segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Lendas e Contos Populares do Paraná (Cândido de Abreu – Curitiba – Faxinal – Ipiranga – Morretes – Virmond)


CÂNDIDO DE ABREU
Lendas da Colônia Tereza Cristina


A lenda mais conhecida do lugarejo é a da panela de ouro. Segundo contam, algumas pessoas sonham com falecidos da família que relatam onde está enterrada uma panela de ouro. A pessoa tem que procurá-la sozinha, sem poder contar a ninguém. Se a pessoa não for em busca do tesouro ela não terá paz, os falecidos ficam aparecendo em sonho, não dando sossego à pessoa. Quando a pessoa se recusar ir em busca da panela, pois sente medo; considera-se que isto não é “coisa de Deus” e ela deve passar a missão em sonho para outra.

Mais panelas de ouro

Muitas pessoas da região contam que ainda existem sinais de buracos feitos por pessoas que cavaram para encontrar panelas com moedas de ouro. Segundo uma lenda local, uma assombração aparece e diz para a pessoa que em tal lugar existe uma panela de ouro. Aí, então, a pessoa se prepara com velas e água benta para benzer o local, pois só assim pode cavar e tirar o ouro. Ela não pode, assim que encontrar o ouro, pegá-lo logo em seguida, porque ele pode desaparecer. Ou seja, a pessoa gasta tudo facilmente, perdendo logo toda a fortuna. Também dizem que o “bafo” do ouro faz mal e a pessoa pode ficar doente. Deve-se esperar e benzer o ouro com a água benta para que a pessoa não perca seu tesouro rapidamente.

Conta-se, ainda, que certa feita vieram algumas pessoas de Ponta Grossa para procurar uma panela. Quando a encontraram, o amigo com a intenção de roubar todo o ouro, mandou que o homem descesse no buraco para retirar o tesouro. Nesse momento, ele pegou uma marreta para matar o amigo. Em instantes, o dinheiro desapareceu e foi parar à beira do rio e eles não conseguiram mais encontrá-lo, pois o ouro não chega às mãos de pessoas mal intencionadas.

CURITIBA
O fantasma do pirata do Bairro Mercês


Atenção, pois vou contar para vocês...
A lenda do pirata do bairro das Mercês!
Em 1840, um misterioso inglês...
Soturno e nada cortês...

Veio morar num lugar,
De um jeito misterioso para danar,
Chamado Sítio do Mato, que é o atual Bairro das Mercês...
Que abrigou este foragido inglês!

O nome desta pessoa era Zulmiro...
Ele tinha perna de pau e dentes de vampiro!
Por isto, vivia se isolando de tanta gente...
Ele era uma criatura estranha simplesmente!

Este pirata fez maldade na Inglaterra...
E por isto, foi parar na nossa linda terra!
Ele foi um pirata violento...
Sem nenhum sentimento!

Porém, ele tinha um mapa do tesouro,
Que levava ao caminho do ouro!
Dizem que ele escondeu este tesouro de um jeito cortês
Bem num misterioso túnel subterrâneo do bairro das Mercês!

Falam que toda sexta-feira..
Em noite de lua cheia...
Na alta e calada madrugada...
O fantasma do pirata aparece do nada...

Com toda a insensatez...
Bem no bairro das Mercês.

FAXINAL
Marca dos três coqueiros


Os antigos contam que debaixo da queda da cachoeira Chicão Três existe uma pequena caverna; dentro dela havia um caixão de ouro, amarrado por uma corrente. O local era mal assombrado e encantado para o céu; era protegido por seres encantados e ninguém conseguia se aproximar do tesouro. Para marcar o lugar exato onde foi escondido o tesouro foram plantados três coqueiros, que estão lá até hoje.

IPIRANGA
Serra do Caixão


Anos atrás, um homem muito estranho e ambicioso resolveu conhecer a tão famosa Serra do Caixão. Diziam que lá havia um caixão com muitos utensílios como garfos, facas, jarros, cálices, todos de ouro. Ele levou ferramentas ao local e deu início ao plano de exploração. Nesse dia os moradores da região ouviram um ruído muito estranho, mas ninguém se arriscou a ver de onde ele vinha.

Depois de um tempo, acharam falta do senhor Urubu, assim chamado por usar somente roupas pretas. Como sabiam do tal plano de exploração dele para resgatar o caixão e, também, de uma história de que havia uma enorme fera na serra, à espreita, chegaram à conclusão de que ele fora atacado por ela. Por fim, consagrou sua alma a cuidar do ouro, juntamente com a fera que o matara, e sacrificaria quem quer que tentasse explorar a Serra do Caixão.

MORRETES
O caso da vela


Conta-nos o senhor Custódio Pereira Cunha, morador do Porto de Cima, que todas as noites aparecia na reta do Porto de Cima uma vela acesa e que ao aproximar-se alguém, apagava-se e aparecia mais adiante. Seu Custódio diz que uma vez dois homens blasfemaram e tentaram apagá-la, com um guarda-chuva, que imediatamente se incendiou, tendo a vela perseguido-os até tombarem no chão desfalecidos. Segundo a lenda, era uma alma procurando seu dinheiro enterrado. Após algum tempo, a vela desapareceu, porque o tesouro foi encontrado por uma moradora que ficou rica.

O negrão do caixão

Conta-se que na época da mineração no litoral do Paraná tinha-se o costume de matar um escravo e enterrá-lo junto a um baú de ouro, para marcar o local onde a riqueza foi escondida. Ocorre que em um desses assassinatos o baú não foi encontrado, forçando o escravo que o guardava a carregá-lo pela eternidade.

Esse escravo foi enterrado na região de Barreiros, município de Morretes, e até hoje busca alguém que lhe tire o fardo de carregar o caixão eternamente. Se você o encontrar faça a seguinte pergunta: “o que você tem aí nesse baú?” Ele responderá que tem ouro e que para tê-lo você deverá vencer um sacrifício. Se a pessoa conseguir cumprir o sacrifício, fica com o ouro, com um senão: se não gastar a fortuna até o final de sua vida, também ficará penando, como o “negrão do caixão”.

VIRMOND
O tesouro da caverna


Conta-se que numa caverna, embaixo de uma linda cachoeira do rio Cavernoso, havia um enorme caixão, amarrado com fortes correntes. Quem quer que fosse pescar próximo deste lugar ouvia barulho de correntes se arrastando; os que se aproximavam da caverna viam uma linda mulher, que fazia guarda do caixão.

Acreditavam que no caixão deveria existir um grande tesouro, mas nunca ninguém teve coragem para tentar abri-lo. Mais tarde a queda d’água foi submersa pelo alagamento da usina de Salto Santiago.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

Francisco Cândido Xavier (Trovadores do Além) Parte 7, final


301
Fantasias? Realidades?
Quanto sonho em que te viras!...
Há dores-felicidades,
Felicidades-mentiras...
LUIS PISTARINI

302
Depois da morte é que vi,
Nas cenas de toda hora,
Muita tristeza que ri,
Muita alegria que chora.
SEBASTIÃO RIOS

303
Saudade – felicidade
Que chorando se entretém...
Ninguém sabe o que é saudade
Enquanto a morte não vem.
LAURO PINHEIRO

304
O berço lembra capaz
Da escuridão no apogeu,
A morte parece a luz
Do dia que amanheceu.
RAIMUNDO DE AREIA LEÃO

305
Amores desencarnados,
Quantos deles esquecidos!
Notando sem ser notados,
Ouvindo sem ser ouvidos!...
FRANCISCO OTAVIANO

306
Sobre a Terra, há muita gente
Que vaga sem diretriz,
Trabalhando ativamente
Para viver infeliz.
CARLOS FERREIRA

307
Quem coma, coma com jeito,
Quem beba, beba água pura;
Se a boca não tem preceito,
A vida não é segura.
LUÍS PAROLA

308
Esclarecer nunca pude
Esta nota incontroversa:
Muito silêncio – virtude,
Muita virtude – conversa.
EMÍLIO DE MENEZES

309
Não depende da pessoa
Padecer a tentação,
Mas depende da vontade
Dizer que sim ou que não.
SOUZA LOBO

310
Casamento – obra de Deus,
Obrigação para dois:
Encanto chega primeiro,
Serviço chega depois.
DELFINA BENIGNA DA CUNHA

311
O ensejo da caridade,
Para quem luta e melhora,
Não é breve, nem mais tarde,
O tempo chama-se agora.
REGUEIRA COSTA

312
Cartazes, anúncios, planos,
O maior deles – a cruz –
Permanece há dois mil anos
Na promoção de Jesus.
ÁLVARO MARTINS

Fonte:
Francisco Candido Xavier (psicografia)– Trovadores do Além.

Valmir Jordão (Do Tricentenário de Zumbi)


Quilombo,Angola-Janga,
guerreando pra viver em paz,
igualdade direito de todos
salvaguardado pelos Orixás.

N'zambi,Zombi,Zumbi grande chefe
engravidou a Serra da Barriga,
de negritude,coragem,resistência
quilombola guerreiro bom de briga.

Mombaça,Congo,Camarões,Daomé
África oceânica palmarina,
enfrentando o amargo do açúcar
escravidão,tortura,má-sina.

Malungos nas várias Senzalas
Quimbundo,Mandinga,Jeje,Yorubá
em fuga,derrubam paus mandados,
pra ter tempo de jogar o Caxangá.
--

Guerra Junqueiro (A Alma)


– Mamã, nem todas as crianças que morrem vão para o Paraíso. O outro dia vi levar para o cemitério um menino que tinha morrido; o seu papá e as duas irmãzinhas acompanhavam o caixão e choravam tanto que me fazia pena. Iam a chorar porque aquele menino tinha sido mau, não é verdade?

– Não; naturalmente foi sempre bom, e a sua alma, enquanto choravam seus pais e suas irmãs, já estava vivendo feliz no Paraíso.

– A alma? mamã; não sei o que é; não compreendo bem.

– Maria, acabas de me dizer que tiveste pena de ver chorar as duas pequerruchas.

– Tive, sim, mamã, tive muita pena.

– Ora bem, o que é que no teu corpo estava desconsolado e triste? eram os braços?

– Não, mamã.

– Eram as orelhas?

– Oh! não, mamã, era cá dentro.

– Esse lá dentro, Maria, é a tua alma que se alegra ou se entristece, que te repreende quando fazes o mal, e que está satisfeita quando praticas o bem.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) - Pena de Papagaio - IV - O Senhor de La Fontaine


— Que lindo lugar! — exclamou Pedrinho. — Aqui é que devia ser o sítio de vovó.

A menina também se mostrou maravilhada. Mas Emília fez cara de pouco caso. Tinha tido uma decepção. Que pena não terem começado a viagem pelo Mar dos Piratas! Emília andava com a secreta esperança de ser raptada por algum famoso pirata, que comesse Rabicó assado e se casasse com ela. O sonho de Emília era tornar-se mulher de pirata — para “mandar num navio”.

— Mas será mesmo que os animais desta terra são falantes, ou faz de conta que falam? — perguntou Narizinho.

— Falam pelos cotovelos! — respondeu Peninha. — Falam para que possa haver fábulas. Vamos andando por este rio acima que logo encontraremos algum.

Nisto viram um homem de cabeleira encaracolada, vestido à moda dos franceses antigos. Usava fivelas nos sapatos, calções curtos e jaqueta de cintura. Na cabeça trazia chapéu de três pontas, e renda branca no pescoço e nos punhos. Apoiava-se em comprida bengala e vinha caminhando pausadamente, como quem está pensando.

— Parece uma figura que vi naquele leque de dona Benta — disse Emília. — Com certeza é o dono do carneirinho.

— Não! — afirmou Peninha. — Aquele homem é o senhor de La Fontaine, um francês muito sábio, que passa a vida nesta terra a observar a vida dos animais.

— Conheço-o muito — disse Pedrinho. — Tenho em casa um livro dele.

O senhor de La Fontaine aproximou-se do rio e, escondendo-se atrás duma moita, ficou por ali a espiar. O carneirinho estava com sede. Foi se chegando ao rio, espichou o pescoço e — glut, glut, glut, — começou a beber. Nisto, outro animal, de cara feroz e muito antipático, saiu da floresta, farejou o ar e dirigiu-se para o lado do carneirinho. Vinha lambendo os beiços.

— É o lobo! — cochichou Peninha. — Vai devorar o cordeirinho da fábula.

— Que judiação! — exclamou a menina com dó. — Não deixe, Pedrinho. Jogue uma pedra nele.

— Psiu! — fez Peninha. — Não atrapalham a fábula. O senhor de La Fontaine lá está, de lápis na mão, tomando notas.

O lobo chegou-se para junto do carneirinho e disse, com a insolência própria dos lobos:

— Que desaforo é esse, seu lanzudo, de estar a sujar a água que vou beber? Não vê que não posso servir-me dos restos dum miserável carneiro?

O pobrezinho pôs-se a tremer. Conhecia de fama o lobo, de cujas garras nenhum carneiro escapava. E com a voz atrapalhada pelo medo respondeu:

-Desculpe-me, senhor lobo, mas Vossa Lobência está do lado de cima do rio e eu estou do lado de baixo. Assim, com perdão de Vossa Lobência creio que não posso turvar a água que Vossa Lobência vai beber.

— E falam mesmo! — exclamou Emília. — Falam tal qual uma gente...

O lobo parece que não esperava aquela resposta, porque engasgou e tossiu três vezes. Depois disse:

— E não é só isso. Temos contas velhas a ajustar. O ano passado o senhor andou dizendo por aí que eu tinha cara de cachorro ladrão. Lembra-se?

— Não é verdade, Lobência, porque só tenho três meses; o ano passado eu ainda estava no calcanhar de minha avó.

— Toma! — exclamou Narizinho em voz baixa. Por esta o lobo não esperava. Quero só ver agora o que ele diz.

O senhor de La Fontaine, lá na moita, escrevia, escrevia...

Aquela resposta atrapalhara o lobo, que além de mau era curto de inteligência, ou, para ser franco, burro. Tossiu mais umas tossidas e por fim achou a resposta.

-Sim — rosnou ele — mas se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá na mesma.

— Como pode ser isso, Lobência, se sou filho único?

Vendo que com razões não conseguia vencer o carneirinho, o lobo resolveu empregar a força.

— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai, está ouvindo? – e avançou para ele de dentes arreganhados. E já ia fazendo — nhoc! quando o senhor de La Fontaine pulou da moita e lhe pregou uma bengalada no focinho.

Mestre lobo não esperava por aquilo. Meteu o rabo entre as pernas e sumiu-se pela floresta a dentro.

Grande alegria na meninada. Emília correu a brincar com o carneirinho, enquanto os outros se dirigiam para o lado do senhor de La Fontaine.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – V - Emília e La Fontaine

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

domingo, 29 de janeiro de 2012

Trova Ecológica 69 – Darly O. Barros (SP)

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 459)

Chuva no Pico Alto, o ponto culminante da serra. Baturité/CE
Uma Trova de Ademar

A sonhar eu me proponho,
e no sonho eu me desnudo...
Aquele que tem um sonho
já tem metade de tudo!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Um mistério faz a vida
que parece insensatez:
destrói sonhos e, atrevida,
nos faz sonhar outra vez...
–DÉSPINA PERUSSO/PR–

Uma Trova Potiguar


O sabiá, na ternura
do som que é somente seu,
canta pela partitura
que a mão de Deus escreveu.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Neste abandono, menino,
toda ternura lhe cabe:
Você é Deus pequenino!
- Pena que o mundo não sabe!...
–ADELIR MACHADO/RJ–

Uma Trova Premiada


2003 - Belém/PA
Tema: PRAÇA - M/E


Vejo em frente, ali na praça,
só lixo, trapos e panos;
e, para a minha desgraça,
no meio - seres humanos!
–SELMA PATTI SPINELLI/SP–

Simplesmente Poesia

Saudade...
–ANTONIO ROBERTO FERNANDES/RJ–

+++

...Quem diz que a saudade é roxa,
quem diz que a saudade é triste
e quem diz que não existe
quem a possa definir,
não sabe o que é saudade.
Saudade é mais do que isso.
Saudade é como um feitiço,
Saudade é falta de ti...

Estrofe do Dia

Quando Deus me levar pra eternidade
ficará nesta terra a minha cruz,
juntamente com todos meus pecados
pois pecados pra lá não se conduz;
agradeço ao bom Deus por esta vida
e eu não quero que chorem na partida,
porque vou para o céu, pra ver Jesus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Silêncio em Casa
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–

Quando eu a beijava timidamente
ela fremia o rosto, emocionada,
e dizia uma frase delicada
para o nosso namoro adolescente.

Depois o nosso amor ficou frequente
e ela, com a voz ávida e molhada,
falava-me em dialeto diferente
malícias de mulher apaixonada.

Um dia veio um tempo de descrença,
deixando em nossa casa a indiferença,
e o amor não teve mais razão de ser...

Restou-nos um silêncio reticente...
E sempre que nos vemos frente a frente
não temos nada mais a nos dizer.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte I


A gente nova do Paraná precisa conhecer a história desta terra.
Bento Munhoz da Rocha Neto


Toda história é feita de muitas histórias, a partir de uma pré-história. Para contar, portanto, a história do Paraná, é preciso revirar as raízes remotas da América do Sul, recordar as origens da Província do Guairá, rever enfim, pelo menos em parte, a formação da comunidade paranaense.

Aqui se tenta fazê-lo, sucinta e descontraidamente, em forma de hipotética entrevista com um contador de histórias. Primeiro fala-se dos índios, dos colonizadores europeus e das reduções jesuíticas; em seguida entram em cena os mineradores e os tropeiros; finalmente aparecem os pioneiros do café, que se instalaram no norte e noroeste do Paraná a partir dos anos 1930.

Com exceção de Bartolomeu Torales, que comprovadamente existiu, os demais Torales citados neste relato são fictícios, convivendo com personagens e fatos da história real.

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Calçadão em frente à prefeitura, Maringá, 1982, num domingo, manhã de sol. O velhinho caminhava sem pressa, enrolando um cigarro de palha. Abordou-me perguntando as horas. Mas queria mesmo era puxar conversa.

-Gosto muito desta praça, disse. Ela se compôs de tal modo que pode ser considerada uma homenagem aos primeiros habitantes da região.

-O senhor fala dos pioneiros da cidade?

-Falo dos índios que viveram aqui por perto, nas reduções implantadas pelos jesuítas no início do século 17. Repare bem: este conjunto é uma réplica daquelas antigas reduções.

Eu estava, sem dúvida, diante de um contador de histórias. Alto, magro, olhos de filósofo, cabelos lisos e negros com raros fios grisalhos, pele tostada. Apresentou-se:

-Meu nome é Rodrigo Antônio Torales, seu criado. Tenho um sítio no município de Ivatuba, que agora os filhos tocam. Acho que com 83 anos nas costas já posso descansar. Moro naquele prédio ali, com uma filha.

-Muito prazer. Mas o que tem a praça a ver com as reduções?

-O amigo já deve ter ouvido ou lido a respeito. As reduções (do verbo “reduzir”, que na “gíria” dos missionários significava “reunir para catequizar”) eram aldeias nas quais os jesuítas nucleavam os índios. Em cada redução havia uma grande praça, como esta em que agora estamos. No centro, a área de festas e esportes. Em torno, a igreja, a escola, o gabinete do alcaide, a corregedoria, a casa de hóspedes, e os grandes pavilhões residenciais em que cada família indígena tinha o seu aposento.

-Começo a perceber a semelhança.

-Observe: temos ali a catedral, com uma escola ao lado (o Instituto de Educação); temos também a prefeitura (gabinete do alcaide), o fórum (que corresponde à corregedoria), a área de lazer (centro de convivência) e nas imediações temos os hotéis e os prédios de apartamentos. O quadro é o mesmo, apenas com uma diferença: agora é tudo de cimento.

-O senhor tem imaginação fértil...

-Meu mais antigo avô, o índio Catu, nasceu numa redução jesuítica, não muito longe daqui.

-O senhor é paranaense?

-Nasci paulista, em Sorocaba. Cheguei ao Paraná em 1932, exatos 300 anos depois que o índio Catu deixou estas paragens. Fiquei 10 anos em Londrina; em 1942 me instalei em Maringá e fui abrir o sitiozinho de que lhe falei, nas margens do rio Ivaí. Em Sorocaba fui oficial de farmácia.

-O senhor me parece um homem instruído.

-Leitura e tarimba de vida. Escola mesmo foi pouca. Sempre gostei muito de ler e de conversar com os mais velhos. Meu avô João Afonso, que era o dono da farmácia, tinha a estante cheia de livros e me ensinou a ser curioso. Foi também ele quem me contou as histórias de nossa família.

-Mas o senhor falava de outro avô, o índio Catu...

-Vou-lhe contar. Se o amigo tiver paciência e disposição, pode tomar nota e até depois escrever um livro.

-Pois então me conte tudo, desde o começo.

-Para contar desde o começo, eu teria que recitar o Gênesis... a história ficaria muito comprida. Podemos partir do século 15, um pouco antes do descobrimento do Brasil.

Percebendo que a prosa iria longe, sugeri ao velho Rodrigo que nos sentássemos num dos bancos da Avenida Getúlio Vargas. Ele tomou fôlego, pediu a um passante que lhe acendesse o cigarro, acendeu junto a memória. E que memória!

NAQUELE TEMPO...

-Naquele tempo, esta região toda era habitada pelos índios: guaranis e outros grupos. Viviam da caça, da pesca, da colheita de frutos nativos e de algumas formas de agricultura. Um paraíso, com a natureza lhes servindo permanente banquete. Nas “horas vagas”, divertiam-se com alguns esportes, dizem que até com um jogo parecido com o futebol de hoje. Dedicavam-se também a diversas modalidades de arte, no que, aliás, suponho que só
perdessem para os incas, os mais adiantados da América do Sul.

-Ah, os incas do Peru... Fale-me deles.

-Se você quer, vamos lá: o fabuloso império inca desenvolveu-se nas grimpas dos Andes durante o século 15, com sede em Cuzco. Dominavam toda a cordilheira, desde o Equador até o Chile. Praticavam intensa agricultura, com eficiente sistema de irrigação e outras técnicas surpreendentes para a época. Exploravam minas, produziam excelente artesanato, sabiam tecer, tinham noções de medicina e astronomia. Realizaram também notáveis trabalhos de engenharia e arquitetura: edificações gigantescas, pontes, além de muitas estradas... cerca de 20 mil quilômetros de estradas. Alcançaram nível de tecnologia semelhante ao dos astecas do México e dos maias da América Central.

-E qual era o sistema de governo?

-Eram governados por uma espécie de imperador, tido como “descendente do Sol”, e um conselho de nobres. A sociedade era dividida em classes, que podemos chamar de nobres, militares, plebeus e escravos.

-Escravos?!

-Tinham escravos, sim. Não eram tão “anjinhos” como se poderia imaginar. Iam abrindo estradas e submetendo as tribos menos fortes. Punham os vencidos a seu serviço nas minas e nas lavouras.

-Chegaram a escravizar guaranis?

-Os guaranis eram valentes e muito numerosos. Os incas não ousariam atacá-los. Há, porém, evidências de que os dois povos se comunicavam e mantinham relações comerciais e culturais. Pode ter sido graças a esse intercâmbio que os guaranis aprenderam a trabalhar com cerâmica e a construir estradas.

O CAMINHO DO PEABIRU

-Já li alguma coisa sobre um tal “Caminho do Peabiru”...

-Bem lembrado. Mas não era, na verdade, uma trilha única. Era uma rede de caminhos, ligando o interior ao litoral atlântico. O tronco principal, a partir das proximidades do salto das Sete Quedas, passava perto de Campo Mourão, continuava até onde está hoje Fênix, chegava a Castro e ali se bipartia: um ramo se dirigia ao litoral de Santa Catarina; outro, o mais movimentado, seguia rumo a São Paulo de Piratininga e descia a serra para alcançar São Vicente. Na direção oeste, do outro lado do rio Paraná, o caminho passava por Assunção do Paraguai e chegava às encostas dos Andes, fazendo conexão com a rede viária dos incas.

-Até o oceano Pacífico?

-Veja que proeza: uma “ponte” transcontinental ligando o Atlântico ao Pacífico!

-E por que se chamava “Peabiru”?

“Peabiru” significaria “Caminho da Montanha do Sol”, aludindo, certamente, às serras andinas, descritas como “resplandecentes” pela existência ali de muito ouro e prata. Outra versão diz que “Peabiru” vem de “Tapé Aviru”, significando “Caminho Fofo”. Os índios abriam a picada (com oito palmos de largura) e plantavam sobre o leito uma relva macia que assegurava a conservação, impedindo que naquele espaço crescessem árvores ou espinhais. Dessa forma, coberto de relva, o caminho ficava realmente fofo, atapetado. Imagine o trabalho deles: só de São Vicente até as barrancas do rio Paraná eram cerca de 200 léguas...

-Utilizando machados de pedra, devem ter levado anos nessa obra...

-Mas existe outro detalhe deveras interessante: os guaranis referiam-se àquelas trilhas chamando-as também “Caminho do Sumé”, ou “Zumé”. Segundo os jesuítas, era uma alusão ao apóstolo São Tomé, que teria andado por aqui.

-E aí então...

-Bem... não demorou muito e chegaram os europeus...

-E o paraíso perdeu a virgindade.
–––––––––––-
continua…

O download do livro completo pode ser feito no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

Lendas e Contos Populares do Paraná (Planalto – Ponta Grossa – Santo Antonio da Platina)


PLANALTO
A lagoa das visões


No interior do município de Planalto, uma lenda chama a atenção de todos os moradores, especialmente nas proximidades de São Vicente e Barra das Flores. A lenda da Lagoa das Visões, onde se acredita que exista muito ouro enterrado. A Lagoa mede aproximadamente 100 metros de largura, com comprimento ainda maior e mais de 5 metros de profundidade. Esta lenda perpassa os anos e até hoje não se sabe ao certo se há alguma coisa no funda da lagoa, ou não.

Conta-se uma história de que, inclusive, há um contrato de compra para tirar o que há dentro, porém até hoje nada foi encontrado, ou dela retirado. Algumas pessoas, no entanto, garantem que alguns indivíduos ficaram ricos com o ouro que dela foi retirado. A histórias são várias. Inúmeras tentativas de secar a lagoa foram realizadas, inclusive com o uso de máquinas, que trabalharam, ininterruptamente, por mais de 8 dias, mas sem nenhum sucesso. A lagoa chegou a ser drenada até que sobrasse somente um metro e meio de água. Segundo o proprietário já houve várias tentativas de esvaziá-la, mas a água escorre e o nível da lagoa continua o mesmo.

O segredo da lagoa nunca foi descoberto e as tentativas de esvaziá-la já atraíram centenas de pessoas, além de inúmeros curiosos que dormiram no local. Muitos deles contam que se ouvem crianças chorando e, em dia claro, chegaram a ver um objeto do outro lado da lagoa; quando, porém, pegaram uma canoa com cerca de seis metros de comprimento e um de largura para a travessia, o objeto some e aparece virando a canoa. Neste caso, perdeu-se a arma de fogo do proprietário.

Já foram utilizados aparelhos que acusaram a existência de alguma coisa no fundo da lagoa das visões, mas todas as tentativas de secá-la deram em nada, pois sempre volta a encher, como se a água brotasse do chão. Pescadores contam que à noite vêem uns homens no meio da lagoa segurando uma corrente enorme. Mas, assim como essa imagem surge, ela desaparece. Os moradores mais antigos contam que toda madeira que cai na lagoa fica boiando e que ouvem, também, à noite, pessoas cantando em forma de procissão, começando no vale e terminando no centro da lagoa. Muitos acreditam que sejam padres jesuítas, que antigamente estiveram no local.

PONTA GROSSA
Tesouro do Capão da Onça


Lá pelo mês de junho de 1932, o coronel Brasílio França procurou desvendar o que havia de realidade sobre o lendário tesouro do padre fantasma, segundo o Jornal Diário dos Campos. O Capão da Onça é um local ao leste da cidade, rumo a Itaiacoca, onde está situada a fazenda do coronel João Carneiro Ribas, além do rio Verde, próximo às terras da fazenda Modelo. Do matagal insulado no meio da campina, como um oásis, onde, em remotas eras, foi caçada uma onça, adveio o nome para a região.

Sobre ele há narrativas fantásticas. Narrativas, onde, como sempre, aparecem lendas de tesouros enterrados, jesuítas e assombrações terríficas. Carroceiros e boiadeiros evitam fazer pousada nas proximidades, pois muitos outros que ali estavam descansando da jornada, foram bruscamente despertados com pedradas, toques lúgubres de sinos e gritos angustiosos. Outros juram, “de pés juntos”, que viram um padre macilento que desaparecia após fazer sinais.

Nas proximidades, há alguns anos atrás, o coronel Jordão Ribas da Silva possuía uma fazenda, nela habitava um polonês, ainda jovem. Certo dia, andando a reunir uma rês tresmalhada, este lavrador aproximou-se do local assombrado, viu um sacerdote que o chamava. Aproximou-se respeitosamente do clérigo. E o polonês ouviu as seguintes palavras, ditas com doçura: “meu filho, tem um tesouro enterrado e te escolhi para o herdares. Acompanha-me”. Disse o fantasma. E tomando uma das mãos do lavrador, o padre fantasma conduziu-o a determinado local, dizendo que cavasse a terra e usasse, como bom cristão, do ouro que outrora os jesuítas ali depositaram. E desapareceu.

O polonês, radiante, correu à casa em busca de ferramentas, com as quais desenterraria do seio avaro da terra o ouro precioso, que lhe proporcionaria o conforto que até ali o destino lhe sonegara. Num instante, voltou o polonês com uma pá nas mãos e mil sonhos ensandecidos na cabeça. O ouro! Era o destino, personagem sempre perverso, mas poderoso, que até os deuses governava, que lhe negara uma vida melhor. Mas, Deus, por intermédio de seu sacerdote finado, o presenteava com o ouro. E quantas coisas ele faria. Seria como o bom padre, um bom cristão. E assim, chegou ao local designado pela aparição, titubeando. Mas hesitou. Seria ali?

Tomara boa nota dos indícios? Mas, agora duvidava! No entanto, pôs mão à obra. Cavou, cavou, sem que o loiro e vil metal surgisse encoberto com carvões, como reza a tradição. Fez novas e incessantes escavações. Tudo inútil! Entretanto, ele, em pleno dia e são de espírito, tinha perfeita consciência de todas as minúcias da estranha aparição do padre e de suas palavras. E profundamente abalado, perdeu o senso de humor e o juízo! Várias outras pessoas têm, em diferentes épocas, procurado o tesouro do Capão da Onça.

Atraído pela lenda, por fatos ou previsões mais ou menos justificáveis, o coronel Basílio França, honrado e conceituado comerciante de nossa cidade, tem explorando o capão da onça, procurando o legendário tesouro dos jesuítas.

O Capão da Onça é um dos locais mais procurados pela população, por ser mais próximo da cidade. Devido ao grande fluxo de visitantes, ocorre a degradação do meio ambiente, como o desaparecimento da vegetação e dos animais, principalmente dos pássaros.

Capão do Padre Miguel

A história conta que os padres enterravam o tesouro constituído de uma panela de bom tamanho, dentro do capão que ficou chamado “Capão do Padre Miguel”. Toda sexta-feira de lua cheia, percorria as margens do capão o padre Miguel na sua batina preta, deixando a marca de sua sandália de couro cru. Muitas pessoas tiveram a oportunidade de vê-lo até encontrarem o tesouro.

SANTO ANTÔNIO DA PLATINA
A panela de ouro


Nesse tempo João ficava com a viola tocando e cantando. A mulher sempre falava:
– Vem trabalhar!
Ele respondia:
– Ah! Não me importo!

Ela ia sempre na mina buscar água e passava por uma touceira de bananeiras, onde havia uma panela cheia de marimbondos que quando a viam se alvoroçavam.

– João! o homem vai tirar a gente daqui. Vamos ficar sem casa e sem trabalho!

E ele respondia:

– Ah, que importa!

A cada resposta desta, a mulher pensava:

– Ah, você me paga!

Um dia a mulher perdeu a paciência, foi ao bananal, pegou um pano e fez uma rodilha sobre a cabeça, pôs a panela de marimbondos e correu para casa, jogando a panela sobre seu marido. Ela saiu correndo e o marido que vinha atrás, gritava:

– Volta, Maria, venha ver!

Quando a alcançou, trouxe-a pra casa, mostrando que os marimbondos haviam se transformado em ouro.

– Não falei que não carecia de se importar. A fortuna caiu aqui, bem em cima de mim!

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

J. G. de Araújo Jorge (Quatro Damas) 13a. Parte


" SOLILÓQUIO AO ENTARDECER "

I

Interessante, amor, como depois de tantos descaminhos
de tantos desajustes, a vida vai ajeitando a felicidade,
ou a felicidade vai se ajeitando na vida, sem a gente perceber,
se enrodilhando em si mesma como um gato no tapete.

Como vamos reduzindo as proporções de nossos sonhos
(sem que nos apercebamos disto),
modificando nossos planos (aquelas aspirações que eram
como viagens à Marte),

limitando os horizontes de nossa felicidade,
e por isso mesmo, tornando-a possível, real, palpável,
capaz de ser possuída, sem nada perceber de seu conteúdo,
antes tomando uma forma imprevista. Apenas.

Estranho, amor, como a felicidade
pode se reduzir a um quase nada ( sem deixar de ser tudo)
sem deixar de ser felicidade!

(Sabe uma coisa, amor? A gente só pode ser feliz depois
de ter andado muito, e ter provado
os tragos amargos da vida,
e depois que afinal a gente chega a uma espécie de filosofia
sobre o querer, e o poder alcançar...)

Interessante, amor, mas vamos concluindo que a renúncia
é a irmã mais velha da felicidade,
- Irmã Renúncia! - e só por ela, chegamos tantas vezes
aquela alegria de saber
quanto nos basta esse pouco que nos transborda das mãos...

II

Hoje, por exemplo, basta estar em casa, basta Você estar comigo
para que me sinta feliz...
De repente me ocorre que há hoje tanta gente que não pode estar em casa,
que não sabe o que é estar em casa - sentir vagamente, em torno
o calor de uma companhia que faz de cada coisa inanimada
algo que existe, e vibra, e sente, e sofre, e ama,
como um Ser.

( De deixe que lhe confesse, depois de tanto tempo lado a lado:
- nunca a casa me parece tão vazia, como agora
se acaso chego, e não a encontro...)
É tão fácil entender: Você está em toda parte: nas flores das jarras,
na porta entreaberta, no rumor da cozinha, na bolsa sobre a cama,
em tantos lugares! na ordem das coisas, no gosto dos detalhes,
(em tantos detalhes só acessíveis à minha percepção...)

Hoje, basta você estar em casa e já me sinto feliz,
se seu andar, seu vulto, sua voz,
"materializam" sua presença a todo instante.

Basta saber que cada providência sua é um pensamento em mim,
basta saber que vamos nos sentar juntos, à mesa ( e essa é
sempre uma hora de comunhão)
- e vamos nos deitar juntos... E até já não importa se
conversamos tão pouco
sobre o tão pouco de nossas vidas,
se nossos corpos apenas se tocarão, ao acaso, sob os lençóis,
como dois ramos acenando, na sombra, ao entardecer.

Quem nos vir há de pensar que somos apenas duas pessoas sentadas
à mesa,
conversando na sala,
vendo televisão,
duas pessoas dormindo na mesma cama;
e entretanto, que engano !
- somos dois mundos, duas vidas
construídas há tantos anos em tantos irreconstituíveis momentos,
unidas como fios, por duas agulhas que tecem
a mesma malha,
e eu não poderia olha-la como a olho, se Você não viesse de tão longe
em meu coração,
nem Você sorriria para mim desse modo, se eu não fosse para Você
tanta coisa de que talvez nem Você mesmo se aperceba.

Nao sei se consigo traduzir essa sensação de felicidade
que me vai possuindo inteiro - e se vai entranhando em mim,
numa infinita tranqüilidade
que sinto na alma, no coração, nas mãos, nos braços, no corpo todo,
sem nenhuma razão aparente,
e por tão pouco, dirão.

Mas hoje basta Você estar em casa, mais nada, apenas estar em casa,
na tua casa que é a minha casa, na nossa casa,
para que eu me sinta feliz.

III

Chega a ser tola, confesso, essa emoção que faz com que
me deixe ficar esquecido
numa poltrona, em silencio, na penumbra, nesta hora quase noite...
E olhando as coisas em torno, e recostando o corpo pesado,
e cerrando os olhos para me ver melhor, me digo sem nenhum medo
que me sinto tão bem, tão em paz com a minha vida
que ate podia morrer.

(Nada deve haver de pior, afinal, para a felicidade,
que a gente chegar de volta, ao fim do dia,
e não encontrar em sua casa
senão uma casa vazia.)

Hoje, basta saber que continuamos juntos, a seguiremos assim
até o fim;
que tormentas medonhas não conseguiram separar-nos,
que vencemos obstáculos que pareciam intransponíveis
além das nossas forças;


- que continuamos juntos, no mesmo barco, como dois remadores
que ficaram em seus lugares quando as vagas cresceram,
e apertaram suas mãos aos duros punhos dos remos
e somaram a sua fé, a avançaram mais fortes, a sentiram que sobreviveram
porque estavam juntos.

Hoje, basta pensar que alcançaremos as calmarias do fim da viagem
quando as correntes e os ventos não estremecerão mais
nossos nervos cansados,
nem agitarão nossos cabelos grisalhos,
e, quem sabe? - chegaremos à terra, braços dados
um no outro, como antigamente, quando era o começo,
e cegos e aventurosos não conhecíamos o roteiro,
nem perigos e emboscadas...

Hoje, basta Você estar em casa para que me sinta feliz...

E nesse momento em que a felicidade parece se reduzir
e ficar mais leve,
para que a possamos carregar,
deixa que lhe confesse amor, que hoje, Você é sempre,
e é muito mais que aquele amor que foi, e continua sendo,
porque posso chamar Você agora
( e até a hora derradeira )
o que Você nao podia ser outrora:
- a minha companheira.

Fonte:
J. G. de Araujo Jorge. Quatro Damas. 1. ed. 1964.

Lariel Frota (O Pum da Ovelha)


- Zé, vou precisar de dinheiro. Meu pagamento é só na semana que vem.

-Dinheiro extra, você deve estar de brincadeira. Só tenho trocados pro café.

-A professora falou que o Maurício precisa de um dicionário.

-O inferno, sabia que a sua idéia ia dar nisso. Escola particular pensa que dinheiro dá em barranco?

- Quem paga a escola dele sou eu. Dou um duro danado pra que tenha um futuro melhor, e o único caminho e o estudo. Deixa prá lá, vou pedir adiantamento pra patroa.

(...)

As chuvas mais uma vez trouxeram pânico as periferias. Os bombeiros, sabem que sob a
montanha de lixo e entulho, que desceram morro abaixo, não deve haver sobreviventes da sala de aula da escola particular de educacao infantil. Zanzando como um morto vivo, José não chora, carrega suas dores em silêncio, atormentando-se com as recordações da conversa da noite anterior.

-Pai, não fica nervoso por causa do dicionário. As palavras não perderam sentido, mas todo mundo precisa conhecer outras diferentes. Você sabe por exemplo o que quer dizer flatulência?

-Não, parece nome de flor, igual Hortência!

-Nossa pai, errou feio, flatulência são os gases que nós e outros animais eliminamos. Sabia que os cientistas descobriram, que nas flatulências das ovelhas, existe gás metano, responsável pela destruição da camada de ozônio?

-Taí, você acabou de falar um monte de palavras que nunca ouvi. Flatulência quer dizer pum...e saber isso vai melhorar a minha vida em que?

-Não adianta, Maurício. Seu pai não entende. Pode deixar, vou pegar adiantamento na sexta, sábado vamos comprar o dicionário.

-Não sou nenhuma besta não, mulher. Sei que estudo é importante, se pudesse também teria estudado, e hoje não trabalharia tanto, pra ganhar um salário de fome. Posso ser ignorante, mas não sou burro.

-Vocês não vão brigar por causa de um dicionário, né?

-A gente não tá brigando, filho, eu e seu pai estamos “dialogando acaloradamente”, não é assim que fala?

-Olha a mãe usando palavras novas! Ouviu essa, pai?

-Claro, garoto, tambem sou capaz de aprender novidades, quer ver? Bia, na janta não vou comer feijão preto, me dá muita fatulência.

-Muito bem, pai, só tem uma correçãozinha: é flatulência.

-Pelo jeito quando o dicionário chegar, todo mundo vai virar doutor nessa casa, mas vamos pessoal, a janta tá esfriando.
(...)

Ele continua ali, perdido dentro de um pesadelo do qual sabe não poderá acordar. Um grupo de repórteres cerca uma autoridade, sem querer, acaba ouvindo as vazias divagações sobre a tragédia:

Começa a sentir uma revolta estranha, um ódio avassalador, um rancor ao ver as cenas de demagogia costumeira. Eles sempre aparecem para pedir votos, ou se desculpar diante de um desastre. Nunca assumem sua responsabilidade.

Do jeito que falam, parece ser do povo a culpa de tudo. Se acaso ele soubesse das condições impróprias do terreno, teria dado um jeito de sair daquela sujeira enterrada, que transformou o sonho da casa própria, em túmulo do seu único filho.
(...)

-Oi, Zé, ainda bem que acordou!

- Onde estou? Minha cabeça está doendo.
- Não se lembra do que aconteceu? Você estava perto do desmoronamento, tinha uma multidão em volta. Disseram que de repente você correu em direção a um grupo de jornalistas que faziam uma reportagem, acho que para ouvir o que dizia o pessoal da prefeitura. O chão estava escorregadio, tanto que estava com um pedaço de pau na mão, certamente para se apoiar, não é? Caiu e bateu com a cabeça, você desmaiou. Ainda bem que o pessoal do corpo de bombeiros estava por perto e te socorreu. Não se mexa muito, tem um corte grande na testa, mas já suturaram. O médico garantiu que está tudo bem; quando acabar esse soro pode ir pra casa.

-Pelo amor de Deus e o nosso menino, acharam ele?

-Calma, Zé, na hora do seu acidente, estava justamente te procurando pra avisar. Ele foi com os coleguinhas até a biblioteca. Na falação de ontem, esqueci de falar: como vários alunos estavam sem o dicionário, a professora resolveu leva– los para fazer a pesquisa. Foi por Deus, a sala deles foi completamente destruída.
(...)

Algum tempo depois, longe do local da tragédia, a família refaz a vida em lugar seguro.

-Mãe, hoje o pai chega tarde, né?

-Sim filho, ele tem aula no curso supletivo. Ah, ele pediu pra deixar o dicionário, que ele precisa fazer uma pesquisa amanhã, disse que é sobre o pum da ovelha.

-Ele quis dizer: os efeitos do gás metano, na destruição da camada de ozônio.

Fonte:
Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.

Isabel Cristina Silva Vargas (Mãe Natureza)


Da a vida, desabrocha
Acolhe,
Promove esplendores
Belezas sem par.
Dela tiramos sustento
Alegrias para os olhos
Espaço para viver
Locais para lazer,
Descanso , meditação
Reencontro da harmonia
Nela constroem-se moradas
Arranha-céus, imponência
Para iludir o espirito
E ter a falsa ideia de solidez
Perpetuidade, poder
Pensando que aqui ficaremos
Que a vida e amontoado de bens
Utilitários, adereços.
Vã ilusão
Viver e ser transitório
Despir-se das cangas
Que aprisionam o essencial
Ofuscam a luz
Distanciam do DIVINO.
Mãe Natureza
Insultada, ofendida, degradada
Nos mostra dolorosamente
Que a vida e troca de ações
Pensamentos, energia
Que construímos paredes em excesso
Ao invés de preservar florestas
Cultivar flores
Atrair beija-flores e borboletas,
Dar liberdade aos animais.
A natureza se liberta
Liberta as almas
Provoca sofrimento
Por desconhecermos
A real essência de viver.
--
Fonte:
Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.

Pedro Malasartes (Malasartes faz o Urubu Falar)


Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens -uma casinha velha entre os filhos; e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente.

Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada. Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou viagem. Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde sala fumaça, o que queria dizer que se estava preparando o jantar.

Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer. Veio atendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar.

A mulher mandou que o despachasse, que sua casa não era coito de malandros. O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas!

Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado, valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos.

Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra.

Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia. Quando a mulher percebeu que ele se aproximava, mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva. Vai dai mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca, dizendo:

-Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa...

Sentaram-se à mesa.

Pedro Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu.

O dono da casa levantou-se e foi ver quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir-se do pouco que havia. A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malasartes.

Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda. Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar:
Uh! uh! uh!

O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho. Pedro respondeu muito sério:
-Nada! São coisas. Está falando comigo.

-Falando! Pois o seu bicho fala?!

-Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido.

-Como assim?

-Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa.

-Uma surpresa! Conte lá isso como é.

-É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário...

-Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço?

Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder:

-Pois então? Pura verdade! O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar.

E gritou pela preta:

-Maria, traz a leitoa.

A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa.

Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no urubu que soltou novo grito. O dono da casa perguntou:

-O que é que ele está dizendo?

-Bicho intrometido! Está candongando outra boca, bicho!

-O que é?

-Outras surpresas...

-Outras!

-Sim senhor: um peru recheado...

-É verdade, mulher?

-Uma surpresa, maridinho do coração! Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo.

Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa.

Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também no poder mágico do bicho, que assim seria um constante espião de tudo quanto fizessem.

Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado.

Lilian Maial (Re-Volver)


No peito-humus,
um músculo ávido de palavras.
Revolver a terra,
adubo em gotas,
versos irrigados.

O verbo cala,
o solo seca,
racha-se a crianca -
migalha de pão dormido.

Fome e chão,
pisa descalça
em brasas da indiferença.
Pele e sangue ressequidos,
aridez de lágrima,
espinho e barro
a maquiar a pele,
manchas de verde e amarelo.

Chora a pátria,
pétrea de matas pálidas,
alopecia de cores,
extensas clareiras.

Terra vermelha
coberta do pó,
rugas no mapa,
pistas de pouso -
Clan-destinos.

Onde o branco,
a pureza,
a promessa?

Traida a terra,
ouro de tolo,
sorriso de icterícia,
parcos dentes
de mastigar solidão.

Céu de anil,
nuvens sanitárias,
homem esquálido
a plantar pesticida.

Traida a terra,
clamor rouco e abafado,
fumaça dos charutos cubanos,
pendurados nas bocas patronais,
sem lei e sem letra.

Traida,
a terra lamenta por seus filhos,
amamentados de esmola,
de enteados cuspindo confeitos,
mordendo,
com presas de ouro,
o amanhã e a decência.

Traida a terra.
Punhal enterrado no seio,
mãe órfã de rebento raquítico.
Abre-se a fenda,
engole o que resta:
homem e praga,
riso e lágrima,
orgulho e carbono.

Num futuro fóssil,
tropical tupiniquim,
semear e colher...
Milagre!
-
Fonte:
Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.

O Índio na Literatura Brasileira (Estante de Livros) 5


LOIBL, Elisabeth. O mistério do índio voador.

Narra a aventura dos irmãos Nando e Pituca, que viajam com seus pais, arqueólogos, para uma excursão ao Vale do Serido. Nesta aventura, outros arqueólogos pesquisam pinturas rupestres, e um estranho índio, que aparece e desaparece, dá um tom de mistério à história.

MACHADO, Ana Maria. De olho nas penas.

Narra a história de um menino, chamado Miguel, que vive dois dramas: o fato de os pais serem separados e de ser uma criança exilada. Miguel faz uma viagem magnífica mundo afora, nas costas de um maravilhoso pássaro amigo, que se transmuta e lhe dá a possibilidade de desvendar os segredos do mundo, das florestas às savanas, dos rios às selvas. Nessa viagem, o menino descobre que os segredos e as histórias são guardados numa imensa cabaça.

MACHADO, Ana Maria. Uma arara e sete papagaios.

Conta a história do indiozinho Poti, que encontra na mata uma bonita arara e a leva para sua casa. A arara, na companhia de sete papagaios, faz um tremendo barulho. Assim, Poti conclui que lugar de araras e papagaios é no mato, libertando-os.

MACHADO, Angelo. O velho da montanha: uma aventura na Amazônia.

Narra a aventura vivida pelo menino João, nascido na cidade e que descobre a floresta por intermédio das crianças Tiryó. Com a convivência, João aprende a respeitar a sabedoria indígena de Mopi, indiozinho Tiryó, os costumes, as lendas e sua capacidade de conviver com a selva em estado puro. Compreende o problema do povo Tiryó, que vê invadidas suas terras pelos homens brancos à procura da riqueza mineral, e aprende que é preciso preservar o meio ambiente.

MARINS, Francisco. O mistério dos morros dourados.

Apresenta uma história sensacional, que retrata o interior do Brasil no século passado. Procurando os Martírios, as fabulosas minas de ouro brasileiras, Tonico, Perova e o índio Pixuíra vivem uma extraordinária aventura, atravessando matas e enfrentando seus perigos.

MARINS, Francisco. A montanha das duas cabeças.

Apresenta a história de Tonico e Perova, dois grandes aventureiros que enfrentam a mata virgem brasileira no século XIX. O sonho de encontrar riquezas coloca os dois em meio a uma revolta de escravos e guerras indígenas. Muitos são os desafios enfrentados no caminho para a montanha das duas cabeças.

MARINS, Francisco. Território de bravos: uma epopéia na Amazônia.

Conta as aventuras e lutas de Plácido Castro, jovem idealista que, à frente de seringueiros, combateu nas florestas virgens da Amazônia, para impedir que terras habitadas por brasileiros fossem entregues a estrangeiros. Era o começo da conquista do território do Acre, e parte da luta que segue até os dias de hoje para manter a hegemonia nacional e a soberania do Brasil sobre a Amazônia.

MATUCK, Rubens. A Amazônia.

Aborda informações diversas sobre a Amazônia, numa linguagem acessível às crianças, mostrando como, entre rios, igarapés e lagoas que entremeiam a vegetação, muitos e variados animais convivem no maior santuário ecológico do planeta.

MATUCK, Rubens. O gavião.

Aborda o cotidiano dos índios Araweté, que vivem às margens do igarapé Ipixuna, na floresta amazônica. Como é comum, as crianças Araweté também gostam de animais de estimação. Porém isso pode causar alguns problemas na aldeia, se o bicho escolhido for, por exemplo, um feroz gavião.

MATUCK, Rubens. Pescaria.

Narra uma aventura vivida por crianças Araweté que se sentem completamente à vontade no meio da floresta, onde, muitas vezes, vão brincar. Entretanto, mesmo para quem está acostumado a ela, a natureza pode trazer surpresas.

MORAES, Antonieta Dias de. Contos e lendas dos índios do Brasil.

Apresenta uma coletânea de doze contos baseados em lendas indígenas, especialmente voltados para crianças. São eles: Como a noite apareceu; Os dois papagaios; Japim cantava bonito; Veado-pardo e onça; Mauari e o sono; O papagaio que faz crá-crá; O jogo dos olhos; Juruva salvou o fogo; Ciuci; O roubo do fogo; Astúcias do Jaboti e Caru-Sacaibê e Rairu.

MORAES, Antonieta Dias de. Três garotos na Amazônia.

Narra a história do jovem Iraí, que tem perfeito conhecimento dos costumes de seu país. Ensina-nos muito sobre a vida dos índios amazonenses e suas superstições. Descreve a preparação do curare e a fabricação de uma canoa com explicações precisas e detalhadas. O real e o imaginário se confundem, aceitos tranqüilamente pela idade dos três heróis e pelo caráter supersticioso dos índios.
Inclui glossário com as palavras indígenas apresentadas no texto.

MOREIRA, Balthazar de Godoy. Curumim sem nome.

Apresenta duas histórias, a primeira delas sobre um indiozinho Guarani, chamado Sapotê, que se torna prisioneiro dos índios Guaicuru. A outra é sobre a fundação da cidade de São Paulo.

MOTT, Odette de Barros. O chamado do meu povo.

Narra a história de Maria, menina índia que cresce feliz, junto aos missionários. Com eles, aprende o modo de ser dos brancos. Mas ela nasceu indígena e tem consciência de que seu povo ainda vive livre como os pássaros, na mata, com outros costumes, outro modo de viver, outra religião. Então ela compreende que aquela liberdade está ameaçada. Que a própria sobrevivência de seu povo está por um fio. A partir daí, parece ouvir o chamado do seu povo, os Korubo, indo, finalmente, ao seu encontro.

Fonte:
Moreira, Cleide de Albuquerque; Fajardo, Hilda Carla Barbosa. O índio na literatura infanto-juvenil no Brasil. - Brasília: FUNAI/DEDOC, 2003.

Guerra Junqueiro (O Fato Novo do Sultão)


Era uma vez um sultão, que despendia em vestuário todo o seu rendimento.

Quando passava revista ao exército, quando ia aos passeios ou ao teatro, não tinha outro fim senão mostrar os seus fatos novos. Mudava de traje a todos os instantes, e como se diz de um rei: Está no conselho, dizia-se dele: está-se a vestir. A capital do seu reino era uma cidade muito alegre, graças à quantidade de estrangeiros que por ali passavam; mas chegaram lá um dia dois larápios, que, dando-se por tecelões, disseram que sabiam fabricar o estofo mais rico que havia no mundo. Não eram só extraordinariamente ricos os desenhos e as cores, mas além disso, os vestuários, feitos com esse estofo, possuíam uma qualidade maravilhosa: tornavam-se invisíveis para os idiotas e para todos aqueles que não exercessem bem o seu emprego.

– São vestuários impagáveis, disse consigo o sultão; graças a eles, saberei distinguir os inteligentes dos tolos, e reconhecer a capacidade dos ministros. Preciso desse estufo.

E mandou em seguida adiantar aos dois charlatães uma quantia avultada, para. que pudessem começar os trabalhos imediatamente.

Os homens levantaram com efeito dois teares, e fingiram que trabalhavam, apesar de não haver absolutamente nada nas lançadeiras.

Requisitavam seda e ouro fino a todo o instante; mas guardavam tudo isto muito bem guardado, trabalhando até à meia-noite com os teares vazios.

– Necessito saber se a obra vai adiantada.

Mas tremia de medo, lembrando-se de que o estofo não podia ser visto pelos idiotas. E por mais que confiasse na sua inteligência, achou em todo o caso prudente mandar alguém adiante.

Todos os habitantes da cidade conheciam a propriedade maravilhosa do estofo, e ardiam em desejos de verificar se seria exato.

– Vou mandar aos tecelões o meu velho ministro, pensou o sultão; tem um grande talento; ninguém melhor do que ele pode avaliar o estofo.

Entrou o honrado ministro na sala em que os dois impostores trabalhavam com os teares vazios.

– Meu Deus! disse ele para si arregalando os olhos, não vejo absolutamente nada! Mas no entanto calou-se. Os dois tecelões convidaram-no a aproximar-se, pedindo-lhe a opinião sobre os desenhos e as cores. Mostraram-lhe tudo, e o velho ministro olhava, olhava, mas não via nada, pela razão simplíssima de nada lá existir...

– Meu Deus! pensou ele, serei realmente estúpido? É necessário que ninguém o saiba!... Ora esta! pois serei tolo realmente! Mas lá confessar que não vejo nada, isso é que eu não confesso.

– Então que lhe parece? perguntou um dos tecelões.

– Encantador, admirável! respondeu o ministro, pondo os óculos. Este desenho... estas cores.., magnífico!... Direi ao sultão que fiquei completamente satisfeito.

– Muito agradecido, muito agradecido, disseram os tecelões, e mostraram-lhe de novo as cores e desenhos imaginários, fazendo-lhe deles uma descrição minuciosa. O ministro ouviu atentamente, para ir depois repetir tudo ao sultão.

Os impostores requisitavam cada vez mais seda, mais prata, e mais ouro; precisavam-se quantidades enormes para este tecido. Metiam tudo no bolso, é claro; o tear continuava vazio, e apesar disso, trabalhavam sempre.

Passado algum tempo, mandou o sultão um novo funcionário, homem honrado, a examinar o estofo, e ver quando estaria pronto. Aconteceu a este enviado o que tinha acontecido ao ministro: olhava, olhava e não via nada.

– Não acha um tecido admirável? perguntaram os tratantes, mostrando o magnífico desenho e as belas cores, que tinham apenas o inconveniente de não existir.

– Mas que diabo! Eu não sou tolo! dizia o homem consigo. Pois não serei eu capaz de desempenhar o meu lugar? É esquisito! mas deixá-lo, não o deixo eu.

Em seguida elogiou o estofo, significando-lhes toda a sua admiração pelo desenho e o bem combinado das cores.

– É de uma magnificência incomparável, disse ele ao sultão.

E toda a cidade começou a falar desse tecido extraordinário.

Enfim, o próprio sultão quis vê-lo enquanto estava no tear. Com um grande acompanhamento de pessoas distintas, entre as quais se contavam os dois honrados magnatas, dirigiu-se para as oficinas, em que os dois velhacos teciam continuamente, mas sem fios de seda, nem de ouro, nem de espécie alguma.

– Não acha magnífico? disseram os dois honrados funcionários. O desenho e as cores são dignos de Vossa Alteza.

E apontaram para o tear vazio, como se as outras pessoas que ali estavam pudessem ver alguma coisa.

– Que é isto! disse consigo mesmo o sultão, não vejo nada! É horrível! serei eu tolo, incapaz de governar os meus estados? Que desgraça que me acontece! Depois, de repente, exclamou: É magnífico! Testemunho-vos a minha real satisfação.

E meneou a cabeça com um ar prazenteiro, e olhou para o tear, sem se atrever a declarar a verdade, Todas as pessoas do séquito olharam do mesmo modo, uns atrás dos outros, mas sem verem coisa alguma, e no entanto repetiam como o sultão:

«É magnífico!» Deram-lhe de conselho que se apresentasse com o fato novo no dia da grande procissão. «É magnífico! é encantador! é admirável!» exclamavam todas as bocas; e a satisfação era geral.

Os dois impostores foram condecorados e receberam o título de fidalgos tecelões.

Na véspera do dia da procissão passaram a noite em claro, trabalhando à luz de dezasseis velas. Finalmente fingiram tirar o estofo do tear, cortaram-no com umas grandes tesouras, coseram-no com uma agulha sem fio, e declaram, ao cabo, que estava o vestuário concluído.

O sultão com os seus ajudantes de campo foi examiná-lo, e os impostores levantando um braço, como para sustentar alguma coisa, disseram:

– Eis as calças, eis a casaca, eis o manto. Leve como uma teia de aranha; é a principal virtude deste tecido.

– Decerto, respondiam os ajudantes de campo, sem ver coisa alguma.

– Se Vossa Alteza se dignasse despir-se, disseram os larápios, provar-lhe-íamos o fato diante do espelho.

O sultão despiu-se, e os tratantes fingiram apresentar-lhe as calças, depois a casaca, depois o manto. O sultão tudo era voltar-se defronte do espelho.

– Como lhe fica bem! que talhe elegante! exclamaram todos os cortesãos. Que desenho! que cores! que vestuário incomparável!

Nisto entrou o grão-mestre de cerimónias:

– Está à porta o dossel sob o qual Vossa Alteza deve assistir à procissão, disse ele.

– Bom! estou pronto, respondeu o sultão. Parece-me que não vou mal.

E voltou-se ainda uma vez diante do espelho, para ver bem o efeito do seu esplendor. Os camaristas que deviam levar a cauda do manto, não querendo confessar que não viam absolutamente nada, fingiam arregaçá-la.

É, enquanto o sultão caminhava altivo sob um dossel deslumbrante, toda a gente na rua e às janelas exclamava: «Que vestuário magnífico! Que cauda tão graciosa! Que talhe elegante!» Ninguém queria dar a perceber que não via nada, porque isso equivalia a confessar que era tolo. Nunca os fatos do sultão tinham sido tão admirados.

– Mas parece que vai em cuecas, observou um pequerrucho, ao colo do pai.

– É a voz da inocência, disse o pai.

– Há ali uma criança que diz que o sultão vai em cuecas.

«Vai em cuecas! vai em cuecas!» exclamou o povo finalmente.

O sultão ficou muito aflito, porque lhe pareceu que realmente era verdade. Entretanto tomou a enérgica resolução de ir até ao fim e os camaristas submissos continuaram a levar com o máximo respeito a cauda imaginária.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Francisco Cândido Xavier (Trovadores do Além) Parte 6


251
Muita dor que nos abraça
É ventura calma e rica...
Muita alegria que passa
É mágoa que chega e fica.
GODOFREDO VIANA

252
João queria terra em monte,
Não tinha momentos calmos,
Um dia se viu defronte
De um trecho com sete palmos.
JUCA MUNIZ

253
Trabalho lembra a subida
Que se faz de luz acesa;
Dor é parada de emenda
Na forja da Natureza.
SOUZA LOBO

254
Ninguém recusa a verdade
Desta norma incontroversa:
Muita gente escova os dentes
Mas não escova a conversa.
ARTUR CANDAL

255
Como cresce o bem-querer
No tormento da agonia!...
O que dói não é morrer,
É deixar a companhia.
FÓCION CALDAS

256
Há muita gente perdida,
Sem que o mundo a reconforte,
Nas fantasias da vida,
Nas patacoadas da morte.
EUGÊNIO RUBIÃO

257
Amor – nos sonhos em bando,
Às vezes – note você -,
É o bem que se faz pensando
No amor que nunca nos vê.
ULISSES BEZERRA

258
Na Terra, em qualquer idade,
Faze o bem guardando fé.
Se a morte é fatalidade,
A vida também o é.
BATISTA CEPELOS

259
Entre as mágoas do caminho,
Não te esqueças, coração:
A rosa é bênção no espinho,
A fonte serve no chão.
MILTON DA CRUZ

260
Doce o termo que transponho!
Sempre me deste, Senhor,
O peito cheio de sonho,
O sonho cheio de amor.
COLOMBINA

261
Ideias, sonhos, anseios...
Serve sempre, alma sincera,
Quem espera, trabalhando,
Alcança tudo o que espera.
REGUEIRA COSTA

262
Verdade – rio fecundo;
Mentira – pedra a rolar.
A pedra fica no fundo,
O rio chega no mar.
ÁLVARO MARTINS

263
Querendo conformação,
Deus já pôs de sobreaviso
Sete letras na saudade,
Sete letras no sorriso.
LUCÍDIO FREITAS

264
No Além, a saudade mora,
Com todo o fel que ela tem,
Nas dores da alma que chora
O afeto que nunca vem.
MACIEL MONTEIRO

265
Talento, dinheiro e graça
Querem ação sem loucura.
Toda glória brilha e passa
No crívo da sepultura.
AMÉRICO FALCÃO

266
Muita aflição nos visita
Porque, na estrada onde vamos,
Pensamos que os outros pensam
Naquilo que nós pensamos.
ARTUR CANDAL

267
Virtude que não trabalha
Para que o vício se esfume,
Parece linda mortalha
Com garbos de vagalume.
VIRGÍLIO BRANDÃO

268
Há muita palavra triste
Que fica bem aos museus.
Orfandade – não existe
No dicionário de Deus.
MARIA CELESTE

269
Ser mãe!... Que golpes extremos
Na trilhas por onde vamos!...
Dor dos filhos que perdemos,
Dor dos filhos que deixamos!
CELESTE JAGUARIBE

270
Vida além da sepultura
Não é cinza, nem descanso.
A morte só quer dizer:
Fechada para balanço.
CARLOS CÂMARA

271
Perdão não é desprezar
O débito que se fêz.
É dar a quem perde o bem
O dom de achá-lo outra vez.
SOUZA LOBO

272
Quem queira fazer o bem,
Espere a dor no caminho.
Candeia queima a si mesma
Alumiando o vizinho.
ARTUR CANDAL

273
Trazes, mulher, no destino.
Sejas frágil, sejas forte,
O lume do amor divino
Que brilha na própria morte.
JULINDA ALVIM

274
Na carne, há dias risonhos...
Existem, mas hoje vejo
Que o sonho melhor dos sonhos
Jamais passou do desejo.
ALBERTO FERREIRA

275
Que longa a saudade minha!
Quanta falta de teus zelos!...
Beija o meu rosto, mãezinha.
Põe as mãos nos meus cabelos!...
MEIMEI

276
Toda criatura sincera,
Ante as bênçãos do Criador,
Sente o céu da primavera
No inverno da própria dor.
OSCAR BATISTA

277
Ação – vontade no tempo;
Resultado vem após.
A vida nasce de Deus;
Destino nasce de nós.
LOBO DA COSTA

278
Se o serviço é pouco e falho,
O remédio em todo clima
É persistir no trabalho,
Pois a lima lima a lima.
ADERBAL MELO

279
Por teres casa e tesouro,
Não te faças de anjo à frente.
Doente num leito de ouro
Não deixa de ser doente.
ANÍSIO DE ABREU

280
“Dorme, dorme, meu filhinho!”
Nessa cantiga de luz,
A Terra segue caminho
Na direção de Jesus.
ANTONIETA SALDANHA

281
Verdade – mágoa bendita
Sobre dons renovadores.
Lisonja – serpente linda
Guardada em cesto de flores.
LOPES FILHO

282
Morrerá o orador letrado
Que punha trevas no estudo...
E reencarna-se, coitado!
Na prova de surdo-mudo.
AMÉRICO FALCÃO

283
Aprendi que Deus nos fêz
Irmãos para o amor igual.
Quando vi meu chuchuzeiro
Dar chuchus noutro quintal.
JOSÉ NAVA

284
Feliz quem luta e padece,
Porque a Justiça é assim:
Se a grande prova aparece,
O débito está no fim.
ALCEU WAMOSY

285
Deus tece lírios em véu
Na lama em que o charco avança,
Para dizer que no céu
Nunca se extingue a esperança.
ARTUR RAGAZZI

286
No mundo, de porta em porta,
Há muita gente cativa.
Que anda viva, sendo morta,
Que anda morta, sendo viva.
ANTÔNIO SALES

287
Grandezas terrestres... Nada...
Felicidade é assim:
Uma cruz bem suportada
E a glória que vem no fim.
LINDOLFO GOMES

288
Ninguém cometa a loucura
Que até hoje inda me abafa.
Coisa triste é a sepultura
Com lembrança da garrafa.
EMÍLIO DE MENEZES

289
A evolução é assim:
O berço... O lar... A afeição...
O sonho... O labor... O fim...
Depois – a reencarnação.
GODOFREDO VIANA

290
Injustiças, desacatos...
Não guardes pretextos vãos.
Na bacia de Pilatos
Muita gente lava as mãos.
HENRIQUE DE MACEDO

291
Oração – luz que levanta,
Êxtase – névoa que embala...
Deus põe a fruta na planta,
Mas nunca vem descascá-la.
IVAN ALBUQUERQUE

292
Muitas vezes tenho visto
Maioria para trás;
A massa, julgando o Cristo,
Deu razão a Barrabás.
HENRIQUE DE MACEDO

293
O espírito reencarnado
Lembra em tronco viridente
De raiz presa ao passado,
Plantando o futuro à frente.
BERNARDO DE PASSOS

294
Natal! O Mestre Divino
Não nos pede adoração,
Roga um canto pequenino
Num canto do coração.
BELMIRO BRAGA

295
Vejo sóis, mas ouço longe...
Uma viola ponteia...
Quero ver a minha terra
Nas noites de lua cheia!...
LUCÍDIO FREITAS

296
Nos mundos da evolução
A história é assim resumida:
A vida prepara a morte,
A morte refaz a vida.
MOISÉS EULÁLIO

297
Menina de olhos risonhos,
Esquece o engano da praça.
A ilusão é igual ao sonho,
O sonho é ilusão que passa.
AMÉRICO FALCÃO

298
Saudade!... O “S” do início
Já tem dores a contento...
Sonho, sede, solidão.
Sacrifício, sofrimento...
FRANCISCO FERNANDES BASTO

299
Onde a mulher se encastela
Simplesmente no prazer.
Toda a vida, em torno dela,
Começa logo a descer.
RITA BARÉM DE MELO

300
Quando a morte o olhar nos cerra,
Não sei, efetivamente,
Se a gente fica na Terra,
Se a Terra fica na gente.
TONINHO BITTENCOURT
Fonte:
Francisco Candido Xavier (psicografia)– Trovadores do Além.

Norália de Mello Castro (A Chuva é Bela!)


Hoje, amanheceu com sol e algumas nuvens no céu. Dia quente e lindo. De tardinha, caiu um pé d’agua, daqueles com trovões, raios e vento. Veio do Leste e passou por minha casa na direção do Sul. Tive de desligar todas as tomadas preventivamente. Diante de tal chuva, a gente não sabe o que pode acontecer com a eletricidade. Fui então para minha janela, acompanhar a chuva que caía torrencialmente.

- Como a chuva é bela! – foi o pensamento ao vê-la cair maciamente sobre aquele tapete verde de árvores, plantas e gramas.

Os trovões e raios estavam muito distantes, lá em cima nas nuvens negras. Por toda a extensão, o verde maravilhoso. As montanhas ao longe estavam esplendorosas. As colinas mais ainda. As árvores, mais próximas de mim, se alegravam com a água que as acariciava. A chuva caia tão maciamente sobre aquele tapete verde que me esqueci dos trovões. (tenho pavor de trovões!).

- Como a chuva é bela!

Senti, por assim pensar, que estava cometendo o maior pecado mortal, me esquecendo, naquele momento, do horror que vivem na Região Serrana do Rio de Janeiro. Lá, o buraco negro incomensurável de sofrimentos: perdas, mortes, pestes chegando, milhares de pessoas sem casa,
deslizamentos, desamparo, terror e horror de mortes, doenças, fome, e toda a região – a maravilhosa região serrana – decomposta, perdida.

Há dias, o horror se instalou no nosso Pais, e eu, aqui, admirando a chuva:

- Como a chuva é bela!

A Mãe Terra dá seu alerta. Os céus clamam.
A Natureza chora.
Homens e mulheres choram.
A Mãe Terra é a nossa casa no Cosmo.

Somos parte integrante dela. Somos seus filhos e, como filhos desobedientes, estamos apanhando para aprender: a Dor se instalou lá e cá, em mim, ao lembrar-me das reportagens que tenho assistido.

O que urge e que não haja mais inundações de seres humanos, que se deixam conduzir por enxurradas das fomes, situando-se às beiras de rios e colinas, fragilizadas por lixos. Que não transitem sem abrigo ou teto, ao léu, sem saber onde e como se portarem como gente. Que a ambição desmedida não predomine nas ações para o endinheiramento acerbado. Que acariciem a Mãe Terra como filho amado e amante, não como pretensos senhores superiores as regras naturais que são ditadas pela Natureza, fazendo-a escrava de sua pseudo-sabedoria superior. Que olhem para a Mãe Terra, que nos da tanta beleza e acolhimento, como Ser que precisa de amor e respeito.

Que, como toda a Lei que rege a Natureza, somos perecíveis tambem. Que o nosso tempo se esgotara fatalmente. Mas, que chegue para todos com dignidade, não soterrados por deslizamentos provocados por atitudes desmedidas e irracionais de outros semelhantes.

- Como a chuva é bela!

Se bem recebida sob um teto/lar. E que, neste momento de Dor Maior, o amor solidário predomine nos corações e nas ações de socorro.

Que a solidariedade seja mais duradoura e que se expanda: que não seja apenas num momento de grande comoção nacional!
–––
A Autora é de Belo Horizonte/MG

Fonte:
Revista Varal do Brasil: Literário, sem frescuras. Edição Especial: Nosso Planeta Terra. Genebra: abril de 2011.