sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Sergio Sant’anna (1941)


Nasceu no Rio de Janeiro, em 30 de outubro de 1941.

Muda-se para Belo Horizonte, em 1959, e ingressa na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, formando-se em 1966.

Cursa pós-graduação, entre 1967 e 1968, no Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Paris.

À época, viaja também a Praga, República Tcheca, testemunhando os eventos deram fim à "Primavera de Praga", movimento que restituía liberdades democráticas em pleno regime soviético.

Reconhecido como um dos melhores contistas brasileiros, despontou como escritor promissor no primeiro livro, O sobrevivente (1969), que o credenciou para participar do “Writing Program”, da Universidade de Iowa (EUA), no período entre 1970 e 1971. Essa estada aprimorou o estilo do autor, conforme demonstrado no livro seguinte, Notas de Manfredo Rangel, repórter (1973).

Volta a viver no Rio de Janeiro em 1977, ano em que integra o corpo docente da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), permanecendo até 1990.

Foi criado no meio da literatura de vanguarda, experimental, com a ambição, segundo ele mesmo, “nada modesta de destruir as formas romanescas”. Essa intenção se evidencia nos primeiros romances Confissões de Ralfo (1973) e Simulacros (1977). Mas, em 1982, o autor deu uma virada em sua literatura iniciando com O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro e consolidando com Amazona (1986). Nunca foi best-seller, mas mantém um público de leitores fiéis.

A partir de então, passa a se dedicar exclusivamente à literatura, atuando ainda como colunista do jornal O Dia e colaborando para diversos veículos da imprensa, como a revista Cult e os cadernos literários dos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo e Jornal do Brasil.

Em 1989, lançou A senhora Simpsom, bem aceito pela crítica e pelo público, pois vendeu mais de seis mil exemplares.

Os lançamentos seguintes, Breve história do espírito (1991) e O monstro (1994), realçaram a sofisticação do autor, “quebrando regras, ampliando contornos, questionando os limites do conto, em busca de uma nova maneira de narrar”. Em 1997, lançou duas obras simultaneamente pela Cia. das Letras: Contos e Novelas reunidos e Um crime delicado.

Em 2008, depois de 40 anos, volta a Praga, para escrever O Livro de Praga: Narrativas de Amor e Arte, lançado em 2011, que integra o projeto Amores Expressos, criado pela editora Companhia das Letras.

Seus livros são estudados nas universidades, alguns traduzidos no exterior. Recebeu o Prêmio Jabuti três vezes: em 1982, 1986 e 1997.

Passou seis anos sem publicar, escrevendo a passo de tartaruga, e lançou O vôo da madrugada (2003), reunindo contos e uma novela. Vive num modesto apartamento no bairro Laranjeiras (Rio de Janeiro), no mesmo quarteirão onde vive a artista plástica Cristina Salgado. Mas não moram juntos, namoram. Lançamento mais recente: O livro de Praga (Cia. das Letras, 2011).

Fontes:
http://www.tirodeletra.com.br/biografia/SergioSantAnna.htm
Itau Cultural

Clevane Pessoa (Lançamento do Livro Emoção Repentina)


Aproveito mais uma oportunidade de falar bem da Editora Assis, que é séria, cumpre pazos e contratos e realiza vários projetos culturais na Cida de De Uberlândia-MG-Brasil.!

A poeta e prosadora Ivone de Assis, solicitou-me , para seletiva e publicação , meu poster sobre meu poema sobre medo, com foto de Marco Llobus, Esse fotografo-poeta sensível, criou vários posteres-poemas com meus versos , que expus, doei e tal .E foi ele quem criou os banneres com meus desenhos da série Graal Feminino Plural que lhes mandei. E editou dois livros, Erotíssima e O Sono das Fadas, com o selo da editora Catitu.

Bem , agora recebo o convite e comunicado , de João Davi e Ivone de Assis e compartilho com os amigos, confrades, confreiras, familiares, para o lançamento da antologia "Emoções Repentinas" tema Medo...É realmente uma satisfação , mais uma vez, estar com a Assis. Já participei de Veredas Literárias , com o Poema Prestidigitação, em homenagem a Iara Abreu, sendo ainda selecionada com meu pseudônimo "Pérolas de Suor", em concurso paralelo, depois, com outros poetas, fiz a transtextualidade de poema de Fernando Pessoa-que publiquei aqui e integro "Camarinhas de Poesia", um belíssimo livro que aborda o amor: quinze poetas pre-selecionados, participam com dez poemas cada (tudo que cito, exceto esse novo, aconteceu em 2011).

A capa é fantástica , as edições são mesmo bonitas e cuidadosas.

Abraços:

Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Membro Representante da REBRA_Rede Brasileira de Escritoras em MG.
Representante do Movimento Cultural aBrace-Brasil;Uruguai
Vice Presidente do Instituto de Imersão Latina-IMEL.
Embaixadora Universal da Paz -Cercle de Ambassadeurs Univ.de la Paix-Genebra, Suiça,
Consultora de Cultura da Associação Mineira de Imprensa-AMI.
Membro da Rede Catitu de Cultura; do virArte, da ONE, da SPVA/RN, da CAPORI, da APPERJ,e do PEN Clube de Itapira.
Colaboradora da ONG Alô Vida. .
Membro Honorário de Mulheres Emergentes
Divulgadora e Pesquisadora do MUNAP_Museu Nacional da Poesia
Dama da Sereníssima Ordem da Lyra de Bronze
Acadêmica da AFEMIL-Academia Feminina de Letras; da ALB/Mariana;
Acadêmica Correspondente da ADL, ANELCARTES, ATRN, AIL, ALTO, da Academia Pre-andina de Artes, Cultura Y Heráldica;
Academia Menotti del Picchia,Aila(itapira)

Ialmar Pio Schneider (Soneto a uma Musa)


Tento ainda escrever mas, tristemente,
meu coração soluça e não esquece
a musa que enfatiza a minha prece
e sinto que estou mal, estou doente.

Por que será que foste a grande ausente
na vida do poeta que padece,
(oh! fada que percorres minha messe)
e me fazes sofrer inutilmente?!...

No entanto, minha velha companheira,
eu te levo comigo na desdita,
e há de ser a esperança derradeira

de seguir versejando amargas penas,
porque em sonhos te vejo tão bonita,
e pra mim tal conforto basta, apenas...


pág. 10 - “O TIMONEIRO” - 21.8.81 - CANOAS (RS)

Pedro Malasartes (Malasartes Vende uma Panela de Alumínio)


Em uma de suas andanças pelos mercados e feiras, Malasartes usando a sua grande astúcia e tino para os negócios, conseguiu trocar o que não valia nada por uma linda panelinha de alumínio, pensando:

– Hum... esta panela vai ser muito útil para cozinhar nas estradas.

Na primeira viagem que fez levou a panelinha e estava preparando o seu almoço, que já abria a fervura, quando ouviu o tropel de um comboio que carregava algodão.

Mais que depressa cavou um buraco, colocou todas as brasas e tições dentro, cobrindo o buraco com areia, e pôs a panela por cima, que continuou fervendo.

Os comboieiros que iam passando ficaram admirados de ver uma panela ferver sem haver fogo. Pararam, discutiram e perguntaram se Malasartes não queria vender a panelinha por um bom dinheiro.

Malasartes fez-se de muito rogado. Dizendo ter adquirido aquele precioso objeto em terras distantes. Mas os comboeiros aumentaram a oferta e Malasartes terminou vendendo a panelinha.

Eles, os novos proprietários da panela mágica seguiram a sua jornada, muito satisfeitos da compra que no outro dia verificaram ser mais um logro, uma diabrura, do conhecido PEDRO Malasartes.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Nilto Maciel (Dez Cuecas para a Eternidade)


Carlos sentou-se num banco de praça e abriu a sacola para conferir as cuecas compradas há pouco. Contou uma a uma. Ao largo, pessoas passavam apressadas. Nos demais bancos, homens sentados. Uns fumavam. Talvez filosofassem. Disseram-lhe ser o ato de fumar propício a filosofar. Não tanto os cigarros. O cachimbo se adequava mais aos filósofos. Nunca deixou de acreditar na existência de Deus e na imortalidade da alma. Crenças rasas, adquiridas ao longo da vida, desde menino, com a mãe, os padres, os professores. Casou-se na igreja com Gessilda do Espírito Santo. Nasceram-lhe três filhos. Não chegou a cursar faculdade, porém ingressou no serviço público e cedo passou a ganhar salário invejável. Adquiriu imóvel e nunca deixou de freqüentar a igreja e rezar diariamente. Sabia de cor diversas orações. Confessava-se regularmente, sempre contando ao padre os mesmos pecados: “desejei a mulher mais próxima, porém logo me arrependi; quase todas as atrizes do cinema e da televisão; pecado passageiro e idiota”.

Rapazes e meninos sujos andavam pela praça. Um deles aproximou-se de Carlos e logo se afastou. Sumiu na multidão. Carlos levantou-se do banco e se pôs a caminho do estacionamento. Numa das mãos conduzia a sacola com as cuecas. Um colega de trabalho dizia-se ateu e, vez por outra, tentava infundir-lhe suas idéias. Deus não existia. Para existir, deveria ser o único ente do Universo. Nada de homens, animais e vegetais. Porque uns devoram outros, uns necessitam de outros. Os da mesma espécie também se matam. Os homens, sobretudo. E nada, ninguém seria capaz de impor outra ordem. Se ninguém — Deus, por exemplo — pode ordenar o mundo, a vida, impedir o crime, o assassinato, a matança, então não há esse alguém.

Andando pela calçada, Carlos não percebeu a aproximação do rapaz que o havia mirado na praça. Chamava-se José, aparentava 18 anos de idade, vestia-se pobremente e vivia de pequenos roubos. Também acreditava na existência de Deus, porém quase nunca se lembrava dessa crença. Não freqüentava igreja, não sabia rezar e confessava seus pecados a Maria, sua companheira. Seria mãe em breve. Se fosse menino, o nome seria Fernando; menina, Fernanda. Nasceria negro ou negra, como os pais, porém não seria doméstica ou ladrão. Seria médica ou deputado.

Súbito José arrancou da mão de Carlos a sacola e voltou-se, para fugir. No entanto, chocou-se com o corpanzil de outro pedestre. Desequilibrado, caiu. Assustado, Carlos quis fugir também, porém decidiu recuperar as cuecas. E pôs-se a pisotear e dar socos em José. Logo outros homens cercaram José e passaram a linchá-lo. Já havia muito sangue na calçada e José não reagia mais. Vendo isso, Carlos, de posse das cuecas e arfando feito animal caçado, retirou-se do local. Mais adiante entrou num bar e pediu água. Como demonstrasse cansaço e nervosismo, o homem do bar ofereceu-lhe cerveja. Nunca havia bebido, não fumava, não praticava qualquer vício. Achava abjetos os bêbados, suicidas os fumantes e pecadores os viciados. Gostava de futebol, torcia por grandes times, porém sem nenhum fanatismo. Votava sempre nos candidatos do centro, abominava os esquerdistas. Apesar disso, conhecia um marxista. Não um comunista, apenas o criador do cachorro Marx. Daí dizer-se marxista: amava Marx, o cão. Puro deboche.

Diante de Espírito Santo, demorou a contar o ocorrido. “Você bebeu?” Brigaram. Ele contou tudo, ou quase tudo. “O ladrão morreu?” Devia ter morrido. No dia seguinte, os jornais noticiaram o fato: José havia falecido. Seus agressores o mataram a pontapés, socos e pauladas, e depois encharcaram seu corpo de gasolina e álcool e atearam fogo. Maria virou mendiga e deu ao filho o nome de José. Teve outros filhos, porém José morreu antes de dois anos de idade. Carlos passou a beber muito. Alguns anos depois morreu de enfarte. Espírito Santo reza todo dia por sua alma, que subiu aos céus, segundo o padre, os filhos e ela mesma.

As dez cuecas — nunca usadas — também desceram à sepultura.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Pescoço de Girafa na Poeira, contos. Brasília: Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, 1999.

Trova 218 - Carolina Ramos (SP)

Lucia Constantino/PR (Poemas Escolhidos)


CHEGADA

Este dia que te chega
mais veloz que ontem,
quando havia um prato à mesa
e o teu nome.

Ah, escolha entre as rosas
a única que te cabe na alma,
a única que é canto e salmo
para que não tenhas mais medo
de caminhar.

De noite as estrelas te falam
do cantar dos galos
à chegada
dessa presença na alma,
quando até os deuses
vão acordar.

TENHO SAUDADES

Tenho saudades do meu amor que te amava
vestido de silêncios e conflitos tão sinceros.
Um amor que era sol - um amor tão belo
que até aos anjos a sonhar ele ensinava.

Tenho saudades do amor que eu sentia,
momentos manuscritos dentro do coração.
Tinha linhagem aquele sonho que eu vivia.
Era uma luz passando a limpo a escuridão.

E onde estás? Não te encontro mais
e nesses meus sonhos, o que buscais
ó anjos? - a esperança já vencida?

Não entendo mais essa linguagem.
Sei que a dor muda toda paisagem
do livro interior, onde se escreve a vida.

QUANDO AINDA ERA DIA...

(a minha mãe Hilda, in memoriam)

Quando ainda era dia
e as nuvens passeavam no céu,
eu ouvia tua palavra,
por mais cansada que estivesses.
Estavas ali com teu coração,
então minha angústia se calava
porque a tua palavra era prece.

Quando ainda era dia
mas a chuva desmanchava meus sonhos
sempre estavas ali
carregando em teu colo não os teus,
mas os meus abandonos.

Quando ainda era dia
e meu olhar parava nas distâncias
fitando o nada do horizonte
inocentemente me perguntavas
- O que estás vendo tão longe?

Depois a noite desceu
sobre os nossos jardins,
sobre os teus canteiros,
as tuas hortaliças.
O galo não mais cantou.
Os espinhos sorriram pra mim.
A alegria me perdeu de vista.

Aninhou-se no mais alto da árvore
um pássaro chorando na tarde.
E os anjos te envolveram no ocaso
de tua própria luz
como Verônica envolveu em seu braços
o lenço que roçou o rosto de Jesus.

IRÁS LONGE

Sete céus apascentam teus pés,
como as cores do arco-íris.
Irás longe carregando o manto de tua alma
para os querubins descalços
que contigo fizeram essa aliança de luz.
Na senda que percorres
tuas palavras hoje soam como fábulas.
Mas sob a chuva das quimeras humanas,
destilarás tua seiva para nutrir
as raízes dos desencontrados,
quando as noites transformam em pó
toda palavra que não foi pronunciada
dentro de nós.

TEU OLHAR

Talvez a estrela mais bonita
não seja essa que tu vês.
É a que brilha dentro dos teus olhos
em cada anoitecer.

Esse teu olhar faz as horas
caírem pelo ocaso desmaiadas.
O luar pensa que a aurora
já está pelos teus olhos humilhada.

Talvez um pirilampo já te tome
por outro pirilampo, seu amado.
Até o amor muda de nome
quando há dois céus, lado a lado.

... ME ENCONTRAR EM TI

Tenho de Ti me esquecido
ao longo do caminho.
Às vezes tranco todas as portas
e nem ao menos espio pelas janelas
para ver se estás ao portão.
Quando dormem as estrelas
e a chuva cai dentro de minha alma,
anseio pelo ninho que criaste um dia
para me receber.

Sei que Teu verso reconhece o meu
ainda tão inútil no Teu templo da Palavra.
Mas o acolhes mesmo assim,
porque sabes que a relva também poder ser boa
para Tua incognoscível seara.

E quero tanto me encontrar em Ti...
Mas,à noite, quando pauso o coração
para ouvir minha alma
tenho a impressão de nela Te ouvir
...soluçar.

Fonte:
http://www.luciaconstantino.prosaeverso.net

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 483)

Uma Trova de Ademar

Uma Trova Nacional

Quanto mais cresce a ambição
sem cautela, em mãos de ateus,
mais vejo o mundo sem pão
e a humanidade sem Deus.
–ELEN DE NOVAIS/RJ–

Uma Trova Potiguar


Maria trabalha tanto,
quanta pena eu sinto dela,
mas não perde o seu encanto
mesmo lavando panela!...
–BONIFACIO SANTOS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Meus sentimentos diversos
prendo em poemas tão pequenos.
Quem na vida deixa versos,
parece que morre menos ...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Uma Trova Premiada

2010 - Ribeirão Preto/SP
Tema: VIAGEM - 2º Lugar


Já reservei a passagem
e aguardo sem reclamar...
que a data desta Viagem
é Deus quem vai carimbar!
–CAROLINA RAMOS/SP–

Simplesmente Poesia

Amor
–DELCY CANALLES/RS–


Dizem que para o amor
não há idade,
e quem ama, retorna
à adolescência!
Não é sofisma, o dito,
é a verdade,
seja qual for a gama
de experiência!

Estrofe do Dia

Como inspirar-me? Tem dias
que a musa aparece e voa
cansada das poesias
que eu ando fazendo, à-toa.
Deixa-me só, num deserto
sem nem uma luz por perto
que eu possa ver o meu sonho;
a mente fica confusa...
Quando foge a minha musa
Meu verso fica enfadonho.
–RAYMUNDO SALLES/BA–

Soneto do Dia

Soneto ao Grande Amigo
–LUIZ ANTONIO CARDOSO/SP–


Desde os primórdios desta triste vida,
privado de carinhos, de atenção,
minha alma, em via crucis dolorida,
entrega-se, sem luta, a depressão.

Tantas saudades tenho da acolhida,
entre beijos e abraços... tudo em vão!
Não passam de delírios, pois a lida,
se faz no lar da eterna solidão.

Mas Deus coloca sempre, neste mundo,
pequenas criaturas, que no fundo,
demonstram um amor descomunal.

E assim, ao adentrar no triste lar,
meu coração se alegra ao ver pular
meu cachorrinho em gesto fraternal.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

J. G. de Araújo Jorge (Notações Poéticas Sobre um Tema de Maio)


1- Não vamos fazer discriminações, mas reconheçamos que há no amor da mãe portuguesa certas características especiais, a força de um sentimento curtido em infinitas saudades. Povo de navegadores, de emigrantes, de pescadores, de gente que se atira para o mar, em diálogo com os horizontes, sempre longe de casa, como conseqüência de sua própria vocação para a aventura e o exílio, os portugueses, e suas mulheres, em particular, conhecem melhor o drama dos que ficam sós, dos que se alimentam de esperas infindáveis e angustiantes.

Daí o significado deste tema na poesia portuguesa, e na nossa, herdeiros que somos de sua saudade, abrasileirada e mais sofrida, com o componente negro de nossa etnia.

Aqui mesmo, noutra crônica, já transcrevemos alguns dos mais inspirados versos de Belmiro Braga, Constâncio Alves, Hermes Fontes, Mauro Mota e Mário de Andrade, cujo poema “Mãe” é uma das mais belas exaltações do amor materno que conheço. Mas infelizmente, não dispúnhamos, na oportunidade, de um soneto de Martins Fontes, o ensolarado poeta santista, de “Verão”, para que pudéssemos alinha-lo ao lado do poema de Mário de Andrade.

Aproveitamo-nos agora da publicação da excelente antologia “232 Poetas Paulistas”, de Pedro Worms, para que os leitores possam retê-lo conosco:

“Mãe”

Beijo-te a mão que sobre mim se espalma
para me abençoar e proteger,
teu puro amor o coração acalma,
provo a doçura do teu bem querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
olho, analiso, linha alinha, a ver
se em mim descubro um traço da tua alma,
se existe em mim a graça do teu ser.

E o M gravado sobre a mão aberta,
pela tua clareza, me desperta,
um grato enlevo que jamais senti:

quer dizer Mãe, este M tão perfeito,
e com certeza em minha mão foi feito
para, quando eu for bom, pensar em ti.
.
Como vêem, uma beleza. Tenho a impressão de que uma linda canção brasileira, de Ari Barroso, com letra de Luís Peixoto, foi inspirada neste soneto. Lembram-se de: “Maria/ o teu nome principia/ na palma da minha mão”?

2- Há um imperdoável esquecimento nos festejos do Dia das mães. Gostaria que nos lembrássemos, em nossas homenagens, de uma figura quase lendária, já integrada ao nosso folclore: a “mãe preta”. Ficou como um símbolo de abnegação, de carinho, de sacrifícios, de nossa antiga sociedade colonial. Foi a mãe da própria civilização brasileira, que embalou, amamentou e ajudou a criar. Um dos contos que mais se fixaram em meu espírito é aquele de Osvaldo Orico, “O Roubo”, em que relata a história de uma escrava negra, obrigada a amamentar o filho do senhor branco, enquanto o seu ficava a chorar, com fome, na senzala.

Nunca tive “mãe preta”. Mas poderia dizer que conheci uma espécie de “madrinha preta”. No meu tempo de menino, no casarão de meu avô Tinoco, em Botafogo, a mais importante personagem de minha infância foi a Maria cozinheira. Ainda vive, e hoje sua carapinha está algodoada pelo tempo. Na ampla cozinha, era ela que fazia as guloseimas que nos deliciavam; que preparava os siris que eu pescava nas pedras do morro da Viúva, mesmo resmungando pelo trabalho que dava.

Era ela que me escondia atrás da porta, quando corria de minha mãe, para escapar à surra que ameaçava. E foi pensando nela, ou pelo menos, dedicadas a ela, que escrevi estas quadrinhas no meu “Cantiga do Só”:

Mãe Preta... Em versos, cantando,
fiz teu perfil em dois traços:
- és a ternura embalando
o amor, criança, em seus braços.

Partilhando sem protesto
teu leito e teu coração,
unias num mesmo gesto:
o amor... e a abnegação.

Mãe Preta... Que bem nos faz
lembrar teu vulto ainda agora,
Mãe Preta dos nossos pais
mãe das mães brancas de outrora.

Simbolizas a beleza
do mais branco e puro amor...
- Ó Mãe Preta, és, com certeza,
Nossa Senhora de Côr!

Mãe Preta... Um anjo bendito,
velho anjo protetor...
-Irmã de São Benedito,
- Babá de Nosso Senhor.


3- Uma das mais lindas trovas da língua portuguesa, era tida como anônima. Atribuíam-na a autores brasileiros e portugueses, a Catulo da Paixão ou a Antônio Correia de Oliveira. Quem não a sabe de cor?

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria,
era uma Santa escutando
o que outra Santa dizia.


Quando a citei como tal, recebi de Curitiba uma carta de Barreto Coutinho, poeta pernambucano.

Confesso, entretanto, que a dúvida me corroia ainda, até que li o boletim da U.B.T. de fevereiro de 1968 (União Brasileira dos Trovadores). Lá está o clichê da primeira página do jornal ? “A Província” de Recife, de 28 de janeiro de 1912, exemplar pertencente à Biblioteca Nacional, e nele se encontra o poema em 8 quadras, “Mãe”, de Barreto Coutinho. A quinta quadrinha é a trova que se desgarrou, ganhando a popularidade e a glória. Com uma diferença: seu primeiro verso é “Uma vez vi-a rezando”, e não “Eu vi minha mãe rezando”, tal como o conhecemos. Mas compreende-se a pequena modificação feita pelo povo, pois isolando-se a quadrinha, houve a necessidade de que num verso figurasse a palavra “mãe”, para dar-lhe sentido, o que não se torna preciso quando integrada ao poema.

Esclarecido o mistério, pela paciente pesquisa de outro poeta de Pernambuco, Nelson Vaz, ganhou o trovismo brasileiro uma de suas mais preciosas jóias líricas.

4- E peço licença para encerrar esta página de simples notações poéticas sobre o tema do mês, com um soneto em que homenageio aquela que, entre tantas que por acaso passem por nossos caminhos, será sempre: “A Primeira”

Foste o nosso primeiro balbucio
a primeira palavra pronunciada;
o primeiro aconchego, se fez frio,
nosso primeiro passo, pela estrada.

O primeiro conselho ante o desvio
que pudesse levar a uma emboscada
a presença, mais que outras, desejada
nos momentos de dor, ou desvario.

Foste tudo de bom que aconteceu:
- o beijo puro, o gesto carinhoso,
a mão primeira que nos protegeu.

Tudo nos deste: o próprio ser e o nome,
e foi teu seio farto e generoso
que silenciou nossa primeira fome!


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Franz Kreüther Pereira (Painel de Lendas & Mitos da Amazônia) Parte 2


Trabalho premiado (1º lugar) no Concurso "Folclore Amazônico 1993" da Academia Paraense de Letras

A IMAGINAÇÃO, O SONHO E O MITO

“Se tu podes crer; tudo ó possível ao que crer”'
(Marcos, 9:23)


O homem moderno, civilizado, culto, multas vezes se prende às sensações provocadas por um sonho mau que lhe deixa a desagradável Impressão de que "algo vai acontecer"; e carrega esta impressão por algum tempo, a despeito de sua ciência e cultura. Isso porque, afirmava Jung, os sonhos e devaneios são elementos dinâmicos em nossas vidas, mas, para o indígena primitivo - e mesmo para alguns contemporâneos - o sonho e a realidade muitas vezes se confundiam, de tal forma que o sonho era-lhe uma outra realidade. Mario Mercier [9], animista e profundo conhecedor da magia natural, dá-nos uma visão dos sonhos como um repositório de conhecimentos iniciáticos, distinta daquela transmitida pela psicanálise. Diz ele, por exemplo, que se"... um índio sonha que foi mordido por uma serpente [...] far-se-á tratar como se efetivamente tivesse sido mordido". E diz mais: "O sonho é para eles a origem das liturgias: é o sonho que dá nome às crianças, que designa o xamã, o feiticeiro, o curandeiro [...] cria tabus, ajuda ou condena. O sonho é a voz dos antepassados, dos Espíritos, dos Deuses...

Há um pequeno poema chinês que ao meu ver expressa e sintetiza maravilhosamente a importância dos sonhos:

"Na noite passada, sonhei que era uma borboleta, e agora não sei se sou um homem que sonhou que era uma borboleta, ou talvez uma borboleta que agora está sonhando que é homem."

Não vamos aqui nos preocupar com a fisiologia do sono e dos sonhos; contudo, estenderemo-nos um pouco mais sobre o assunto, para respondermos a questão: seriam os mitos produtos de sonhos e da imaginação?

"Estamos expostos - escreve Erich Fromm[10] - a mentiras racionalizadoras disfarçadas de verdades, absurdos fantasiados de bom senso ou de mais sabedoria do especialista, a conversas hipócritas, à preguiça intelectual ou desonestidade falando em nome da 'honra' ou de 'realismo', conforme o caso."

Isso tudo funciona como um "barulho" - para usarmos uma expressão do próprio Erich Fromm - capaz de embotar nossos sentidos e a própria intuição. Assim, a mente do homem, quando acordado, racionaliza seus julgamentos pelos parâmetros rígidos que seu meio, sua cultura e sua sociedade impõem. O contrário se dá quando ele está adormecido, pois é durante o sono que o homem está isolado desse "barulho" e em comunhão "consigo próprio, com suas próprias impressões e sentimentos".

É inquestionável a importância dos sonhos. Sabe-se que durante o sono as informações e impressões recebidas ao correr do dia são, depois de processadas e classificadas, sedimentadas no núcleo da memória. Experiências realizadas provaram que a pessoa desperta das todas as vezes que começavam a sonhar, ou quando estavam no estado chamado REM (sigla norte-americana para Movimento Rápido dos olhos), perdiam a capacidade de recordar coisas elementares, e até apresentaram distúrbios psicológicos, o que provocou a suspensão de tais experiências.

Sonhar é uma necessidade básica do ser humano, tal como a de criar símbolos. Os sonhos, da mesma forma que os mitos, possuem uma linguagem particular, própria, cuja chave para um claro entendimento já foi esquecida por quase todos. De forma prática, mas sem exageros, podemos afirmar que os mitos são "sonhos" de uma comunidade, de um povo ou de uma civilização.

Os sonhos ajudam a acomodar os conhecimentos absorvidos em vigília, mas também, ajudam a proteger e a preservar a personalidade individual, funcionando como válvulas de escape às repressões, às censuras e desejos irracionais que o indivíduo anela. Esta seria, para Freud, a própria essência dos sonhos. Os mitos, por seu turno, funcionariam de maneira semelhante, para a civilização ou comunidade que os criou. Eles ajudam a armazenar um conhecimento e facilitariam o seu output, como por exemplo, os mitos etiológicos, que tratam da origem e utilidade das diversas coisas.

A sociedade atual pressiona cada vez mais o homem contra as suas aspirações e desejos mais primitivos e irracionais (sexo, ambição, etc.), obrigando-o a encontrar formas de sublimação. Para Erich Fromm, "quanto mais a sociedade evolui e o obriga a reprimir esses impulsos, tanto mais aprende ele a criar formações reativas e sublimações". Tamanha pressão poderia forçar o surgimento de uma nova linguagem simbólica através da qual a sociedade pudesse revelar suas tendências intrínsecas, da mesma forma que os sonhos expressam de maneira cifrada as mensagens do inconsciente? Possivelmente! De fato temos um caldo nutriente favorável à criação de novos mitos, mas é mister que eles possuam a força dos antigos mitos - como o nosso Jurupari ou Curupira - se quisermos que funcionem como disciplinadores sociais ou reestruturadores do nosso caos interno e externo. Porém, o que podemos extrair desse bojo são mitos como os dos "Super-Heróis" Cyborgs (os biônicos) que são a expressão máxima da Cibernética; ou mitos como os dos paranormais dotados de poderes mentais quase ilimitados. Estes estão cada vez mais profusos na cienc fiction e mais próximos da realidade, mas há também mitos como o do Messias ou Enviado, presente em toda civilização ou cultura que se acha ameaçada ou deseja mudanças; ou ainda o dos "Protetores" que esperamos venham em nosso socorro quando uma situação se torna critica. Um exemplo de como uma sociedade oprimida cria mitos aconteceu durante a campanha das "Diretas' Já" e a "mi(s)tificação de Tancredo Neves"[11], mas isso já é outra história.

Retornando ao nosso tema principal, podemos concluir "a priori", que o mito é a resposta a um estimulo e uma necessidade pesíquica, enquanto a imaginação é o caldo nutriente, o meio de cultura onde a semente do mito germina e floresce. Creio que os mitos são, junto com os seus símbolos, a primeira manifestação de um aprendizado científico. Vemos assim que tanto o primitivo quanto o contemporâneo necessitam de ter seus mitos e crenças.

Carlos Suares, apud Martin Sagrera (1967: 83) escreve:

“Subyacente a toda civilización hay una equación mitica, es decir, una constelación de simbolos muy profundos agrupados de manera peculiar, que modelam el inconsciente colectivo.”

Engana-se, pois, quem pensa que o mito é arte da mente fantasiosa e irreal comum ao homem primitivo ou ao homem do mato; como se o homem citadino não fosse dotado de uma Imaginação tanto ou mais criativa. Mas, tanto o homem contemporâneo quanto seu ancestral, na busca ou tentativa de satisfazer suas inquietações interiores, de responder as indagações que os aflige, inventam suas soluções e seus meios para saciar a inquietude e pôr termo ao desassossego Intimo. Sim, inventa! Porém, não inventa o que não pode compreender ou entender. E as religiões podem ser tomadas como um exemplo disso, pois, estão pejadas de símbolos criados pelos primitivos, de imagens arquetipais elaboradas segundo as necessidades psíquicas de seus criadores. Jung bem o sabia quando elaborou sua teoria dos arquétipos, e com autoridade inconteste afirma:

“No le basta al primitivo com ver la salida y posta del Sol, sino que esta observación exterior debe ser al mismo tiempo un acontecer psíquico, esto es, que el curso del Sol debe representar el destino de un dios e de un heróe, el cual en realidad no vive sino en el alma del hombre."[12]

O MITO: CONCEITOS

“O mito é o nada que é tudo”
(Fernando Pessoa)


Como já vimos no início deste volume, o conceito de mito, malgrado nossos esforços, não ficou bem definido; confundindo-se com o de lenda. Neste capítulo vamos retomar essa discussão, com o auxílio de alguns autores, com os quais pretendemos encerrar a questão entre mito e lenda e a existência ou não de diferenças entre eles.

Luís da Câmara Cascudo acredita ter encontrado o elemento de distinção entre lenda e mito no fator tempo-espaço. No seu Dicionário de Folclore Brasileiro[13], o verbete lenda traz o seguinte:

LENDA - "Episódio heróico ou sentimental com elemento maravilhoso ou sobre-humano, transmitido e conservado na tradição oral popular, localizável no espaço e no tempo [...]. Conserva as quatro características do conto popular: Antiguidade, Persistência, Anonimato, Oralidade [...]. Muito confundido com o mito, dele se distingue pela função e confronto. O mito pode ser um sistema de lendas, gravitando ao redor de um termo central com área geográfica mais ampla e sem exigência de fixação no tempo e no espaço."

Se para Câmara Cascudo mito e lenda "se distinguem pela função e confronto", para outros pesquisadores, no entanto, um confronto não esclarece a função. O fundamental no mito é a propriedade "não reflexiva" (André Lalande), isto é, não questiona, não é critico... Aceita-se ou não. Já Victor Jabouille dá-lhe uma definição muito próxima de folclore quando afirma que o mito "é tão vasto que nele se pode incluir praticamente toda a expressão cultural humana [...] é a materialização extremamente complexa do Imaginário humano" (1986:16). Na verdade, mito é um vocábulo de múltiplas aplicações.

O professor e folclorista paraense Ubiratan Rosário14 esclarece que, para Brandão, a lenda “é uma narrativa composta para ser lida: legenda. Distingue da parábola, que é um mito intencionalmente criado. Difere da fábula que é uma narrativa de caráter imaginário que objetiva transmitir uma lição moral, etc.”

Três parágrafos adiante ele acrescenta que “Malinowski disse que os mitos não são nem simples lendas interessantes, nem relatos supostamente históricos. Antes são ‘para o povo em questão a mais alta verdade de uma realidade primitiva’ que proporciona o padrão e o fundamento da vida contemporânea”

Vejamos mais alguns conceitos:

Victor Jabouille (1986: 32):

"Se o logos é a linguagem da demonstração, o mito é a linguagem da imaginação, mesmo a linguagem da criação."

* André Lalande (p. 38):

"Narrativa fabulosa, de origem popular e não reflexiva, na qual os agentes impessoais, na maior parte dos casos as forças da natureza são representadas sob a forma de seres personificados, cujas ações ou aventuras têm um significado simbólico."

* J. G. Frazer (p. 39):

"Compreendo por mito explicações erradas dos fenômenos, quer da vida humana quer da natureza exterior."

* R. Graves & R. Patai (p. 41):

"Os mitos são histórias dramáticas que constituem instrumentos sagrados, quer autorizando a continuação de Instituições, costumes, ritos e crenças antigas na área em que são comuns, quer aprovando alterações."

* M. Eliade (p. 98):

"Por outras palavras, o mito conta como, graças aos actos dos seres sobrenaturais, uma realidade teve existência, quer seja a realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma Instituição. É sempre uma narrativa de uma 'criação' : conta-se como qualquer coisa foi produzida, como começou a ser. O mito não fala senão daquilo que aconteceu realmente, naquilo que se manifestou completamente. As personagens dos mitos são seres sobrenaturais."

Erlch Fromm (1966:174):

"O mito como o sonho, apresenta uma estória desenrolando-se no tempo e no espaço, estória essa que exprime em linguagem simbólica, idéias religiosas e filosóficas, experiências da alma em que reside o verdadeiro significado do mito. Se a gente não logra apreender o significado real do mito, fica em face de uma imagem ingênua, pré-cientffica do mundo e da história e, na melhor das hipóteses, um produto de uma bela imaginação poética, ou então - esta é a atitude do crente ortodoxo - a estória manifesta do mito é verídica, e tem-se de acreditar nela como um relato correto de fatos deveras ocorridos na 'realidade'."
*Apud. JABOUILLE, Victor. Op.

Carlos F. da Costa [15] (p 16):

"Um mito é um conjunto de símbolos que procuram falar daquilo que não se pode falar, não por ser um ser um segredo misterioso e proibido aos não-iniciados, mas por estar situado radicalmente fora da linguagem. Mito (gr. myein silenciar)

Concluímos que lenda e mito não passam de símbolos distintos para identificar a mesma coisa; enfim, são sinônimos, só que o termo lenda possui uma conotação poética.

Mario Mercier (1980: 52), transcendendo do significado cultural do mito, adverte:

"É na tradição, nas antigas narrativas, nesses arquivos universais chamados erroneamente de lendas, é nos velhos contos que o homem poderá reencontrar sua verdadeira identidade, sua identidade mágica. Para isso, deverá sair de sua cristalização intelectual e ultrapassar a concepção do símbolo que, embora energético, não deixa de ser bastante abstrato."

O mito "lato sensu" pode ser entendido como alegorias empregadas pelos antigos para revelarem ou perpetuarem verdades e conhecimentos; expressar conceitos morais, filosóficos e religiosos; justificar princípios; servir de referência histórica e geográfica, etc. Os mitos são projeções dos fatos reais, verdadeiramente acontecidos, aos quais os primeiros cronistas buscaram registrar com suas limitadas expressões e que, com a tradição oral, foram ganhando novas cores, inflacionando-se pelo calor da narrativa e pela imaginação do narrador; até que restou apenas uma "imagem" da verdade, refletida num espelho embaciado.

"Não devemos esquecer - escrevem Yolanda, Helda e Nobue16 -que todas as palavras são logogramas, isto é, símbolos construídos partindo-se de símbolos básicos...", dai que escrever, falar, fazer um relato ou contar uma história, é tentar descrever símbolos utilizando-se de outros símbolos. Numa forma mais simples equivale a dizer que "quem conta um conto aumenta um ponto", principalmente quando o conto é sobre a Amazônia. Já em 1923, Alfredo Ladislau [17] concluía que:

"... de mistura com essa névoa subtilíssima das lendas, que anda fluctuando na penumbra das florestas virgens, o itinerante passageiro pressente um balbuciar de histórias fantásticas, que o amedrontam. E será esse próprio forasteiro que propagará mais tarde, fora da Amazônia, o abuso das superstições, cuja teia finíssima ele mesmo ajudou a tecer inconscientemente."

Para concluirmos esse capítulo, tomemos emprestado a E. von Dâniken [18], o modelo que ele criou para ilustrar a sua tese de que o homem, na tentativa de explicar o que não compreende, cria mitos:

"Na selva africana desce, pela primeira vez, um helicóptero. Nenhum indígena jamais viu tal máquina. Com enorme estrondo aterrisa o helicóptero numa clareira. Pilotos em uniformes de campanha, com capacetes e metralhadoras saltam dele. O selvagem, em sua tanga, estaca tonto e abobadado, ante essa coisa que desceu do céu, e ante os "deuses" seus desconhecidos. Depois de algum tempo, o helicóptero eleva-se de novo e desaparece na atmosfera."

Deixamos à imaginação do leitor o desenrolar dessa aventura e a consequente narrativa que, por certo, o nativo faria quando de regresso à sua tribo.
===============
Notas
9 MERCIER, Mario. O mundo mágico dos sonhos. s. 1.: Pensamento, 1980, p. 48.
10 FROMM, Erich. A Linguagem Esquecida: uma introdução ao entendimento dos sonhos, contos de fadas e mitos. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
11 ver MICELI, Paulo. O mito do her6i nacional. s. l.: Contexto, 1988.
12 JUNG, Kar G. Arquétipos e Inconsciente Colectivo. Buenos Aires: Paidos, 1970, p. 20.
13 CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Brasília: INL/MEC, 72.
14 ROSÁRIO, Ubiratan. Op. Cit. p.45.
15 COSTA, Carlos F. da. Manual Prático de numerologia através do taró. Sao Paulo:Traço Editora, 1990.
16 Yolanda, Helda e Nobue. Ritos dos índios brasileiros (Xinguano e Cadiwéu). (textos). São Paulo: EBRAESP, 1975, p. 25.
17 LADISLAU, Alfredo. Terra ímmatura. Belém: J. B. dos Santos e da., 1923.
(N. A.) Terra Imatura é uma denominação literária para igapós.
18 DANIKEN, Erich von. Eram os deuses astronautas. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p.79.

––––––––––––-
Continua

Ialmar Pio Schneider (Musa Consoladora)


Foge-me a inspiração levada pelo vento
e junto vais, oh musa ardente e sedutora,
deixando-me sozinho envolto em meu tormento
e a se desesperar minh’alma sofredora !

Foste minha ilusão e meu contentamento,
a luz que prende a alma e a torna sonhadora,
e se hoje tua ausência em vão choro e lamento,
é porque te perdi, fada consoladora !

Aguardo teu retorno, encantada revinda,
pra que volte a cantar e a bendizer o amor...
Na noite mais atroz te concebo mais linda

e necessito, enfim, de teu magno esplendor
que me faça entender, talvez um pouco ainda,
o sonho genial de ser poeta e cantor...

Publicado em O TIMONEIRO - Pág. 14 de 6.8.82 - CANOAS (RS)

Pedro Malasartes (O Urubu Adivinho)


Devido o espírito aventureiro, Malasartes não consegue passar um dia fechado dentro de uma casa, assim ele comprova que “Sua casa é o mundo, seu destino é a estrada”, e ainda acrescenta: “Eu sou Pedro Malasartes, o sabido sem estudo, eu nasci sem saber nada e vou morrer sabendo tudo.”

Em mais uma de suas andanças, numa certa manhã de verão e seca no sertão, ele encontra no meio do seu caminho um urubu com uma perna e uma asa quebradas, debatendo-se no meio da estrada. Agarrou o urubu, colocou dentro de um saco e seguiu o seu caminho.

Ao anoitecer estava diante de uma casa grande e bonita. Pela janela viu uma mulher guardando vários pratos de comidas saborosas e garrafas de vinho em um armário. Bateu na porta e pediu abrigo e comida. Mas a mulher recusou o seu pedido, dizendo que como o marido não estava em casa ficava feio, pra ela, receber um homem em sua casa. O que as vizinhas não vão falar. Terminou dizendo.

Malasartes foi pra debaixo de uma árvore e continuou a observar a casa. Com pouco tempo ele reparou que vinha chegando as escondidas um rapazinho ainda moço e que foi recebido com muitos agrados pela mulher dona da casa que o levou imediatamente para mesa e começou a servir vinho e um manjar de fazer inveja a qualquer rei.

Quando os dois iam começar a comer a beber, eis que aparece montado num cavalo alazão o dono da casa. O rapaz fugiu pelas portas do fundo e a mulher tratou de esconder os pratos de comidas e os litros de vinho dentro do armário.

Malasartes deu o tempo suficiente para o dono da casa tomar um banho e trocar de roupas e bateu novamente na porta da casa. O homem veio atende-lo, e ele pediu abrigo e comida. O dono da casa o mandou entrar, lavar as mãos e o convidou a sentar na mesa para o jantar.

A mulher começou a servir outra comida, bem pobre e mal feita. Malasartes, sempre com o urubu dentro do saco, deu com o pé, fazendo o roncar e começou a falar baixinho, como se estivesse discutindo com o urubu.

O dono da casa intrigado perguntou: – Com quem está falando?

Malasartes sem gaguejar respondeu. – Com esse urubu.

O dono da casa meio desconfiado retrucou: – Um urubu falando?

– Sim senhor, falando e adivinhando. Esse urubu é ensinado e adivinhador. – Disse com toda a esperteza Malasartes.

O patrão, imaginando que Malasartes era louco perguntou: – E o que é que ele está adivinhando agora?

Malasartes com a firmeza que lhe é peculiar respondeu:

– Ele está dizendo que naquele armário há um peru assado, arroz de forno, pernil de porco, bolho de milho, farofa de cebola e três litros de vinhos.

O Dono da casa só para comprovar ordenou a mulher: Procura aí, mulher, pra ver se é verdade. A mulher desconfiada ainda tentou dizer que aquilo era loucura, pois urubu não fala e nem tão pouco adivinha e Malasartes retrucou:

– Abra pra ver se é verdade ou não.

O Dono da casa ordenou: – Abra é uma ordem.

A mulher abriu o armário e fingindo surpresa anunciou tudo que o urubu tinha dito e todos comeram com muito apetite aquelas guloseimas.

Ao terminar o jantar o Dono da Casa perguntou por quanto ele queria vender o urubu e Malasartes fingindo indiferença disse que não vendia de forma alguma.

Pela manhã, após um grande e saboroso café, o dono da casa dobrou a oferta da noite passada e Malasartes fingindo contrariado aceitou o dinheiro, deixando na casa da mulher traidora e do homem besta enganado, um urubu, com a asa e as pernas quebradas, que nunca mais adivinhou coisa alguma.

Eça de Queiróz (O Tesouro)


Análise da obra

Eça de Queirós, romancista dos maiores, é também um contista que domina as artes de bem tecer uma narrativa breve.

Enredo

O conto O tesouro é uma história de astúcia e crimes. A ação concentra-se em torno de uma "viagem" de três irmãos pela floresta em busca de um tesouro perdido, tendo como tema principal a ambição desmedida e resumindo a moral da história ao sábio ditado popular "quem tudo quer tudo perde".

Tal como Shakespeare, também Eça nos conta uma história com humor, imaginação e alguma poesia, e também algo de trágico e amargo. No entanto, por detrás do trágico, há um prazer do lúdico, da dimensão onde se pode desvendar, através das personagens, uma visão negra da humanidade e das relações entre os indivíduos.

Ação

- Introdução (dois primeiros parágrafos): apresentação das personagens e descrição do ambiente em que vivem.

- Desenvolvimento (até ao penúltimo parágrafo): descoberta do tesouro, decisão de partilha e esforços para eliminar os concorrentes.

Conclusão (dois últimos parágrafos):
Situação final.

Se considerarmos a história dos "três irmãos de Medranhos", estamos perante uma narrativa fechada ; ao invés, se nos centrarmos sobre o "tesouro", teremos de considerar a narrativa aberta , dado que ele continua por descobrir ("...ainda lá está, na mata de Roquelanes.").

Por sua vez, o desenvolvimento tem também uma estrutura de três fases: 1. A descoberta do tesouro e decisão de o partilhar; 2. Rui e Rostabal decidem matar Guanes; morte de Guanes; morte de Rostabal; 3. Rui apodera-se do cofre e morre envenenado.

A articulação das sequências narrativas (momentos de avanço) faz-se por encadeamento. Os momentos de pausa abrem e fecham a narrativa e interrompem regularmente a narração com descrições (espaço, objetos, personagens) e reflexões.

Personagens

Rui: Gordo e ruivo. Avisado, calculista, traiçoeiro.

Guanes: Pele negra, pescoço de grou, enrugado. Desconfiado, calculista, traiçoeiro.

Rostabal: Alto, cabelo comprido, barba longa, olhos raiados de sangue. Ingênuo, compulsivo.

Predomina o processo de caracterização direta, visto que a maior parte das informações nos são dadas pelo narrador. No entanto, os traços de traição e premeditação de Rui e Guanes são deduzidos a partir do seu comportamento (caracterização indireta).

As personagens começam por ser apresentadas coletivamente ("Os três irmãos de Medranhos..."), mas à medida que a ação progride, a sua caracterização vai se individualizando, como que sublinhando o predomínio do egoísmo individual sobre a aparente fraternidade.

Tempo

A referência ao "Reino das Astúrias" permite localizar a ação por volta do século IX, já que os árabes invadiram a península ibérica no século VIII (a ocupação iniciou-se em 711 e prolongou-se por vários anos, sem nunca ter sido concluída); por outro lado, no século X encontramos já constituído o Reino de Leão, que sucedeu ao das Astúrias.

A ação decorre entre o inverno e a primavera, mas concentra-se num domingo de primavera, estendendo-se de manhã até à noite. O inverno está conotado com a escuridão, a noite, o sono, a morte. E é no inverno que nos são apresentadas as personagens, envoltas na decadência econômica, no isolamento social e na degradação moral (E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.). Por sua vez, a primavera tem uma conotação positiva, associa-se à luz, à cor, ao renascimento da natureza, sugere uma vida nova, enquanto o domingo é um dia santo, favorável ao renascimento espiritual.

A ação central inicia-se na manhã de domingo e progride durante o dia. À medida que a noite se aproxima a tragédia vai se preparando. Quando tudo termina, com a morte sucessiva dos irmãos, a noite surgindo (Anoiteceu.).

A ação estende-se do inverno à primavera e o seu núcleo central concentra-se num dia, desde a manhã até à noite. A condensação de um tempo da história tão longo (presumivelmente três ou quatro meses) numa narrativa curta (conto) implica a utilização sistemática de sumários ou resumos (processo pelo qual o tempo do discurso é menor do que o tempo da história). Nos momentos mais significativos da ação (decisão de repartir o tesouro e partilha das chaves, bem como a argumentação de Rui para excluir Guanes da partilha) o tempo do discurso tende para a isocronia (igual duração do tempo da história e do tempo do discurso), sem no entanto a atingir.

É possível também identificar no texto um outro processo de redução do tempo da história, que é a elipse (eliminação, do discurso, de períodos mais ou menos longos da história). A parte inicial da ação é localizada no inverno (...passavam eles as tardes desse Inverno...) e logo a seguir o narrador remete-nos para a primavera (Ora, na Primavera, por uma silenciosa manhã de domingo...).

Quanto à ordenação dos acontecimentos, predomina o respeito pela sequência cronológica. Só na parte final nos surge um recuo no tempo, quando o narrador abandona a postura de observador e adota uma focalização onisciente, para revelar o modo como Guanes tinha planejado o envenenamento dos irmãos, manifestando dessa forma a natureza traiçoeira do seu caráter.

Freqüentemente, o recuo do tempo permite esconder da narração pormenores importantes para a compreensão dos acontecimentos, mantendo assim um suspense favorável à tensão dramática.

Espaço

A ação é localizada nas Astúrias e decorre, a parte inicial, nos "Paços de Medranhos" e, a parte central, na mata de Roquelanes. Somente o episódio do envenenamento do vinho é situado num local um pouco mais longínquo, na vila de Retorquilho.

O paço dos Medranhos é descrito negativamente, por exclusão (...a que o vento da serra levara vidraça e telha...), e os três irmãos circulam entre a cozinha (sem luz, nem comida) e a estrebaria, onde dormem, para aproveitar o calor das três éguas lazarentas.

O fato de três fidalgos passarem os seus dias entre a cozinha e a estrebaria, os lugares menos nobres de um palácio, é significativo: caracteriza bem o grau de decadência econômica em que vivem. A miséria em que vivem é acompanhada por uma degradação moral que o narrador não esconde (E a miséria tornara estes senhores mais bravios que lobos.).

De igual modo, o espaço exterior, a mata de Roquelanes, não é um simples cenário onde decorre a ação. As descrições da natureza têm também um caráter significativo. A "relva nova de Abril", manifestação visível do renascimento da natureza, sugere o renascimento espiritual que as personagens, como veremos, não são capazes de concretizar. Do mesmo modo, a "moita de espinheiros" e a "cova de rocha" simbolizam as dificuldades, os sacrifícios, que é necessário enfrentar para alcançar o objeto pretendido — são obstáculos que é necessário ultrapassar.

A natureza, calma, pacífica, renascente (...um fio de água, brotando entre rochas, caía sobre uma vasta laje escavada, onde fazia como um tanque, claro e quieto, antes de se escoar para as relvas altas.), contrasta com o espaço interior das personagens, que facilmente imaginamos inquietas, agitadas, perturbadas pela visão do ouro e ansiosas por dele se apoderarem, com exclusão dos demais. Enquanto isso as duas éguas retouçavam a boa erva pintalgada de papoulas e botões-de-ouro. Esse contraste tinha já sido posto em evidência antes, depois dos três terem contemplado o ouro (... estalaram a rir, num riso de tão larga rajada que as folhas tenras dos olmos, em roda, tremiam...). E, quando Rui e Rostabal esperam, emboscados, o irmão, um vento leve arrepiou na encosta as folhas dos álamos, como se a natureza sentisse o horror do crime que estava para ser cometido. Depois de assassinado Guanes, os dois regressam à clareira onde o sol já não dourava as folhas.

Simbologia

À leitura do conto ressalta de imediato a referência insistente ao número três, de todos os números aquele que carrega maior carga simbólica.

Desde logo, são três os irmãos; e o três é também um símbolo da família — pai, mãe, filho(s). Mas aqui encontramos uma família truncada, imperfeita — nem pais, nem filhos, apenas três irmãos. Não há, aliás, a mais leve referência aos progenitores dos fidalgos de Medranhos, como se eles nunca tivessem existido. Essa ausência da narração é, de certo modo, um símbolo da sua ausência na educação dos filhos. Sem a presença modeladora dos pais (ou alguém que os substituísse), Rui, Guanes e Rostabal dificilmente poderiam desenvolver sentimentos humanos: vivem como "lobos", porque — imaginamos nós — cresceram como lobos.

Eles próprios não foram capazes de constituir uma família verdadeira, do mesmo modo que os três, apesar dos laços de sangue e de viverem juntos, não formam uma família e sempre pela mesma razão: porque são incapazes de sentir o amor.

O tesouro está guardado num cofre . Um cofre protege, preserva, permite que o seu conteúdo permaneça intocado ao longo do tempo. A sua utilização é significativa do caráter precioso do conteúdo. Igualmente significativo é o fato de o cofre ser de ferro, material resistente, simultaneamente, à força e à corrupção.

Três fechaduras — novamente o número "três"! — preservam o conteúdo do cofre (Da curiosidade? Da cobiça? Da apropriação indevida?...), mas três chaves permitem abri-lo sem dificuldade. Note: nenhuma delas, só por si, mas as três em conjunto. O simbolismo aqui é evidente. Só a cooperação dos três proprietários permite aceder ao tesouro. É pela solidariedade, pela cooperação, pela convergência de interesses e esforços que é possível alcançar o "tesouro" por todos almejado. Foi apenas porque, momentaneamente, os três cooperaram, que lhes foi permitido contemplar o "tesouro". E porque não souberam manter esse espírito de cooperação, não lhes foi permitido possuir o "tesouro".

E quando Rui expõe a estratégia a seguir, o número "três" volta a aparecer insistentemente (...três alforjes de couro, três maquias de cevada, três empadões de carne e três botelhas de vinho.), como que a sublinhar o irredutível individualismo que os vai conduzir à tragédia.

Por outro lado, o ouro, material precioso e incorruptível, é ele próprio símbolo de perfeição. Obviamente, para além do seu valor material, simboliza a salvação, a elevação a uma forma superior de vida, mais espiritual, menos animal. É esse o verdadeiro bem, o verdadeiro tesouro. Os fidalgos de Medranhos vivem mergulhados na decadência material e na degradação moral. Não se lhes conhece uma atividade útil, um sentimento mais elevado, um afeto. Vivem com os animais e como animais. Mas para eles, como para todo o ser humano, há uma possibilidade de redenção. O "tesouro" está ali, à sua frente, é possível alcançá-lo; mas, para isso, é necessário enfrentar dificuldades, largar a cobiça, vencer o egoísmo, criar laços de solidariedade e verdadeira fraternidade.

Frequentemente, na narrativa, a tragédia é anunciada antecipadamente por indícios, que as personagens ignoram, mas não passam despercebidos ao leitor atento. É o caso da cantiga que Guanes entoa ao dirigir- se à vila e continua a cantarolar quando regressa:

Olé! Olé!
Sale la cruz de la iglesia,
Vestida de negro luto...

A "cruz" e o "negro luto" são referências claras à morte que Guanes planeia para os irmãos. Mas ironicamente prenuncia também a sua própria morte. Nenhuma das três personagens é capaz de reconhecer esse sinal.

Outro indício trágico são as duas garrafas que Guanes trouxe de Retorquilho. Rui estranha o fato, mas não suspeita da traição. Se as personagens fossem capazes de interpretar esses indícios poderiam fugir ao destino. Mas são incapazes disso e é desse lento aproximar do desenlace e da incapacidade das personagens para o evitar que resulta a dimensão trágica da narrativa.

Fonte:
Passeiweb

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 482)


Uma Trova de Ademar 

Uma Trova Nacional 

Do bom e do que sofri
no percurso das estradas,
resta a paz que eu adquiri...
O mais... são águas passadas.
–DOROTHY JANSSON MORETTI/SP–

Uma Trova Potiguar 

Sinto tristeza, arrepio,
minha alma chora, se afoga,
vendo o futuro sombrio
na vida de quem se droga!...
–ZÉ DE SOUZA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram 

Velhice é um tempo que encerra
saudades e desenganos.
Por isso é que Deus, na Terra,
só viveu trinta e três anos!
–ANTONIO ROBERTO/RJ–

Uma Trova Premiada 

2010 - Cantagalo/RJ
Tema:  REALIDADE - M/H

Na realidade, o pecado
que me faz vagar a esmo,
foi na vida ter amado
outro alguém mais que a mim mesmo!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Simplesmente Poesia 

Aconchego
                         –SUELY NOBRE FELIPE/RN–

Quando partires do meu tempo,
Leva-me entrelaçada em teus braços,
Dividas comigo o teu novo regaço,
Deixe-me provar da leveza do teu céu,
Onde ali, repousada entre nuvens,
Desfiarei nossos melhores sonhos.
E, por entre os fios dos nossos cabelos
– Já não tão negros como a noite,
Confundiremos deliciosos segredos.
Pois, não tardará o tempo
Em que haveremos de desfiar
Capuchos de solidão.

Estrofe do Dia 

Deus fez a relva sombria,
fez o tatu, à burguesa,
o campo da natureza
e a mais bela ecologia;
mas o homem de hoje em dia
não lhe procura zelar,
está poluindo o ar
pondo resíduo no leito,
Deus fez tudo tão bem feito
e o homem quer desmanchar.
–RAIMUNDO CAETANO/PB–

Soneto do Dia 

Aprendiz
                      –FRANCISCO MACEDO/RN–

Filosoficamente, tudo eu fiz...
Mas, não vi qualquer tese concluída,
e uma verdade, um dia concedida,
era pura ilusão, então refiz.  

Ao definir-me como um aprendiz,
e saber que sei pouco sobre a vida,
mas que busco encontrar uma saída,
ou melhor, uma porta, e ser feliz.

Procurei, inquieto, conhecer,
nesta busca incessante do saber:
Li, reli, estudei o “grande autor”.

Eu aprendi, com Ele, uma lição,
aí cheguei à grande conclusão:
A verdade absoluta... Só o amor!

Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor. Montagem da imagem com trova por José Feldman.

Trova Ecológica 76 – Wagner Marques Lopes (MG)


J. G. de Araujo Jorge (Maio: Um Tema e Duas Variações)


      Maio é um mês lírico. Ficaram em nós, através da herança cultural européia, ressonâncias primaveris.                                                                             

    “Maio: mês das flores”. Que  importa se nossa Primavera começa em setembro? Maio: Mês de Maria, mês das mães: a do céu; as da terra. Todas santas, pois que a maternidade é um estado de graça. Disse isso nesta quadrinha:

“Pureza maior que aquela
da branca e intocada flor,
é a da flor ainda mais bela
que vai dar frutos de amor”.

E nesta outra:

“Tens tanta pureza, tanta
minha mãe... que me enterneço
e chamo sempre de santa
a toda mãe que conheço!”

Os leitores que me distinguem com seu interesse hão de se lembrar de uma outra crônica: “O mais belo tema”. Recolhemos então as mais expressivas poesias sobre a maternidade, assinadas por  Belmiro Braga,  Constâncio Alves,  Hermes Fontes, Mauro Mota,  Mário de Andrade.

Sirvo-me,  agora,  da minha poesia  para a homenagem.  Flores silvestres, mais humildes, em todo caso, poesia, para o mesmo dia de festa. Tenho escrito muito sobre este tema.

Vou destacar, entretanto, apenas dois poemas: duas variações.  Um retirado ao livro “Cantiga do Só”, e outro, ao “Eterno Motivo”.

Começo por recordar aquele dia em que li num s uplemento literário,  a entrevista de um poeta brasileiro, dos mais festejados pela crítica comadresca. Respondia a perguntas sérias, ou superficiais. Uma delas, ingênua até.

O repórter queria saber qual a coisa mais feia do mundo. Pasmem com a resposta do poeta: -Uma mulher grávida. (Nada mais, nada menos).

Fechei  o  jornal.  E me  quedei  por segundos,  incapaz   de qualquer reação.  Mas, surdamente, as palavras começaram a germinar. Era um protesto contra a heresia. Fui à máquina, e escrevi o poema:

MULHER GRÁVIDA

Aquela beleza
aquela que fica para além dos olhos,
que independe de formas
está em teu corpo.

Durante nove meses,
silenciosamente,
Deus trabalha
em tuas entranhas.

Durante nove meses
- laboratório de Deus -
és um milagre acontecendo
em todas as suas fases.

Aquela beleza
aquela que fica para além dos olhos,
que as mãos não modelam
que os homens não sabem,
que as crianças não percebem,
que está em teu corpo.

(Não a beleza externa,
da flor,
mas, a recôndita,
da raiz;
não a beleza do adjetivo,
mas a beleza do verbo.

No começo, era verbo).

Até que, de repente,
Deus te revela em ti como um novo dia!

Então
não és apenas mulher - és símbolo, universo,
estrela...

E ao ver-te (e ao vê-la)
te sigo como o pastor
em direção da alvorada,
me curvo como o lavrador
sobre a terra já semeada,
me ajoelho como o crente
ante a imagem venerada,
me comovo como o Poeta
ao olhar doce da amada.
Prosterno-me
ante a mais simples e inédita
de todas as belezas,
(que importa se infinitas vezes repetida?)
e, humilde e ignorante,
(a alma por um mistério inefável possuída)
feito rei e pastor me maravilho
ouvindo a Vida cantar
no choro de teu filho!

          Ontem, vendo nas revistas, fotografias dramáticas de crianças vietcongues, entre os escombros da cidade arrasada de Huê, e junto a minha mãe, pude repetir mentalmente, em silêncio, como uma oração, os versos do poema

NÃO, MÃE, HOJE NÃO SAIREI...

Não, mãe, hoje não sairei... Quero ficar contigo,
quero ficar sozinho...

Não procures buscar além da minha face,
acharias estranho se te confessasse
minha angústia imensa...
Hoje... quero sentir que não morri,
quero ouvir que me falas, que vives, que está aqui,
quero me convencer da tua presença!

Encontro-me só, debruçado à janela,
daqui a pouco, bem sei, virás me perguntar:
- “Estás doente, meu filho? Com uma noite tão bela
por que não vais passear?”

Não, mãe, hoje não sairei... Quero ficar contigo,
embala-me nos teus braços como em tempos de então...
Não tenho febre, e até tenho dormido bem,
não te preocupes, mãe... não tenho nada, não.

Chegaste, oh! Minha mãe, - e ao ver-te eu murmurei:
Que doce a luz dos teus olhos!
Que suave e belo o seu brilho!
- Nossa Senhora da Paz!

E então me perguntaste:
- “Que crianças são essas no jornal, meu filho?”
- Órfãos, órfãos da guerra, minha mãe, crianças
perdidas, sem esperanças,
crianças tristes sem pais!

Sobre a minha cabeça a tua mão pousaste
e um minuto, em silêncio, os dois ficamos...
Eu sei que ambos pensamos
nos soldados que morrem, nas mães que soluçam,
nas crianças sem abrigo...
Tão bom, oh! Minha mãe, eu sentir-me ao teu lado!
Tão bom, oh! Minha mãe, eu ter-te ainda comigo!

(Eu nunca me encontrei com o espírito estranho e perturbado assim,
- quem sabe se a alma errante de um soldado morto
que longe dos seus caiu, sem carinho e conforto,
não se encarnou em mim?

Por absurdo e inverossímil que esta idéia apareça
senti na tua mão sobre a minha cabeça
o carinho de todas as mães que não conheço
nem nunca me conheceram,
como se pelo seu gesto elas todas se expressassem,
e com ternura afagassem
os filhos que morreram!)

Não, mãe, hoje não sairei... Pensando em todos os órfãos
cujos rostos estão nos clichês dos jornais,
quero ficar contigo, e ter certeza que vives,
ter certeza que vivemos e ainda somos felizes
e ainda estamos em Paz!

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969