quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Millôr Fernandes (Poesia Matemática)


Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base...
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo ortogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela.
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A alma irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz.
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar.
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum...
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais
Um Todo.
Uma Unidade.
Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a
Relatividade.
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como aliás, em qualquer
Sociedade.

Fonte:
Texto enviado por Efigênia Coutinho.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 282)


Uma Trova Potiguar

Vendo os dotes de Jussara
no seu biquíni miúdo...
–Morro de inveja do cara
que é dono daquilo tudo!!!
–CLARINDO BATISTA/RN–

Uma Trova Premiada

2005 - Nova Friburgo/RJ
Tema: COMILÃO - M.H

Se é verdadeiro que é o cão
maior amigo da gente,
amigo de comilão
deve ser “cachorro quente”!
–SELMA PATTY SPNILELLI/SP–

Uma Trova de Ademar

A pimenta é ardilosa...
Toma cuidado, rapaz!
Pois deixa mais dolorosa,
aquela parte de trás.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Na paquera é mesmo craque.
Com muita bossa, a Tereza
joga fechada no ataque
deixando aberta a defesa...
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

O beijo.
–BASTOS TIGRE/PE–

A namorada do Mário,
Lia - um anjo de inocência,
Para um caso de consciência
Vai consultar o vigário.

E, a face rubra de pejo,
Lhe pergunta se é pecado
Dar um beijo ao namorado,
Ou dele levar um beijo.

Diz o padre: - Um beijo apenas
É pecado, dos veniais,
Mas sendo dois, três ou mais
Merecem do inferno as penas.

Lia está de causar dó!
Pavor do inferno, bem vejo,
Ela bem sabe que o beijo
Não se dá nem leva um só...

Estrofe do Dia

Vi um tatu sanfoneiro
e um tejo cantando hino,
calango no violino
tocando certo e ligeiro,
lagartixa no pandeiro
tocando um samba infernal,
um peba lendo um jornal
sentado em cima dum toco;
vi cobra comendo coco
no centro da capital.
–BEM-TE-VI NETO/CE–

Soneto do Dia

...Na Gandaia.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Eu puxei a meu pai, pois sua praia,
pelo que minha mãe sempre dizia,
foi sempre fazer verso e poesia,
como também, curtir “rabo-de-saia”.

Por isto quando caio na gandaia,
não tem mês, não tem hora, não tem dia,
só mulher cura esta minha arritmia,
só não quero negócio com Lacraia.

Pego toda mulher, desde que nova,
pois mulher para mim é como trova
sendo bonita eu vou na quantidade.

Se a mulher descobrir, eu tô lascado,
eu nego e faço um verso apaixonado,
desminto minha hereditariedade.

Recomendo:
http://www.ubtrova.com.br
http://singrandohorizontes.blogspot.com
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http://cobracordelista.blogspot.com

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Montagem de trova sobre imagem obtida em http://zumptv.blogspot.com/

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XIII – Proezas da Emília em Marte


Os meninos quedaram-se calados e imóveis atrás da pedra enquanto Emília se afastava. Meia hora depois já estavam inquietos.

— Fomos muito egoístas, Pedrinho, deixando que Emília saísse com o seu lampeirismo por este mundo desconhecido. Se ela nunca mais voltar, vai ser uma tristeza lá no sítio.

— Não tenha medo — animou Pedrinho. — Emília é uma danada.

E tinha razão de pensar assim, porque logo depois a boneca reapareceu, com cara alegre.

— Estamos salvos! — foi dizendo muito lambeta. — Os marcianos não nos podem ver. Fiz todas as experiências. Passei rentinha duma porção deles. Cheguei até a puxar o chicotinho de um. O coitado levou um susto, mas não me percebeu. Podemos passear por aqui sem medo de nada.

E assim foi. Saíram dali sem medo nenhum e, sempre guiados pela Emília, andaram por toda parte como se estivessem na casa da sogra. Como os dois nada pudessem ver, tinham de contentar-se com as informações da Emília.

— Estamos num maravilhoso palácio — disse ela em dado momento. — Deve ser o palácio do governo dos marcianos. Lá está o rei no seu trono, todo batatal, como se fosse o dono dos mundos...

— Como é esse rei? — perguntou a menina, ardendo de curiosidade.

— Oh, um rei e tanto e diferente dos outros marcianos. Tem o chicote da cara mais comprido. Esperem... Estou vendo que o tal chicote não serve só para falar... O rei está danado com alguém. O chicote vibra no ar e dá chicotadas num marciano... Surra e fala ao mesmo tempo... Esperem, esperem ... Estou compreendendo a linguagem do chicote...

Os dois meninos começaram a ficar com medo da boneca. Parecia transformada. Não mais lembrava a Emília bobinha e asneirenta lá do sítio. Falava e raciocinava na maior perfeição como se alguma misteriosa fada lhe houvesse enxertado um novo dom.

— Já aprendi a língua dos marcianos — disse ela por fim. — Compreendo perfeitamente o que falam. E sabem o que o rei está dizendo? Está dizendo a um cara de crocotó (com certeza um ministro) que o planeta foi invadido por entes estranhos.

— Mas como pode saber disso se não nos enxerga? — observou Pedrinho.

— Não enxergam, mas sentem. O rei está falando... Está dizendo: “Há qualquer coisa de estranho por aqui. Quero que os aparelhos detectores sejam postos em ação imediatamente”.

— Que aparelhos detectores serão esses? — indagou Pedrinho. — Com certeza inventaram olhos mecânicos, já que não podem enxergar como nós. Se os tais aparelhos detectores nos descobrem, estamos fritos...

— Fritos, nada! — exclamou Emília. — Havemos de tapear estes marcianos com todos os seus crocotós.

— Que tantos crocotós são esses, Emília? — volveu Narizinho.

— São as coisas esquisitas que eles têm pelo corpo e não posso adivinhar o que sejam. Crocotó é tudo que é empelotado ou espichadinho como os tais chicotes. Os marcianos são crocotosíssimos. Esses crocotós devem ser órgãos próprios deles aqui.

— E como vamos nos arranjar com gente assim?

— Eu dou jeito — declarou Emília. — Vou descobrir os tais ‘‘aparelhos detectores” — e misturo tudo, arraso com eles.

Disse e fez. Meteu-se pelo palácio na pista do ministro, o qual, depois de receber a ordem do rei, se encaminhara para o aparelho detector ali do palácio.

Era um maquinismo esquisito e incompreensível, mas Emília sabia que todas as máquinas têm um ponto comum: só funcionam quando estão com todas as peças perfeitinhas e no lugar. Uma que seja quebrada ou retirada, e já o funcionamento da máquina inteira não é o mesmo.

Pensando assim, Emília agarrou uma espécie de martelo e começou a martelar as peças mais delicadas, quebrando ou amassando as que pôde.

O pobre ministro, muito apavorado, via o amassamento das peças sem conseguir ver o autor do estrago, e tal foi a sua impressão que de súbito caiu por terra desmaiado. Emília aproximou-se para examiná-lo de bem perto.

Que ente esquisito! Não era de carne e sim duma substância branca e mole como a borracha. Emília examinou-o demoradamente sem que conseguisse entender coisa nenhuma. Via uma porção de crocotós ou órgãos muito diferentes dos nossos. Qual seria a boca? Quais seriam os olhos ou os ouvidos? Só quanto ao chicote é que ficou certa, pois era na verdade o órgãozinho com que os marcianos se entendiam entre si.

Depois de muitas pancadas no Aparelho Detector, a boneca percebeu que daquele mato não sairia coelho, isto é, que já não havia perigo de serem detectados por aquele aparelho. Para maior segurança pregou uma terrível martelada num dos crocotós do ministro desmaiado — e foi correndo para onde estavam os meninos. A despeito da martelada no crocotó, o ministro voltou a si e foi dar parte ao rei dos esquisitos acontecimentos.

— Algum estranho invadiu os nossos domínios e acaba de arruinar o detector do palácio — disse ele. — Vi os estragos irem aparecendo como por si mesmos, mas não pude ver o autor daquilo. É invisível. E também sentia a ação do intruso em meu crocotó número 5. Deu-me tamanha martelada que quase fui para o beleléu...

— Nesse caso — ordenou o rei furioso — expeça ordem para que os quinhentos detectores do reino sejam postos em atividade — quero ver se o tal intruso tem forças para arruinar todos os nossos detectores. E logo que ele seja detectado e aprisionado, quero que o ponham num garrafão de álcool e o guardem no museu.

— Hum!... — fez Pedrinho ao ouvir essa história. — Já tive um saci na garrafa1 e não quero que me aconteça o mesmo. O melhor é safar-nos deste misterioso e perigoso planeta antes que nos detectem e engarrafem...

— Isso é o verdadeiro — concordou Narizinho. — Passe para cá a minha pitada de pirlimpimpím e azulemos daqui.

Pedrinho distribuiu as pitadas e deu o sinal:

— Um... dois... e três!

Mas na pressa com que fizeram aquilo esqueceram-se de determinar o rumo a seguir, de modo que em vez de irem para um novo planeta foram despertar na Via-láctea.
____________
Continua … XIV – A Via-Láctea
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 281)

Pintura a óleo por Carlos Dugos (Saudade)

Uma Trova Nacional

Meu quadro, na realidade,
se mostra pintado assim:
eu fugindo da saudade...
E saudade atrás de mim!...
–MARISA RODRIGUES FONTALVA/SP

Uma Trova Potiguar

Muito mal desperta o dia
e eu aqui já estou desperto:
Noite de amor e poesia...
Não fui ao céu, mas, fui perto!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - Porto Alegre/RS
Tema: CAIS - Venc.

De esperas fiz meu passado...
E compondo a vida assim,
tornei-me um barco ancorado
no cais do porto de mim...
–MARISA VIEIRA OLIVAES/RS–

Uma Trova de Ademar

Nem no Câncer... Senti dor,
e a “Gregrena” foi banida...
Ninguém foi mais vencedor
do que eu já fui nesta Vida!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Angústia é isto: este anseio,
pássaro aflito, doente.
Nem se sabe de onde veio
pra sofrer dentro da gente!
–VERA VARGAS/PR–

Simplesmente Poesia

Metapoema
–J. LUZ/RN–

A poesia anda sufocada
num livro compacto
em banca de jornal.
A poesia anda envelhecida,
exposta no silêncio entre poeiras
da biblioteca pública.
A poesia anda adoentada,
diuturnamente dissecada como corpo
em biopsia acadêmica.
O poema perdeu o verso,
o verso perdeu o metro
e o metro perdeu a rima;
o poema aboliu o ritmo.
O poeta expurgou a emoção.
O poema virou notícia
e perdeu a poesia.
O homem ficou menor
e o universo, maior.
O cotidiano esmaecido,
sem cor e olor.
Falta ética.
Falta estética.
Falta poesia.
Falta o homem ético e poético.
Falta o poeta...

Estrofe do Dia


Plantei um pé de uva
dentro de uma panela,
coloquei numa janela
da casa de uma viúva;
de noite veio uma chuva
com relâmpagos e trovão
e um forte furacão
arrebentou a janela,
torou no meio a panela
e a terra caiu no chão.
–BELARMINO DE FRANÇA/PB–

Soneto do Dia

Carência
–THEREZA COSTA VAL/MG–

Vagando pelas ruas, o menino,
sem esperança, sem palavra amiga,
não sabe o que esperar de seu destino
nem sabe se algum dia a paz consiga.

Conhece o sofrimento, o pequenino:
a dor, o desabrigo, o mal, a intriga,
e a fome sempre o traz em desatino...
E por viver com fome, ele mendiga.

Pobre criança entregue à própria sorte
que a vida leva em luta contra a morte,
seguindo o que, da rua, a lei ordena!

Como ser bom se a sorte não ajuda!...
Ele só quer, na sina que não muda,
ganhar de alguém carinho...Em vez de pena!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Fonte da Imagem = http://eaobranasce.blogspot.com/

Selma Patti Spinelli fala de Octávio Babo Filho


Quando a Livraria Freitas Bastos lançou a Coleção Trovas e Trovadores, o nosso Trovador em Foco de hoje já aparecia no vol. 7 com seu Cantiga das horas vagas; e depois publicaria o seu Ao correr das horas. Estou falando de Octávio Babo Filho, ilustre carioca de uma família ilustre.

Ele pertenceu à velha guarda da Trova, com todo o nosso respeito: nasceu em 20 de julho de 1915 e nos oitenta e sete anos bem vividos, foi, não só, o ilustre advogado do Fórum do Rio de Janeiro, mas querido cancioneiro popular, tendo suas músicas entoadas não só no Rio, mas no Brasil.

Quem já não cantou essa valsa natalina:

Botei meu sapatinho
Na janela do quintal.
Papai noel deixou
Meu presente de natal.

Como é que papai noel
Não se esquece de ninguém
Seja rico ou seja pobre
O velhinho sempre vem!

Pois é! Mesmo gozando de grande prestígio, seja como advogado ou como artista, Octávio Babo Filho era, no dizer dos que o conheciam bem, verdadeiramente um simples. E essa simplicidade o impedia muitas vezes de fazer Trova, tarefa que ele considerava das mais difíceis!

Até... que em 1960 desencabulou: foi classificado entre os dez primeiros colocados do I Jogos Florais de Nova Friburgo; e isso lhe abriu o caminho definitivo do sucesso na Trova. Eis a premiada:

Se toda gente soubesse
Como custa querer bem,
Quanta gente gostaria
De não gostar de ninguém.

Ao lermos suas Trovas, podemos constatar que o conteúdo de suas mensagens revela muito de sua vida profissional de cidadão preocupado com a Justiça.

Eu perdi muita amizade,
defendendo injustiçados.
- É que o vento da maldade
sopra de todos os lados.

Por que será que você,
tendo os defeitos que tem,
os seus defeitos não vê,
vendo os dos outros tão bem?

A facilidade imensa
com que os homens são julgados
simboliza bem a crença
de sermos todos culpados.

Nascemos sentenciados:
Os que vierem se vão.
E nem somos informados
do dia da execução...

Mas quando o conteúdo, não há dúvidas que seu tema mais presente é Mulher, a qual reverencia com carinho e algum temor, e também com uma certeira ironia:

Toda mulher tem seu quê,
tem um encanto qualquer.
Não tendo, é o que a gente vê
naquela que a gente quer.

Gosto de moça formosa,
sabendo embora o perigo
- Eu não desprezo uma rosa,
temendo o espinho inimigo...

A mulher sempre as mulheres
na pobre história de um homem:
A primeira me deu vida,
mas as outras me consomem...

Protegido pelo manto da modéstia, como se pode ver nestas Trovas:

Poeta mau não conheço,
mau poeta ah, isto sim!
Conheço e digo onde mora:
bem aqui... dentro de mim.

Nunca porfia de dois,
eu chego sempre em segundo.
Mas não reclamo depois:
há sempre um lugar no mundo.

... o nosso Trovador usa o refúgio do sonho, outro tema bastante presente, e que nos traz essas visões:

Não nos feneçam os sonhos,
deles precisamos tanto!
Mudam pensares tristonhos
e secam fontes de pranto.

Teus encantos, criatura,
mexeram tanto comigo
que eu vivo da desventura
de sonhar sempre contigo...

Dormindo eu me disponho
alcançar o que desejo,
pois sem dormir eu não sonho
e sem sonhar não te beijo.

Penetrei fundo demais
no poço das ambições.
Vejo, agora, o mal que faz
um sonho sem proporções.

Homem religioso, sua Fé se manifesta em Trovas como esta:

Esta Fé que hoje me invade,
traz tanto alento à minha alma
que, dentro da tempestade
sinto a natureza calma!

... mas interessante notar que é justamente no tema Fé que encontramos o mais sentimental lírico e apaixonado:

Ao Criador rendo graças,
pela graça, que me deu,
de me sentir, quando passas,
dono do que não é meu.

Os santos de antigamente
só foram santos, porque,
conhecendo tanta gente,
não conheceram você...

Não lhe adivinhando o nome,
batizei-a de Maria.
E o remorso me consome:
nunca vi tanta heresia!

Não encontrei Trovas propriamente humorística na obra de Octávio Babo Filho; encontrei sim, um fina ironia ao brincar com temas profundos:

Se a morte nos avisasse
a respeito do seu dia,
não creio que nos matasse:
a gente é que morreria...

Se querer fazer mistério
de coisas tão triviais:
- É na paz do cemitério
que vivem todos em paz...

Enquanto os povos discutem
a teoria da paz,
os mais fracos se desnutrem
e os mais fortes comem mais...

... ironia sábia, a que transparece de um poeta que, acima de tudo, é um homem de bem com a vida:

Quanta alegria semeia
quem vive sempre contente:
- A felicidade alheia
também faz feliz a gente.

As desventuras da vida,
eu não as conto a ninguém,
pois mágoa, que é transmitida,
se multiplica por cem.

Escolhi Octávio Babo Filho para resgatar uma característica que muito preza nas Trovas.... a simplicidade, da forma e o dizer o que pensa. Sem dúvida, tarefa difícil, mas não quando se é verdadeiro.

Não é só honetidade,
mas simples sabedoria:
convém fazer da Verdade
o esteio de todo dia.
–––––––––––––––
Selma Patti Spinelli é presidente da União Brasileira dos Trovadores/ Seção São Paulo

Fonte:
UBT SP
Link

Nilto Maciel (Literatura de Violência e Literatura de Baixo Nível)


Inicio este comentário com uma citação longa, de Alcir Pécora, em “Impasses da literatura contemporânea”: “Quem critica parece um vilão, um estraga-prazer, um intrometido. Quem critica as obras, ainda mais se faz isso com argumentos insistentes, tem qualquer coisa de indecente, de impróprio. Mas, por vezes, a insistência chata é fundamental para pensar um pouco melhor. Não se vai muito longe com um discurso que não admite contraditório, com um discurso de animação de parceiros. Mesmo em casos de parceria, sem alguma disposição para encarar a desafinação, não se vai longe: nessas condições, não há orquestra capaz de desconfiar de si mesma e exigir mais de seus membros. Espanta, pois, ver a intolerância para a crítica, como se fosse alguma traição pessoal. De onde vem essa ideia de parentesco traído? Pessoalmente, não vejo por que o crítico tem de ser animador, parceiro, divulgador ou chancela do escritor. Ele tem de apontar problemas no objeto, pois são problemas do objeto o interesse principal da arte, como da literatura”.

Não sou crítico literário, não tenho formação acadêmica em literatura, não sou estudioso de teorias literárias. Entretanto, tenho dado opiniões como leitor e escritor. E isto tem me rendido algumas malquerenças.

Quem não conhece a expressão “baixar o nível”? Como se sabe, nível é um instrumento de medição. Podemos também lembrar o vocábulo apelação, no sentido popular e usado em expressões como “apelar para a ignorância”, “apelar para a violência”. Em avaliação de qualidade literária de uma obra, também se usam estes termos e expressões: o escritor fulano baixou o nível; sicrano apela para a violência em seus romances.

Na resenha “Da crueldade humana” (relativa à coletânea Contos cruéis) escrevi: “a crueldade é matéria-prima indispensável para feitura de narrativa”. Acho que exagerei ou cometi grave engano: o final da frase poderia ser outro, como “matéria-prima utilizada por muitos escritores, nem sempre com bons resultados literários”. Ora, violência e sexo são motivos frequentes na prosa de ficção de todas as literaturas, porque a vida é sexo e é violência desde o ato da geração dos seres. Dizem até que a guerra é necessária, como limpeza da espécie, controle populacional (Darwin e Malthus abraçados). Também pragas, pestes, epidemias e pandemias seriam defesas da natureza em busca da redução do número exagerado de humanos. Quando surgiu a Aids, muitos disseram ser invenção de cientistas: vírus criado em laboratório. Primeiro para eliminar o maior número possível de africanos. Quando a praga se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos, aí já era tarde demais.

Para Freud, possuímos uma poderosa e instintiva quota de agressividade. Esse impulso de crueldade é natural. Todo ato humano é naturalmente violento. A vida é uma série contínua de atos de violência, do nascimento à morte. Durante toda ela o sexo estará presente. Quem tenta dele se livrar ou se isentar termina com aquele atirador de Realengo ou se morde de culpa como os padres que adoçam as boquinhas de meninos nos seminários e nas sacristias. Como tentaram castrá-los (com ensinamentos religiosos), eles querem provar para si mesmos o contrário: que não são castrados.

Imbuídos dessa vontade de chamar a atenção (como os assassinos e os padres), alguns contistas e romancistas brasileiros se voltaram exclusivamente para a narração de cenas de violência nua e crua. A violência na literatura brasileira (narração de atos de violência) não é de hoje nem de ontem. No romantismo ela é notória, embora tenha se manifestado com mais vigor no realismo e no naturalismo. Mais tarde, reapareceu no “romance de 30”. E se mostrou mais claramente nos anos 60/70 com João Antônio, Plínio Marcos e Rubem Fonseca.

No artigo “Literatura da violência”, Marcelo Coelho esboça um perfil dessa literatura urbana: “Com Rubem Fonseca o tom mudou completamente. O principal empenho literário desse autor, na minha opinião, foi o de eliminar o sentimentalismo com que muitos escritores trataram a vida dos pobres, e mesmo a vida dos malfeitores, no Brasil. A ideia do bandido “romântico”, do Robin Hood, do bandido “poético”, foi substituída por uma abordagem “hard-boiled”, influenciada pela literatura policial americana”.

Após abordar algumas obras de autores da nova geração, o escritor dedica algumas linhas ao que chama de “os principais defeitos da literatura da violência”. A seguir, pergunta e responde: “Quais são eles? Em primeiro lugar, é que com todo o “realismo” (entendido aqui como falar de fatos dolorosos sem eufemismo, sem “literatura”) a escola da violência tende para o alegórico”.

Em análise da obra de Rinaldo de Fernandes, especialmente os contos de O perfume de Roberta, o ensaísta Cristhiano Aguiar assim se manifesta: “A violência é um tema presente em várias das histórias do livro, confirmando uma tendência da nossa prosa contemporânea de refletir sobre este tema. Isto, nos dois sentidos que a palavra “refletir” nos permite: espelhar o real; ou introjetá-lo para, em seguida, transformar este real em questionamento sob forma de linguagem”. E arremata: “Rinaldo de Fernandes, não obstante nãoabra mão do experimentalismo, preocupa-se principalmente em nos contar boas histórias realistas, salpicadas, aqui e ali, de grânulos de metaforização, ou de elementos fantásticos e absurdos”.

O que distingue o escritor de alto nível daquele pobre narrador de fatos do cotidiano, copiados da imprensa marrom, é exatamente a capacidade de transfiguração do real, de reelaboração da matéria orgânica dos fatos. Ou a aptidão para transpor os limites que separam a realidade da invenção.

Alguns escritores talvez queiram apenas satisfazer o sadismo dos leitores e escrevem como se sádicos também fossem. Poderiam ser bandidos ou policiais. Talvez se realizassem como tais. Outros são aproveitadores. Escrevem assim porque é moda, as editoras publicam, os resenhistas comentam. Poderiam ser comerciantes, deputados, vereadores, agiotas, estelionatários, advogados, juízes, padres, pastores evangélicos. Essa cambada de malfeitores vestidos a rigor. Os ladrões aos quais se referia Antonio Vieira no “Sermão do bom ladrão”, os “ladrões de maior calibre e de mais alta esfera”; “os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam”.

São muitos os escritores sem talento para a literatura. Como não têm imaginação, copiam a realidade dos jornais. Escrevem grandes reportagens, a que chamam de romances. Ou pequenas reportagens, quase notícias, a que chamam de contos. Mas há quem os defenda, sob o pretexto de que a língua se enriquece não em gabinetes, torres de marfim, ao redor de bibliotecas, mas nas ruas, com o falar do povo

Durante certo período, o cinema brasileiro se dedicou a mostrar cenas de sexo explícito. As cotas de exibição obrigatória, impostas pelo governo militar, deram espaço para o desenvolvimento desse gênero. Os “cineastas” optaram pelo mais barato e mais fácil. E adeus arte.

A cópia, a reprodução da vida real ocorre, pois, tanto no cinema como na literatura. Para alguns analistas, esse tipo de “arte” é apenas sintoma de uma sociedade doente. Ora, toda sociedade é doente e sempre foi doente. Ou há quem ache sadia a sociedade sueca? Só porque nela o sexo é livre e não há miséria? Ou a islâmica? Só porque o pecado é punido como crime?

Para completar este breve comento, mais um trecho de Alcir Pécora: “Ocorre, hoje, uma impressionante expansão das narrativas no cerne da própria existência. Antes mesmo de existir como evento, a ação já se apresenta como narrativa, como ocorre nos reality show, em que as pessoas, antes de agir, representam ou narram a ação que lhes cabe”. E assim completa o pensamento: “Escrever literatura, para mim, entretanto, é um gesto simbólico que traz uma exigência: a de ser de qualidade. Literatura mediana é pior que literatura ruim, pois, mais do que esta, denuncia a falta de talento e a frivolidade. A literatura decididamente ruim pode ser engraçada, ter a graça do kitsch, do trash, da paródia mesmo involuntária e grosseira: pode ter a graça perversa do rebaixamento. Já a literatura mediana não serve para nada. É a negação mesma da literatura, cuja primeira exigência é a de se justificar (justificar a própria presença) face aos outros objetos de cultura”.

Como isto não é um ensaio, ouso encerrá-lo com alguma confissão: Não escrevo de acordo com a moda. Também não escrevo como os antigos. Não tenho nostalgia. Não seria jamais um José Albano. Nunca fui da moda ou do lugar-comum. Não pertenço à maioria. Não torço para Flamengo, Corinthians ou Ceará, não sou católico (lugar-comum), evangélico (moda) ou muçulmano (atraso). Também não sou das minorias revoltadas, assanhadas ou espetaculosas. Não sou gay, bissexual ou bipolar. Não sou petista e muito menos liberal. Quero ser eu mesmo, embora reconheça influências. Não desse ou daquele escritor, mas de um modo, de um estilo. Quem não as tem? Minhas maiores influências são as minhas, as do meu passado. Como não sou só, minhas memórias são também as dos outros. Até dos que fazem “literatura mediana” e “literatura ruim”. Portanto, todos são necessários, como na natureza: do verme ao leão.

Leitura complementar:
AGUIAR, Cristhiano. O perfume de Roberta. Disponível em Laboratório – Literatura e Crítica, http://olaboratorio.wordpress.com, 4/8/2010.
COELHO, Marcelo. Literatura da violência. Caderno Ilustrada, jornal Folha de S. Paulo, 16/4/2011.
MACIEL, Nilto. Da crueldade humana. Oficina de produção psicanalítica e literária, http://paulofernandomonteiroferraz.blogspot.com, 8/4/2010.
PÉCORA, Alcir. Impasses da literatura contemporânea. O Globo, 23/4/2011.


Fonte:
Email enviado pelo Autor, disponível em http://literaturasemfronteiras.blogspot.com/2011/07/literatura-de-violencia-e-literatura-de.html

Eliana Ruiz Jimenez (O Fim da Letra Cursiva)


O ensino da letra cursiva nos Estados Unidos é agora facultativo. O último estado a aderir a essa recomendação foi Indiana. Em contrapartida, a partir dos 6 anos, as crianças deverão demonstrar habilidades progressivas no manejo e produção de textos utilizando o teclado do computador.

A mesma tendência ocorre na Alemanha, onde uma campanha promovida pela associação dos professores tenta abolir o ensino da letra cursiva argumentando que essa atividade consome muito tempo e, com a tecnologia de que se dispõe hoje em dia, é desnecessário o seu aprendizado.

Apesar de alguns especialistas apontarem perdas na atividade cerebral, que seria mais intensa na produção da letra manuscrita, a verdade é que essa alteração vai acabar ocorrendo, mais cedo ou mais tarde, de forma global.

A necessidade da letra cursiva já decresceu bastante. Os estudantes estão rapidamente aderindo ao uso dos netbooks e ipads no lugar do caderno para as atividades escolares e a própria assinatura pessoal já não tem o mesmo valor.

O reconhecimento de firma nos tabelionatos não é mais feito apenas pela assinatura, já que a foto e as impressões digitais fazem parte do pacote de tornar um documento autêntico e a digitalização está presente no dia a dia dos escritórios de advocacia, onde o advogado assina as petições virtualmente e acompanha os processos via internet.

A tradução das letras ilegíveis dos médicos em suas receitas também parece estar condenada ao passado, uma vez que a maioria já imprime suas prescrições.

Mas há perdas também. Desenhar as letras com capricho, fazer anotações ou resumo do que se estuda vai, sem dúvida, ficar prejudicado.

A pergunta que fica no ar é: - por que é preciso escolher um aprendizado em detrimento de outro? Por que não podem aprender tanto a letra cursiva como o manejo do computador? É exatamente isso que os jovens fazem hoje em dia e com bastante sucesso.

A simples supressão do ensino na letra cursiva seria uma forma de subestimar a chamada geração multimídia, ou alguém duvida que eles têm a capacidade de absorver tudo com a qualidade e velocidade que os novos tempos exigem?

Enquanto não se aparam as arestas e se afastam os excessos dessas novas diretrizes, os mais saudosistas suspiram.

Não haverá mais o caderno novinho no início do ano letivo convidando a aluna sonhadora a rabiscar corações nos cantos de suas folhas. Tristemente, também, não será o companheiro fiel das próximas gerações.

- A vida segue sempre em frente, o que se há de fazer? - cantou Toquinho em sua música e brilhantemente arrematou o último verso com um apelo do próprio caderno, que diz: “Só peço a você/ Um favor, se puder/ Não me esqueça/ Num canto qualquer".

Fonte:
http://elianaruizjimenez.blogspot.com/2011/07/o-fim-da-letra-cursiva.html

Antonio Barroso (Glosando Sonia Martelo)


Quando a chuva do céu desce
e o ventre da terra alcança,
a vida se reverdece
e tem o tom da esperança.


*************

Quando a chuva do céu desce
sob a protecção divina,
na flor, que nasce e que cresce,
sua cor mais se ilumina.

Vem o sol a acompanhar
e o ventre da terra alcança,
traz amor para animar
tanta paz, tanta bonança.

Poemas, que o amor tece,
enchem a alma de alegria,
e a vida se reverdece
embrenhada em poesia.

No lusco-fusco poente,
o rosto duma criança
olha a flor, resplandecente,
e tem o tom da esperança.

António Barroso (Tiago) (19-07-2011)

Fontes:
Sonia Martello
Imagem = http://zeliafogaca.blogspot.com/2008/05/verde-esperana.html

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XII – O Planeta Marte


O que lá no sítio Pedrinho ouvira de Dona Benta a respeito de Marte estava bem fresco em sua lembrança.

— Marte é um planeta de volume seis vezes menor que o da Terra — havia dito a boa senhora. — No dia em que houver facilidades de comunicação entre os mundos, Marte há de ser uma estação balneária da Terra. Os homens irão passar lá férias ou temporadas. É pertíssimo.

— A que distância fica?

— A 56 milhões de quilômetros.

— Só? — admirou-se Pedrinho, que já andava tonto com as tremendíssimas distâncias entre a Terra e as estrelas. — Esses 56 milhões de quilômetros a luz vence em 2 minutos e 6 segundos. Sabe, vovó, que a velocidade do nosso pó de pirlimpimpim é a mesma da luz? A Emília até diz que o pirlimpimpim é luz em pó...

Dona Benta riu-se da asneirinha e continuou a falar de Marte.

— As estações lá — disse ela — correspondem às daqui, com as mesmas temperaturas. As condições de Marte assemelham-se muito às nossas, mas o ano de lá tem 687 dias.

— Que “anão”! — exclamou Pedrinho admirado. — E o peso?

— Menor que aqui. Um quilo nosso pesa 374 gramas em Marte.

— Ótimo! Quem vai para Marte deve sentir-se leve como rolha. Para corridas e pulos deve ser o planeta ideal.

Houve um ponto em que Dona Benta muito insistiu: os canais que através dos telescópios os astrônomos enxergam nesse planeta. E disse:

— Os astrônomos distinguem em Marte uma verdadeira rede de canais, em linhas retas e curvas, ligando mares; mas não são coisas naturais — parecem artificiais, ou feitas pelos homens de lá.

— Como sabem? — duvidou Pedrinho.

— Porque parecem traçados a compasso e régua, que são invenções dos homens. A natureza tem o bom gosto de não usar esses instrumentos. Já reparou que ela nada faz perfeitamente reto ou perfeitamente curvo, como as linhas e círculos traçados pela régua e o compasso?

— Isso não, vovó! — contestou o menino. — Certas palmeiras têm o tronco em linha reta, e o maracujá e outras frutas são bem redondinhos.

— Se com a régua e o compasso você conferir a linha reta duma palmeira ou o redondo de qualquer fruta, verificará que são mais ou menos — nunca exatamente. A natureza tem horror à precisão da régua e do compasso.

— Eu sei — disse Pedrinho pensativo. — O instrumento que a natureza usa é o mesmo daquele Zé Caolho que esteve consertando a casa do Elias Turco: o olhômetro! O Zé Caolho mede tudo com aquele olho torto, a que Emília deu o nome de “olhômetro”. Ele não usa régua, nem compasso, nem trena, nem nível, nem prumo. É tudo ali na “batata do olhômetro”, como diz a Emília.

— Pois a natureza é assim, meu filho. Parece que tem horror à geometria. Faz tudo mais ou menos — e por isso são tão belas as coisas naturais. Se você mandar a geometria fazer uma árvore, ela faz uma árvore toda cheia de linhas retas e curvas, de elipses, espirais e triângulos, tudo de uma “precisão geométrica” — e fica a feiúra das feiúras. Mas com o seu olhômetro a natureza produz belezas como aquela — e apontou para o cedrão do pasto. — Veja. Não há naquela árvore nenhuma regularidade geométrica, e vem daí a beleza do nosso velho cedro. Pois os canais de Marte são assim — são duma regularidade que não é própria da natureza. Ora, se não são naturais, são artificiais.

Pedrinho admirava-se duma coisa — que os canais de Marte fossem avistados da Terra.

— Graças a Galileu, meu filho. Graças ao telescópio, filho da luneta que Galileu inventou, nós daqui enxergamos até os canais de Marte, uma coisa que está a 56 milhões de quilômetros de distância... Não é maravilhoso?

— Que quer dizer telescópio, vovó?

— Tele em grego é “longe” e skopeo é “eu examino”. Telescópio quer dizer “eu examino ao longe”.

— Que beleza o grego, hein, vovó? É batatal... Dona Benta estranhou aquele “batatal” que volta e meia vinha à boca de seu neto.

— Que história é essa de batata pra aqui, batata pra ali, que vocês vivem usando agora? Eu já ando abatatada de tanta batata que rola por esta casa.

— É a Emília, vovó — explicou Pedrinho. — Ela inventou a coisa e nós, sem querer, pegamos na mania. Eu bem não quero falar assim, mas sai. Emília inventou até um tal “batatalífero” que é batatal. E também usa o “batatalino”.

— Mas donde veio isso?

— Não sei, vovó. Essas coisas vêm do ar, como os resfriados. Parece que a gente enjoa das velhas palavras e precisa de novas — e vai inventando. Batatal quer dizer ótimo, otimíssimo, bis-ótimo. Mas se a gente diz “isto é ótimo” fica sem força. Parece que essa palavra está muito gasta. E Emília então diz: “Isto é batatal ou batatalino” e a gente arregala o olho.

Dona Benta filosofou sobre o pitoresco da gíria e depois voltou ao planeta Marte.

— O diâmetro de Marte é de 6.870 quilômetros. E o da Terra? Vamos ver se não esqueceu.

— É quase o dobro, vovó.

— Isso mesmo. E a circunferência de Marte também é mais ou menos metade da da Terra. Qual a circunferência da Terra, Senhor Flammarionzinho?

— Quarenta mil quilômetros! — berrou o menino — e Dona Benta deu-lhe grau 10 pela boa memória.

Em seguida contou que Marte era mais velho que a Terra.

— Esse planeta destacou-se do Sol milhões de séculos antes da Terra, de modo que tudo está lá muito mais evoluído que aqui. A vida em Marte deve ser como vai ser a daqui no futuro. Nós nem podemos fazer idéia dos animais de Marte, e muito menos do homem de Marte — o marciano.

— Marciano quer dizer habitante de Marte?

— Sim. E esses marcianos têm o gosto de ver em seu céu duas luas, em vez duma só, como nós aqui.

— Duas luas? Que engraçado...

— Dois satélites, sim, meu filho, aos quais os astrônomos deram os nomes de Deimos (Terror) e Fobos (Medo).

— Por quê? Que é que o Terror e o Medo têm a ver com dois astros do céu?

— Ah, isso é uma recordação duns versos de Homero na llíada. Existe nesse poema um pedacinho assim: Ao Terror e ao Medo ele ordena que atrelem meus corcéis Enquanto de suas cintilantes armas vai se vestindo.

— Mas que têm esses versos com as luas de Marte?

— Nada, meu filho. O astrônomo que deu esses nomes às luas de Marte devia ter lido na véspera a llíada de Homero e estava com as palavras Deimos e Fobos na cabeça. Só isso.

— E essas luas aparecem no céu de Marte do tamanho da nossa Lua aqui?

-— São muito menores. Deimos tem apenas 12 quilômetros de diâmetro.

— Só 12? — admirou-se o menino. — Isso é do tamanho duma cidade como Paris, Buenos Aires, São Paulo...

— Exatamente; mas como Deimos está apenas a 6.000 quilômetros de Marte, aparece grandinho no céu — assim da quarta parte do tamanho da nossa Lua.

— E Fobos?

— Esse está a 20.000 quilômetros de distância e é várias vezes menor que Deimos.

Isso era tudo quanto Pedrinho sabia do planeta Marte, segundo as informações recebidas de sua avó no sítio. Agora que voava para Marte levado pelo pó de pirlimpimpim iria ter ocasião de verificar se aquilo estava certo ou não. O caso dos canais de Marte e dos marcianos era o que mais o interessava.

Logo que chegaram e abriram os olhos, os três aventureiros celestes sentiram-se desnorteados. Tudo muito diferente do que tinham visto na Lua e do que era na Terra. Canais não viram nenhum, porque coisas grandes como canais só são avistáveis de longe. É como quem está dentro duma floresta: só vê galharada e folharada, não vê a floresta em seu conjunto. Eles puseram-se a prestar atenção às coisas próximas — mas não as entendiam.

— Isto aqui devem ser plantas — disse Narizinho. — Só que estou estranhando as formas e a cor.

— Pelo que disse vovó — informou Pedrinho — as plantas daqui são evoluidíssimas — são como vão ser as plantas da Terra daqui a milhões de anos.

Era uma vegetação amarela e avermelhada. Não havia verdes, e as formas não lembravam as plantas da Terra.

— E gente? E bichos? — indagou a menina. — Não vejo nada mexer-se. Será que Marte é desabitado?

Pedrinho também desapontou. Por mais que olhasse e reolhasse, não percebia traço de vida animal. E estavam caminhando por ali, a olharem para a direita e a esquerda, quando Emília os agarrou pelas mãos e os puxou para um lado com toda a força.

— Que há? — perguntaram os dois meninos assustados. A boneca respondeu levando o dedinho à boca em sinal de “bico calado!” e fez que ambos se escondessem atrás duma pedra.

— Agachem-se e não se mexam. Depois explico.

Emília olhava como se estivesse vendo coisas e mais coisas. E assim esteve muito atenta e quietinha, imóvel atrás da pedra, até que afinal desembuchou.

— Uff! Que susto!... — exclamou ela erguendo-se. — Acabamos de passar por um grande perigo. Este astro é mais que habitado — é habitadíssimo. Aquele puxão que dei em vocês foi porque um grupo de marcianos vinha vindo em nossa direção.

Os habitantes de Marte eram invisíveis para os olhos dos meninos, mas visibilíssimos para os olhos da Emília. Ela os tinha decorado e passou a descrevê-los.

— São esquisitíssimos! Parecem grandes morcegos brancos. Em vez de caminharem com dois pés, como nós, deslizam pelo chão e erguem-se nos ares quando querem. O corpo é oval e cheio de crocotós, isto é, de coisas esquisitas que não entendo bem. Parecem ter uma porção de braços e mãos, maiores e menores; e no lugar em que devia ser a cara, há mais crocotós — tudo muito diferente das criaturas da Terra. Nós temos olhos, nariz, boca e orelhas — eles devem ter tudo isso, mas de formas diferentes. São uns seres absurdos...

— E falam?

— Devem falar, mas sem sons, sem palavras, dum modo muito diverso do nosso. Bem no meio da tal coisa que deve ser a cara existe um chicotinho flexível que eles manejam com grande rapidez.

— Antenas, como nos insetos?

— Talvez. É com os movimentos desses chicotinhos no ar que eles se entendem.

Pedrinho e Narizinho ficaram apavorados com a descrição e ansiosos por fugirem daquele misterioso planeta. Pelo que informava a Emília, os marcianos não tinham dado pela presença deles ali. Era provável que não pudessem vê-los. Mas seria realmente assim? Às vezes uma coisa parece, mas não é. Tornava-se indispensável verificar esse ponto — mas como? Emília tomou uma resolução.

— Vou tirar a limpo esse ponto — disse ela. — Se me acontecer qualquer coisa, se eles me pegarem e me comerem, não faz mal. Não sinto dor, sou boneca — e, além disso, Tia Nastácia faz outra ainda melhor que eu... Fiquem caladinhos aqui atrás da pedra. Não se mexam até que eu volte — e foi tirar a limpo aquele ponto.
____________
Continua … XIII – Proezas da Emília em Marte
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 280)


Uma Trova Nacional

Tal e qual meu pé de rosa,
que ao ser podado floresce,
esta saudade teimosa,
quanto mais podo, mais cresce!...
CAROLINA RAMOS/SP–

Uma Trova Potiguar

Felicidade é somente
uma visita apressada
que aparece de repente
e parte sem dizer nada.
–APARÍCIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada


2010 - São Paulo/SP
Tema - ORVALHO - Venc.

Seria a vida mais doce
e as dores bem mais amenas,
se toda lágrima fosse
um pingo de orvalho apenas...
–JAIME PINA DA SILVEIRA/SP–

Uma Trova de Ademar

Deus fez de mim uma ponte
com pilastras de alegria
e acima dela uma fonte
por onde jorra poesia.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Ao lembrar que o teu brinquedo
é decifrar-me, sorrio...
De nada vale o segredo
de um velho cofre vazio.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia


Insano.
–SERGIO SEVERO/RN–

Se tem razão a loucura,
encontrei a explicação,
para tanta molhação
nesta Terra de Secura:

O Céu, fendeu o seu chão
e Deus chorou, compungido,
pelo Povo desvalido,
pela seca no Sertão.

Dessa água irei beber,
cada gota que chover,
e num total desvario...

... adoçarei as salinas,
e plantarei turmalinas,
na margem central do rio.

Estrofe do Dia

Nunca tive a vida bela
mas mesmo assim não me queixo,
padeço a dor mas não deixo
outro participar dela,
nem sou daqueles que apela
depois da causa perdida,
não vou chorar na subida
nem rir quando estou descendo;
já me acostumei sofrendo,
pra que reclamar da vida?
–MÁRIO LOPES/CE–

Soneto do Dia

Segredo de um Sonho.
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Afasta esse amargor de tua vida,
e em seu lugar põe mais amor e crença.
Esquece a ingratidão, por mais dorida,
porque lembrar tristezas não compensa...

Deixa o perdão curar a atroz ferida
que te deixou, no peito, alguma ofensa,
e atende àquela voz que te convida
para o exercício bom da benquerença!

Passa a ver a ventura tão distante,
mais perto do que julgas, doravante;
e, diante algum revés, ergue a cabeça,

na esperança de um mundo mais risonho.
Pois o segredo de alcançar um sonho
é saber esperar que ele aconteça!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://www.milassinaturas.blogger.com.br/saudade.html

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 279)


Uma Trova Nacional

Luta inglória é essa nossa,
minha e da enxada, dois loucos,
tudo em nome de uma roça,
que a seca mastiga... Aos poucos!
–DARLY O. BARROS/SP–

Uma Trova Potiguar

Fosse, a seiva, inspiração,
cada árvore, um Trovador,
floresta era a imensidão
de verdes Trovas de amor.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Uma Trova Premiada

2005 - Niterói/RJ
Tema - ENCONTRO - Venc.

Na trova e no trovador
é que se encontram, suponho,
Criatura e Criador
unidos num mesmo sonho.
–NÁDIA HUGUENIN/RJ–

Uma Trova de Ademar

Com meus dias já traçados,
o Deus que nos arquiteta,
destinou-me dois legados:
ser Trovador e Poeta.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

A sina dos Trovadores,
– o meu destino também –
é sofrer as próprias dores
e as dores que os outros têm...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia

Sempre tive a maior veneração,
por Deus Pai, nosso eterno criador,
que me quis pequenino deste jeito
e me fez seu eterno sonhador;
como quem diz abrace o que te dei,
e a poesia, feliz eu abracei,
me tornando poeta e Trovador.
–PROF. GARCIA/RN–

Estrofe do Dia

O relâmpago se acende pra dá show
Camponês sem castelo vira rei
Quando a voz do trovão diz: eu cheguei!
O fantasma da fome diz: já vou!
Abra a boca de um silo que lacrou
Enche a cuia e não pesa em quilograma,
Põe na cova, com um mês tem folha e grama,
Quem plantou grão por grão colhe de ruma;
O nordeste se enfeita e se perfuma
Quando o pranto da nuvem se derrama.
–NONATO COSTA/CE–

Soneto do Dia

A T R O V A.
–Adélia Victória Ferreira/SP–

Quatro versos, apenas, quatro versos!
Sete sílabas, cada. Belas rimas
revesadas. Os temas, os diversos
tesouros de uma língua: Eis obras primas!

Pelos confins deste Brasil, dispersos,
trovadores, versados nos esgrimas
que essa arte exige, em cisma sempre imersos,
apresentam fartíssimas vindimas!

Conhecendo a ciência da poesia,
modelando os versos à perfeição,
quanta beleza o Trovador desfia!

E quando ele se apura e se renova,
lá de cima sorri, com emoção,
Luiz Otávio – o Príncipe da Trova!

Fontes:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://superacao1000.blogspot.com/2011/04/caneta-e-enxada.html

Efigênia Coutinho/Antonio Barroso (Outono)


Efigênia Coutinho
OUTONO


O Verão fez sua despedida devagar,
Como alguém que não queria partir.
O Outono vai tomando seu lugar...
O equinócio manifestou o seu fim.

Que o Outono seja belo e favorável
E traga ao homem Paz e Harmonia.
Que se evada todo fluido indesejável
E permaneça em seu íntimo a alegria!

Aqui na terra, este é o meu desejo
Que do outono, venha a placidez,
Com seus tons de ocaso ao ensejo
De refletir da Mãe Natureza a solidez.

As folhas amareladas cairão devagar...
Dum ciclo, o declínio vão anunciando
E o chão da vida verá o verão se ausentar,
Enquanto as árvores vão se desnudando.

Mas, diante de meus olhos ainda desfilam
Inebriante as brumas do mar de Verão,
Que agora nas lembranças se aconchegam
Para receber o outono com toda emoção!

Balneário Camboriú
2011

António Barroso (Tiago)
OUTONO


Nas brisas de outono, as folhas levitam
Como papagaios em mãos de criança
As ondas começam estranha dança,
E as aves, no céu, já partem, já gritam.

Beijos parados, nas almas, se agitam
E aguardam, calmos, em doce esperança,
Que regresse, depressa, essa bonança
Do calor dos madeiros que crepitam.

Se os dias mais curtos fazem presente
Dum lindo anoitecer, ao sol poente,
Há um mistério que se torna eterno,

É que o aproximar do novo outono
Tem indícios de haver um abandono
Para acolher, por fim, o meu inverno.

Parede - Portugal (29-07-2011)

Fonte:
Textos e imagem enviados por Efigênia Coutinho

A. A. de Assis (Trovia n. 140 - Agosto de 2011)


Inesquecíveis

Eu creio em Deus com profundo
sentido de lucidez,
mas no Deus que fez o mundo,
não no Deus que o mundo fez.
Alfredo de Castro

O beijo de namorado,
mesmo escondido, é sublime:
– Um pequenino pecado
que mil pecados redime...
Luiz Otávio

Amanhã... Depois... Depois...
Foi assim a vida inteira...
E entre os sonhos de nós dois,
a intransponível fronteira...
Milton Nunes Loureiro

Dor não há mais dolorida
do que amar quem não nos ama...
Querer chamar de querida
quem só de amigo nos chama...
Onofre Barros

Seria a vida enfadonha
sem as dúvidas que tive.
Quem tem certeza não sonha,
e que não sonha, não vive...
Orlando Brito

Mostro sempre, com ternura,
um tesouro que guardei:
a cartilha de brochura
na qual me desemburrei...
Waldir Neves

Mestre Alfredo de Castro: mais um poeta no céu. Mas que saudade fica na gente!

Brincantes

Mulher, o que é que te faz
ir cozinhar no vizinho?
– É que lá tem fogo a gás,
sobe a chama rapidinho...
Alba Christina Netto – SP

Só uma, em minha cachola,
ainda produz abalo...
Por sorte ela nem dá bola
para as bobagens que eu falo!
Arnaldo Ari – RJ

Três invenções sem futuro:
carro, mulher e baralho.
As três me deixaram “duro”,
não sei quem deu mais trabalho!
Francisco Macedo – RN

O velho, ao ver demolida
grande e antiga chaminé,
lamenta que anos de vida
não deixam nada de pé!
Gérson César Souza – PR

Casa velha, quanto encanto!
... tem cobras, cupins, lagartos!
Uma história em cada canto
e fantasmas pelos quartos.
Nilton Manoel – SP

Bem pior que a dor de dente
a de rins costuma sê-lo.
Não, porém, mais deprimente
do que a dor de cotovelo...
Osvaldo Reis – PR

Foi de tomara-que-caia
desfilar... Como previu,
foi só tropeçar na saia
e o seu “tomara”... caiu!
Therezinha Brisolla – SP

Líricas e filosóficas

Entre a inocência e a esperteza,
é da inocência o troféu.
O esperto ganha a riqueza,
o inocente ganha o céu.
A. A. de Assis – PR

Vem um verso de “veneta”,
falta tinta, que derrota!
Pois tinta em minha caneta
minha inspiração não bota!
Ademar Macedo – RN

A verdade nos maltrata
nesta lição contundente:
saudade que não se mata,
aos pouquinhos mata a gente.
A.M.A. Sardenberg – RJ

Os olhinhos do meu bem
quão bonitos eles são,
a ver as luzes que vêm
lá da cidade de Olhão...
José Fabiano – MG

Tantos passos caminhei
por labirintos incertos.
Hoje nas trovas achei
como vencer os desertos.
José Feldman – PR

Como no amor me concentro,
só envelheço, em verdade,
por fora, porque por dentro
está viva a mocidade.
José Lucas de Barros – RN

Cuidado, esposa e marido,
nessas brigas conjugais,
porque o casal sai ferido
e as crianças... muito mais!
José Ouverney – SP

Em cabeça que faz trovas não há lugar para grilos.

Coração, bates ligeiro,
até mudas de compasso,
se recordo o amor primeiro
ou se perto dele passo!
Amaryllis Schloembach – SP

Nossa vida é mesmo assim,
qual um rolo de papel...
Quanto mais perto do fim,
mais dispara o carretel!
Amilton Monteiro – SP

O velho sonho que habita
lá longe, em névoas de idade,
junto à saudade acredita
viver sua mocidade...
Angélica Villela Santos – SP

Bate a chuva na janela,
vento forte me assobia:
Vou morrer tão longe dela...
– dessa luz que alumia!...
Ari de Campos – SC

Se amigo é quem ouve a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é quem não deixa
sequer o pranto cair.
Carolina Ramos – SP

Unindo a seresta ao verso,
quero compor a amplidão.
Sou menestrel do universo,
em tardes de solidão.
Cláudio de Cápua – SP

A sua ajuda me intriga
e até me faz refletir,
quando estende a mão amiga
sem que eu precise pedir!...
Clenir Neves Ribeiro – RJ

A vida é cheia de ardis,
toda esperança é frustrada;
e a busca de ser feliz
é busca apenas... mais nada.
Conceição de Assis – MG

Singrei mares de agonia,
lutei contra vendavais,
para achar a calmaria
que só encontro em teu cais.
Lisete Johnson – RS

Quem a família coordena
e a sua casa não trai,
quem não tem alma pequena
é um bom modelo de pai.
Lóla Prata – SP

Nas horas tristes, sombrias,
a esperança é a companheira
que afugenta a nostalgia
e nos ergue... a vida inteira!
Lucília Decarli – PR

O perdão que concedemos
a cada irmão ofensor
é treva que revertemos
em luz... em paz... em amor.
Luiz Antonio Cardoso – SP

Em água límpida, pura,
penetram raios de lua
como se fosse a mistura
da minha alma com a tua.
Luiz Hélio Friedrich - PR

O tempo passa, é verdade,
levando tudo o que sou...
mas só não passa a saudade
que o próprio tempo deixou!
Maria Melinni Garcia – RN

No momento em que partiste,
pranteei minha viuvez.
Foi o trajeto mais triste
que uma lágrima já fez...
Maria Nascimento – RJ

Velha caixa de madeira,
onde tenho os “meus guardados”:
lembranças da vida inteira,
pedaços do meu passado.
Marilu Moreira – RJ

Trovador que espalha o sonho / que lhe mora na alma inquieta / confessa ao mundo, risonho, / a bênção de ser poeta. (Renato Alves)
Colhendo afeto e carinho
desde que a vida chegou,
vou percorrendo o caminho
que o destino me traçou.
Diamantino Ferreira – RJ

O nosso amor escondido,
sem promessa de aliança,
tem o sabor proibido
da fruta da vizinhança!...
Domitilla B. Beltrame – SP

Não disse adeus, foi embora,
nem um recado deixou...
E a saudade, a toda hora,
insiste que ela voltou!
Eduardo A. O. Toledo – MG

São forças da natureza,
não se pode fazer nada:
– fogo, vulcão, correnteza...
e a mulher apaixonada!
Eliana Jimenez – SC

Vivo em constante conflito,
entre o delírio e a razão:
– meu sonho alcança o infinito...
meus pés... tropeçam no chão.
Elisabeth Souza Cruz – RJ

Não queira mulher alheia,
lei de Deus isso prevê.
Vou viver então pecando,
por sempre querer você.
Euclymar B. Porto – RJ

Os meus cabelos grisalhos
refletem árida espera
de um coração em frangalhos
que sem amor desespera.
Evandro Sarmento - RJ

Traz de longe a brisa branda
o jasmim da tua essência
e inebriada a varanda
nem percebe a tua ausência.
Marina Bruna – SP

Os lençóis de nossa cama,
em dias que não são poucos,
guardam vestígios da chama
dos nossos delírios loucos!
Marisa Fontalva – SP

O perdão é sem valia
se não sai do coração;
luz do sol ao meio-dia,
que nem sombras faz no chão.
Marta Paes de Barros – SP

Toda trova sintetiza
o que pensa o seu autor;
e, nos versos, simboliza
seus sentimentos – de amor!
Maurício Friedrich – PR

Ficou mais lento o meu passo?
Caminharei mesmo assim.
Só temeria o cansaço
se me cansasse de mim...
Newton Vieira – MG

Não há fronteira na vida
que separe um grande amor,
quando a ponte foi erguida
pelas mãos do Criador.
Olga Agulhon – PR

Do poeta, o maior sofrer
assim pode ser descrito:
É a luta para escrever
o que nunca foi escrito.
Olympio Coutinho – MG

Ainda está na minha mão
o teu suave perfume.
E dentro do coração
só há saudade e ciúme.
Roberto Acruche – RJ

Ao ler uma bela trova / depois que pronta ficou, / quem calcula a dura prova / por que o poeta passou? (J. G. de Araújo Jorge)
Aquela ponte que unia
nossas vilas ribeirinhas
une ainda, por magia,
tuas saudades e as minhas.
Gislaine Canales – SC

Sem preconceito ou pudor,
mas de emoções verdadeiras,
grandes momentos de amor
não delimitam fronteiras!...
Hermoclydes S. Franco – RJ

Num sonho que me deleita,
voltar à infância consigo.
E a lembrança é tão perfeita,
que chego a brincar comigo.
Humberto Del Maestro – ES

Nosso amor é uma certeza
dentro do meu coração;
e a luz da paixão, acesa,
apaga a luz da razão!
Istela Marina – PR

Tempo, cavalo indomável
que tento frear à toa...
Qual pégaso formidável,
quanto mais freio, mais voa!
Jaime Pina da Silveira – SP

Agradece todo dia
o problema que te aflige,
pois dele vem a magia
que teus defeitos corrige.
J. B. Xavier – SP

Não sei se é vinho ou veneno,
mas quero me embebedar
desse teu corpo moreno
que eu quero tanto abraçar!
Jeanette De Cnop – PR

O meu celeiro está cheio
de feno, alfafa e capim;
e eu, vazio, aqui no meio,
quem sabe farto de mim?
Josafá Sobreira da Silva – RJ

Mulher de rara beleza
não deve, jamais, pintar-se,
pois obra da natureza
não necessita disfarce.
Ruth Farah – RJ

Nas páginas principais
do teu livro de memórias
fui rodapé, nada mais,
sempre à margem das histórias.
Sérgio Ferreira da Silva – SP

É tão lindo o seu sorriso!...
Seu beijo é tão perfumado,
que aqui vou, perdendo o siso,
cometer mais um pecado.
Thalma Tavares – SP

Aquela duna imponente,
que na paisagem se alteia,
tem na origem, certamente,
minúsculos grãos de areia.
Vanda Fagundes Queiroz – PR

Sou mulher, luto, decido,
sei de cor muitos poemas,
mas com seu beijo atrevido
esqueço até dos problemas!
Vânia Ennes – PR

Amizade é sã vivência
do bom relacionamento,
e se estrutura na essência
do mais belo sentimento.
Vidal Idony Stockler – PR

Não prometo, em nossa história,
meu amor por toda a vida,
porque a vida é transitória,
e meu amor, sem medida!...
Wanda Mourthé – MG

Sabendo o que sei agora,
pudesse voltar atrás,
voltaria sem demora
aos meus tempos de rapaz.
Zé Reinaldo – AL

Quando a trova se destaca / pelo primor que ela é, /
lembra à gente um gol de placa / à moda do rei Pelé. (aaa)


Visite: www.falandodetrova.com.br

Fonte:
Revista enviada por A. A. de Assis

Encontro SESC Memórias (em São Paulo)

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SESC Memórias
Rua Dr. Plínio Barreto, 285 - 3º andar (Prédio da Federação do Comércio)
Bela Vista – São Paulo
(11) 3016-1692
(11) 3016-1688

Carolina Ramos (Lurdeca)


Chegou ao novo emprego como um furacão! Pressionou a campainha da área de serviço e, porta aberta, sem esperar pela receptividade, foi logo se identificando.

- Bom dia. Eu sou Maria de Lurdes.

Magra, ágil, descontraída, mostrando disposição para o trabalho, a nova faxineira foi recebida com alívio.

Antes mesmo de qualquer ordem, foi entrando e depositando seus pertences no banheiro central, em desprezo ao que lhe fôra reservado.

Ante o olhar atônito da patroa, acrescentou:

- Já gostei de você! Vou ficar por aqui muito tempo!

Aturdida pela desenvoltura da recém chegada e principalmente pela intimidade do tratamento, a jovem guardou a pose de patroa no bolso do avental, retribuindo na mesma moeda.

- Também gostei de você, Maria de Lurdes.

Um bom começo.

O breve instante, do quebra jejum, foi o bastante para que Maria de Lurdes trocasse informações e saísse inteirada da vida da família que a recebia. Também, foi só. Ao lançar-se à tarefa, fechou-se. Era, apenas, mãos e pés, na mais plena atividade, movidos a pilha ou quem sabe, a corrente elétrica. Com ânimo, subiu pelas paredes - com o auxílio de escada, naturalmente - retirando quadros e tudo o mais que as decorava. O aspirador, puxado pela possante locomotiva humana, arrastou-se pelas dependências, engolindo pó acumulado. As vidraças mostraram um dia mais claro e os quadros voltaram aos lugares, deixando a desejar quanto ao prumo. Lá pelo meio da tarde, metade do apartamento estava um brinco! O restante foi relegado para a semana vindoura, que braços fortes não são de ferro!

De Lurdes continuou voltando, regularmente, toda quinta-feira, como um ciclone sugador de impurezas, levando do além do estipulado pela faxina, roupas, mantimentos, frutas, sapatos, etc., prova evidente do perfeito entrosamento do binômio patroa e empregada.

Com exuberante simpatia, a nova auxiliar conquistou até mesmo as boas graças da Tetê, caçulinha da família, nem sempre aberta à comunicação. Uma simples frase fizera o milagre:

– Você é uma menina linda, sabia?
– Sabia, sim! – resposta pronta, sem auto-censura, da garotinha, que se dignou desviar da TV, por instantes, os olhos deslumbrados pelos monstros apocalípticos, importados do Japão. Num rasgo de generosidade ou inversão de valores, a frase foi completada:

– Você também é linda!

Como exultara De Lurdes, ante a surpresa daquela afirmação! Em toda a sua laboriosa vida, ninguém, jamais, a chamaria de linda e muito menos qualquer espelho, por maior boa vontade tivesse!

Ficaram amigas, Lurdes e Tetê. A tagarelice desta, quebrou o mutismo da outra.

– Menina esperta essa! Muito esperta! Quatro anos? Benza Deus! Ela me bota no chinelo! – fôra a vez da mãe de Tetê exultar.

Dois meses de vai-vens semanais e patroa e criada só trocaram amabilidades, satisfeitas uma com a outra. Até que, um dia, inexplicavelmente, De Lurdes não voltou. Nem telefonou, para justificar a falta. Sumiu em definitivo.

Foi então que, reassumindo as tarefas domésticas, Jurema, a jovem patroa, começou a notar, coisas também desaparecidas. Eram cobertores, roupas, enlatados de estoque, talheres, sabonetes, etc. etc. O beliscão da desconfiança levou-a direto ao cofre de jóias. Praticamente vazio! Não que contivesse, anteriormente, nada de grande valia mas, o peso estimativo era mais do que suficiente para desequilibrar a boa-fé da moça. Jurema sentiu o espinho da desconfiança arranhar-lhe a pele. Ante a filha, indagou alarmada:

– E a sua pulseirinha de ouro, Tetê… onde está?!

A resposta da garota foi reveladora:

– O fecho não tava bom. A Lurdes levou ela, pra consertar.

Se a dúvida já se instalara, a certeza roubou-lhe o lugar.

De Lurdes, inapelavelmente, estava por detrás de todas as ausências constatadas. Como pudera fazer isso?! Como confiar em alguém, dali para frente?!

Embora magoada, a moça sentiu-se gelar quando ouviu, ao telefone, a voz inquiridora:

– Dona Jurema?
– Sim…
– Quem fala é do delegado de polícia, Heitor Lopes. A senhora conhece Maria de Lurdes da Silva?
– Conheço, sim. Foi minha faxineira… está sumida há tres meses, mais ou menos.
– Ela está presa. Sua faxineira é vulgarmente conhecida por Lurdeca, ladra reincidente, vigarista das maiores!

Jurema emudeceu, perplexa!

– A senhora tem alguma queixa? Há falta de provas. Se puder nos ajudar, será muito bom. Ou… logo ela estará livre para novas falcatruas.

Os olhos vivos, as mãos ligeiras da ex-empregada vieram chantagear a mente da patroa. As histórias sobre a família, a luta constante para a manutenção dos filhos sem pai… e outras lembranças pungentes, comoveram o coração sensível da moça.

A resposta veio rápida, sem vacilações:

– Não, Doutor… Eu não tenho queixa alguma da Lurdes. Trabalhou aqui por dois meses, e só posso dizer que foi ótima faxineira, respeitosa e… honesta. Sinto não poder ajudá-lo.

Ao depor o fone, Jurema sentiu-se algo estranha, mas, intimamente, não se arrependia de ter mentido.

Uma semana depois, gratificada, descobriu entre a folhagem do jardim, as jóias desaparecidas, embrulhadas num plástico. Nem um bilhete, nem palavra qualquer que identificasse o remetente.

E o caso morreria anônimo se, entre as jóias recuperadas, não estivesse a pulseirinha de ouro da Tetê…

Fonte:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.
Imagem = O Mascate

Francisco Neves Macedo (A Trova...)


Momento maior de qualquer trovador
é quando ele faz uma trova inspirada,
e evoca a paixão da mulher, a sua amada,
com versos perfeitos falando de amor.

Esteja onde esteja, vá aonde ele for,
a trova será sua luz, sua estrada...
É faixa de luz de si mesmo emanada,
ciência suprema que vem do Senhor!

São só quatro versos com rimas perfeitas
Cruzadas, reais, pelos vates eleitas,
o amor burilado com plena emoção.

Sem trova a poesia seria incompleta,
e o bom trovador tão somente poeta...
Enorme vazio no meu coração!

Fonte:
Soneto enviado pelo Autor