quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ialmar Pio Schneider (Por que não ler os best-sellers ?)


A leitura, segundo meu juízo, pode ser de instrução, de auto-ajuda, e também de entretenimento, entre outros. Então por que alguns intelectuais se indispõem em aceitar os best-sellers? Assistindo ao programa do Jô Soares que entrevistava o acadêmico imortal Lêdo Ivo, pelo lançamento do seu livro Poesia Completa, e por estar com 80 anos de idade, en passant, falaram sobre os autores que mais vendem e os que não. O poeta falou que é muito relativo este enfoque, uma vez que alguns fazem sucesso porque escrevem para determinada clientela ledora, mas ao mesmo tempo desaparecem na efemeridade das coisas passageiras. Eu, de minha parte, leio certos best-sellers e os tenho apreciado, geralmente. Acredito que o que faz a vendagem dos livros é a mídia. Já vi em página de revista num ônibus em Paris uma propaganda do livro de Paulo Coelho, Veronika decide morrer. Como ele tem um público cativo em quase todo o mundo, é sabido que é um dos maiores vendedores brasileiros de todos os tempos.

Voltando ao poeta Lêdo Ivo, enquanto assistia ao programa do Jô Soares, sendo entrevistado, procurei na prateleira um livro dele, Antologia Poética, com seleção de Walmir Ayala e introdução de Antônio Carlos Villaça, e me deliciei com o seguinte soneto, que reputo um dos melhores de sua verve:

Soneto do Empinador de Papagaio

“A nada aceito, exceto a eternidade,
nesta viagem ambígua que me leva
ao altar absoluto que, na treva,
espera pela minha inanidade.

O que sonhei, menino, hoje é verdade
de alva estação que em meu silêncio neva
o inverno de uma fábula primeva
que foi sol, cego à própria claridade.

Na hora do fim de tudo, separados
fiquem os dois comparsas do destino
que sabe a cinza após o último alento.

E a morte guarde em cova os injuriados
despojos do homem feito; que o menino
empina o papagaio, vive ao vento.”
– Ediouro – pg. 65.

E o entrevistador caçoava dele, dizendo que continuava sendo um menino, embora octogenário.

Mas, pelo que pude aquilatar, eles são leitores de best-sellers, pois quem não quer divulgar seus trabalhos e conquistar leitores?! Não sejamos hipócritas !

Venho de ler um dos maiores best-sellers da atualidade, O Código da Vinci, de Dan Brown, - dez milhões de livros vendidos em todo o mundo – na edição da Sextante. Trata-se de um romance policial, com poucas personagens para não atrapalhar a fluência na leitura, e pleno de lances inesperados. Tenho certeza de que o sucesso de venda deste livro, se deve à simplicidade e a desenvoltura da trama que aos poucos vai conquistando o leitor, sem muito academicismo e sofisticação intelectualista que só fazem afastá-lo. Assim como existem os leitores analfabetos funcionais, tão apregoados por alguns intelectuais, também há os escritores que escrevem só para si mesmos, não atingindo o homem comum do povo que é a maioria no mundo inteiro.

Na poesia, quem não se lembra de J. G. de Araújo Jorge, nas décadas de 50 a 70 ? com seus poemas românticos cativando os corações enamorados ?! Conheço diversas pessoas que se encontraram, se amaram e viveram felizes, lendo e ouvindo as poesias deste poeta que fabricava estes versos:

“Uma hora de morrer...

- I –
Uma hora de morrer é aquela em que,
debruçado sobre teus olhos,
me agarro a ti para salvar-me
e sinto que afundamos juntos.

– II –
Uma hora de morrer
é aquela em que nada dizes,
em que apenas me olhas como agradecendo,
e em que me guardas ainda contra ti
como se quisesses ter a certeza
de que apesar de tudo
ficamos na terra”.

– do livro A Sós... 9ª edição – Editora Record – 1982 – na contracapa.

No meu modesto entender, toda a leitura que desperta a curiosidade do leitor de maneira simples e atinge os corações também, é válida, tanto na prosa quanto na poesia. O importante é que seja agradável, não deixando de ser instrutiva e iluminando as mentes das pessoas...

Fontes:
Texto enviado pelo autor
Imagem = http://www.indigoheartpublishing.com/

Paraná em Trovas Collection 10 - Francisco Filipak (Curitiba/PR)


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Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 9


Sátiros e Dríades

DE UM FAUNO


Ao Ismael Martins

Ah! quem me dera, quando passa em meu caminho
Juno! com seu andar de névoa que flutua,
Poder despi-la dessa túnica de linho...
E vê-la nua! Eu só compreendo estátua nua!

Nua! essa corça nua é branca, e é como a Lua...
Ser eu Apolo! embriagá-la do meu vinho!
Porém se estendo no ar os meus braços, recua,
Esquiva, a dama apressa o passo miudinho...

A dama foge, não deseja que eu avance...
Meu desejo, porém, é um gamo. De relance,
Vendo-a, corre a querer sugar-lhe o claro mel...

Despe-a; carrega-a, assim, despida, para o leito...
E, nua, em flor, bem como um sátiro perfeito,
Sobre o feno viola essa Virgem cruel!
1898

DON JUAN

Sensível, como quem podia ser, apenas
Mais vão do que uma sombra um gesto perpassou,
E logo desse herói, revoltas as melenas,
Brilhava o estranho olhar, que tanto ambicionou...

Era uma confusão. Pálidas e morenas,
Cada qual, cada qual como Deus a formou,
Não foi uma, nem dez, porém foram centenas
As mulheres por quem Don Juan desesperou...

Todas, todas que viu, ele mordeu de beijos,
Enraiveceu de amor, poluiu de desejos,
Tomado de furor, doido d’embriaguez...

Um delírio! Porém, Don Juan era um artista
E portanto cruel, nervoso, pessimista,
E de resto, o infeliz nunca se satisfez!
Novembro – 1903

NÃO SEI QUE POETA...

Não sei que poeta mau teve a lembrança, um dia,
Possuído d’um furor de plebe iconoclasta,
Baseado em não sei que falsa filosofia,
De querer te cobrir d’uma glória nefasta...

E entre epítetos e baldões de toda casta,
Esquecendo afinal o tom dessa hierarquia,
E a pose arquiducal e antiga da poesia,
O teu manto de rei nervosamente arrasta...

Ele não soube ler, ó herói, o teu destino,
Um supremo desdém, um orgulho divino,
E nunca pôde ver, pálido Dom João,

Através desse olhar, cismativo ou risonho,
Que não eras senão o símbolo d’um sonho,
E essa flor ideal e eterna da Ilusão!

DON JUAN, MAS PORQUE FOI...

Don Juan, mas porque foi um sedutor, de resto
Não deixou de curtir a Decepção cruel,
Pois sempre que sonhou, enlevado num gesto,
Sorver o amor, assim como um favo de mel,

Não sei, não sei que flor, com ódio manifesto,
Angélica, porém, com alma de Ariel,
Quando ele ia beber, inquieto, quase honesto,
Deitava-lhe no copo o veneno e o fel.

Abrindo os corações, todos, de par em par,
Apenas ele quis transpor o limiar,
Que estremeceu e tão branco e desfigurado...

Lírio ou rosa, não sei, nenhuma flor tocou,
Que uma serpente vil não tivesse manchado,
E um verme também não exclamasse: aqui ’stou!
Maio – 1904

UM DOS SONETOS DE DON JUAN

Ao Domingos Nascimento

Todos os dias o meu coração suspira,
Umas vezes por ti, meu bem, outras por ti,
Meu novo bem, assim que se fora uma lira,
Ora em dó, ora em fá, ora em ré, ora em mi...

Ó torres de marfim, ó torres de safira,
Pérolas ideais, que eu nunca possuí,
Quando é que poderei (a minha alma delira)
Palpitar sobre vós, bem como um colibri?

E que ânsia de poder fundir-vos num só beijo,
E que ânsia de beijar a todas de uma vez,
Astros, dignos do meu soberano desejo!

Carnes, alvor de luz da manhã, que irradia,
Olhos, inundações furiosas de embriaguez,
Tranças revoltas como uma noite de orgia!
1903

OUTRO SONETO DE DON JUAN

Quando fulges aqui pela minha lembrança,
Ó fogo de Babel, luxuriosa flor,
É como se fulgisse a ponta de uma lança,
E é mais ódio talvez que eu sinto do que amor.

E vingança também e sede de vingança,
Sabendo que afinal foste possuída por
Tudo quanto bem quis, atroz desesperança,
Por vaidade ou prazer, ser teu possuidor...

E que horrível pesar que pois assim me veja
Condenado a querer enfim uma mulher
Que todo o mundo quis e todo o mundo beija...

E tenha por destino e por minha desgraça,
A infâmia de beber no fundo de uma taça
Onde eu sei que bebeu um beberrão qualquer!...

AINDA OUTRO DO MESMO AUTOR

Ó Sodoma gentil, ó flor maravilhosa,
Ser amado por ti causa-me tal prazer
Que eu não sei te dizer, minha pálida rosa,
Mas depois de te amar vale a pena morrer.

Acredita, eu não sei, pérola preciosa,
De gesto mais gracil e doce de mulher;
Que bom de te lançar, carne voluptuosa,
Por sobre os ombros nus flores de malmequer!

Tu não és, tu não és menos que uma rainha,
E parece que estou ao fundo de um clarão,
De um êxtase sem fim, que apenas se contém...

Eu desejo morrer. No meio da ilusão,
Ó Sodoma, porém, de inda tu seres minha,
Quem me dera viver, só p’ra te querer bem!
Fevereiro – 1904

AINDA OUTRO...

Quando te vejo assim passar como um lampejo,
Não imaginas tu, causa de meu prazer,
O anseio, e o fulgor, e o horror com que te vejo,
E o orgulho, e a ambição, e a fome de te ver.

Escuta: para mim, tu és um grande beijo,
Que inundasse de luz o fundo do meu ser...
E é um punhal este amor, e é um dardo este desejo,
E nada satisfaz a ânsia de te querer!

Os nossos olhos são uma voracidade!
Mal se avistam, não sei que loucura os invade:
Correm a se agarrar, trêmulos de paixão...

E pelejam assim, agarrados e unidos,
No meio d’um fragor trágico de rugidos,
Doidos por se querer destruir, mas em vão...
Novembro – 1903

E FINALMENTE O ÚLTIMO...

Ao Santa Rita Junior

Meu encanto, meu bem, rosa de Alexandria,
Minha tulipa, meu ideal, minha ilusão,
Minha loucura, meu amor, minha agonia,
Meu céu aberto, que parece uma prisão:

Minha esperança e meu pesar de cada dia,
Ó minha luz, tu és o meu desejo vão,
E a espada, e o broquel, e a pluma, e essa alegria,
E esse delírio, e a flor da desesperação!

Quando será, porém, ó moinho de vento,
A hora que tarda, enfim, o suplício, o momento,
Em que eu, embriaguez celeste, hei de poder,

Já fatigado, já, de tudo, sim, de tudo,
Desses teus olhos vãos, mais caros que o veludo,
Ansiar ao pé de ti, mas por outra mulher?...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 8)


NÃO DAR O BRAÇO A TORCER
Não dar o braço a torcer é insistir numa opinião, não mudar de idéia. A expressão é originária dos tempos das torturas físicas da Inquisição.

BRAVO!
A palavra latina barbarus, estrangeiro, grosseiro, deu, em português, os adjetivos bárbaro e bravo, que têm os sentidos de rude e admirável. A interjeição, usada para aclamar um artista, começou a ser usada pelos italianos, que, ao final de um espetáculo de música, gritavam bravo - com o sentido de extraordinário - e o nome doautor da obra: Bravo Rossini! Bravo Verdi!
Esse sentido de notável, admirável da palavra bravo se estendeu ao uso do vocábulo bárbaro no Brasil, como em um cara bárbaro, um filme bárbaro...

BUMBA-MEU-BOI
É uma festa natalina muito popular no Nordeste brasileiro, na qual se encena a morte e o ressuscitamento de um boi. Bumba -meu-boi equivale a "bate, chifra, meu boi!". Bumba, palavra onomatopaica representativa do som de uma batida, uma pancada (sinônima de bum), pode ter vindo do quicongo (um grupo de línguas africanas) mbumba, bater.

CAIXA- PRETA
Na verdade, o avião tem duas caixas-pretas: uma para dados sobre o vôo e outra para comunicações da cabine. Ambas não são pretas. São laranja berrante para facilitar sua localização entre os destroços de uma aeronave.
A expressão começou a ser usada depois da Segunda Guerra Mundial, quando as caixas-pretas passaram a ser amplamente utilizadas. Mas antes disso o pessoal da força aérea britânica já chamava assim qualquer caixa contendo equipamento de navegação aérea complicado. A cor preta provavelmente foi escolhida para designar algo misterioso, secreto e também pela aliteração da expressão em inglês (black box).
O sentido se ampliou para designar qualquer sistema ou aparelho cujo mecanismo de funcionamento é incompreensível para o usuário.
Uma das grandes questões da humanidade é a seguinte: já que as caixas-pretas são indestrutíveis, por que os aviões não são feitos do mesmo material? Até que é possível. Só um probleminha: com o peso, o bicho não decola de jeito nenhum.

PINTAR O CANECO
Caneco pode ser uma forma variante de caneca. Mas, na expressão pintar o(s) caneco(s) - cometer desatinos -, caneco aparece com outro sentido, que é empregado regionalmente: diabo. Nesse caso veio de cão (o diabo) + a terminação diminutiva - eco. Quer dizer, pintar o caneco é mesmo fazer diabruras.
E, aqui, permita-me o leitor uma digressão e uma confidência. Aí pelos meus dez anos, cada vez que eu engendrava uma travessura, feito raro mas de boa qualidade, com efeito denso e particularmente irritante, minha mãe me chamava de "cão do diabo". Ao ostentar esse título, sentia-me como a última das crianças.
Ora, sendo o cão o melhor amigo do homem, eu me achava ainda mais vil que o próprio demônio, por eu ser a personificação de seu servil e irracional companheiro. Foram necessárias décadas para que a etimologia viesse iluminar-me e fazer-me ver o verdadeiro intento da afronta materna. É que minha mãe, pessoa muito dada a pleonasmos, na verdade proferia uma ofensa enfática em que cão e diabo se paralelizavam, um em reforço do outro. Ou seja, o cão era o diabo e vice-versa. E, assim, eu seria um supercão ou um superdiabo, não cumulativamente. A confidência era essa; a digressão acaba aqui. Adiante.

CANTO DO CISNE
O canto do cisne é o gorjeio harmonioso do cisne na hora da morte. Por extensão, passou a significar a última obra de um artista. Na mitologia grega, o cisne aparece associado a ambos os sexos. Nêmesis, a deusa da justiça distributiva e da vingança, se metamorfoseou em gansa para fugir das investidas de Zeus. A tolinha achava que com isso enganaria o deus dos deuses. Claro que Zeus, o maior banco de dados da Grécia antiga, registrou a metamorfose da amada e partiu para a sua. Zeus e sua mania de grandeza: em vez de se transformar num mero ganso, preferiu um congênere, o cisne, por ter um membro maior. * E aí, penas para que te quero, Zeus se uniu (sexualmente) a Nêmesis. Com isso, e considerada a condição não ovípara dos seres humanos, a bela Nêmesis teve que esperar alguns dias para desfazer sua metamorfose. Nêmesis, a gansa, pôs um ovo, que foi encontrado por um pastor, que o entregou a Leda, mulher de Tíndaro, rei de Esparta. Leda guardou o ovo num cesto e dele nasceram dois seres humanos, um de cada sexo: Pólux e Helena (isso mesmo, a de Tróia).
A crença de que os cisnes cantam antes de morrer já era contada por Aristóteles na sua "História dos Animais":
"Eles são musicais e cantam principalmente com a proximidade da morte; aí eles voam para o mar. Várias pessoas, navegando perto da costa da Líbia, casualmente encontraram muitos deles no mar, cantando tristes melodias, e realmente viram alguns deles morrendo."

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Marquês de Rabicó V – O jantar de Ano-Bom


Como era de prever, não podia dar bom resultado aquele casamento. Os gênios não se combinavam e além disso a boneca não podia consolar-se do logro que levara. Narizinho ainda tentou convencê-la de que Rabicó era realmente príncipe e Pedrinho só dissera aquilo porque estava danado. Não houve meio. Quando Emília desconfiava, era para toda a vida. E desse modo ficou casada com Rabicó, mas dele separada para sempre.

— Está aí o que você fez! — costumava ela dizer em voz queixosa. — Casou-me com um príncipe de mentira e agora, está aí, está aí...

Narizinho dava-lhe esperanças.

— Tudo se arruma. Um dia ele morre e eu caso você com o Visconde ou outro qualquer.

Afinal chegou o dia do Ano Bom. Era costume de dona Benta festejar essa data com um jantar onde reunia vários parentes e vizinhos. Tia Nastácia caprichava. Frangos assados. Peru recheado. Leitão de forno. Pastéis, doces e quantas coisa gostosa havia. Era assim sempre e foi assim naquele ano.

Quando bateu a hora e todos foram para a mesa, começaram a vir pratos e mais pratos, até que, de repente, apareceu, numa grande travessa, um leitão “risonho”, de ovo cozido na boca e rodelas de limão pelo corpo.

Os meninos não esperavam que viesse leitão, porque a negra havia dito que o jantar seria só de peru. Narizinho imediatamente desconfiou e foi correndo ao terreiro procurar Rabicó. Chamou-o mais de vinte vezes e campeou-o por todos os lugares que ele costumava freqüentar. Não encontrando nem rasto, voltou para a sala a chorar desesperadamente.

— Não coma esse leitão, Pedrinho! É Rabicó. Aquela diaba feia nos enganou e assou no forno o coitadinho...

O menino, apesar de duro para chorar, ficou com os olhos cheios d’água, e ergueu-se da mesa furioso com a preta.

Emília, porém, pulou de alegria. Estava viúva! Podia finalmente casar-se com o Visconde de Sabugosa ou outro fidalgo qualquer.

Chegou a bater palmas e a cantar o “Pirulito que bate-bate”, que era a sua música predileta.

Narizinho não pode suportar aquilo. Avançou contra ela, numa fúria, e pregou-lhe um peteleco.

— Vou mandar o doutor Caramujo fazer uma operação nesta malvada para botar dentro o que está faltando .

Dona Benta perguntou, muito admirada, que era que estava faltando em Emília.

— Coração, vovó. Pois não vê? Emília não tem nem uma isca deste tamanhinho...

Quantas lágrimas perdidas! Rabicó não fora assado, não! Na véspera do dia de Ano Bom, assim que percebeu as intenções de tia Nastácia, tratou de pôr-se ao fresco, sorrateiramente, de orelhas em pé. Em caminho encontrou um pobre leitão da sua idade, muito parecido com ele. Teve uma idéia.

— Por que não vai amanhã cedo ao terreiro de dona Benta? — perguntou-lhe. — Deixei lá três abóboras quase inteiras.

O coitadinho foi. Encontrou as abóboras, é verdade, e comeu-as, mas teve como sobremesa faca de ponta e forno.

Desse modo conseguiu o ilustre marquês de Rabicó escapar à triste sina que lhe parecia reservada — e passado o perigo voltou, muito lampeiro da vida, como se não soubesse de coisa nenhuma!...
––––––––
Continua... O Casamento de Narizinho – I – A doença do príncipe

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Trova Ecológica 49 - Wagner Marques Lopes (MG)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 403)


Uma Trova Nacional

Leu tanto amor... e, no entanto,
sozinha, a cigana, à morte,
convive com o desencanto
de não ler a própria sorte!...
–GISELDA MEDEIROS/CE–

Uma Trova Potiguar

Estou erguendo uma “ponte”
que me leve à salvação;
já pus, nela, o bem e um monte
de pedidos de perdão.
TARCÍSIO FERNANDES/RN–

Uma Trova Premiada

2008 - Nova Friburgo/RJ
Tema: ESCOLHA - 3º Lugar

A vida é feita de escolhas:
os acertos, festejamos...
O duro é virar as folhas
nas tantas vezes que erramos...
MILTON SOUZA/RS–

Uma Trova de Ademar

Da fonte que jorra o amor,
Deus, na sua imensidão,
faz jorrar com todo ardor
as carícias do perdão.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Mil gritos erram no espaço
no desespero dos sós ...
mas depois chega o cansaço
e os ecos gritam por nós.
–ELÍADE MONT'ALVERNE/RJ–

Simplesmente Poesia

COISAS DA ROÇA.
–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–

Afiei o fio da faca,
amolei minha catana,
serrei a ponta do toco
cortei a soca da cana.

Afinei minha viola,
esquentei o meu pandeiro,
acendi o candeeiro
e varei a noite adentro
com o som do sanfoneiro.

Contemplei o céu coalhado
com estrelas cintilantes,
flertei a linda morena
de cabelo cacheado
que estava ali tão sozinha
pois brigou com o namorado.

Botei pra fora a lembrança
que guardava no meu peito,
abandonei os preceitos,
virei de novo criança,
deixei de lado a razão
e namorei a morena
no luar do meu sertão...

Estrofe do Dia

Quando a menina faceira
deixa a boneca de lado,
sonha ter a vida inteira
o amor de seu bem-amado,
mas se o sonho vira dor
da vida aprende um recado;
“nem sempre o primeiro amor
é o primeiro namorado.”
–VITOR RONALDO COSTA/DF–

Soneto do Dia

Salmo
–THEREZA COSTA VAL/MG–

Tu me conheces tanto, meu Senhor,
conheces meu sentir, meus pensamentos,
de longe, tu conheces meus intentos
e até dos passos meus és sabedor!

Vês, com clareza, meu interior;
sabes de mim em todos os momentos...
Se sabes quando passo por tormentos,
escuta a minha voz e o meu clamor!

Em minha mãe estava - o ventre terno -
e lá me viste... Sabes meu futuro,
tamanho é o teu poder: total, eterno!

Sonda, Senhor, e vê meu coração!...
E se eu trilhar caminho mau, impuro,
põe-me, de novo, em boa direção.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Paraná em Trovas Collection - 9 - Fernando Vasconcelos (Ponta Grossa/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 8


ESPECTRO

Chego, fecho-me aqui no quarto. Lá por fora
Ruge o vento de dor. Bate desesperada
A chuva nos vitrais. Eu estou só. Agora
Completamente só. E a noite é gelada.

Sofro. Quero iludir a minha dor que chora.
Folheio este volume e não compreendo nada.
Tento escrever, em vão. Mais, eis que sem demora
Noto que a porta foi como que descerrada...

É alguém, alguém talvez... Meu coração se pasma,
Todo o meu ser enfim trêmulo se retrai:
Vejo pé ante pé chegar esse fantasma...

Entra. Senta-se aqui. Olha-me bem de frente,
Melancolicamente e dolorosamente,
E sem dizer palavra, em seguida, ele sai!

NOX

Escureceu. Silenciosa,
A Noite faz a toilette:
Na cabeleira tenebrosa
Engasta a Lua um alfinete.

Depois, o corpo sempre moço,
O corpo em flor de Sulamita,
Num banho imerge até o pescoço,
Banho de estrelas que palpita.

E enfim de todo quase nua,
Somente envolta em véus ideais,
No carro d’ébano flutua,
Pelos espaços siderais.

Vendo-a passar, dos rendilhados
Palácios de ouro e de cristal,
Como se fossem namorados,
Os astros fazem-lhe um sinal.

E cada vez mais se reclina
Sobre esses coxins de veludo,
Sorrindo como Messalina
Para todos e para tudo...

MORS

Nesse risonho lar,
A dor caiu neste momento,
Como se fosse a chuva, o vento,
O raio, e bate sem cessar…
Bate e estala,
Como uma louca,
De boca em boca,
De sala em sala…

Somente tu, flor delicada,
Como quem veio
Fatigada
De um passeio,
Tombaste ali, silenciosa,
Sobre o sofá,
No abandono,
Pálida rosa,
De um longo sono,
De que ninguém te acordará!

FLORA

Ao Gilberto Beltrão

Ontem, eu me encontrei contigo, ó primavera,
Os lábios a sorrir, como uma flor vermelha,
Tu trazias na mão a clássica corbelha,
E na fronte ideal uma coroa d’hera.

Em derredor de ti, loucamente, passava
Um turbilhão febril de raparigas, quase
Nuas, veladas só por um sendal de gaze,
Mais leve do que o som que Zéfiro soprava...

ODE À SOLIDÃO

À Exma. Sra. Baronesa do Serro Azul

Vamos, é tempo de se abrir a mão de tudo
E fugir de uma vez,
Desses caminhos de sândalos e veludo,
Dourada embriaguez...

É tempo de dizer a tudo quanto passa
O meu adeus final,
Às rosas e aos rosais, à mocidade e à graça,
Tudo que me fez mal.

Quanto me sinto bem, ó minha doce amiga,
Eu, pálido ermitão,
Aqui dentro de ti, da tua paz antiga,
Eterna solidão!

No meio do silêncio imenso que me cobre,
Assim como um capuz,
Como é bom de escutar o mar quebrando sobre
Esses rochedos nus...

É a mesma coisa que se habitasse um castelo,
E é o único lugar
Onde eu me sinto grande, onde eu me sinto belo
Em face deste mar...

Que essências ideais eu respiro! Nenhuma
Outra região assim
Tem esse cheiro bom. A solidão perfuma
Como um jasmim...

És o retiro, a paz, o sonho, e esse caminho
Que eu sempre quis,
O caminho ideal, por onde eu vou, sozinho
E triste, mas feliz.

Ah! para mim tu és o egrégio cofre aonde,
Por suas próprias mãos,
A minha alma recolhe as lágrimas, e esconde
Os meus soluços vãos...

Bendito seja pois esse silêncio obscuro,
Bendita sejas tu,
E esse teu ventre liso, e esse teu seio puro,
Esse teu seio nu,

Onde ao cair enfim de uma tarde de outono
Desejo adormecer,
Calmo, porém, assim como quem dorme um sono
Num seio de mulher...

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 7)


ESTAR NA BICA
Bica se originou da palavra bico (do latim beccu). Estar na bica (estar prestes a conseguir alguma coisa) vem do tempo em que a população se abastecia de água em fontes públicas. Quem estava na bica achava-se na iminência de obter o precioso líquido.

QUEIXAR-SE AO BISPO
No direito português antigo, os bispos eram verdadeiras autoridades, com prerrogativa de fazer justiça em litígios civis. Daí a expressão vá se queixar ao bispo, com o sentido de mandar uma pessoa procurar alguém com autoridade para resolver uma pendenga.

BOCA-DE-SIRI
Boca veio do latim bucca, que, por sua vez, se originou da onomatopéia bu! Ainda no latim, bucina, cometa de boiadeiro, teria vindo ou de bucca ou de bos (boi) + cano (dou um sinal tocando um instrumento).
Bucina originou o português buzina e, ainda no latim, a palavra bucinum (som de trombeta; concha), que deu no português búzio.
A expresssão fazer boca-de-siri (ficar calado, manter segredo)surgiu porque não se consegue ver a boca do siri, a no ser que ele permaneça imóvel enquanto você vai até sua casa, pega uma lupa e a enfia debaixo dele com todo o cuidado que um siri exige.

BODE EXPIATÓRIO
Bode expiatório não é o resultado do cruzamento de cabra com fechadura. É a pessoa acusada injustamente, no lugar do verdadeiro culpado. A expressão veio do ritual judaico nolom Kipur (Dia da Expiação, em hebraico). Nesse dia, na época do Templo de Jerusalém, todos os pecados da humanidade eram transferidos e concentrados em dois bodes. Um era sacrificado, e seu sangue era aspergido no recinto mais sagrado do Templo. O outro, destinado a acalmar o demônio, era atirado do alto de um precipício; em seguida, era apresentado ao povo, como sinal de expiação dos pecados, um fio de lã clara.
A história não registra, mas dizem que Levi foi considerado o maior sacerdote de todos os tempos, porque, no final de cada cerimônia, ele exibia, do alto da montanha, um fio de lã compridíssimo, exatamente da altura do precipício, no fundo do qual repousava um carneiro completamente tosquiado.

BOI NA LINHA
Ter boi na linha significa existir um problema, um obstáculo à frente.
A expressão vem do tempo em que não existiam cercas que protegessem as estradas de ferro da invasão de animais. Vez por outra, um boi se instalava na linha férrea, forçando o trem a parar.

TROCAR AS BOLAS
Trocar as bolas veio do jogo de sinuca ou de bilhar: é quando o jogador bate com o taco numa bola que não seja a sua tacadeira.
A variação bolar as trocas começou como piada metalingüística, em ironia ao próprio sentido da expressão, e acabou consagrada popularmente.

BONS VENTOS O LEVEM!
Na sua origem, era o voto de boa sorte para o navegador que partia em viagem de barco a vela.
Posteriormente, virou comentário irônico a respeito de quem morreu e não deixou saudade. É a pessoa cuja ausência preenche uma lacuna.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Marquês de Rabicó IV – O casamento


Chegou afinal o grande dia e vieram os grandes doces: seis cocadas, seis pés-de-moleque e uma rapadura, doce mais que suficiente para uma festa em que quase todos os convivas iam comer de mentira.

Pedrinho armou a mesa da festa debaixo de uma laranjeira do pomar e botou em redor todos os convivas. Lá estavam dona Benta, tia Nastácia e vários conhecidos e parentes, todos representados por pedras, tijolos e pedaços de pau. O inspetor de quarteirão, um velho amigo de dona Benta que às vezes aparecia pelo sítio, era figurado por um toco de pau com uma dentadura de casca de laranja na boca.

Chegou a hora. Vieram vindo os noivos. Emília, de vestido branco e véu; Rabicó, de cartola e faixa de seda em torno do pescoço.

Vinha muito sério, mas assim que se aproximou da mesa e sentiu o cheiro das cocadas, ficou de água na boca, assanhadíssimo. Não viu mais nada.

Logo depois veio o padre e casou-os. Narizinho abraçou Emília e chorou uma lágrima de verdade, dando-lhe muitos conselhos.

Depois, como a boneca não tivesse dedos, enfiou-lhe no braço um anelzinho seu. Pedrinho fez o mesmo com o marquês: enfiou-lhe no braço uma aliança de casca de laranja, que Rabicó por duas vezes tentou comer.

— Ao menos no dia de hoje comporte-se! — disse o menino, ameaçando-o.

Os outros animais do sítio, as cabras, as galinhas e os porcos, também assistiram à festa, mas de longe. Olhavam, olhavam, sem compreenderem coisa nenhuma.

Terminada a festa, Narizinho disse:

— E agora, Pedrinho?

— Agora — respondeu ele — só falta a viagem de núpcias.

Mas a menina estava cansada e não concordou. Propôs outra coisa. Puseram-se a discutir e esqueceram de tomar conta da mesa de doces. Rabicó aproveitou a ocasião. Foi se chegando para perto das cocadas e de repente – nhoc, deu um bote na mais bonita.

— Acuda os doces, Pedrinho! — berrou a menina. Pedrinho virou-se e, vendo a feia ação do pirata, correu para cima dele, furioso.

Agarrou o inspetor de quarteirão e arrumou uma valente inspetorada no lombo do porquinho.

— Cachorro! Ladrão! Marquês duma figa!... Rabicó deu um berro espremido e disparou pelo campo, mas sem largar a cocada.

Foi um desastre. A festa desorganizou-se e Emília chorou e esperneou de raiva.

-É isso! Eu bem não estava querendo casar com Rabicó! É um tipo muito ordinário, que não sabe respeitar uma esposa.

Narizinho interveio e consolou-a.

— Isto não quer dizer nada. Rabicó é meio ordinário, não nego, mas com o tempo irá criando juízo e ainda acabará um excelente esposo. Depois, é preciso não esquecer que qualquer dia ele vira príncipe e faz você princesa.

Mas Pedrinho, que estava danado com a feia ação de Rabicó, estragou tudo, dizendo:

— Príncipe nada, Emília! Narizinho bobeou você. Rabicó nunca foi nem será príncipe. É porco e dos mais porcalhões, fique sabendo.

Ao ouvir aquilo, Emília caiu para trás, desmaiada...
––––––––
Continua... O Jantar de Ano-Bom

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Trova Ecológica 48 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Antonio Brás Constante (Drogas em Um Conto Infantil)


O menino de oito anos procura seu pai e lhe diz:

- Paiê, eu posso te fazer uma pergunta?

- Claro que sim meu toquinho de amarrar carrapato de bode (o Pai lhe chamava assim em tom de brincadeira, pois dizia que o menino era tão miudinho que a expressão “toquinho de amarrar bode” não fazia jus ao seu pequeno tamanho).

- É que eu estava na escola, e ouvi uns meninos falando sobre algo... Fiquei curioso e resolvi perguntar ao Senhor... É que eles estavam falando sobre drogas. Eram os guris do último ano. Falavam em festas e drogas. Como a professora e o senhor sempre dizem que as drogas são ruins, e eles estavam falando como se fosse algo bom, fiquei com algumas dúvidas...

- Filho. Vamos fazer uma brincadeira que talvez lhe ajude a entender este assunto, ok? Vamos brincar de se esconder. Você gosta dessa brincadeira não gosta?

- Adoro Pai. Mas... Depois o senhor me explica mais sobre as drogas?

- Pode deixar. Agora você fecha seus olhos e conta até dez.

A criança foi contando toda sorridente, pois aquela brincadeira era uma de suas preferidas. Ao terminar de contar, o menino abre os olhos todo feliz e para sua surpresa, percebe que a sala está totalmente escura. Era noite, e com a luz desligada não se podia enxergar nada. Como ele tinha medo do escuro, começou a se apavorar.

- Pai, cadê o senhor? Estou com medo, Pai! (o menino começou a soluçar um choro triste).

Neste momento seu pai pega-o em seus braços e lhe diz:

- Filho, as drogas são assim, elas se parecem uma brincadeira divertida, com a promessa de nos deixar felizes. Mas, com o passar do tempo nos percebemos na mais completa escuridão. Sozinhos. Perdidos. Com medo e infelizes. No inicio as drogas parecem uma coisa boa, é geralmente assim que se convence alguém a entrar neste mundo, muitas vezes sem saída. Um mundo que só nos traz sofrimento. Espero que tenha conseguido fazer você entender o que as drogas fazem, e porque muitos se iludem achando que elas são boas.

- Acho que sim Pai. (o menino dizia isto ainda meio choroso, abraçado ao Pai, com os olhos molhados de lágrimas).

A luz é novamente acessa, e um pai dedicado espera que, apesar do susto, sua explicação tenha clareado as dúvidas de seu filho, para que no futuro ele não se perca como tantos outros, na escuridão do vício das drogas.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Jorge Amado (Terras do Sem Fim)


Um navio parte do porto da Bahia (Salvador), rumo ao sul, com destino a Ilhéus. Heterogêneos quanto às origens, à cor, é classe social e até mesmo quanto a seus interesses imediatos, os passageiros se identificam em uru ponto: buscam, todos, o novo Eldorado, nas tens da região de Tabocas, município de Ilhéus, nas quais, quase que literalmente, o dinheiro nasce nas copas das árvores na forma de dourados frutos de cacau, cujo visgo mole adem aos pés dos homens e, uma vez chegados, os impede de partir.

No meio de murmúrios e conversas sob a noite que cai, iluminada pelo clarão agourento de uma lua vermelha como sangue, alguns passageiros se destacam: coronéis; aventureiros, trabalhadores, prostitutas e até indivíduos que viajam aparentemente sem destino, O “capitão” João Magalhães, aventureiro e jogador, foge da cidade por ter sido denunciado à polícia por um engenheiro de quem, trapaceando como sempre, tirara até o anel de formatura na mesa de pôquer. O coronel Juca Badaró aproveita a viagem para contratar trabalhadores — entre os quais o mulato sergipano Antônio Vitor — para sua fazenda em Tabocas e ao mesmo tempo procura conquistar Margot, que vai atrás de seu amante, o Dr. Virgílio Cabral, um estudante pobre a quem ajudara formar-se advogado e que agora trabalha na região de Ilhéus. E um velho sertanejo relata a morte de seu filho Joaquim pelas mios dos capangas do coronel Horácio, em Forradas, perto de Tabocas.

A noite avança e no céu a lua sobe, cada vez mais vermelha, deixando um rastro de sangue no mar. Os passageiros dormem embalados pelo balanço do navio e pelos sonhos de fartura no Eldorado do cacau. Noite adentro, qual nau dos insensatos, a embarcação vai silenciosamente sulcando o mar em busca das terras de onde ninguém mais volta. Enquanto isto, entre Tabocas e Ferradas, a mata do Sequeiro Grande dorme seu sono milenar, prestes a ser interrompido pelos machados dos homens que já começam a avançar sobre suas bordas, disputando seu solo fértil e sonhando transformá-lo em novas roças de cacau.

Entre as duas ou três dezenas de proprietários dispostos em torno da mata sobressaem, pela extensão de terras sob seu controle e pelo poder político, a família Badaró, dona da Fazenda Sant’Ana e composta dos coronéis Sinhô e Juca e de Don’Ana, filha do primeiro; o coronel Horácio da Silveira, da Fazenda Bom Nome; o coronel Maneca Dantas, da Fazenda dos Macacos, aliás Auricídia, nome de sua mulher, e o coronel Teodoro Martins, dito das Baraúnas, por ser este o nome de sua fazenda. De um lado da mata, dividida pelo rio, estão os Badaró, do outro está Horácio da Silveira, ficando entre eles, na parte da frente, a fazenda de Naneca Dantas, compadre e aliado indiscutível deste. Acima, na parte de trás, localiza-se a fazenda de Teodoro das Baraúnas, ainda sem tomar partido. Tanto Horácio da Silveira quanto os Badaró mostram-se firmemente dispostos a ocupar e derribar a mata do Sequeiro Grande, e com razão, pois quem conseguisse têla sob seu controle se tomaria praticamente dono da região de Tabocas e de todos os povoados das imediações, incluindo Ferradas, o feudo de Horácio. No período que antecede a luta, os Badaró, apesar de terem o governo estadual a seu lado, parecem estar em desvantagem porque entre eles e a mata há um obstáculo: a roça de um pequeno proprietário, Firmo, eleitor e aliado de Horácio da Silveira. A conselho deste, ele se recusa a venda-la aos Badaró, que o cercam com propostas altamente favoráveis de compra. Diante da recusa terminante de Firmo, só resta aos Badaró, mantida sua pretensão de ocupar a mata, recorrer a um método radical: eliminar o obstáculo. Sinhô vadia em ordenar a morte de Firmo, pois, religioso como é, não quer derramar sangue. Contudo, pressionado por Juca e não tendo alternativa em virtude da posição inamovível de Firmo, decide-se finalmente pela morte deste. O negro Damião, um dos escolhidos para a tocaia, entra em crise — ele ouvira a conversa de Juca e Sinhô, inclusive a relutância do último em mandar assassinar alguém — e, apesar de sua famosa pontaria, erra o tiro, enlouquecendo em seguida. Com este incidente, a tensão cresce e o conflito atinado parece ser a única saída. Paralelamente, contudo, ambos os lados começam a movimentar-se também no plano legal.

Enquanto em Ilhéus os Badaró procuram um engenheiro para fazer a medição das matas do Sequeiro Grande, o Dr. Virgílio Cabral, contratado por Horácio da Silveira, faz um caxixe muito engenhoso, dando um verdadeiro golpe de mestre. Utilizando-se de uma medição antiga, suborna o escrivão Venâncio, dono do cartório de Tabocas, e registra as matas do Sequeiro Grande em nome de Horácio. Teodoro das Baraúnas, que se aliara aos Badaró, é avisado por Don’Ana e incendeia o cartório. A guerra começa e a violência se alastra, alcançando Ilhéus, onde os jornais, de parte a parte, travam terríveis polêmicas através dos prepostos de ambos os lados. É nesta cidade que Juca Badaró, em busca de um técnico que faça a medição das matas do Sequeiro Grande, encontra, em uma roda de pôquer, nada menos que o agora “engenheiro” João Magalhães, o qual, depois de muito relutar e cobrando um preço alto, algo receoso, por óbvios motivos, aceita a tarefa, realizada logo depois aos trancas e barrancos.

Paralelamente ao desenvolvimento do conflito entre os dois “partidos”, os pares vão se formando, com os forasteiros e as mulheres inflamando-se pela paixão: o sergipano Antônio Vítor e Raimunda, o aventureiro e trapaceiro João Magalhães com Don’Ana e, principalmente, o jovem e refinado dr. Virgílio Cabral e Ester, a mulher de Horácio da Silveira. Esta, desde a primeira vez que o vê, nele encontra sua alma gêmea, o mesmo acontecendo com o advogado, que por ela se apaixona perdidamente, rompendo com Margot, a qual, por sua vez, aceita ficar com Juca Badaró, que a cercava insistentemente desde o encontro de ambos na viagem de volta de Salvador. Ester, que fora para o sobrado da família em Ilhéus logo no inicio da luta, entrega-se completamente a Virgílio, passando a alimentar o desejo de fugir com ele e abandonar definitivamente Horácio e o mundo “bárbaro’ de Tabocas e Ferradas, O advogado, por julgar não adiantar tentar fugir de Horácio e também, principalmente, porque tal atitude comprometeria sua carmim política, não quer pensar nesta possibilidade. Enquanto isto, os rumores da perigosa paixão se espalham por Ilhéus e por toda a região e muita gente teme uma tragédia.

Horácio da Silveira, contudo, está mais preocupado com a luta, que atinge um ponto de não retomo com a tocaia ordenada por ele contra Sinhô Badaró, que escapa ileso. Algum tempo depois, Virgílio, por insistência de Horácio, manda tocaiar Juca Badaró, com o qual a desentendem por causa de Margot. Juca também escapa.

Enquanto João Magalhães fica noivo de Don’Ana, integrando-se definitivamente na família e passando a assinarse Badaró, o conflito continua, em marchas e contramarchas. Quando Horário da Silveira é atacado pela febre tifóide, a luta parece sofrer uma inflexão. Contudo, ele consegue recuperar-se e manda continuar a derrubada. Os Badaró, por seu lado, também avançam rapidamente. Por sua vez, Ester, que cuidam de Horácio durante a doença, também adquire a febre e isto faz com que Horácio pareça perder o ímpeto, chegando mesmo a ordenar a suspendo dos trabalhos na mata. Com a morte de Ester, que ocorre pouco depois, deixando tanto Horácio quanto Virgílio desesperados, a luta se amaina durante cerca de um ano, enquanto na Fazenda Sant’Ana se realizam os casamentos de Don’Ana com João Magalhães e de Raimunda com Antônio Vítor. A estas alturas, da mata, atacada por um lado e outro, só resta a metade e a opinião generalizada é de que Horácio está derrotado. Alguns, contudo, julgam que ainda é cedo para fazer prognósticos, principalmente levando-se em conta a grande fortuna do coronel.

De fato, passado algum tempo, fica claro que, com a morte de Ester, Horácio se dedica totalmente á luta e reage nas duas frentes: leva adiante o processo iniciado contra os Badaró pelo incêndio do cartório de Tabocas e para o reconhecimento de seus direitos sobre a mata do Sequeiro Grande e avança cada vez mais na derrubada, além de mandar assassinar Juca Badaró em Ilhéus. As posições voltam a equilibrar-se e o resultado da luta parece indefinido. Depois da morte de Juca, Sinhô Badaró processa Horácio como mandante e ordena tocaias contra ele, para uma das quais se oferece, de livre vontade, o pai de Joaquim, pequeno proprietário que, como outros, fora há alguns anos ludibriado, roubado e posteriormente assassinado a mando do mesmo. Nenhuma das tocaias é bem sucedida e o pai de Joaquim é morto. As escaramuças prosseguem e a derrubada está praticamente chegando ao fim: o som dos machados dos trabalhadores de um dos bandos já pode ser ouvido pelos do outro. O resultado da luta, porém, ainda parece incerto. Certa manhã, contudo, Ilhéus acorda com uma notícia sensacional: o governo federal decretara a intervenção no estado da Bahia. O governador, do partido dos Badaró, é obrigado a renunciar e um interventor assume o poder, com o que a balança se inclina definitivamente a favor de Horácio da Silveira. Em situação difícil, Sinhô Badaró tenta vender antecipadamente a próxima safra de cacau, mas consegue preços miseráveis, o que toma difícil financiar a continuidade da luta. Resolve então jogar seu último trunfo e dá carta branca a Teodoro das Baraúnas, que passa a devastar as propriedades de Horácio, inclusive as roças de cacau, até então preservadas, num acordo tácito, por ambos os lados.

Hábil, Horácio da Silveira, apoiando-se no interventor, mantém-se formalmente dentro da lei. Seus jagunços, vestidos rapidamente de soldados, atacam a casa grande dos Badaró, na Fazenda Sant’Ana, sob o argumento de procurar capturar o incendiário Teodoro das Baraúnas, que ali estaria acoitado. O cerco, comandado pelo próprio Horácio da Silveira, é o último ato de guerra pela posse das matas do Sequeiro Grande. Teodoro das Baraúnas, que de fato ali estava, pretende entregar-se, mas Sinhô Badaró não permite e o faz partir secretamente, com destino ao Espirito Santo. Sinhô ainda resiste quatro dias e quatro noites, depois do que é ferido levado para Ilhéus, por ordens de Don’Ana. João Magalhães, depois de fazer partir também Olga — a viúva de Juca —, Don’Ana e Raimunda, acompanhadas de cinco jagunços, continua resistindo. Contudo, tendo perdido quase todos os seus homens, ele também bate em retirada, acompanhado de Antônio Vítor e mais três cabras sobreviventes.

Ao tentar incendiar a casa grande, um dos homens de Horário quase é morto. Havia alguém entrincheirado, resistindo e tentando acertar o coronel, que avançava protegido pelos jagunços. A revista da casa nada revela. Só restava o sótão Ao ser aberta a porta do mesmo, um homem cai, fuzilado por um tiro, o último, de Don’Ana, que, depois de partir, retomara sem ser percebida. Vá embora, moça... Eu não mato mulher..... diz Horácio, e a deixa partir a cavalo, enquanto a noite se ilumina com as labaredas que consomem a casa grande.

A guerra terminara. Em Ilhéus, o processo movido por Horácio contra os Badaró e Teodoro da Baraúnas pelo incêndio, do cartório chega ao fim. Obviamente com resultado favorável a ele, que tem reconhecido o direito de posse sobre toda a antiga mata do Sequeiro Grande. Por outro lado, no processo de Sinhô contra Horácio por acusação de ser o mandante da morte de Juca, o coronel é absolvido por unanimidade. Sua vitória é completa, nas armas e na lei, aquelas e esta manejadas a seu bel-prazer e segundo seus interesses. Completamente derrotados, os Badaró jamais se recuperariam. O processo de Horácio da Silveira tem um detalhe interessante: a escolha dos jurados, por sorteio, é feita com a colaboração de um menino, o menino que, quando adulto, contaria as histórias daquela terra e das lutas pela posse das matas do Sequeiro Grande.

Passados alguns meses, Horácio chega inesperadamente á Fazenda dos Macacos, que Maneca Dantas sempre insistia, inutilmente, em alterar para Auricidia, nome de sua mulher. Horário vai logo expondo os motivos da visita. Mexendo nos deixados de Ester descobrira algumas cartas de Virgílio. E então entende que a mudança repentina de sua mulher — quando deixara de ser fila e de evitá-lo anos atrás, logo em seguida à chegada de Virgílio a Ferradas — fora produto dela ter-se tomado amante do advogado. Quase sem palavras, parte em seguida, não sem deixar de dizer a Maneca Dantes que mandaria liquidar Virgílio. Pouco tempo depois este também chega à fazenda e Maneca Dantes, que se apegam a Virgílio, tenta em vão demovê-lo de viajar à noite pelo caminho de Ferradas, feudo de Horário, para visitar um cliente. Sem conseguir, joga seu último argumento e informa que Horácio tudo descobrira. Virgílio não se abala. O visgo do cacau mole também o lixara inapelavelmente à terra, através de Ester, e a morte não o assusta. Afinal, perdido o grande amor de sua vida, nada mais Lhe restava.

E à noite parte sozinho. Um tiro no peito, uma vela acendida por Maneca Cantas, uma cruz são os derradeiros atos que fecham uma trágica história do amor, uma história de espantar.

Indiferentes aos dramas pessoais, a história e o processo avançam. Ilhéus é elevada a sede de bispado e dos festejos participa também Sinhô Badaró, coxeando um pouco da pema direita, a que fora ferida no tiroteio final pela posse das matas do Sequeiro Grande. Acompanhado da filha e do genro, ele pode a benção para o neto que vai nascer. Em Tabocas, agora ltabuna, o coronel. Horácio da Silveira, tendo ao lado o bispo de Ilhéus, faz um brinde, bebendo em lembrança de Ester e de Virgílio Cabral, a esposa dedicada e o advogado que lento fizera pelo progresso da região e que fora vitima de seus inimigos políticos.

Pouco tempo depois todos assistiam a um espetáculo inacreditável e inesquecível os cacaueiros plantados na terra que fora a mata do Sequeiro Grande demoraram apenas quatro e não cinco anos para produzir seus dourados frutos. É que aquela terra fora adubada com sangue...

Personagens Principais

Os coronéis

Iguais na condição de donos da terra e das almas, os coronéis diferenciam-se pelo “quantum” de poder que possuem, pelo ‘partido” a que pertencem, pela maior ou menor adequação ao processo de modernização e por característica pessoais especificas.

Sinhô

O chefe do clã e do ‘partido’ dos Badaró, tem o estilo solene e hierático dos que foram moldados por uma longa tradição de poder. Pessoalmente comedido, justo e equilibrado em seus atos, e até religioso, nem por isto recua diante da inevitável decisão que dá inicio ao conflito. Em seu estilo ponderado, rude e inflexível, Sinhô personifica muito bem a desvantagem inicial em que seu ‘partido’ se coloca diante da habilidade política e tática de Horácio da Silveira, bem mais ‘civilizado’ em seus caxixes e — pelo menos na aparência! —mais ‘civilizado” em seus métodos de conquista e manutenção do poder.

Juca Badaró

Irmão de Sinhô, curva-se à autoridade deste, mas parece querer compensar sua situação de inferioridade através da violência e de suas estripulias. Neste sentido, é muito coerente, no enredo, que seja o único dos coronéis a ser assassinado.

Teodoro Martins

Dito das Baraúnas, o mais importante aliado dos Badaró, é o bárbaro por excelência, o bruto e civilizado disposto e talhado para qualquer trabalho “sujo’, o que é muito bem caracterizado pela antológica seqüência que se desenrola em Tabocas nas comemorações do Dia da Árvore. Coerentemente, é também o único sobre quem recai, ao final, o peso de uma condenação.

Horácio da Silveira

Comanda o ”partido” inimigo dos Badaró, é hábil, astuto, frio e implacável. Com um perfil bem mais “moderno”— mais adequado aos tempos — que os integrantes do clã adversário, Horácio é capaz de fazer reverter a seu favor o conflito em que já aparecia como o grande derrotado. E, paradoxalmente ou não, este seu caráter mais “moderno’ é o responsável por seu desastre no plano pessoal, já que a traição de Ester o marta indelével e irremediavelmente. Tal, porém, é o preço do poder, preço que ele, cerrando os dentes, paga consciente e solitariamente, tendo como vingança o sobreviver a todos.

Maneca Dantes

Aliado de Horário, tem um papel pouco significativo ao longo de quase toda a obra mas sobressai ao final, quando, apesar de sua limitada inteligência, faz força para vislumbrar algo da verdadeira natureza do amor de Ester e Virgílio. Diante da decisão inabalável deste de ir em busca da morte, revela seu caráter compassivo e solidário, capaz até de passar por cima de sua fidelidade a Horário.

O “Capitão” João Magalhães

Aventureiro, jogador, trapaceiro e semimarginal, o “moço distinto’ João Magalhães não consegue, corno os demais adventícios, livrar-se do fatal “visgo do cacau mole” e num golpe de (má) sorte integra-se ao clã dos Badaró, assumindo, surpreendentemente, seu ethos e participando, também surpreendentemente, das ações bélicas ao final da luta pela posse das tens do Sequeiro Grande.

O negro Damião

Entre as dezenas de partidários, “vassalos”, capangas e jagunços dos dois grupos em luta sobressai, por seu caráter de símbolo trágico ao mesmo tempo de sua classe e de sua raça, o negro Damião. Sua consciência, que mal desperta na encruzilhada de uma tocaia —seu caminho de Damasco —, fica emparedada entre a submissão, agora impossível, e a revolta, obviamente inviável. Sem saída, afunda na loucura, uma das “opções’ de todo o marginalizado que consegue intuir o mundo mas que não alcança organizá-lo racionalmente nem, muito menos, transformá-lo efetivamente As mulheres

Ester

Filha da burguesia mercantil baiana, símbolo da mais refinada e sofisticada cultura européia nos trópicos, é, como mulher de Horácio, uma verdadeira exilada, pois a partir de seu casamento, não vive nas cidades da orla atlântica mas no interior “bárbaro’. É a rã que, no chamo, se debate viva na boca da cobra que a devora, na brilhante imagem do autor — que mais tarde abandonaria este delicado e sutil erotismo para, não raio, cair no vulgar e no mau gosto. Violentada de forma contínua e em todos os sentidos, Ester renasce completamente ao encontrar Virgílio, sua outra metade, penhor da viabilidade de seus lindos sonhos juvenis. Mas a tragédia que se desenha claramente no horizonte tem sua marcha sustada pela morte, que antecipa, apenas que sem violência, o confronto final e, assim, ameniza o desenlace. E ela que estava condenada a perder duplamente, como mulher e como “civilizada’, ao morrer antecipadamente impõe-se, paradoxalmente, a Horácio, escapando à sua vingança de “bárbaro”, que tem que contentar-se em executá-la em Virgílio.

Don’Ana

No pólo oposto a Ester, tem, desde sempre, os pés fincados firmemente na terra do cacau e, apesar da improbabilidade, sobrevive ligando-se a um aventureiro, adventício e socialmente marginal como ela. Desta forma escapa à solidão que a ameaçava como possibilidade real, já que sua situação de filha única e possível herdeira do clã exigiria dela - como Margarida em Dona Guidinha do Poço e Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins/Diadorim em Grande Sertão: veredas – que assumisse uma função social reservada aos homens em uma sociedade patriarcal. Contudo, a heterogeneidade da sociedade cacaueira — cano a da sociedade do garimpo em Maria Dusá — é o trunfo que aumenta as probabilidades de um destino biológico e social normal e que, por fim, quase contra toda a esperança, lhe toma possível sobreviver e enquadrar-se sem grandes traumas na sua própria sociedade, que rapidamente se moderniza. Ao contrário de Ester, que mantém até o final seu perfil de personagem trágica, exilada e condenada, a épica Don’Ana se prosaiciza, integrando-se no grupo.

Margot

Prostituta e, portanto, integrando a classe dominada, benfeitora de 1/irgílio, amante deste e depois de Juca Badaró, elegante e sofisticada, vai sendo jogada de um lado para outro, segundo os azares da sorte e do poder que a usa. Culturalmente ‘exilada’ como Ester, e como esta sonhando com a civilização das urbes da costa e de Paris, o que a diferencia dela é saia inferioridade na escala das desses sociais, característica milenar da função que exerce.

Raimunda

Apesar de um perfil psicológico pouco desenvolvido ao longo do enredo, é um personagem contundente, arquetipico da famulagem familiar negra ou mulata do Brasil da casa grande e da senzala. Irmã de leite de Don’Ana e, possivelmente, sua meia-tia, ela recebe as sobras, nos carinhos e em tudo o mais, da caçula dos Badaró. Aliás, seu destino pessoal é o contraponto perfeito, na escala social inferior, ao de Don’Ana. Também Raimunda, criada com regalias estranhas à sua classe e à sua cor, parece condenada à solidão, do que é salva pelo aparecimento do também adventício, e também mulato, António Vítor.

Virgílio

Ambicioso, inteligente e um tanto ingênuo, procurando fazer carreira política rapidamente a partir da então próspera zona cacaueira, Virgílio Cabral, protótipo de doutor civilizado pela cultura europeizada dos núcleos urbanos da costa, é vítima de uma armadilha do destino e não escapa à força do ‘visgo do cacau mole’. O que o prende, contudo, não é o dinheiro nem a ambição mas o amor a uma ‘exilada’, a qual, por sua vez, também está condenada â sina da fuga impossível. Transformado — ou transtornado! — pela experiência do amor e da completa identificação ética com Ester, estóica e romanticamente enfrenta a morte. Não só porque para ele a vida perdem qualquer sentido como, principalmente, porque tal ato é uma homenagem definitiva à memória da amante e uma prova cabal da vitória da ‘civilização’ sobre a ‘barbárie’ que os mantivera separados. E o ultimo conforto que lhe resta é a solidariedade ingênua e inesperada do sentimental Maneca Dantas, não suficiente, contudo, para romper sua completa solidão.

Estrutura narrativa

Composto de seis partes — denominadas O navio’, ‘A mata’, ‘Gestação de cidade’, “O mar”, ‘A luta’ e ‘O progresso’ —, cada uma das quais dividida em capítulos em número e de tamanho diversos, Terras do sem fim é, por sua vez, a primeira parte — ‘A terra adubada com sangue’ — de uma história que tem continuidade com mais duas — ‘A terra dá frutos de ouro’ e ‘Aterra muda de dom’ — em São Jorge dos Ilhéus.

Construído segundo o esquema clássico do narrador onisciente em terceira pessoa, a obra se mantém rigidamente fiel ao esquema realista/naturalista da verassimilhança e conta, não raro quase com o rigor de uma crônica histórica, as façanhas dos coronéis feudais —expressão do próprio autor, na nota que precede o ínicio da narrativa — que, movidos pela ambição, ocupam, desbravam e modernizam a região das férteis terras no sul da zona litorânea da Bahia durante o ciclo do cacau.

A ação do romance, diretamente referida à realidade histórico-econômica, se desenrola rio início do séc. XX, ao longo de meia dúzia de anos, ou pouco mais, a partir do começo da segunda década, possivelmente. E tem por palco, à exceção da primeira parte (“O navio”), a cidade de ilhéus e toda a região que, margeando o Rio Cachoeira, avança sertão adentro e vê, com o ciclo do cacau, o surgimento e o crescimento de povoados como Tabocas (depois ltabuna), Ferradas, Pirangi, Palestina e outros. Como particularidade da estrutura narrativa deve-se destacar a presença do autor como personagem, explicitamente Identificado como o menino que sorteia os jurados no julgamento de Horário da Silveira ao final do romance.

Fonte:
Livros Grátis

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 402)


Uma Trova Nacional

O rosário da injustiça
é cenário que a dor conta
desalentando a justiça
revelando a dor que afronta.
–MARIVA/PB–

Uma Trova Potiguar

Das janelas de meu verso,
dou um giro pelo espaço
e às vezes vejo o universo
dentro da trova que faço.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Uma Trova Premiada

2011 - Ribeirão Preto/SP
Tema: VÍCIO - 5º Lugar

Rogando à Mãe de Jesus
uma ajuda, no suplício,
sofre a mãe levando a cruz
do seu filho entregue ao vício!
–GABRIEL BICALHO/MG–

Uma Trova de Ademar

Esse que eu falo é José,
esplendoroso, e de luz,
que se esparramando em fé
se fez o pai de Jesus.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Quem ama jamais se emenda...
Eu, que por ti já chorei,
risquei teu nome da agenda,
mas a folha não rasguei!
–ALBERTINA MOREIRA PEDRO/RJ–

Simplesmente Poesia

Feridas
–ELISA ALDERONI/RJ–

Abri a gaveta das lembranças
Tirei tudo o que dentro estava.
Fechei todas as portas e janelas,
não queria que elas saíssem por ai,
para espalhar minha historia.
O mundo está cheio
de palavras inúteis.
Não enobrecem a vida.
Preciso agora descobrir
os segredos da alma:
curar, ungir, suturar feridas...
Sutis, apodrecidas.
Dobras doentes
procurando refrigério,
procurando alento,
na simples caricia
do toque do vento...
Depois, com carinho, guardo-as novamente,
na última gaveta da minha mente.

Estrofe do Dia

Deus é tudo sem ter demagogia,
seu presídio faz tempo que está pronto,
mas pra ele quem vai não tem desconto,
paga o crime conforme a covardia.
Tanto faz ser doutor ou bóia fria,
vai pra cela na mesma condição,
carro novo, diploma e anelão
pra justiça de Deus tudo é perdido;
pra cadeia de Deus quem vai detido
paga a conta com juro e correção.
–ADALBERTO VITAL/PE–

Soneto do Dia

Matemática
–PAULO MOURA/PE–

Na matemática que esta vida é
me somo a ti para te ter por perto,
preencho inteiro um coração deserto
e encho minha alma de amor e fé.

E se acaso reclamar carinho,
Um indolente coração sofrido,
Ponho meu mundo inteiro em desalinho
E por amor a ti eu me divido.

Mas se o amor por ti for como um raio
ligeiro e forte, eu me subtraio
de outros amores, juro, eu abdico

e vou viver somente a te buscar,
Pra quando enfim, você quiser me amar
Vai ver, meu bem, como eu me multiplico.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Balaio de Trovas VIII


O Amor para ser gostoso,
jamais deve ser pamonha.
Tem de ser escandaloso,
cego, surdo e sem-vergonha!
A.A. de Assis

E já velho fui arrumar
Sarna para me coçar
Inventei de fazer trova
coisa para gente nova.
Adalberto Thiago

Saudade é tarde chorando
um tempo em que foi aurora,
ao ver a noite levando
o brilho do sol embora.
Adélia Victória Ferreira

Para matar as saudades
fui ver-te em ânsias, correndo.
E eu que fui matar saudades
Vim de saudades morrendo.
Adelmar Tavares

Noites feitas de saudade,
de lembranças, de meiguice...
Tão curtas na mocidade,
e tão longas na velhice!
Alfredo de Castro

Morre o amor... o espólio é feito...
tudo partido em metade;
minha, inteira, por direito,
só ficou mesmo a saudade.
Almerinda Liporage

Maria, só por maldade,
deixou-me a casa vazia...
Dentro da casa: saudade!
E na saudade: Maria!
Anis Murad

Deixa bater, ó menina,
teu coração sonhador!
No sepulcro não termina
o novelário do amor.
Antonio Nobre

O Homem sempre há de penar
nas mãos da mulher que amou:
antes por querer casar,
e, depois porque casou.
Antônio Zoppi

Debaixo da nossa cama
que tu deixaste vazia,
o meu chinelo reclama
o teu chinelo, Maria
Anis Murad

Se aquilo que a gente sente
cá dentro tivesse voz,
muita gente toda, gente
teria pena de nós!
Augusto Gil

Saudade, palavra doce,
que traduz tanto amargor!
Saudade é como se fosse
espinho cheirando a flor!
Bastos Tigre

O tempo ao Amor não mata.
É disto a prova fiel
as nossas Bodas de Prata
em plena Lua de Mel.
Carlos Guimarães

Enxuta! Que Maravilha!
Enxuta como ela só,
quando amamentava a filha
só saía leite em pó.
Colbert R. Coelho

Eu quisera ouvir estrelas,
ter ouvidos p'ra escutá-las,
ser poeta p'ra entendê-las
e trovador para amá-las!
Delcy Canalles

Quando a mulher do vizinho
cruza contigo na rua,
diz o diabo baixinho:
"esta é melhor do que a tua!"
Durval Mendonça

A saudade se embaraça
e a paixão se intensifica...
– Não pelo instante que passa,
mas pelo instante que fica!
Eduardo A. O. Toledo

Orgulho bobo... vaidade...
caprichos do amor sobejo...
Eu, morrendo de saudade,
fingir que nem te desejo!
Elisabeth Souza Cruz

Neste momento, calado,
de gestos e olhar bisonhos,
penso em você ao meu lado
nos amanhãs dos meus sonhos...
Ester Figueiredo

Saudade, velha canção,
saudade, sombra de alguém
que os tempos só levarão
se me levarem também!
Fernandes Soares

Como é risonha a vida
Quando se tem um amor,
Sem ele não há guarida
Tudo é desalentador.
Fernandina Marques

Todo genro masoquista,
que a trajetória malogra,
acha que a maior conquista
é ter um clone da sogra!...
Flávio Roberto Stefani

Ao ver uma rosa abrir
em perfeita sutileza,
é o mesmo como sentir
carinhos da natureza.
Gilda Moura

Teu amor foi falsidade,
li na carta que me envias.
Mas, meu bem. quanta saudade
do tempo em que tu mentias!
Hugo de Alvarenga Peixoto

Na vida há céus constelados
e cardos pelos caminhos.
E há poetas deslumbrados
pondo estrelas nos espinhos.
Iracy Nascimento

Parece troça, parece,
mas é verdade patente,
que a gente nunca se esquece
de quem esquece da gente
Jader Andrade

Quanto mais teu corpo enlaço
mais padeço o meu tormento
por saber que o meu abraço
não prende teu pensamento.
Jesy Barbosa

Saudade estranha ilusão
que a solidão recompensa;
presença no coração
maior que a própria presença!
J. G. de Araújo Jorge

Fazer trova é gravidez
De idéia e pensamento
De loucura e sensatez
Com amor e sentimento
João Alencar Sobrinho

Com a saudade eu reparto
minhas noites de abandono;
mal apago a luz do quarto,
ela vem tirar meu sono...
Joaquim Carlos

Lembra a saudade uma estrela
nas águas de um ribeirão
que fica sempre a retê-la,
enquanto as águas se vão...
Luiz Antônio Pimentel

Entre a tua e a minha idade,
filho meu, quanta distância...
És a infância da saudade!
Sou a saudade da infância!
José Maria Machado de Araújo

Quer ser feliz? Então siga
a minha vida bizarra
que tem muito de formiga
e ainda mais de cigarra.
Luiz Otávio

Toda Mulher que é gorducha,
tem um recurso só seu,
ao vestir-se grita: "puxa
como esse troço encolheu!!"
Magdalena Léa

Tímida, meio sem jeito,
uma saudade enxerida
entrou aqui no meu peito...
e hoje manda em minha vida!
Maria Madalena Ferreira

A mulher, ou por vaidade,
ou por ser demais esperta,
depois de uma certa idade,
não tem mais idade certa.
Nero Sena

No dia em que tu quiseres
ser meu senhor e meu rei,
serei todas as mulheres
na mulher que te darei.
Nidia Yaggi

Quem se conserva de pé
frente a calúnia tacanha,
tem humildade, tem fé,
e transpõe qualquer montanha.
Nilton Manoel

No tempo da mocidade,
eu por saudade bebia;
hoje bebo com saudade
da saudade que sentia!
Orilo Dantas

Ah, coração, tem piedade...
Batendo tão forte assim,
vais acordar a saudade
que dorme dentro de mim!
Orlando Brito

Vermelho igual ao tomate,
meu coração é um bife:
quanto mais alguém lhe bate,
mais amolece o patife.
Orlando Woczikosky

Saudade, saudade minha,
quanta saudade restou;
saudade, saudade eu tinha,
saudade, saudade eu sou.
Otavio Venturelli

O eletricista Zé Roque,
que só na Light produz
levou um tremendo choque
quando a mulher deu à luz.
Rangel Coelho

A saudade que me resta
vai comigo, quando eu vou
à procura de uma festa
que há muito tempo acabou.
Sebas Sundfeld

Posso jurar de mãos postas,
Pesando o que já passei,
Que as mais difíceis resposta
Foi em silêncio que eu dei.
Waldir Neves

Paraná em Trovas Collection - 8 - Déspina Perusso (São Jerônimo da Serra/PR)

Emiliano Perneta (Ilusão) Parte 7


LÍRIO!

Ao Generoso Borges

Nos olhos fundos azuis de serro:
Geme um salgueiro; passa um enterro.

Riso d’inverno, gelado escuto:
– Pássaro branco que anda de luto.

Mão como as algas, mão que me corta,
Quando eu a aperto, tísica morta.

Esguia, magra, toda arcadinha,
Vime mais brando que uma velhinha.

Pálida Morte! pálida Morte!
Sopra essa vela, vento do Norte!

Toca-a bem longe, por esses mares,
Mares de prata, prata e luares...

Se Deus a esquece sobre esta vala,
Pó dos caminhos, hão de pisá-la...

Ela, uma rosa, doente exangue,
Vai ficar cega de chorar sangue...

Lírio tão fino da lama tire-o:
Para entre os Lírios mais outro Lírio!

Que olhe por ela! que olhe por ela!
Fúlgida, pura, como uma estrela!

Que quando a veja, trêmulo a abrace,
Beije-lhe os olhos, olhos e face...

Mas tão etérea, mas tão algente,
Que ambos solucem convulsamente!
1899

SOL D’INVERNO

Ao Serafim França

Sol d’Inverno, tíbio velhinho
A mim, um doente d’hospital,
Quando me vens dar o teu vinho,
Bebo, bebo, não me faz mal.

Sol d’Inverno, velhinho doente,
Que tosse e escarra o ouro e o pus!
Que bom! Que bom! tisicamente,
Tremer debaixo de tua luz!

Ó música feral d’abelhas!
Ó zumbidos prenhes de dor!
Mágoas com manchas vermelhas,
Prazeres com gangrena em flor!

Volúpia! Embriaguez celeste!
Língua de fogo! A mim, o pó
Lambe-me, como tu lambeste
As feias úlceras de Jó.

Ó riso enfermo! ó riso espectro!
Esqueleto que estás a rir...
Rei Sol que perdeste o cetro,
Rei louco, Rei bom, ó Rei Lear!

Olhos folhas tristes d’Outono,
Olhos toque d’incêndio no ar...
Olhos carregados de sono,
Olhos 13, diabo, Azar...

Sob o teu beijo, alvas cantigas,
Manto de fulvos areais,
Dormem leoas, paixões antigas,
E amáveis monstros sensuais.

Dorme também, ó sol d’Estio,
Como um ébrio, meu Coração,
Ébrio de estrada, monstro frio,
Gelado pela Decepção!

Amo-te, glória da mansarda,
Amo-te, (e o vento é um punhal,)
Tu és o meu Anjo da Guarda,
O meu Lençol, meu Hospital!

Amo-te muito, como poucos,
Quando te ausentas por aí,
Eu, os tísicos e os loucos,
Ganimos de paixão por ti!

Ilusão morna dos casebres,
Bordão florido, cheio de luz,
Bom riso no meio das febres,
Suores d’Agonia... Jesus!

Frio, frio!... (Que é de um Amigo?)
Partes? adeus! nenhum lençol!
Meu Único Amor, meu Jazigo,
Fogão dos pobrezinhos, Sol!

Julho – 1899

EM SEU LOUVOR

Ao Clemente Ritz

Lírio do Cedron, ó Rosa do Carmelo!
Tu tens a alegria da Estrela d’Orion...
Quando eu te contemplo como um Setestrelo
Regina Cœlorum, Lírio do Cedron...

Fluido Sonho à Lua, vago Céu desnudo,
Sombra que perfumas como o benjoim...
Teu passo ressoa por sobre veludo,
Quando tu caminhas, Lira de Marfim.

Tudo que é murmúrio, tudo que é frescura,
Ó Cheia de graça! reluz em teu Ser...
Campo é teu olhar elísio de verdura;
Cordeirinhos brancos andam a pascer...

Quando tu me falas, falam os aromas,
Ó boca de lírio, prateado luar!
Com palavras de ouro, com aromas domas
Ondas mais revoltas que as ondas do mar.

Quando eu penso em Ti, Pomba muito mansa,
Recendes-me ao nardo, Capelinha em flor,
Dourada da palma verde de esperança,
Lírio do Cedron, ó Rosa do Assor!

Entre lírios verdes, entre palmas bentas,
Entre lírios brancos, fulge o teu altar...
Resplandecem lírios, onde Tu te assentas,
Ó Virgem Maria! desejo rezar!

Ó Virgem Maria! Mater Dolorosa!
Minha alma a teus pés é uma criança a rir...
Que teus pés me calquem – brancos pés de rosa!
Tão bem eu me sinto! deixa-me dormir...

1898

Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras 6)


PLANTAR BANANEIRA
Plantar bananeira é se pôr de cabeça para baixo, com as mãos apoiadas no solo e as pernas esticadas para o alto, semelhantemente às folhas de uma bananeira. Sim, às folhas. Pare de pensar bobagem: mulheres também plantam bananeira.

PÔR AS BARBAS DE MOLHO
Para andar na moda do pescoço para cima, o homem é menos abençoado que a mulher. Elas se valem de penteados, maquiagens e adereços. Eles, já que nada conseguem fazer com as sobrancelhas, ficam restritos ao cabelo e à barba. A ausência do cabelo, provocada ou natural, pode até virar moda, mas passa. Bom mesmo é dispor de uma vasta cabeleira e levá-la ao túmulo com imponência de efígie. O sonho maior de todo careca não é fortuna em dólar, nem a Adriane Galisteu, mas tão-somente uma, apenas uma única coisa: cabelo.
No caso da barba, se nenhuma, é rotina; se escassa, é desleixo, mas também já virou moda. Então ficamos assim: a barba é o ponto a atacar. Se o prezado leitor não é um Adônis, vá por aí. Antigamente, como os mendigos duravam pouco e não existia a gravata, a barba era sinal de honra, prestígio, poder. Uma grande humilhação era ter a barba cortada. Daí se fizeram vários provérbios sobre a importância da barba como elemento de aferição do valor de um homem. No latim (importado do grego): "Barba non facit philosophum", a barba não faz o filósofo; no francês: "Du cotê de la barbe est la toute-puissance", a barba traz o poder absoluto.
Do espanhol, que produz uma singela rima, o provérbio veio parar no português: "Quando las barbas de tu vecino veas pelar, pon las tuyas a remojar", "Quando vires as barbas do vizinho pelar (escassear), põe as tuas
de molho". E assim o uso popular ficou com o pedaço final do provérbio e pôr as barbas de molho passou a ser usado como sinônimo de acautelar-se.

BARBEIRO
O nome do profissional veio de barba + a terminação designativa de profissão -eiro.
Agora, veja os seguintes trechos extraídos do verbete "barbeiro" no dicionário Morais Silva:
"Homem que tem por ofício rapar ou aparar barbas e cortar o cabelo. Dentista, curandeiro. Havia antigamente barbeiros de lanceta, isto é, sangradores. Indivíduo que não é hábil na sua profissão."
No Brasil e em Portugal, até as primeiras décadas do século XIX, os barbeiros também praticavam odontologia e medicina, chegando até a realizar pequenas cirurgias (médico especialista era coisa de rico, de gente da corte). E aí imagine o que deve ter acontecido com os pobres clientes. Quantos dentes mal arrancados? Quantas bocas feridas? Quantas punções geradoras de infecções terríveis? Quantos quelóides? Associe a isso o fato de o ofício de barbeiro, em sentido restrito, não exigir uma especialização, mas tão-somente certa habilidade manual (com todo o respeito aos profissionais do ramo). Pronto! Não foi difícil a palavra ganhar aquela última acepção, "indivíduo que não é hábil na sua profissão". Daí também se formou barbeiragem como sinônimo de incompetência.
Já o nome do inseto é outra história.
Em abril de 1909, o jovem cientista mineiro Carlos Chagas, então com 30 anos, assim se pronunciava num comunicado:
"Saibam todos que o inseto conhecido por barbeiro ou chupão, encontrado nas casas de pau-a-pique dos sertanejos do Brasil, é portador de um parasita que causa febre, anemia, cardiopatias e aumento dos gânglios."
E todos ficaram sabendo que Chagas havia identificado o agente causador da doença, um protozoário (transmitido pelo barbeiro) que ele chamou de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao sanitarista Oswaldo Cruz. A partir daí, foi o povo que se encarregou de outra homenagem, batizando o mal como "doença de Chagas".
O barbeiro deve seu nome popular ao fato de ele chupar o sangue da sua vítima quase sempre no rosto, enquanto ela dorme (na verdade, o barbeiro não tem uma predileção especial por rostos, é que, ao dormirmos, essa parte do corpo se acha sempre descoberta e ao inteiro dispor do vampirinho).

BESTA QUADRADA
Besta veio do latim besta, animal feroz. Besta quadrada não tem nenhum ingrediente geométrico, o que faria supor a existência da besta redonda. Trata-se da simplificação de besta elevada ao quadrado. E a superbesta, o grande imbecil.

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004