quinta-feira, 20 de maio de 2010

Luis Dolhnikoff (A Máquina do Mundo)


I

uma coisa
é como a mente funciona

outra
como funciona a linguagem

uma terceira
como mente e linguagem interagem

a quarta
como interagem o mundo e a linguagem

como a mente e o mundo interagem
são os sentidos

a mente de um homem sem sentidos
não interage com o mundo

um homem sem sentidos
não é somente quem desacordado
com sua mente desligada
mas também com a mente desconectada
do corpo

é verossímil manter vivo
um cérebro isolado
desde que alimentado
por um circulador sangüíneo

o horror mais límpido

(o inferno não são os outros
sou eu

eles, se tampouco o paraíso
são portanto o purgatório)

a mente é o que cérebro sente
por si mesmo

mas não em si mesmo:
o cérebro em si nada sente

(cérebros são operados
sem anestésicos)

quando o corpo sente sem sentir
como a dor de um membro amputado
sente uma dor fantasma

o cérebro em si não sente nada:
a mente é a dor fantasma
que o cérebro deveras sente

II

a mente acordada é ela no mundo
(não como um homem no jardim
e sim como um homem à janela)

dormir não é desligar a mente
mas o corpo

desligar o corpo é apagar o mundo

isolar a mente é indistinguir
entre estar acordado e dormindo

dormir é despertar a mente

a mente desperta, isto é
liberta do corpo
nada sabe do mundo

a mente desperta sabe do sonho
e do horror
(o sonho é uma forma de dor)

apagar a mente e o mundo é morrer

apagar a mente é vegetar

vegetais são corpos sem cérebro
(o mesmo
que cérebros sem mente
por exemplo, no coma)

III

como sonha
o cérebro assim que ganha o corpo
logo que o corpo
ganha um cérebro?

o cérebro imerso no corpo
imerso no útero
confunde o útero com o corpo
e o corpo consigo mesmo:
cérebro, corpo e útero
são um
e são um sonho

como sonha o cérebro nascituro?

como sonha o cérebro nascituro
sem corpo?

o cérebro arrancado
não somente do útero
mas do útero do corpo

o cérebro nu
no mundo

não sonha
pois seu sonho era o corpo
e o útero

não pensa
pois pensar era sentir o corpo
e o útero

o cérebro nu
e despido de memórias

IV

o que diferencia
pensar e sonhar?

sonhar é pensar sem o corpo
porém com a memória do corpo

(memórias são sonhos despertos
de acordo com o corpo

sonhos são memórias despertas
pelo sono do corpo)

sonhar com o corpo é pensar

sonhar é uma forma de pensar

V

o corpo sente o mundo
a mente, o corpo

o que o corpo sente e não é o corpo
é o mundo

a mente sente o corpo no mundo

o corpo sem mente não sabe que sente
(a mente sem corpo não sabe o que sente)

o corpo no vácuo sente a si mesmo

a mente sem corpo sente em si mesma

o que a mente sente em si mesma é sonho
e horror

(o que distingue o sonho do horror
é o sonho não saber ser sonho
e o horror saber ser horror:
o horror é o sonho que sabe não ser sonho)

(pesadelos, sonhos que crêem ser o horror)

VI

o corpo no vácuo
não iguala o cérebro no vidro

o cérebro no vidro não sente nada
e sente sentir nada

é cego, surdo e solto
de tudo:
não sente o peso
ou o tato

o cérebro no vidro sente o nada

VII

o cérebro no corpo
estando o corpo no vácuo
sente o corpo
que sente a si mesmo

o cérebro no corpo
estando o corpo no mundo
sente o corpo sentindo o mundo

o corpo no mundo
é o mundo que a mente sente
(como um homem à janela
quando aberta)

no vazio do mundo
o mundo do corpo é o corpo:
numa cela, é a cela:
sob a noite, é a noite
e o chão e o vento
e as estrelas e a distância
e o medo

a liberdade
não é a falta de anteparos
porém a possibilidade
de derrubar paredes
e levantar muros

mundos menores não são prisões maiores

mundos maiores são prisões menores

um mundo encolhido
não é necessariamente pequeno

um mundo ampliado é necessariamente largo

um mundo escolhido é possivelmente adequado

VIII

o cérebro sem corpo não escolhe o mundo

o corpo sem cérebro não escolhe nada

o cérebro sem corpo não vive: sonha

o corpo sem cérebro não vive: vegeta

(vegetais vivem, mas como vegetais)

IX

sentir não é viver

sentir não é pensar

sentir é sentir

pensar não é pensar

pensar é pensar e sentir

o que em mim pensa está sentindo

pensar sem sentir é sonhar

sentir sem pensar é não sentir:
na anestesia
não é o corpo que não sente
mas a mente
(anestésicos agem no cérebro)

pensar é sentir o corpo no mundo
e as palavras na mente

pensar as palavras no mundo
é filosofar

Fontes:
DOLHNIKOFF, Luis. Sobre Sisifo. Ateliê Editorial, 2007.
Imagem = http://portaldoastronomo.org/

Luis Dolhnikoff (1961)


Luis Dolhnikoff (SP, 1961) iniciou sua carreira literária com o livro de poemas Impreciso emigrar (SP, Massao Ohno, 1979).

Depois de um intervalo no qual cursou medicina e letras na USP, retornou com Pãnico (SP, Expressão, 1986, com apresentação de Paulo Leminski).

Em 1987, participa da fundação da editora paulistana Olavobrás, pela qual publicaria Impressões digitais (1990), e Microcosmo (1992), ambos de poemas, além da coletânea de contos Os homens de ferro (1991).

Publicou poemas em Atlas Almanak 88 (SP, Kraft, organização Arnaldo Antunes), na página de arte e cultura Musa paradisiaca (Curitiba, A Gazeta do Povo, 1997, edição de Josely Vianna Baptista e Francisco Faria), na revista Medusa (Curitiba, 2000), na revista Tsé=tsé 7/8 – número especial com 30 poetas brasileiros contemporâneos (Buenos Aires, 2000), na antologia de poesia brasileira contemporânea Moradas provisorias (in Hipnerotomaquia, Ciudad de Mexico, Aldus, 2001, organização Josely Vianna Baptista) e na revista Cult (SP, set. 2002, no. 61).

Colaborou com resenhas e artigos literários em O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde, A Gazeta do Povo (Curitiba), A Notícia (Joinville), revista Sibila (SP) e jornal Clarín (Buenos Aires).

Entre 1992 e 1995 coorganizou, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday de SP, em que deu a público suas traduções de poemas de James Joyce.

Em 2001 recebeu Menção Honrosa no “Prêmio Redescoberta da Literatura Brasileira”, da revista Cult, com a trilogia poética Consubstanciações I (sendo os jurados os poetas Nelson Asher, Waly Salomão e Cláudio Willer).

Em 1995 muda-se para Florianópolis, residindo no sul da Ilha de Santa Catarina, onde se dedica ao ofício literário.

Fonte:
Jornal de Poesia

Folclore Portugues : Distrito de Coimbra (Os Degolados de Montemor-o-Velho)



Esta lenda aconteceu em tempos muito antigos, quando, em 848, Montemor-o-Velho foi reconquistada aos Mouros pelo rei Ramiro de Leão. Depois da batalha, o monarca de Leão resolveu visitar um seu parente, o abade D. João, que vivia no Mosteiro de Lorvão. Quando lá chegou verificou que o Mosteiro estava em ruínas e que os frades viviam na mais completa miséria, cheios de fome e de frio, devido às guerras constantes que devastavam a região.

Querendo beneficiar os religiosos, doou-lhes as rendas de Montemor e alguns campos em redor da vila, com a condição de no Mosteiro ficarem alguns monges-guerreiros para defesa da vila.

Passado algum tempo, os mouros voltaram a atacar e cercaram Montemor durante muito tempo, começando os bens a escassear. Com a ameaça de uma rendição forçada e temendo os ultrajes que seriam feitos aos velhos, às mulheres e às crianças, cada homem reuniu a família e, encomendando as suas almas a Deus, degolou todos os seus membros, um a um, com o coração dilacerado.

Após este ato sangrento prepararam-se para a derradeira batalha, no exterior da fortaleza, na qual tinham a certeza de morrer. Mas, para grande surpresa de todos e talvez porque extinta a família já não tinham nada a perder, os cristãos lutaram sem medo e venceram esta batalha.

Desolados, os homens choraram a vitória pelo sacrifício inútil das suas famílias mas, quando se aproximavam das portas da fortaleza gritos de alegria ecoaram no ar. Aguardavam-nos vivos os parentes que antes tinham sido degolados e este grande milagre ficou para sempre na memória do povo português através da lenda dos Degolados de Montemor-o-Velho.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Aviso aos Colaboradores e/ou Leitores


A quantidade de colaborações e pesquisas é muito grande, além do tempo pequeno para tudo, por mais perfeito que tente ser, sendo apenas uma pessoa, podem existir falhas. Caso perceber alguma falha em algum texto, omissão de nomes, de palavras, de resultados de concursos, solicito que ou postem um comentário na respectiva postagem ou escrevam para pavilhaoliterario@gmail.com mencionando a falha para que possa ser corrigida.
Aos colaboradores solicito que me enviem as noticias com os dados corretos para que não haja más interpretações sobre as mesmas. Devemos propagar a literatura além fronteiras com seriedade, para que a nossa cultura seja respeitada e valorizada em todos os locais, nacionais ou internacionais.

Obrigado
José Feldman

Macyra Sotero (Poema à Chuva)


Procuro alguém que assim como eu
goste de chuva…
Não só da chuva que cai , fina e constante,
mas da chuva de temporais, de raios e trovões.
Alguém que goste do após chuva
das ruas enlameadas, do vento no rosto,
das poças d´água e do cheiro da terra molhada…
Procuro alguém que não se sinta triste porque chove
mas saiba ver a beleza triste da chuva.
Procuro alguém que dispense guarda-chuvas
e saiba sorrir criança com a chuva no rosto…
Alguém que sabendo viver a chuva
saiba também apreciar uma chávena de chá ou café
no clima da chuva e da companhia
por trás das vidraças embaçadas.

Fonte:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos/

Antonio Brás Constante (Os Pastéis que Viraram Texto [leia enquanto estão quentes])


Muitas das histórias contadas nos recantos deste gigantesco orbe, salgado e molhado, conhecido como planeta Terra, entram em nosso mundo literário pelas vivências de seus habitantes, que as espalham através da cumplicidade entre a boca de uns e os ouvidos de outros. O texto a seguir é algo neste estilo.

Tudo começa com a viagem de um jovem (nem tão jovem) que poderia ser conhecido como: Evaldo da firma de advocacia, Olinto da clínica dentária, Ricardo da padaria, Jorge da borracharia, entre tantos outros nomes, mas que chamaremos nesta narrativa apenas de Osório.

Osório resolveu passar as férias com sua família (esposa e filha) em algum lugar ao norte do País tupiniquim onde eles viviam. Viajaram para um local recheado de praias paradisíacas que pareciam verdadeiros cartões postais e de onde eram vendidos cartões postais repletos de imagens de praias paradisíacas. Vale lembrar que nas viagens tipicamente de férias, tudo tende a ser uma festa. O relógio é esquecido e o tempo passa a fluir livremente, sem importunar ninguém. A rotina dá lugar à sede de se conhecer novos lugares, bares, pousadas, pontos turísticos e restaurantes.

Em uma destas investidas turísticas Osório e família encontram um pequeno restaurante em um dos lugarejos por onde passavam e passeavam. Era um ambiente bem descontraído e agradável, temperado com um aroma delicioso. Após uma rápida consulta ao cardápio, resolvem pedir uma porção de pastéis, sendo seis de queijo e seis de camarão.

Enquanto esperavam a refeição, os três iam matando o tempo curtindo os sons do lugar e a fragrância da culinária local que se espraiava por todo recinto, vinda das outras mesas e da cozinha. Eles pareciam jogar conversa fora, o que não era totalmente verdade, já que seus ouvidos faziam um certo tipo de reciclagem cerebral dos assuntos ali discutidos, ou seja, os diálogos com pitadas de humor eram armazenados na área mental das “vivencias felizes”, as ponderações sobre as belezas do lugar ficavam no compartimento das “boas lembranças”, e qualquer tipo de comentário sobre política era imediatamente descartado, indo parar diretamente na lata de lixo destinada ao esquecimento, para não estragar o passeio.

Mas bastou passar pouco mais de meia hora de tranqüila espera ociosa e o estômago de nossos personagens já começou a querer entrar na conversa, demonstrando um vazio incômodo, que insistia em ser preenchido. Osório resolve chamar o garçom e perguntar sobre seu pedido, o garçom pede um momento, dizendo que já iria verificar e sai, sumindo por entre as mesas.

Mais meia hora se passa até que o garçom retorne. Ele chega avisando que o pedido não foi ainda entregue porque os camarões estavam em falta, podendo ser feitos apenas pastéis de queijo. O estômago de Osório pareceu não ter gostado muito daquela informação, e fez questão de enfatizar isso com ruídos pouco amigáveis. Em um misto de fome, impaciência e raiva, devidamente reprimidas pela boa educação e pelo clima de férias. Ele pede ao garçom que traga pastéis de queijo. Osório fala em um tom ainda tolerante e tentando, dentro do possível, parecer cordial, mas seus dentes semi-serrados deixavam dúvidas se ele estava esboçando uma tentativa frustrada de sorriso, ou se acabara de ser acometido por uma insuportável dor abdominal, proveniente de um ataque de apendicite aguda e inesperada.

Outra meia hora escorre pelos ponteiros do relógio até o garçom reaparecer com um ar de dúvidas e incertezas em seu semblante, e o que é pior, sem nada de pastéis em sua bandeja. Ele olha para Osório que também olha para ele, um silêncio tenso se forma entre os dois, quebrado pela pergunta derradeira do garçom:

- Moço, desculpe perguntar, mas... Vocês vão querer seis ou doze pastéis de queijo?

Fonte:
Colaboração do Autor

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 3



3. Mil anos de português

Recapitulando: os romanos chegaram à península Ibérica (onde estão hoje Espanha e Portugal) no século 3o a.C. Na época, a região era habitada pelos celtiberos, comunidade formada pela fusão dos celtas, vindos da Europa central, e iberos, provavelmente originários do norte da África. O latim vulgar, trazido pelos soldados romanos, foi imposto como língua oficial, porém acabou assimilando parte do vocabulário e acentuadas marcas do sotaque e da sintaxe dos povos colonizados. Com o passar dos séculos, foram-se formando os dialetos regionais. Finalmente, consolidou-se como língua geral da península o espanhol, que adotou como padrão o dialeto de Castela e por isso ficou também conhecido como castelhano.

Por volta do ano 1000, ninguém mais falava a antiga língua de Roma, a partir de então mantida apenas em documentos científicos e nos cantos e orações da Igreja. Há quem diga que o latim morreu de parto, no momento em que dele nascia a filha caçula, a língua portuguesa – “última flor do Lácio”.

Na costa ocidental da península Ibérica, ouvindo o murmurar do Atlântico, desenvolvia-se uma bonita região conhecida como Lusitânia – a que Camões chamou de “o mais belo jardim da Europa à beira-mar plantado”. Falava-se ali, no alvorecer do segundo milênio (portanto há mil anos), o que hoje denominamos português proto-histórico – formado a partir do antigo dialeto galaico-português. Em 1095, Afonso VI, rei de Leão e Castela, instituiu na Lusitânia o Condado Portucalense. Sensibilizado pela colaboração que vinha então recebendo do nobre francês Henrique de Borgonha na luta contra os mouros, deu-lhe o rei por prêmio a mão de sua filha Dona Teresa, e com a noiva o governo do Condado. Em 1139, Dom Afonso Henriques, filho e sucessor de Henrique de Borgonha, proclamou a independência do Condado, e sagrou-se primeiro rei de Portugal.

A essa altura já se falava, e começava a aparecer escrito, o português arcaico, assim considerado desde o século 12 até o início do século 16. Dessa época se guardam documentos de precioso valor histórico, tais como as cantigas dos trovadores, novelas de cavalaria, as crônicas de Fernão Lopes e o teatro de Gil Vicente. Mas foi somente a partir de Luís de Camões que a língua assumiu suas características definitivas. Com Os lusíadas inaugurou-se o português moderno. Daí por diante, lendo Vieira, Camilo, Eça, Machado, Pessoa, Bandeira, Drummond, nós lusófonos (Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Goa, Guiné-Bissau, Moçambique, Timor Leste, São Tomé e Príncipe – cerca de 220 milhões de falantes) tivemos apenas de acompanhar a evolução natural do idioma até alcançar a forma atual. Enquanto Seu Lobo não completa a globalização, continuaremos gostosamente a dar o nosso recado em português...

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Lygia Lopes dos Santos (As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira)


Oliveira, Roza de. As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira. Curitiba: SEEC/Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 2001.

O livro As Imagens do Ar nos Poemas de Tasso da Silveira foi elaborado a partir de uma dissertação de mestrado de Roza de Oliveira, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A autora faz uma interpretação da obra do poeta paranaense Tasso Azevedo da Silveira, que nasceu em Curitiba, em 1895. O poeta desenvolveu grande atividade intelectual aqui no Paraná, tendo fundado com Andrade Muricy, Oscar Martins Gomes e Lacerda Pinto, a revista " Fanal", em 1911 e mais tarde, em 1914, a revista "Atheneia". No Rio de Janeiro criou as revistas "América Latina", "Terra de Sol" e em 1927 a revista "Festa", que se tornou porta-voz do grupo espiritualista do modernismo brasileiro, por ele dirigido. Seu primeiro livro de versos, "Fio d’Água", foi publicado no Rio de Janeiro, em 1918.

Segundo Roza, foi extensa a atividade criativa de Tasso da Silveira "predominando aí sua produção poética, porém, com variações eventuais para o ensaio, a pregação cívica, a crítica, o ensino em cátedra de literatura, as conferências, os cursos de extensão, o teatro, as traduções de autores famosos, a colaboração na imprensa periódica, a polêmica, inclusive tendo participado de equipes de redação de alguns jornais".

A autora enumera: "A produção poética de Tasso da Silveira consta de 11 livros com 468 poemas, tendo sido alguns traduzidos para o francês, italiano, espanhol, alemão, inglês, húngaro e romeno; outros musicados por compositores de renome como Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandes e Brasílio Itiberê." A sua obra foi apreciada por um número considerável de críticos, como Mário de Andrade, Andrade Murici, Massaud Moisés, Mário da Silva Brito, Leodegário de Azevedo Filho, Alceu Amoroso Lima, e muitos outros.

A Tendência Espiritualista do Grupo Festa

Tasso da Silveira foi condutor e orientador do grupo da Revista "Festa", uma das vertentes do Modernismo Brasileiro. Em seu "espiritualismo", o grupo "Festa" faz a apologia de uma evolução literária mais moderada, que não se desligue das tradições brasileiras e que não se afaste do âmbito universal. Valorizou ainda o misticismo, discutindo temas filosóficos e espirituais, a exemplo dos simbolistas. Sentiu a necessidade de salientar na literatura a característica brasileira, preservando, no entanto, os elementos universalistas, particularmente a influência cristã. O poeta chama esta confluência de forças de "anseio de totalização", que traz para a arte as realidades humanas, transcendentais, materiais e espirituais.

Os 4 Elementos, segundo Gaston Bachelard

A autora se propõe a fazer uma análise da obra do poeta paranaense, seguindo a teoria dos 4 elementos: fogo, água, terra e ar, elaborada pelo filósofo francês Gaston Bachelard. Para ele, todas as imagens poéticas estão vinculadas a um elemento primordial, o que nos proporciona uma nova maneira de abordagem do discurso poético. Partindo da idéia que há um elemento predominante, o filósofo reflete sobre as características inerentes aos quatro elementos, que colocarão ordem no ilusório.

Para esta abordagem, foram escolhidos poemas relacionados ao fogo, à água, ao ar e à terra. Foi percebida na maioria destes versos a presença de dois ou mais elementos. A imaginação não se fixa num único elemento, como a água, porque para o poeta, há também o céu, a terra, o fogo. Mesmo que todos os elementos figurem nas imagens literárias, analisando a obra de um autor, nota-se a sua preferência por um deles. Tasso da Silveira comprovou ter escolhido o ar.

Segundo a autora "Tal princípio de ordenação das imagens desenvolve-se a partir:

de uma tendência psíquica implícita no elemento Ar que é a de se elevar, tendo como imagem arquetípica o sonho do vôo.

Do arquétipo aéreo – o Vento e sua ambivalência.

Da qualidade mais característica do Ar que é a de ser uma matéria sem matéria, isto é, imaterial."

Procura evidenciar que "o elemento Ar fornece ao sonhador a via para a atualização da viagem onírica na qual os termos leveza, ascensão, misticismo e, principalmente o silêncio, participam do lirismo de Tasso da Silveira numa espécie de comunicação com Deus."

O Fogo

O fogo, como realidade evidente, destaca-se como uma das mais repletas de sonho e de humanidade. Nós o encontramos na lareira, no fogão, na vida cotidiana, no brilho dos olhos, no nosso sangue, ilumina a inteligência, impulsiona a nossa vida com o calor dos nossos corpos. Em sua face metafísica, é muitas vezes encontrado no Novo Testamento em várias revelações de Deus.

Vejamos um trecho do poema de Tasso, A CRUZ:

"Das mãos do Senhor erguiam-se labaredas,
Dos pés do Senhor erguiam-se labaredas,
Dos flancos do Senhor erguiam-se labaredas
De dor..."

A Água

A água tende a aparecer nas imagens delicadas, suaves, límpidas, às vezes profundas, femininas, doces; mas também aparece quando a natureza se revolta, nas tempestades, nos cataclismas, no mar enfurecido. A água é bela tanto na suavidade, quanto na turbulência.

A seguir, vemos um trecho do poema FIO D’ÁGUA:

"Fio d’água humilde e brando,
da transparência dos cristais:
tão claro e límpido vais
cantarolando,
que deixas ver lá no fundo,
a areia fina alvejando..."

A Terra

Para Bachelard, a matéria está carregada de experiências positivas, a sua forma é evidente, a sua realidade é impossível de camuflar, porque é areia, húmus, limo, cascalho, rocha, metal, madeira, borracha, montanhas, cavernas, labirintos, raízes, serpentes, etc.

Vejamos a realidade como a viu Tasso em GÊNESE:

O pedreiro preparou a argamassa
E foi juntando pedra a pedra
E erguendo o muro.

Foi lentamente criando
A realidade concreta do muro alto.

Foi lentamente criando
Em gestos essenciais
E em silêncio
Perdido no infinito de si mesmo
Como um Deus!

O Ar

Com a âncora fixada na filosofia de Bachelard, Roza reconheceu o ar, fluido, móvel, leve, reinando nos cumes, nos picos, levando o nosso imaginário a divagar, suave, indistinto, a elevar-se, a desmaterializar-se. "O sonhador aéreo vive intensamente o desejo de se lançar para o alto, isto é, para a luz, para a pureza, para a espiritualidade, adequando-se a uma filosofia do total vir-a-ser..."

Vamos encontrar a leveza do ar no poema A DANÇA DE EROS VOLÚSIA:

O corpo frágil surgiu
De uma névoa longínqua,
Diáfano, leve, imaterial:
No ar sereno traçou um ritmo de encanto,
E tudo em torno
Se imaterializou.

O corpo frágil surgiu
De distâncias ignotas
E ao nosso olhar parado
Abriu-se como uma flor misteriosa
E os pés ágeis criaram
No chão
arabescos inéditos

asas de ave
bêbadas de infinito
debatendo-se tontas
no espaço azul.

Comunhão de idéias

A autora navega através da poesia de Tasso da Silveira, pelo mundo interior do artista, com grande segurança. Há uma grande comunhão de idéias entre o filósofo Gaston Bachelard, Roza de Oliveira e o poeta estudado, o que resultou neste trabalho de alta qualidade. Com sua sensibilidade, a autora conseguiu penetrar no mundo metafísico, astral, atemporal e sublime do artista, interpretando com maestria a filigrana de sua poesia.

Curitiba, outubro de 2001

Fonte:
http://www.utp.br/eletras/ea/eletras3/rese03.htm

Lygia Lopes dos Santos (Matizes do Céu)


Luz do Céu.

A luz do céu de minha terra
despertou os sonhos ingênuos na infância,
a ilusão de alegria que o devaneio encerra,
louca visão que vai longe, perdida na distância.

Alvor do Céu

O alvor do céu de minha terra
alimentou a fantasia no adolescente,
ao imaginar uma aventura além, na serra,
percorrendo o caminho do sol nascente.

Fervor do Céu

O fervor do céu de minha terra
incentivou no adulto a esperança
de batalhar, lutar e vencer a guerra.

Anoitecer do Céu

O anoitecer do céu de minha terra
favoreceu o crepúsculo da alma serena,
culminando no atalho onde a vida desterra.

Fontes:
Simultaneidades.
Imagem = http://escrevendopraviver.blogspot.com/

Folclore Português : Distrito de Coimbra (Os Ferreiros de Penela)

Monumento ao ferreiro. Guillermo Steinbrüggen Lago (1970)
Muito perto de Penela existem dois montes elevados, em forma de cone, que a lenda diz terem sido habitados por dois irmãos ferreiros, Melo e Jerumelo.

Estando cada um em seu monte com a sua respectiva forja, possuíam apenas um martelo do qual se serviam alternadamente. A distância entre o topo dos dois montes era curta, assim de dois quilometros mais ou menos, e os dois irmãos atiravam o martelo um ao outro quando dele precisavam. Decerto que já perceberam que estes irmãos eram gigantes porque de outro modo não teriam força para atirar o martelo.

Um dia, Jerumelo zangou-se com o irmão e atirou-lhe o malho com tanta força que este se desconjuntou, caindo o ferro na encosta do monte Melo com tanta força que lhe fez brotar uma fonte de água férrea. O cabo de madeira de zambujo foi espetar-se na terra a dois quilometros de distância, fazendo nascer um zambujo, que veio dar o nome à povoação de Zambujal.

A prova de que esta história tem um fundo verdadeiro está nas ruínas da forja do irmão Melo, que ainda hoje se encontram no cimo do monte com o mesmo nome.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt/

terça-feira, 18 de maio de 2010

Marlene Rangel Sardenberg (Para Um Poeta)


Deus o fez poeta. Pobre peregrino
neste mundo de sonhos e ilusões!
Forjou-lhe a alma eterna de menino
pra resguardá-lo das decepções

das horas de espera sem chegada
que ele sente e não consegue entendê-las:
como viver na solidão gelada
quando se está tão perto das estrelas!?

Depois de tropeçar no paraíso,
cair de amores, ainda é preciso
da caminhada encontrar a meta?

Pra conviver com as angústias que o consomem,
sofre, então, como homem que é poeta
por viver como poeta, que é homem.

Fonte:
Colaboração de Antonio Manuel Abreu Sardenberg

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte 2

2. A flor que veio do Lácio

Numa bela região da Itália, tendo por moldura a oeste o mar Tirreno, a leste os Apeninos, ao norte a Toscana e a Úmbria, e a Campânia ao sul, havia o Lácio. Seus habitantes falavam o latim, então modesto ramo linguístico brotado do grande tronco indo-europeu. No Lácio, um pouco segundo a lenda, um pouco segundo a história, no ano 753 a.C., às margens do Tibre, numa paisagem onde a natureza caprichosamente plantou charmosas colinas (dizem que sete), nasceu Roma, a eterna. Mais que a história, manda ainda a lenda (aliás sempre muito mais bonita) que se credite aos gêmeos Remo e Rômulo, mais a Rômulo do que a Remo, a fundação da nobre urbe.

Roma cresceu, virou império, tomou conta de toda a Itália, acabou estendendo o seu poder por meio mundo. Rica e forte, pôde ao mesmo tempo tornar-se importante polo cultural, graças principalmente ao que aprendeu com os gregos. À influência recebida da cultura grega deve-se também, em boa parte, o notável enriquecimento do latim, aos poucos transformado em primorosa língua.
Havia, porém, duas modalidades de latim: o clássico (erudito), usado na produção literária, monitorado pelos gramáticos e adotado como padrão pela restrita roda dos romanos cultos; e o latim vulgar, falado (e raramente escrito) pelos mortais comuns.
De colônia em colônia, ia Roma espalhando mundo afora a sua língua. Em cada região conquistada, a primeira providência dos dominadores era impor o latim como idioma oficial. Não o latim chique dos discursos de Cícero e dos versos de Virgílio, mas o latim povão – a fala descontraída dos soldados e dos barnabés do império. Ocorre ainda que, no contato com os povos subjugados, ia o latim assimilando parte do vocabulário e marcas do sotaque e da sintaxe de cada região. Daí resultou que, passados alguns séculos, não era mais o latim que se falava: eram dialetos, logo consolidados como novos idiomas. Assim se formaram as chamadas línguas neolatinas, entre as quais o italiano, o francês, o romeno, o espanhol, o português.

A chegada dos romanos à península Ibérica (onde estão hoje Espanha e Portugal) data do século 3o a.C. Na época, a região era habitada pelos celtiberos, sabendo-se que por ali também passaram gregos, fenícios, cartagineses e outros grupos. O domínio romano permaneceu até o século 5o d.C., quando a península foi invadida pelos bárbaros de origem germânica. No ano 711, houve nova invasão, a dos árabes. Em meio a todas essas escaramuças, ao se encerrar o primeiro milênio já se definira a língua espanhola, e estava nascendo a língua portuguesa, liricamente rebatizada, muitos séculos depois, pelo poeta Bilac, como “última flor do Lácio”.

Fonte:
A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010

Sérgio Valério (A Barba)


Valdemar não tirava a sua barba e o seu bigode há 30 anos.

Naquela manhã, ele estava sozinho em casa.

Resolveu mostrar a cara. Pegou o aparelho de barba da mulher e tirou tudo.

De cara limpa, Valdemar foi se vestir.

Colocou o seu terno azul-marinho, a gravata vermelha e olhou-se no espelho. Parecia outro homem. Muito mais moço.

Abriu a porta de casa e deu de cara com a vizinha.

Ela olhou pra Valdemar e é claro não o reconheceu.

Valdemar arriscou um "bom-dia", mas a mulher virou a cara e deu um sorrisinho de lado.

Valdemar pôde ler nos olhos da mulher:

-Coitado do Valdemar. A mulher dele traindo na própria casa.

Valdemar sentiu o rosto ficar vermelho de raiva e de ciúme de si mesmo, mas foi em frente.

Tirou o carro da garagem e enfim, chegou ao trabalho.

Foi entrando no prédio, quando o porteiro falou:

-Você vai aonde moço?

Foi um trabalho danado. Valdemar teve que se identificar.

No escritório, também foi um sufoco aguentar as brincadeiras dos colegas.

No final do dia chegou em casa. Queria ver a cara da mulher quando o visse assim, de cara nova.
Entrou de mansinho. Cláudia estava na cozinha.

Chegou por trás e abraçou-a, em silêncio.

De costas ainda, Cláudia passou a mão em seu rosto e disse:

- Você é louco! Tá na hora do Valdemar chegar, Amauri!

Fontes:
VALÉRIO, Sérgio. O colecionador de histórias. São Paulo: Panorama, 1998.
- Desenho = http://denilsodelima.blogspot.com/

Folclore Português : Distrito de Coimbra (A Raiva do Alva)



A localidade de Pombeiro da Beira tem na sua história uma disputa entre três rios, o Mondego, o Alva e o Zêzere, todos nascidos na Serra da Estrela. Estes três rios envolveram-se um dia numa grande discussão sobre quem seria o mais valente e acertaram numa corrida que esclareceria a questão: quem chegasse primeiro ao mar seria o vencedor.

O Mondego levantou-se cedo e começou a deslizar silenciosamente para não atrair as atenções. Passou pela Guarda e pelas regiões de Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim e pela Raiva, onde se fortaleceu junto dos ribeiros seus primos, chegando por fim a Coimbra.

O Zêzere, que estava atento, saiu ao mesmo tempo que o seu irmão. Oculto, por entre os penhascos, foi direito a Manteigas, passou a Guarda e o Fundão, mas logo depois se desnorteou e, cansado, veio a perder-se nas águas do Tejo.

O Alva passou a noite a contar as estrelas, perdido em divagações de sonhador e poeta. Quando acordou, era já muito tarde mas ainda a tempo de avistar os seus irmãos ao longe. Tempestuoso, rompeu montes e rochedos, atravessou penhascos e vales, mas quando pensava que tinha vencido deparou com o Mondego, no momento que este já adiantado chegava ao mar. O Alva ainda tentou expulsar o seu irmão do leito, debatendo-se com fúria e espumando de raiva, mas o Mondego engoliu-o com o seu ar altivo e irônico.

Este lugar onde os dois rios lutaram ficou para sempre conhecido como Raiva, em memória da contenda entre os dois irmãos.

Fonte:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt

Deborah Brennand (Poesias Avulsas)


SÓ ALGUNS CRAVOS

Nada sei de tílias e carvalhos
agapantos, tulipas, jasmins do Cairo.
Conheço bem urtiga, as locas, o mato
algemas de cipós, liana em laços.

Por sorte, só por sorte ainda guardo,
naquele pote a colônia macerada
— dói a alma, dói e não passa —
lembrando a timidez dos bredos
selvagens.

E, agora para enfeitar uma casa
alva casa entre gramas sem trato
vôo pousado, varanda em asas
eu escolhi, só alguns cravos.

Cravos sem sangue, mas... encarnados.


ANJO DA NOITE

Dá-me a ilha de Samos como brinde de noivado
BENGIERD

E sendo o ser todo ser
eu, vetusta ou jovem lusa,
dei o meu olhar de claridade
à vastidão única das brumas
e só no coração uma saudade
era de havidos campos,
campos quase não vistos,
ó enamorado de minha formosura.

Sombria ou ruiva foi a cabeleira
o pouso da coroa em garras.
Abutre no alvor da minha fronte
cravando unhas de diamantes
assim eu disse que as mulheres
não deviam usar trajes escarlates.
Talvez dez dias e oito noites passassem
nas distantes florestas de Lorvão.

E o meu reino era cinzento em culpas,
o meu legado agouro e mal.
Ó enamorado da minha póstuma formosura,
por que de mim tão pouco sabes?

CLARIDADE

Afortunados são os bosques
onde sem bridas
a luz campeia
entre as folhagens

suas crinas douradas

Tão leve se lustra a água
na medida exata
que os rebanhos bebem
junto às raposas

sem temor selvagem.

Por que só a mim discrimina a claridade?

ABRIL

Quem me dera voltar
ao primeiro jardim!
Conduzida por leões
mansos leões em volta
indo e vindo sem as patas
esmagarem as madressilvas.

Depois,

recostada em tronco antigo
da árvore que não existe,
ficar alheia. Esquecida,
até as estrelas surgirem
tal um enxame de abelhas
douradas, picando a sombra.

SEMPRE ALGUMAS LÉGUAS RESTAM

Em todos os sítios
o vento arranca as folhas secas.

Assim, também é certo
a cerca, mesmo caindo, seguir a terra.

Só o rio desata nós de água
em ramalhetes de pedra.

E sempre algumas léguas restam
para chegar ou partir

na claridade dispersa.

DECLARAÇÃO DE AMOR

Ontem disseste
sisudo, como todo saber
— Esta flor é da família das violáceas
o nome correto é — violeta tricolor.

Eu disse — é amor perfeito...

Amarelo e roxo
salpicado de negror
severamente reclamando
gotas de terra nas folhas.

Pensei — será isto perfeito?

SEM PRECONCEITO

Senta no primeiro degrau
o mais baixo, todo esmagado,
onde a pedra se une à terra
sem preconceitos.

Ambas têm veios negros.

E sê atenta aos sinais
a alma é muda. Mas,
o coração entende
e traduz bem

o que ela diz calada.

Escuta e sê atenta
lodo e escorpiões
juntos nas frestas
fingem amorosa inocência.

Sem preconceito, são inocentes?

MEU BEM

A noite não é uma vela
negra e sem lume,
não é um cacho de uvas
sombrio no parreiral.

Não é aquela borboleta
com asas escuras na mata,
menos ainda é um túmulo
com estrelas douradas.

A noite é, meu bem,
só a origem da claridade.

PRISÃO

Vencendo muros de pedras
Flameja do sol o brasão
Ó real castelo em dia aceso,
Ó ruivas folhas do soberano verão
Ó tempo não apertes a corrente
Do meu sonho já agonizante
Crestada é a terra e perto
Deságua um rio de sangue
Na pastagem morta

Do meu coração

CRUEL MENSAGEM

Morto foi o sonho de um jardim
Por um verão servil, de cruel mensagem
E eu vi raízes, a vida agonizando,
Na lâmina acesa de um punhal.

Os musgos, as heras, as papoulas,
Manchavam a grama seca.
E lírios, junto ao sangue das rosas,
Magoados eram o pasto

De cavalos alheios e famintos.

IGUAL A MÃO

Velhas cortinas de renda
Por sonhos bordando brasões
Agulhas trançaram ouro e linha
Em sombras fugazes de flores
Fantasmas de um morto verão.

Cobrindo vidraças, embaçando a vida,
Escondes desvarios, alucinações,
Olhares perdidos de condessas
Caminhos ocultos na distância
E o vento forte, agitando o pano

Com a rudeza de sua mão.

SEMPRE

Assim, além da cerca, eu espero,
O quê? Não sei. Espero.
Embora só o vento chegue
todo arranhado, em gemidos,
caindo e já sem sentidos

Jogue aos meus pés as folhas secas.

DE AMARELO

Hoje devo me vestir de amarelo:
espantar os olhos negros da solidão,
tal a luz do girassol de ouro dourado
que abre pétalas iluminando nuvens.

Quem saberá (nem ela mesma) o artifício
usado para enganá-la? Sonhos? Jardins?
Não digo. Hoje me visto de amarelo
e vou, nos ramos, entoar da ave o canto.

Quero espantar olhos de solidão
que vem das grutas e abandona montes
para comer a relva rubra do meu coração.
Mas hoje, de amarelo, espantarei a fera

Fugindo, à procura de outra vítima:
Quem sabe, a mata?

Fontes:
- Jornal de Poesia.
- Antonio Miranda.

Déborah Brennand (1917)



Deborah Brennand, nascida em 1917 no Engenho da Lagoa do Ramo, município de Nazaré da Mata, pertencente ao estado de Pernambuco, a poetisa freqüentou o ensino básico, médio e superior – este, porém, inacabado – na capital Recife.

Contudo, foi no Engenho S. Francisco que ela viveu grande parcela de sua vida adulta, trabalhando como empresária rural, fato este marcante para os contornos mais basilares de sua imagética bucólica e delicada.

Afeita a encarar a poesia muito mais como um hábito natural e espontâneo, por muito tempo preferiu manter sua obra literária na intimidade – sossegada e distante dos ruídos do prelo.

Porém, foi convencida pelo marido e artista plástico Francisco Brennand, pelo romancista Ariano Suassuana e pelo poeta César Leal a publicar, em pequenas antologias, os poemas que ela teimava em esconder. A crítica especializada considera-a, desde então, uma das maiores poetisas nordestinas de sua geração.

Deborah Brennand estreou com O punhal tingido ou O livros de horas de Dona Rosa de Aragão, em 1965, o ano em que surgiu no Recife um grupo de poetas jovens (Alberto da Cunha Melo, Janice Japiassu, Marcus Acioly, Carlos Cordeiro, Jaci Bezerra, Ângelo Monteiro) que se autodenominaram Geração 65.

Aos 80 anos, Deborah Brennand assumiu uma cadeira na Academia Pernambucana de Letras.

É dolorosa e ao mesmo tempo forte a leitura de Deborah Brennand, no entanto, é igualmente mágico parar sobre seus versos e sentir a metáfora que emociona e, mais que isso, encanta. Outros dos seus livros: Noites de Sol ou As Viagens do Sonho, O cadeado Negro, Pomar de Sombras, Claridade, Maçãs Negras, Letras Verdes.

Livros publicados: O Punhal Tingido ou O Livro das Horas de D. Rosa de Aragão (1965), Noites de Sol ou As Viagens do Sonho (1966), O Cadeado Negro (1971), Pomar de Sombra (1995), Claridade (1996), Maçãs Negras (2001), Letras Verdes (2002), Tantas e Tantas Cartas (2003), Poesia Reunida (2007).

Fontes:
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://www.interpoetica.com/rede27.htm
http://www.travessadoseditores.com.br/

Vera Iris Paternostro (O Escritor na TV: a arte de falar)



Em termos gerais, autoridades e políticos não podem deixar de levar em consideração suas aparições nos Telejornais - o poder desses programas obriga-os a terem uma preocupação a mais, e constante, nas suas atitudes do dia-a-dia.

Em termos gerais, também, autoridades e políticos estão despreparados para aproveitar o potencial de credibilidade que uma participação (entrevista coletiva, fala, presença, etc.) em um Telejornal pode conferir.

Uma presença marcante dentro de uma espaço (matéria) nos Telejornais pode se traduzir em pontos positivos, índices de aceitação e (porque não?) em mudança de opinião do telespectador. Por outro lado, a presença evasiva e inconsistente pode prejudicar mais do que a ausência no espaço dos Telejornais. É, como se diz: "faca de dois gumes" e mais até, porque a Televisão trabalha como som e imagem simultaneamente e, sem dúvida, faz deles o seu grande trunfo.

A câmera e o microfone despertam, quase sempre, uma certa insegurança no entrevistado, na medida em que ele, entrevistado, terá o rosto e a voz gravados na fita de vídeo que irá no ar. além disso, câmera e microfone revelam com uma nitidez incomparável o desempenho do entrevistado e o desenvolvimento do raciocínio no momento de explicar um fato ou tomar uma posição. Todos sabemos que as pessoas, em geral, se preocupam com suas aparições em público, e isto fica muito mais evidente no caso da Televisão.

Os nossos Telejornais têm por regra da espaço limitado às falas dos entrevistados. Diz-se que, nos telejornais americanos se um entrevistado não consegue dar seu recado em 15 segundos, ele vai ser, inevitavelmente, "cortado" da matéria ou terá sua resposta "editada", para ficar dentro do limite. Nos nossos Telejornais, esses espaço é um pouco maior - entre 20 a 40 segundos. em casos excepcionais pode ficar acima desse limite. de qualquer forma, uma fala para TV requer uma duração ideal, onde o entrevistado deve esgotar o seu assunto, com começo, meio e fim.

O que se nota, constantemente, é que nem sempre isso acontece e, na maioria das vezes, o próprio entrevistado se esquece disso. Não é um detalhe: é um fundamento básico para que a sua fala seja aceita e principalmente, assimilada pelo telespectador. Com certeza, fazer-se entender deve ser o principal objetivo de quem falar para a TV!

Falar na televisão - e se fazer entender - não é um bicho de sete cabeças. Mas é, muitas vezes, cruel e fatal. A força, a emoção, o conteúdo, a hesitação, o nervosismo, a verdade e a mentira se ampliam e repercutem de forma dinâmica e excepcional.

Não existe uma fórmula mágica para se encontrar a forma de dizer o que se tem para falar. O que existe - e pode ser relacionado - são algumas determinações de como dizer, numa tentativa de readaptar os conceitos preconcebidos de cada um. Assim, vejamos:

O que não é bom:
• - falar difícil, rebuscado ("moradores sob a égide dos traficantes").
• - começar a entrevista com evasivas (hesitar).
• - não concluir o raciocínio.
• - falar sem definições.
• - usar termos técnicos ("meso e microdrenagem").
• - usar termos específicos do meio de trabalho ("o crime tem sempre um móvel").
• - ser redundante - repetir a mesma idéia de forma diferente.
• - falas longas, com muitos exemplos e "vírgulas".
• - cometer erros gramaticais.
• - usar gírias e/ou palavras estrangeiras.
• - usar frases de efeito (chavões).
• - ser demagogo (tentar "enrolar" o telespectador).
• - ler algum papel-lembrete enquanto fala.
• - falar de forma irreverente.
• - falar de forma autoritária ("prendo e arrebento").
• - abaixar o olhar enquanto fala.
• - deixar o olhar perdido.
• - "falar sem parar", emendando frases e assuntos.
• - usar palavras de sentido duplo ("havia infiltrações na Polícia").
• - inflamar-se, exagerar nos gestos e nas expressões do rosto.
• - perder-se em considerações - iniciais e finais - além do tema principal.

O que é bom:

• - usar palavras simples, readaptar o vocabulário.
• - usar a linguagem coloquial, de conversa.
• - falar com clareza e objetividade.
• - ser conciso e sintético.
• - usar a forma direta.
• - ser acessível.
• concluir o pensamento.
• - aproveitar a entrevista para se tornar próximo do telespectador.
• - falar no que acredita para passar credibilidade e confiança.
• - ter conhecimento do que está falando.
• - falas curtas e abrangentes (esgotar o tema em pouco tempo).
• - olhar para a câmera (e não para o microfone) para a qual está falando - eventualmente olhar para o repórter. Se tiver mais do que uma câmera, procurar olhar um pouco para cada uma - pois cada uma representa um telespectador diferente.
• - falar todas as palavras com todas as letras (não comer palavras e principalmente final da frase).
• - terminar a fala e permanecer olhando para a câmera por alguns poucos segundos a mais.
• - usar termos preciso (exatos) para definir alguma coisa.
• - criar interesse no que está falando.
• - ser prudente (não falar além do que deve).
• - manter a postura.
• - justificar o ponto principal mas não se alongar em argumentações.
• - estar atento à pergunta do repórter.
• - se posicionar com clareza, quando tiver que fazê-lo.
• - usar comparações que possam ajudar a esclarecer (evitar confundir o telespectador).
• - transmitir informações consistentes.
• - criar empatia com o público.
• - ser contundente, quando necessário.
• - demonstrar com o olhar o que está sentindo.
• - falar com firmeza.
• - usar um tom de voz adequado (não falar para dentro, baixinho, como se estivesse resmungando).
• - procurar se sentir à vontade diante da câmera e do microfone.

Vale ressaltar que o hábito tornará o entrevistado mais familiarizado com a Televisão. E, vale lembrar que tudo que vai ao ar na TV é efêmero, é esquecido muito rapidamente por quem assiste - até por causa das próprias características de imediatismo e contemporaneidade do veículo. Mas, a presença no espaço dos Telejornais pode ter rendimento máximo quanto mais se assimilar os meios e os métodos. A presença no espaço dos Telejornais pode ser infinita, enquanto dure...

Fonte
Portal do Espirito. http://www.espirito.org.br/

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Arneyde T. Marcheschi (Brincando com os Sonhos)


Escrevendo em desalinho
rebusco no pensamentos
historias minhas com você
que ficaram escritas nas estrelas.
Fragmentos prateados de sonhos
perdidos no infinito da alma
confunde-se com a saudade
nesse labirinto que é o coração
Me perco nas curvas das estradas
no meio de jardins e praças
mergulhando nas nuvens
em busca do meu castelo dourado.
Revivo os dias ,as noites de
intensa magia, paixão e sedução
que vivemos lado a lado
Como num carrossel os sonhos
se perdem em meio a melodias
sustenidos e bemóis
rodopiam sobre minha mente
e vão pousar suavemente nos cometas..
Sonhos do ontem, do hoje
que permeiam minha vida
são como estrelas matutinas
que deixam seus rastos prateados
no meio da via láctea
no meio de mim mesma.

Fontes:
http://blig.ig.com.br/acmpalavrasversos/

Folclore Português : Distrito de Coimbra (Lenda do Milagre das Rosas)



Esta é uma das mais conhecidas lendas portuguesas que enaltece a bondade da rainha D. Isabel para com todos os seus súbditos, a quem levava esmolas e palavras de consolo.

Conta a história que um nobre despeitado informou o rei D. Dinis que a rainha gastava demais nas obras das igrejas, doações a conventos, esmolas e outras acções de caridade e convenceu-o a por fim a estes excessos. O rei decidiu surpreender a rainha numa manhã em que esta se dirigia com o seu séquito às obras de Santa Clara e à distribuição habitual de esmolas e reparou que ela procurava disfarçar o que levava no regaço.

Interrogada por D. Dinis, a rainha informou que ia ornamentar os altares do mosteiro ao que o rei insistiu que tinha sido informado que a rainha tinha desobedecido às suas proibições, levando dinheiro aos pobres. De repente e mais confiante D. Isabel respondeu:

"Enganais-vos, Real Senhor. O que levo no meu regaço são rosas..."

O rei irritado acusou-a de estar a mentir: como poderia ela ter rosas em Janeiro? Obrigou-a, então, a revelar o conteúdo do regaço.

A rainha Isabel mostrou perante os olhos espantados de todos o belíssimo ramo de rosas que guardava sob o manto. O rei ficou sem palavras, convencido que estava perante um fenômeno sobrenatural e acabou por pedir perdão à rainha que prosseguiu na sua intenção de ir levar as esmolas. A notícia do milagre correu a cidade de Coimbra e o povo proclamou santa a rainha Isabel de Portugal.

Fontes:
http://lendasdeportugal.no.sapo.pt
IMagem = http://cafecomhistoria.zip.net

A. A. de Assis (A Língua da Gente) Parte I



1. No princípio era o “ai”

Onde e quando os nossos ancestrais começaram a falar? Sabe-se lá... O certo é que o primeiro Adão e a primeira Eva já nasceram equipados de um aparelho fonador que lhes permitiria articular palavras. Nasceram dotados também de inteligência e criatividade. Nasceram, enfim, com aquilo que se convencionou chamar de “competência” para o “desempenho” da comunicação através da “linguagem”. Vai daí que um dia, em algum lugar, um deles emitiu o primeiro sinal significante, muito provavelmente uma interjeição; um “ai” talvez, indicativo de prazer ou de dor. Depois do “ai”, deve ter murmurado o “ei”, o “ih”, o “oh”, o “ui”... E Evas e Adões passaram a dar nome às coisas: fruto, peixe, pombo, água (os substantivos) – na língua deles, claro; e a dar nome às qualidades: grande, pequeno, doce, amargo (os adjetivos); e a dar nome às ações: andar, subir, pescar, comer (os verbos). Depois inventaram os conectivos, e formaram frases, e mais frases, e outras mais. E nunca mais pararam de tagarelar.

Sabe-se, porém, que as comunidades primitivas eram nômades: esgotadas as fontes de alimento numa região, mudavam-se dali e formavam novas aldeias. Sabe-se também que o “crescei e multiplicai-vos” foi sempre levado muito a sério; e não é difícil deduzir que as famílias, multiplicando-se, acabavam se dispersando: um grupo ia para o norte, outro para o sul, e assim por diante. Não havendo meios de transporte e comunicação, as novas comunidades perdiam o contato umas com as outras.

Com isso, a suposta língua original (se é que houve uma só) foi aos poucos se transformando. Cada novo agrupamento criou novas palavras, alterou a pronúncia de outras, e de mudança em mudança o mundo chegou a ter, em determinado momento da história, algo em torno de 10 mil línguas. Hoje, segundo dados recentes, 2.796 línguas são ainda faladas na Terra (além de não se sabe quantos dialetos). As línguas dividem-se em 12 grandes famílias. O português pertence à família indo-europeia, juntamente com o francês, o espanhol, o italiano, o romeno, o alemão, o escandinavo, o inglês, o russo, e vários outros idiomas, entre os quais também o sânscrito, o grego e o latim.

Entretanto, graças aos atuais recursos de comunicação e transporte, as distâncias estão sendo anuladas, e a tendência é inverter-se a babel. Além disso, a própria dinâmica da vida moderna impõe a existência de uma língua universal. Houve tempo em que de certa forma esse papel foi cumprido pelo latim. Muitos ainda acreditam ser possível fazer do esperanto o idioma geral. Mas o que se percebe mesmo é o inglês tomando conta do planeta. Dentro de mais uns 30 anos, gostemos ou não, todos os povos serão bilíngues: cada habitante de cada lugarinho da aldeia global usará sua língua nativa para falar com os íntimos... e a língua universal para conversar com o restante do mundo...

Fontes:
- A. A. de Assis. A Língua da Gente. Maringá: Edição do Autor, 2010.
- Imagem = http://g1.globo.com

Euclides Bandeira (Poesias Escolhidas)


PREDILETO

É o tipo que me encanta, o louro. De relance
Nos enche de ouro fluido as pupilas surpresas...
Não Esse, para aflar as emoções burguesas,
Que anêmico flavesce idílios em romance.


É o flamante, o galhardos.. O louro de proezas
Ruivas ao sol, chispando áscuas, raios, nuance,
Que eletriza e que cega! O louro, enfim, que avance
Ao supremo fulgor de pupilas acesas!

Freme-se ao vê-lo; há nervo, há vibração, há francas
Aleluias de luz! — labaredas de sândalo
A se evolar... No azul umas volutas brancas...

— Por tudo isso eu o quero e por ser tão escol
O ouro que te esplendora, ó Rúbia! ó flor de escândalo!
Ainda me tremem na alma umas réstias de sol...

AUSÊNCIA

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel.
Corri ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada
resplandece, espertando emoções em tropel:
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada,
os seus beijos febris que eram de fogo e mel...

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando
o revérbero astral de flavescente véu
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando
sinto tudo em silêncio em torno. .. O próprio céu
misterioso e azul, como os olhos da Ausente...

Fontes:
Péricles Eugênio da Silva Ramos. Poesia Simbolista (Antologia). São Paulo: Melhoramentos, 1965.

Euclides Bandeira (1877 – 1948)


Nascido em Curitiba, em 22 de novembro de 1877, Euclides da Mota Bandeira e Silva cursou a Escola Militar da Praia Vermelha, da qual foi desligado por motivo da sedição de 1895. Fez-se então jornalista em seu Estado, e colaborou nas várias revistas do simbolismo paranaense. Euclides Bandeira faleceu em Curitiba, no ano de 1948.

Um dos patronos do Centro Paranaense de Letras — ao lado de Emiliano Perneta, e só isso bastaria para mostrar a alta consideração que merece na sua terra natal — é Euclides Bandeira.

Dele assegurava Emiliano Perneta, em 1903, que fazia "o verso de hoje, com esse vago olor de simbolismo, com esse rebuscamento raro e torturante, com essa loucura de perfeição inatingível"...

BIBLIOGRAFIA DO AUTOR

Heréticos, Curitiba, 1901;
Ditirambos (com pseudônimo), Curitiba, 1901;
Velhas Páginas, Curitiba, 1903;
Versos Piegas (com pseudônimo), Curitiba, 1903;
Ouropéis, Curitiba, 1906, e Prediletos (poesias escolhidas), Curitiba, Tip. da liscola de A. Artilïccs, 1940.

Raimundo Carrero (Escritor só existe quando publica?)



Não adianta: é o olhar do público que faz uma obra existir

Gaveta de escritor vive entulhada. Isto é, gaveta no sentido tradicional, porque há hoje um arquivo no computador que revela as inquietações, indecisões e acertos de quem ainda espera escrever – ou já escreveu, quem sabe? - uma obra-prima louvada, aclamada, respeitada. Há exemplos históricos de grandes autores que permaneceram anônimos em vida e foram celebrados depois de mortos. É o caso de Kafka. Em vida, publicou apenas um livro – A metamorfose – e pediu ao amigo Max Broad que queimasse os romances, novelas e contos que havia guardado. É claro que ele não atendeu.

Outros escrevem diários que, na verdade, são anotações de leituras, críticas de filme, conversas e, por que não?, insultos. Muitos vêm a público, no caso de Leite Filho, por exemplo, e outros ficam nas gavetas até que sejam transformados em diários. Não foi assim com Pedro Nava. Ele redigiu cadernos inteiros e só depois de 60 anos é que começou a transformá-los em romances. Ou memórias. Aplaudidas e consagradas. E existem aqueles que no fim da vida rasgam tudo, jogam fora ou tocam fogo. Poderia, então, ser chamado de autor aquele que escreve no silêncio da madrugada e depois esconde, alimentando a solidão? Só é autor aquele que publica? A resposta para todos esses casos é positiva: todos são autores, escritores, escrevinhadores. O exercício da escrita independe de divulgação. Mesmo quando não há leitores ou se o leitor exclusivo está ali sempre por perto – a esposa, um filho, um amigo.

No tempo do mimeógrafo, ou até da xérox ,era bem difícil publicar. O ineditismo tornava-se sempre muito grande. O lendário Teatro Popular do Nordeste, de Hermilo Borba Filho, reunia, nos anos 1960, muitos e muitos poetas para espetáculos, recitais, apresentações, mas a maioria era formada de inéditos. Precisavam do teatro e do restaurante para a divulgação dos seus textos políticos, sobretudo. Os tímidos permaneciam silenciosos e, é claro, silenciados. Às vezes pelo medo da exposição, às vezes pela questão política. Muitos deles escreveram centenas de páginas, ardiam de desejo para mostrá-las. Ficavam bêbados, marcavam horário para declamações e sumiam. Sumiam sempre. Ainda hoje esperam por oportunidade.

De uns anos para cá, surgiu a figura do blogueiro – aquele que faz anotações e artigos, além de contos, digamos, breves novelas, que são lidas por milhares e nunca, jamais, chegam a se transformar num livro. Livro? O que é isso mesmo? Ainda que exista o livro de papel, capa , ilustrações, orelhas e tudo, outras formas tecnológicas estão surgindo: o e-book, por exemplo. Editado, o livro eletrônico abre uma dificuldade: para entrar na Academia Brasileira é preciso que o escritor tenha publicado, pelo menos, um livro. E agora? Livro eletrônico é livro mesmo ou apenas um produto técnico, sem possibilidade de julgamento?

Escritor sofre!

Fonte:
Pernambuco. Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado. n. 46

Folclore Indigena (Irapuru, o Flautista)


Certo jovem, não muito belo, era admirado e desejado por todas as moças de sua tribo por tocar flauta maravilhosamente bem. Deram-lhe então o nome de Catuboré, (flauta encantada).

Entre elas, a bela Mainá conseguiu o seu amor; casar-se-iam durante a primavera. Certo dia, já próximo do grande dia, Catuboré foi à pesca e de lá não mais voltou. Saindo a tribo inteira à sua procura, encontraram-no sem vida à sombra de uma árvore, mordido por uma cobra venenosa.

Sepultaram-no no próprio local. Mainá, desconsolada, passava várias horas a chorar sua grande perda.

A alma de Catuboré, sentindo o sofrimento de sua noiva, lamentava-se profundamente pelo seu infortúnio. Não podendo encontrar paz pediu ajuda ao Deus Tupã. Este então transformou a alma do jovem no pássaro Irapuru, que mesmo com escassa beleza possui um canto maravilhoso, semelhante ao som da flauta, para alegrar a alma de Mainá.

O cantar do Irapuru ainda hoje contagia com seu amor os outros pássaros e todos os seres da Natureza.

Fontes:
Covil do Orc
- Imagem = http://edukbr.com.br

domingo, 16 de maio de 2010

Antonio Carlos Teixeira Pinto (Niterói em Trovas)


Eu não consigo, alvorada,
de forma alguma entendê-la:
A cada flor despertada,
ter de morrer uma estrela.

Preso o cinzel ao cotoco
de braço que lhe restava,
o grande Artista barroco
morria... enquanto criava!

Quem pelas costas me agride
não terá duras respostas,
pois meu único revide
é de novo dar-lhe as costas!

Tinha no olhar tanto brilho,
tal força nos firmes passos,
que não carregava um filho:
- levava o mundo em seus braços!...

Não pude conter o riso,
quando ouvi que um deputado
tinha o crânio ainda mais liso
que bolso de aposentado.

Depois de muitas andanças,
de percorrer tantos portos,
vou recolhendo esperanças,
para ancorar sonhos mortos!

Não posso culpar a vida,
se meu sonho se perdeu...
Mas ... como achar a saída...
se o labirinto sou eu?

De certa caça ele guarda
saudosa recordação,
pois, hoje, a sua espingarda
aponta só para o chão!

Se tu jamais foste minha,
se nunca fui teu, também,
posso ir só, que irás sozinha...
ninguém perde o que não tem!

No verão, a magricela
vai à praia e diz-se a tal...
Mesmo um "palito"... e banguela,
só usa "fio dental"!

É o outono !... A amendoeira
em breve estará despida.
- Também, de certa maneira,
vou me despindo da vida !

Não dou revide ao seu gesto,
por esta simples razão:
- pesa bem mais que o protesto
a leveza do perdão!

Mantém-te sempre disposto
para o trabalho. Aproveita,
porque o suor do teu rosto
fará crescer a colheita!

Luiz Otávio, eu me lembro...
Friburgo em maio, como era:
- jamais esperou setembro,
para entrar na primavera !

Luiz Otávio... um instante.
Em que ponto estarei certo:
- Tu não moras tão distante,
ou o céu ficou mais perto ?!

Só vendo, no dia a dia,
as discussões que forjamos...
Mas, quando volta a harmonia,
meu Deus, como nos amamos!

Que saudade da zoeira
que a criançada fazia...
Harmonia verdadeira
era aquela ... e eu não sabia!

Pode a cultura ser vasta
e, no entanto, nada ser.
Saber - por saber - não basta:
Cumpre aplicar-se o saber!

Em busca de uma paixão,
Mergulhei no mar da vida,
e hoje até minha ilusão
está desaparecida!...

Minha mãe não teve escola,
sempre a lutar, noite e dia,
mas a vida lhe deu cola
de toda a sabedoria!

Pode a cultura ser vasta
e, no entanto, nada ser.
Saber - por saber - não basta:
Cumpre aplicar-se o saber!

O saber sempre busquei,
e, nessa ingente escalada,
quanto mais pensam que eu sei,
mas eu sei que não sei nada...

Faltou-me talvez coragem,
e, por medo de chorar,
não abri sua mensagem.
- E ela queria voltar...

Em Friburgo, a natureza
Reflete, no seu perfil,
A majestosa beleza
Da Suíça, no Brasil!

A noivinha vaporosa
fita o noivo e se atordoa:
- De um pijama cor-de-rosa
não vai sair coisa boa..."

Chega o casal ao hotel ...
Em pauta - extenso programa.
E a noiva: -É lua-de-mel;
sem essa de pôr pijama!"

"- Minha vida é um livro aberto!"
diz ela, abrindo o pijama.
E o maridão, muito esperto:
- Eu adoro ler na cama!"

Ao voltar antes da hora,
acha a mulher se benzendo...
nem percebe que, lá fora,
seu pijama sai correndo!

Nossas letras iniciais,
no centro de teu coração,
também são restos mortais
de um carcomido portão!

O abandono era patente,
no abraço da solidão:
- duas voltas de corrente
num velho e tosco portão...

Era aqui! Lembro-me bem...
Ainda é o mesmo portão.
"Cuidado! Vem vindo alguém"
-E eu soltava sua mão!

Olho o portão ... vejo as horas
nem sei há quanto te espero,
ansioso - porque demoras,
sofrendo - porque te quero!

Seu adeus, naquela hora,
revelou-a para mim:
- quem quer de fato ir embora
não bate o portão assim!...

Durante o pagode inteiro,
foi aquele repeteco:
ela - agitando o pandeiro;
e eu atrás... no reco-reco!

Num pagode, ao se vingar,
Colou na sogra o lembrete:
"Se acaso o bumbo estourar,
podem baixar-me o cacete!"

Num pagode, já manhã,
a tal louraça , desnuda,
provocou: "Segura o tchan"
Ih ! Foi um deus-nos-acuda!

A velha zombou da estafa,
no pagode que houve aqui,
mas, na dança-da-garrafa,
só rebolou na UTI...

Quando o pagode abafou
a ladainha da missa,
um fiel esbravejou:
- Por Deus que eu chamo a "puliça"!

Nosso amor é um retrocesso,
pelo orgulho que nos cega:
- eu desejo... mas não peço;
ela quer... mas não se entrega.

Numerólogo incomum,
a todo instante alardeia
ser o maior "um-sete-um"
que passou pela cadeia...

O regime é semi-aberto
um modelo de prisão...
- Gente! Ali, quem for esperto,
não deixa a cadeia, não!

Cumprida a pena, o coitado,
cuja mulher é bem feia,
suplicava ao delegado:
-"Deixa eu ficar na cadeia!"

Passou na cadeia um mês...
E, com saudades da cela,
veste-se, hoje, de escocês
e pôs grade na janela.

A cadeia é moderninha,
mas, segundo o carcereiro,
se é pra ladrão de galinha,
devia ter mais poleiro.

Minha mão trêmula, erguida,
o dilema em cada face,
acenava, em despedida,
pedindo que ela voltasse!

No meu dilema componho
o temor de outros fracassos :
- Não sei se a levo no sonho,
ou se a carrego em meus braços !

Como dói estar sujeito
ao dilema que me assalta
ter que expulsar do meu peito
quem ao meu peito faz falta !

Do meu dilema sorrias,
tornando sombras em luz,
mas os braços que me abrias
eram mesmo a minha cruz!

Eu creio que ninguém vai
no meu dilema dar jeito,
pois a lágrima que cai
está vazando é do peito !

Para escolher meu caminho,
não houve dilema algum;
senti pedras, muito espinho,
mas, no amor, isso é comum!

Do seu dilema infeliz
as consequencias recolho,
que eu fui apenas um xis,
na indecisão de uma escolha !

Eis o dilema que aflora,
ante esse amor, que não nego:
sigo a razão - vou-me embora,
ou o coração - e me entrego...

Quando os sonhos são pequenos,
não resta dilema algum;
tu foste um amor a menos,
e eu fui apenas mais um.

Eu trouxe tanta saudade,
tanta saudade deixei,
que há um dilema de verdade:
será que eu vim, ou fiquei ?!

O boêmio está coberto
da mais perfeita razão:
- a saudade anda por perto,
quando escuta um violão!...

Assumo, cabeça erguida,
qualquer vitoria ou fracasso,
porque, no curso da vida,
o destino... eu mesmo traço!

Num enterro de segunda
Houve tanta confusão
que uma parte de Raimunda
foi por fora do caixão...

Aceito a tua vitória,
mas, amargando o revés,
jamais te darei a glória
de me curvar a teus pés!

Enfrentando a escuridão
eu li, à luz de lanterna,
que o beco não dava mão.
Mas... como! Dava até perna!

Fonte:
UBT Juiz de Fora/MG
Foto = Praia de Icarai, em Niterói

Artur de Azevedo (De Cima para Baixo)



Naquele dia o ministro chegou de mau humor ao seu gabinete, e imediatamente mandou chamar o diretor-geral da Secretaria. Este, como se movido por uma pilha elétrica, poucos instantes depois estava em presença de Sua Excelência, que o recebeu com duas pedras na mão.

— Estou furioso! — exclamou o conselheiro; — por sua causa passei por uma vergonha diante de Sua Majestade o Imperador!

— Por minha causa? — perguntou o diretor-geral, abrindo muito os olhos e batendo no peito.

— O senhor mandou-me na pasta um decreto de nomeação sem o nome do funcionário nomeado!

— Que me está dizendo, Excelentíssimo?...

E o diretor-geral, que era tão passivo e humilde com os superiores quão arrogante e autoritário com os subalternos, apanhou rapidamente no ar o decreto que o ministro lhe atirou, em risco de lhe bater na cara, e depois de escanchar a luneta no nariz, confessou em voz sumida:

— É verdade! Passou-me! Não sei como isto foi...

— É imperdoável esta falta de cuidado! Deveriam merecer-lhe um pouco mais de atenção os atos que têm de ser submetidos à assinatura de Sua Majestade, principalmente agora que, como sabe, está doente o seu oficial-de-gabinete!

Dando um murro sobre a mesa, o ministro prosseguiu:

— Por sua causa esteve iminente uma crise ministerial. Ouvi palavras tão desagradáveis, proferidas pelos augustos lábios de Sua Majestade, que dei a minha demissão...

— Oh!...

— Sua Majestade não a aceitou...

— Naturalmente! Fez Sua Majestade muito bem.

— Não a aceitou porque me considera muito, e sabe que a um ministro ocupado como eu é fácil escapar um decreto mal copiado.

— Peço mil perdões a Vossa Excelência — protestou o diretor-geral, terrivelmente impressionado pela palavra demissão. — O acúmulo de serviço fez com que me escapasse tão grave lacuna; mas afirmo a Vossa Excelência que de agora em diante hei de ter o maior cuidado em que não se reproduzam fatos desta natureza.

O ministro deu-lhe as costas e encolheu os ombros, dizendo:

— Bom! mande reformar essa porcaria!

* * *

O diretor-geral saiu, fazendo muitas mesuras. Chegando no seu gabinete, mandou chamar o chefe da 3ª seção, que o encontrou fulo de cólera.

— Estou furioso! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. Ministro!

— Por minha causa?

— O senhor mandou-me na pasta um decreto sem o nome do funcionário nomeado! — E atirou-lhe o papel, que caiu no chão.

O chefe da 3ª seção apanhou-o, atônito. Depois de se certificar do erro, balbuciou:

— Queira Vossa Senhoria desculpar-me, Sr. Diretor... são coisas que acontecem... havia tanto serviço... e tudo tão urgente!...

— O Sr. Ministro ficou, e com razão, exasperado! Tratou-me com toda a consideração, com toda a afabilidade, mas notei que estava fora de si!

— Não era caso para tanto.

— Não era caso para tanto? Pois olhe, Sua Excelência disse-me que eu devia suspender o chefe de seção que me mandou isto na pasta!

— Eu... Vossa Senhoria...

— Não o suspendo. Limito-me a fazer-lhe uma advertência, de acordo com o regulamento.

— Eu... Vossa Senhoria...

— Não me responda! Não faça a menor observação! Retire-se, e mande reformar essa porcaria!

* * *

O chefe da 3ª seção retirou-se confundido, e foi ter à mesa do amanuense que tão mal copiara o decreto:

— Estou furioso, Sr. Godinho! Por sua causa passei por uma vergonha diante do Sr. diretor-geral!

— Por minha causa?

— O senhor é um empregado inepto, desidioso, desmazelado, incorrigível! Este decreto não tem o nome do funcionário nomeado!

E atirou o papel, que bateu no peito do amanuense.

— Eu devia propor a sua suspensão por 15 dias ou um mês. Limito-me a repreendê-lo, na forma do regulamento! O que eu teria ouvido, se o Sr. diretor-geral me não tratasse com tanto respeito e consideração!

— O expediente foi tanto, que não tive tempo de reler o que escrevi...

— Ainda o confessa!

— Fiei-me em que o Sr. chefe passasse os olhos...

— Cale-se!... Quem sabe se o senhor pretende ensinar-me quais sejam as minhas atribuições?!...

— Não, senhor, e peço-lhe que me perdoe esta falta...

— Cale-se, já lhe disse, e trate de reformar essa porcaria!...

* * *

O amanuense obedeceu. Acabado o serviço, tocou a campainha e apareceu um contínuo.

— Por sua causa passei por uma vergonha diante do chefe da seção!

— Por minha causa?

— Sim, por sua causa! Se você ontem não tivesse levado tanto tempo a trazer-me o papel imperial que lhe pedi, não teria eu passado a limpo este decreto com tanta pressa, o que me levou a omitir o nome do nomeado.

— Foi porque...

— Não se desculpe! Você é um contínuo muito relaxado! Se o chefe não me considerasse tanto, eu estaria suspenso, e a culpa seria sua! Retire-se!

— Mas...

— Retire-se, já lhe disse! E deve dar-se por muito feliz. Eu poderia queixar-me de você!...

* * *

O contínuo saiu dali, e foi vingar-se num servente preto, que cochilava num corredor da Secretaria.

— Estou furioso! Por sua causa passei pela vergonha de ser repreendido por um bigorrilhas!

— Por minha causa?

— Sim. Quando te mandei ontem buscar na portaria aquele papel imperial, por que te demoraste tanto?

— Porque...

— Cala a boca! Isto aqui é andar muito direitinho, entendes? Porque, no dia em que eu me queixar de ti ao porteiro, estás no olho da rua. Serventes não faltam!...

O preto não redargüiu.

* * *

O pobre diabo não tinha ninguém abaixo de si, em quem pudesse desforrar-se da agressão do contínuo; entretanto, quando depois do jantar, sem vontade, entrou no pardieiro em que morava, deu um tremento pontapé no seu cão.

O mísero animal, que vinha alegre dar-lhe as boas-vindas, grunhiu, grunhiu, grunhiu, e voltou a lamber-lhe humildemente os pés.

O cão pagou pelo servente, pelo contínuo, pelo amanuense, pelo chefe da seção, pelo diretor-geral e pelo ministro!...

Fonte:
Maravilhas do conto humorístico. SP: Cultrix, 1961.

Ademir Demarchi (Livro de Poesias)


NIETZSCHE POR UM ÁTIMO

nietzsche por um átimo
do alto da escarpa mirando as pedras
encobertas pela névoa
mais uma vez desgarrou-se do mundo
e sentiu-se pegureiro de nuvens
pastando no ar do abismo

tal como ele, o pastor lá embaixo
sentado na grama mas com o olhar
atravessado etéreo seus pequenos animais,
teve deles a visão de serem nuvens,
pequenas nuvens no pasto ôntico e ótico

ORIENTE PRÓXIMO

após a senha a sanha do prover vizir
e suas mônadas páginas nômades
o deserto eternamente móvel
eletroniza-se nos grãos/bits de areia
miragens informacionais
dunas moventes de dados gélidos
oásis-sites
cameloe-mails
cimitarras in time
incenses tolos
vestais virtuais
e sedutores portais

O HIPOGRIFO SOBRE O TÚMULO

o hipogrifo súbito agitou as asas
alçando vôo de sobre o túmulo
em direção ao céu desejando-o seu

abaixo de seu corpo, apontando pelas garras
uma imensa calma de lápide
vasta manta no horizonte visto e vasto

não aceita a sina de triste monumento
voando tenta libertar-se de seu jugo de ornamento

determinado em vão em vôo persiste
imagem que paira presa sobre outra ampliada
imantando todos os túmulos num único espanto

A RÃ DE BASHÔ

velha lagoa cristalizada
de bashô salta a rã
na paisagem estilhaçada

AMAZÔNIA
in memoriam

descansa em paz
no chão
e nos móveis da sala

MISSA

morto presente
vivos ausentes

POR ENTRE OS TÚMULOS

passeio
distraído
por entre os túmulos

às vezes noto perdido
alguém que carrega
o próprio corpo
por sobre os ossos
de todos os mortos

AFINAL, MAIS UM NEGÓCIO

o homem
é o único animal
que armazena seus mortos

e faz disso um negócio
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Fontes:
Demarchi, Ademir. Passeios na floresta. Porto Alegre: Ébilis, 2008
Demarchi, Ademir. Os mortos na sala de jantar. Santos, SP: Realejo Livros & Edições, 2007

Ademir Demarchi (1960)


Ademir Demarchi nasceu em Maringá, em 7 de abril de 1960, e reside em Santos há 15 anos, onde trabalha como redator.

Formado em Letras/Francês, com Mestrado pela Universidade Federal de Santa Catarina (1991) e Doutorado em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (1997), foi editor da revista Babel, de poesia, crítica e tradução, com seis números publicados de 2000 a 2004.

É autor de Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná (Imprensa Oficial do PR, 2002); Volúpias (poemas, Florianópolis: Editora Semprelo, 1990); Espelhos incessantes (“livro de artista” com poemas do autor e gravuras de Denise Helena Corá, edição dos autores, Santos: 1993; exposto no Museu da Gravura em Curitiba no mesmo ano); Janelas para lugar nenhum (poemas, com linoleogravuras de Edgar Cliquet, edição dos autores, Santos: 1993; lançamento feito em Curitiba, no Museu da Gravura, no mesmo ano).

Além desses trabalhos, o autor tem também poemas, artigos e ensaios publicados nos livros Passagens – Antologia de Poetas Contemporâneos do Paraná; 18 Poetas Catarinenses – A mais nova geração deles (ed. e org. Fábio Brüggemann, FCC Edições/Editora Semprelo, 1991); Os mortos na sala de jantar (Realejo Livros, 2007) e Passeios na Floresta (Editora Éblis, Porto Alegre, 2008).

Publica também em periódicos como Literatura e Sociedade (São Paulo, USP); Medusa (Curitiba); Coyote (São Paulo), Oroboro (Curitiba), Jornal do Brasil/Idéias; Rascunho (Curitiba); Jornal da Biblioteca Pública do Paraná; Babel (Santos); Sebastião (São Paulo); Los Rollos del Mar Muerto (Buenos Aires, Argentina) e sites, entre eles, as revistas eletrônicas Germina, Agulha, El Artefacto Literario, Tanto e Critério.

Fonte:
http://cdeassis.wordpress.com/