terça-feira, 18 de outubro de 2011

Júlia Lopes de Almeida (Em Guarda)


Quando, ao cair da noite, a mãe senta nos joelhos o filho amado e o interroga sobre os feitos do seu dia, para censurá-lo ou aplaudi-lo, como é feliz quando tem, para fortalecer a sua consciência, a contar-lhe um fato heróico ou um sentimento sublime, documentados por uma simples notícia de jornal ou uma audição de acaso! A sua alma profética adivinha que coisa alguma comoverá mais profunda e utilmente o seu rapazinho do que o saber que no seu tempo, na sua cidade mesmo, à hora em que ele brincava com o seu pião, ou escrevia os seus temas, ou dormia regaladamente o seu sono, havia um homem da mesma raça, da mesma língua, seu semelhante em tudo, que arriscava a sua vida para salvar a vida de um estranho, escalando janelas incendiadas, atirando-se às ondas impetuosas, atrevendo-se, enfim, aos perigos de uma morte horrível e quase inevitável!

São as melhores páginas para a alma, estas páginas vivas, ainda quentes do calor do sangue, ou empapadas pela inundação das lágrimas. Percebendo isso, não há mãe que se não comova, quando, relatando-as ao filho, vê nas transparentes pupilas dele despontar e dilatar-se a flor dourada da generosidade e do entusiasmo precoce.

Sei que, ao contrário de tudo que é regido pelas leis naturais, os heróis do passado, vistos através a distância dos tempos, em vez de diminuírem crescem de
estatura; mas a verdade também é que essa lente mágica, agiganta-os até ao ponto de os tornar como deuses, mais fáceis de admirar que de imitar.

O conhecimento dos grandes homens da antiguidade serve para a cultura do espírito, mas não sei se terá o mesmo proveito para a do sentimento.

Eles permanecem imóveis no seu tempo, em um meio que foge à nossa perspicácia e em que se destacam como entes sobre-humanos para o culto das gerações sucessivas. As crianças, lendo ou ouvindo as suas façanhas, têm uma certa desconfiança da sua autenticidade, ou o pressentimento de que nos tempos modernos elas seriam absolutamente impossíveis.

De resto, o que está nas crônicas e nos livros pode ser ficção. Quem viu? Quem relatou? Homens que talvez tivessem mentido ou simplesmente exagerado, e que dormem há muito o frio sono em túmulos dispersos e ignorados.

Agora o que não é mentira, o que parece feito da carne quente e não das cinzas frias, é um caso de altruísmo que o nosso jornal nos contou esta manhã, com um comentário banal, na frivolidade apressada de quem vê tudo do alto e quer seguir para diante, em desempenho de outras atribuições. Este caso, passado entre nós, atestado por pessoas nossas conhecidas, ainda tem uma palpitação de vida e pode reproduzir-se nesta mesma hora, daqui a pouco, ou amanhã....

Que belo partido tiram as mães inteligentes dessas lições do acaso! As vezes o fato parece tão insignificante que se some em um canto do periódico, sem atrair a atenção de ninguém, tal qual como uma mulher desconhecida e feia se some numa esquina. Passou, viram-na, mas não houve quem lhe tirasse o chapéu ou sequer a acompanhasse com a vista.

Por mais que bramem contra o egoísmo e a maldade destes tempos, olhem que há por aí muitos exemplos de abnegação e de bondade dignos de toda a nossa reverência. Lendo-os, na maior parte das vezes, levantamos os ombros, não fazemos caso.

É que a notícia, feita sobre o joelho, vinha mal enroupada, com falta do estilo que seduz e obriga à comoção. Refletindo, porém, um bocadinho, a educadora perspicaz pesca, no lodo que as seções policiais revolvem, pérolas de inapreciável valor! O resto depende da habilidade dos seus dedos, quando as mostrem à clara luz para fazê-las admirar.

Há quem proíba a meninas e rapazinhos a leitura dos jornais. Por mim não me parece que haja nisso bom senso. O jornal é toda a alma da cidade, com os seus vícios, as suas misérias e as suas glórias, que fazem tremer de horror ou de entusiasmo, e que, melhor que todos os livros de filosofia, ensina a conhecer o coração de um povo.

Que descortinará o jornal mais indiscretamente do que descortina a rua, onde a mocinha, incitada à faceirice por elogios sem termos, entrevê os graves amigos do papai conversando com as cocottes, sentindo nas faces puras o bafejo de todas as tentações, desde as do luxo das vitrines até as do jogo, em bilhetes de loteria que flutuam diante dos seus olhos, sacudidos por mãos teimosas e impertinentes?

Ah, o jogo! Por toda a parte se alastra a mania das rifas e das loterias; algumas casas mesmo do comércio especulam com a sua sedução. Há já sapatarias, alfaiatarias, casas de papel ou de jóias, que oferecem coupons sujeitos a uma fortuna de acaso, que habilita uma pessoa a alcançar, de graça, um terno novo, um par de botinas, ou meia dúzia de lápis. Ora, estes coupons e bilhetinhos de azar entram pelas portas e pelas janelas, como que trazidos pelo vento, e são sempre as mãos curiosas dos rapazinhos que primeiro os agarram, os reviram e os estudam!

Parece nada? Pois nessa insinuação manhosa de economia caseira está uma terrível ameaça de ruína.

Sei que há algumas mulheres que, sem cogitar em que o germe de uma grande chaga é quase sempre um átomo invisível, acoroçoam os filhos a espalhar entre os colegas de escola cartões em que flutuam promessas, que, quando se cumprem pervertem, e quando se não cumprem desesperam.

Uma vez, descia eu a praia de Botafogo, ao calor brando de um dia sem sol, quando ouvi, com o frou-frou de uma saia de seda, a voz de um menino dizer a uma moça que ia ao seu lado:

— Olhe, mamãe, já passei cinco coupons da chapelaria e ainda não tirei nenhum chapéu.

Aquele lamento, respondeu ela, com a sua linda voz bem timbrada:

— Continua, que há de chegar a tua vez.

Passaram ligeiros, ela arrepanhando a sua linda saia de seda cor de gravanço, ele impertigado na sua farda de colegial. Ficou um rastro de aroma no ar...

Estremeci. Mãe e filho! Ele queixava-se da má sorte do jogo, ela incitava-o a continuar.

Então, não é verdade que a rua tem revelações extraordinárias, confidências imprevistas e absurdas?

Em quatro palavras apanhadas no ar, vi toda nua a alma daquela mulher perfumada e ligeira, que já se sumia na primeira esquina, sob a sombrinha rendada e rósea do guarda-sol, que era como uma flor de que ela fosse a haste...

Ora, se aos filhos dos ricos, que têm meias finas e roupas caras, interessa o bafejo da sorte que lhes conceda um chapéu vulgaríssimo ou umas botinas ordinárias, imagine que anseios de coração terão os seus colegas pobres, para quem esse chapéu representaria um luxo a que estão pouco acostumados!

Com igual razão, se a mãe rica condescende com um: — continua —, a mãe pobre, sabendo que o filho tem no bolso papéis que o habilitem a ter, sem gastar um vintém, um terno novo, uma carteira ou um relógio de ouro, suplicar-lhe-á que se avie na aquisição ainda de outros bilhetes, tanto mais que a flanela do seu casaco já está puída, ameaçando fim próximo.

Oh! Estes terríveis papeizinhos que o vento espalha pela cidade e faz entrar pelas janelas e portas das casas de família onde há rapazes, como se para mão ensinamento e perdição deles não fosse de sobra a rua, onde,
du soir au matin, roule le grand peut-étre,
Le hasard, noir flambeau de ces siécles d'ennui,
como disse o adorável Musset!

Quantas e quantas vezes, o próprio chefe da família se gaba distraída e imprudentemente, diante dos seus filhos, de ter ganho nesta ou naquela espécie de jogo! No que ele não repara, arrastado pela sua influência, é como as crianças arregalam os olhos de espanto, seduzidas por aquele triunfo que ainda desconhecem, mas cuja meia percepção os enleia e os atrai.

O trabalho que as mães têm, para destruir pela raiz aquele desejo de imitação, que tão depressa nasce e se avigora, é tremendo! A luta é surda, feita minuto a minuto, com uma vigilância extenuadora, visto que o inimigo as cerca de todos os lados. Mas também, quando a noite o sono e o cansaço cerram as pálpebras dos filhos, e elas se acercam dos seus leitos, sentem que a sua mão que abençoa procura em um esforço, talvez vão, mas sempre puro e bem intencionado, levar aquelas almas para um largo futuro de paz e de ventura.

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ronaldo Balbacch (Poesias Avulsas)


UM DIA!

Um dia, vou escrever algo,
Que percorra o mundo...
Que todos falem de mim...
E saibam a importância da vida.

Letras perfeitas, sem ódio,
Que sejam boas para todos
E reflitam nas quadras o amor
Força maior da nossa existência.

Para um dia ser lembrado...
Com um ser humano bom
Que deixou um belo legado
Algo para as futuras gerações.

Talvez este seja o maior sonho
Difícil de concretizar, num mundo
Complexo, conflitante, impossível...
Porque não se consegue agradar a todos.

Além da massificação das idéias
E dos ideais mundanos...
A globalização cria em tempo real
Um verdadeiro reduto de solidão.

A multidão de amigos internautas...
Oculta a solidão que existe atrás da tela
Fatores que fazem o mundo irreal e fantasioso...
Um dia vou escrever algo que seja melhor que isso!

São Paulo – SP, 16 de outubro de 20011

DESEJOS DE AMOR INSACIADOS!

Quando tuas mãos tocavam as minhas
Eu sentia o calor dos doces carinhos
Que flutuavam qual abelha rainha
Na flor rubra, doce, sem espinhos.

A maciez dos teus lábios deleitava,
O mais puro, verdadeiro, e único amor.
Tua veste sensual encantava...
Desejos de tocar as pétalas da preciosa flor.

Sempre busquei o amor terra afora...
No lugar dos sonhos, encontrei pesadelos,
Sobram recordações, e doçura de outrora,
Porque não sinto o toque suave dos teus cabelos.

Flutuo pelas vagas desse imenso mar
Com espinhos presos n’alma
Não esqueço o teu olhar...
O gosto dos teus beijos que a boca inflama.

Provei do mais puro licor da vida
O saboroso, mais precioso, e doce vinho...
O ouro da flor do trigo prometida...
Nos eternos momentos de carinho...

Conheci lugares, percorri o mundo
Sem perder a vontade de revê-la
E num mergulho eterno e profundo...
Sentir o teu brilho de estrela.

Saciar a boca sedenta pelo beijo
Que possui o gosto do pecado...
Voltar e realizar esse desejo...
No campo de um amor eternizado.

Os dias, a primavera, e as belas flores,
Rejuvenescem os sonhos delicados...
Na imortalidade, de um amor de quereres,
Há muito mais que saudade, há desejos insaciados!
São Paulo-SP, 10 de outubro de 2011

AVE DE RAPINA!

Quando tuas mãos tocavam as minhas
Eu sentia o calor dos doces carinhos
Que flutuavam qual abelha rainha
Na flor rubra, doce e sem espinhos.

Na maciez dos teus lábios deleitava,
O verdadeiro e único amor.
Em veste sensual me encantava
Ao toque das pétalas da preciosa flor.

Busquei o amor terra afora...
Em sonhos encontrei pesadelos...
Porém descubro a tua doçura agora
Que não sinto o toque dos teus cabelos.

Flutuando pelas vagas desse mar
Vejo que pregaste em minha alma
A profunda marca do teu olhar...
O teu cheiro impregnado tira-me a calma

Me deste o puro licor da vida
O sabor do mais doce vinho...
O ouro da flor do trigo, querida,
Momentos inesquecíveis de carinho...

Se eu houvesse percorrido o mundo
Ainda, assim, voltaria para revê-la
Por um único mergulho profundo
No teu mar de profundeza bela.

Como outrora havia tocado...
Minha boca sedenta pelo amor
Que possui o gosto do pecado...
E a ânsia louca de tocar na tua flor.

Nessa primavera vejo flores
De perfumes doces e delicados...
Saudade profunda dos amores
Que há muito deixei no passado...

Talvez seja uma ave que perdeu o carinho...
Que nunca mais repousará no meu leito...
Qual ave rapina que cruza o caminho...
Para arrancar da presa o coração do peito!

EU TE AMO SECRETAMENTE!

Eu te amo como se essa fosse a ultima vez
Ou se o entardecer fosse o fogo a queimar
Brasa ardente que consome minha palidez...
Quando o coração inutilmente tenta te alcançar.

Te amo como se fosse a ultima rosa do jardim,
De orvalho molhada ao alvorecer da primavera
Esse amor, secreto, sem inicio, meio ou fim,
Apenas o sentir d’alma, que desejo gera.

Não sei como tudo começou, apenas, sinto o amor,
Que devora as entranhas do meu ser, já sem calma,
Entre a espera e a chegada há lagrima de dor...
Porque dentro de mim te ocultas flor sem alma.

Te amo como o dia, em que o sol se esconde,
E leva escondida a luz que daria brilho a vida,
Sem mais brilhos, o coração não responde,
Inerte sem o devido impulso nada brinda.

Eu te amo mesmo sem saber do amanhã
Porque o teu amor é noite em meu mundo
Tua sombra, secreta, vaga e vã...
Uma miragem no deserto profundo.

Estás perto quando os meus olhos cerram
E quando abro os olhos percebo a distância
Nem de noite ou de dia, os sonhos param.
Sou o menino que perdeu a infância.

E deixou que seus brinquedos quebrassem...
Sem graça vivo esse amor juvenil, puro do amante,
Na espera que nossos corpos se abracem.
Assim te amo na espera de um dia encontrar-te.

Fonte:
Unión Hispanoamericana de Escritores (UHE)

Ivan Carlo (Manual de Redação Jornalística) Parte 9


CAPÍTULO 8
A PAUTA

Ela é uma introdução a respeito do tema, orientando o repórter quanto ao assunto e o ponto de vista que deve ser explorado.

Normalmente é feita pelo editor ou pelo pauteiro e entregue ao repórter assim que ele chega à redação.

Segundo o Manual Geral da Redação da Folha de São Paulo, a pauta deve ter:

1) Um breve histórico dos acontecimentos que constituem o objeto da reportagem;

2) Um roteiro das questões essenciais que a reportagem deverá responder;

3) Pelo menos uma hipótese que a reportagem vai confirmar ou refutar;

4) Aspectos mais relevantes para a linha editorial da FOLHA no tema da reportagem;

5) Aspectos até então pouco explorados sobre o assunto;

6) Indicações de nomes de pessoas, com endereços e telefone, que podem ser procuradas como fonte de informações.

Claro que esse é padrão ideal de uma pauta. Algumas pautas podem ter menos informações. Mas é essencial que seja repassado ao repórter o assunto de maneira bastante clara, com o enfoque que deve ser seguido e as sugestões de fontes, com nome e telefone.

EXEMPLO DE PAUTA

INTERNET ATRAI PUBLICITÁRIOS
A confecção de home-pages, uma atividade antes dominada por técnicos em informática, está atraindo cada vez mais publicitários. A matéria deve enfocar essa mudança e esclarecer porque os empresários estão preferindo contratar agências de publicidade para fazer suas home-pages. O que os publicitários fazem de diferente? Um visual mais bonito? Mais facilidade de navegação?

Entrevistar:
publicitários que estão se aventurando na nova mídia.
Empresários que estão dando preferência às agências.
Técnicos em informática.

Sugestões de fontes:
Elísio Eliam, da agência Da Vinci - fone 333-3333

Sugestão de pergunta:
Qual é o atrativo da internet para as agências?
Fernando Silva - técnico - fone 444-4444

Sugestão de pergunta:
Os técnicos estão se sentido ameaçados?
José Moreira - empresário - fone 222-2222

Sugestão de pergunta:
O que o levou a preferir um publicitário para a confecção de sua homepage?

Atenção: pauta não é o mesmo que matéria jornalistica!

A pauta antecede a matéria. Ela serve para o repórter se orientar e poder fazer a matéria.

A seguir apresento dois exemplos. Um é uma pauta. O outro é a matéria jornalística. Tente estabelecer as diferenças entre os dois.

Exemplo 1
E-BOOKS
Os livros eletrônicos estão conquistando cada vez mais adeptos. A matéria deve explorar essa mudanças de comportamento. Devem ser entrevistadas pessoas que adoram e-books e pessoas que simplesmente não os suportam. Algumas perguntas que devem ser respondidas: O que os e-books trazem de novo? Quais são as suas vantagens? Quais as desvantagens?

Sugestões de fontes:
Michella Cunha - Ela é um exemplo de alguém que não gosta de ebooks.
Fone 111-1111

Sugestão de pergunta:
-Por que você não trocaria um livro de papel pelo livro eletrônico? Vítor Conceição é um exemplo de alguém que adora os e-books. Fone: 777 7777.

Sugestão de pergunta:
- O que os livros eletrônico têm que os livros de papel não têm?

Exemplo 2
Página virada para o papel
Alessandra Carneiro

Ainda é cedo para dizer que o e-book é popular, mas já há muita gente apostando alto nesse novo formato. Em controvérsia, existem aqueles que garantem não trocar a leitura tradicional por nada. Michella Cunha, de 23 anos, se enquadra no segundo caso. “Além de provocar cansaço, os livros eletrônicos não vão superar a emoção de virar as páginas. Eu adoro ficar lendo deitada na minha cama. A capa e uma orelha bem escrita são capazes de me envolver completamente. Não costumo dizer 'dessa água não beberei', mas os e-books não me fascinam”, confessa.

Vítor Conceição, de 25 anos, apesar de ser um fã declarado dos e-books, não discorda de Michella quando ela afirma que ler no monitor pode ser um tanto quanto fatigante. Porém, ele acredita que os livros digitais têm se adaptado bem a essa nova forma. “A maioria dos textos para Internet é curta. Acho que um bom tamanho seria algo entre 50 e 100 páginas. Mais do que isso, fica cansativo”, opina. No entanto, Vítor não se esquece de apontar as vantagens dos e-books. “Permitir que um autor novo tenha seu trabalho distribuído sem influência de questões mercadológicas é importante. Além disso, temos a possibilidade de fugir da linearidade. Alguns dos melhores e-books que já li, como o Tristessa e o Quensboro Ballads, são trabalhos feitos em hypertexto, coisa que não seria possível se eles fossem livros tradicionais”, garante.

Se os e-books tomarão o lugar dos livros tradicionais é uma outra história. Por enquanto, tanto quem é a favor quanto quem é contra a literatura eletrônica dividem a mesma opinião. “Não acredito que eu vá deixar de comprar livros. Gosto de poder olhar, sentir o cheiro do papel, a textura, ler a dedicatória, coisas assim. Acho que o e-book e os livros tradicionais são apenas complementares”, conclui Vítor.

Veja outro exemplo de pauta:

ECONOMIA INFORMAL
Aproveitando o crescimento da economia informal em nosso Estado, vamos fazer uma matéria sobre o assunto. Serão entrevistados os camelôs do centro da cidade. A matéria deve esclarecer as razões que os levaram a desenvolver essa atividade. Além disso, podem ser mostradas as dificuldades dos camelôs no dia-a-dia.

Verificar como os camelôs estão organizados em nosso Estado. Que tipo de apoio eles recebem das instituições estaduais e municipais? Fazer fotos mostrando os entrevistados em local de trabalho e fazer foto mostrando uma geral do local em que eles trabalham.

continua…

Fonte:
Virtualbooks

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 7


MOCIDADE

Doce filha da lânguida tristeza,
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
Quando a terra sorri-se e o mar suspira
Porque te banha o rosto essa amargura?!
Porque chorar quando a natureza é risos,
Quando no prado a primavera é flores?
- Não foge a rosa quando o sol a busca,
Antes se abrasa nos gentis fulgores.
Não! - Viver é amar, é ter um dia
Um amigo, uma mão que nos afague;
Uma voz que nos diga os seus queixumes,
Que as nossas mágoas com amor apague.
A vida é um deserto aborrecido
Sem sombra doce, ou viração calmante;
- Amor - é a fonte que nasceu nas pedras
E mata a sede à caravana errante.
Amai-vos! - Disse Deus criando o mundo,
Amemos! - disse Adão no paraíso,
Amor! - murmura o mar nos seus queixumes,
Amor! - repete a terra num sorriso!
Doce filha da lânguida tristeza,
Tua alma a suspirar de amor definha...
- Abre os olhos gentis à luz da vida,
Vem ouvir no silêncio a voz da minha!
Amemos! - Este mundo é tão tristonho!
A vida, como um sonho - brilha e passa;
Porque não havemos p’ra acalmar as dores
Chegar aos lábios o licor da taça?
O mundo! O mundo! - E que te importa o mundo?
- Velho invejoso, a resmungar baixinho!
Nada perturba a paz serena e doce

Que as rolas gozam no seu casto ninho.
Amemos! - tudo vive e tudo canta...
Cantemos! seja a vida - hinos e flores;
De azul se veste o céu... vistamos ambos
O manto perfumado dos amores.
Doce filha da lânguida tristeza,
Ergue a fronte pendida - o sol fulgura!
- Como a flor indolente da campina
Abre ao sol da paixão tua alma pura!
Setembro - 1858

NOIVADO

Filha do céu - oh flor das esperanças,
Eu sinto um mundo no bater do peito!
Quando a lua brilhar num céu sem nuvens
Desfolha rosas no virgíneo leito.
Nas horas do silêncio inda és mais bela!
Banhada do luar, num vago anseio,
Os negros olhos de volúpia mortos,
Por sob a gaze te estremece o seio!
Vem! a noite é linda, o mar é calmo,
Dorme a floresta - meu amor só vale;
Suspira a fonte e minha voz sentida
É doce e triste como as vozes dela.
Qual eco fraco de amorosa queixa
Perpassa a brisa na magnólia verde,
E o som magoado do tremer das folhas
Longe - bem longe - devagar se perde.
Que céu tão puro! que silêncio augusto!
Que aromas doces! que natura esta!
Cansada a terra adormecida sorrindo
Bem como a virgem no cair da sesta!
Vem! tudo é tranqüilo, a terra dorme,
Bebe o sereno o lírio do valado...
- Sozinhos, sobre a relva da campina,
Que belo que será nosso noivado!
Tu dormirás ao som dos meus cantares,
Oh! filha do sertão! sobre o meu peito.
O moço triste, o sonhador mancebo
Desfolha rosas no teu casto leito.
1858

DE JOELHOS

Qual reza o irmão pelas irmãs queridas,
Ou a mãe que sofre pela filha bela,
Eu - de joelhos - com as mãos erguidas,
Suplico ao céu a felicidade dela.

- “Senhor meu Deus, que sois clemente e justo,
Que dais voz às brisas e perfume à rosa,
Oh! protegei-a com o manto augusto
A doce virgem que sorri medrosa!
Lançai os olhos sobre a linda filha,
Dai-lhe o sossego no sue casto ninho,
E da vereda que seu pé já trilha
Tirai a pedra e desviai o espinho!
Senhor! livrai-a da rajada dura
A flor mimosa que desponta agora;
Deitai-lhe orvalho na corola pura,
Dai-lhe bafejos, prolongai-lhe a aurora!
A doce virgem como a tenra planta
Nunca floresce sobre terra ingrata;
- Bem como a rola - qualquer folha a espanta,
- Bem como o lírio - qualquer vento a mata.
Ela é a rola que a floresta cria,
Ela é o lírio que a manhã descerra...
Senhor, amai-a ! - a sua voz macia
Como a das aves, a inocência encerra!
Sua alma pura na novel vertigem
Pede ao amor o seu futuro inteiro...
- Senhor! ouvi o suspirar da virgem,
Dourai-lhe os sonhos no sonhar primeiro!
A mocidade, como a deusa antiga,
Na fronte virgem lhe derrama flores...
- Abri-lhe as rosas da grinalda amiga,
Na mocidade derramai-lhe amores!
Cercai-a sempre de bondade terna,
Lançai orvalho sobre a flor querida;
Fazei-lhe, oh Deus! a primavera eterna,
Dai-lhe bafejos - prolongai-lhe a vida!
Depois - de joelhos - eu direi: sois justo,
Senhor! mil graças eu vos rendo agora!
Vós protegestes com o manto augusto
A doce virgem que minh’alma adora! -
Dezembro - 1858

TRÊS CANTOS

Quando se brinca contente
Ao despontar da existência
Nos folguedos da inocência,
Nos delírios de criança;
A alma, desabrocha
Alegre, cândida e pura -
Nessa contínua ventura

É toda um hino: - esperança!
Depois... na quadra ditosa,
Nos dias da juventude,
Quando o peito é um alaúde,
E que a fronte tem calor;
A alma então se expande
Ardente, fogosa e bela -
Idolatrando a donzela
Soletra em trovas: - amor!
Mas quando a crença se esgota
Na taça dos desenganos,
E o lento correr dos anos
Envenena a mocidade;
Então a alma cansada
De belos sonhos despida,
Chorando a passada vida -
Só tem um canto: - saudade!
Fevereiro - 1858

ILUSÃO

Quando o astro do dia desmaia
Só brilhando com pálido lume,
E que a onda que brinca na praia
No murmúrio soletra um queixume;
Quando a brisa da tarde respira
O perfume das rosas do prado,
E que a fonte do vale suspira
Como o nauta afastado;
Quando o bronze da torre da aldeia
Seus gemidos aos ecos envia,
E que o peito que em mágoas anseia
Bebe louco essa harmonia;
Quando a terra, da vida cansada.
Adormece num leito de flores
Qual donzela formosa embalada
Pelos cantos dos seus trovadores;
Eu de pé sobre as rochas erguidas
Sinto o pranto que manso desliza
E repito essas queixas sentidas
Que murmura as ondas co’a brisa.
É então que a minha alma dormente
Duma vaga tristeza se inunda,
E que um rosto formoso, inocente,
Me desperta saudade profunda.
Julgo ver sobre o mar sossegado
Um navio nas sombras fugindo,
E na popa esse rosto adorado

Entre prantos p’ra mim se sorrindo!
Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé sobre a rocha, indeciso,
Eu lhe brado: - não fujas, - espera!
Mas o vento já leva ligeiro
Esse sonho querido dum dia,
Essa virgem de rosto fagueiro,
Esse rosto de tanta poesia!...
E depois... quando a lua ilumina
O horizonte com luz prateada,
Julgo ver essa fronte divina
Sobre as vagas cismando, inclinada!
E depois... vejo uns olhos ardentes
Em delírio nos meus fitando,
E uma voz em acentos plangentes
Vem de longe um - adeus - soluçando!
Ilusão!... que a minha alma, coitada,
De ilusões hoje em dia é que vive;
É chorando uma glória passada,
É carpindo uns amores que eu tive!
Lisboa - 1856

SONHANDO

Um dia, oh linda, embalada
Ao canto do gondoleiro,
Adormeceste inocente
No teu delírio primeiro,
- Por leito o berço da ondas,
Meu colo por travesseiro!
Eu, pensativo, cismava
Nalgum remoto desgosto,
Avivado na tristeza
Que a tarde tem, ao sol-posto,
E ora mirava as nuvens,
Ora fitava teu rosto.
Sonhavas então, querida,
E presa de vago anseio
Debaixo das roupas brancas
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço
À flor dos lábios te veio!
Tremeste como a tulipa
Batida do vento frio...
Suspiraste como a folha
Da brisa ao doce cicio...
E abriste os olhos sorrindo

Às águas quietas do rio!
Depois - uma vez - sentados
Sob a copa do arvoredo,
Falei-te desse soluço
Que os lábios abriu-te a medo...
- Mas tu, fugindo, guardaste
Daquele sonho o segredo!...
Agosto - 1858

LEMBRANÇA NUM ÁLBUM

Como o triste marinheiro
Deixa em terra uma lembrança,
Levando n’alma a esperança
E a saudade que consome,
Assim nas folhas do álbum
Eu deixo meu pobre nome.
E se na ondas da vida
Minha barca for fendida
E meu corpo espedaçado,
Ao ler o canto sentido
Do pobre nauta perdido
Teus lábios dirão: - coitado!
Junho - 1858

O BAILE!

Se junto de mim te vejo
Abre-te a boca um bocejo,
Só pelo baile suspiras!
Deixas amor - pelas galas,
E vais ouvir pelas salas
Essas douradas mentiras!
Tens razão! Mais valem risos
Fingidos, desses Narcisos
- Bonecos que a moda enfeita -
Do que a voz sincera e rude
De quem, prezando a virtude,
Os atavios rejeita.
Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela,
E a vida tão pouco!
No borborinho das sala,
Cercada de amor e galas,
Sê tu feliz - eu sou louco!
E quando eu seja dormindo
Sem luz, sem voz, sem gemido
No sono que a dor conforta;
Ao consertar tuas tranças
No meio das contradanças

Diz tu sorrindo: “- Qu’importa?...
“Era um louco, em noites belas
“Vinha fitar as estrelas
“Nas praias, co’a fronte nua!
“Chorava canções sentidas
“E ficava horas perdidas
“Sozinho, mirando a lua!
“Tremia quando falava
“E - pobre tonto - chamava
“O baile - alegrias falsas!
“- Eu gosto mais dessas falas
“Que me murmuram nas salas
“No ritonelo das valsas.- “
Tens razão! - Valsa, donzela,
A mocidade é tão bela
E a vida dura tão pouco!
P’ra que fez Deus as mulheres,
P’ra que há na vida prazeres?
Tu tens razão... eu sou louco!
Sim, valsa, é doce a alegria,
Mas ai! que eu não vejo um dia
No meio de tantas galas -
Dos prazeres na vertigem,
A tua coroa de virgem
Rolando no pó das salas!...
Julho-1858

MINH’ALMA É TRISTE

I

Minh’alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.
E, como a rola que perdeu o esposo,
Minh’alma chora as ilusões perdidas,
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.
E como as notas de chorosa endeixa
Seu pobre canto com a dor desmaia,
E seus gemidos são iguais à queixa
Que a vaga solta quando beija a praia.
Como a criança que banhada em prantos
Procura o brinco que levou-lhe o rio,
Minh’alma quer ressuscitar nos cantos
Um só dos lírios que murchou no estio.
Dizem que há gozos nas mundanas galas
Mas eu não sei em que o prazer consiste.
- Ou só no campo, ou no rumor das salas,
Não sei porque - mas a minh’alma é triste!

II

Minh’alma é triste como a voz do sino
Carpindo o morto sobre a laje fria:
E doce e grave qual num templo um hino,
Ou como a prece ao desmaiar do dia.
Se passa um bote com as velas soltas,
Minh’alma o segue n’amplidão dos mares;
E longas horas acompanha as voltas
Das andorinhas recortando os ares.
Às vezes, louca, num cismar perdida,
Minh’alma triste vai vagando à toa,
Bem como a folha que do sul batida
Bóia nas águas de gentil lagoa!
E como a rola que em sentido queixa
O bosque acorda desde o albor da aurora,
Minh’alma em notas de chorosa endeixa
Lamenta os sonhos que já tive aoutrora.
Dizem que há gozos no correr dos anos!...
Só eu não sei em que o prazer consiste.
- Pobre ludíbrio de cruéis enganos,
Perdi os risos - a minh’alma é triste!

III

Minh’alma é triste como a flor que morre
Pendida à beira do riacho ingrato;
Nem beijos dá-lhe a viração que corre,
Nem doce cant o sabiá do mato!
E como a flor que solitária pende
Sem ter carícias no voar da brisa,
Minh’alma murcha, mas ninguém entende
Que a pobrezinha só de amor precisa!
Amei outrora com amor bem santo
Os negros olhos de gentil donzela,
Mas dessa fronte de sublime encanto
Outro tirou a virginal capela.
Oh! quantas vezes a prendi nos braços!
Que o diga e fale o laranjal florido!
Se mão de ferro espedaçou dois laços
Ambos choramos mas num só gemido!
Dizem que há gozos no viver d’amores,
Só eu não sei em que prazer consiste!
- Eu vejo o mundo na estação das flores...
Tudo sorri - mas minh’alma é triste!

IV

Minh’alma é triste como o grito agudo
Das arapongas no sertão deserto;
E como o nauta sobre o mar sanhudo,
Longe da praia que julgou tão perto!
A mocidade no sonhar florida
Em mim foi beijo de lasciva virgem:
- Pulava o sangue e me fervia a vida,
Ardendo a fronte em bacanal vertigem.
De tanto fogo tinha a mente cheia!...
No afã da glória me atirei com ânsia...
E, perto ou longe, quis beijar a s’reia
Que em doce canto me atraiu na infância.
Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!
Esp’ranças altas... Ei-las já tão rasas!...
- Pombo selvagem, quis voar contente...
Feriu-me a bala no bater das asas!
Dizem que há gozos no correr da vida...
Só eu não sei em que o prazer consiste
- No amor, na glória, na mundana lida,
Foram-se as flores - a minh’alma é triste!
Março 12 - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Monteiro Lobato (O Presidente Negro) XVIII – O Orgulho da Raça


CAPÍTULO XVIII
O Orgulho da Raça

Passei a semana agitado, menos com as revelações do ano 2228 do que com a impassibilidade de miss Jane.

Eu ardia, positivamente ardia, e traia o meu amor em todos os meus olhares e gestos; mas a enigmática jovem não dava ar de o perceber. No começo a admiti como um puro espírito, uma Cassandra sem nervos nem sangue. Depois duvidei da existência de tais puros espíritos e passei a ver em miss Jane uma "desentendida". Talvez que me julgasse muito inferior a si e adotasse semelhante atitude como o meio mais fácil de guardar as distancias. Mas era-me impossível conciliar isso com a amizade que ela me demonstrava e sobretudo com o ter só a mim no mundo depois de perdido o pai. Se de fato me julgasse inferior ou indigno de sua pessoa, certo que já me teria afastado do castelo. Não havia duvida, miss Jane fazia-se de desentendida...

Firmei-me nessa idéia e concebi um plano de ataque — uma demonstração amorosa que a arrancasse da sua marmórea impassibilidade. Ou tudo ou nada. Ou dava-me o coração ou punha-me no olho da rua.

Restava saber uma coisa só — se no momento da demonstração a timidez não me trairia a vontade...

Quando chegou o domingo, levantei-me mais cedo e fui ao mercado de flores. Comprei as mais belas violetas e a sobraçá-las parti para Friburgo no primeiro trem. Lá me dirigi ao cemitério onde repousavam os restos do professor Benson. Pela segunda vez eu levava flores ao jazigo do pai da maior maravilha do século — miss Jane...

Ao transpor o portão do pequeno cemitério meu coração bateu. Vi de longe um vulto querido a espalhar rosas sobre o túmulo do velho sábio. Aproximei--me com um pressentimento n'alma — "é hoje"...

— Também aqui? disse miss Jane ao avistar-me, estendendo para mim a sua mão gelada pelo frescor matutino.

Vi que era chegado o momento. Armei-me de todas as coragens e comecei:

— Miss Jane, eu...

Mas engasguei. Já estava ela de olhos muito fixos no túmulo, com o ar de quem repete mentalmente o "morrer... dormir... sonhar, quem sabe?" de Shakespeare. Estava puro espírito em excesso...

Ficamos os dois silenciosos por alguns momentos. Depois miss Jane falou, como respondendo a si própria e sempre de olhos cravados no túmulo:

— Nem ele! Nem ele que penetrava o passado e o futuro adiantou um passo na decifração do enigma da vida...

Engoli de vez o meu propósito. Não era o momento. O formoso Hamlet de faces róseas, cabelos afogados em boina de veludo negro e corpo revestido de perfeito tailleur, pairava muito distante de mim.,.

Apesar disso tomei-lhe a mão e apertei-a de novo, suavemente. Miss Jane olhou-me nos olhos com a funda melancolia dos que penetram no mui longe das coisas — e nada vêem do que vai por perto.

Dali seguimos juntos para o castelo, sem que a paisagem nem o ar fino da manhã dissipassem a tristeza dela e a minha decepção. No castelo, por uma hora, só falamos do professor Benson, com longos intervalos de silencio — intervalos de silencio em que eu lamentava a coexistência de puros espíritos em corpos assim tão perturbadores.

Depois do almoço, o primeiro que fiz em sua companhia, a nuvem das saudades passou e retomamos a nossa excursão pelo ano 2228.

– Onde estávamos? principiou ela.

– Em Kerlog, já libertado do pesadelo elvinista, respondi.

– Sim, é isso. As mulheres aderiram ao Homo e tudo mudou, como era natural. A raça branca formava novamente um bloco unido e apto a organizar a resistência.

– Mas a impressão do golpe de Jim? Como o recebeu o país? perguntei suspirando.

– Com estupefação. Pela primeira vez na vida de um povo ocorria um fato que interessava a todos os seus componentes, sem exceção de um só. E como ninguém, a não ser Jim Roy, houvesse esperado por aquele desfecho, fácil é de imaginar o grau de assombro do espírito publico.

A estupefação dos brancos derrotados não era menor que a dos negros vencedores. Haviam estes agido como autômatos; deram o voto a Roy como o dariam a Kerlog, a miss Astor, ou o não dariam a nenhum dos três, se tal fosse a senha recebida. E agora olhavam-se uns para os outros num estonteamento de vitoria em absoluto inédito para eles.

Quanto ás conseqüências possíveis, nem de um lado nem do outro ninguém podia prever coisa nenhuma. Extenso demais era o fenômeno para ser abarcado por uma cabeça e, alem disso, não tinha precedentes na história.

Só no dia seguinte é que o acesso de estupefação coletiva principiou a decair. As células do imenso organismo social foram saindo daquele penoso estado de anestesia para entrar na fase inversa da exaltação. O velho desprezo racial do branco pelo negro transformava-se em cólera, e o recalcado ódio do negro pelo branco, arreganhando os dentes, entreabria um monstruoso sorriso de revanche.

Lentamente despertava a massa negra do longo letargo de submissão e tremia de narinas ao vento, como o tigre solto na jungle. Toda a barbárie atávica, todos os apetites em recalque, rancores impotentes, injustiças padecidas, todas as vergastadas que laceraram a sua pobre carne até o advento de Lincoln, e depois de Lincoln todas as humilhações da desigualdade de tratamento — essa legião de fantasmas irrompeu da alma negra como serpes de sob a laje que mão imprudente levanta. E a raça maior que o da mesquinha liberdade física, passou a sonhar o grande sonho branco da dominação...

Tomado de receios ante a imensidade daquele despertar, Jim Roy auscultava os frêmitos do seu povo e media a tarefa ingente que lhe pesava sobre os ombros. Se não conseguisse manter açaimado o monstro e submisso á sua voz de comando, a momentânea vitoria breve se transformaria num horrendo cataclismo. Jim Roy amava a América. Nós alicerces do colossal edifício o cimento ligador dos blocos fôra amassado com o suor dos seus ancestrais. A América surgira do esforço braçal de um, dirigido pelo esforço mental de outro, e pois tanto lhe falava a ele ao sangue como ao do mais orgulhoso neto dos pioneiros louros.

De instante a instante recebia comunicações dos seus agentes dando conta do estado d'alma da massa. A pantera negra distendia os músculos entorpecidos, com os olhos a se rajarem de sangue...

Jim tremeu. Sabia conter os nervos da fera, dominar-lhe todos os ímpetos instintivos. Além disso via o seu já imenso prestigio de líder acrescentado com o de Presidente eleito — mas estaria em seu poder sofrear o maremoto africano? Não faria dele um dique impotente a borrasca a desenhar-se?

Jim sentia no ar as ondas de fluidos explosivos, um perfeito ambiente de pólvora. O solo latejava pulsações vulcânicas. Jim tremeu diante de sua obra — e sem vacilar foi ao encontro de Kerlog. O momento impunha a conjugação da sua força com a do líder branco.

Defrontaram-se os dois chefes como duas forças da natureza, contrarias nos seus destinos, inimigas pela voz do sangue, mas irmanadas no momento por um nobre objetivo comum.

No primeiro ímpeto Kerlog apostrofou o chefe negro.

— "Vê tua obra, Jim! A América transformada num vulcão e ameaçada de morte!"

O negro cravou no líder branco os olhos frios, por um instante animados de estranho fulgor.

— "Não minha, Presidente Kerlog! Não é minha esta obra. É sua, é dos seus, é de Washington, é de Lincoln. Os brancos mentiram na lei básica. E ou confessam que mentiram ou reconhecem que a situação é perfeitamente normal. Que aconteceu, Presidente Kerlog? Houve um pleito e as urnas libérrimas conferiram a vitoria a um cidadão elegível. Acha o Presidente Kerlog que o Pacto Constitucional sofreu lesão?

Naquele peito a peito Jim Roy dominava o adversário.

— "Mas não se trata disso, continuou ele. O momento não é para recriminações — e em matéria de recriminações o Presidente Kerlog bem sabe que jamais um branco venceria um negro... O fato está consumado; e como chefes supremos das duas raças a nós só incumbe atender á salvação comum. Se não contivermos de rédeas presas os dois monstros — o monstro da ebriedade negra e o monstro do orgulho branco, a chacina vai ser espantosa..."

— "Ninguém sabe disso melhor que eu, retrucou o chefe da nação. Nos estados do Sul já lavra o incêndio ..."

O negro deu um salto.

— "Jim o apagará! Jim manterá presa em cadeia de aço a pantera africana. Ele a domina com os olhos como o soba a dominava no kraal donde a cupidez dos brancos a tirou. Jim é rei!"

Era tal a firmeza com que o grande líder negro emitia aquelas palavras que o tom de superioridade do branco se demudou em admiração. Kerlog viu que tinha diante de si, não um feliz aventureiro político, mas uma dessas incoercíveis expressões raciais a que chamamos condutores de povos. Pela primeira vez enfrentava um homem que era algo mais que um homem. E do fundo do coração Kerlog lamentou que a incompatibilidade racial o separasse de tamanho vulto.

Jim prosseguiu:

— "Mas só o farei se por sua vez o Presidente Kerlog açaimar o orgulho branco. Eu domino os meus com o olhar e a palavra. O Presidente Kerlog domina com a força do estado. Em nossas mãos está pois a paz da América."

O líder branco baixou a cabeça. Meditava.

— "Pois salvemos a América, Jim! disse erguendo-se. Açaima tu a pantera negra que meterei luvas nas unhas da águia branca."

Um leal aperto de mão selou aquele pacto de gigantes.

— "Mas a pantera que conte com o revide da águia! continuou o líder branco depois que as mãos se desapertaram. A águia é cruel..."

Jim Roy retesou-se de todos os músculos como a fera que se põe em guarda.

— "Ameaça-nos como sempre? Ameaça-nos até 110 momento em que a América ou rompe a sua Constituição e afoga-se num mar de sangue ou submete-se ao meu comando?"

Kerlog olhou-o firme nos olhos e murmurou com nitidez de lamina:

— "Não ameaço. Previno lealmente. Vejo em ti uma força demasiado grande para que eu a enfrente com palavras. Estamos face a face não dois homens, sim duas almas raciais arrostadas num duelo decisivo. Não fala neste momento o Presidente Kerlog. Fala o
branco de crueldade fria, o mesmo que vos arrancou do kraal, o mesmo que vos torturou nos brigues, o mesmo que vos espezinhou nos algodoais. Como ha razões de estado, Jim, há razões de raça. Razões sobre-humanas, frias como o gelo, cruéis como o tigre, duras como o diamante, implacáveis como o fogo. O sangue não raciocina, como os filósofos. O sangue sidera, qual o raio. Como homem admiro-te, Jim. Vejo em ti o irmão e sinto o gênio. Mas como branco só vejo em ti o inimigo a esmagar..."

O largo peito de Jim Roy arfava. A fera ancestral nele alapada transpareceu no fremir das ventas grossas.

— "E não trepidará o branco em esmagar a América se for condição para esmagar o negro?" rugiu.

Kerlog retrucou calmamente como se pela sua boca falasse o próprio deus do Orgulho:

— "Acima da América está o Sangue".

Jim baixou a cabeça. Viu aberto á sua frente o eterno abismo. O sangue branco tinha a dureza do diamante. Armado de mais cérebro, dos vales dos Ganges partira para a ousada aventura conquistadora e vencera sempre e não cedera nunca. Era o nobre, o duro, o eterno senhor cujo raio fulmina. Era o criador. Do rude instinto de matar do troglodita extraíra a sua grande arte, a Guerra. Forjara a espada, dominara o gás que explode, violara o profundo das águas e a amplidão dos ares. E com esse feixe de armas incoercíveis rodeara como de baionetas o diamante do seu Orgulho.

Tudo isso, num clarão, viu Jim Roy naquele homem que sereno o arrostava. E o que ainda havia de escravo no sangue do grande negro vacilou. Jim sentiu--se como retina ferida pelo sol. Mas sem demora reagiu. Ergueu-se e mais firme que nunca disse com dureza de rocha na voz:

– "Seja! E porque assim é, dei o supremo golpe. A América é tão sua como minha. Tenho-a nas mãos. Vou dividi-la.”

– "A justiça está contigo, Jim. Manda a justiça dividir a América. Mas o Sangue está acima da justiça. O Sangue tem a sua justiça. E para a justiça do Sangue Branco é um crime dividir a América."

Jim novamente baixou a cabeça e emudeceu. Pela segunda vez sentia-se como a retina ofuscada pelo sol.

O Presidente Kerlog aproximou-se dele e, com as mãos nos seus ombros largos, disse:

— "Vejo-te grande como Lincoln, Jim, e é com lágrimas nos olhos que contemplo a tua figura imensa, mas inútil... Adeus. Atendamos ao instante, açaimemos as nossas raças — mas não fique entre nós sombra de mentira. O teu ideal é nobilíssimo, mas á solução de justiça com que sonhas só poderemos responder com
a eterna resposta do nosso orgulho: Guerra!"

E os dois seres humanos subsistentes no imo dos dois lideres raciais abraçaram-se com lágrimas...

Miss Jane fez uma pausa, atenta á minha comoção. Aquele duelo de gigantes agitara fundo o meu ser. Tive a impressão de que jamais a história oferecera lance mais grandioso — nem mais cruel. Vi claros inúmeros pontos até ali obscuros na marcha da caravana que do fundo das idades vem vindo a entredegolar-se com sanhudos ódios. Vi um sonho de Ariel esfumado nas alturas — a Justiça Humana; e vi na terra, onipotente, a Justiça do Sangue — um raio cego...

— E depois? perguntei. Voltou a paz á América?

— Sim, respondeu miss Jane. Os dois lideres entraram a agir de pronto. A ação de um foi tão rápida e segura como a do outro. A pantera negra recolheu as garras e a águia branca enluvou as unhas.

Mas o beluário negro sentia-se ferido. As palavras que a raça branca pusera na boca de Kerlog cravaram-se-lhe no coração como as zagaias dos seus avós no peito dos leões africanos — mortalmente...
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continua… XIX– Burrada

Fonte:
Monteiro Lobato. O Presidente Negro. Editora Brasiliense, 1979.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Trova 201 - Pedro Ornellas (SP)



Fonte:

Trova , Imagem e montagem enviadas pelo autor

Laeticia Jensen Eble (Livro de Poesias)



A DIALÉTICA DO MUNDO ME ABRAÇA

A dialética do mundo me abraça.
Não alcanço a razão do dia,
nem o mistério da noite.

Do pó da criação ao pó que na terra deitará
tudo se transforma e se justifica.
Somos um só corpo a respirar
o breve sopro da existência eterna.
Só o destino nos une ao futuro.
E nosso destino é viver o presente,
síntese do que foi e do que será.

A escuridão e a luz movem,
como alavancas indissociáveis,
esse imenso ser em contínuo duelo.
O preto e o branco
O quente e o frio
O mais e o menos
O céu e a terra
O tudo e o nada
O som e o silêncio
O nascer e morrer
Olhar e não ver
Estar e não ser
São instâncias da mesma realidade.
A harmonia se impõe na superação dos limites.

A DÚVIDA

Caminho diariamente
Percorro as estradas gélidas
do deserto escaldante da dúvida
pincelando a vida
de erros e acertos
noites e oásis
frustrações e delírios
e dúvidas
A cada suspiro de alívio
uma nova dúvida
A cada projeto
A cada desafio
A cada sol
A cada lua
A cada pausa
A cada recomeço
Lá está escondida,
enterrada,
disfarçada:
a dúvida
Nada é absoluto.
Nada?

A ESPERANÇA É...

A esperança é um fio
É um tesouro na areia
É um alvo pequeno
É o som da sereia
É um pote de ouro
no fim do arco-íris.
É o colo de Deus
dizendo: - Vem!
A esperança não teme,
não pede favor,
não escolhe o dono,
não cobra valor.
A esperança é ...
simplesmente existe.
É oferta e entrega,
pra quem preencher
uma só condição:
Um peito aberto
do tamanho certo
para ela brincar.

ANCESTRAIS

Nada em mim é inédito.
Nada se criou do nada,
Nem tampouco tive escolha.
Me surpreendo
vivendo experiências já vividas,
amando de um jeito já amado,
falando palavras já ditas.
Meu corpo conta uma história viva
escrita por muitos autores.
Do capítulo da minha vida
eu sou a última frase
E ao vazio após o ponto
Medito.
Olho para trás...
Se não me é dado escrever
Eu canto
Meu refúgio é a voz
Ah, voz
Avós.

ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU

A poesia almeja ser
música no ritmo?
pintura na imagem?
escultura na forma?
O poeta perde-se
entre o que é ou não é
e o que quer ser
Maestro ou concerto?
Pintor ou pintura?
Escultor ou escultura?
Profeta ou profecia?
Deus ou criação?

Algumas palavras
nunca precisam ser ditas
Alguns poemas
nunca ser pronunciados
Os olhos a lamber, a beijar, a sugar
certos versos embebidos
de puro sentir
No silêncio se aprofunda
o abismo
entre poema e leitor
Nele epicamente se ergue
a ponte divina da salvação, etérea
construída palmo a palmo, arquitetonicamente,
sofregamente,
de palavras escolhidas
e colhidas ao vento
para unir inabalável
e por todo o sempre
o coração do poeta
ao coração do leitor.

HOJE QUERO A ÁGUA BATENDO EM MEU ROSTO

Hoje quero a água batendo em meu rosto
como uma benção
Quero as brumas envolvendo meus cabelos
como uma prece
Quero a carícia da terra em meus pés caminhando
como um lamento
De tudo que não fiz
de tudo que não disse
de tudo que não quis.
Quero fazer parte do todo
para me desfazer em nada.
Preciso de um recanto
de um conselho
de um silêncio amigo
Não sei onde ando
com quem ando
onde quero ir.
Só sei que preciso chegar
mas não querem me esperar
Choro sozinha esquecida
na solidão de minhas mãos
que me acodem a secar as lágrimas
Suspiros são como gritos agora
É tudo que emito
Ahhh...
Que saudade do tempo
em que eu não sabia
o que era viver
A felicidade era tão simples
Tão fácil de ser alcançada
Agora sigo meu destino
cansada de andar
Para cada vez mais longe.

NAVEGAR É PRECISO?

Dantes, das naus do caos
redes de ferro e fogo
dominaram-nos, converteram-nos
Hoje, redes virtuais
pendem de embarcações
que nunca tocaram o mar maculado
A epopéia se refaz
E nós, excluídos.

- Digite sua senha

Ao povo não guia a bússola vil dos argonautas
Continuamos selvagens - aborígines
miséria que abastece e entorna a taça daquele que ri
A mão calejada colhe o aroma do seu perfume,
corta na própria carne o cerne do seu assento
Globalização – traição!
Escavação das trevas.

- Digite sua senha

A fé anima a febre
desse povo que agoniza
Tupã nos salve!
Rogai às aves que aqui gorjeiam
acordem-nos desse sono hipnótico
E se revele aos nossos olhos a riqueza
Desfrutemos do legítimo direito
de abastecer nossos próprios cálices
De onde só entornavam lágrimas,
já pode verter dignidade.

- Senha inválida
Tente novamente
mais tarde.

Este poema foi premiado com o 2º lugar pelo II Prêmio SESC de Poesia,
no DF em 2003
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Fonte:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/laeticiajensen.html

Júlia Lopes de Almeida (A Água)


Sem pêlo, sem escamas e sem penas, somos os animais mais bem fadados para a volúpia da água. Ela, que no batismo nos lava do pecado original, é a primeira condição da vida. Fria ou quente, enrijando-nos a carne ou quebrantando-nos os nervos, é sempre a ela que devemos o melhor dos regalos — a limpeza.

Diz-nos a história que os povos da idade média fugiam da água como o diabo da cruz, e que, entretanto, outros mais recuados tinham banheiras de porphyro e termas deslumbrantes, onde iam deleitar o corpo cansado do pó e do ar.

As belas rumas de Pompéia assim o atestam.

Já tive a ventura de errar os meus leves passos de mulher distraída pelostemplos de Ísis, de Júpiter e de Vênus, de calcar as grandes pedras desiguais das estreitíssimas ruas da cidade morta, desolada, triste, eloqüente na sua mudez de túmulo! E a cada caminhada por entre casas de oradores, poetas e filósofos, cujos nomes retinem ainda hoje como campânulas de ouro nos carunchosos e carcomidos monumentos da história; cada passada sobre os mosaicos ou por entre as colunas de mármore do Fórum, da Basílica, do teatro e dos templos, que de misteriosos segredos de extintas grandezas e sereníssima fé meus olhos descortinavam! Dentro daquele cemitério, que mais parece uma legenda viva, ao dobrar uma esquina ou ao penetrar no atrium de uma casa luxuosa, eu esperava, de instante a instante, ver estendida para mim, cavalheirosamente, a mão patrícia de um pompeiano ilustre: riso nos lábios, túnica roçagante, falas amáveis com ritmos de versos, em que oferecesse ao meu corpo, cansado de percorrer toda cidade, desde a sua Porta Marina e Fonte da Abundância até aos seus últimos limites, o doce repouso num triclínio dourado, o sabor das suas frutas mais finas e dos seus mais esquisitos licores! Mas... Ai de mim! No meio daquelas estreitíssimas ruas e daquelas paredes derrocadas nem viva alma, a não ser, de longe em longe, quebrando o poético respeito do local, a de algum guarda de boné e galões nas mangas do casaco...

No meio das coisas máximas, comovem muitas vezes as mínimas. Eu sabia que Pompéia tinha a sua pintura característica, e alegrei os olhos vendo sobre o estuque vermelho-escuro, ou mesmo preto, as suas grinaldinhas de flores, os finos arabescos serpeando ao redor de taças mimosas e de figuras gentis, essa pintura de estilo tão original e delicado, que seduziu o próprio Rafael — o mais delicado artista de todos os tempos — que a imitou — na forma e na cor, em uma das galerias do Vaticano em Roma; ouvira falar e lera notícias, mosaicos esplendidos de Pompéia e das suas incomparáveis termas, mas não imaginei nunca que o amor à água tivesse sido tamanho; e essa particularidade tão simples, tão da obrigação de toda a gente, tornou logo simpático aos meus olhos esse grande povo, extinto tantos anos antes de ter nascido Cristo! Foi, portanto, um pedaço de chumbo torcido, miserável resto de um cano velho, uma das coisas que mais assombro me fizeram! Pompéia gastava água em abundância: a canalização estendia-se por todas as ruas e todas as casas, com torneiras iguais às de hoje, e havia termas luxuosas, com largos tanques, piscinas claras, salas bem decoradas. Não lhes bastando isso, todas as habitações tinham o seu atrium, sala sem teto, aberta sol e às águas puras do céu, que encontravam no solo um reservatório de mármore — o impluvium.

Roma, na sua parte antiga, mostra-nos também termas e mais termas; desde as mais soturnas, como as de Tito, que se não vêem sem auxílio de luzes, até às Caracala, onde no seu tempo de brilhantismo viviam estátuas célebres, Hércules Farnese, Vênus Calipígia, Flora e outras! Mas... Ruínas, como as termas, só vistas por artistas ou por filósofos, historiadores ou poetas, para que o saber ou a imaginação reconstrua o que o tempo e os homens perversamente destruíram.

Dizia eu que os povos da idade média não imitaram seus antepassados, e fugiam da água como o diabo cruz!... Felizmente, porém, houve grandes coquettes todos os tempos e essas tiveram sempre a fantasia extravagante... Do banho!

Por desgraça, não lhes bastava a água nem o sabonete aromático e espumoso. Umas lavavam-se em leite de jumenta, como a mulher de Nero; outras em sumo de morangos esmagados, que amacia a pele e que alegra a vista; outras em água (finalmente!) da chuva, como Diana de Poitiers; outras com água destilada de mel de rosas, ou com pasta de amêndoas bem dissolvida, ou com o sumo leitoso de plantas verdes, ou em vinho de Málaga, como a amante de Alexandre I, da Rússia; ou em infusões de junquilhos, nardos e jacintos, as flores de aroma capitoso e embriagador! Maria Antonieta, que fez inventar uma banheira para o seu banho da noite, mergulhava-se todas as manhãs num cozimento de folhagem de timo e de serpol.

Neste nosso Brasil, quente e ubérrimo, sobejam plantas, cuja decocção daria banhos cheirosos. Mas para que, se os perfumistas ingleses e franceses nos mandam já prontas, transparentes e deliciantes, as mais finas essências, que, derramadas n'água ou pulverizadas depois na pele, nos dão o mesmo gozo com
muito menor trabalho? Além de que, os cozimentos, desde que não sejam prescritos pelo médico, podem ser perigosos!

Para fazer a toilette à pele, isto é, vesti-la de uma cor suave e brandamente veludosa, julgo bastante... a água pura e um sabonete delicado. Enfim, para não ser avara, concedo que se deite no banho um pouco de água de Colônia.

Eu aconselharia a todas as moças ricas luxo de mármores e de metais nos seus quartos de banho. Uma mulher moça e formosa (qual é delas que não se julga assim?) ao escorregar na água quente, que todo o corpo enlaça, lambe e amolenta, que doces sonhos teceria, vendo por entre as pestanas cerradas as cores eternamente fugitivas dos mármores e os reflexos dos vidros e dos metais! Para a burguesa apressada ou fraca o caso é outro — o quarto de banho deverá ser simples, amplo e risonho. Um oleado rodeará aí a banheira, para que a água não apodreça o assoalho, se não houver ladrilho; bastará mais um tapete para os pés, uma larga cadeira de encosto, cabides, um porta-toalhas, e, fixadas na parede, perto da banheira, e ao alcance da mão, a cesta da esponja e a concha do sabonete. Além disso, uma sólida cantoneira de mármore, as escovas e o pulverizador, o porta-grampos, etc.

A água é um elemento essencial da vida e o principal fator da saúde humana. Uma casa em que a talha filtro seja bem tratada, e o quarto de banho diariamente freqüentado, atravessará largos períodos de serenidade e de alegria!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).
Imagem = A Tarde On Line

Grupo Projetos de Leitura participa da IV Expo Literária de Sorocaba


Com palestras, lançamento de livros e a Caravana da Leitura

O município de Sorocaba vive grande expectativa para celebração da IV Expo Literária, organizada pela Secretaria de Cultura e Lazer, que acontecerá de 19 à 22 de outubro de 2011, na Biblioteca Municipal Jorge Guilherme Senger, Rua Ministro Coqueijo Costa, 180, Alto da Boa Vista.

O Grupo Projetos de Leitura participará do evento com várias atividades.

Livros por valor simbólico

A Caravana da Leitura montará a sua “tenda” com a venda de obras literárias de Laé de Souza, pelo valor simbólico de R$ 2,00, do dia 20 a 22, das 9h às 20h. Serão disponibilizadas obras destinadas ao público infantil, juvenil e adulto, entre elas os da série Quinho e o seu cãozinho, Bia e a sua gatinha Pammy, Acredite se quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher e cadernos de atividades dirigidas ao público infantil. O projeto Caravana da Leitura, que é coordenado pelo escritor Laé de Souza, é aprovado pelo Ministério da Cultura e conta com o patrocínio da ZF do Brasil.

Palestra para estudantes

O escritor Laé de Souza ministrará palestras para estudantes com o tema “A leitura como prazer”. As palestras acontecerão na tenda “O Saci”, no dia 20, às 9h, 10h15, 15h15. As escolas inscritas para as palestras participaram de várias atividades de leitura que se encerram com a palestra.

Palestra para escritores

O escritor Laé de Souza ministrará no dia 22, às 16h, palestra dirigida a escritores, com o título “Publiquei o meu livro! E agora?”. Na ocasião, falará sobre a sua trajetória, experiência na formação de leitores, aspectos legais e práticos para execução de projetos culturais com apoio nas leis de incentivo à cultura e a expectativa vivida pelos escritores com o resultado do lançamento de suas obras . Além da abordagem e dicas, abrirá espaço para perguntas da platéia.

Lançamento de livros

No dia 20, às 14h, na tenda O Saci, serão lançados dois livros. “As melhores crônicas dos projetos de leitura” é a terceira coletânea de textos de estudantes da Rede Pública de Ensino, selecionados, por meio de um concurso literário em escolas de todo o Brasil e, ainda, crônicas do escritor Laé de Souza. A obra, é uma das etapas dos projetos “Ler é Bom, Experimente!”, patrocinado pela Companhia de Seguros Aliança do Brasil e "Minha Escola Lê", patrocinado pela ZF do Brasil e desenvolvidos pelo Grupo Projetos de Leitura, com o apoio do Ministério da Cultura. No lançamento o publico contará com a presença de sete autores de Sorocaba e do coordenador do projeto, o escritor Laé de Souza, que irá autografar a obra junto com os estudantes.

O livro “Quinho e o seu cãozinho – Férias na fazenda”, é mais um da série que conta as aventuras do garoto Quinho com o seu cãozinho Radar. Nesta obra o autor apresenta uma história de cooperação e dedicação de um grupo de crianças que se propõem a auxiliar um amiguinho a melhorar suas notas e passar de ano na escola para acompanhá-los numa incrível aventura na fazenda.
As obras serão comercializadas pelo valor simbólico de R$ 2,00.

Projetos de Leitura: (11) 2743-9491
Biblioteca Municipal de Sorocaba: (15) 3228-1955
Conheça outros projetos e a agenda do “Projetos de Leitura” no site http://www.projetosdeleitura.com.br/

Fonte:
Laé de Souza

Ialmar Pio Schneider (Saudosista)

aquarela de Angela Ponsi
Tu me acusas de eu ser um saudosista
a viver relembrando amores idos...
como queres que assim deles desista,
se foram, afinal, apetecidos ?

E viverão comigo enquanto exista
saudade dos momentos bem vividos,
representando sonhos de conquista,
oh! como poderão ser esquecidos ?!

É meu dever querer-te sempre mais,
mas os direitos devem ser iguais
para que nunca Amor haja conflito.

A acusação que sai da tua boca,
só te transtorna, tu pareces louca !
Aquilo que houve outrora está prescrito...

Fonte:
Soneto e pintura enviados pelo autor

Casimiro de Abreu (As Primaveras) Parte 6


O QUE É – SIMPATIA A UMA MENINA

Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto do passarinho,
É o doce aroma da flor,
São nuvens dum céu d’Agosto,
É o que me inspira teu rosto...
- Simpatia - é - quase amor!
Indaiaçu - 1857

PALAVRAS NO MAR

Se eu fosse amado!...
Se um rosto virgem
Doce vertigem
Me desse n’alma
Turbando a calma

Que me enlanguece!...
Oh! se eu pudesse
Hoje - sequer -
Fartar desejos
Nos longos beijos
Duma mulher!...
Se o peito morto
Doce conforto
Sentisse agora
Na sua dor;
Talvez nest’hora
Viver quisera
Na primavera
De casto amor!
Então minh’alma,
Turbada e calma,
- Harpa vibrada
Por mão fadada -
Como a calhandra
Saúda o dia,
Em meigos cantos
Se exalaria
Na melodia
Dos sonhos meus;
E louca e terna
Nessa vertigem
Amara a virgem
Cantando a Deus!...
Avon - 1857

PEPITA

Minh’alma é mundo virgem, - ilha perdida -
Em lagos de cristais;
Vem, Pepita, - Colombo dos amores, -
Vem descobri-lo, no país da flores
Sultana reinarás!
Eu serei teu vassalo e teu cativo
Nas terras onde és rei;
À sombra dos bambus vem tu ser minha rainha;
Teu reinado de amor, doce rainha,
Na lira cantarei.
Minh’alma é como o pombo inda sem penas
Sozinho a pipilar
- Vem tu, Pepita, visitá-lo ao ninho;
As asas a bater, o passarinho
Contigo irá voar.
Minh’alma é como rocha toda estéril
Nos plainos do Sará;
Vem tu - fada de amor - dar-lhe co’a vara...
- Qual penedo que Moisés tocara
O jorro saltará.

Minh’alma é um livro lindo, encadernado,
Co’as folhas em cetim;
- Vem tu, Pepita, soletrá-lo um dia...
Tem poemas de amor, tem melodia
Em cânticos sem fim!
Minh’alma é o batel prendido à margem
Sem leme, em ócio vil;
- Vem soltá-lo, Pepita, e correremos
- Soltas as velas - desprezando remos,
Que o mar é todo anil.
Minh’alma é um jardim oculto em sombras
Co’as flores em botão;
- Vem ser da primavera o sopro louco,
Vem tu, Pepita, bafejar-me um pouco
Que as rosas abrirão.
O mundo em que eu habito tem mais Sonhos,
A vida mais prazer;
- Vem, Pepita, das tardes no remanso,
Da rede dos amores no balanço
Comigo adormecer.
Oh! vem! eu sou a flor aberta à noite
Perdida no arrebol!
Dá-me um carinho dessa voz lasciva,
E a flor pendida s’erguerá mais viva
Aos raios desse sol!
Bem vês, sou como a planta que definha
Torrada do calor.
- Dá-me o riso feliz em vez da mágoa...
O lírio morto quer a gota d’água,
- Eu quero o teu amor!
Rio - 1858

VISÃO

Uma noite, meu Deus, que noite aquela!
Por entre as galas, no fervor da dança,
Vi passar, qual num sonho vaporoso,
O rosto virginal duma criança.
Sorri-me; - era um sonho de minh’alma
Esse riso infantil que o lábio tinha:
- Talvez que essa alma dos amores puros
Pudesse um dia conversar co’a minha!
Eu olhei, ela olhou... doce mistério!
Minh’alma despertou-se à luz da vida.
E as vozes duma lira e dum piano
Juntos se uniram na canção querida.
Depois eu indolente descuidei-me
Da planta nova dos gentis amores,

E a criança, correndo pela vida,
Foi colher nos jardins mais lindas flores.
Não voltou; - talvez ela adormecesse
Junto à fonte, deitada na verdura,
E - sonhando - a criança se recorde
Do moço que ela viu e que a procura!
Corri pelas campinas noite e dia
Atrás do berço d’ouro dessa fada;
Rasguei-me nos espinhos do caminho...
Cansei-me a procurar e não vi nada!
Agora como um louco eu fito as turbas
Sempre a ver se descubro a face linda...
- Os outros a sorrir passam cantando,
Só eu a suspirar procuro ainda!...
Onde foste, visão dos meu amores!
Minh’alma sem te ver, louca suspira,
- Nunca mais unirás, sombra encantada,
O som do teu piano à voz da lira?!...
Setembro - 1858

QUEIXUMES

Olho e vejo...tudo é gala,
Tudo canta e tudo fala,
Só minh’alma
Não se acalma,
Muda e triste não se ri!
Minha mente já delira,
E meu peito só suspira
Por ti! Por ti!
Ai! quem me dera essa vida
Tão bela e doce vivida
Nos meus lares
Sem pesares
No sossego só dali!
Não tinha-te visto as tranças
Nem rasgado as esperanças
Por ti! Por ti!
Perdi as flores da idade,
E a flor na mocidade
É meu canto
- Todo pranto, -
Qual a voz do juriti!
No teu sorriso embebido
Deixei meu sonho querido
Por ti! Por ti!
Ai! se eu pudesse, formosa,
Roçar-te os lábios de rosa
Como às flores

- Seus amores -
Faz o louco colibri;
Esta minh’alma nos hinos
Erguera cantos divinos
Por ti! Por ti!
Ai! não m’esqueças já morto!
À minh’alma dá conforto,
Diz na lousa:
“Coitado! descansa aqui”
Ai! não te esqueças, senhora,
Da flor pendida n’aurora
Por ti! Por ti!
Junho - 1858

AMOR E MEDO

I

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
“- Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”
Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela - eu moço; tens amor - eu medo!...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das horas longas a correr velozes.
O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.
É que esse vento que na várzea - ao onge,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu sorriso ateia!
Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: - que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?
A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho!

II

Ai! se eu te visse no calor da sesta.
A mão tremendo no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,

Soltos cabelos nas espáduas nuas!...
Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio!...
Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Nas faces as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: - que seria da pureza d’anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar descalça,
- Criança louca, - sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!
Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qué da minha c’roa?...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento!...
Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela - eu moço, tens amor, eu medo!...
Outubro - 1858

PERDÃO!

I

Choraste?! - E a face mimosa
Perdeu as cores da rosa
E o seio todo tremeu?!
Choraste, pomba dourada?!
E a lágrima cristalina
Banhou-te a face divina
E a bela fronte inspirada
Pálida e triste pendeu?!
Choraste?! - E longe não pude
Sorver-te a lágrima pura
Que banhou-te a formosura!
Ouvir-te a voz de alaúde
A lamentar-se sentida!
Humilde cair-te aos pés,
Oferecer-te esta vida

No sacrifício mais santo,
Para poupar-te esse pranto
Que te rolou sobre a tez!
Choraste?! - De envergonhada,
No teu pudor ofendida,
Porque minh’alma atrevida
No seu palácio de fada,
- No sonhar da fantasia -
Ardeu em loucos desejos,
Ousou cobrir-te de beijos
E quis manchar-te na orgia!

II

Perdão pr’o pobre demente
Culpado, sim, - inocente -
Que se te amou, foi de mais!
Perdão p’ra mim que não pude
Calar a voz do alaúde,
Nem comprimir os meus ais!
Perdão, oh! flor dos amores,
Se quis manchar-te os verdores,
Se quis tirar-te do hastil!
- Na voz que a paixão resume
Tentei sorver-te o perfume...
E fui covarde e fui vil!...

III

Eu sei devera sozinho
Sofrer comigo o tormento
E na dor do pensamento
Devorar essa agonia!
- Devera, sedento algoz,
Em vez de sonhos felizes,
Cortar no peito as raízes
Desse amor, e tão descrido
Dos hinos matar-lhe a voz!
- Devera, pobre fingido,
Tendo n’alma atroz desgosto, Mostrar sorrisos no rosto,
Em vez de mágoas - prazer,
E mudo e triste e penando,
Como um perdido te amando,
Sentir, calar-me e - morrer!
Não pude! - A mente fervia,
O coração transbordava,
Interna voz me falava,
E louco ouvindo a harmonia
Que a alma continha em si,
Soltei na febre o meu canto
E do delírio no pranto
Morri de amores - por ti!

IV

Perdão! Se fui desvairado
Manchar-te a flor d’inocência,
E do meu canto n’ardência
Ferir-te no coração!
- Será enorme o pecado,
Mas tremenda a expiação
Se me deres por sentença
Da tua alma a indiferença,
Do teu lábio a maldição!...
Perdão, senhora!... Perdão!...
Junho - 1858

Fonte:
ABREU, Casimiro de. As Primaveras. São Paulo: Livraria Editora Martins S/A co-edição Instituto Nacional do Livro, 1972. Texto-base digitalizado por Raquel Sallaberry Brião.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 367)


Uma Trova Nacional

Hoje, em que braços deliras,
em que outro ouvido murmuras
as verdadeiras mentiras
que me disseste por juras?
–DIVENEI BOSELI/SP–

Uma Trova Potiguar

Numa casa de fazenda
vê-se aranha pequenina
com o seu tear de renda
tecendo sua cortina.
–PROF. MAIA/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 13º Lugar

Chega a velhice, e hesitante,
às vezes, posso até crer,
que um ocaso é tão brilhante
quanto o sol do amanhecer.
–ALBA CHRISTINA C. NETO/SP–

Uma Trova de Ademar

Vivemos a realidade,
tal e qual em “Sucupira”.
Tudo parece verdade,
mas, na verdade, é mentira!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Depois que a aurora desponta
mostrando a cara do dia,
o meu ego toma conta
do meu mundo de poesia.
–CHICO MOTA/RN–

Simplesmente Poesia

Dueto
–BRASIGÓIS FELÍCIO/GO–

Onde tudo é marrom,
cerrado de sequidão,
o pequizeiro
impõe-se à vista,
verdolengo
como ele só.

Faz um belo dueto
com a Caraíba,
uma flor de fogo
sempre a vingar
onde tudo é árido.

Estrofe do Dia

No jardim delicado da natura
onde a vida se expressa com leveza
um aroma com lívida destreza
mostra o mundo da forma bem mais pura
cada flor sobre a cama da candura
oferece o seu corpo virginal
recebendo um abraço natural
do sereno com toques pequeninos
o perfume dos lírios campesinos
tem essências de um ser angelical.
–GILMAR LEITE/PE–

Soneto do Dia

Um Pássaro a Cantar Dentro de um Ovo
–JURACI SIQUEIRA/PA–

Se o mundo quer calar-me, eu não hesito:
recorro à trova e crio um mundo novo
onde ponho o calor e a voz do povo,
um punhado de humor, um beijo e um grito.

Na trova eu me divirto e me comovo,
nela o meu sonho é muito mais bonito,
nela eu prendo as estrelas do infinito
e um pássaro a cantar dentro de um ovo.

Trova é roupa estendida na varanda,
relva molhada pela chuva branda,
rosa vermelha, moça na janela,

gotas de orvalho a tremular na flor...
Por isso não a queiram mal, pois ela
é a voz e o coração do trovador!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

domingo, 16 de outubro de 2011

Trova 200 - Francisco José Pessoa (CE)


Fonte:
Imagem e trova enviada por Pedro Ornellas

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 366)


Uma Trova Nacional

No desafio da vida,
sempre encontro o alvorecer:
Não quero a estrela perdida,
quero a Luz que me faz crer.
–GISELE BUENO PINTO/RS–

Uma Trova Potiguar

Natal - Cidade Sorriso
que ao mundo inteiro seduz,
tu és o meu paraíso,
meu paraíso de luz!...
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Bandeirantes/PR
Tema: SEMBLANTE - Venc.

A marca determinante
de um vencedor tem dois traços:
a luz moldando o semblante
e a fé movendo seus passos!
JOSÉ OUVERNEY/SP–

Uma Trova de Ademar

Uma mensagem de luz
que trouxe uma fé tamanha
foi aquela que Jesus
deixou aos pés da montanha
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

O perdão é luz na treva
do coração da pessoa.
Quem se ilumina se eleva
e quem se eleva, perdoa!
–ALFREDO DE CASTRO/MG–

Simplesmente Poesia

Meu Fado
–LÊDA MIRANDA/RJ–

Esperei solitária e não voltaste.
Na garganta, este nó de saudade.
No peito, este aperto que resiste.
No olhar de quem ama,
e não desiste,
existe ainda uma esperança.
Não é apenas lamento
de um amor,
que, com carinho, acalento.
É mais! É um apelo:
volta, te espero.
Vem fazer um sonho
deste pesadelo.

Estrofe do Dia

Uma estrofe, um poema, uma canção,
um soneto, uma trova, uma sextilha,
um galope, um rojão, uma quadrilha,
um Brasil de caboclo ou um mourão,
um quadrão beira-mar, oito a quadrão,
um famoso martelo agalopado,
seja escrito ou então improvisado
não altera os valores do autor,
tudo quanto produz o cantador
deveria ser lido e divulgado.
–DAUDETH BANDEIRA/PB–

Soneto do Dia

Russowskyano (À Miguel Russowsky)
–REGINALDO ALBUQUERQUE/MS–

Uns versos tortos, pelo meio a taça...
Já de pijama o cuco não diz a hora.
A chuva estatelada na vidraça
boceja sonhos, garatuja a aurora.

Dois círios choram anjos de fumaça...
Em cada canto onde a saudade mora,
surge um corcel de rimas em que esvoaça
a musa do improviso igual outrora.

Do lucilar das chamas vem o alerta...
Sobre a mesa uma folha nova aberta
e ao lado a canetinha embevecida...

A poltrona belisca o meu desdém:
– Dona “Sozinhez” nunca te fez bem!
– Vai, Miguel! O soneto te convida...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Varal de Minicontos I


Alice Daniel
FUGA

Olhou pela janela. A lua estava lá.
Olhou para a sua cama. Ele estava lá.
E diziam que a lua pertencia aos amantes...
Por muitos anos continuaria assim: olhando ora para um ora para o outro.
Um dia, pulou a janela...

Flávio Ilha
MUNDO ANIMAL

Os bois

Urros agoniados ecoavam pelo galpão envolto em gotículas carmim. Pernas abertas, marreta entre os dedos, o negro tinha as bombachas encharcadas de sangue. Um depois do outro, os bois se metiam pelo brete; aos resvalões, lutavam pelo pasto úmido da coxilha. Um depois do outro, eram golpeados pela mão firme do negro, olhos congestionados, as mãos roxas, o tórax nu encarnado. Cumpria mecanicamente sua liturgia de horror. No catre, dormia enrodilhado à cadela Polaca.

Marrecos

Vento: lá embaixo a costa ocupada. Via apenas minúsculas erupções de fumaça, como acnes cinzentas. No rosto de Stella havia dessas hecatombes vivas, que se mexiam, nasciam e morriam como qualquer um de nós. Lembrou dela porque saltaria em instantes e provavelmente nunca. Interrompeu o devaneio com uma interjeição imperativa do chefe. Quase sem ar, viu um a um os garotos lançaram-se ao vácuo. Marrecos. Marrecos negros voando em cunha, para a lagoa. Um verão no mar. A estrada. O pai, guiando. Os marrecos. O vento. O horror do mar.

Leonardo Brasiliense
O MORALISTA

- Tem quantos anos?
- Doze.
- Bonitinha!
- Tá.
- Mas se fosse minha filha, eu endireitava a tapa.
- Vai dar sermão, é?
- Não, mas se fosse filha minha...
- Então acaba duma vez, tio, que se eu não voltar logo pra casa, e com dinheiro, aí sim, o pai me cobre de pancada.

Luis Dill
RASTRO

A gota é perfeita, tem até uma coroa como ornamento, o vermelho vivo, bem no centro da lajota branca. O piso do Supermercado imaculado até então, sete e meia da manhã. Um palmo adiante, a repetição da mesma gota, só que, agora, acompanhada por outra, levemente repuxada. A seguir, uma porção delas, inclinadas e mais próximas uma das outras, em linha quase reta. Alguns metros depois uma poça significativa e um esfregão tentando dissolvê-la. Tu não tem jeito mesmo, né?, a faxineira reclamando. Não enche o saco, tia, rosna o rapaz do açougue, a pesada perna do boi às costas.

Marcelo Spalding
ÚLTIMO CAPÍTULO

Helena, Nazaré, Maria e Jade saem do trabalho com pressa, carregam pesadas ancas por calçadas quentes, atravessam ruas e gentes, sobem morros. Ligam a televisão, oito e meia. Último capítulo. O sofá é sujo, os gritos são altos, as paredes, poucas e a vila, grande. O trabalho é trabalho, o mundo é assim. Crucifixos tortos, mandamentos decorados. Mas é o último capítulo e calam as crianças num tapa. Torcem. Gritam. Choram. Enfim, sorriem, emocionadas, corações leves. O final foi feliz. O resto, é ficção.

Fausto Wolff
687ª NOITE

Como eu já disse, morreram vinte e dois prisioneiros de guerra americanos em Hiroshima. O vigésimo terceiro, que sobreviveu, foi linchado pela multidão enfurecida. Os japoneses caminhavam como zumbis procurando seus entes queridos entre as ruínas e nuvens de fumaça cancerígena. Surpreendentemente, os sobreviventes sentiram pouca dor. Um escritor disse que foi como se o grande terror do desconhecido houvesse cancelado o terror do sofrimento. Nus ou com roupas em frangalhos, não sabiam para onde se dirigir, pois todas as placas haviam desaparecido. Era impossível dizer quem era homem e quem era mulher. Os que saíram de casa vestindo roupas brancas apresentavam menos ferimentos do que os demais, uma vez que as cores escuras tendem a absorver a luz termonuclear. Amigos não se reconheciam, pois muitos haviam perdido seus rostos. Outros tinham gravada nas faces as impressões de suas mãos ou de seus narizes. Algumas pessoas perdiam as mãos ao acenarem pedindo ajuda. Saía fumaça dos ferimentos quando imersos em água. Outros cem mil japoneses morreriam graças aos ferimentos e à radiação. Até hoje crianças nascem cancerosas em Hiroshima e Nagazaki. Os filhos das mulheres grávidas durante o ataque nasceram deformados.

In WOLFF, Fausto. A milésima segunda noite. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

Luiz Rufatto
O VELHO CONTÍNUO

O velho contínuo, amarelo o branco dos olhos, abriu a torneira, encharcou as mãos grossas, ensaboou-as, e, esfregando-as vagarosamente, desatou a falar, não com o conhecido da pia ao lado, não com o motoboy que se equilibrava no mictório, mas para quem, de todos os que se espremiam no banheiro fétido, se dispusesse a ouvi-lo

a patroa ligou há pouco... está um tiroteio danado lá na rua de casa... ela estava falando encolhidinha atrás do sofá que encostou na parede pra não ficar zumbindo bala perdida na cabeça dela... ligou preocupada, coitada... falou pra eu não aparecer lá hoje de terno-e-gravata... alguém pode me confundir... achar que sou delegado... eu pensei cá com meus botões, que besteira! eu tenho lá cara de delegado? mas, coitada, eu entendo! eu lá tenho cara de delegado? mas, coitada, eu entendo... ela está certa... que que eu vou fazer? vou pendurar o paletó na cadeira... enfio a gravata no bolso... largo aí... que mal faz? não vai sumir... amanhã torno a vestir... não custa nada agradar à patroa... ela está velha, coitada... e a gente...

Então o velho contínuo percebeu o desperdício de água, enxaguou as mãos, fechou constrangido a torneira, enxugou-se com a toalha de papel, saiu do banheiro, olhou chãos, o rio morto, os carros indiferentes, os prédios futuristas, a cortina escura do horizonte, a velha, coitada.

In RUFATTO, Luiz. Eles eram muitos cavalos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2001

Raduan Nassar
AÍ PELAS TRÊS DA TARDE

Nesta sala atulhada de mesas, máquinas e papéis, onde invejáveis escreventes dividiram entre si o bom-senso do mundo, aplicando-se em idéias claras apesar do ruído e do mormaço, seguros ao se pronunciarem sobre problemas que afligem o homem moderno (espécie da qual você, milenarmente cansado, talvez se sinta um tanto excluído), largue tudo de repente sob os olhares à sua volta, componha uma cara de louco quieto e perigoso, faça os gestos mais calmos quanto os tais escribas mais severos, dê um largo ‘ciao’ ao trabalho do dia, assim como quem se despede da vida, e surpreenda pouco mais tarde, com sua presença em hora tão insólita, os que estiveram em casa ocupados na limpeza dos armários, que você não sabia antes como era conduzida. Convém não responder aos olhares interrogativos, deixando crescer, por instantes, a intensa expectativa que se instala. Mas não exagere na medida e suba sem demora ao quarto, libertando aí os pés das meias e dos sapatos, tirando a roupa do corpo como se retirasse a importância das coisas, pondo-se enfim em vestes mínimas, quem sabe até em pêlo, mas sem ferir o pudor (o seu pudor, bem entendido), e aceitando ao mesmo tempo, como boa verdade provisória, toda mudança de comportamento. Feito um banhista incerto, assome depois com sua nudez no trampolim do patamar e avance dois passos como se fosse beirar um salto, silenciando de vez, embaixo, o surto abafado dos comentários. Nada de grandes lances. Desça, sem pressa, degrau por degrau, sendo tolerante com o espanto (coitados!) dos pobres familiares, que cobram a boca com a mãe enquanto se comprimem ao pé da escada. Passe por eles calado, circule pela casa toda como se andasse numa praia deserta (mas sempre com a mesma cara de louco ainda não precipitado), e se achegue depois, com cuidade e ternura, junto à rede languidamente envergada entre plantas lá no terraço. Largue-se nela como quem se larga na vida, e vá fundo nesse mergulho: cerre as abas da rede sobre os olhos e, com um impulso do pé (já não importa com que apoio), goze a fantasia de se sentir embalado pelo mundo.

De 1972. In NASSAR, Raduan. Menina a Caminho. São Paulo: Cia das Letras, 1997.

João Gilberto Noll
LÍNGUAS

Sua voz não parece mais legível. Ontem pediu um copo d’água à filha. Ela lhe trouxe a foto de uma mulher meio esquiva. Tirada quando ele trabalhava de garçom na Califórnia. Vieram-lhe fiapos de mexicana. Ainda conseguia se lembrar da noite em que, entre o inglês, o espanhol e o português, as palavras começaram a lhe faltar. A mexicana disse que o mesmo ocorria com um irmão. Que eram tantas as palavras, de tão diferentes fontes e sabores, que concentravam em si tamanha quantidade de matizes e sentidos, que alguns como eles dois já não conseguiam guardá-las. Que estes, ao chegaram numa idade, só sabiam apresentar um arrazoado de sons impenetráveis à volúpia comum do entendimento. “E assim é”, ela suspirou mirando os pés descalços.

In NOLL, João Gilberto. Mínimos, Múltiplos, Comuns. Rio de Janeiro: Francis, 2003.

Laís Chaffe
SAIA JUSTA

O casal passeia com o bebê.
- É a cara do pai - bajula a vizinha.
- A senhora o conhece? - pergunta o homem.

Daniel Rocha
CONTOS BÊBADOS

1

Não conseguiu juntar as palavras, não conseguiu juntar os pedaços de sua vida, o que fez? Tomou mais um gole.

2

Tudo bem que a caneta não parasse na mão bêbada, mas precisavam roubar sua melhor frase?

Ana Mello
FUGA

Ônibus rápido.
Na janela tudo passa - árvores, rio, nuvens.
Não passa a saudade, não volta a cidade.
Nem o amor da Maria.

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/veredas/?x=1&lk=1