quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Ialmar Pio Schneider (Poema Gauchesco pelo Nascimento de Ramiro Barcelos)


Nascimento em 23.8.1851 Após ler Antônio Chimango de Amaro Juvenal (Ramiro Barcelos).

1

Disse Amaro Juvenal,
e aqui fala Tio Simplício,
pra que algum outro patrício
cantasse n´algum fandango,
“o mais que fez o Chimango”,
e eu me proponho a este ofício.

2

E, para tal, a cordeona
já vou sacando da mala,
atiro pra trás o pala
e me sento neste banco,
também pra lhes ser bem franco,
mando que limpem a sala.

3

E depois de tudo aquilo
que o Chimango fez na estância,
ainda teve a arrogância
de intitular-se buenacho,
mas sabemos que o muchacho
já foi maula desde a infância.

4

E tudo o que era bom
para ele não prestava,
proibiu o jogo de tava
e também o de baralho,
exigia muito trabalho,
quanto a ele, só mandava !

5

Pois assim desta maneira
muita coisa transcorria,
se cumprindo a profecia
que a cigana lhe fizera,
rancho virando tapera
e no campo pouca cria...

6

No seu desmando total,
sem compreender mais ninguém,
se dizia gente bem,
pois para trás não olhava,
sabendo que em Caçapava
sempre foi um joão-ninguém.

7

E tendo as rédeas na mão,
não precisava de esmolas,
mandou fechar as escolas
em tudo que foi vivenda,
pra que ninguém mais aprenda
e venha pisar-lhe a cola.

8

Com seu rebenque de couro
era sempre o manda-chuva,
não ajudava nem viúva
que inda chorava o finado,
e por ser do seu agrado
só mandava plantar uva.

9

E quando sentava à mesa,
primeiro pedia o vinho,
embora nunca sozinho,
sempre andava prevenido,
pois isto tinha aprendido
nos tempos do seu padrinho.

10

Mandou esparramar o gado
que se adentrou pelos matos,
coberto de carrapatos,
de bernes e de bicheiras;
nesta sequencia de asneiras
iam se passando os fatos.

11

E a tropa magra berrava
na coxilha e na canhada,
a velha estância arruinada
não tinha mais salvação,
tudo caindo pra o chão,
tudo virando em nada.

12

Não se carneava mais,
pois adeus carne no espeto
e no fogo de graveto,
crepitando no galpão
sapecava-se pinhão,
cozinhava-se feijão preto...

13

E no verão a canjica,
no inverno a batata-doce,
tudo isso o tempo trouxe
para a Estância de São Pedro
e todos levavam medo
que pra sempre assim fosse.

14

Era tudo racionado,
não se comia “a la farta”,
desta forma a sina aparta
o tempo que se passou bem,
a miséria sobrevém
e se come até lagarta.

15

Os velhos tauras sentados
ao derredor do fogão,
tomavam o chimarrão
com erva caúna, amarguenta,
enferrujava a ferramenta,
não se afiava facão.

16

Abandonado, ao relento,
lá fora estava o rebolo,
até o próprio monjolo
não batia noite e dia;
a peonada sofria,
pitando um pobre crioulo.

17

Não se domava mais potros
com firmeza e precisão,
era tudo redomão,
pra não dizer aporreado
e por todo o descampado
aquela desolação.

18

No campo o pasto está raro
em meio a caraguatás;
sem aprender, os piás
iam cruzando a existência,
tendo apenas por experiência
aquilo que vida traz.

19

Nos bolichos de campanha
somente havia cachaça,
sinuelo da desgraça
que conduz qualquer gaudério
aos bretes do cemintério
onde se entrega a carcaça...

20

O minuano mais brabo
trazia seu frio de morte,
a estância na pobre sorte
em que se encontrava, aflita,
não havia china bonita
que o nosso viver conforte.

21

O velho pago de outrora
se transformou num repente
naquilo que o guasca sente
quando tudo se transforma,
obedecer era a norma,
ficar quieto, prudente !

22

Ninguém se manifestava
neste estado de cousas,
somente as pobres esposas
iam parindo seus filhos,
as éguas os seus potrilhos,
e as viúvas chorando em lousas.

23

Não se tinha mais notícia
do que acontecia no mundo,
na macega o vagabundo
procurava um agasalho,
pois fugindo do trabalho
se embrenhava nestes fundos.

24

A velha estância sofria
o que nunca tinha passado,
e quem fora bem mandado
hoje de nada valia,
quando tinham melancia,
o mogango era guardado.

***
Canoas - RS, 1972 - na Rua da FAB próximo ao Rancho do Pára Pedro, do saudoso José Mendes, onde o autor conheceu e conviveu com muitos tradicionalistas.

Fonte:
Textoe imagem enviados pelo autor

Ramiro Barcelos (1851 – 1916)


Ramiro Fortes de Barcelos (Cachoeira do Sul, 23 de agosto de 1851 — Porto Alegre, 28 de janeiro de 1916) foi um político, escritor, jornalista e médico brasileiro.

Filho de Vicente Loreto de Barcellos e de Joaquina Idalina Pereira Fortes (irmã do Barão de Viamão), Ramiro Bacellos cursou o secundário na Escola Pública de Cachoeira do Sul, vindo a concluir o curso em Porto Alegre.

Cursou a Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. Exerceu os cargos públicos de ministro plenipotenciário no Uruguai durante a Revolução Federalista, secretário da Fazenda, procurador do estado do Rio Grande do Sul no Rio de Janeiro e superintendente das Obras da Barra de Rio Grande.

Exerceu os mandatos de deputado provincial nos períodos de 1877 a 1878, 1879 a 1880 e 1881 a 1882; elegeu-se senador da República pelo Rio Grande do Sul de 1890 a 1899 e de 1900 a 1906. Criou, em 1902, como senador, a moeda cruzeiro, que só veio a ser adotada na década de 1940, no governo de Getúlio Vargas.

Colaborou com o jornal A Federação, desde seu primeiro número, no qual escreveu Cartas a d. Izabel, com o pseudônimo de Amaro Juvenal, que continuou sendo utilizado em poemas satíricos.

O que mais literariamente notabilizou Ramiro Barcellos foi um poemeto campestre, hoje considerado uma jóia da literatura gauchesca, elaborado entre 1910 e 1915, em razão de uma briga política contra seu primo Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), então presidente do estado, ali retratado como Antonio Chimango.

Foi um dos apoiadores da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.

Fonte:
Wikipedia

Roberto de Paula (Sempre Tecendo a Fantasia)


Os primeiros livros que comecei a ler eram pequenos, de capas duras e escuras, de letras miúdas, de muitas páginas. Fui apresentado a eles no já longínquo 1968. Meu Deus! O tempo passou e eu estou passando pela vida tão rapidamente que não sei se vou poder ler todos os livros que prometi.

A história começa com meu pai me mandando para um internato católico de Ponta Grossa, o Verbo Divino. Faz tempo, mas me lembro muito bem da disciplina que nos era imposta: trabalho, estudo e oração, não necessariamente nesta ordem. O domingo era livre e tínhamos como opções, no período da manhã desse abençoado dia, a retirada de livros da biblioteca e a confecção de terços. O futebol estava liberado à tarde.

Como nunca fui bom em trabalhos manuais, ignorava o alicate, os arames e as contas, e ia buscar um livro, que poderia ser devolvido no domingo seguinte. Não me recordo de nenhum título. As lembranças são difusas quanto às histórias que li. Eram, em sua maioria, fábulas, ensinamentos cristãos etc etc. E põe etc nessas recordações

Eu era um moleque que adorava futebol, paixão que carreguei pela vida sem que precisassem me incentivar. Já a paixão pela leitura começou naquelas viagens catequéticas entre santos e mártires, ou mártires que se tornaram santos, a fé e a caridade, a criação do mundo…

Uma história que me marcou foi a de Maximiliano Kolbe, o padre que se ofereceu para morrer em Auschwitz no lugar de outro preso. Kolbe virou santo e eu deixei o Verbo Divino. Melhor dizendo: fui tirado de lá. A percepção do meu pai de que eu jamais me tornaria padre e a saudade que a minha mãe tinha do filho de 11 anos forçaram o retorno.

Não vou listar os colégios pelos quais passei nas décadas seguintes porque não considero relevante e também porque não sobraria espaço para contar sobre minha fissura pelos gibis.

Aliás, “fissura” é bem anos 70, não? Pois foi nessa época que fiz dos gibis os meus parceiros. Meu avô Bastião tinha um açougue em Maringá, na Vila Operária, quase em frente à Igreja São José. A banca de revistas ficava próxima ao Cine Horizonte, no prédio novo, na avenida Riachuelo.

Minha tia Léa, que também é minha madrinha, sempre me arrumava uns trocados. Invariavelmente, o dinheiro ia para a banca e para a padaria da Zeca, que ficava ao lado do açougue. Quando não estava na sala de aula ou nos campinhos jogando bola, lia gibis e comia tortas de banana. No intervalo da obrigação e da alegria maior, acompanhava as peripécias de Billy the Kid, David Crockett, Batman, todos da Disney, e do melhor, o mais temido, o inesquecível Fantasma, o espírito que anda.

Ainda naquela década surgiu a revista semanal Placar, especializada em futebol. Chegava às bancas na quarta-feira. Lia no mesmo dia. Tinha quase todos os exemplares e podia recitar escalações de times, resultados e títulos, falar da Seleção Brasileira e das Copas. O gosto pela leitura da Placar despertou em mim a escrita. Foi a minha porta de entrada no jornalismo.

Companheiro nas aventuras desses heróis intrépidos e lendários e de tantos outros, que a empoeirada memória não consegue mais se lembrar, e jogador de futebol imaginário ao lado de craques como Pelé, Tostão e Gérson, teci a fantasia da minha infância que continuo a usar até estes dias reais.

Os livros, as revistas e os gibis ainda me remetem a muitos mundos. Os sonhos ainda não foram embora. Acho que eles estarão comigo permanentemente. Assim, faço um cotidiano mais leve e tento não levar tão a sério as inevitáveis agruras diárias. As publicações são paradoxais. São fuga e tentativa de compreender a vida. Elas abrem perspectivas. São os canais para o entender o ser humano e se entender.

São muitas histórias dentro das minhas histórias. Folheando páginas intermináveis, que começaram contando a vida do agora santificado padre Kolbe; passando pelo Fantasma, montado em seu cavalo Herói; pelo romântico futebol, em que a batida da bola acelerava o coração, e o amor à camisa movia o jogador; nos romances, em que o bem sempre vencia no final; nos exemplos de vida e nas nada exemplares biografias; e hoje, ainda vagando pelo passado, no presente carimbado nos jornais, e na comportada angústia do que virá. Vou folheando páginas. Vou tecendo a fantasia. Apesar da rudeza, dos contornos reais, a fantasia nunca vai cessar.

Texto de Antonio Roberto de Paula publicado na revista Maringá Ensina, edição de agosto-setembro-outubro 2010

Fonte:
Antonio Roberto de Paula
Imagem = autor anonimo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 314)


Uma Trova Nacional

A vida é drama brutal
para a criança sem nome,
em que a lágrima de sal
tempera o prato da fome!
ADILSON MAIA/RJ

Uma Trova Potiguar

Brasil, país tropical,
das pátrias a mais risonha,
és o berço universal
onde a natureza sonha.
–JAIR FIGUEIREDO/RN–

Uma Trova Premiada

1987 - São Paulo/SP
Tema : PRECE - M/H

Que o vento insista no açoite,
que o raio o espaço atravesse,
mas que o tormento da noite
não abafe a minha prece!
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova de Ademar

“Tô morrendo de saudade!”
“Vou te amar eternamente!”
São ecos da falsidade,
são palavras... Simplesmente!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Os caprichos festejados
numa glória presumida,
são os trajos requintados
da hipocrisia da vida.
–VASQUES FILHO/PI–

Simplesmente Poesia

Arte Poética...
–JURACI SIQUEIRA/PA –

Hoje,
amanheci meio peixe,
meio pássaro.

Estou aprendendo a nadar,
tomando aulas de vôo
e aprimorando o canto.

Amanhã,
pássaro pleno,
insofismável peixe,
debulharei meu canto sobre a terra
em nados abissais

e voos rasantes.

Estrofe do Dia

Ah se o mundo ainda fosse,
sincero, justo e perfeito...
A humanidade abraçada,
ombro a ombro, peito a peito,
todo mundo de mãos dadas,
brincando pelas calçadas,
sorrindo do mesmo jeito!!!
PROF. GARCIA/RN–

Soneto do Dia

Velha Casa
–SÁ DE FREITAS/MA–

Esta casa quem vê não imagina
quão bela foi em tempo já passado,
com o seu terreiro todo ajardinado
encostada ao sopé de uma colina.

Embora fosse um tanto pequenina.
seu interior limpinho e perfumado,
deixava o visitante extasiado
e envolvido numa paz divina.

Mas desde quando foi abandonada,
por sujeira e insetos foi tomada
e nem mais uma planta ali floresce.

E assim também com a nossa alma ocorre:
sem Deus, o que de bom tem nela, morre...
e o que é ruim com toda força cresce.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A. A. de Assis (Trovas Ecológicas) - 1


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 313)


Uma Trova Nacional

A trova que desafia
com autores a rimar,
dar voz à lusofonia
aos amigos do além-mar.
–PINHAL DIAS/PT–

Uma Trova Potiguar


Louvo a infinita beleza
da alvorada cristalina,
- feitiço da natureza,
- mistério da lei divina!...
–ANTONIO RODRIGUES NETO/RN–

Uma Trova Premiada

2000 – Nova Friburgo/RJ
Tema: INSTANTE -1º Lugar.

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
–EDUARDO TOLEDO/MG–

Uma Trova de Ademar

Entregue ao próprio abandono,
eu vi na rua um menino,
igualmente um cão sem dono
sem lar, sem pão, sem destino...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Pelas leis da natureza,
sem ouro e glória vivemos;
porém, com toda certeza,
nós, sem água, morreremos.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

Aspiração
–OLYMPIO COUTINHO/MG–

Eu quero um mundo
no qual a mulher não se sinta ultrajada
porque foi olhada.

No qual o afeto não seja reprimido
e seja assumido
como um gesto de amor.

No qual não haja medo de usar todas as palavras,
até mesmo as agressivas,
mas que sejam entendidas
como palavras de amor.

No qual não haja necessidade
de se fazer a guerra
para se alcançar a paz.

No qual viver não seja uma tragédia,
mas uma grande alegria.

Estrofe do Dia

Viajando pra o sertão um belo dia
vi na beira da estrada uma tapera,
e para o meu entender ela queria
me contar a sua vida como era...
eu fui feita de barro, sem cimento.
e hoje vivo a mercê da chuva e vento
sem porta, sem ferrolho e sem tramela;
e diga a quem passar por essa estrada:
“Toda casa de taipa abandonada,
Guarda um grito de fome dentro dela!”
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Finalmente
–DARLY O. BARROS/SP–

Batendo com os punhos na vidraça,
chega até mim o som de alguém que chora;
junto à lareira, que, a janela, embaça,
eu não consigo ver quem é, lá fora...

Envolto em denso manto de fumaça,
¾ negrume e névoa ¾ o vulto, então me implora:
“Deixa-me entrar!” e um calafrio perpassa
meu corpo ... a voz da intrusa me apavora.

“Após longa vigília e cansativa,
insone, estou mais morta do que viva,
diz, de uma vez: que queres tu de mim?”

“Acalma-te, sou tua salvação,
aqui me tens, enfim, a inspiração,
abre a janela que, eu tardei, mas vim!”

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio Roberto de Paula (Sou Maringá)


Sou Maringá é um grito apaixonado, um brado, uma declaração de amor, uma demarcação de território, um convite para uma ou muitas visitas ou para o eterno ficar.

Sou Maringá é pretender mostrar a cara da cidade para quem é de fora e também para quem é de dentro; é dar cor e som próprios à cidade, é buscar estes sons, estas cores e estas ideias gerais que vivem a vagar no tempo e no espaço chamado Maringá.

É ir ao passado, batendo poeira em fotografias em preto e branco ou em textos que a história catalogou; é trazer o futuro para mais perto, tentando dar-lhe um rosto, uma perspectiva; é viver esse presente sem pensar no compromisso de depositar algo para amanhã, e mesmo assim, inconsciente, fazer história.

Sou Maringá é se inserir entre os que criam mensagens e que das mensagens produzem arte, seja ela qual for, pois arte é sempre do tamanho do mundo. Finita jamais, perene sempre. O que sai da mente e ganha corpo, por mais frágil que seja, ganhou o mundo porque o espírito da arte é eterno.

É ver Maringá com todos os olhares; é tentar enxergar o coração da cidade por meio dos seus milhares corações. É nessa tentativa que a gente cria, produz, participa, vive para, enfim, conhecer o nosso próprio coração.

Sou Maringá. Sou!

Fonte:
http://www.antoniorobertodepaula.com/2011/08/sou-maringa.html
Imagem = SGCP

Ialmar Pio Schneider (O Folclore Gaúcho)


Aqui no Rio Grande do Sul, o folclore, considerado como ciência do povo, termo que foi pela primeira vez empregado pelo arqueólogo inglês G. J. Thoms, originando-se de Folk, povo, e lore, ciência, em 22 de agosto de 1846, portanto, há cento e cinqüenta e dois anos passados, é sobremaneira cultuado, notadamente nos Centros de Tradições Gaúchas, já difundidos, segundo me consta, por vários estados do país e até no exterior. O que mais impressiona é o amor ao torrão natal, ao pingo, à china, que o gaúcho demonstra onde quer que se encontre, e deixa extravasar através de versos e toadas nas tertúlias e fandangos galponeiros. Seja no pontear de um violão, cantando uma milonga, ou no toque de uma cordeona ou bandônio, num xote bem largado, é que o gaudério se diverte e procura esquecer os reveses da vida nos braços de uma chinoca querendona. Também mostra sua destreza na dança da chula.

Mas o folclore gaúcho é deveras portentoso e abrange, além do lazer, os costumes, crendices populares, superstições e até práticas médicas de curandeiros, velhos pajés, parteiras de campanha, benzedeiras de cobreiros, costura de rendidura (hérnia), etc. São herança dos nativos, e povoadores açorianos e castelhanos que se mesclaram para formar a estirpe gaúcha.

Bem acentuados e conhecidos temos os mitos e lendas, tais como as do Negrinho do Pastoreio, A Salamanca do Jarau e A Mboitatá e muitos outros. Discorrendo sobre as Lendas do Sul, assim registra o ínclito mestre folclorista gaúcho Augusto Meyer, que foi membro da Academia Brasileira de Letras, em seu livro GUIA DO FOLCLORE GAÚCHO - Gráfica Editora Aurora, Ltda - RIO - 1951, pág. 96: “O único mito realmente popular, com raízes profundas na tradição gaúcha, é o do Negrinho do Pastoreio; é também o único de pura cepa rio-grandense, livre de qualquer influência gringa.” Mais recentemente, o erudito folclorista gaúcho Antonio Augusto Fagundes, em seu livro MITOS E LENDAS DO RIO GRANDE DO SUL - Martins Livreiro-Editor - Porto Alegre - 1992, num trabalho muito bem elaborado, desenvolveu o assunto, abrangendo nosso Estado, externando de modo cabal o seu conhecimento e assim se expressando, magistralmente, no final do prefácio: “Há muito amor nestes estudos, amor pelo povo, que é uma forma de amarmos a nós mesmos. O Folclore é a ciência do amor, por isso eu me fiz folclorista.”

Muito expressiva é a colaboração afro-brasileira para com o folclore gaúcho, representada, principalmente, pelas Congadas que se realizavam próximo ao litoral, em Santo Antônio da Patrulha, abrangendo Conceição do Arroio (hoje Osório), Palmares e Morro Alto, como bem explica Augusto Meyer, em seu livro acima citado, à pág. 60.

Resta acrescentar as contribuições dos imigrantes ao folclore gaúcho e que não foram poucas. Os alemães trouxeram o Kerb, o jogo de bolão, as “bandinhas” e os italianos com as festas paroquiais nas igrejas católicas, a vindima, o jogo da móra, da bocha, e as suas maravilhosas melodias.

É oportuno lembrar que a riqueza de um povo também se mede pela cultura de suas tradições.

(Publicado no Diário de Canoas em 19-08-1998)

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Raquel Amélia dos Santos (Experimente o Dia e seus Sabores - "CARPE DIEM!)


Raquel é nova colaboradora do blog.
Raquel Amélia dos Santos
Pedagoga e professora no municipio de Ribeirão das Neves em Minas Gerais. Produz textos, artigos sobre temas filosóficos, do viver diário, educacionais e outros.
Blog http://amolercomaalma.blogspot.com/

----------------------
Carpe Diem" quer dizer "colha o dia". Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente.” Rubem Alves

Maravilhoso pensar o dia como um tempo a ser vivido, que traz consigo acontecimentos que se forem comparados à uma fruta, podem ter sabores variados.

"Colha o dia, confia o mínimo no amanhã. Não pergunte, saber é proibido (...) É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho (...) seja sábio, beba seu vinho e para o curto prazo reescale suas esperanças. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciúmento está fugindo de nós. Colha o dia, confia o mínimo no amanhã." É o que diz Horácio, poeta romano que viveu antes de Cristo.

Não se trata de um simples aproveitar o dia. É preciso vivenciar cada evento no decorrer do dia, percebendo seus cheiros, contemplando suas cores, sentindo seus sabores.

Os sabores!? Podem ser variados. Doces como o mel, amargos, azedos ou levemente adocicados.

Entre as situações que experimentamos diariamente há uma mistura de sabores. Esta mistura pode causar uma confusão no paladar, mas ao mesmo tempo proporcionar um prazer incomum e indefinido.

Nem sempre a indefinição é de todo ruim. O sabor que vai prevalecer vai depender a importância que se dá a cada um deles.

Concentrar-se no doce pode ser uma boa opção. No entanto, nem sempre é possível encontrar apenas o doce. "É melhor apenas lidar com o que cruza o seu caminho (...)"

É preciso sentir cada momento do dia como se fosse um fruto que nos é oferecido, que nos é dado.

Diariamente cada pessoa precisa exercer o poder da escolha. Vivenciar e sentir as emoções provocadas a cada instante, requer coragem, sabedoria e sensibilidade.

Sensibilidade e habilidade para utilizar os meios de sentir o ambiente e o mundo. Isso é possível, quando usamos não apenas os orgãos dos sentidos, mas as nossas emoções sem medo.

A cada novo dia que nos é ofertado, temos o privilégio de vivencia-lo, ganhamos uma nova chance para sermos diferentes ou melhores. E ao mesmo tempo, recebemos a incumbência de assumir a responsabilidade de escolher o como lidar com as novidades que se apresentam a cada minuto. Somos assim, convocados à exercer o poder da escolha diariamente.

Ser sábio nesse exercício não é tarefa fácil. Nem sempre o fazemos acertadamente.

Pode-se colher uma fruta qualquer após avaliar seu aspecto exterior, sua cor, seu tamanho ou até a altura em que ela se encontra na árvore. Pode ser que esteja em um galho bem acessível ou no galho mais alto.

O desejável é que ela esteja ao alcance da mão. Podemos nos deparar com o indesejavel, com o imprevisto e até com o abominável.

Pensar o dia, sabendo que nele moram a novidade e os limites do tempo, ajuda a entender que podemos encontrar o desejável, o indesejável, o previsto, o imprevisto e até o abominável.

"Para curto prazo, reescale a suas esperanças"... diz Horácio.

"Reescalar as esperanças" pressupoem uma escala inicial.

Reescalar a curto prazo, requer de nós assumir a responsabilidade do poder da escolha, conscientes de que o tempo não é confiável, pois "(...) o tempo ciúmento está fugindo de nós (...)".

O dia a ser vivido, impõe que sejamos quase tão ageis como o tempo.

A esperança só ajuda quando compreendida como objetivo a ser alcançado. Nunca como algo pronto, dado por alguém. Esse tipo de esperança paralisa o ser.

O hoje é valioso demais para ser desperdiçado. Nele mora o que Fernando Pessoa afirma ser "o nascer para a eterna novidade do mundo".

"Carpe Diem"! não significa simplesmente gastar ou aproveitar o dia. É preciso exprerimentar cada uma das emoções ofertadas por ele, sabendo discernir seus sabores.

Viver o dia confiando o mínimo nas horas vindouras ou no amanhã, lembrando que no hoje moram a novidade e o eterno. Realidades das quais não temos nenhum controle.

Neste caso, resta buscar o equilíbrio para eleger nossas ações no presente, de forma conscientes de que cada escolha tem suas consequências e que somos responsáveis por nós mesmos.

"Carpe Diem"!

Fonte:
Texto enviado pela autora

JB Xavier (Céu de Estrelas)


Sobrevoaste meus sonhos como paciente condor... e como águia veloz, te apoderaste de mim.

Navegaste contra todas as correntes, em direção à minha foz, e bebeste de todas as minhas vertentes. Com perseverança, desvendaste todos os meus mistérios, revolveste todos os meus pensamentos e choraste todos os meus prantos... Viajaste comigo ao passado distante e cantaste meus acalantos, acariciando todos os meus desejos... Espantaste todos os meus espectros, sorveste todos os meus beijos, olhaste profundamente em todos os meus olhares, e viveste todas as minhas aspirações. Espiaste em meu interior, e na terra fria de minha alma, despejaste amor. Com paciência, esperaste um aceno que nunca veio, e ainda assim, encontraste o veio de minhas minas mais valiosas...Explorando-as, encontraste algumas jóias valiosas que eu há muito julgava perdidas...trataste de minhas mais antigas feridas, e trouxeste um raio de sol à escuridão de meu mundo. Iluminaste todos os meus caminhos. Quem caminha sob um céu de estrelas sabe que, para vê-las, é preciso erguer o olhar...

Foi assim que passaste pela minha vida...um céu de estrelas a alcançar…

Fontes:
http://www.jbxavier.com.br/visualizar.php?idt=89042
Imagem = Sirlei L. Passolongo

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 312

alunos do 5 ano D
Uma Trova Nacional

Sou nessa vida um fingido...
Sou o maior fingidor!
Pois não passo de um vencido,
fingindo ser vencedor!
–ZÉ REINALDO/AL–

Uma Trova Potiguar


Quando parte uma jangada,
alguém sobra na partida
regando um pé de saudade
que nasceu na despedida.
–LUIZ XAVIER/RN–

Uma Trova Premiada

2006 – Amparo/SP
Tema: RESPEITO -M/H

A liderança bem vista
só a possui, justa e austera,
quem o respeito conquista,
não quem dele se apodera...
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Na vida o que me conforta,
está nesta frase bela:
“Deus jamais fecha uma porta,
sem que abra uma janela”!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Pelo tamanho não deves
medir valor de ninguém.
Sendo quatro versos breves
como a trova nos faz bem.
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia


Último Aviso
–ANALICE FEITOZA DE LIMA/SP–

Há muito tempo
não vem notícia.
Teu silêncio está sangrando
o pouco que resta
do meu coração.

Socorro!
Estou à beira da morte...
Essa falta de notícia
entrega-me as traças...

Por favor, vem logo!
Antes que se faça tarde
e anoiteça em mim...

Estrofe do Dia

É louvável quem respeita
os sinais de advertência,
se a esquerda é preferência
nunca passe pra direita,
a estrada não foi feita
pra ser pista de corrida,
ao cruzar uma avenida
preste atenção no espelho;
nunca transforme em vermelho
o sinal verde da vida.
–OLIVEIRA DE PANELAS/PE–

Soneto do Dia

Soneto
–FAGUNDES VARELA/RS–

Desponta a estrela d'alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando, corre.

Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.

Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias d'aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!

Porém minh'alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio M. A. Sardenberg (Poesia, Soneto e Trova) III


Contraste
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis / RJ

Você é fogo, a chama mais ardente,
Semente a germinar em pleno cio,
É luz que o sol espalha suavemente,
É toque de prazer, é arrepio...

É água cristalina da nascente
Que corre lentamente para o rio,
Paixão que vem assim, tão de repente,
Deixando o coração por quase um fio.

Você é o meu passado mais presente...
Calor a me aquecer durante o frio,
Loucura que enlouquece loucamente!

Você é como um sonho inocente,
É brisa mansa em manhã de estio
E muitas vezes temporal fremente!

Silêncio
MARGOT DE FREITAS SANTOS
Juiz de Fora/MG

O silêncio de hoje é preciso.
Me nego a falar, nada tenho a escutar
Que seja mais forte e intenso
Do que repousa dentro de meu peito.

O silêncio de hoje é preciso.
Tenho lágrimas guardadas que não posso ocultar
De uma ausência doída, que por mais que eu chame,
Por estar em sono profundo, não consigo acordá-la.

O silêncio de hoje é preciso.
Busco o amparo forte
De abraços adormecidos
Que não mais podem me amparar.

O silêncio de hoje é preciso
Para aceitar esta ausência sentida
Por todo o meu corpo
Que sinto
Não mais existir !

O silêncio de hoje só não mais seria preciso,
Se aqui você estivesse e, então,
A vida teria sentido: o renascer do amor a cada dia
Onde o adormecer jamais existiria !

TROVAS

Nessas manhãs de invernadas
o orvalho, na rosa nua,
põe gotas D'ÁGUA roladas
dos olhos tristes da lua!
HERMOCLYDES SIQUEIRA FRANCO/RJ

Com as palavras brincando
vou colocando-as a prova,
meus olhos ficam brilhando
quando organizo uma trova.
NEIVA FERNANDES/RJ

Descoberta genial
Me trouxe felicidade
Este site cultural
Já tem quase a minha idade!
LAIS BELLO/RJ

Quando no futuro, um dia,
esteja o verso obsoleto:
Viverá a poesia,
pela força do soneto.
FRANCISCO NEVES MACEDO/RN

O Poeta encontra um albergue
para o abrigo de seu verso,
em teu “ALMA”, Sardenberg,
onde cabe um universo.
DOROTHY JANSSON MORETTI/SP

Fonte:
Textos enviados pelo autor

Monteiro Lobato (O Saci) XI – Discussão; XII – O jantar


XI – Discussão

O saci deu uma gargalhada.

— Que gabolice! — exclamou. — Casas? Qual é o bichinho que não constrói sua casa na perfeição? Veja a das abelhas ou das formigas, ou os casulos. Poderão existir habitações mais perfeitas? Todos aqui na mata moram. Cada um inventa o seu jeito de morar. Todos moram. Todos, portanto, têm suas casinhas, onde ficam muito mais bem abrigados do que os homens lá nas casas deles. O caramujo, esse então até inventou o sistema de carregar a casa às costas. É o mais esperto. Vai andando. Assim que o perigo se aproxima, arreia a casa e mete-se dentro.

— Casa, vá lá — disse Pedrinho meio convencido. — Mas aeroplano? Que bichinho daqui seria capaz de construir aviões como nós, homens, os construímos?

Outra risada do saci.

— Olhe, Pedrinho, você está-me saindo tão bobo que até me causa dó. Aviões! Pois não vê que o avião é a mais atrasada máquina de voar que existe? Aqui os bichinhos de asas estão de tal modo adiantados que nenhum precisa de mostrengos como o tal avião. Todos possuem no corpo um aparelho de voar aperfeiçoadíssimo. Não vê que voam, bobo? Outro dia assisti a uma cena muito interessante. Eu estava perto duma lagoa cheia de patos, quando um avião passou voando por cima das nossas cabeças. Os patos entreolharam-se e riram-se. Você sabe, Pedrinho, que bicho estúpido é o pato. Pois mesmo assim um deles disse com muita sabedoria: “Parece incrível que os homens se gabem de ter inventado uma coisa que nós já usamos há tantos milhares de anos...”

— Sim — continuou Pedrinho — mas nós sabemos ler e vocês não sabem.

— Ler! E para que serve ler? Se o homem é a mais boba de todas as criaturas, de que adianta saber ler? Que é ler? Ler é um jeito de saber o que os outros pensaram. Mas que adianta a um bobo saber o que outro bobo pensou?

Era demais aquilo. Pedrinho encheu-se de cólera.

— Não continue, saci! Você está me ofendendo. O homem não é nada do que você diz. O homem é a glória da natureza.

— Glória da natureza! — exclamou o capetinha com ironia. — Ou está repetindo como papagaio o que ouviu alguém falar ou então você não raciocina. Inda ontem ouvi Dona Benta ler num jornal os horrores da guerra na Europa. Basta que entre os homens haja isso que eles chamam guerra, para que sejam classificados como as criaturas mais estúpidas que existem. Para que guerra?

— E vocês aqui não usam guerras também? Não vivem a perseguir e comer uns aos outros?

— Sim; um comer o outro é a lei da vida. Cada criatura tem o direito de viver e para isso está autorizada a matar e comer o mais fraco. Mas vocês, homens, fazem guerra sem serem movidos pela fome. Matam o inimigo e não o comem. Está errado. A lei da vida manda que só se mate para comer. Matar por matar é crime. E só entre os homens existe isso de matar por matar — por esporte, por glória, como eles dizem. Qual, Pedrinho, não se meta a defender o bicho homem que você se estrepa. E trate de fazer como Peter Pan, que embirrou de não crescer para ficar sempre menino, porque não há nada mais sem graça do que gente grande. Se todos os meninos do mundo fizessem greve como Peter Pan, e nenhum crescesse, a humanidade endireitaria. A vida lá entre os homens só vale enquanto vocês se conservam meninos. Depois que crescem, os homens viram uma calamidade, não acha? Só os homens grandes fazem guerra. Basta isso. Os meninos apenas brincam de guerra.

Pedrinho nada respondeu. Estava um tanto abalado pelas estranhas idéias do saci. Quando voltasse para casa iria consultar Dona Benta para saber se era assim mesmo ou não.

XII – O jantar

O sol já estava descambando e o menino sentiu fome. Havia esquecido de trazer matalotagem.

— Amigo saci, estou sentindo uma coisa chamada fome. Mostre-me a sua habilidade em sair-se de todos os apuros, arranjando um jantar.

— Nada mais fácil — respondeu o pernetinha. — Gosta de palmito?

— Gosto, sim. Mas como poderemos derrubar uma palmeira tão alta para colher o palmito? Sem machado é impossível.

O saci deu uma risada.

— Não há impossíveis para mim, quer ver? — e metendo dois dedos na boca, tirou um agudo assobio.

Imediatamente um enorme besourão, chamado serra-pau, surgiu do seio da floresta. O saci fez-lhe uns sinais e o besourão, voando para o alto duma palmeira de tronco fino, mas muito alta, abarcou a base do palmito entre os seus ferrões dentados como um serrote e começou a girar com grande velocidade, zunindo como um aeroplano — zunnn...

Em menos de cinco minutos o tronco da palmeira estava serrado, e o palmito, acompanhado da copa, veio com grande estardalhaço ao chão.

— Bravos! — exclamou o menino. — Nunca imaginei que nesta mata houvesse serrador tão hábil. Quero agora ver como você prepara o petisco.

— Muito fácil — disse o saci. — Fogo não falta. Tenho sempre fogo no meu pitinho. Panelas também não faltam. É só procurar por aí alguma casca de tatu. Água temos dentro dos gomos de taquara; basta rachar um ou dois. E para gordura, é só quebrar uma porção de coquinhos e espremer entre duas pedras o óleo das amêndoas.

— E sal?

— É o mais difícil; mas como há mel, você comerá palmito preparado sob forma de doce, que é ainda mais gostoso.

E assim foi feito. Em menos de vinte minutos estava diante de Pedrinho uma casca de tatu cheia de um doce de palmito muito bem preparado. O menino comeu a fartar e ainda teve uma sobremesa de amoras-do-mato, que o saci colheu ali mesmo.

— Há muito tempo que não como com tanto apetite! — comentou Pedrinho depois que encheu o papo. — Você é um cozinheiro ainda melhor que Tia Nastácia, que é a primeira cozinheira do mundo.

E, dando tapinhas na barriga, pôs-se a palitar os dentes com um comprido espinho de brejaúva.

A tarde ia morrendo. Não tardou que Pedrinho visse brilhar no céu, por entre uma nesga aberta na copa das árvores, a primeira estrelinha.

Que coisa impressionante era a noite! Até aquele momento Pedrinho ainda não havia prestado atenção nisso. Noite em casa não é noite. Acende-se o lampião, fecha-se a porta da rua — e que é da noite?

Mas ali, oh, ali a noite o era de verdade — das imensas, das completamente escuras, apenas com aqueles vaga-lumes parados no céu que os homens chamam estrelas...
-----------------
continua... XIII - Novas discussões; XIV – O medo
--------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 311)


Uma Trova Nacional

Entre as pedras do caminho,
deixei um sonho disperso,
que morreu longe, sozinho,
nas rimas tristes de um verso!
–SÔNIA SOBREIRA/RJ–

Uma Trova Potiguar

A vida... Que importa a vida?
Cante a vida quem quiser...
que eu tenho a vida envolvida
na vida de uma mulher!...
–JUNQUILHO LOURIVAL/RN–

Uma Trova Premiada

2000 -Fortaleza/CE
Tema: FEITIÇO -2º Lugar

A mesma sorte vadia
que de mel nos enche a taça,
serve também, quem diria,
o veneno da desgraça.
–JOSÉ PEREIRA ALBUQUERQUE/CE–

Uma Trova de Ademar

Eu, cansado de sofrer
o teu retrato eu rasguei...
Mas como irei esquecer
todo esse amor que te dei?
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Trago sempre na lembrança
o meu sonho de menina:
uns olhos cor de esperança
da boneca da vitrina.
–ZENÍLIA PAIXÃO/MG–

Simplesmente Poesia

Bobo Prazer
–ILKA VIEIRA/RJ–

Já és tão bela,
tão doce e plena,
mas ainda não percebes
o fluído original
que recarrega minha ânsia
quando te vejo,
quase toco,
quase beijo,
quase roubo,
sem covardia,
com puros desejos
de envolvê-la em meus braços
e morrer por abraços
num bobo prazer.

Estrofe do Dia

Plantei um pé de roseira
dentro de uma lata rasa,
pendurei detrás de casa
numa vara da biqueira,
numa noite de fogueira
que era véspera de São João,
o danado de um barrão
pensando que era batata
furou o fundo da lata
e a terra caiu no chão.
–BELARMINO DE FRANÇA/PB–

Soneto do Dia

Labirintos
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Angústia no olhar que buscando o infinito,
é luz da minha alma... Meu eu sofredor,
na dor de não ter mais o brilho do amor
perdido em meu ontem em torpe conflito.

A lágrima quente deixando-me aflito,
cruel labirinto, caminhos de dor...
As mãos estendidas ao nada, sem cor,
total solidão, repercute meu grito!

O trilho da vida me deixa inseguro,
relâmpagos riscam o céu todo escuro,
tal qual a minha alma que vaga no espaço!

Conflitos mentais tão comuns nesta idade,
serão transformados na minha verdade...
Nos versos que agora, em conflito, eu te faço!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Imagem = http://www.lilianpoesias.net

domingo, 21 de agosto de 2011

Paulo Leminski ("Tarde de vento")


Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 310)


Uma Trova Nacional

A ser feliz não me furto,
mas tentando te esquecer,
meu tempo ficou tão curto
que me esqueci de viver...
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Uma Trova Potiguar

Quisera saber um terço
da vida espiritual.
Vem da certidão do berço
o nosso estágio carnal.
–CHICO MOTA/RN–

Uma Trova Premiada

2000 – UBT-Natal/RN
Tema: DESTINO - M/H

Que não me julguem culpado
por não achar a saída...
Meu destino está traçado,
nos labirintos da vida!
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova de Ademar

O meu EU sofreu mudança,
uma mudança sem fim.
Só não mudou a criança
que eu fui e que vive em mim!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De uma paixão incontida,
o tempo - insano juiz -
pode curar a ferida
mas nos deixa a cicatriz.
–ALONSO ROCHA/PA–

Simplesmente Poesia

Todos Chorarão
–PROF. GARCIA/RN–

Se não houver mais flores nos jardins,
se faltar o perfume dos rosais,
sofrerão nossos anjos querubins
ao romper das auroras matinais!

Se faltarem belezas campesinas,
sabiás e os mais lindos rouxinóis,
que serão das auroras tão divinas
sem os cantos que encantam todos nós?

Sem os perfumes virginais dos campos,
sem a voz maviosa das cascatas,
chorarão os poetas pirilampos,
no silêncio final da voz das matas.

Todos nós choraremos de desgosto,
nunca mais os poetas vão cantar,
rolarão muitos prantos pelo rosto,
"as almas dos poetas vão chorar".

Estrofe do Dia

A musa deu-me o condão
e a estrela da poesia;
no entanto, se o mau destino
quiser tomá-los, um dia,
peço a Deus: tire-me o pão,
mas não tire a inspiração,
que é o pão de minha alegria!
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Quarenta Anos.
–MÁRIO DE ANDRADE/SP–

A vida é para mim, está se vendo,
uma felicidade sem repouso:
eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
disso, persisto em me enganar... Eu ouso
dizer que a vida foi o bem precioso
que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

seria, agora que a velhice avança,
que me sinto completo e além da sorte,
me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Danilo Lobo (A Quatro Estrelas)


Dietrich, a diva germânica
do entreato das duas guerras,
surgiu primeiro em preto e branco
na ribalta dum cabaré.
E por emergir na fumaça,
tal qual um arcanjo das nuvens,
foi em vida canonizada
em anjo celeste, cerúleo.

Mas anjo, só mau, decaído,
alcoviteiro do capeta,
que, do palco, semidespido,
exibindo pernas de seda,
se deu, impudico e lascivo,
prometendo abraços e beijos,
para, no final da película,
esfumar-se na sala acesa.
Garbo, a sueca divina,
revelou ao olho da câmara,
a natureza do intangível,
específico da substância
das coisas de forma esquiva,
que, sendo, se fazem ausentes
e se mostram no estado misto
que existe entre o ser e o não-ser.

Mas nórdica, só por equívoco.
Mulher piramidal e esfíngica,
Nerfertite dos anos trinta,
deveria ter sido egípcia
como a rocha que se quis rocha
e, no seu tempo de granito,
fez-se eterna (em celulóide),
lendária e, aliás, mítica.

Maria, a deusa do México,
Ostentou em suas películas
A aparência semidoméstica,
Característica do bicho
Com o qual aprendeu os gestos,
Reflexos do nome gatesco
Que, mais que mulher, a fizeram
Felino manhoso, travesso.

Mas bichana, só das selvagens:
gata por natureza fera
como a onça, o leopardo,
ou, mais exato, a pantera,
que lhe pôs no olhar o enigma,
no cabelo o espesso negror
e no porte o garbo do tigre
não dominado – o domador.

Marilyn, o ídolo dourado,
Primeiro para uma folhinha
E, depois, na tela de prata,
Entregou a pele despida
Com os olhos semicerrados,
Um riso olhado na boca
E a voz oleosa levada
Por canais estereofônicos.

Mas pelada, só por disfarce;
se mais mostrava mais vestia,
acabando por enroupar
apele irreal e vazia
projetada em cinemascópio;
e assim, só de pele vestida
(incógnita oculta no óbvio),
passou por aí sem ser vista.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/danilo_lobo.html

Danilo Lobo (1942 – 2005)


Danilo Pinto Lobo nasceu em Vitória – ES, em 04 de julho de 1942 e faleceu em Brasília – DF, no dia 26 de julho de 2005.

Pode dizer-se que de vanguarda é o seu conceito de poesia, fixado não somente no poema em si, “Um poema se impõe a tapas: / a bofetadas aplicadas / no fofo, no cheio da cara, / com mão ofertada em palma;“ mas também nas reflexões sobre o livro, considerado como algo vivo, mostrando-se como espaço a ser ocupado sem limitações, “POEMA ORELHA”:

“Um livro não se abre / (...) Um livro fechado se abre / como se abre uma porta” para o mundo e sua linguagem, com aproveitamento total da “orelha”, posto aí como metáfora do sentido da audição, ‘ouvido’ a escutar todos os ritmos, todos os sons e todos os mexericos, ou fuxicos. Parece-me ser forte traço de sua personalidade artística que desperta a atenção para o seu à vontade na formalização temática, com humor e ironia. Uma espécie de desdenho ao precioso da linguagem literária. Com isso, eleva a banalidade e o non sence à categoria primorosa da arte.

Como poeta Danilo Lôbo publicou relativamente pouco. Participou, no entanto, de várias antologias poéticas e de algumas outras de contos. Deixou uma boa produção inédita, sobre a qual pretendo apresentar uma comunicação ao nosso Grupo de Trabalho da Teoria do Texto Poético, Anpoll, ao qual ele pertencia como membro e coordenador. Disponho, com seu afetivo autógrafo, de dois livros de poesias, publicados em São Paulo e em Brasília. Numa homenagem ao professor e poeta, escrevi recentemente um artigo, incluindo alguns poemas, para a revista da Universidade do Chile, lembrando da recente participação performática e apresentação a Congressos, no âmbito das relações Universidade de Brasília com a Chilena, em Santiago e em Brasília.

Agora, ponho à disposição de virtuais leitores alguns exemplos de sua poesia. Com certeza não lhe faltará pesquisador interessado no seu verso bem cuidado.

Fonte:
Antonio Miranda

Sá de Freitas (Livro de Sonetos)


CAVALGADA NOTURNA

Talvez tu possas ver passar garboso,
(Em calma noite, cálida, enluarada),
Um cavaleiro à sós, pela envernada,
A dominar o seu corcel fogoso...

Talvez, ao som de um violão plangente,
Ouças alguém romântico cantando
Uma canção de amor ou declamando,
Um poema ou um verso simplesmente.

Não temas e nem fujas nessa hora,
Nem rezes pra que chegue logo a aurora,
E tudo passe, então, com a claridade.

Pois quem está ali fazendo flerte,
Sou eu que lá do Espaço vim pra ver-te,
Para curar a dor de uma saudade.

AQUELE HOMEM

Aquele homem ali, roupa rasgada,
Barbudo, de chapéu, ao nada olhando,
A estender a mão suja e cansada
À caridade dos que vão passando,

Já foi uma pessoa destacada
Na alta sociedade, mas julgando
Que os pobres nunca mereciam nada,
A prática do bem foi ignorando.

Vivia à sós sem ter nenhum parente
E fortunas gastava inutilmente,
Mas tudo, um dia, desapareceu.

Passou o tempo e agora abandonado,
Por ironia fica ali sentado,
Rente à porta do prédio que foi seu.

NAO ME DIGAS: «TE AMO»

Não me digas: «Te amo loucamente!»
Porque a palavra é apenas ressonância,
Que se perde, com o tempo, na distância,
E cai no esquecimento facilmente.

Prefiro um abraço sem nem um ruído;
Um beijo sem sussurros de promessa;
O teu olhar que quase sempre expressa,
O desejo que trazes escondido.

Não fales que me adora e que me almejas,
Entregas-te em meus braços simplesmente,
E me demonstres o quanto me desejas.

Se me disseres qualquer coisa agravas
O nosso idílio... E tenhas sempre em mente,
Que um suspirar diz mais que mil palavras.

O PODER DA CARIDADE

Se procura suprir, ao ver sem nada,
A mesa do idoso ou da criança;
Se traz consolo à alma já prostrada,
Sem fé e desnudada de esperança.

Se vai, tal como pode, na jornada,
A dar auxílio a todos sem cobrança;
Mesmo que certa ingratidão o invada,
Pela estrada do bem sem mágoa avança.

Se mantiver sua boca sempre muda,
Para não propagar sua bondade,
Humilhando a quem teve a sua ajuda...

Ah! Meu amigo ou minha amiga, a cruz
Que faz sangrar seus ombros sem piedade,
Vai ficar leve ao lado de Jesus.

SOFREMOS MUITO?

A cruz que arrastas pela vida afora,
Tal qual a minha, às vezes pesa tanto,
Que nos provoca o mais copioso pranto
E a esperança nossa se evapora.

Mas se olharmos com atenção lá fora,
Veremos com piedade e com espanto,
Que há cruz maior que a nossa, em cada canto;
Que há gente que soluça, grita e implora.

Se os pés ferimos, há os que não os tem;
Se a nossa vista é fraca, há os que não veem;
Enquanto andamos, há os que escalam serras...

Lembremos-nos: Há enfermos condenados;
Há nas ruas farrapos esfomeados;
Há milhares de vítimas das guerras.

QUANDO EU NASCI PRA SER POETA

Quando eu nasci pra ser poeta um dia,
A inspiração e o sonho festejaram,
Mas num canto escondidos, com ironia,
O pranto e a dor, sem pejo, gargalharam.

Mas hoje, mergulhado na poesia,
A dor e o pranto, que de mim zombaram,
Não podem retirar minha alegria,
Porque nunca... jamais... me escravizaram.

Eu sou poeta e igual a toda gente,
Sofro em meus dias, quando estão nublados,
Embora de maneira diferente.

É porque nos momentos adversos,
Enquanto muitos sofrem a dor, calados,
Eu desabafo a dor fazendo versos.

AO SOM DA LIRA

Ao som da lira eu fico embevecido,
Meio perdido até... se o amor decanto,
Porque o pranto flui-me tão sentido,
Quando envolvido estou por esse encanto.

Mas da lira não ouço o som doído,
Nem o gemido do meu peito, enquanto
Fujo de pronto, do meu tempo ido
E tão sofrido por desgosto tanto.

E as dores?... Busco eu sempre esquecê-las,
Pois prefiro ficar olhando estrelas
E nelas encontrar os versos meus.

Enquanto estrelas olho... a dor esqueço;
Quando esqueço da dor eu agradeço
E enquanto agradeço... eu sinto Deus.

SEM AMOR A VIDA FINDA

As ilusões se vão...vão de repente...
E, de repente, surge a realidade,
Que faz-me compreender que não é tarde,
Para sonhar de modo diferente.

Mais consciente agora e realista,
Meus castelos possuem outra estrutura...
Não alço vôo em demasiada altura...
Somente luto certo da conquista.

As ilusões da mocidade ida,
Serviram-me de ponto de partida,
À longas lutas que empreendo ainda.

Pois sem ter sonho o ideal fenece,
Sem ideal o amor desaparece
E sem amor, por certo, a vida finda.

Fonte:
http://www.raizonline.org/sadefreitas.htm
Imagem = montagem por José Feldman

Sá de Freitas


SAMUEL FREITAS DE OLIVEIRA, cujo pseudônimo de escritor é Sá de Freitas, escreveu oito livros de romance, contos e poesias, quatro dos quais foram publicados por conta própria, em pequenas tiragens, já esgotados.

Seus livros publicados são: Raios de otimismo, Fragmentos d'Alma, Luzes de Esperança e Folhas Dispersas.

Militou por muito tempo, desde os treze anos de idade, em vários jornais da Região de S. Paulo, escrevendo Artigos, Crônicas e Poesias.

Formado em Letras, Agrimensura e em Técnicas Veterinárias, atualmente, dedica-se à Literatura e também à agricultura e à pecuária.

Teve influência dos poetas : Castro Alves, Raimundo Correia, Gonçalves Dias e Camões. Considera a arte de escrever como uma das mais difíceis porque requer conhecimentos, sensibilidade, clareza de expressão, técnica no emprego das palavras, ética e, sobre tudo, domínio da gramática.

Poetas Preferidos: Atuais: Tere Penhabe, Zelisa Camargo, Eugênio de Sá, Anna Paes e outros(as).

Músico, compositor, com um CD «Gravado Só Para Amigos», ganhou vários Festivais , inclusive na famosa e nacionalmente conhecida FAMPOP- Festival Avareense de Música Popular, Avaré, São Paulo, Brasil.

Gosta da vida simples do campo, para estar sempre em contato com a Natureza, na qual encontra a sua inspiração.

Hoje é membro efetivo das Academias:

AVPB (Academia Virtual Poética do Brasil)
AVSPE (Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores)
AVBL (Academia Virtual Brasileira de Letras)

Faz parte do Grupo «Poetas Del Mundo» e de outros mais, importantes no mundo literário.

Contudo gosta da simplicidade e não tem se exposto nos eventos literários, apesar de vários convites.

Prefere atuar atrás dos bastidores por não se considerar ainda um poeta: apenas um fazedor de versos.

Fonte:
http://www.raizonline.net/arquivo/jornaldesoito/paginatrintacinco.htm

Monteiro Lobato (O Saci) IX – A sucuri; X – A Floresta


IX – A sucuri

— Um monstro! Acuda, saci! Um monstro com corpo de cobra e cabeça de boi!... — gritou Pedrinho, trepando de novo no guarantã com velocidade ainda maior que da primeira vez.

O saci foi ver o que era e voltou dizendo:

— É uma sucuri que acaba de engolir um boi. Desça que não há perigo. Ela está dormindo e dormirá assim dois ou três meses até que o boi esteja digerido.

Apesar da confiança que o saci lhe merecia, o menino foi pulando de árvore em árvore para só descer a cem passos dali. Mas como a tentação de ver a sucuri fosse grande, foi voltando, voltando, até chegar em ponto de onde pudesse observá-la à vontade.

Era das maiores que se poderiam encontrar, devendo ter pelo menos uns trinta metros de comprimento e a grossura da cabeça de um homem. Pedrinho não podia compreender como um boi inteiro pudesse caber dentro dela.

— Muito simples — explicou o saci. — A sucuri enlaça o boi, quebra-lhe todos os ossos e amassa-o de tal maneira que o torna comprido como chouriço. Depois cobre-lhe o corpo de uma baba muito lubrificante e começa a engoli-lo sem pressa. Vai indo, vai indo, até que dá com o boi inteiro no estômago; só ficam de fora a cabeça e os chifres. E leva meses assim, até que a digestão se complete. Quando está nesse estado a sucuri não oferece perigo nenhum, porque fica inerte, caída em estado de sonolência.

E não foi só essa cobra que Pedrinho conheceu naquele dia. Logo depois percebeu um ruído seco de guizos. Era uma cascavel que passava, muito aflita, como que fugindo de algum inimigo.

— Que será que a está perseguindo? — indagou ele.

— Alguma muçurana — respondeu o saci. — As muçuranas são cobras sem veneno que só se alimentam de cobras venenosas. Lá vem uma!

De fato, uma muçurana de cor escura surgiu no rasto da cascavel, que foi alcançada logo adiante.

Luta terrível! Pedrinho nunca imaginou um tal espetáculo. A muçurana enleou-se na cascavel e as duas rebolaram no chão como minhocas loucas. Muito tempo estiveram assim. Finalmente a cascavel morreu sufocada, e a muçurana engoliu-a inteirinha, apesar de serem ambas do mesmo tamanho.

— Que horror! — exclamou Pedrinho. — A vida nesta floresta não tem sossego. Só agora compreendo por que os animais selvagens são tão assustados. A vida deles corre um risco permanente, de modo que só escapam os que estão com todos os sentidos sempre alerta.

— É o que os sábios chamam a luta pela vida. Uma criatura vive da outra. Uma come a outra. Mas para que uma criatura possa comer outra, é preciso que seja mais forte — do contrário vai comer e sai comida.

— Mais forte só?

— Mais forte ou mais esperta. Aqui na mata todos procuram ser fortes. Os que não conseguem ser fortes, tratam de ser espertos. Na maior parte dos casos a esperteza vale mais do que a força. Os sacis, por exemplo, não são fortes — mas ninguém os vence em esperteza.

X – A floresta

— Pois assim é — continuou o saci. — A lei da floresta é a lei de quem pode mais — ou por ter mais força, ou por ser mais ágil, ou por ser mais astuto. A astúcia, principalmente, é uma grande coisa na floresta. Está vendo ali aquele galhinho seco?

— Sim. Um galhinho como outro qualquer — respondeu o menino.

— Pois está muito enganado — replicou o saci. — Não é galho nenhum, sim um bichinho que finge de galho seco para não ser atacado pelos inimigos.

Pedrinho não quis acreditar, mas cutucando o galhinho viu que ele se mexia. Ficou assombrado da esperteza.

— Bem diz vovó que a mata é perigosa! Um que não sabe há de levar cada logro aqui...

— E aquilo? — perguntou o saci apontando para uma folha. — Que parece a você que aquilo é?

Pedrinho olhou; viu bem que era uma folha de árvore; mas como já estava ficando sabido nas traições da floresta, piscou para o saci e disse:

— Desta vez não caio na esparrela. Parece que é uma folha, mas com certeza é outro bichinho que se disfarça em folha.

E cutucou-a para ver se se mexia. A folha, porém, não se mexeu.

— É folha mesmo, bobinho! — disse o saci dando uma risada. — Inda é muito cedo para você “ler” a mata. Isto é livro que só nós, que aqui nascemos e vivemos toda vida, somos capazes de interpretar. Um menino da cidade, como você, entende tanto da natureza como eu entendo de grego.

— Realmente, saci! Estou vendo que aqui na mata sou um perfeito bobinho. Mas deixe estar que ainda ficarei tão sabido como você.

— Sim, com o tempo e muita observação. Quem observa e estuda acaba sabendo. Aqui, porém, nós não precisamos estudar. Nascemos sabendo. Temos o instinto de tudo. Qualquer desses bichinhos que você vê, mal sai dos casulos e já se mostra espertíssimo, não precisando dos conselhos dos pais. Bem consideradas as coisas, Pedrinho, parece que não há animal mais estúpido e lerdo para aprender do que o homem, não acha?

O orgulho do menino ofendeu-se com aquela observação. Um miserável saci a fazer pouco-caso do rei dos animais! Era só o que faltava...

— O que você está dizendo — replicou Pedrinho — é tolice pura sem mistura. O homem é o rei dos animais. Só o homem tem inteligência. Só ele sabe construir casas de todo jeito, e máquinas, pontes, e aeroplanos, e tudo quanto há. Ah, o homem! Você não sabe o que o homem é, saci! Era preciso que tivesse lido os livros que eu li em casa da vovó..
-----------------
continua... XI - Discussão; XII – O jantar
--------------
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poetas de Ontem e de Hoje V)


Farsa
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG / RJ


A farsa fere como ferro em fogo
A face falsa despe a fantasia
A vida vira um salão de jogo
No picadeiro reles da orgia.


Se a faca finca no meu peito afoito
Esvai-se o verso, a prosa e a poesia
E vem na boca aquele amargo gosto
Do amargo fel que, então, provei um dia.


A farsa fere, já que é ferro em fogo
A faca finca quando fere o forte
E nessa vida que virou um jogo
Saio perdendo, pois não tenho sorte.

A faca finca
A farsa fere
O tempo passa
O verso morre
Esvai-se a vida...

Anjo Enfermo
AFONSO CELSO/ RJ
l860/1938


Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!

Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
- Gozo me fora a dor que te espezinha.

Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não ta extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito.

Sim, é pai mas – a crença no-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina!...

Flor da Sacada
REGINA COELI/RJ


Era pra ti aquela linda flor
Jogada pra cair no teu chapéu
Colhida de um pedaço do meu céu
Com perfume de todo o meu amor.

A cada tarde morna em seu calor
Eu te esperava envolta em doce mel
E na felicidade que hoje, ao léu,
Não vê mais beija-flor na minha flor...

Um dia teu sorriso me faltou,
Fez-se triste o minuto em minha hora
E em minha mão aquela flor murchou...

Espero o teu chapéu a cada agora
Trazendo o meu sorrir, que se findou
Naquela flor que não levaste embora!

Continuidade
GIUSEPPE ARTIDORO GHIARONI/RJ


Existe um cão que ladra quando eu passo,
Como se visse um bêbedo, um mendigo.
E no entanto, esse cão foi meu amigo,
Como tantos amigos que ainda faço.

À noite, com que alegre estardalhaço
Vinha encontrar-me no portão antigo;
Enquanto a dona vinha ter comigo
E, sorrindo, apoiava-se ao meu braço.

Hoje ele faz a outro a mesma festa
E ela o mesmo carinho, tão honesta
Como se nem notasse a transição.

Eu rio dessa triste brincadeira.
Mas quando uma mulher é traiçoeira,
Não se pode confiar nem no seu cão.

Locomotiva da vida
JOSÉ FELDMAN/PR

A locomotiva corre
Corre que corre
Corre que corre.

Corre levando a gente
Corre trazendo a gente
E a gente corre e corre
Neste leva-e-traz.

A locomotiva corre e apita
Corre e apita
Corre e apita.

Apita o início do jogo,
Apita a voz de comando
Apita a batalha da vida
Apita a vida passando.

A locomotiva corre e pára
Corre e pára
Corre e pára.

Pára na estação
Pára na carga e descarga
De meus momentos de indecisão.

Vai que vai
Vou que vou
Fico que fico.

E a locomotiva apita
E ela corre que corre
E lá vai ela
E lá vou eu!

Corre que corre,
Corre que corre,
Corre que corre…

Ilusões da Vida
FRANCISCO OTAVIANO/ RJ
1825 / 1884


Quem passou pela vida em branca nuvem,
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem... Não foi homem,
Só passou pela vida... Não viveu.

TE AMO
SÁ DE FREITAS


Amo-te tanto...mais que a própria vida,
E te desejo tanto, na certeza,
De que me queres quanto és tão querida,
De que me prendes n'alma o quanto és presa.

Amo-te mais que o amor permite amar-se;
Amo-te além do além que o amor desperta;
Translúcido te amo sem disfarce;
Te amo com a loucura de um poeta.

Amo-te como deve amar quem ama,
E cercado por essa imensa chama,
Do amor que me aprisiona em fortes laços:

Quero que o coração, no amor, se farte;
Quero viver para poder amar-te...
Quando eu morrer, que eu morra nos teus braços. i

Renúncia
MANUEL BANDEIRA
1886 / 1968


Chora de manso e no íntimo... procura
Tentar curtir sem queixa o mal que te crucia :
O mundo é sem piedade e até riria
Da tua inconsolável amargura.

Só a dor enobrece e é grande e é pura.
Aprende a amá-la que a amarás um dia .
Então ela será tua alegria,
E será ela só tua ventura...

A vida é vã como a sombra que passa
Sofre sereno e de alma sombranceira
Sem um grito sequer tua desgraça.

Encerra em ti tua tristeza inteira
E pede humildemente a Deus que a faça
Tua doce e constante companheira.

Bobo prazer
ILKA VIEIRA


Já és tão bela,
tão doce e plena,
mas ainda não percebes
o fluído original
que recarrega minha ânsia
quando te vejo,
quase toco,
quase beijo,
quase roubo,
sem covardia,
com puros desejos
de envolvê-la em meus braços
e morrer por abraços
num bobo prazer.

Entorpecimento
SÔNIA MARIA GRILLO


Eu queria tanto
sair do entorpecimento
retirar o quebranto
a bruxaria, sei lá,
acabar com o tormento
esse marasmo, essa monotonia,
esse não sei o quê
que incomoda
entristece a alegria
esse cansaço em tudo que se vê
essa agonia, essa ausência de energia
para erguer-me, ficar de pé,
encarar os problemas
como coisas pequenas
fáceis de resolver
e no entanto,
estou com as mão atadas
por dentro o pranto
numa angústia encravada
e não há divindade nem santo
que possa dar jeito
nesse momento imperfeito
que de repente se agigantou
feito uma serpente e se enroscou
como seu eu fora uma presa,
e feito uma corrente
seus elos fortemente atou
destruindo toda a minha defesa,
e aí... Tudo ruiu, desmoronou.

Fonte:
Poesias enviadas pelo autor

Ialmar Pio Schneider (Reminiscências)


Há tempo vinha lutando contra um bloqueio que o atrapalhava demasiadamente. Queria pôr no papel e publicar algumas idéias que povoavam sua mente, mas tinha escrúpulos. O que pensariam dele os outros, principalmente os conhecidos? E assim os dias iam passando e Vitório não tomava uma atitude a respeito, sofrendo muito com isto. Quantas reminiscências teria para contar ! Quando passeava pelas ruas, em certas ocasiões, encontrava algum amigo que lhe perguntava, após entabularem conversa: - “Continuas escrevendo; como vão as poesias?” Respondia então, quase sempre: - “Atualmente, estou mais lendo, inclusive relendo romances e contos que me parecem esquecidos.”

Realmente, desde a infância gostara muito de ouvir e ler histórias, entretanto, se dedicara mais ao gênero poético. Lembra-se vagamente do que lhe contavam na tenra idade as criadas de sua família, principalmente a que se chamava Virgilina. Tem a impressão de que falava da revolução de 23, quando houve escaramuças pelo Rio Grande do Sul e que ela presenciara nas regiões do Planalto Médio e Alto Uruguai. O assunto tratava de invasões de propriedades para roubo de gado e entreveros. Se tivesse anotado, quantas páginas fantásticas teria para escrever?!

Todavia, tudo se perdeu no mar do olvido e Vitório procura recordar alguma coisa que o possa socorrer neste impasse. Talvez que, varrendo as cinzas do passado, surja alguma brasa para acender-lhe na memória os episódios que escutara na longínqua infância.
Vem-lhe à memória o caso daquele filho de imigrantes que se embrenhara nos matagais a fim de não ser recrutado pelos revolucionários. Ficara vinte e tantos dias desaparecido, alimentando-se de frutas silvestres e bebendo água em vertentes. Emagrecera e voltara barbudo, desconfiando de todos. Quase enlouquecera de tanto pensar que poderia ser encontrado. E daquele outro que se escondera dentro de um poço ao ver se aproximarem os cavaleiros?! “Foram uns tempos brabos” que ficaram remarcados nas tradições gaúchas tão decantadas em prosa e verso pelos nossos historiadores e poetas gauchescos. Alguns desses casos já são considerados lendários, pois como dizem “quem conta um conto, aumenta um ponto”, e pertencem, por assim dizer, ao domínio público.

Assim pensando, caminha pela praça da Alfândega, em Porto Alegre, onde transcorre a 43ª Feira do Livro que tem como patrono o consagrado romancista gaúcho, Dr. Luiz Antonio de Assis Brasil, do qual solicita e obtém um autógrafo no grande pequeno livro “Anais da Província-Boi”, e, após, dirige-se ao Cine Guarany onde assistirá ao filme “Lua de Outubro”, que talvez lhe desperte alguma inspiração, pois foi daquela época que ouviu histórias incríveis.

Fonte:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.paginadogaucho.com.br/cine/lo.htm

Lino Mendes (Maria Albertina Dordio: "Os Galegos")


O Correio trouxe-nos mais uma preciosidade literária, aliás, pela maneira compreensível como escreve, a mensagem da poesia e não só de Maria Albertina Dordio entra facilmente no nosso coração.

Este seu novo livro, um espaço de afectos e de memórias de infância, tem sem favor lugar em toda a boa Biblioteca.

Deste livro intitulado “Lembras-Te Mãe ?”,um poema;

Os Galegos

O jantar terminou e, na travessa,
Há ainda comida a gritar
Pelas bocas famintas que, à pressa,
Acorrem quando as vou chamar.

São muitos e não têm que comer!
São muitos e nãpo têm que vestir!
Andam magros, descalços, a sofrer,
São tristes,nem sequer sabem sorrir.

Lá vêm com o prato aceitar,
Num alvoroço grande,com esperança
De poderem na sopa saciar
Aquela fole adulta de criança.

A boca pouco afeita ao sorriso,
Abre-se sem sorrir, num feio esgar…
O olhar, sem estrelas, com preciso
Apenas de alimento, pra brilhar.

A sopa cobre todo o barranhão
Que dois ou três agarram, com cuidado,
Não vá algum deixá-lo ir ao chão…
Nem lembram de dizer, --“muito obrigado”.

Recolhendo a casa, em algazarra,
Na ânsia impaciente de comer,
Deixam-me a mim, ficar na triste amarra
Da injusta razão de tal sofrer.

Maria Albertina Dordio no livro “Lembras-Te,Mãe?”

Fonte:
Texto enviado pelo autor