terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Antonio Ozaí da Silva (Feliz Ano Velho… e Novo!)


Talvez o tempo seja como Saturno, o deus da mitologia romana representado por Goya, que devora seus próprios filhos.

O tempo é aquele que engendra, o pai absoluto que traz à existência para depois destruir sua prole”. (Jorge Coli)

Matamos o tempo; o tempo nos enterra”, sentenciou Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas. O tempo passa, o tempo nos mata. Como afirmou o poeta, “O tempo não pára”. Mas o ser humano, em sua sabedoria quase divina, considerou mais apropriado convencionar que, em certos períodos do ciclo da vida, o tempo passado, passou. C’ est fini! Recomeça um novo tempo, o novo ano.

O calendário é uma invenção humana. Não obstante, em especial neste período, agimos como se o tempo fosse naturalmente seccionado em dias, meses, anos… Fez-se noite, fez-se o dia e os instrumentos para contá-los. O tempo, contado e calculado, surge, então, como obra da natureza ou de uma entidade sobrenatural.

Terminamos por aceitar apenas em parte que “o tempo não pára”. Sim, sabemos que o tempo nos consome, mas é precisamente por sabe-lo que precisamos estabelecer uma pausa e considerar que uma era terminou (o ano velho) e recomeçou outra (o ano novo). Precisamos acreditar. Alimentamos a ilusão do eterno recomeço – até que a morte nos alcance.

É esta necessidade que nos impele a romper os diques da razão e a dar vazão aos sentimentos, emoções e tudo o que significa comemorar o ANO NOVO. Ainda que a razão nos grite que o tempo segue inexoravelmente a sua marcha, agimos e sentimos como se realmente iniciássemos um novo período em nossas vidas. Muitas vezes, procedemos até mesmo como se enterrassemos o “eu” pertinente ao “ano velho”, como se este fosse “outro eu” e não aquele que somos na embriaguez da festança. E por vários dias, mesmo após a ressaca, sinceramente acreditamos que estamos numa nova fase da vida. Depois, a rotina enfraquece esta sensação e então o ano se torna longo e cansativo. Torna-se velho antes que termine. E, em nosso cansaço, ansiamos por mais um ano novo. E tudo se repete…

Porém, em qualquer tempo, o “outro eu”, que gostaríamos de abandonar no “ano passado”, teima em se fazer presente neste ano. Ainda que não queiramos, também somos o resultado do passar do tempo. Não podemos esquecer a nós mesmos no tempo que passou, como se o anúncio do novo ano representasse uma espécie de acerto de contas.

Mesmo assim, fazemos planos. Transmitimos nosso desejo aos amigos e aos que amamos e, especialmente a nós mesmos, que neste ano tudo será diferente. Desfazemos-nos de determinados objetos, procuramos dar termo às pendências e limpamos as gavetas, as reais e simbólicas. E ainda que tenhamos que carregar as dívidas, nos prometemos, e aos outros, que terão um tratamento diferenciado e que, neste ano, nos livraremos delas.

Fazemos vistas grossa à dialética da vida. Teimamos em cindir o tempo passado e presente e idealizamos o “ano novo” como o início de um tempo capaz de realizarmos o “eu” que almejamos. Na busca de forças para resistir às agruras que a realidade impõe, necessitamos ardentemente da sensação, ainda que por breve momento, de que superamos as misérias do tempo que passou. Mas estas nos perseguem e impregnam o nosso ser, o nosso tempo. Elas permanecem à espreita e se introduzem em nossas vidas a despeito dos nossos desejos e felicitações mútuas de um FELIZ ANO NOVO! As rupturas não ocorrem apenas pela vontade idealista e formalidades próprias desta fase. A nova realidade contém a velha…

Contudo, nos lixamos para a dialética. É uma necessidade psicológica. Precisamos, ao menos, atenuar o sofrimento. São trincheiras mentais que nos ajudam a suportar a realidade. Construímos esta noção do tempo como um anteparo à angustia do viver. É-nos difícil admitir que o “ano novo” indica apenas que o ciclo da vida se aproxima do seu desfecho. A natureza tem o seu tempo, e este, este sim, não pára. Ele passa e nos enterra…

Feliz Ano Velho… e Novo!

Fonte:
Colaboração do Autor. Disponível em Blog da Revista Espaço Acadêmico. http://espacoacademico.wordpress.com/
– Imagem = http://blog.ambientebrasil.com.br/

Delasnieve Daspet (Para onde vai o sol quando anoitece? )


Para onde vai o sol quando a noite cai?
Para onde vai o sorriso,
O brilho do olhar,
Onde ficam os sonhos,
Quando o coração não bate mais?!

Nada tem explicação
Perante tamanha dor,
Ninguém, - nada - ocupa o lugar vazio!

Vou deixar que o vento
Varra as palavras.
Que o amanhecer chegue ao meu olhar.
Vou pedir que a chuva miúda
De braços dados com a brisa úmida,
Traga o sol entre-nuvens,
Alegrando os sonhos que restam,
Na tristeza que não arrefece!

Mas almas não envelhecem.
Nos veremos novamente.
Mas - me digam,
Para onde vai o sol quando anoitece?

Onde te escondes ó sol,
Quando chega a noite,
Senhora de meus medos,
De meus lamentos?

Para onde vais ó sol,
Quando a noite chega,
Na brilho rápido da estrela cadente,
De um poema triste?

Noite negra de tristezas,
Negra noite de marés,
Negra, nua noite,
Onde vai o sol quando tu chegas?

Já não há vida.
Onde vai a energia,
Quando o norte me conduz à noite,
Ao fim da linha,
Onde vais ó sol,
Quando a noite chega
------------
Fonte:
Colaboração da Autora.

José Feldman (Publicação Virtual do Santuário de Trovas - vol.2)



O Livro Santuário de Trovas - vol.2, organizado por José Feldman já se encontra disponível no site http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/Home, ao fim da página.
Possui cerca de 13 mb.
São trovas em imagens.
Pode ser feito o download ou simplesmente visualiza-lo.
Na mesma página, encontra-se o volume 1.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Trova 101 - Therezinha Dieguez Brisola (São Paulo/SP)

Instituto Memória (Curitiba/PR)


"A modernidade produziu um mundo menor do que a humanidade. Sobram milhões de pessoas, mas o conhecimento é a grande estratégia de inclusão e integração. E o livro é a grande ferramenta do conhecimento.
A palavra escrita não apenas permanece, ela floresce e frutifica
."

O Instituto Memória surgiu em março de 2003 como Projeto incubado pelo programa Rede Solidária da CNBB em parceria com a PUC-PR e a Santa Casa (Aliança Saúde), em Curitiba-PR.

Foi idealizado pelo pesquisador Anthony Leahy, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, da Academia de Cultura de Curitiba e da Academia Brasileira de Arte, Cultura e História, Medalha de Mérito Cultural 2007 da Câmara Municipal de Curitiba, Comenda Rui Barbosa (2007 - SP) e Comenda Dom Pedro I (2008 - SP). É autor de livros, já foi livreiro e desde 2003 atua como editor de livros e revistas.

Palestrante atuante sobre a formação da identidade Brasileira onde defende a cultura regional e a diversidade cultural nacional.

Desde a sua fundação, o Instituto Memória teve como proposta atuar como Editora especializada em Pesquisa Histórica e Projetos Culturais focados no resgate e convalidação da cultura histórica regional, defendendo a alteridade como forma de consolidação da identidade nacional, e a democratização do saber histórico como estratégia para a formação de uma cidadania plena e consciente do papel de cada indivíduo como agente construtor da sociedade.

"Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe -- que faz a palma,
É chuva -- que faz o mar."
Castro Alves

Paradigmas

I - Acreditamos que a integração entre povos se constrói de forma ética e solidária a partir da democratização cultural como forma de fortalecer e enriquecer a própria humanidade. Somente a cultura permite quebrar preconceitos e superar barreiras ideológicas, posicionando o ser humano como ponto de partida e chegada de todos os esforços da humanidade;

II - Enxergamos que a dialogicidade que o livro estabelece, entre as diferentes culturas, permite a superação dos limites impostos pela geografia e pelas normas, viabilizando que a integração entre os povos se faça de forma ética e sustentável, formando indivíduos reflexivos e autônomos, comprometidos com os valores que lhes permitam alcançar seus objetivos sem ferir os valores do outro;

III - Defendemos que somente a cultura legitimiza a civilização, distanciando-nos dos outros animais, libertando-nos do eterno agora dos instintos e dos limites impostos pelo meio-ambiente. Portanto, ao democratizar o saber e a cultura, promovemos a própria humanidade e civilização;

IV – Sustentamos que os países são tão mais fortes e ricos, quanto mais cultos são os seus cidadãos, entendendo que investir em ações que promovem o livro é contribuir para a construção de um mundo mais justo;

V - Em um mundo que corre a passos largos para a empobrecedora e reducionista padronização cultural, lutamos pela cultura regional enquanto elemento identificador da nossa própria identidade. Afinal, defendendo as identidades regionais que promoveremos a rica diversidade cultural nacional que nos caracteriza enquanto povo e país;

VI - Por isto, o Instituto Memória Editora e Projetos Culturais concentrará seus esforços na publicação de livros regionais e numa distribuição nacional mais efetiva, gerando e promovendo integração com respeito às diferenças;

VII – Para o Instituto Memória, cada autor é considerado como o capital estratégico essencial, pois sem autor não existem livrarias e editoras, mas o autor existirá sempre.

Rua Deputado Mário de Barros, 1700, Cj. 412 - Centro Cívico, Curitiba - Paraná, CEP 80530-280, (41) 3352-3661

Fonte:
http://www.institutomemoria.com.br/

Instituto Memória (Notícias)


Instituto Memória lança revista literária Raízes Regionais

Com tiragem de 5.000 exemplares e distribuição gratuita e dirigida em todo território nacional, primordialmente aos Institutos Históricos e Academias de Letras, a revista apresenta resenhas dos livros lançados pelo Instituto Memória, crítica literária, entrevistas e artigos sobre cultura e literatura.

Neste Número você encontra entrevista com José Carlos Veiga Lopes (presidente da Academia Paranaense de Letras), com Ernani Straube (presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná), com João Ruggieri (da Academia de Cultura de Curitiba); depoimento do Oscar "mão santa" do basquete; artigo sobre ex libris de Carlos Brantes, os artigos "Livro é Caro?", "Por que Cultura Regional?", "Museu de Arte Popular Brasileira", "História e Identidade", além da polêmica entrevista com o Desembargador Adauto Suannes, "Um Desembargador sem Medo de Justiça".
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Lançamento do livro "A Mulher na Guerra dos Farrapos", de Elma Sant'Ana

O Instituto Memória Editora e o Instituto Anita Garibaldi promoveram o lançamento do livro "A Mulher na Guerra dos Farrapos", da pesquisadora Elma Sant''Ana, em homenagem aos 160 anos da morte de Anita Garibaldi. O evento realizado no dia 4 de agosto, às 18h, no Solar dos Câmara, na Assembléia Legislativa do Estado do RS, em Porto Alegre.

Leia, a seguir, um trecho escrito pela autora da obra.

Falamos muito da coragem do homem do Rio Grande do Sul, mas está na hora de destacarmos a coragem da nossa mulher que raramente despia o luto. No tempo dos Farroupilhas, a favor ou contra os farrapos, todas lutaram nesta geurra: desde as que estavam mais próximas - as chinas - , às mais distantes - as estanceiras. E há mulheres que inspiraram o amor de um homem e uma revolução: Seu nome é Ana Maria de Jesus Ribeiro, a catarinense, filha de paranaense, transformada em Anita por Giuseppe Garibaldi. É reverenciada no Brasil e na Itália.

"A Heroína de dois Mundos" teve seu ingresso no Panteão da Pátria e da Liberdade, em Brasília, no dia 4 de agosto de 2009, por ocasião do aniversário de 160 anos da morte desta catarinense que lutou gloriosamente na América pela causa da liberdade, ombreando lado a lado com os homens gaúchos, na Guerra dos Farrapos.

E como Domingos José de Almeida, grande líder farroupilha diria mais tarde: "As senhoras rio-grandenses aos seus compatriotas excedem muito, em virtudes morais e cívicas."

Este livro pretende resgatar a história destas mulheres, fazendo justiça!

Elma Sant''Ana
Presidente do Instituto Anita Garibaldi
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Instituto Memória lança o programa Raízes Regionais.

Em homenagem ao "Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor" , o Instituto Memória lançou programa "Raízes Regionais" de incentivo à publicação de livros regionalistas.

"A instituição do Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, pela Unesco, internacionalizou uma antiga tradição da Catalunha, onde, em 23 de abril, comemora-se o Dia de São Jorge – padroeiro daquela província espanhola – e recorda-se o falecimento do escritor Miguel de Cervantes – 23 de abril de 1616. Neste dia, de acordo com o costume catalão, os livreiros entregam uma rosa com cada livro vendido e tornou-se tradição presentear livros e rosas. O lema é: Uma rosa por São Jorge, um livro por Cervantes. A partir de 1995, a Unesco estendeu sua homenagem ao escritor inglês William Shakespeare, também falecido em 23 de abril de 1616, e passou a estimular iniciativas em prol do livro e da leitura nesta data. Atualmente, autores, editores, professores, livreiros, meios de comunicação e bibliotecas, entre outros profissionais e entidades, mobilizam-se, em todo o mundo, para que o livro esteja na pauta do dia".

Sempre na luta pela valorização das identidades regionais brasileira como forma de fortalecer a diversidade cultural nacional, estamos apresentando o PROGRAMA RAÍZES REGIONAIS possibilitando que o Autor, a Cultura e a História Regional tenham Vez e Voz! Se podemos ser muitos por que sermos um só? Uniformizar é reduzir, é empobrecer. Uniformizar é promover a eugenia cultural e tirar a alma do povo brasileiro.

Assim para lançar um livro sobre cultura e/ou história regional, basta o autor submeter a sua obra à análise do nosso Conselho Editorial e, se aprovada, o autor paga uma taxa e tem a sua obra publicada, recebendo 20 exemplares do livro, além direitos autorais pertinentes. Os demais exemplares são distribuídos pelas livrarias nacionais. E os autores poderão adquirir mais exemplares de sua obra, diretamente na editora, a qualquer época com 40% de desconto sobre o valor de comercialização (valor de capa).

O livro deve ter até 200 páginas em formato A5 e a taxa, que é de R$ 2.000,00, cobre os custos básicos de edição, custando menos para o autor do que ele pagaria por uma diagramação/projeto de capa/revisão/catalogação da obra se fosse fazer por conta própria, que é o que faz a maioria dos autores de Cultura Regional, que além destes custo ainda tem que arcar com a impressão de 1.000 exemplares. Além do que, por não trabalharem com distribuição e não emitirem Nota Fiscal, a maioria dos exemplares termina em caixas jogadas pela casa, sem atingir à sociedade e decepcionando o autor que chega a ficar envergonhado com a situação.

E se a obra for apresentada por uma Academia/Centro de Letras ou Instituto Histórico não passará nem pelo conselho editorial, pois já entra como aprovada/chancelada.

Tradição e Modernidade! Raízes e frutos! Quanto mais profunda e firmes forem as raízes, mais saudáveis e fortes serão os frutos. Como já foi dito, na beleza dos frutos existe o trabalho silencioso das raízes.

Sempre existirá o livro, mesmo que não exista o editor e a livraria. Mas se não existir o autor, não existirá o livro, nem as livrarias, as editoras e, principalmente, a nossa identidade... nossa alma enquanto povo e nação " .
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Instituto Memória recebe prêmio de editora destaque 2008

O Instituto Memória Editora recebeu a Medalha de Mérito Cultural como EDITORA DESTAQUE 2008 pela ACADEMIA BRASILEIRA DE ARTE, CULTURA E HISTÓRIA, em função do seu trabalho no resgate e valorização da cultura regional brasileira. Anthony Leahy, enquanto editor, recebeu a Medalha de Reconhecimento Social e Cultural, da CÂMARA BRASILEIRA DE CULTURA.
"Aqui a cultura regional brasileira sempre terá Vez e Voz!"
Anthony Leahy - Editor - Instituto Memória

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Fonte:
Instituto Memória. http://www.institutomemoria.com.br/

Tobias Barreto (Poesias Avulsas)

Pintura de J.P. Martins Barata
Que Mimo

Tu és morena e sublime,
Como a hora do sol posto.
E, no crepúsculo eterno
Que te envolve o lindo rosto,
O céu desfolha canduras
De alvoradas e jasmins,
E passam roçando n´alma
As asas dos querubins...

Teu corpo que tem o cheiro
De cem capelas de rosas,
Que t´enche a roupa de quebros,
De ondulações graciosas,
Teu corpo derrama essências
Como uma campina em flor:
Beijá-lo!... fôra loucura;
Gozá-lo!... morrer de amor...

O Gênio da Humanidade

Sou eu quem assiste às lutas,
Que dentro d´alma se dão,
Quem sonda todas as grutas
Profundas do coração:
Quis ver dos céus o segredo;
Rebelde, sobre um rochedo
Cravado, fui Prometeu;
Tive sede do infinito,
Gênio, feliz ou maldito,
A Humanidade sou eu.

Ergo o braço, aceno aos ares,
E o céu se azulando vai;
Estendo a mão sobre os mares,
E os mares dizem: passai!...
Satisfazendo ao anelo
Do bom, do grande e do belo,
Todas as formas tomei:
Com Homero fui poeta,
Com Isaías profeta,
Com Alexandre fui rei.

Ouvi-me: venho de longe,
Sou guerreiro e sou pastor;
As minhas barbas de monge
Têm seis mil anos de dor:
Entrei por todas as portas
Das grandes cidades mortas,
Aos bafos do meu corcel,
E ainda sinto os ressábios
Dos beijos que dei nos lábios
Da prostituta Babel.

E vi Pentapólis nua,
Que não corava de mim,
Dizendo ao sol: eu sou tua,
Beija-me... Queima-me assim!
E dentro havia risadas
De cinco irmãs abraçadas
Em voluptuoso furor...
Ânsias de febre e loucura,
Chiando em polpas de alvura,
Lábios em brasas de amor!...

Travei-me em lutas imensas,
Por vezes, cansado e nu,
Gritei ao céu: em que pensas?
Ao mar: de que choras tu?
Caminho... e tudo que faço
Derramo sobre o regaço
Da história, que é minha irmã:
Chamem-me Byron ou Goethe,
Na fronte do meu ginete
Brilha a estrela da manhã.

E no meu canto solene
Vibra a ira do Senhor:
Na vida, nesse perene
Crepúsculo interior,
O ímpio diz: anoitece!
O justo diz: amanhece!
Vão ambos na sua fé...
E às tempestades que abalam
As crenças d´alma, que estalam,
Só eu resisto de pé!...

De Deus ao imenso ouvido
A Humanidade é um tropel,
E a natureza um ruído
Das abelhas com seu mel,
Das flores com seu orvalho,
Dos moços com seu trabalho
De santa e nobre ambição,
De pensamentos que voam,
De gritos d´alma, que ecoam
No fundo do coração!...

A Escravidão

Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.

Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!...
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Amar

Amar é fazer o ninho,
Que duas almas contém,
Ter medo de estar sozinho,
Dizer com lágrimas: vem,
Flor, querida, noiva, esposa...
Cabemos na mesma lousa...
Julieta, eu seu Romeu:
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! onde estamos?
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos
Que a terra mesma não tem;
Chegamos loucos, perdidos
Onde não chega ninguém...
E, ao pé de correntes calmas,
Que espelham virentes palmas,
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria,
Ver uma corça bravia,
Pasmada olhando pra ti!
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Tobias Barreto (1839 – 1889)



Tobias Barreto de Meneses (Vila de Campos do Rio Real, 7 de junho de 1839 — Sergipe, 26 de junho de 1889) foi um filósofo, poeta, crítico e jurista brasileiro e fervoroso integrante da Escola do Recife (movimento filosófico de grande força calcado no monismo e evolucionismo europeu). Foi o fundador do condoreirismo brasileiro e patrono da cadeira 38 da Academia Brasileira de Letras.

Aprendeu as primeiras letras com o professor Manuel Joaquim de Oliveira Campos. Estudou latim com o padre Domingos Quirino, dedicando-se com tal aproveitamento que, em breve, iria ensinar a matéria em Itabaiana, onde também dedicou-se à música, sendo cantor e flautista da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição (nome atual).

Em 1861 seguiu para a Bahia com a intenção de freqüentar um seminário mas, sem vocação firme, desistiu de imediato. Sem ter prestado exames preparatórios voltou à sua vila donde sairá com destino a Pernambuco. Em 1854 e 1865 o jovem Tobias, para sobreviver, deu aulas particulares de diversas matérias. Na ocasião prestou concurso para a cadeira de latim no Ginásio Pernambucano, sem conseguir, contudo, a desejada nomeação.

Em 1867 disputou a vaga de Filosofia no referido estabelecimento. Venceu o prélio em primeiro lugar, mas é preterido mais uma vez por outro candidato.

Para ocupar o tempo entrega-se com afinco à leitura dos evolucionistas estrangeiros, sobretudo o alemão Ernest Haeckel que se tornaria um dos mais famosos cientistas da época com seus livros "Os Enigmas do Universo" e "As Maravilhas da Vida".

No campo das produções poéticas passou Tobias a competir com o poeta baiano Antônio de Castro Alves, a quem superava, contudo, no lastro cultural.

O fato de ser mestiço prejudicou-lhe a vida amorosa numa época cheia de preconceitos, conforme testemunho de Sílvio Romero.

Na oratória Tobias se revelava um mestre, qualquer que fosse o tema escolhido para debate. O estudo da Filosofia empolgava o sergipano que nos jornais universitários publicou "Tomás de Aquino", "Teologia e Teodicéia não são ciências", "Jules Simon", etc.

Ainda antes de concluir o curso de Direito casou-se com a filha de um coronel do interior, proprietário de engenhos no município de Escada.

Eleito para a Assembléia Provincial não conseguiu progredir na política local.

Dedicou vários anos a aprofundar-se no estudo do alemão, para poder ler no original alguns dos ensaístas germânicos, à frente deles Ernest Haeckel e Ludwig Büchner". Conta Hermes Lima, em sua magnífica biografia de Tobias, que ele "para irritar o burguês, com uma nota mais ostensiva de superioridade, abria freqüentemente seu luminoso leque de pavão: o germanismo". Foi em alemão que Tobias redigiu o "Deutscher Kampfer" (O lutador alemão). Mais tarde sairiam de sua pena os "Estudos Alemães".

A residência em Escada durou cerca de dez anos. Ao voltar ao Recife, aos escassos proventos que recebia juntaram-se os problemas de saúde que acabaram por impedí-lo de sair de casa.

Tentou uma viagem à Europa para restabelecer-se fisicamente. Faltavam-lhe os recursos financeiros para isso. Em Recife abriram-se subscrições para ajudá-lo a custear-lhe as despesas.

Em 1889 estava praticamente desesperado. Uma semana antes de morrer enviou uma carta a Sílvio Romero solicitando, angustiosamente, que lhe enviasse o dinheiro das contribuições que haviam sido feitas até 19 de junho daquele ano. Sete dias mais tarde falecia, hospedado na casa de um amigo.

A obra de Tobias é de significativo valor, levando em conta que o professor sergipano não chegou a conhecer a capital do Império.

Suas "Obras Completas", editadas pelo Instituto Nacional do Livro, incluem os seguintes títulos: "Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica", 1875. "Brasilien, wie es ist", 1876. "Ensaio de pré-história da literatura alemã". "Filosofia e Crítica". "Estudos Alemães", 1879. "Dias e Noites", 1881. "Polêmicas", 1901. "Discursos", 1887. "Menores e Loucos", 1884.

Hermes Lima, ao comentar o refúgio de Tobias Barreto em Escada, esclareceu: "Em Escada, além de publicar o "Fundamento do Direito de Punir", erige o germanismo em caminho de cultura. É onde aprofunda seu Haeckel, onde elabora sua posição filosófica, onde traça as coordenadas da revolução espiritual que viria a deflagrar-se no país". Em 1882, Barreto foi selecionado, por meio de concurso público, para uma cátedra na Faculdade de Direito do Recife. Hoje, em sua homenagem, a Faculdade de Direito do Recife é carinhosamente chamada de "A Casa de Tobias".

Germanismo

Inicialmente influenciado pelo espiritualismo francês, passa para o naturalismo de Haeckel e Noiré em 1869 com o artigo Sobre a religião natural de Jules Simon. Em 1870, Tobias Barreto, passa a defender o germanismo contra o predomínio da cultura francesa no Brasil. Nesta época começa, autodidaticamente, a estudar a língua alemã e alguns de seus autores tomando como objetivo reformar as idéias filosóficas, políticas e literárias influenciado pelos alemães.

Fundou na cidade de Escada, próxima ao Recife, onde morou por 10 anos, o periódico Deutscher Kämpfer (em português, Lutador Alemão) que teve pouca repercussão e existência curta.

Tobias Barreto escreveu ainda Estudos Alemães, importante trabalho para a difusão de suas idéias germanistas, mas que foi duramente criticado por se tratar apenas, segundo alguns, da paráfrase de autores alemães.

Ele também iniciou o movimento condoreirismo hugoano na poesia brasileira.

Obras

Filosofia
Suas obras completas publicadas pelo Instituto Nacional do Livro:
Ensaios e estudos de filosofia e crítica (1975)
Brasilien, wie es ist (1876)
Ensaio de pré-história da literatura alemã, Filosofia e crítica, Estudos alemães (1879)
Dias e Noites (1881)
Menores e loucos (1884)
Discursos (1887)
Polêmicas (1901)
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Poesia
Que Mimo (1874)
O Gênio da Humanidade (1866)
A Escravidão (1868)
Amar (1866)
Glosa (1864)

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://www.wagnerlemos.com.br

Maciel Monteiro (Poesias Escolhidas)


UM SONHO
Ao embarque e partida de uma Senhora.

Ela foi-se! E com ela foi minh’alma
n’asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

Voava a brisa e no atrevido rapto
frisava do Oceano a face lisa:
eu que a brisa acalmar tentava insano,
com meus suspiros alentava a brisa!

No horizonte esconder-se anuviado
eu a vi; e dois pontos luminosos
apenas onde ela ia me mostravam:
eram eles seus olhos lacrimosos!

Pouco e pouco empanou-se a luz confusa,
que me sorria lá dos olhos seus;
e dalém ondulando uma aura amiga
aos meus ouvidos repetiu adeus!

Nada mais via eu, nem mesmo um raio
fulgir a furto a esperança bela;
mas meus olhos ilusos descobriram
numa amável visão a imagem dela.

Esvaiu-se a visão, qual nuvem áurea
ao bafejar da vespertina aragem;
se aos olhos eu perdia a imagem sua,
no meu peito eu achava a sua imagem.

Ela foi-se! ... E com ela foi minh’alma
na asa veloz da brisa sussurrante,
que ufana do tesouro que levava,
ia... corria... e como vai distante!

Rio de Janeiro, 1851.

INSPIRAÇÃO SÚBITA

A Rosina Stoltz em uma representação da "Favorita".

Gênio! Gênio!... inda mais! Supremo esforço
da mão de Deus no ardor do entusiasmo!
És anjo ou és mulher, tu que nos roubas
do culto o amor, o êxtase do pasmo?

Na pujança do vôo a águia soberba
tenta o céu devassar, exausta pára:
nas asas do lirismo, tu de Jeová
ao templo chegas, e te prostras n’ara.

Aí, c’roada de fulgente auréola,
no concerto dos anjos te misturas;
e se cantas na terra, são teus hinos
harmonias que ouviste nas alturas;

aí aspiras o lustral perfume,
que das urnas sagradas se evapora:
eis porque tua voz parece ungida
dos olores da flor, que orvalha a aurora.

Aí do coração na harpa animada,
as cordas descobriste de ouro estreme,
que se vibram de amor, ateiam n’alma
paixão que goza e sofre e canta e geme.

Aí o idioma típico aprendeste,
que entendem todos e que tudo exprime:
é assim teu olhar o verbo vivo,
é teu gesto a linguagem mais sublime.

Mistério augusto que do Eterno ao fiat
surgiste, qual visão que atrai, fascina;
se da mulher teu corpo veste a forma,
arde no gênio tua chama divina.

Mulher ou anjo! Cumpre a missão tua!
Seja a crença deleite, a fé doçura;
toda a terra ame ao céu nos seus prodígios,
adore o Criador na criatura.

Rio de Janeiro, 1852.

FORMOSA

Formosa, qual pincel em tela fina
debuxar jamais pôde ou nunca ousara;
formosa, qual jamais desabrochara
na primavera rosa purpurina;

formosa, qual se a própria mão divina
lhe alinhara o contorno e a firma rara;
formosa, qual jamais no céu brilhara
astro gentil, estrela peregrina;

formosa, qual se a natureza e a arte,
dando as mãos em seus dons, em seus lavores
jamais soube imitar no todo ou parte;

mulher celeste, oh! anjo de primores!
Quem pode ver-te, sem querer amar-te?
Quem pode amar-te, sem morrer de amores?!
(s.d.)

(Poesias, 1905.)

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

Maciel Monteiro (1804 – 1868)


Maciel Monteiro (Antônio Peregrino M. M., 2º Barão de Itamaracá), médico, jornalista, diplomata, político, orador e poeta, nasceu em Recife, PE, em 30 de abril de 1804, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 5 de janeiro de 1868.

É o patrono da Cadeira nº 27 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Joaquim Nabuco.

Era filho do Dr. Manuel Francisco Maciel Monteiro e de mulher Manuela Lins de Melo.

Fez estudos preparatórios em Olinda, seguindo, em 1823, para a França. Ingressou na Universidade de Paris, onde recebeu o grau de bacharel em Letras (1824), em Ciências (1826) e doutorou-se em Medicina (1829).

Regressou em 1829 ao Recife, onde exerceu alguns cargos médicos, mas logo abandonou a profissão pela política e pela diplomacia, carreira mais de acordo com sua índole mundana e social. Elegante, vaidoso, foi um perfeito galanteador, cujo talento poético se converteu em instrumento de esnobismo e volubilidade amorosa.

Foi vereador da Câmara Municipal e diretor do Teatro Público. Ligado ao Partido Conservador, foi eleito deputado provincial (1833) e geral (1834-1844 e 1850-1853), ministro dos Negócios Estrangeiros de 1837 e 1839 e, deste ano a 1844, diretor da Faculdade de Direito de Olinda. Nomeado membro do Conselho do Imperador em julho de 1841 e diretor geral da Instrução Pública em Pernambuco, em 1852.

Foi redator e colaborador de: O Lidador, órgão do Partido Republicano (Recife, 1845-1848); A Carranca, periódico político-moral-satírico-cômico (Recife, 1846); A União, órgão do Partido Conservador (Recife, 1848-1851).

Abandonando a política, foi para Lisboa em 1853, como enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil. Teve boa atuação diplomática e tornou-se notório pelos serviços contra os moedeiros falsos de Lisboa no Brasil, o que lhe valeu o título de 2o Barão de Itamaracá. Estava a serviço do Brasil quando ali faleceu.

Seus restos mortais foram trasladados para Pernambuco em 1870 e encerrados em 1872 no mausoléu que a Câmara Municipal do Recife mandou erigir no cemitério do Senhor Bom Jesus da Redenção em Santo Amaro.

A sua formação cultural na Europa, o contato com o Romantismo francês e posteriormente com o Romantismo português determinaram a feição romântica da sua obra antes mesmo de se achar definido no Brasil o Romantismo. O poeta original caracterizou-se por ser quase um improvisador. Deixava poesias em álbuns de senhoras, em mãos de amigos, esparsas.

A sua melhor produção literária é representada pelas poesias lírico-amorosas, mas nada publicou além da tese de medicina, em francês, e algumas poesias e discursos parlamentares, entre os quais se destaca o que pronunciou em 10 de junho de 1851 acerca da abolição do tráfico negro, e isso revela duplo aspecto pouco conhecido de Maciel Monteiro: o orador e o abolicionista. Palavras suas: "sempre detestei a escravidão; a minha natureza como que se revolta à sombra de qualquer jugo"; "sempre me reputei abolicionista".

A fortuna crítica de Maciel Monteiro tem sofrido altos e baixos. Para Sílvio Romero, é um importante poeta de transição e um dos predecessores do lirismo hugoano; para José Veríssimo, uma simples lenda. Foi reabilitado na sua justa medida por José Aderaldo Castelo.

Obras:
Dissertation sur la nature, les symptômes de l'inflammation de l'arachnoïde et son rapport avec l'encephalite (1829);
Poesias, sob a direção de João Batista Regueira Costa e Alfredo de Carvalho (1905);
Discurso por ocasião da fundação da Sociedade de Medicina Pernambucana (4.4.1841), in: Anais de medicina pernambucana. Anais do parlamento brasileiro, de 1834 a 1853.

Fontes:
Academia Brasileira de Letras
http://pt.wikipedia.org

Oswald de Andrade (Memórias Sentimentais de João Miramar)



Machado Penumbra abre o romance com um prefácio em que dá boas-vindas a João Miramar, saudando sua "entrada de homem moderno na espinhosa carreira das letras". A partir daí, é narrada a trajetória desse novo escritor, sujeito ingênuo, educado na acanhada cidade de São Paulo, no começo do século. É um intelectual provinciano, cuja família rica vive da extração de café.

Na abertura, Miramar, ainda garotinho, é levado pela mãe ao oratório familiar e lá entre a imagem do manequim, propriedade materna, e a oração, o garoto pensa e reza:

"__ Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o manequim de mamãe até em baixo. Para que perna nas mulheres, amém".

Outra experiência do menino João recebe o título "Gatunos de Crianças" e é assim condensada: "O circo era um balão aceso com música e pastéis na entrada. E funâmbulos cavalos palhaços desfiaram desarticulações risadas para meu trono de pau com gente em redor. Gostei muito da terra da Goiabada e tive inveja da vontade de ter sido roubado pelos ciganos". E, assim, em fragmentos, a trajetória de Miramar prossegue.

A viagem de navio à Europa vai destacando as cidades: manhã no Rio, Tenerife, Terra firme - Barcelona, Torre Eiffel, Milão, Vaticano, Sorrento, Veneza, etc. O namoro com Célia é assim apresentado: "Vinham motivos como gafanhotos para eu e Célia comermos amoras em moitas de bocas. Requeijões fartavam mesas de sequilhos. Destinos calmos como vacas quietavam nos campos de sol parado. A vida ia lenta como pontes e queimadas. Um matinal arranjo desenvolto de ligas morenava coxas e cachos".

O casamento não passa sem registro: "O Forde levou-nos para igreja e notário entre matos derrubados e a vasta promessa das primeiras culturas. Jogaram-nos flores como bênçãos e sinos tilintaram. A lua substituiu o sol na guarita do mundo, mas o dia continuou tendo havido entre nós apenas uma separação precavida de bens". E a seguir, o nascimento do primeiro filho: "Minha sogra ficou avó".

O tempo passa e Miramar se apaixona por uma estrela de cinema, Mlle Rolah, e a esposa logo percebe a ausência do marido: "... Não se esqueça de todas as minhas outras encomendas e traga também um par de sapatos de lona branca para Celiazinha. Vai a medida do pé. Temos tido muito calor nestes dias. Por que é que não me escreves? Veja se vem logo. Abraça-te e beija-te. Tua Célia".

Mas, Miramar só tem olhos para a amante, passando dias maravilhosos com ela, enquanto a sogra e filhos percorrem a Europa, pedindo com freqüência o envio de dinheiro: "... Nós não vamos embora para o Brasil porque mamãe tem medo dos sobremarinos. P.S. Vimos a Ponte dos Suspiros onde morreu Romeu e Julieta e tiramos um retrato pegando nas pombas. Nair".

Os negócios vão mal, mas o romance com Rolah...: "Ela me tinha confessado pela manhã que seus amores anteriores com pastores não tinham passado de pequenos flirts de criança. Agora quando tínhamos descido a escada longa eu me tinha baixado até os orquestrais cabelos louros. E tínhamo-nos juntando no grande doce e carnoso grude dum grande beijo mudo como um surdo".

Célia descobre tudo e exige a presença do marido na Fazenda Bambus: "Entrei em Higienópolis para jantar e sobre a mesa um telegrama azul exigia minha imediata presença nos Bambus. Célia sabia tudo laconicamente".

A família é levada à falência e desonra: "Higienópolis encheu-se às cornetadas da falência e desonra. Meu folhetim foi distribuído grátis a amigos e criados. E tia Gabriela sogra granadeira grasnou graves grosas de infâmias. Entrava doméstico para comer e dormir longe de Célia. Os criados eram garçons de restaurante".

As dívidas são muitas e têm de ser pagas: "Eu e o conde e o Britinho éramos de semanas os autores mais citados na pendenga madura da sala de verdes audiências do Forum Cível Paulista. Capinhas pretas enrouqueciam com pinga derredor das oblongas mesas zunzum com a lonjura de nossos privilegiados nomes protestados. Primeiras praças anunciaram-se dos bens legados por inventário de mãe únicos válidos havidos para credores ante a Verdun contratual do separado casamento com Célia..."

A esposa falece e João Miramar decide interromper as memórias, motivando a seguinte entrevista: "__ Com que então o ilustre homem pátrio de letras não prossegue suas interessantíssimas memórias? ___ Não. ___Seria permitido ao grosso público ledor não ignorar as razões ocultas da grave decisão que prejudica assim a nossa nascente literatura? ___ Razões de estado. Sou viúvo de D. Célia. ___ Daí? ___ Disse-me o dr. Mandarim que os viúvos devem ser circunspectos. Mais, que depois dos trinta e cinco anos, mezzo del camin di nostra vita, nossa atividade sentimental não pode ser escandalosa, no risco de vir a servir de exemplo pernicioso às pessoas idosas..."
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1- ENREDO

O enredo da obra é simples: João Miramar relata sua história pessoal.

Ao longo de capítulos revolucionariamente curtos, repassa os principais fatos que marcaram sua existência. As impressões deixadas pela: a) infância; b) viagem ao exterior; c) retorno ao Brasil; d) 1ª Guerra Mundial; e) namoro com Célia; f) casamento; g) nascimento de sua única filha (Celiazinha); h) o caso extraconjugal; i) a falência; j) divórcio motivado pelo insucesso financeiro; k) morte da ex-esposa; l) recuperação da guarda da filha e da fortuna.

A história do narrador é banal. Não tem nada de especial. Nem acontecimentos bombásticos que orientam para um final que exprima a vitória do verdadeiro amor, nem conseqüências necessárias resultantes de um determinismo psico-social. Já aí vemos o quanto Oswald distancia-se de toda literatura que o precedeu tanto na escolha quanto no tratamento do tema.

Além destas, a outra grande inovação é o trabalho de Oswald com a linguagem. Ao longo da obra o que mais chama atenção não é a narrativa mas a maneira que o narrador emprega para sugerir sua trajetória pessoal. Contudo, esta é uma questão que será tratada em outro momento.

2 - TEMPO, ESPAÇO e PERSONAGENS

Memórias Sentimentais de João Miramar é uma obra até certo ponto caótica. Em virtude disso, a análise de categorias como tempo, espaço e personagens é quase impossível.

A época o local em que os fatos ocorreram não tem importância. O que importa é a maneira pela qual o narrador filtrou aquelas experiências e, principalmente, a linguagem que emprega para contá-las ao leitor.

A obra parece seguir uma ordem vagamente cronológica.

É como se os espaços não existissem para além das sugestões, das emoções que provocaram no narrador. Por isso, ele não se dá ao trabalho de fazer descrições, remetendo o leitor aos locais onde os fatos ocorreram pela simples menção de seus nomes (São Paulo, Paris, etc.).

Cada personagem tem sua vida própria, mas sua interferência na narrativa só existe sob a perspectiva do narrador. Por isso, com exceção de algumas características muito gerais, nenhuma delas (nem mesmo o narrador) foi delineada, descrita física e psicologicamente. Tem um nome, isto basta. Contudo, há um traço que une-as:- seu apego excessivo ao dinheiro. É a partir deste ponto que a narrativa foi construída com o intuito de desmascarar, de satirizar suas relações sociais (ou devemos dizer econômicas?)

3 - FOCO NARRATIVO

O foco narrativo na obra é predominantemente de 1ª pessoa. João Miramar relata os principais momentos de sua trajetória.

"Entrei para a escola mista de D. Matilde." (Cap. 5)
"Não disse nada do que queria dizer a Madô." (Cap. 10)
"Molhei secas pestanas para o rincão corcunda que vira nascer meu pai." (Cap. 58)

Em alguns momentos, o narrador de 1ª pessoa cede espaço a outros narradores também de 1ª pessoa. Isto ocorre quando são transcritas cartas e bilhetes.

"76. CARTA ADMINISTRADORA

"Ilmo. Sr. Dr.
Cordeais saudações

Junto com esta um jacá de 15 frango que é para a criancinha se não morrê.
Confirmo a minha de 11 próximo passado que aqui vai tudo em ordem e a lavoura vai bem já estou dando a segunda carpa.

Fiz contrato com os colonos espanhol que saiu da Fazenda Canadá assim mesmo perciso de algumas familhas a porca pintada deu cria sendo por tudo 9 leitão e o Migué Turco pediu demissão arrecolhi na ceva mais de três capadete que já estão no ponto a turbina não está foncionando bem esta semana amanhã o Salim vem concertal.

O descascador ficou muito bom por aqui vão todos bom da mesma forma com a graça de Deus que com D. Célia fique restabelecido da convalecença é o que eu lhe desejo."

O emprego da transcrição de cartas e bilhetes de outras pessoas é um recurso muito empregado na literatura desde o romantismo . A utilização deste artifício sempre foi feita dentro de um contexto, seguindo um padrão a fim de não prejudicar
a unidade lógica da narrativa. Todavia, isto que não ocorre em "Memórias Sentimentais de João Miramar".

Há momentos, ainda, em que foco narrativo de 1ª pessoa deixa de existir. Isto acontece quando a narrativa cede espaço à poesia.

"158. RECREIO PINGUE-PONGUE

Miramar a vida é relativa
O acontecimento não teria sido
Se nascesses só
Sem a mãe que te deixou virtudes caladas
O acontecimento te ofertou
A filhinha de olhos claros
Abertos para os dias a vir
És o ele de uma cadeia infinita
Abraça o Dr. Mandarim
E soma ele o azul desta manhã
Louçã
"

Miramar (o narrador) dirige-se à Miramar (o homem), proporcionando ao leitor a oportunidade de conhecer a síntese deste diálogo interior de natureza poética. O foco se desloca de 1ª para 3ª pessoa e novamente para 1ª pessoa (afinal o "eu lírico" é sempre de 1ª pessoa mesmo quando não expressados abertamente os sentimentos do autor).

Em alguns capítulos a narrativa é impessoal, como se o narrador fosse de 3ª pessoa. Através deste artifício o autor dá a impressão que a narrativa vai se construindo por si mesma sem a interferência do narrador de 1ª pessoa que predomina na obra.

"40. COSTELETA MILANESA

Mas na limpidez da manhã mendiga cornamusas vieram sob janelas de grandes sobrados.
Milão estendia os Alpes imóveis no orvalho
."

Foco de 1ª pessoa centrada no narrador personagem, foco de 1ª pessoa centrada em outras personagens, foco movendo-se de 1ª para 3ª pessoa e desta novamente para 1ª por força do emprego da poesia, foco impessoal dando a impressão de 3ª pessoa, tudo isto compõe o mosaico criado por Oswald de Andrade. Através do constante deslocamento do foco narrativo, Oswald de Andrade dá origem a um verdadeiro desconcerto da obra (quiçá para demonstrar a intensidade do desconcerto do mundo burguês).

4 - LINGUAGEM

A linguagem empregada nesta obra é telegráfica. O autor não narra, mas sugere através de capítulos curtos uma história com começo meio e fim. Contudo, cada capítulo é uma unidade que até pode ser lida independente das demais. O sentido de cada parte não se perde fora do contexto geral da obra.

Mas, isto não quer dizer que a prosa de Oswald de Andrade seja fácil. Ao contrário, cada um dos capítulos, apesar de extremamente curto, é uma charada, um enigma a ser desvendado. Oswald não facilita o trabalho do leitor.

Seu estilo opõe-se de um lado aos exageros científico-detalhistas da escola Realista e à passionalidade-emotiva da narrativa da escola Romântica. Em cada um dos capítulos o trabalho essencial do autor foi com a linguagem. Não se deixou envolver nem pela ciência nem pela emoção, filtrou a ambas procurando dar uma nova conformação a literatura.

No início, a linguagem fragmentada lembra muito a maneira de falar das crianças. Miramar (o narrador), relata sua infância.

"1-O PENSIEROSO

Jardim desencanto
O dever e processões com pálios
E cônegos
Lá fora
E um circo vago e sem mistérios
Urbanos apitando noites cheias

Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.

- O anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus.

Vacilava o morrão do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim esquecido avermelhava.

- Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não tem pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que nas pernas, amém
."

A narrativa é ágil, funcional, quase um fluxo de consciência. O narrador intencionalmente não pretende fixar-se neste ou naquele detalhe que retrata ao leitor, antes mistura-os intencionalmente para sugerir sua falta de capacidade de concentração (exatamente como uma criança). Prova disto é o último parágrafo, em que as idéias referidas anteriormente adentram na oração desfigurando-a, mudando seu sentido.

A ausência de pontuação reforça a tese de que o narrador relata sua infância como se fosse uma criança.

A medida que a obra prossegue e o narrador vai crescendo, a narrativa também vai se modificando. Começa o trabalho mais detalhado com a linguagem.

"33- VELEIRO

A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto, cucava té uma escala de piano acordar o navio.

Madame Rocambola mulatava um maxixe no dancing do mar.

Esquecia-me olhando o céu e a estrela diurna que vinha me contar salgada do banho como estudara num colégio interno. Recordava-me dos noivados dormitórios de primas.

Uma tarde beijei-a na língua
."

No capítulo acima fica evidente que a preocupação do narrador já é outra, diferente daquela existente no início. Aumenta a intensidade do substantivo "tarde" com um verbo criado a partir dele mesmo "tardava". Cria o verbo "mulatava" para designar a ação da personagem de unir o nacional (maxixe) e o estrangeiro (dancing). A narrativa já não é um fluxo de consciência, mas o produto de um trabalho poético em que não se abre mão do emprego da metáfora ("...a estrela diurna vinha me contar salgada do banho..").

Em alguns momentos a poesia vai tomar integralmente o texto.

52- INDIFERENÇA

Montmartre
E os moinhos do frio
As escadas atiram almas ao jazz de pernas nuas

Meus olhos vão buscando lembranças
Como gravatas achadas

Nostalgias brasileiras
São moscas na sopa de meus itinerários
São Paulo de bondes amarelos
E romantismos sob árvores noctâmbulas

Os portos de meu país são bananas negras
Sob palmeiras
Os poetas de meu país são negros
Sob bananeiras
As bananeiras de meu país
São palmas claras
Braços de abraços desterrados que assobiam
E saias engomadas
O ring das riquezas

Brutalidade jardim
Aclimatação

Rue de La paix
Meus olhos vão buscando gravatas
Como lembranças achadas."


Miramar (o narrador) é sem dúvida alguma um poeta modernista dialogando com a literatura romântica à medida que refere-se à sua viagem ao exterior . Não podemos deixar de notar a evolução que vai ocorrendo lentamente na arte do narrador. Da infância para a mocidade, desta para a maturidade (tomada de consciência de sua própria cultura).

Mas, não é só de poesia que o narrador serve-se para sugerir sua história. Há momentos em que a linguagem é referencial.

"79-TERREMOTO

O Pantico estava na Bélgica em pleno perigo de ser fuzilado ou morrer de fome.

Mas depois de copos espumantes de leite eu acreditava de geografia aberta sobre a mesa que a situação dos alemães não era brilhante. Em vinte dias eles apenas tinham entrado em Bruxelas e tomado Liège, a cidade, conservando-se nas mãos dos heróis belgas a linha de fortes quase completa. E na fronteira intacta da França deviam reunir-se com certeza nessa hora dois milhões de soldados.

Molestados pelo flanco em Antuérpia, sem poder esquecer o exército francês vitorioso na Alsácia Lorena e a avalanche russa que ameaçava Thorn e Danzig, era de prever-se o esmagamento desses bárbaros em algumas semanas. E se a Itália entrasse contra a Áustria nos primeiros dias de Setembro, como era certo, a guerra podia terminar por nocaute científico nesse mesmo mês
."

Conquanto Oswald empregue algumas metáforas (p.e."... de geografia aberta sobre a mesa" = mapa) a linguagem deste capítulo difere das demais. É predominantemente referencial. Há uma adequação entre a seriedade do tema tratado (a guerra) e a linguagem empregada pelo narrador, deixando transparecer que num momento (ou tema) como aquele a poesia cede ou deve ceder espaço à prosa.

A ironia é muito presente na obra. É empregada para demolir a sociedade burguesa, revelando seu verdadeiro valor moral, que para Oswald é monetário.

"...E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)

A Letra de Câmbio é um título de crédito inventado na Idade Média para possibilitar as transações à longa distância. Empregando-as, os negociantes evitavam o transporte de somas elevadas em dinheiro, diminuindo o risco de serem aliviados por salteadores. A Letra de Câmbio desempenhou e ainda desempenha um papel importante nas relações econômicas capitalistas. Ao referir-se a ela, Oswald evidencia o caráter essencialmente econômico das relações sociais burguesas.

Em dois momentos, o casamento (principal instituição burguesa da época) é ferido mortalmente pela pena do autor:-

"...o casamento é um contrato indissolúvel." (Cap. 42)
"...separação precavida de bens
." (Cap. 62)

Em alguns momentos o trabalho do narrador cede espaço para o registro fiel da oralidade na escrita tal como praticada por outras pessoas.

"130- RESERVA

" 21 de Abril

Seu Dr.

Peguei hoje na pena para vos Felicitar os nossos antes Passado sendo um dia de grande gala, para nós no nosso Grande Brasil sendo o dia do nobre Brasileiro Tiradentes que foi executado na forca, mais tudo passa vamos tratar do nosso futuro que é melhor os passado eram bobos, por aqui todos Bom grassas a Deus o mesmo a todos que a
í estão..."

Existem passagens em que a linguagem empregada por Oswald é ambígua:-

"...conspurcada vindos em bonde dos tabeliães protestantes." (Cap. 145)
"...bestenamorada dum mineiro de minas." (Cap. 154)

No primeiro fragmento fica-se sem saber se os tabeliães professam a religião protestante ou se protestaram (cobraram através de Cartório) o narrador. No segundo, se mineiro é o natural de Minas Gerais, filho de cidadãos daquele Estado ou se é o operário que trabalho em mina.

Em todos os fragmentos citados é evidente que a sintaxe empregada na obra segue um padrão diferente do usual. Os elementos da frase são embaralhados, a classificação das palavras intencionalmente destruída. Com isto, Oswald coloca em xeque a própria capacidade do leitor ler a obra a partir da língua que domina. "Memórias Sentimentais de João Miramar" não é apenas uma obra escrita sob influência cubista é uma obra cubista em todos os sentidos .

Como atesta Antonio Cândido , "Memórias Sentimentais de João Miramar" é a primeira grande experiência de prosa modernista no Brasil, e só por isso sempre merecerá destaque na História da Literatura Brasileira.

Estas são as principais considerações sobre a linguagem. Vejamos agora os recursos expressivos.

5 - RECURSOS EXPRESSIVOS

Ao longo da obra Oswald abusa de recursos de linguagem, muitas vezes misturando-os com um poder de síntese invejável.

METONÍMIA - "... de geografia aberta sobre a mesa..." (Cap. 79) = mapa

ONOMATOPÉIA - "...No silêncio tique-taque..." (Cap. 8) (Antítese:- silêncio/barulho)
"Dez horas da noite, o relógio farto batia dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão!

HIPÉRBATO - "... mapas do secreto Mundo." (Cap. 9) ao invés de "...mapas do Mundo secreto."

ALITERAÇÃO - "...punha patetismos pretos..." (Cap. 22)

PARADOXO - "...Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis..." (Cap. 119)

PROSOPOPÉIA - "... Depois casas baixas desanimaram a planície cansada." (Cap. 113)

SINESTESIA - "...de janelas cerradas e acesos silêncios." (Cap. 153)

O emprego de TROCADILHOS é comum na obra:- "... sátiras à sociedade de sátiros..." (Cap. 72)

A exemplo de outros escritores, Oswald também realiza diálogos intertextuais, fazendo referência aos seguintes autores, personagens e obras:- O primo Basílio (Eça de Queiroz) Cap. 100
-Herodes (Bíblia) Cap. 98
-Lord Byron (poeta romântico) Cap. 155
-Virgílio (poeta latino) Cap. 163
– Faz referência à vanguarda artística européia (Picasso, Satie e João Cocteau - Cap. 51, Isadora Duncan - Cap. 47).

Também é marcante o emprego de vocábulos e expressões em línguas estrangeiras:- Inglês Francês Espanhol Italiano: dancing habitué encuentro de ustedes si sinhore / It is very beautiful! Mademoiselle / board-house tour du monde / Albany Street goudron-citron / Latim / Res non verba!

A obra registra também uma variante do português resultante da influência da migração árabe:- "- Aqui nong teng acordo. Teng pagamento! (Cap. 148)

Há um momento que Oswald recorre as todas as línguas e língua nenhuma:- "...Os Estados Unidos é cotuba. All right. Knock Out! I and my sisters speak french. Moi et ma soer nos savons paletre bien le Français. Eu e a minha ermam sabemos falal o francês..." (Cap. 68)

Ao destruir e reconstruir diversas línguas em busca de novos significados e formas de expressão, Oswald deve ter escandalizado seus contemporâneos. Ainda hoje a leitura de passagens como estas causam um certo espanto, embora o recurso já tenha sido universalizado por Umberto Eco (em o Nome da Rosa o personagem Salvatore fala uma língua que mistura latim, italiano, francês, espanhol, etc..., ou seja, fala todas as línguas e nenhuma ).

Ao longo da obra Oswald cria diversos neologismos. Dentre eles destacamos um para dar uma idéia da riquesa da criatividade do autor:- ORINÓIS (Cap. 138) = OURO (metal precioso) + URINOL (recipiente empregado para colher urina).

Através deste neologismo, criado a partir de duas palavras de campos semânticos distintos mas que guardam uma interseção gráfica (UR), Oswald redefine o valor do urinol e do ouro, zombando da burguesia que emprega ambos. Além disso, "OURINÓL" é um neologismo difícil de classificar, pois traz em si a idéia de um substantivo e ao mesmo tempo de um adjetivo (dourado). Consideremo-lo, para efeito deste trabalho como um substantivo.

O maior recurso expressivo empregado pelo autor é a criação de vocábulos.

Verbos Substantivos Adjetivos: Vagamundear, cornamusas, calva, gramática note-americava, neopropriedades comerciaturos, tombadilhavam, reisreais, jantar, fazendeira, cosmoramava, automobilizados, fazendeiral, tardava, ourinóis, paisajal, mulatava, caradura, respeitabundos, sentinelando, bestenamorada, espinafrado, gondolamos, institutal, turcavam, pince-nez, arqueólogo, guardanapando, mulatal, boulevardearam, perdoadora, verticalavam, pianal, pullmavam, quilometrais, quilometraram, charutal, frigorificavam, bolsentas, eldoradava, genealogias, fascícolas, morenava, gramofônica, fox-trotar, alfandegueiros, transatlanticarem, apelidais, beiramarávamos, figueiradal, bandeiranacionalizavam, calomelânica, britanizávamos, criadais, fordei, fortunais, grandilocou, ramazevedos, esperançava, matadoural, taxizara, carbogramado, cilindravam, marideiro, parisiavam, lanteijoulante, seminudava.

6 - IDEOLOGIA

A obra apresenta uma crítica ao casamento como instituição burguesa (união por interesse).

"Separação precavida de bens" (Cap. 62)

O motivo da separação do casal João Miramar/Célia é falência financeira dele.

"A margem disso o caso financeiro negreja no horizonte. O Senhor adquiriu rapidamente uma reputação de dilapidador." (Cap. 142)

O interesse do pai pela filha só ocorre após a morte da mulher.

"Foi à ele que corri na aflita busca de minha Celiazinha, feita milionária e só pelo Deus das revisões do processo." (Cap. 157)

Através do livro, Oswald ressalta e satiriza o caráter patrimonial das relações sociais burguesas.

"E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)

Em duas oportunidades Oswald registra a utilização de dinheiro público para viagens de artistas ao exterior.

"Dalbert de subsídio e trombone ia partir para a conquista da Europa." (Cap. 26)

"João Jordão que não era artista nem nada parecida magro e uma tarde arranjou subsídio governamental para estudar pintura em Paris." (Cap. 22)

A linguagem também reflete uma escolha ideológica. Oswad quebra a forma usual de narrar, rompendo definitivamente com as escolas literárias que o antecederam, e com uma determinada concepção da língua portuguesa (abusa de neologismo, cria verbos, adjetivos, etc.).

Memórias Sentimentais de João Miramar é uma narrativa que se recusa a construir-se como tal. Assim, através deste verdadeiro mosaico que é a obra, Oswald de Andrade não pretende somente explodir as bases da literatura da época, mas também e principalmente implodir a sociedade burguesa e seus valores morais.

Fontes:
Resumo –
http://www.wagnerlemos.com.br
Análise =
http://www.jayrus.art.br

Artur de Azevedo (Comes e Bebes)



Algum tempo antes de entrar definitivamente, na vida prática, o bacharel Sesostris, que hoje é pai de família e magistrado, teve as suas veleidades literárias, e topava a tudo; poesia, conto, folhetim, romance e teatro.

Foi o manuscrito da sua primeira e única peça que o introduziu na caixa de um teatro, e o aproximou de Rosalina, que das nossas atrizes era naquele tempo a primeira em beleza e a última em talento. Essa Rosalina, que o empresário conservava no elenco da companhia em atenção unicamente às suas virtudes plásticas, casara-se com um ator por seu turno ali conservado tão somente por ser marido dela.

Dizer que era uma segunda Penélope no tocante à fidelidade conjugal seria faltar descaradamente à verdade que devo aos leitores das minhas historietas; pelo menos as más línguas, e mesmo as boas, não a poupavam: mais de um freqüentador habitual do teatro onde ela se exibia era apontado como tendo solicitado, e obtido os seus favores mais íntimos.

O bacharel Sesostris foi convidado pelo empresário para fazer a leitura da peça uma tarde, no palco, depois do ensaio e a hora aprazada, sentou-se diante de uma pequena mesa rodeado de quase toda a companhia, e abriu um manuscrito.

Ia em meio o primeiro ato, ouvido em silêncio com um recolhimento digno de uma tragédia, quando o comediógrafo sentiu que do joelho de Rosalina, sentada à sua direita, se. desprendia um calor comunicativo que o perturbava. Sabe Deus como pôde o rapaz concluir a leitura daquele primeiro ato!

Durante o segundo, continuaram as manifestações equivocas, ou antes, inequívocas, e o bacharel, suando frio, tremendo, gracejando, deixava que se perdessem todos os efeitos cômicos das situações e do diálogo. Os ouvintes, cada vez mais frios e reservados, atribuíam a indisposição do leitor à impressão terrível de se achar ali submetido à opinião e ao julgamento de tantas sumidades artísticas.

Durante o terceiro ato, Rosalina completou com o pé - um pé pequenino, admiravelmente calçado - a obra de sedução que principiara com o joelho.

Terminada a leitura o empresário, que durante os dois primeiros atos a interrompera com significativos e irreverentes bocejos, e agora dormia a sono solto, despertou logo que ouviu as consoladoras palavras: "cai o pano", e disse ao comediógrafo:

- Sim, senhor, é uma bonita comédia... mas não é para o meu teatro... é muito fina, tem pouca bexigada... Entretanto, não digo que a não represente... hei de representá-la, mas quando o teatro estiver mais encarreirado. O doutor tem muito talento: escreva outra comédia, mas com sal mais grosso, com sal de cozinha.

- De cozinha?!

- De cozinha, sim senhor! Isto de sal fino não traz dez réis à bilheteria!

O bacharel Sesostris, que tinha a inestimável fortuna de contar apenas vinte e dois anos, deixou-se iludir; mas, quando mesmo recebesse, como dramaturgo, um desengano formal, que lhe importava, se Rosalina, a formosa Rosalina, tão cobiçada por todos os homens, ali estava para consolá-lo das medonhas lutas de autor incipiente?

Quando o empresário acabou de lhe recomendar o sal grosso, ele voltou-se e procurou-a com os olhos: ela desaparecera, sem ao menos dizer-lhe adeus...

Dali por diante, o bacharel entrou a freqüentar a caixa do teatro, e especialmente o camarim de Rosalina; esta, porém, não renovou as manifestações do joelho e do pé, como se resolvida estivesse a mostrar ao moço que ele não podia subir mais alto...

Figurava na companhia um velho ator que se dizia muito amigo de Sesostris, e lhe captara a confiança; este escolheu-o para confidente dos seus amores, e contou-lhe as provocações da atriz.

O velho ator sorriu maliciosamente.

- Como se explica - perguntou o bacharel - que essa mulher depressa mudasse de sentimento a meu respeito?

- Explica-se perfeitamente: você ia ler uma comédia e ela queria apanhar o primeiro papel. Desde o momento em que percebeu a peça não seria representada, fez tanto caso de você como da primeira camisa que vestiu.

- Então se a comédia fosse aceita...?

- Se a comédia fosse aceita, a Rosalina seria sua! E só assim poderia tê-la de graça - aquilo é mulher de dinheiro.

Passaram-se três meses, e o teatro longe de se encarreirar como crava o empresário, entrou numa dessas crises tão comuns na vida nossos teatros. Depois de cinco ou seis desastres, o público afastou-se e o empresário deixou de pagar regularmente aos artistas. A situação era desesperada.

Rosalina e o marido sofreram como os demais, considerando-se felizes quando apanhavam dez ou vinte mil-réis por conta dos vencimentos atrasados.

Foi nestas circunstâncias que o pé e o joelho da atriz voltaram a perturbar o sossego do bacharel Sesostris.

A opinião do velho ator não a desmerecera no espírito do moço; aos vinte e dois anos o coração é cego para os defeitos da mulher por quem palpita, e quando por ventura resolva analisá-los, acaba verificando que são qualidades e não defeitos.

Uma noite, Sesostris, ao despedir-se dela, deixou-lhe nas mãos bilhete pedindo-lhe uma entrevista, e dizendo-lhe que na noite seguinte, durante o espetáculo, iria buscar a resposta ao camarim.

E foi.

A atriz deixou sair o cabeleireiro que a penteava, e disse ao namorado:

- Seja prudente! Nem uma palavra sobre o assunto do seu bilhete.

- Mas... a resposta?

- Disfarce... Está ali sobre a janela... por baixo do pratinho da moringa... Faça de conta que vai beber água... Olhe que a porta do camarim está aberta, e há por aí muita gente desconfiada da sua assiduidade.

Sesostris disfarçou, foi ao lugar da moringa, levantou o pratinho, encontrou o bilhete, meteu-o na algibeira, conversou ainda alguns momentos, em voz alta, sobre o calor, a falta do público, etc... e saiu, impaciente por ler a desejada resposta.

Para fugir a quaisquer olhares indiscretos, meteu-se no mictório do teatro e foi ali, meio sufocado pelas exalações amoniacais, que leu o seguinte:

"Doutor. - Antes de responder ao seu amável bilhete, quero merecer-lhe um grande obséquio. Como sabe, a empresa está nos devendo três quinzenas, o dia 15 está na porta, e é provável que ainda desta vez fiquemos a ver navios, porque o teatro não tem feito nada. Estamos na miséria. Embora isto muito me custe, peço-lhe que nos mande, amanhã, para a nossa casa, que o doutor sabe onde é, os mantimentos constantes da inclusa lista, e que são para a nossa despensa. Desculpe o incômodo e creia na amizade da sua - Rosalina."

A esta carta inverossímil, estava, efetivamente anexa, uma lista de secos e molhados - tantos litros de feijão, tantos quilos de carne-seca, etc. Nada faltava: azeite, macarrão, azeitonas, vinho, pacotes de velas, lamparinas, manteiga, o diabo!

No dia seguinte parava uma carroça à porta de Rosalina, levando todos esses comes e bebes; mas o bacharel Sesostris, apesar dos seus vinte e dois anos, entendeu que nunca mais deveria aparecer àquela estúpida.

Fontes:
AZEVEDO, Artur de. Contos.
Imagem = http://www.dastmen.com

Cleonice Berardinelli é a nova titular da Cadeira nº8 da ABL



A Academia Brasileira de Letras escolheu no dia 16 de dezembro, a Professora Cleonice Berardinelli, 93 anos, como a 6ª ocupante da Cadeira nº 8, vaga desde 17 de setembro último com a morte do Acadêmico Antonio Olinto.

Logo no primeiro escrutínio, a candidata eleita recebeu 30 votos. Seu concorrente, o jornalista e ex-ministro Ronaldo Costa Couto, recebeu 9.

A Cadeira nº 8 foi fundada por Alberto de Oliveira, que escolheu como patrono Cláudio Manoel da Costa. Foi ocupada sucessivamente por Oliveira Viana, Austregésilo de Athayde, Antonio Callado, e Antonio Olinto.

Cleonice Berardinelli nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de agosto de 1916. É graduada em letras neolatinas pela Universidade de São Paulo (1938) e livre docente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1959), com a tese Poesia e Poética de Fernando Pessoa.

Especialista em Camões e Fernando Pessoa, Cleonice Berardinelli é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, consultora ad hoc da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e consultora ad hoc da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

É acadêmica correspondente brasileira da Academia das Ciências de Lisboa desde 27 de novembro de 1975.

Entre seus livros, destacam-se: Estudos Camonianos (1973), Obras em Prosa: Fernando Pessoa (1986), A passagem das horas de Álvaro de Campos (1988), Poemas de Álvaro de Campos (1990) e Fernando Pessoa: outra vez te revejo...(2004).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras

sábado, 2 de janeiro de 2010

Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte XI – final



CONCLUSÃO

Concluir um trabalho não é tarefa muito fácil, como sugerem os entendidos. As idéias e informações acumuladas ao longo de três meses de trabalho contínuo e árduo ainda me confundem a cabeça, mas trouxeram uma única certeza : apesar do gosto particular pela poesia, nunca pensei em levar o estudo a sério e que acabaria tão envolvido.

Como já vimos anteriormente, a poesia não pode ser feita como se faz um bolo, ou seja, com receita. Parece claro, mas há pessoas que supõem ser suficiente colocar no papel algumas palavras de maneira metrificada, dentro das regras tradicionais, para se ter Poesia.

Outras são ainda mais radicais e acham que, se o poema não está metrificado, ele não pode, simplesmente, conter Poesia. No entanto, a Poesia independe da forma como vem escrita ou falada.

José de Alencar, o genial romancista brasileiro, que hoje é lido tanto ou até mais do que quando era vivo, descobriu isso em 1865. Cansado de tentar produzir um grande poema indianista, Os Filhos de Tupã, descobriu não ser capaz de fazê-lo em versos, pelo menos de maneira satisfatória para sua autocrítica aguçada. Romance era o que ele sabia fazer, por isso atingiu o máximo de sua produção poética com Iracema, um romance-poema que pode ser lido com satisfação e deleite ainda hoje.

Quando estudei os primeiros poetas, de longe comecei a entender todos os mistérios que envolvem a criação poética. Mistérios que tornaram prodigiosos e amados nomes como Homero, Sófocles, Shakespeare e Drummond.

Fui feliz em testemunhar a importância dos poetas para o seu povo, amante do seu lado rebelde, pois os poetas sempre tomaram as rédeas do pensamento popular e não mediram esforços para expressar toda a ironia e descontentamento em relação à opressão dos tiranos em todos os tempos. Mas, nem só de rebeldia viveram os poetas. Foram também a expressão máxima dos sentimentos inerentes a todo ser humano, e como seres humanos, amaram, pecaram, tomaram as dores, indignaram-se e jamais sofreram o desprezo, a não ser dos seus oponentes.

Através de ideais e convicções, materializados em poemas, souberam resistir ao tempo e ao jugo homem. Toda a universidade que se preza dedica um estudo mais que profundo para a história da poesia. Na Universidade de Oxford, em Londres, a cadeira especial de Ensino da Poesia é muito disputada e exige dedicação mais do que simples curiosidade.

Qualquer escola, cidade, estado ou país, tem o seu poeta por excelência. E se os poetas estão em toda parte, quem poderá negar a importância da poesia como arte e instrumento de reflexão ? E dos poetas que já cumpriram o seu papel na face da Terra, mas continuam causando a mesma perplexidade de antes ?

Diante da indiferença dos editores em relação à produção poética de qualquer país, causa-me espanto e indignação quando deparo-me com as barbaridades publicadas e lançadas diariamente nas livrarias. No mundo atribulado de hoje, as divergências religiosas e culturais neutralizam a capacidade de convivência pacífica do homem ao mesmo tempo que elevam-no à condição de predador e ávido por sobrevivência, instinto atribuído, até pouco tempo, exclusivamente aos animais.

O ser humano sustenta uma necessidade desenfreada de acúmulo de poder e dinheiro; é o jogo da sobrevivência, onde tudo converge para o “salve-se quem puder”. A escala de valores foi por água abaixo e o homem já consegue rir da desgraça alheia. Neste caso, a poesia apresenta-se como instrumento de reflexão e os poetas vem cumprindo sua difícil tarefa, a duras penas, numa sociedade cada dia mais inculta.

Por esse motivo penso que a poesia vêm resistindo bravamente, a despeito de todas as anunciações de sua morte e das decadentes produções literárias, onde os repugnantes conquistam a simpatia popular por conta do baixo nível de cultura ou esclarecimento das pessoas.

Todos os concursos literários que conheço incluem e abrem espaço, inevitavelmente, para a poesia, na esfera regional, nacional ou internacional. E se abrem espaço, significa que os estudiosos do assunto não mais podem viver somente de ficção, humor e da violência despejada nos romances e livros de contos, mas suas almas clamam pelo mistério e a sedução da metáfora obrigatória na criação poética.

Os livros de história jamais deixaram de registrar a existência dos poetas em qualquer século da existência humana. Minha pesquisa confirmou o registro inequívoco de poetas e mais poetas em quase todas as fases do desenvolvimento cultural da humanidade, da Grécia Antiga ao mundo contemporâneo. Toda época teve o seu representante.

Por esse motivo, custa-me entender o menosprezo da atualidade em relação ao mundo poético e daí a nossa necessidade e propósito de divulgar sua origem e desenvolvimento como forma de preservar a espécie. Minhas propostas alternativas para o ensino da poesia nas escolas, apesar de soarem humildes, significam a retomada dos valores literários restritos, atualmente, à elite cultural da humanidade.

Salvo um ou outro caso isolado, a poesia é pouco divulgada nas escolas e vai se afunilando em debates de difícil acompanhamento nas universidades e nos encontros culturais promovidos por fundações ou secretarias de educação. É preciso reinventá-la, estimular a criação poética, buscar o prazer da leitura e devolver à poesia o lugar de destaque que lhe pertenceu, desde os tempos de Homero e de Davi. E ninguém melhor do que as crianças, símbolos de pureza e imaginação, para absorver um papel tão importante nos destinos do desenvolvimento cultural da humanidade, para o seu próprio bem.

Tive a infelicidade de encontrar alguns comentários nos livros pesquisados, decretando a poesia como arte ultrapassada e decadente. Quanta pobreza de espírito e falta de percepção ! A poesia é eterna, oscilante, mas eterna. Ao confronto com tamanha heresia, cabe-me confortar a alma na poesia de todos os tempos, deslumbrante, onde Augusto dos Anjos esculpiu a humana mágoa, Baudelaire cultivou as flores do mal, Drummond resistiu a todas as pedras no caminho e João Cabral de Melo Neto ainda cumpre sua sina. Esse trabalho foi realizado em torno de uma necessidade popular. Parafraseando o grande poeta Fernando Pessoa, “ tudo vale a pena quando a alma não é pequena ”.

Pelos versos de Ferreira Gullar, carregaremos a esperança que nunca morre, pois a poesia já é parte integrante da nossa alma :

Como dois e dois são quatro,
sei que a vida vale a pena,
embora o pão se pouco
e a esperança pequena
”.

E viva a poesia, cheia de vida, de encanto e de alegria. E para provar que a poesia vive em mim, deixo aqui, ao final desse humilde trabalho, a poesia que hei de levar comigo até o fim dos meus dias :

Viver em paz comigo mesmo
(ainda que eu morra infeliz)
ser alegre todo dia
(ainda que eu deite triste)
dar amor a vida toda
(ainda que eu fique sozinho)
deixar as águas rolarem
(ainda que eu naufrague)
enfrentar a tempestade
(ainda que o vento me leve)
crer na força das palavras
(ainda que eu morda a língua)
contemplar de frente o sol
(ainda que eu siga no escuro)
esperar pelo possível
(ainda que pareça impossível)
construir a liberdade
(ainda que eu viva preso)
voar alto cada dia
(ainda que eu desça ao abismo)
ser capaz da forma justa
(ainda que eu me faça injusto)
tomar as dores do mundo
(ainda que eu viva de enganos)
crescer segundo a segundo
(ainda que dure mil anos)

BIBLIOGRAFIA

1. GERAL
ANDRADE, Carlos Drummond de . Antologia Poética . 31.ed . Rio de Janeiro, Record, 1995.
ANDRADE, Carlos Drummond de . A Paixão Medida . 2.ed . Rio de Janeiro, Record, 1994.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Palavra Mágica . Rio de Janeiro, Record, 1997.
ANJOS, Augusto dos. Eu e outras Poesias . 40. ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.
AUDEN, Wystan Hugh. Poemas . Trad. e Introd. José Paulo Paes & João Moura Jr. 2.ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
BENNETT, William J. O Livro das Virtudes. 3. ed . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1993.
BUENO,Alexei. Grandes Poemas do Romantismo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nova Fronteira , 1995
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GUERRA, Gregório de Matos. Poemas do Boca do Inferno . Org. José Emílio de Major Neto. São Paulo, Princípio, 1993.
MELLO, Thiago de. De uma vez por todas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996.
MELLO, Thiago de. Faz escuro mas eu canto. 14.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1996.
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NERUDA, Pablo.Ainda. Trad. Olga Savary. 5.ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1995.
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RIMBAUD, Arthur. Iluminuras. Trad. Rodrigo Garcia Lopes & Maurício Arruda Mendonça. 2.ed. São Paulo, Iluminuras, 1996
SÃO PAULO, Folha de. Nova Enciclopédia da Folha - A Enciclopédia das Enciclopédias . São Paulo, Empresa Folha da Manhã, 1996.
TIME-LIFE, Editores de . História em Revista 3500 a.C - 600 d.C. Rio de Janeiro, Abril Livros, 1995.

2. ESPECÍFICA

BORDINI, Maria da Glória. Poesia é brincadeira? Jornal da Fundação Cultural Curitiba, Curitiba, 1, (20) : 3-4, out. 1997.
BUENO,Alexei. É preciso ser autêntico.Jornal do Brasil, Idéias, Rio de Janeiro, 11 nov. 1995. p.5.
CAMPOS, Geir. Pequeno Dicionário da Arte Poética . 4.ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 1995.
DAVID, Célia Maria . Guia prático para um trabalho de monografia. Jaboticabal, Faculdade de Educação São Luís, 1996.
FERNANDES, José Augusto. Dicionário de Rimas da Língua Portuguesa. 4.ed. São Paulo, Record, 1991.
FERNANDES, José Carlos. Alguém que vem de passagem . Gazeta do Povo, Caderno G, Curitiba, 31 ago.1997. p.3.
FERNANDES, José Carlos. A viva voz . Gazeta do Povo, Caderno G, Curitiba, 03 set . 1997. p.1.
JORNAL REVISTA DA POESIA . Curitiba, Associação Brasileira de Poetas e Escritores, 1995-1997, Trimestral. 20 p.
LOPES, Adélia Maria Lopes. Ao som da poesia das letras brasileiras . Jornal O Estado do Paraná, Almanaque, 07 set. 1997, p.3.
MACEDO, Manoel de. Aprenda a Fazer Versos . 2.ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 979.
MAIAKOVSKI, Vladimir . Poética - Como Fazer Versos. 5.ed. Rio de Janeiro, Global, 1991.
OCCINHO. Curitiba, Fundação Cultural de Curitiba, 1997, Trimestral. 16 p .
REVISTA BRASILEIRA . Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1994, Trimestral. 131 p.
RISÉRIO, Taya Soledade. Luz sobre o lúdico - a real idade infantil . Jornal da Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1 (20) : 6-7, out. 1997.
WANKE, Eno Teodoro. Como Fazer Trovas e Versos . Rio de Janeiro, 2.ed. Ediouro, 1985.

Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Carlos Drummond de Andrade (Feliz Olhar Novo!!!)



O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.

O grande lance é viver cada momento como se a receita de felicidade fosse o AQUI e o AGORA.

Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais…, mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho?

Quero viver bem! Este ano que passou foi um ano cheio. Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal. As vezes a gente espera demais das pessoas. Normal. A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor que acabou. Normal.

O ano que vai entrar vai ser diferente. Muda o ano, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?

O que desejo para todos é sabedoria! E que todos saibamos transformar tudo em boa experiência! Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim… Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria 3. Ou mude-o de classe, transforme-o em colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.

O nosso desejo não se realizou? Beleza, não estava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de um lance que eu adoro): CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.

Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam bem diferentes.

Desejo para todo mundo esse olhar especial.

O ano que vai entrar pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. O ano que vai entrar pode ser o bicho, o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular… ou… Pode ser puro orgulho! Depende de mim, de você! Pode ser. E que seja!!!

Feliz olhar novo!!! Que o ano que se inicia seja do tamanho que você fizer.

Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!
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Fonte
Imagem = http://br.universalscraps.com

Trova XCIX - Nei Garcez (Curitiba/PR)


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