismo inconseqüentes, celebra esses valores ao longo das encantadoras páginas deste livro".

Edir Meirelles ainda afirma, que: Regina Lyra é "uma alquimista do versejar de qualidade. Na alquimia da vida, na intensidade dos raros perfumes literários, na mistura dos feromônios X & Y é capaz de transformá-los no melhor afrodisíaco jamais inventado".

Continua Edir Meirelles: Tempo de Encanto é "nada mais, nada menos que um livro de poesia impregnado de sinfonia musical – daqueles concertos raramente audíveis nos tempos modernos. É ler e conferir"!
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Livros:
O livro das Emoções, 1998.
Sonhos & Fantasias, 2000.
Insensatas Palavras, 2003.
Tempo de Encanto, 2004.
Atos em Arte, 2006
Entre_Nós, 2008.

Participação em Antologias:
Talento Feminino em Prosa e Verso, vol. I, 2002
Coleção Prosa e Verso vol. 2, 2003
Tempo de Poesia, 2003
Talento Feminino em Prosa e Verso, vol. II, 2004
I Antologia Portal do CEN, 2004
Roda Mundo, Roda Gigante, 2004
Antologia Internacional VMD, 2004
Presente de Natal em Prosa & Verso, 2004
Roda Mundo, 2005
Terra Latina, 2005
O Amor que move o Sol e outras Estrelas, 2005
Canto Novo, 2006
Antologia dos Escritores Brasileiros, 2006
Roda Mundo, 2006
Talento Delas, 2007
Roda Mundo, 2007
Antologia Poetrix 2 (Movimento de Poetrix Internacional), 2007
O Talento Brasileiro em Prosa e Verso, 2008

Publicações em jornais:
Correio das Artes, (João Pessoa - PB).
Na coluna de Lítero Cutural, Porto Velho-RO.
Escreve em vários sites literários.

Fontes:
http://www.reginalyra.net/autora1.htm
http://www.rebra.org
Douglas Lara.
http://www.sorocaba.com.br/acontece

domingo, 16 de novembro de 2008

Revelando o Artista da Cultura nos Bastidores da Expo-Literária de Sorocaba

Secretario da Cultura de Sorocaba, Anderson Santos e
Ziraldo, na Expo-Literária
A segunda edição da Expo-Literária, realizada na cidade de Sorocaba, encerrou-se com a presença do escritor Ziraldo, que falou sobre o tema "Ler é mais importante que estudar", palestra esta, que teve a interpretação simultânea do português para Libras (linguagem dos sinais). Além de Ziraldo, muitos nomes se destacaram, como Mário Prata, Gabriel Pensador, Arnaldo Antunes, Fabrício Carpinejar, além da participação, não menos importante, de vários escritores sorocabanos que expuseram seus trabalhos e comentaram com o público o processo de criação de suas obras.

O evento contou com três tendas (Machado de Assis, Dom Casmurro e Iaiá Garcia), espaços para exibição de filmes e shows, assim como a Biblioteca Municipal que expôs as novidades literárias, permitindo que o público interagisse com os autores convidados.

Milhares de pessoas oriundas não só de Sorocaba e região, mas também de diversas partes do Brasil e mesmo do Exterior estiveram presentes neste acontecimento que eleva o prestígio cultural da cidade de Sorocaba.

Mas, a verdadeira cabeça atrás deste sucesso se deve a Anderson Santos que batalhou pela realização deste evento cultural.

"Foram meses e meses de trabalho das secretarias da Cultura e da Educação para realizar um evento desse tamanho e que deve receber a visita de mais de 6 mil pessoas até o seu final, entre crianças, jovens e adultos, incluindo os moradores da região" - informou Anderson Santos.

Mas, quem é Anderson Santos?

Anderson, advogado, jornalista e radialista, foi Assessor da Secretaria de Cidadania, e desde 2006 ocupa o cargo de Secretario da Cultura da Prefeitura Municipal de Sorocaba, substituindo Marcelo Sodré.

Ao assumir o cargo, afirmou que pretendia fazer uma gestão em parceria com a classe artística e cultural da cidade, ouvindo seus anseios e abrindo espaço para sugestões de projetos. Ele também quer dar mais atenção aos bairros e disse que tem interesse em realizar a tão aguardada Conferência Municipal de Cultura

Desde que assumiu a Secretaria, ele vem realizando e prestigiando diversos eventos culturais, além do mencionado acima:

- No início da primavera (em setembro), foi realizada a Comemoração ao Dia Mundial do Turismo, com diversos eventos que ocorreram no campus da UFSCar, em Sorocaba, no Teatro Municipal Teotônio Vilela, no Parque Carlos Alberto de Souza, no Parque Kasato Maru e no Parque da Biquinha.

- Aniversário da Casa do Escritor da Região de Sorocaba (CERES), no Sorocaba Club, em outubro.

- Em conjunto com a Secretaria da Comunicação (Secom), oferecer aos sorocabanos, gratuitamente, um local que exiba filmes que não estão nos circuitos comerciais de cinema da cidade. Tal iniciativa se dará no dia 10 de dezembro, na Usina Cultural Ettore Marangoni, com o longa-metragem "Adeus, Lênin".

Devemos nos curvar diante da iniciativa, esforço e dedicação de Anderson ao liderar a Secretaria da Cultura. Um exemplo a ser seguido por secretários, organizadores, diretores, etc., que desejam elevar e mostrar a alta qualidade de nossa cultura e nossa gente.

Em Sorocaba, a Cultura tem nome e é: ANDERSON SANTOS!!!

Fonte:
Douglas Lara. http://www.sorocaba.com.br/acontece

sábado, 15 de novembro de 2008

Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas)


Grande Sertão :Veredas - travessia que Riobaldo, narrador-personagem, faz em suas memórias a fim de narrar suas vivências a um "senhor" durante três dias. Travessia que Guimarães Rosa faz através do caráter insólito e ambíguo do homem, tornando uma experiência individual (Riobaldo ) em caráter universal - "o sertão é o mundo".

A primeira parte do romance (até aproximadamente à página 80), Riobaldo faz um relato "caótico" e desconexo de vários fatos (aparentemente sem relações entre si ), sempre expondo suas inquietações filosóficas (reflexões sobre a vida, a origem de tudo, Deus, Diabo, ...) -Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se fôr jagunço, mas a matéria vertente. "O discurso ambivalente de Riobaldo (...) se abre a partir de uma necessidade, verbalizada de maneira interrogativa". No entanto, há uma grande dificuldade em narrar e organizar seus pensamentos : Contar é muito dificultoso. Não pelos anos que se já passaram. Mas pela astúcia que tem certas coisas passadas - de fazer balancê, de se remexerem dos lugares. É o compadre Quelemém de Góis que lhe socorre em suas dúvidas, mas não de forma satisfatória, daí a sua necessidade de narrar.

A partir da página 80, Riobaldo começa a organizar suas memórias. Fala da mãe Brigi, que o obrigava à esmolação para a paga de uma promessa. É nessa ocasião, à beira do "Velho Chico", que Riobaldo se encontra pela primeira vez com o garoto Reinaldo, fazendo juntos uma travessia pelo rio São Francisco. Riobaldo fica fascinado com a coragem de Reinaldo, pois como este afirma : "sou diferente (...) meu pai disse que eu careço de ser diferente (...).

A mãe de Riobaldo vem a falecer, sendo ele levado à fazenda São Gregório, de seu padrinho Selorico Mendes. É lá que Riobaldo toma contato com o grande chefe Joca Ramiro, juntamente com os chefes Hermógenes e Ricardão. Selorico Mendes envia o seu afilhado ao Curralinho, a fim de que tivesse contato com os estudos. Posteriormente, assume a função de professor de Zé Bebelo (fazendeiro residente no Palhão com pretensões políticas. Zé Bebelo, querendo pôr fim aos jagunços que atuavam no sertão mineiro, convida Riobaldo a participar de seu bando. Riobaldo troca as letras pelas armas. É desse ponto que começa suas aventuras pelo norte de Minas, sul da Bahia e Goiás como jagunço e depois como chefe.

O bando de Zé Bebelo faz combate com Hermógenes e seus jagunços, onde este acaba por fugir. Riobaldo deserta do bando de Zé Bebelo e acaba por encontrar Reinaldo ( jagunço do bando de Joca Ramiro), ingressando no bando do "grande chefe". A amizade entre Riobaldo e Reinaldo acaba por se tornar sólida , onde Reinaldo revela o seu nome - Diadorim - pedindo-lhe segredo. Juntamente com Hermógenes , Ricardão e outros jagunços , combate contra as tropas do governo e de Zé Bebelo .

Depois de um conflito com o bando de Zé Bebelo, o bando liderado por Hermógenes fica acuado, acabando-se por se separar , reunindo-se posteriormente . O chefe Só Candelário acaba por integrar-se ao bando de Hermógenes , tornando-se líder do bando até o encontro com Joca Ramiro . Nessa ocasião , Joca Ramiro presenteia Riobaldo com um rifle , em reconhecimento à sua boa pontaria (a qual lhe faz valer apelidos como "Tatarana" e "Cerzidor") . O grupo de Joca Ramiro acaba por se dividir para enfrentar Zé Bebelo , conseguindo capturá-lo . Zé Bebelo é submetido a julgamento por Joca Ramiro e seus chefes - Hermógenes , Ricardão, Só Candeário , Titão Passos e João Goanhá - acabando a ser condenado ao exílio em Goiás .

Depois do julgamento, o bando do grande chefe se dispersa, Riobaldo e Diadorim acabam por seguir o chefe Titão Passos. Posteriormente, o jagunço Gavião-Cujo vai ao encontro do grupo de Titão Passos para informar a morte de Joca Ramiro, que foi assassinado à traição por Hermógenes e Ricardão ("os judas"). Riobaldo fica impressionado com a reação de Diadorim diante da notícia. Os jagunços se reúnem para combaterem os judas .

Por essa época , Riobaldo tem um caso com Nhorinhá (prostitutriz), filha de Ana Danúzia. Conhece Otacília na fazenda Santa Catarina, onde tem intenções verdadeiras de amor. Diadorim, em determinada ocasião, por ter raiva de Otacília, chega a ameaçar Riobaldo com um punhal.

Medeiro Vaz junta-se ao bando para a vingança, assumindo a chefia. Inicia-se a travessia do Liso do Sussuarão. O bando não agüenta a travessia e acaba por retornar. Medeiro Vaz morre. Zé Bebelo retorna do exílio para ajudar na vingança contra os judas, tomando a chefia do bando.

Por suas andanças, o bando de Zé Bebelo chega à fazenda dos Tucanos, onde são encurralados por Hermógenes. Momentos de grande tensão. Zé Bebelo envia dois homens para informarem a presença de jagunços naquele local. Riobaldo desconfia de uma possível traição com esse ato. O bando de Hermógenes fica acuado pelas tropas do governo e os dois lados se unem provisoriamente para escaparem dos soldados . Zé Bebelo e seus homens fogem à surdina da fazenda, deixando os hermógenes travando combate com os soldados. Riobaldo oferece a pedra de topázio a Diadorim, mas este recusa, até que a vingança tenha sido consumada .

Os bebelos chegam às Veredas-Mortas. É um dos pontos altos do romance, onde Riobaldo faz o pacto com o Diabo para vencerem os judas. Riobaldo acaba assumindo a chefia do bando com o nome de "Urutu-Branco"; Zé Bebelo sai do bando. Riobaldo dá a incumbência a "seô Habão" para entregar a pedra de topázio a Otacília, firmando o compromisso de casamento. O chefe Urutu-Branco acaba por reunir mais homens ( inclusive o cego Borromeu e o menino pretinho Gurigó).

À procura dos hermógenes, fazem a penosa travessia do Liso do Sussuarão, onde Riobaldo sofre atentado por Treciano, que é morto pelo próprio chefe. Atravessado o Liso, Riobaldo chega em terras baianas, atacando a fazenda de Hermógenes e aprisionando sua mulher . Retornam aos sertões de Minas, à procura dos judas. Encurralam o bando de Ricardão nos Campos do Tamanduá-tão, onde o Urutu-Branco mata o traidor. Encontro dos hermógenes no Paredão. Luta sangrenta. Diadorim enfrenta diretamente Hermógenes, ocasionando a morte de ambos. Riobaldo descobre então que Diadorim se chama Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins, filha de Joca Ramiro.

Riobaldo acaba por adoecer (febre-tifo). Depois de se restabelecer, fica sabendo da morte de seu padrinho e herda duas fazendas suas. Vai ao encontro de Zé Bebelo, o qual o envia com um bilhete de apresentação a Quelemém de Góis : Compadre meu Quelemém me hospedou , deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência - calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz .
Mas , por fim , eu tomei coragem , e tudo perguntei:
-"O senhor acha que a minha alma eu vendi , pactário?! "
Então ele sorriu, o pronto sincero, e me vale me respondeu :
-"Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais ..."
(...)
Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. (...) Amável senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano , circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se fôr ... Existe é homem humano. Travessia.

Linguagem

Em Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa faz uma recriação da linguagem , "recondicionando-a inventivamente, saindo do lugar-comum a fim de dar maior grandeza ao discurso. Nu da cintura para os queixos (ao invés de nu da cintura para cima) e ainda Não sabiam de nada coisíssima (no lugar de não sabiam de coisa nenhuma) constituem exemplos do apuramento da linguagem roseana.

Toda a narrativa é marcada pela oralidade (Riobaldo conta seus casos a um interlocutor), portanto, sem possibilidades de ser reformulado, já que é emitido instantaneamente. Ainda tem-se as dúvidas do narrador e suas divagações, onde é percebido a intenção de Riobaldo em reafirmar o que diz utilizando a própria linguagem .

O falar mineiro associado a arcaísmos, brasileirismos e neologismos faz com que o autor de Sagarana extrapole os limites geográficos de Minas. A linguagem ultrapassa os limites "prosaicos" para ganhar dimensão poético-filosófica (principalmente ao relatar os sentimentos para com Diadorim ou a tirar conclusões sobre o ocorrido através de seus aforismos).

Aforismos

1. Viver é muito perigoso
2. Deus é paciência
3. Sertão. O senhor sabe : sertão 'onde manda quem é forte , com as astúcias .
4. ...sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar .
5. ...toda saudade é uma espécie de velhice
6. Jagunço é isso . Jagunço não se escabreia com perda nem derrota - quase tudo para ele é o igual.
7. Deus existe mesmo quando não há . Mas o demônio não precisa de existir para haver .
8. Viver é um descuido prosseguido .
9. sertão é do tamanho do mundo
10. Vingar , digo ao senhor : é lamber , frio , o que o outro cozinhou quente demais .
11. Quem desconfia , fica sábio .
12. Sertão é o sozinho .
13. Sertão : é dentro da gente .
14. ...sertão é sem lugar .
15. Para as coisas que há de pior , a gente não alcança fechar as portas .
16. Vivendo , se aprende ; mas o que se aprende , mais , é só a fazer outras maiores perguntas .
17. ...amor só mente para dizer maior verdade .
18. Paciência de velho tem muito valor .
19. Sossego traz desejos .
20. ... quem ama é sempre muito escravo , mas não obedece nunca de verdade .

Estrutura de Narrativa

I - TEMPO

Psicológico . A narrativa é irregular ( enredo não linear), sendo acrescidos vários casos pequenos.

II - FOCO NARRATIVO

Primeira pessoa - narrador-personagem - utilizando-se do discurso direto e indireto livre.

III - ESPAÇO

A trama ocorre no sertão mineiro (norte) , sul da Bahia e Goiás . No entanto , por se tratar de uma narrativa densa , repleta de reflexões e divagações , ganha um caráter universal - "o sertão é o mundo".

IV PERSONAGENS

· PRINCIPAL:

Riobaldo : personagem-narrador que conta sua estória a um doutor que nunca aparece. Riobaldo sente dificuldades em narrar, seja por sua precariedade em organizar os fatos , seja por sua dificuldade em entendê-los. Relata sua infância, a breve carreira de professor (de Zé Bebelo ), até sua entrada no cangaço (de jagunço Tatarana a chefe Urutu-Branco), estabelecendo-se às margens do São Francisco como um pacato fazendeiro.

· SECUNDÁRIOS:

Diadorim: é o jagunço Reinaldo, integrante do bando de Joca Ramiro. Esconde sua identidade real (Maria Deodorina) travestindo-se de homem. Sua identidade é descoberta ao final do romance, com sua morte.

Zé Bebelo: personalidade com anseios políticos que acaba por formar bando de jagunços para combater Joca Ramiro. sai perdedor, sendo exilado para Goiás e acaba por retornar com a morte do grande chefe para vingar o seu assassinato.

Joca Ramiro: é o maior chefe dos jagunços, mostrando um senso de justiça e ponderação no julgamento de Zé Bebelo, sendo bastante admirado .

Medeiro Vaz : chefe de jagunços que se une aos homens de Joca Ramiro para combater contra Hermógenes e Ricardão por conta da morte do grande chefe .

Hermógenes e Ricardão: são os traidores, sendo chamados de "judas", que acabam por matar Joca Ramiro. Muitos jagunços acreditavam que Hermógenes havia feito o pacto com o Diabo .

Só Candelário: outro chefe que ajuda na vingança. Possuía grande temor de contrair lepra.

Quelemém de Góis: compadre e confidente de Riobaldo, que o ajuda em suas dúvidas e inquietações sobre o Homem e o mundo.

· AS TRÊS FACES AMOROSSAS DE RIOBALDO:

Nhorinhá : prostituta, representa o amor físico. O seu caráter profano e sensual atrai Riobaldo, mas somente no aspecto carnal.

Otacília: contrária a Nhorinhá , Riobaldo destina a ela o seu amor verdadeiro (sentimental). É constantemente evocada pelo narrador quando este se encontrava desolado e saudoso durante sua vida de jagunço. Recebe a pedra de topázio de "seô Habão", simbolizando o noivado.

Diadorim : representa o amor impossível, proibido. Ao mesmo tempo em que se mostra bastante sensível com uma bela paisagem, é capaz de matar a sangue frio. É ela que causa grande conflito em Riobaldo, sendo objeto de desejo e repulsa (por conta de sua pseudo identidade).

Fonte:
http://vbookstore.uol.com.br/resumos/grandesertao.shtml

Amália Max (Vendaval de Trovas)


Para os que seguem sozinhos,
descalços e combalidos,
que importa ter mil caminhos
se todos são proibidos?
(Pouso Alegre 1997)

A sorte tem seus encantos,
seus agrados, seus engodos;
às vezes agrada a tantos,
mas jamais agrada a todos!
(Niterói 1998)

Se me deixas por vontade...
se vais para não voltar...
O que é que eu digo à saudade
amanhã, quando acordar?

Relógio, fique parado!
Não deixe o tempo passar...
Eu quero ser enganado
quando a velhice chegar!

Nas noites de paz eterna,
vigiando a escuridão,
toda estrela é uma lanterna
que um anjo leva na mão!

Laranjais de minha infância,
frutos que alegre colhi,
hoje olho para a distância
e choro porque cresci!

A ermida à beira da estrada
plange seu sino de um jeito,
que eu sinto a corda amarrada
na saudade do meu peito...

Depois do enxerto a coitada,
que quis o rosto alisar,
agora vive assustada...
Seu rosto só quer sentar!

Ralhando com seus porquinhos
a porca, mãe exemplar,
vendo-os, assim, bem limpinhos...
- já pro barro se sujar !!!
(Friburgo 1989)

Mistério tem o meu peito
que guarda com suavidade,
num espaço tão estreito,
a vida, o amor e a saudade.
(Bandeirantes, 1998)

Partiu a jangada airosa
Na praia ficou maria,
pedindo, de alma ansiosa,
que ela volte ao fim do dia.

A vida anda tão tristonha...
Pobreza...fome...agonia...
Que eu chego a sentir vergonha
de, às vezes, ter alegria!

Que importa a nós dois o mundo
Que importa o lugar que vamos...
Nosso amor é tão profundo
que só de nós precisamos!

Nem sempre o sorriso diz
se é mesmo contentamento.
Quando alguém não é feliz,
ser alegre é sofrimento.

No instante em que nossa prece
sobe a escada do infinito,
pela mesma escada desce
a paz que acalma o conflito.

Em meu peito ponho escoltas
contra um amor sem razão,
dando, de vez, duas voltas
na chave do coração.

Numa ternura infinita
a lua, com mãos de prata
vem prender laços de fita
nas tranças verdes da mata.

Sem mesmo ter ido ao céu
já caminhei sobre a lua!
Foi um dia andando ao léu
pisando as poças da rua.

Depois, que um dia, partiste
nesta rua só choveu...
Será que esta rua é triste
ou triste nela sou eu?

Lindas flores de ilusão
dentro de vaso sem água
logo, logo murcharão
passando a chamar-se "mágoa".

Minha vida é tão vazia
tão cheia de solidão
que a sombra que eu possuía
não mais me segue no chão.
--------------
Fontes:
http://www.falandodetrova.com.br/2008/amaliamax
http://ubtportoalegre.portalcen.org/html/brasil.html
TABORDA, Vasco José e WOCZIKOSKY, Orlando (orgs.) Antologia de Trovadores do Paraná. Edição o Formiguewiro. Curitiba: Lítero Técnica, março de 1984.

Adriana Lisboa (Lady Anne)

Quadro Alazão Correndo na Praia (R.O. Peixoto)
I must take my leave
For promised I am
(Jagger/Richards)

A pata encontrou no chão um buraco improvável. Lady Anne estava na dianteira, quinhentos metros finais. Mas o espaço mínimo colheu seu galope, fez dele um soluço, Lady Anne sentiu num pedaço de segundo a pane se propagar pela rede de músculos, de ossos e tendões e articulações. A pata se dobrou como não devia. E Lady Anne sentiu o corpo se dobrando sobre a pata e o mundo se dobrando sobre o corpo, e o céu envelopando sua queda num azul frágil, sem aconchego. Depois foi só a dor.

Seus olhos estavam úmidos e seu corpo tremia: dava medo, a dor. Era um saber demais de si mesma. Seus olhos, contas intensas, espelhavam um rosto humano curiosamente deformado, como se na dor ainda coubesse o humor, e fosse esse o único transporte possível. O veterinário tocou o corpo enorme do animal: a massa de músculos por baixo do pêlo, alazão tostada. O suor frio. Equus caballus. Homo sapiens sapiens. Durante um instante o olhar dos dois foi um só, e o homem sentiu, com as pontas dos dedos, a gravidade da dor.

O telefone celular se interpôs. Pelo toque, o veterinário sabia quem era. Não tirou os dedos do pêlo curto logo acima do focinho de Lady Anne. Afagava-a devagar, mas com uma urgência de estilhaços. Pediu ao jóquei, que estava ao seu lado, miraculosamente ileso: tira isso da minha maleta e desliga, faz favor.

Do outro lado da cidade, a moça de óculos escuros tentou de novo o mesmo número: recebeu a mensagem, após o sinal etc. Não deixou recado. Por trás das lentes dos óculos escorreram duas confissões, dois adiamentos, duas resignações. Que o vento marinho secou, para que, fossem o que fossem, as lágrimas se confiassem apenas à epiderme, em invisibilidade (e não aos passantes, em auto-comiseração).

Fazia algum frio na praia. Mas as meninas suavam na aula de vôlei. Na hora do saque, a mais baixinha olhou para o lado, viu a mulher ali, no banco do calçadão. De óculos escuros, guardando na bolsa um telefone celular. A menina aprumou seu corpo ansioso e desarmônico, antecipou a trajetória da bola e a elegância com que furaria o bloqueio das adversárias e cairia enfim sobre a areia, modestamente triunfal. Os músculos de seus braços ondularam, a mão direita fez o que tinha de fazer, e a bola de vôlei raspou o vento até se encontrar com a rede. Em cheio. Beijo assustado de um par que não se quer.

Dentro do ônibus, o rapaz de cabelo comprido viu de relance o jogo. Registrou na periferia da consciência: a menina errou o saque. Depois ele continuou pensando com força no corpo de uma mulher, a sua namorada, a barriga que ia começar a crescer, a outra pessoa que estufaria essa barriga por dentro com um ímpeto de maré. Ele via o próprio reflexo na janela do ônibus, superposto ao drama lento lá fora. Palimpsesto: cidade, homem que vai ser pai, medo de ser homem e de ser pai, mas também traço do rosto que caberá ao filho (à filha). Se for menino, pode ser Mick. Se menina, Marie. Ele sorriu: que idéia. Foi o seu primeiro sorriso de pai.

A moça de azul ao seu lado viu o reflexo. Um sorriso desconhecido que ela deixou onde estava, mas que sem querer copiou na memória. A moça desceu no ponto seguinte. Chegou ao portão, pediu informações. Foi cruzando aqueles espaços estranhos, o pátio vazio, os corredores largos, encontrou o banheiro, sentiu a água fria. Suspirou longamente um suspiro deserto e foi até onde era esperada.

Equus caballus. Homo sapiens sapiens. O veterinário e a moça de azul trocaram um olhar e um cumprimento. As outras pessoas abriram espaço. As pontas dos dedos do homem continuavam alisando a pequena área logo acima do focinho do animal, e o toque se propagava em espasmos. Os dedos da moça de azul encostaram nos seus, susto-segredo, enquanto a seringa esvaziava um milagre dentro do corpo enorme, que no entanto estava como que transpassado de vazios. Lady Anne fechou muito devagar os olhos molhados. Enquanto morria, o mundo que enxergou foi denso, um mundo ágil, a galope, inteiramente alazão tostado. Lady Anne cruzou a linha de chegada em primeiro lugar.

Fontes:
publicado na revista Bravo! de novembro de 2005 . http://www.adrianalisboa.com.br/
Pintura = http://www.decorecomarte.com.br/

Adriana Lisboa (Contos Populares Japoneses)



Quando esteve no Japão pesquisando sobre a obra do poeta Matsuo Basho para escrever o romance Rakushisha, lançado em 2007, a premiada escritora carioca Adriana Lisboa trouxe na mala - e na memória e no coração muito mais do que os haicais do poeta do século XVII. Grande admiradora da cultura oriental, ela mergulhou fundo também nas lendas e na tradição popular da terra do sol nascente, e apresenta aos leitores brasileiros uma seleção de histórias que sobrevivem ao tempo e fazem parte da milenar cultura popular nipônica na coletânea Contos populares japoneses, ilustrada pela sansei paulista Janaina Tokitaka.

O livro reúne seis contos que estão entre os mais conhecidos da cultura japonesa e são também os preferidos da autora. As narrativas falam sobre gente simples, mas cheia de esperança e valores, sobre animais encantados e seres fantásticos, e constituem belas metáforas do comportamento humano, de nossos sonhos, alegrias, angústias e medos. Com graça, leveza, alguns toques de suspense e muita imaginação, os contos são uma amostra vívida da força da literatura popular japonesa e sua capacidade de cruzar fronteiras.

O primeiro conto do livro, "A história de Urashima Taro", relata a aventura de um jovem e bondoso pescador que embarca numa doce, mas irreversível, viagem rumo às profundezas do mar; "Chapéus de bambu" mostra que ajudar o próximo sem esperar nada em troca é a melhor forma de ser recompensado pela graça divina; já "A mulher da neve" é uma lenda ao mesmo tempo bela e sombria sobre uma misteriosa mulher que detém o poder da vida e da morte, e mostra a importância de se cumprir a palavra dada a alguém; "O grou" narra a história de um mágico e talentoso pássaro branco salvo da morte por um solitário casal de velhinhos; "A chaleira da sorte" fala da amizade profunda entre o texugo encantado, um funileiro e sua esposa, e mostra que nem tudo na vida é apenas o que parece ser; por fim, "A história de Momotaro" conta a saga de um menino que nasceu de um suculento pêssego com a missão de combater o mal e levar alegria a um pobre lenhador e sua esposa.

No ano em que se celebra o centenário da imigração japonesa no Brasil, Contos populares japoneses presta uma homenagem ao Japão e à riqueza de sua literatura, deixando ao alcance de leitores brasileiros de todas as idades narrativas que constituem a identidade da gente japonesa e refletem sobre temas universais, como honra, amor, generosidade, saudade, gratidão, compromisso e solidariedade. Um passeio pelas mais belas histórias dessa literatura conduzido pelo olhar sensível e a escrita refinada de Adriana Lisboa, em sintonia com as ilustrações cheias de graça e leveza de Janaina Tokitaka capaz de aquecer o coração.

Fonte:
http://www.adrianalisboa.com.br/

Adriana Lisboa (Sinfonia em Branco)



A história de duas irmãs é o fio condutor do novo romance de Adriana Lisboa. O enredo desenvolve-se sem alarde e, através de breves relatos vividos ou imaginados, de descrições que se intercalam entre a vida e a memória, de diálogos e silêncios, o leitor se envolve no mundo de medos e pequenas maravilhas que cerca Maria Inês e Clarice. A infância na fazenda, os amores, a presença marcante do pai, os casamentos, as viagens, os descaminhos, as dolorosas tentativas de entender, tudo se entrelaça numa história carregada de intenso lirismo.

Sinfonia em branco é um romance desenhado a bico-de-pena. Cada frase parece ter sido escrita com a precisão e a delicadeza necessárias à elaboração de um retrato imaginário, no qual se possam reconhecer os traços de vidas miúdas, vividas à sombra. Quase nada acontece e tudo acontece na história das irmãs que vivenciam, cada qual a seu modo, uma experiência que vai marcá-las para sempre. Mesmo seguindo por caminhos diversos, Maria Inês e Clarice irão manter por toda a vida a cumplicidade de quem divide um segredo.



No plano maior da narrativa, alguns personagens de Sinfonia em branco vão construindo seus próprios relatos, fadados a não ter destinatários. Otacília, Afonso Olímpio, Tomás reescrevem, no interior do círculo traçado pela história das duas irmãs, suas histórias particulares. São relatos montados, não a partir do que aconteceu, mas do que poderia ter acontecido. Breves, intensas e silenciosas narrativas do que não foi, do beijo não recebido, da palavra não dita, do gesto interrompido, do gesto não interrompido.

Como no quadro de Whistler que dá título ao livro, Adriana Lisboa elabora uma "poesia da visão", conferindo ao romance uma leveza poucas vezes encontrada na prosa brasileira das últimas décadas. Sem aderir a modismos estéticos de qualquer natureza, a autora vem moldando uma forma própria de escrever, numa prosa marcada pela habilidade de tratar de forma singela e sedutora temas tão complexos como o desejo, a interdição, a culpa. Com seu novo livro, a escritora reforça o que já se podia entrever no primeiro romance, Os fios da memória, tão bem recebido pela crítica: um estilo refinado, que se ergue nos detalhes, nas filigranas, nas rachaduras, poderosas e sutis, do cotidiano.

Fonte:
http://www.adrianalisboa.com.br/

Adriana Lisboa (Aventura)

Chuva de primavera —
Uma criança
Ensina o gato a dançar
.

Issa

No banco de trás do carro, meu filho dorme. Estacionamos em frente ao supermercado. Precisamos comprar para ele uma bola de futebol que não seja de couro, porque as de couro são muito pesadas. Na semana passada, vi no supermercado umas bolas de futebol coloridas. Multicoloridas. Roxo, amarelo, azul, acho que ele vai gostar.

Espero no carro pelo pai, que foi comprar a bola. Abro os vidros das janelas, entreabro as portas e espero. Ligo o rádio baixinho e um solo de oboé sublinha muito discreto o que vejo — as pessoas indo e vindo no estacionamento do supermercado, um azul domingo no céu. Carrinhos de compras cheios. Ouço uma frase num tom mais alto de voz, um tom aborrecido. Ouço uma gargalhada. À minha frente, na parede de pedra, as sombras deixam vazar um polígono de luz que vai sem pressa mudando de lugar.

Chegam os dois: o menino gordinho de camiseta cinza e a mulher que me parece muito jovem para ser mãe dele mas nunca se sabe. Ela sugere que se sentem um pouco para descansar, no muro baixo. Sentam-se. O menino gordinho está muito suado e fica brincando de olhar ao redor sempre com um olho fechado. Os dois sentam-se ali por cinco, dez minutos. Depois a mulher sugere, vamos?, e ele obedece em silêncio, ainda com um olho fechado e uma expressão gozada na boca, um meio-sorriso torto e desleixado.

O solo de oboé há muito já deu lugar a uma grande orquestra. Desligo o rádio e espero pela bola colorida de futebol. No banco de trás do carro, meu filho dorme.

Fonte:
Ruffato, Luiz (org.). 25 mulheres que estão fazendo a nova literatura brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 221.

Adriana Lisboa (1970)



A escritora brasileira Adriana Lisboa nasceu em 25 de abril de 1970 no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte da vida. Morou na França e vive hoje entre o Rio e a cidade de Boulder, Colorado, nos Estados Unidos.

Estudou música e literatura, foi cantora, flautista e professora. Hoje, além de ficcionista, é também tradutora e às vezes poeta.

Publicou os romances Os fios da memória, Sinfonia em branco, Um beijo de colombina e Rakushisha, os minicontos de Caligrafias (todos pela Rocco), a novela O coração às vezes pára de bater (PubliFolha), os recontos de Contos populares japoneses e, para crianças, Língua de trapos (ambos pela Rocco). Integrou diversas antologias de contos no Brasil e no exterior. Seus livros foram publicados também em Portugal, na Itália e na Suécia, e estão sendo traduzidos na França e no México.

Recebeu o Prêmio José Saramago, em Portugal, e, no Brasil, o prêmio de autor revelação da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e o prêmio Moinho Santista (atual Fundação Bunge). Recebeu ainda bolsas de criação e tradução da Fundação Biblioteca Nacional, do Centre National du Livre (França) e da Fundação Japão. Foi selecionada pelo projeto Bogotá 39/Hay Festival, que apontou os 39 mais importantes autores latino-americanos até 39 anos na ocasião da eleição de Bogotá como capital mundial do livro pela Unesco, em 2007.

Entre outros autores, traduziu para o português Cormac McCarthy, Anne Tyler, Amy Bloom, Robert Louis Stevenson e Émile Faguet. É atualmente pesquisadora visitante junto à Universidade do Texas em Austin, mesma posição que manteve em 2007 junto à Universidade do Novo México.

Adriana Lisboa é representada pela Agência Literária Mertin, fundada por Ray-Güde Mertin e atualmente sob direção de Nicole Witt.

Fontes:
http://www.adrianalisboa.com.br/biografia/index.html

Lia Rosa Reuse (Leque de Poesias)


AMANHÃ

Hoje é o amanhã daquilo que era ontem :
realidade dos sonhos mais belos e santos,
a cor e o sabor do mais raro dos vinhos,
momento encantador de uma profunda prece !

Hoje é o amanhã daquilo que era ontem :
fracasso, sofrimento, a maior das saudades,
a desorientação com gosto e cor de sangue,
repentino mergulho na pior das misérias !

Amanhã será hoje dos sonhos presentes :
certamente da vida a mais preciosa tela
onde assobiaremos um claro refrão !

Reencontraremos a via dos tempos todos
na qual sempre estivemos sem portanto ver :
seremos afinal feliz cinza no ar !

Publicado na Antologia de Poemas Religiosos CHANTS D'ÉTOILES (CANTO DE ESTRELAS) de Rádio Aude Maguelone (Carcassonne) e l'Association Poésie Terpsichore (Meulan), Les Presses Littéraires, França, março 1999.
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SENSIBILIDADE

Eis-me aqui aborrecida questionando o infinito
em tudo, estando em casa sem minha família,
tendo ao ouvido só gritos da minha dor,
procurando no mundo ao menos um amigo.

Tendo perdido seres amados de minha vida:
meus pais, amigos e o poeta de um idílio,
sinto-me nesta terra apenas uma ilha
desejando partir para o bom paraíso !

Sumindo cada dia perdida no abandono,
só conservando dos momentos de alegria
uma gatinha preta que me lambe as lágrimas :

dos sonhos de um autor sendo a feliz senhora,
da existência eu espero mergulhada em silêncio
algo sensível, doce, à minh'alma poetisa.

(Publicado na revista n°61 "Mes Sages Poétiques" de Gil Roc laureado da Academia Francesa
Soisy-sous-Montmorency - França - Janeiro 1999)
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MEU VELHO

Brilhava assim o sol
no dia em que partiste
E o céu, azul igual,
ninava borboletas
E flores balançavam,
lentas,
dóceis...
Mas partias...
E de tua rica vida coerente,
sem grandezas vãs,
simples na enorme sensibilidade,
esquecida
por tantos que ensinaras,
ficava, cada instante maior,
no sonho de um jardim,
na história,
nos corações que conquistaras
pelo exemplo,
o pranto da incerteza na saudade.
Partias...
E, enquanto eu chorava
sem consolo,
Tu,
apenas tu,
adormecido no adeus,
nem sei ainda por quê:
Sorrias...
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Platão (Fedro)



Segundo Jorge Paleikat: O “Fedro” é um dos mais célebres e mais sugestivos diálogos de Platão. Já os escritores antigos, como Dionísio de Halicarnasso, assim o consideravam. No século passado [século XIX], um filósofo que era ao mesmo tempo um erudito, Frederico Schleiermacher, considerava “Fedro”, como o resumo da filosofia de Platão.

O mistério do amor fornece a este diálogo a sua intensidade dramática. E a maneira pela qual Platão examina esse tema eterno, faz de “Fedro” não somente uma profunda obra filosófica mas, ainda, uma magnífica obra-prima do pensamento humano.

O “Fedro” prolonga o “Banquete”, acrescentando maior nitidez a algumas questões que foram examinadas neste último diálogo. Dá ao pensamento de Platão maior precisão e desenvolve idéias do mais alto interesse no que se relaciona com o problema da cultura filosófica. É-se tentado a aceitar que o “Fedro” representa, na filosofia de Platão – e talvez mesmo na filosofia da Grécia – aquele “dia feliz de verão”, de que fala Wilamowitz. Resumindo o “Fédon”, o “Banquete” e a “República”, o “Fedro” é um dia radioso no alvorecer da filosofia. Nele se cruzam idéias expostas em outros diálogos, se anunciam, através de um névoa a que o sol dá um brilho particular, outros problemas fundamentais do pensamento humano.

Não se sabe bem quando foi composto este diálogo. Julgam os especialistas que foi redigido por volta do ano de 366 antes de Cristo. Mas, estas minúcias não são de tal importância diante do interesse que o diálogo apresenta por si mesmo.

Os interlocutores deste diálogo são dois: o velho e irônico Sócrates e o “jovem” entusiasta, Fedro. Mais jovem talvez pelo espírito do que propriamente pela idade. Duas outras figuras aparecem no diálogo, mas de uma maneira indireta: Lísias e Isócrates. O primeiro é um logógrafo, uma causídico ou mestre de retórica, meteco que teve uma certa fama em Atenas. Isócrates – amigo de Platão – é o orador grego, dotado de certo espírito filosófico, traço este que falta a Lísias.

Sumariando o diálogo, encontramos, logo de início, Fedro grandemente entusiasmado com um discurso que Lísias pronunciara. Encontrando-se com Sócrates, Fedro convida-o para ouvir o discurso de Lísias. Por amizade a Fedro e também porque é grande admirador de discursos, nos quais encontra sempre um pouco da expressão da alma dos homens, Sócrates acompanha Fedro até fora dos muros da cidade. Estendem-se os dois à sombra frondosa de um plátano e Fedro passa a ler o discurso de Lísias.

A primeira parte do diálogo é ocupada pela leitura do discurso descosido de Lísias. Fala-se aí do amor que é paixão e do amor sensatez. Mas, – Platão aí pôs, imitando talvez os retóricos a quem combatia, – o artificialismo próprio dos discursos dos “logógrafos”, isto é, nos quais não se encontra uma idéia justa, sugestiva e verdadeiramente fecunda, mas onde se podem perceber todas as regras da arte retórica.

Ao terminar a leitura do discurso que tanto o entusiasmara, repara Fedro na expressão irônica de Sócrates. Desafia-o, chega até a ameaçá-lo e obriga-o a retomar o mesmo assunto tratado por Lísias. Sócrates começa confessando que não encontrara, na “obra-prima” de Lísias, as qualidades necessárias a um discurso que fosse, ao mesmo tempo, belo e verdadeiro. Falta à retórica de Lísias inspiração e ele não possuía sabedoria. Sócrates retoma o tema que Lísias tratara e, apelando para as recordações do passado, sobretudo para o que ouvira, de Safo e de Anacreonte, passa a mostrar quais os efeitos do amor que é paixão, o amor que ele, – assim como Lísias havia considerado – crê ser um amor nocivo. Ao terminar o seu discurso, que tem mais brilho mas em que as idéias se assemelham muito às que Lísias utilizou, como que tomado de arrependimento por haver blafesmado contra um deus a quem todos prestam um fervoroso culto, entoa, como Estesícoro, uma palinódia ao Deus Amor, a fim de penitenciar-se. O amor não pode ser apenas uma fonte de maldade e maldições. O amor é também inspirador de ações sublimes. Inspirado pelo seu “demônio”, Sócrates estabelece as diversas formas de delírio que conduzem a ação do homem: o delírio profético, inspirado por Apolo e que se relaciona com os presságios; o delírio purificador, sob a inspiração de Dionísio (=Baco para os latinos) e que se liga aos mistérios da religião; o delírio poético, dádiva das Musas e, enfim, o delírio erótico ou amor filosófico, o mais nobre de todos e que se acha sob o poder de Eros, o deus do Amor. O grande motor das ações humanas é o amor. Ele também impele a cultura.

Toda forma de Delírio vem da alma e é necessário que o homem saiba amar, tendo conhecimento, ao mesmo tempo, da sua alma e da dos outros homens. Dir-se-ia mesmo que é mister que ele saiba amar aprendendo antes a conhecer a almas de todas as cousas. Mas qual é a natureza da alma? Difícil pesquisa essa a que tem procurado dar resposta as diversas psicologias e as mais diferentes sociologias! Ainda aqui para que possa dar uma noção aproximadamente exata do que é a natureza da alma, recorre Platão a uma imagem, ou melhor, a um mito: o do carro alado e seu cocheiro. Nessa imagem resume Platão a luta que a razão trava com a vontade e a concupiscência.

Todas as Almas, as dos deuses assim como as dos mortais, todas tentam alcançar o lugar que está para além do céu e onde residem as Verdades Eternas. As almas dos homens, antes de terem caído neste sepulcro que é o corpo, conseguiram vislumbrar – umas mais de perto, outras de maneira menos precisa – a Pureza, a Justiça, a Sabedoria. Decaíram, corromperam-se, encheram-se de vícios ao se ligarem com o corpo. Guardam todavia uma tênue recordação do que antes contemplaram e tendem, sempre, para aquela perfeição que um dia contemplaram. A existência atual da alma nunca perde de todo o seu contato com a existência supra-empírica.

O mito do carro alado, no qual o cocheiro é a razão e os corcéis a vontade e a concupiscência, é riquíssimo. Longo seria, numa simples introdução, indicar tudo aquilo que ele nos sugere e sobre o que nos leva a meditar. Aliás, a leitura desse trecho do diálogo há de sugerir, por certo, àqueles que são dotados de espírito filosófico, os diversos e profundos sentidos deste mito de Platão. Ver-se-á, nesse “momento” do “Fedro”, qual o pensamento de Platão acerca das relações entre a alma humana e a divindade; qual o destino da alma, condenada à queda, a viver ligada ao corpo, qual o sentido que toma o “idealismo”platônico no que diz respeito à hierarquia das almas…
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Uma inesgotável riqueza de pensamento acumula-se neste mito impregnado de poesia. Um mundo de idéias, que se foi dividindo e engendrando através dos séculos, novas formas de filosofias e de teologias, teve origem nesse momento da filosofia platônica.

A última parte do diálogo é dedicada ao exame de um tema que parece novo. De fato, porém, desde o início esse tema atava marcado. Desde o início do diálogo fala-se do discurso, da qualidade das composições retóricas. O diálogo ocupa-se, assim, na sua última parte, com a retórica. Qual a finalidade dessa arte em que Lísias parece ser o mestre? A sua finalidade consiste, sobretudo, em dirigir as almas e deve ter um sentido, - o da verdade e não o da verossimilhança. Não sendo assim, a retórica não é uma psicagogia mas uma arte tenebrosa, grosseira e condenável que serve apenas para ludibriar. Todos aqueles que, mediante os artifícios do discurso ou as manhas da palavra enganam os homens, lançando-os na confusão do Justo e do Injusto, são vis e medíocres “logógrafos”, reles rábulas que apenas merecem o mais profundo desprezo dos sábios.

Assim, ao ver o velho Sócrates, a retórica verdadeira se reduz à arte do pensamento, à dialética. E esta nada tem de comum com as regras artificiais do h;abeis e espertos mestres de retórica como os Tísias ou os Trasímacos. A condição essencial da verdadeira retórica, da eloqüência é o saber. Não é o miserável ofício de mistificador da palavra, nem a arte sorrateira do falso escritor. O divino poder da direção das almas é o caminho vivo, claro, distinto e harmonioso da Verdade.

Fontes:
Anatoli Oliynik.
http://blog.anatolli.com.br/
Capa do Livro = Editora Martin Claret.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Mário Prata (Filho é Bom, Mas Dura Muito)


— Aproveita agora, porque, depois que o seu filho nascer você nunca mais vai ter sossego na vida. Você nunca mais vai dormir.

— Aproveita agora, que ele ainda não tem cólicas noturnas e ainda mama nas horas certas, porque depois a sua vida se transformará num verdadeiro inferno noturno.

— Aproveita agora, que os dentinhos dele não começaram a nascer e, quando isso acontecer não vai ter Nenedent que acalme nem ele nem você.

— Aproveita agora, enquanto ele não engatinha, porque, quando começar a arrasar a casa e a derrubar cadeiras e bibelôs e lustres e a comer jornal, só vai dar dor de cabeça.

— Aproveita agora, antes que ele comece a andar. Aí acaba o sossego. É o perigo de ele bater a cabeça nas quinas das mesas, cair e meter a boca no chão, puxar panela no fogão. É um transtorno, filho andando. Ele correndo pela casa e você atrás.

— Aproveita agora, enquanto ele ainda não está na fase do "Por quê?", porque depois você não vai conseguir ler nem jornal nem livro e nem ver televisão. E vai ter que explicar sempre o inexplicável.

— Aproveita agora, que ele ainda não sabe ler e pedir o que quiser no restaurante. A única vantagem é você não precisar ficar traduzindo os filmes para ele.

— Aproveita agora, enquanto você programa as férias dele e ele ainda não ouviu falar no Disneyworld, porque você vai ter que pegar filas de duas horas e enfrentar montanhas-russas no escuro.

— Aproveita agora, que ele ainda não é tarado por música, porque, quando ele resolver ouvir "música" na sua casa — com ou sem os amigos —, até os vizinhos mais simpáticos irão reclamar. E não pense que ele vai tocar aquelas músicas do seu tempo, não.

— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na adolescência. Pois, quando entrar, você nunca mais vai ter sossego, nunca mais vai dormir Não se esqueça da íntima relação entre a palavra adolescência e adoecer. Não ele, mas, sim, você.

— Aproveita agora, que ele ainda não está nem fumando maconha e nem acabando com o seu uísque e aquela cervejinha que você tinha certeza que estava na geladeira te esperando do trabalho.

— Aproveita agora, que ele ainda não está andando em más companhias, porque você vai ter que aturar figuras saídas sabe-se lá de onde, com cabelos, brincos e tatuagens que você jamais poderia imaginar um dia conviver.

— Aproveita agora, que ele ainda não tomou nenhuma bomba e você ainda acha que ele é tudo que você sonhou, porque, quando ele repetir de ano, você fará — para você mesmo — a eterna pergunta: "Meu Deus, onde foi que eu errei?".

— Aproveita agora, que ele ainda não decidiu que faculdade cursar porque a escolha dele não vai nunca coincidir com os planos que você fazia para ele, quando ele ainda engatinhava.

— Aproveita agora, que ele ainda não entrou na faculdade, porque, quando entrar, vai pedir um carro para ele ou usar o seu.

— Aproveita agora, que ele ainda avisa quando vai dormir fora de casa, e você pode dormir sossegado e não pensar em ligações desagradáveis para a polícia, o hospital e, o pior de tudo, para o IML.

— Aproveita agora, que ele ainda não se casou, porque, depois, ele nunca mais vai te visitar a não ser para pedir dinheiro emprestado.

— Aproveita agora, enquanto ele ainda não tem filhos, porque, quando tiver, é você quem vai tomar conta deles nos fins de semana. Seu sossego chegará ao fim, logo agora que você se aposentou.

— Aproveita agora, que ele ainda não se separou da primeira esposa, pois, quando isso acontecer, ele virá morar novamente na sua casa.

— Aproveita agora, que ele ainda te ajuda com um dinheirinho, porque a sua aposentadoria não dá para nada, pois a segunda mulher dele vai ser contra a ajuda.

— Aproveita agora, porque ele está pensando em te colocar num asilo de velhinhos.

Fonte:
100 Crônicas de Mário Prata. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. p. 15.

Mário Prata (Impossível não escrever esta clônica)


Eu juro que eu não pretendia escrever sobre o clone. Todo mundo já escreveu. Até o João Paulo II (seria clone do João Paulo I?) já colocou suas manguinhas de fora.

De tudo que li, a que mais me chamou a atenção foi a do sempre bom Luis Fernando Verissimo. Ele levantou (literalmente) no Globo a questão dos nossos ínfimos espermatozóides. Qual será a utilidade deles no futuro, pô? Clona e pronto, pô! Não vão mais existir depósitos de esperma, mas, sim, de células. Da mão do Oscar, da inteligência do Darcy, das pernas da Raia, dos pés do Ronaldinho e assim por diante.

Também não sei por que tanto alarde mundial se, aqui mesmo no Brasil, o Congresso Nacional aprovou (em dois turnos) a reclonagem do nosso simpático presidente.

Depois de ler, estupefato, em todos os jornais brasileiros que os americanos (eles nunca ficam atrás) já fizeram dois macacos clonados. Ou seja, segundo a evolução das espécies do Darwin, estamos quase lá. Se macaco pode, o homo sapiens também, não é Charles?

E no mesmo dia, aqui mesmo no Estadão, leio (ainda estupefato) que o nosso querido Brasil poderá produzir alimentos por clonagem. E prova-se por a mais b que isso já está sendo feito. E os especialistas afirmam que as modificações genéticas tornam plantas mais resistentes a pragas.

E o homem clonado, também será mais resistente à, digamos, Aids? Fica a pergunta. E fazer clones de apenas alguns órgãos, vai poder? Por exemplo: tirar a célula de um olho bom e colocar num cego. Clonar uma perna num paralítico, vai poder? E um novo pênis bem clonado e ornado, quem é que não vai querer? Você poderá até escolher a cor do doador em uma célula penicular.

Mas eu fico pensando no clone do Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que vem vencendo nas pesquisas de clonagens nacionais. Claro que vai nascer um sujeito igual a ele. Mas, para chegar a presidente, ele terá que ser exilado (para isso vamos ter outra revolução de clones militares?), morar no Chile e na França? Encontrará uma mulher tão sábia como a doutora Ruth? Terá os mesmos simpáticos filhos Paulo Henrique, Luciana e Bia? Encontrará um Lula para disputar uma eleição? São dúvidas que eu não sei responder.

E você, como é que agirá com o seu próprio clone? Vai evitar que ele faça as besteiras que você fez quando era criança ou adolescente? O clone do Pelé teria que começar passando fome em Três Corações para virar o Atleta do Século 21? Penso nisto tudo e não sei as respostas.

Como disse o Mateus Shirts, ovelha sempre pareceu tudo igual, não é surpresa nenhuma a Hello Dolly se parecer com ela mesma. Igual clone de japonês. Vai sair tudo igual, sorrindo daquele jeitinho clonado.

Não adianta clonar o Romário. Todos serão baixinhos, andarão daquele jeito e vão querer viajar nas janelas dos aviões. Vai sair briga de foice. Entre eles.

Já o meu querido amigo Eduardo Suplicy já está numa de clones há muitos anos. O Suplicy, podem reparar, não é apenas um. E, no mínimo, três. Numa mesma edição de um jornal, ele aparece em Brasília, São Paulo, Rio e ainda acorda no Pontal. E ainda escreve cartas e artigos para todos os jornais do Brasil. Eu não tenho dúvidas. O Suplicy é clonado. Acho que a Marta, minha companheira numa peça de teatro, também não é apenas uma. No caso dos dois, felizmente, o Brasil agradece.

Fico imaginando o meu clone. Magrinho, dentuço. Não sei ainda como vou chamá-lo. De filhinho, vem cá? Mas cadê o espermatozóide, pô?, perguntaria o Veríssimo. De irmão? Mas meu clone (vamos chamá-lo de Pratinha) não é filho da minha mãe. Como seria a carteira de identidade dele? Nome do pai e da mãe? Teria o meu RG e CIC? Poderia falsificar a minha assinatura? Teria um Antonio e uma Maria? Estaria escrevendo clônicas no Estadão?

Meu Deus, meu Deus, diria o clone do Castro Alves, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes, embuçado nos céus?

Pense bem: Jesus teria sido clone de Deus? Afinal, dizem, foi feito à sua imagem e semelhança. Creio que sim, pois, segundo reza a lenda, ele teria nascido sem o espermatozóide do pai José, mais preocupado em clonagens de marcenaria.

Onde estamos, senhor Deus, que não respondes?

É melhor se clonar de novo que a humanidade está precisando de outro Redentor. Desta vez, a gente não deixa a polícia matar ele, não.

Fonte:
100 crônicas de Mario Prata. São Paulo: Cartaz Editorial, 1997. p.69.

Mário Prata (1946)


Mario Alberto Campos de Morais Prata é natural de Uberaba (MG), onde nasceu no dia 11 de fevereiro de 1946. Foi criado em Lins, interior de São Paulo. Com 10 anos de idade já escrevia "numa velha Remington no laboratório de meu pai (...) crônicas horríveis, geralmente pregando a liberdade e duvidando da existência de Deus". Nesse período de sua vida era o redator do jornalzinho de sua classe na escola. Sendo vizinho de frente do jornal A Gazeta de Lins, com 14 anos começou a escrever a coluna social com o pseudônimo de Franco Abbiazzi. Passou, com o tempo, a fazer de tudo no jornal, desde editoriais a reportagens esportivas e artigos de peso. O escritor Sérgio Antunes, seu amigo nessa época, disse que Mário era um molecote de "voz de taquara rachada e aparelho nos dentes ".

Além de escrever Mário se dedicava ao tênis e, defendendo o Clube Atlético Linense, acabou sendo o campeão noroestino infantil na década de 60. Lia tudo o que lhe caia nas mãos, em especial as famosas revistas da época "O Cruzeiro" e "Manchete", que traziam em suas páginas os melhores cronistas da época como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Rubem Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta, uma vez que em Lins, naquela época, "não chegavam os grandes clássicos", como disse o autor. Daí a forte influência que os citados cronistas tiveram em seu estilo.

Aos 16 anos recebe um convite de Roberto Filipelli, que foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com ele o "Jornal do Lar ". Samuel Wainer, vislumbrando seu grande talento, levou-o, nessa época, para escrever no jornal "Última Hora". Mário comenta: "Meus pais chamavam aquilo que eu escrevia de bobageiras e me previam um péssimo futuro. Medicina, Engenharia, Direito ou Banco do Brasil (eles queriam). E nada de estudar filosofia ou letras: coisa de veado". O autor acabou trabalhando 8 anos no Banco do Brasil, a exemplo de Jaguar e Stanislaw Ponte Preta — dentre outros, como auxiliar de escrita.

Na década de 60, em plena revolução, inicia o curso de Economia na U.S.P. Desse tempo relembra: "a gente se orgulhava: a gente era comunista! (...) um dia o DOPS chegou lá e levou a gente. Todo mundo preso, orgulhoso ". Apesar da opinião contrária dos familiares e dos amigos, e movido pela vontade cada vez maior de ser escritor, resolveu pedir demissão do Banco do Brasil e abandonar a faculdade de Economia.

A partir de então vem obtendo sucesso com inúmeros livros, novelas, peças, roteiros, etc., tendo sido agraciado com diversos prêmios nacionais e internacionais.

Sua estadia em Portugal, onde morou por 2 anos, deu origem a um de seus grandes sucessos no Brasil, o livro Schifaizfavoire — um tipo de dicionário do português falado pelos portugueses. Lá, nesse período, realizou diversos trabalhos para a RTP (Rádio e Televisão Portuguesa). Atualmente mora em São Paulo e diz que gosta de escrever de manhã e "careta", uma herança adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil.

Escreveu, semanalmente, na revista "Época" e no jornal "O Estado de São Paulo" por vários anos.

LITERATURA ADULTA

O MORTO QUE MORREU DE RIR - 1969
PRETO NO BRANCO - 1978, coletânea de contos cariocas, com vários autores.
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1980
CONTOS PIRANDELLIANOS - 1984, com vários autores.
RITOS DA INFÂNCIA - 1985, texto de vários autores,
BESAME MUCHO -1987, texto da peça e do roteiro cinematográfico, em parceria com Ramalho Jr.
SCHIFAIZFAVOIRE, DICIONÁRIO DE PORTUGUÊS - 1993
JAMES LINS, O PLAYBOY QUE NÃO DEU CERTO - 1994
FILHO É BOM, MAS DURA MUITO, 1995
MAS SERÁ O BENEDITO?, 1996
O DIÁRIO DE UM MAGRO, 1997
100 CRÔNICAS, 1997, crônicas
MINHAS VIDAS PASSADAS (A LIMPO),1998
MINHAS MULHERES E MEUS HOMENS, 1999
OS ANJOS DE BADARÓ, 2000
MINHAS TUDO, 2001
BUSCANDO O SEU MINDINHO, 2002
PALMEIRAS: UM CASO DE AMOR, 2002
DIÁRIO DE UM MAGRO 2 - A VOLTA AO SPA
CEM MELHORES CRÔNICAS, 2007

LITERATURA INFANTO-JUVENIL

CHAPEUZINHO VERMELHO DE RAIVA - 1970
O HOMEM QUE SOLTAVA PUM - 1983
SEXTA-FEIRA, DE NOITE - 1984
A VIAGEM DE MEMOH - 1987
AS MENINAS DE VINTE ANOS - 1989
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? 1989
QUADRILHA - 1990
LOVE STORY - 1990
TA ME OUVINDO, FREI VICENTE? - 1990
VESTIBULANDO - 1990
Nota: os seis últimos títulos fazem parte dos seis volumes da coleção QUEM CONTA UM CONTO, organizada por Samir Meserani, adotada em várias escolas públicas e privadas no Brasil.

TELEVISÃO

BANG BANG - 1989, projeto de novela
ELA TEM UMA PULGA ATRÁS DA ORELHA - 1974, Caso Verdade. Rede Globo.
ESTÚPIDO CUPIDO - 1976, novela, Rede Globo
SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO - 1978, novela, Rede Globo
XICO REY - 1978, minissérie em 13 capítulos para o Canal 1, ARD da Alemanha Ocidental
DINHEIRO VIVO - 1979, novela, Rede Tupi
O RESTO É SILÊNCIO - 1981, tele-romance, baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O VENTO DO MAR ABERTO - 1981, tele-romance baseado em Geraldo Santos, TV Cultura.
MÚSICA AO LONGE - 1982, tele-romance baseado em Érico Veríssimo, TV Cultura.
O HOMEM DO DISCO VOADOR - 1983, Caso Verdade, Rede Globo
DEVOLVAM MEU FILHO - 1983, Caso Verdade, Rede Globo
AVENIDA PAULISTA - 1983, minissérie em 20 capítulos. Rede Globo.
A MÁFIA NO BRASIL - 1984, minissérie em 20 capítulos com vários co-autores, Rede Globo
UM SONHO A MAIS - 1986, novela em co-autoria com Lauro César Muniz e Dagomir Marquesi, Rede Globo
HELENA - 1987, novela em co-autoria com Dagomir Marquesi e Reinaldo Moraes, Rede Manchete. Exibida em Portugal e Alemanha Ocidental
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPOMUCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, minissérie em cinco capítulos, baseada no romance do caboverdeano Germano Almeida, para a televisão portuguesa.
HOTEL EUROPA - 1991, projeto de seriado para Herman José, em Portugal.
VIVA A VIDA - 1991/2, assessoria de teledramaturgia para programa da RTP Internacional, de Portugal, para os Palop.
UM SÉCULO E SETE MULHERES - 1992, inspirada na "Trilogia do Café" de Álvaro Guerra, em 13 capítulos, para a RTP, de Portugal.
O CAMPEÃO, 1996, novela para a Rede Bandeirantes, produzida pela TVPlus.
BANG BANG - 2005, novela para a TV Globo.

TEATRO

O CORDÃO UMBILICAL - 1970
E SE A GENTE GANHAR A GUERRA? - 1971, em São Paulo
FÁBRICA DE CHOCOLATES - 1979, em São Paulo
DONA BEJA - 1980, em Belo Horizonte
BESAME MUCHO - 1982
SALTO ALTO - 1983
PURGATÓRIO, UMA COMÉDIA DIVINA - 1984
PAPAI & MAMÃE, CONVERSANDO SOBRE SEXO - Em parceria com Marta Suplicy em 1984
O CAMINHO DA ROÇA - 1990, inédita.
PILATOS: VIDA E OBRA - 1991, adaptação livre do livro homônimo de Carlos Heitor Cony. Inédita.
EU FALO O QUE ELAS QUEREM OUVIR - 2001

CINEMA

O JOGO DA VIDA E DA MORTE - 1971, diálogos
XICO REY - 1978
BESAME MUCHO - 1987
BANANA SPLIT - 1987, roteiro
O BEIJO 2348/72 - 1987
O TESTAMENTO DO SENHOR NAPUMOCENO DA SILVA ARAÚJO - 1991, baseado no romance do caboverdiano Germano Almeida, para a Opus Filmes de Portugal

JORNALISMO

A GAZETA DE LINS (colunista social, aos 14 anos; redator; editor)
ULTIMA HORA (repórter, redator, editor do UH Revista, com Samuel Wainer)
FOLHA DE S. PAULO (colaborador, cronista, repórter)
O PASQUIM (colaborador entre 72 e 73)
ISTOÉ (resenhista de literatura)
AQUI, SÃO PAULO (colaborador)
JORNAL DA TARDE, cronista, articulista, contista.
O ESTADO DE S. PAULO, cronista, articulista e autor da minissérie "James Lins", publicada em capítulos, entre novembro de 93 e fevereiro de 94)
PLAYBOY, HOMEM, LUI, STATUS, SAQUE, AZ, ÍCARO, CRIATIVA, PLACAR, MOTORSHOW, CAROS AMIGOS (artigos e contos).
ÉPOCA (cronista)

VÍDEO-FICÇÃO

ASSALTO -1987
E O ZÉ REINALDO, CONTINUA NADANDO? -1989. Exibido em Cuba, Nova Iorque, Milão, Amsterdã, Paris.
OS DOIS. 1990
SEXTA-FEIRA, DE NOITE. 1994

Fontes:
http://www.releituras.com/
Imagem = http://veja.abril.com.br/