terça-feira, 17 de abril de 2012

Eça de Queirós (O Mandarim)


Em 1880, apenas dois anos depois de O Primo Basílio, Eça de Queirós publica O Mandarim, uma novela fantástica, em cujo enredo tem participação decisiva uma figura declaradamente romântica: o Diabo.

Acusado de afastar-se da estética realista em favor da pura fantasia, Eça de Queirós e seu texto foram alvos das mais severas críticas, e até mesmo aqueles que conseguiram perceber na obra uma crítica sócio-política, esbarraram nos demais “problemas” que o texto apresentava.

O Mandarim é um texto à parte no conjunto da obra queirosiana devido ao seu caráter fantasista e cômico, e que, exatamente em decorrência dessa característica, é considerado um texto “menor”, inferior, quando comparado às demais obras do escritor português.

Numa carta ao editor da Revue Universelle, que serviu de prefácio à publicação francesa da novela, Eça se mostrava bem consciente da singularidade do livro face à tendência estética dominante: “tendes aqui, meu Senhor, uma obra bem modesta e que se afasta consideravelmente da corrente moderna da nossa literatura, que se tornou, nestes últimos anos, analista e experimental”. Isso porque O Mandarim era “um conto fantasista e fantástico, onde se vê ainda, como nos bons velhos tempos, aparecer o diabo, embora vestindo sobrecasaca, e onde há ainda fantasmas, embora com ótimas intenções psicológicas”. A percepção do escritor é claríssima: apesar da atualização do ambiente da trama, o enredo fabuloso, o gosto pronunciado do exotismo, a ausência de interesse nos vários condicionalismos que determinam a ação dos indivíduos e a intervenção do sobrenatural configuram um narrativo de molde romântico, ou neo-romântico.

Nessa mesma carta, prosseguia Eça de Queirós com uma frase que vale a pena transcrever: “entretanto, justamente porque esta obra pertence ao sonho e não à realidade, porque ela é inventada e não fruto da observação, ela caracteriza fielmente, ao que me parece, a tendência mais natural, mais espontânea do espírito português.” Pode ser que a frase se aplique também ao espírito português, mas o que realmente importa é observar que se aplica perfeitamente ao espírito do próprio Eça, que, a partir de O Mandarim, abandona progressivamente os caminhos do Naturalismo e retoma algumas características que já se encontravam nos seus primeiros textos: o gosto pelo exotismo das paisagens e civilizações e o pendor alegórico e moralizante. São essas características, centrais no texto de O Mandarim, que no final da vida de Eça de Queirós irão dar origem às impressionantes vidas de santos e histórias de mistério.

Do ponto de vista da evolução literária de Eça de Queirós, O Mandarim representa, portanto, um momento de virada: aquele em que o escritor abandona a “preocupação naturalista”, que, segundo o próprio Eça, embora tivesse servido para lhe disciplinar o espírito, também “o condenara a reprimir, muitas vezes sem vantagem, os seus ímpetos de verdadeiro romântico que no fundo era”.

O Mandarim é antes um conto que uma novela, pois sua trama se concentra à volta de uma só personagem e a ação se reduz a um único acontecimento central, que implica todos os desenvolvimentos posteriores. O registro genérico é o da farsa moralizante, e o ponto de partida é um problema moral que era conhecido, no século passado, como o “paradoxo do mandarim”. Formulado em 1802 por Chateaubriand, consistia numa pergunta: se você pudesse, com um simples desejo, matar um homem na China e herdar sua fortuna na Europa, com a convicção sobrenatural que nunca ninguém descobriria, você formularia esse desejo? Vários autores glosaram esse tema ao longo do século passado, e o texto de Eça é talvez o seu último e mais literal desenvolvimento.

Do ponto de vista da crítica moral, lendo O Mandarim percebe-se que há duas linhas independentes de desenvolvimento. A primeira é a mais simples. Mostrando-nos que todos o tratam de acordo com o dinheiro que possui, Teodoro nos vai apontar a hipocrisia que domina as relações pessoais e sociais. A segunda é a mais complexa, porque envolve a auto-representação do narrador. A idéia geral é a de que o crime não compensa, independentemente de qualquer outra consideração. Como ilustração desse princípio é que Teodoro narra aos seus leitores o seu caso exemplar: ao longo do tempo, após o crime que lhe propicia a riqueza, foi-se tornando infeliz, a tal ponto que o retorno à vida rotineira e medíocre de hóspede pobre da pensão de d. Augusta chega a parecer-lhe uma forma de conseguir alguma paz de espírito.

A novidade do texto de Eça é a viagem à China. No seu texto, a China não é apenas o lugar abstrato, incógnito e remoto, onde vive um homem desconhecido cuja vida é destruída por um ocidental. Pelo contrário, ganha concretude e responde por cerca de metade do número de páginas da história. Da mesma forma que o Médio-Oriente em A Relíquia, a China é praticamente tudo em O Mandarim. Mas a diferença é que, enquanto em A Relíquia, Eça descreve um ambiente e civilização que observara pessoalmente, em O Mandarim nos apresenta um lugar construído a partir de relatos de terceiros, de leituras e, principalmente, pela livre imaginação. Daí, justamente, o interesse da viagem de Teodoro, que nos conduz a uma China colorida, bastante bizarra, em que encontramos uma espécie de súmula da visão européia do que fosse o Extremo-Oriente.

A parte mais atraente de O Mandarim é a viagem chinesa. O resto do conto tem um sabor conhecido e um registro genérico em que o desfecho é bastante previsível. Assim, é mesmo a fantástica viagem ao Império do Meio o que constitui o núcleo do texto e o mantém vivo e interessante. É também a viagem que singulariza esse texto na literatura portuguesa do final do século, fazendo dele um delicioso capítulo na história do exotismo orientalista que percorreu toda a cultura européia da segunda metade do século passado.

Teodoro, o protagonista, é a personagem que mais propicia a crítica da sociedade portuguesa tão limitada, que facilmente se deixa levar pelas aparências.

Eça faz também, uma crítica aguçada ao egoísmo potencialmente criminoso (personificado por Teodoro) que mata o Mandarim para poder alcançar a vida luxuosa com que sempre sonhara.

Critica também a tibieza, a bulia e a inconsistência na tomada de decisões.

Teodoro, como funcionário público, é também criticado. Representa os cargos mais baixos, que vivem mediocremente sonhando com mais dinheiro, com baixos valores morais, capaz de matar o próximo para proveito seu.

A descrição, seja das características físicas dos personagens e do cenário por onde passa a história servem para analisar a psicologia dos atores da ficção. Eça entende que a maneira de ser e de pensar influi no mundo que a cerca, seja nos atos, nas coisas e nas próprias características físicas, como por exemplo, a corcova de Teodoro, na sua condição de subalterno sem status.

Foco narrativo

O Mandarim é a primeira obra relativamente extensa do autor, escrita em primeira pessoa.

Essa observação pode reforçar o argumento de que o conto representa um momento de rejeição do modelo naturalista, que propunha a narrativa em terceira pessoa, mais adequada à análise objetiva.

Personagens

É magnífica a magistral caracterização das personagens feita nesta obra. O autor manobra, de tal modo, as suas personagens que, chegamos a pensar que elas não passam de meros fantoches manobrados a capricho do seu criador.

Como em toda a obra queirosiana, a caracterização das personagens enquadra-se na filosofia de vida da sociedade portuguesa, deixando transparecer através da linguagem utilizada na descrição de ambientes, em pequenos pormenores habilmente selecionados e passando pela ação, a intenção de caricaturar numa personagem toda uma classe social.

Teodoro: Protagonista do romance, bacharel amanuense do reino, ganhava 20.000 réis por mês e vivia numa casa de hóspedes, na Travessa da Conceição, nº 106, em Lisboa. Levava uma vida pacata e monótona. Era magro e corcovado - hábito seu, pelo muito que se vergara perante os lentes da Universidade e os diretores da repartição. A sua ambição reduzia-se a desejos fúteis de bons jantares, em restaurantes caros, de conhecer viscondessas belas etc. Considera-se um "positivo". É um descrente, mas é supersticioso, pois reza todos os dias à Nossa Senhora das Dores. Enfim, é um representante típico do burguês nacional, medíocre e frustrado de baixos valores morais.

D. Augusta: É uma personagem secundária na obra. Dona da casa de hóspedes na Travessa da Conceição, em Lisboa, onde vivia Teodoro. Era viúva do Major Marques. Em dias de missa costumava limpar com clara de ovo a caspa do tenente Couceiro.

Ti Chin-Fu: o mandarim assassinado por Teodoro. Embora não faça nenhuma ação no conto, nenhuma fala, é de importância fundamental na obra. Representa a vítima perfeita: é distante do seu algoz (ele não conhece Teodoro, bem como vive em uma cultura antípoda à do bacharel) é enormemente rico e sua morte é extremamente vantajosa para o assassino. Malgrado tudo isso, a sua inocência perante o mal gratuito que sofreu, para o qual não contribuiu em nada, trouxe angústia e desencanto a Teodoro, deixou a vida do ex-bacharel em ruínas.

O Diabo: o Diabo veste aqui roupas da época descrita, querendo mostrar que o mal, na verdade, está bastante próximo do homem, até se confunde com ele mesmo. O Diabo é feito à imagem e semelhança do homem. O homem e o Diabo identificam-se, até mesmo para que as suas incitações tenham maior força. A obra mostra que o poder do Diabo só funciona em combinação com o lado negro do homem.

Vladimira (generala): mulher do general Camilloff, e amante de Teodoro por um breve período. Alta, magra, delicada, é uma representação de um tema caro ao realismo: o adultério, como forma de revelar ao leitor a hipocrisia e a traição humana.

General Camilloff: é representante do Império na China. Durante a ida de Teodoro à China, tornaram-se amigos. A sua lealdade para Teodoro era sincera, e até mesmo Teodoro via nele um homem de bem, embora não pudesse evitar traí-lo com um triângulo amoroso com a esposa do General, Vladimira. Representa aqui mais um falhanço moral de Teodoro ao ir para a China.

Sá-Tó: intérprete de Teodoro durante a viagem na China.

Enredo

O narrador desta novela é Teodoro, bacharel e amanuense do Ministério do Reino. Mora em Lisboa, vive modestamente na pensão de D. Augusta, na Travessa da Conceição, mas não sofria privações (“A minha existência era equilibrada e suave... Ainda assim, eu não me considerava um ‘paria’. A vida humilde tem suas doçuras”). Porém, considerava sua vida “rotineira e triste”, pois seus sonhos de luxo estavam longe do seu bolso. Levando uma vida monótona e medíocre de um pobre funcionário público, suspira por uma ventura amorosa, por um bom jantar, num bom hotel.

Certa noite, em seu quarto, lendo, em um livro antigo, um capítulo intitulado "Brecha das Almas", o personagem-narrador se depara com estas linhas:

No fundo da China existe um Mandarim mais rico de que todos os reis de que a Fábula ou a História contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste.
Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição dum avaro.
Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?”

Surpreso e perturbado diante daquela interrogação e daquele “sombrio infólio que parecia exalar magia”, a personagem começa a ter alucinações: as letras e sinais gráficos se transformam em “rabos de diabinhos” e “ganchos com que o Tentador vai fisgando as almas”. Durante o delírio, tem duas visões: na primeira, um “Mandarim decrépito” deixa a vida a um simples tilintar de campainha; na outra, ele, Teodoro, vê “uma montanha de ouro” a seus pés.

Nesse momento, o amanuense avista a campainha fatal diante de si, pousada sobre um dicionário francês, e ouve uma voz dizendo-lhe para tocá-la. Ao voltar-se para a voz, vê, sentado, um indivíduo vestido de negro. A primeira idéia, é a de que teria, diante de si, o diabo; porém, as vestes e feições de homem comum que tal personagem apresenta fazem com que esta impressão desapareça.

As duas personagens travam, então, um diálogo, e o estranho indivíduo expõe a Teodoro os motivos pelos quais este deveria tocar a campainha. Seduzido pelas palavras do inusitado visitante, que lhe acena com as possibilidades de uma vida de privilégios, o amanuense acaba por tocá-la. Concretizado o ato, a estranha personagem informa ao seu interlocutor que o Mandarim havia expirado, e, levando-se da poltrona, retira-se.

Logo em seguida, Teodoro ouve bater uma porta e, num sobressalto, sente-se como emergido de um pesadelo. Caminha até o corredor, ouve uma voz e vê a cancela da escada se fechar. Pergunta, então, à D. Augusta quem havia saído, ao que ela responde ter sido um de seus hóspedes.

Voltando ao seu quarto, Teodoro nota que tudo está tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Retoma o seu livro, que agora lê sem sobressaltos, como um livro qualquer, e acaba por adormecer.

Decorrido um mês após o estranho episódio, o amanuense pensa que tudo não passara de um sonho, e, aos poucos, vai esquecendo o ocorrido, até que, numa determinada manhã, recebe a notícia de que herdara os milhões do Mandarim Ti-Chin-Fú. Assim, começa a vida de milionário de Teodoro, que passa a ter tudo que sempre almejou: dinheiro, posição social, prestígio, mulheres...

Desfrutando de todos os prazeres que o dinheiro pode oferecer, o amanuense deixa seu antigo emprego na repartição, seu quarto na pensão de D. Augusta, e vai morar num luxuoso palacete, sendo admirado e respeitado pela sociedade lisboeta, que se roja a seus pés.

Porém, pouco tempo depois, começa a perceber o quão vil é o ser humano, pois compreende que toda a consideração e respeito que a sociedade lhe devota provém, única e exclusivamente, do interesse pelo dinheiro que possui. Sua indignação aumenta, e seu desprezo por essa sociedade hipócrita e bajuladora fica patente. Da plebe à burguesia, do Estado à Igreja, tudo enoja Teodoro.

Apesar de milionário, o ex-amanuense não é feliz, pois passa a ter, constantemente, visões do fantasma do Mandarim assassinado: é a sua consciência, que começa a lhe cobrar pelo ato indigno. Então, para acalmá-la e aplacar a fúria de Ti-Chin-Fú, decide partir para uma viagem à China. Sua intenção: descobrir a família do Mandarim e casar-se com uma mulher dessa família para, desse modo, “legitimar” a sua herança.

Na China, nos são apresentadas as aventuras e peripécias de Teodoro, sempre em tom cômico, irônico ou mordaz. Nesta parte, que ocupa quatro dos oito capítulos de que a obra se compõe, Eça de Queirós segue lançando a sua crítica ferina sobre problemas como a corrupção existente na esfera política de um país, o contraste entre a atual decadência de Portugal e o seu passado de glórias, o oportunismo do homem que busca tirar proveito próprio de todo tipo de situação, e toda uma sorte de mazelas humanas como a ganância, a cobiça e o adultério.

Entretanto, o protagonista não consegue o seu intento nessa sua viagem, e, então, retorna a Lisboa.

Incessantemente perseguido pela figura do fantasma do Mandarim, Teodoro resolve “livrar-se” de sua fortuna. Assim, volta a viver no seu antigo quarto, na pensão de D. Augusta, aparentando pobreza, e retoma o seu ofício de amanuense. Porém, nem dessa forma consegue afastar de si a imagem de Ti-Chin-Fú, pois, na realidade, ainda possuía os milhões do velho Mandarim em sua conta bancária. Entretanto, vendo-o pobre, toda a sociedade lisboeta, que o bajulara, volta-se contra ele, aviltando-o e insultando-o. Dessa forma, irritado, decide voltar a viver em seu palacete, como um milionário, e, novamente, Lisboa se roja a seus pés.

Atormentado e desiludido, o ex-amanuense encontra, certa noite, na rua, “o senhor diabo”: aquele mesmo ser que lhe fizera a proposta no quarto da pensão de D. Augusta. Desesperado, pede a ele que ressuscite o Mandarim e lhe devolva os milhões, e que restitua a paz de sua consciência. A tal pedido, a única resposta que obtém é que isso é impossível.

E assim continua vivendo Teodoro, até os fins dos seus dias. Quando se sente perto de morrer, faz um testamento no qual doa toda sua herança ao Diabo (pertence-lhe, ele que as reclame e que as reparta...”).

Encerrando a sua narrativa, Teodoro nos deixa, arrependido e amargurado, o seguinte ensinamento moral:

E a vós, homens, lego-vos apenas, sem comentários, estas palavras: “Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!”

E todavia, ao expirar, consola-me prodigiosamente esta idéia: que do Norte ao Sul e do Oeste a Leste, desde a Grande Muralha da Tartária até as ondas do Mar Amarelo, em todo o vasto Império da China, nenhum Mandarim ficaria vivo, se tu, tão facilmente como eu, o pudesses suprimir e herdar-lhe os milhões, ó leitor, criatura improvisada por Deus, obra má de má argila, meu semelhante e meu irmão!

Fonte:
Passeiweb

Paulo Vinheiro (Certamente)


Certamente te esperava, como uma folha no rio
Como quem abraçava o vento e beijava a brisa
Imóvel como podia, te esperava

Acendia em meus olhos a calma de quem ama
Lia nas nuvens a mensagem só tua
De mãos dadas eu e tu esperávamos as estrelas...
Agora já estás aqui como se sempre estivesses

As asas de menos cores se aproximam
Mostram os rasgos do céu na noite...
Dourando os meus olhos de novo

A calma do rio
O frio da noite
O calor de tua mão
As coisas não se cabem

Dias curtos
Noites curtas
Uma palma na palma
Umas asas na alma

Assim, como que com música
A gente se vê a dançar
Vejo e fluo... assim... assim

Sem vento e sem brisa
Sem folha, sem rio
Meus olhos nas nuvens tuas
Estrelas nas mãos e asas douradas
Qual mais?

Descubro que o tempo não existe
O espaço é só um lugar impreciso
E nós tão pequeninos
Um nos fizemos

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Autran Dourado (O Pintassilgo)


Era uma vez um pintassilgo amantíssimo, capaz de dar a vida pelos seus filhotes. Um dia, trazendo no bico uma minhoca para eles, não os encontrou. Caindo no maior desespero, saiu a procurá-los pela floresta; os ninhos que ele encontrava estavam vazios. Vendo-o tão desesperado, disse um pardal que não adiantava procurá-los, pois os vira numa gaiola na janela da casa do proprietário da floresta.

Cheio de esperança, o pintassilgo voou para lá. Viu logo, numa gaiola dourada, os seus filhotes presos. Começou a bater o peito, o bico e a cabeça na grade da gaiola. Inutilmente, porque o arame da gaiola era muito grosso. Voltou para a floresta.

No dia seguinte estava de volta, trazendo no bico uma erva. A erva era venenosa e os filhotes morreram.

Moral da história: antes morrer do que ficar preso. Foi o que disse o pintassilgo.

O pintassilgo de Leonardo da Vinci

Na fábula do pintassilgo, o artista e cientista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) constrói uma alegoria da liberdade como bem supremo da existência, impregnada, pois, dos valores renascentistas. "Antes a morte", disse o pintassilgo, "do que perder a liberdade", anotou o pintor da "Monalisa". Cenários desse tipo eram improvisados por Leonardo com frequência, dependendo do local ou do público a que se destinavam.

Fonte:
FÁBULAS modernas: velhas fábulas por novos autores. Folha de S. Paulo, 2002. Caderno +.

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) A Suprema Revelação


Ponho a mão, de leve, sobre o teu ventre,
tenso, em sua túmida rijeza,
e, de repente,
sou o primeiro homem
diante do desconhecido e da beleza.

(Eu orgulhoso da ciência e do saber humanos)
- sou o homem primitivo
ignorante de tudo, temeroso de tudo
- que nada explica, nada descerra -
que se deslumbra ante a mensagem dos céus,
e, trêmulo, se amedronta ante os mistérios da terra!)

Ponho a mão sobre o teu ventre
abaulado,
onde palpita uma força indefinida,
como se sentisse na própria mão,
indecifrado,
o segredo da Vida!


Parece que Deus se utiliza de teu corpo
para revelar-se
em seu poder e em sua essência
e para mostrar a distância infinita entre a pretensiosa
vaidade do saber humano,
e a sua Onisciência!

Sim. É como se Deus se comunicasse comigo
nesses estranhos sinais que sinto em minha mão...
E perturbado e incrédulo, me interrogo, sem perceber
a razão
por que haveria Ele de permitir que eu e tu
partilhássemos dos mistérios
da Criação?

Ponho a mão, de leve, sobre teu ventre,
e entre deslumbrado e atônito
perturbado e intranqüilo,
fico a pensar que Deus serviu-se de ti, para que eu
- materialista e ateu -
pudesse senti-lo,
e - poeta - pudesse "vê-lo",
e humildemente, homem,
pudesse reconhecê-lo!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (A Avezinha da Lua)


(- primeira estória para a Rita- )

Minha filha tem um adormecer custoso. Ninguém sabe os medos que o sono acorda nela. Cada noite sou chamado a pai e invento-lhe um embalo. Desse encargo me saio sempre mal. Já vou pontuando fim na história quando ela me pede mais:

- E depois?-

O que Rita quer é que o mundo inteiro seja adormecido. E ela sempre argumenta um sonho de encontro ao sono: quer ser lua. A menina quer luarejar e, os dois, faz contarmo-nos assim, eu terra, ela lua. As tradições moçambicanas ainda lhe aumentam o namoro lunar. A menina ouve, em plena verdade da rua: "- olha os cornos da lua estão para baixo: vai cair a chuva que a lua guarda na barriga- ".

Me deu, um destes dias, a ideia de lhe contar uma estorinha para fazer pousar o sonho dela. E desencorajar seus infindáveis "e depois". Lhe inventei a estória que agora vos conto.

Era uma avezinha que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se expandia:

- Hei-de pousar lá, na lua- .

Os outros lhe chamavam à térrea realidade. Mas o passarinho devaneava, insistente: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de meninice. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distancia. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria enluarar-se. Pelo que o tudo ficava nada.

Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embute de um outro corpo.

E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea. A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou. Na lua não faz dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado de sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar. Com o bico desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora, simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto.

Triste, ela chorou. Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na beirada da pálpebra, cristais de prata. A avezinha estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho. Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando:

- Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.

- E porquê me sonhaste?

- Porque aqui não há voz vivente.

- Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.

- Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu- .

É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador. E nenhuma criatura, a não ser a noite, escuta o canto da avezinha enluarada. Sobre as primeiras folhas da madrugada, tombam gotas de cacimbo. São lagriminhas do pássaro que sonhou pousar na lua.

- E depois, pai?-

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Laé de Souza (Escolas Estaduais de Sorocaba Participam de Projeto de Leitura)


Cerca de cinco mil estudantes de 32 escolas estaduais de Sorocaba estarão a partir deste mês envolvidos em um projeto de incentivo à leitura.

O projeto “Ler é Bom, Experimente!”, desenvolvido em todo o país, teve em 2011 a participação de oito escolas de Sorocaba e com o resultado obtido, em parceria com Secretaria de Estado da Educação - Diretoria de Ensino da Região de Sorocaba, o Grupo Projetos de Leitura abriu um número maior de vagas para escolas do município.

O projeto, desenvolvido há mais de doze anos pelo Grupo Projetos de Leitura, com aprovação do Ministério da Cultura e patrocínio do GRUPO SEGURADOR BANCO DO BRASIL E MAPFRE, tem como objetivo incentivar o hábito da leitura oferecendo livros e demais materiais didáticos, gratuitamente, às escolas públicas. Dirigidos a estudantes a partir do 2º ano até o ensino médio, a mecânica do trabalho envolve a leitura de livros do escritor Laé de Souza, que neste ano será com as obras “Radar, o cãozinho” (português/inglês), “Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial” e “Acredite se quiser!” (impresso em braille), discussão dos temas propostos nas obras, criação de textos e adaptação para teatro, exercícios infantis e outras atividades. A escola participante receberá um lote de 152 livros, além de material de apoio como folhas pautadas para redação e ainda uma cartilha pedagógica para auxiliar o professor a executar as atividades dentro da sala de aula.

Após a leitura e o desenvolvimento das atividades sugeridas, monitoradas pelos professores, os alunos respondem um questionário sobre a obra e elaboram textos baseados nas crônicas ou nos personagens. Serão premiados, por classe, com outra obra de Laé de Souza, três autores dos melhores trabalhos.

Os alunos participantes concorrem também à seleção do seu texto para participar de uma coletânea intitulada "As melhores crônicas dos projetos de leitura" que será lançada na Bienal Internacional do Livro de São Paulo em agosto de 2012.

Para o coordenador do trabalho, o escritor Laé de Souza, a ideia é atrair todos os estudantes para uma participação ativa em um movimento literário na sua própria escola. “A disseminação da leitura na sala de aula, se bem orientada, poderá criar novos cidadãos apaixonados pela leitura e com vontade própria de ler. Nosso trabalho é desenvolvido para que os jovens se tornem adultos atraídos pelos encantos e aprendizado que a leitura de livros pode proporcionar. O professor é nosso parceiro e assume conosco a empreitada de fazer o aluno descobrir o prazer da leitura. Torço para termos alunos de Sorocaba na nova coletânea de textos de estudantes”, diz.

“As nossas expectativas em relação ao projeto “Ler é Bom, Experimente!” são as melhores possíveis, pois um dos principais objetivos do trabalho das escolas da rede estadual de ensino é desenvolver a competência leitora e escritora nos alunos de todos os segmentos, da alfabetização ao ensino médio, em todas as disciplinas. Sendo assim, a participação de 32 escolas da nossa Diretoria é uma grande oportunidade para trabalharmos a produção textual, debatermos os temas propostos pelos livros ou, simplesmente, estimularmos o prazer pela leitura. Estão de parabéns todos os que idealizaram e põem em prática este Projeto”, manifesta-se o Professor José Roberto Machado Júnior, Coordenador de Língua Portuguesa da Diretoria de Ensino da Região de Sorocaba.

Fonte:
E-mail enviado por Laé de Souza

domingo, 15 de abril de 2012

Trova Ecológica 84 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Martins Fontes / SP (Livro de Sonetos)


O soneto acima - Como é bom se bom! - é considerado o seu verso mais famoso e, antes de tudo, um lema de vida que Martins Fontes sempre cultivou, como médico tisiologista da Santa Casa de Santos (a primeira do Brasil, fundada por Brás Cubas).
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A ÁGUA TODA SECOU ATÉ NOS OLHOS

— Meu culto ao Ceará, Coração do Brasil.

O rio vai morrer, sem que nada o socorra,
sem que ninguém, jamais, bendiga o moribundo.
Morre na solidão, no silêncio profundo,
e o malárico mal o mantém em modorra.

A enfermidade faz que da boca lhe escorra
o limo, feito fel, viscoso e nauseabundo.
E o terror se lhe vê das órbitas ao fundo.
Paralítico jaz na estreitez da masmorra.

Tu só, tu, meu Irmão, que a miséria não vence.
Que suportando a sede, a fome, a febre, o frio,
sem que prêmio nenhum teu martírio compense.

Poeta, herói, semideus, sabes o desvario,
a sobre-humana dor, a bravura, cearense,
de quem se suicidou, vendo morrer o rio.

OTELO

Quem minha angústia suportar, prefira
a morte, redentora, à desventura
de não poder, nas vascas da loucura,
distinguir a verdade da mentira.

Infrene dúvida, implacável ira,
esta que me alucina e me tortura!
- Ter ciúmes da luz, formosa e pura,
do chão, da sombra e do ar que se respira!

Invejo a veste que te esconde! a espuma
que, beijando teu corpo, linha a linha,
toda do teu aroma se perfuma!

Amo! E o delírio desta dor mesquinha,
faz que eu deseje ser tu mesma, em suma,
para ter a certeza de que és minha!

BEIJOS MORTOS

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.

BEIJOS NO AR

No silêncio da noite, aslta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrância feminina assoma
e tentadoramente me desperta.

Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.

De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnólia em flor, em fevereiro,
se exala esse cálido desejo?

Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!

CREPÚSCULO

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando...

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.

DESARMONIA

Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.

Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.

O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.

E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.

LONGUS

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trêmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
há milhares de folhas amarelas...

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narrações e pastorelas,
um rapaz, aindaingênuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas...

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados...

Silêncio... Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silábicos sons, que musicados,
cantam na amável pastoral de Longus…

MAIS FORTE DO QUE A MORTE

Chego trêmul, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.

Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
- E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.

Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu'alma.

E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!

SÃO FRANCISCO E O ROUXINOL

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.

SONETO

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!

MINHA MÃE

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer - Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=22

Martins Fontes (1884 – 1937)


José Martins Fontes, poeta brasileiro, nascido na cidade paulista de Santos, às 17 h 30 min. em 23 de junho de 1884, foi um médico e poeta brasileiro. É considerado o melhor poeta de sua geração na lusofonia, e um dos dez melhores na língua portuguesa; os outros nove são Camões, Bocage, António Nobre, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa, Castro Alves, Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira (o brasileiro).

José Martins Fontes, o "Zezinho Fontes", nasceu na casa 4 da praça José Bonifácio, filho de Isabel Martins Fontes e do Dr. Silvério Martins Fontes, frequentou os principais colégios de seu tempo, entre eles o Colégio Nogueira da Gama em Jacareí. Em sua vida de estudante em Santos, teve como professor Tarquínio da Silva, ao qual prestou homenagem posteriormente. Mais tarde vai para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio Alfredo Gomes.

Aos oito anos de idade, Martins Fontes publicou seus primeiros versos num jornalzinho denominado "A Metralha" dando os primeiros sinais do grande poeta que iria ser durante sua vida, do qual foram publicados 9 números aos domingos e cujo cabeçalho em três cores era feito por seu avô, o coronel Francisco Martins dos Santos. A 1° de maio desse mesmo (1892) estreia o moço poeta, recitando um hino a Castro Alves no Centro Socialista, organização marxista-leninista criada por seu pai. Com dezesseis anos, ele lê uma ode de sua autoria na inauguração do monumento comemorativo ao quarto centenário do Descobrimento do Brasil, levantado próximo à biquinha em São Vicente.

Em 1908, defendeu tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tornando-se médico sanitarista, tendo convivido com poetas como Olavo Bilac, Coelho Neto, Emílio de Meneses e outros. Depois de formado foi médico da Comissão das Obras do Alto Acre, interno da Santa Casa do Rio de Janeiro, auxiliar de Oswaldo Cruz na profilaxia urbana, médico da Santa Casa de Misericórdia de Santos, médico da Beneficência Portuguesa de Santos, inspetor sanitário em Santos e Diretor do Serviço Sanitário.

Também foi médico da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio, da Companhia Segurança Industrial, da Companhia Brasil, da Repartição de Saneamento e da Casa de Saúde de Santos. Durante a epidemia de gripe de 1918 tornou-se um dos beneméritos da cidade, desdobrando-se para socorrer os bairros do Macuco e Campo Grande e estendendo sua ação para a localidade de Iguape. Como médico, notabilizou-se como conferencista e foi tisiologista da Santa Casa de Misericórdia de Santos e destacado humanista, lutou junto com Oswaldo Cruz em defesa sanitária da cidade de Santos. Em seu consultório particular tratava de pessoas sem poder aquisitivo, não cobrando as consultas.

Fundou com Olavo Bilac uma agência publicitária para serviços de propaganda dos produtos brasileiros na Europa e em outros países. Em 1924 tornou-se correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Quando Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo e candidato à presidência da República, partiu em viagem para percorrer os países da Europa e EUA, Martins Fontes foi convidado para acompanhá-lo como médico da caravana. Devido ao seu trabalho como conferencista conheceu o Brasil de norte a sul, e ainda a Argentina, o Uruguai, os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Espanha, a Itália e Portugal.

Colaborou literariamente com os jornais "A Gazeta" e o "Diário Popular" em São Paulo, e para o "Diário de Santos" e o "Cidade de Santos", além de inúmeros periódicos do Rio de Janeiro e outras cidades.

Sua obra literária é bastante volumosa, chegando actualmente a cinquenta e nove títulos publicados, em poesia e prosa. Actualmente editadas em Portugal, sob coordenação de seu biógrafo oficial, Rui Calisto.

Foi titular da Academia das Ciências de Lisboa e, ao longo de sua vida, recebeu os títulos de comendador da Ordem de São Tiago da Espada, Cavaleiro da Espanha, Par da Inglaterra entre outras distinções. É patrono da cadeira n.° 26 da Academia Paulista de Letras.

Figura notável, era venerado pelo povo (notadamente pelos mais pobres). Sua morte causou grande consternação, tendo seu funeral, conforme testemunhos da época, paralisado a cidade. Seu túmulo no Cemitério do Paquetá, em Santos/SP, é um dos mais visitados e o povo acredita que o poeta continua a espalhar bondade mesmo após a sua morte, atendendo às preces que lhe são dirigidas.

Alguns livros de sua bibliografia publicada:

Da Imitação em Síntese, 1908, 78p.
Verão., 1917, 201p.
A Dança., 1919, 112p.
Granada., 1919, 27p.
A Alegria. 1921, 46p.
Pastoral., Março de 1921, 20p.
Arlequinada., 1922, 79p.
O Mar. 1922, 48p.
Marabá. Janeiro de 1922, 33p.
Boémia Galante. 1923, 370p.
As Cidades Eternas. 1923, 138p.
À Margem das Cidades Eternas. In: Revista de Filologia Portuguesa. São Paulo, I, 4, 1 de Abril de 1924, p. 49-71. (Obra encontrada por Rui Calisto. Pertence agora ao acervo deste investigador.).
Prometheu. 1924, 27p.
Volúpia. 1925, 169p.
Decameron. 1925, 106p.
Santos Suprema Glória da Pátria! 1925, 35p.
Partida para Cythera. 1925, 79p.
Vulcão. 1926, 204p.
No Templo e Na Oficina. 1927, 185p.
A Fada Bombom. 1927,48p.
O Colar Partido. 1927, 259p.
Rosicler. 1927, 81p.
Poesias. 1928,
Poesias Completas de Martins Fontes, 425p.
Entre outros

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=22
http://pt.wikipedia.org/wiki/Martins_Fontes

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 541)


Uma Trova de Ademar

Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela;
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Pense bem nas atitudes
antes de emitir conceitos;
quem não conhece as virtudes
não deve apontar defeitos!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar


Saudade de amor... lembrança,
que dói mais que qualquer dor!
Nem na velhice descansa,
quem tem saudade de amor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


1979 - Niterói/RJ
Tema : RENÚNCIA - Venc.


A pedra rude, pisada,
de um degrau, reflete bem
a renúncia de ser nada
para um outro ser alguém.
–CAROLINA RAMOS/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Cai a noite... Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo queixume
um lamento sem tamanho...
–WALDIR NEVES/RJ–

U m a P o e s i a


Satisfeito, carrego a minha cruz
com a estrela da fé dentro da mente.
Vou lutar pra vencer os atropelos
sem temer o que esteja pela frente.
Sei que a senha da morte não tem prazo,
mas, enquanto não chega o meu ocaso,
sigo olhando pra luz do sol nascente.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Pecados
–THALMA TAVARES/SP–


Eu tenho pecados, e muitos, não nego.
Só Deus é quem sabe das culpas que expio,
dos erros, das faltas que eu triste carrego,
que o sono me roubam, por noites a fio.

Porque aos teus braços me atiro, me entrego,
minha alma anda triste qual planta no estio.
Mas Deus é culpado, se não me fez cego
à rara beleza do teu corpo esguio.

Não sei de pecados, mais doces, mais quentes
que a luz de teus olhos, teus lábios ardentes
que enchem a minha alma de sol e calor.

Mas tenho certeza que os nossos pecados
por muitos que sejam, já estão perdoados,
que não é pecado pecar por amor.

Vicência Jaguaribe (Onde Está a Margarida?)


Tarde do domingo. Uma tarde agradável, ventilada e clara. A ida à missa dominical. A chegada antecipada, para que a Margaridinha, filha única, tivesse oportunidade de encontrar-se com outras crianças e brincar um pouco. Ela tinha feito amizade com algumas garotas de sua idade cujos pais frequentavam a mesma igreja. E todas as semanas o casal fazia questão de dar à filha aquele momento de prazer. Eles sentavam-se nos bancos de cimento que ficavam no espaço cercado pelas grades que circundavam a igreja. Os pais das outras meninas iam chegando e sentavam-se com eles para vigiar os folguedos das filhas. Naquela tarde, brincavam de roda, cantando “A Margarida”. A pequena Margarida, a única que tinha esse nome — homenagem à avó paterna —, estava no centro da roda. As outras pegavam na barra de seu vestido largo — que parecia ter sido feito para aquela brincadeira — e formavam uma roda, fora da qual outra menina cantava e dançava. E seu canto se alternava com o das garotas da roda.

As garotas tiveram tempo de cantar “A Margarida” duas vezes somente. O sino da igreja anunciou o início da missa e elas se aproximaram dos pais.

A igreja era uma construção grande e larga. Os bancos, confortáveis, espalhavam-se estrategicamente por todos os cantos, formando ângulos com o altar principal, de modo que, de onde estavam sentados, todos os fiéis tinham a visão completa da celebração.

O padre iniciou o ritual católico da Missa, e todos se recolheram em oração. As crianças tentavam imitar os adultos, mas distraíam-se. Olhavam para as pessoas ao redor, conversavam com o irmão ou o amiguinho sentado ao lado, coçavam-se, bocejavam... De vez em quando, o pai ou a mãe lançavam-lhes um olhar ameaçador, e elas voltavam a comportar-se. A Margaridinha encostou-se na mãe e ameaçou dormir, quando o padre deu início à leitura do Evangelho.

— Margarida, escuta. O Padre vai falar das crianças. Vai ler uma história muito bonita.

A menina abriu os olhos, empertigou-se e ouviu direitinho o Evangelho de Marcos. Quando o Padre anunciou a saudação dos fiéis, ela, vendo algumas amiguinhas na porta da igreja, disse à mãe que ia ficar com elas. O pai acompanhou-a com os olhos e viu quando ela desceu os degraus.

As três, enfadadas com a missa comprida demais, não tornaram a entrar na igreja. Sentaram-se em um dos bancos de cimento e ficaram conversando.

Com a bênção final, os fiéis foram se retirando devagar. Os pais da Margarida olharam-se e interrogaram-se mudamente. O olhar que um devolveu ao outro parecia dizer, com preocupação, Eu pensei que você sabia onde ela estava! Apressaram o passo e encontraram as duas meninas que o pai vira a filha abraçando.

— Vocês viram a Margarida?

— Ela não estava com vocês!?

— Um homem veio e levou ela — respondeu uma das meninas, meio amedrontada com o semblante de preocupação do pai da amiguinha.

— Que homem, meu Deus? Como era esse homem?

A dona da banca de bombom aproximou-se.

— Eu vi quando ele levou a menina. Pensei que era alguém da família. Ela foi com ele sem problema.

Já uma aglomeração cercava os pais da menina. Um senhor descreveu alguns traços do desconhecido: moreno, estatura mediana, camisa vermelha. Infelizmente, não lhe vira as feições. Alguém sugeriu aos pais irem imediatamente à delegacia. Nesses casos, quanto mais cedo se começava a busca, mais chances se tinha de evitar uma tragédia.

A mãe chorava e tremia. Uma conhecida que fora de carro à igreja ofereceu-se para levá-los à delegacia. O pai não conseguia raciocinar. Em sua cabeça ecoava, todo o tempo, sem intervalo, os primeiros versos da cantiga de roda que a filha cantara antes da missa: Onde está a Margarida, / Ô lê, ô lê, ô lá / Onde está a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Meu Deus, onde estaria a sua Margarida naquele momento? Onde estaria a sua menininha?

Diante do delegado, não teve condições de falar. Nem ele, nem a mulher. Foi a dona do carro que registrou a queixa. Imediatamente, o delegado acionou soldados e investigadores, e a busca começou. O bairro todo já tomara conhecimento do que acontecera. Os jornais foram informados, e os carros de reportagem já se encaminhavam à igreja e à casa dos pais da menina.

Na cabeça do pai, ainda ecoavam os versos da cantiga de roda, impedindo-o de raciocinar para tentar ajudar na busca: Ela está em seu castelo / Ô lê, ô lê, ô lá / Ela está em seu castelo / Ô lê, seus cavalheiros. O único castelo que ele pudera erguer para protegê-la fora o castelo do seu amor e dos seus cuidados. Mas não havia sido suficiente, e ele sentia-se culpado. Não tinha coragem de olhar para a esposa, em estado de choque. O médico do posto de saúde fora chamado. Sabia que ele iria querer dopar os dois. Mas ele não tomaria nenhuma droga. Queria enfrentar tudo bem acordado. Não dissera a ninguém, mas não tinha esperança de que encontrassem a filha com vida. Como ele queria que essa sua impressão não se confirmasse! Que ela estivesse errada, meu Deus! Mas sabia — eram tantos os casos de violência contra crianças! — que não adiantava enganar-se. Como ele gostaria de ver a filha mais uma vez, de abraçá-la, de dizer que a amava mais do que a qualquer outra pessoa no mundo!

O médico chegou e fez os dois tomaram um calmante. A mãe continuou sob o efeito do remédio até o dia seguinte, mas ele, o pai, estava de pé logo depois da meia noite. Quando as buscas recomeçaram, ele achou que tinha condições de ajudar, e seguiu um dos grupos. À tarde, o corpo da criança, com evidências de estupro, foi encontrado em um bairro vizinho. O pai tomou conhecimento da tragédia e dirigiu-se a casa. Queria estar com a mulher quando ela recebesse a notícia. Os versos finais da cantiga de roda, que ecoaram por todo o seu corpo, pareciam ironizar a sua dor: Apareceu a Margarida / Ô lê, ô lê, ô lá / Apareceu a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Sim, ela aparecera, mas não como deveria ter aparecido. Menos ainda como ele queria que ela aparecesse.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos de Outono" - Edição Especial 2012 - Abril de 2012.

Pedro Du Bois (Lançamento do livro “Brevidades”)


O Projeto Passo Fundo e Pedro Du Bois convidam para o lançamento do livro de poemas

Com prefácio do poeta amazônico Jorge Tufic e comentário (orelha) do professor e historiador Paulo Monteiro,

19 de abril, 5a. feira, a partir das 18 horas

Livraria Nobel
Rua Gal. Osório, 1148 - Passo Fundo - RS


Brevidades é o novo livro de poemas de Pedro Du Bois, lançado através do Projeto Passo Fundo, que tem por criador e administrador, Ernesto Zanette. A obra traz a apresentação do poeta Jorge Tufic; “orelha” do historiador e poeta Paulo Monteiro; capa da artista plástica Silvana Oliveira.

Os poemas estão divididos em cinco blocos: Breve apanhado sobre a (minha) lucidez, Breve anotação sobre a (minha) sanidade, Breve apontamento sobre o (meu) equilíbrio, Breve relato sobre a (minha) natureza e Breve ilustração sobre o (meu) sentimento.
Na obra o autor expõe (suas) brevidades, revelando tipos obsessivos, frutos de suas observações sobre a lucidez, o equilíbrio, a natureza e o sentimento.

“Permito-me a lucidez: vejo a árvore e os frutos; / desfaço a cama e guardo as cobertas. Visto na roupa / a imagem trazida no regresso. //... A lucidez contém luzes enfeitiçadas de verdades. / A lucidez é o meu cansaço”.

Nos poemas, Pedro Du Bois diz “da brevidade do pensamento e dos atos”, através de imagens metafóricas que celebrizam fragmentos da vida na descrição de quadros complexos, onde se defronta com a (sua) sanidade e natureza; penetra na película do (seu) comportamento ao demonstrar a (sua) aparência no universo de (des)equilíbrios: o (seu) sentimento que o libera da necessidade limitadora de se submeter ao cotidiano e pela maneira com que se envolve na imaginação ao se descobrir em “Brevidades”.

“... - sou cores realizadas em tinta / e represento vontades: claras / escuras amarelas e vermelhas. / Pranteio o antecedente espaço / e me aprofundo em brancos. //... - sou cores fixadas sobre a pedra / e me digo consentâneo em respostas”.

Segundo o poeta Jorge Tufic, “o autor deste livro capta as situações e posturas mais diversas em que se vê, dando aos tranquilos ou abismáticos rituais de seu cotidiano admissíveis “estampas” da realidade em cada bloco ou fragmento, como se “cantos” fossem de uma bem elaborada saga individual, entre a “solidão do corpo” e a “sentinela do olvido”.

Nas palavras do historiador e poeta Paulo Monteiro, “... Os temas minúsculos, invisíveis e indiferentes à grande arte estão presentes nos poemas de Pedro.... Na verdade, a obra poética de Pedro Du Bois mais do que reunir influências, reúne sensações”.

Ao lermos Brevidades vemos, além do domínio técnico e da beleza, a certeza do objetivo alcançado através de grande processo criativo, sensível e emotivo.
Tânia Du Bois

1
Permito-me a lucidez: vejo a árvore e os frutos;
desfaço a cama e guardo as cobertas. Visto na roupa
a imagem trazida no regresso. Da casa retenho
a tinta das paredes; nos vidros da janela vejo
a poeira acumulada. Recorro à figura armazenada
e retiro a essência. A lucidez me repete
fatos intercalados.

Invado o lúdico e me deparo com a reserva
ao conhecimento. Cumprimento a sombra
do que sou e deixo arrolado o tanto procurado.

A lucidez contém luzes enfeitiçadas de verdades.
A lucidez é meu cansaço.

Fonte:
O autor
Resenha por Tânia Du Bois, in http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3613001

Paulo Vinheiro (Uma Flor no Meio da Vida) – 08042012 (reescrita)


(Paulo Vinheiro é o nome literário de Paulo Vieira Pinheiro, de Monteiro Lobato/SP)

O quê queres? Perguntei-me a mim.

Dia e outro, na procura dos sentidos, me perco nas palavras que brotam por todo lado com seus propósitos de me confundir.

Jornais, revistas, livros... tantas letras que doem.

Já li de tudo, me arrebatam as bulas...

Machado, Alencar, Scliar, Saramago, Lobato, e tanta gente que depois de um tempo me cobra: fazes o que dizes

Ousado, talvez com um pouco de medo, arrisquei umas pequenas linhas... pequenininhas.

Então escrevi.

Tive a sorte de aprender a letrar pensamentos e os letrei; então achei pouco.

Pensei: se posso descrever o que penso... porquê não posso escrever o que sinto?

Vi que existia uma ponte estreita, longa, perigosa e muita vez conflitante entre o que eu sentia e pensava.

Sofri, mas não desanimei, então me reescrevi.

Contei contos, desvelei novelas, trabalhei textos... passei a ler com mais cuidado, com mais rigor, com mais seleção.

Passei a ler como se eu tivesse escrito o texto que não escrevi. Busquei o sentimento que vale a pena (no estrito sentido da pena que escreve).

Antes disso eu não respeitava tanto como mereciam os que escreveram.

Textos bons ou textos nem tanto como queríamos ler, servem para o que servem, para se qualificarem uns aos outros.

Quem sabe o que é bom?

Sempre gostei das coisas mais fáceis e por isso busquei as mais difíceis, só para me contrariar... só eu sofri no caso das palavras que li.

Agora a pouco me perguntaram: e a flor, onde entra nisso que dizes?

Ora entendo que a flor é o produto da expressão do que se diz, do que se escreve, do que se pinta, do que se faz para a apreciação, como o trabalho, como o amor... como a expressão pura e simples da ação.

Existe no campo ou nos jardins, todo o tipo de expressão floral. Existe no jardim de nossos dias uma quantidade de obras a se admirar, umas com mais cuidado, outras detalhadas, outras simples... cada qual com suas qualidades.

Para nós sobra entendermos o que fizemos ou faremos de nós.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Alcântara Machado (Brás, Bexiga e Barra Funda)


Alcântara Machado publicou Brás, Bexiga e Barra Funda, em 1927, sendo sua segunda publicação. A obra, da primeira fase do Modernismo, tem, ao invés de um prólogo, um artigo de fundo e o autor confessa que os contos não nasceram contos, mas sim notícias. Alcântara Machado busca fixar tão somente alguns aspectos da vida quotidiana dos novos mestiços nacionais e nacionalistas. Seu processo lingüístico é imitável, inimitável é o espírito, o estilo, animado por uma verve, uma graça e um humor absolutamente pessoais.

Estrutura

O livro é montado através de pequenos quadros sobre o cotidiano pobres de São Paulo, juntando episódios de rua, que o próprio autor intitulava de “notícias”. São 11 contos da mais bem-humorada prosa cubo-futurista, onde vai juntando quadros urbanos que ficam entre a crônica, a notícia e o conto leve.

É possível estabelecer uma aproximação entre Alcântara Machado e Lima Barreto pela atitude jornalística de ambos e pela preferência na retratação do proletariado — os filhos dos carcamanos, no primeiro, e o homem do subúrbio, no segundo.

Os contos mantêm uma característica fundamental do gênero que é a densidade. Todos são curtos e apresentam os elementos mínimos indispensáveis, sem alongar-se em qualquer descrição de cenário ou de personagem. Apresenta apenas os dados essenciais para que a narrativa possa ancorar no espaço desejado, valorizando o mapeamento da cidade, por isso, são freqüentes as citações de nome de ruas e de bairros.

Espaço / Tempo

O espaço é essencialmente urbano, com suas dificuldades e com a luta das pessoas para nele se adaptarem. Podemos dividi-lo em espaço interno, fechado, mostrando as pessoas em casa, no seu viver cotidiano, seja numa condição não muito comum, como o velório, seja na rotina diária, como uma refeição ou conversação informal.

O tempo é cronológico e alguns contos apresentam unidade de tempo, como: Lisetta, Corinthians (2) x. Palestra (1), O monstro de rodas, Armazém Progresso de São Paulo, desenvolvendo-se a ação num só dia. Outros contos, porém, já não apresentam essa unidade, com a ação alongando-se por mais de um dia, numa seqüência revelada de modo elíptico, muitas vezes representado simbolicamente pela duplicação do espaço em branco, que separa um parágrafo do outro, uma ação da outra, num corte cinematográfico. Exemplo disso são os contos: Gaetaninho, Carmela, Tiro-de-guerra nº 35, Amor e sangue, A sociedade, Nacionalidade.

Foco narrativo

Narrado em 3ª pessoa a modernidade se revela através do jogo de fragmentos, reunindo lances da vida urbana de imigrantes e paulistas tradicionais numa cidade em franco progresso. Entre os elementos mais destacadamente modernos do livro, está a sua forma narrativa, feita em blocos, que funcionam como cenas.

O principal processo narrativo em Brás, Bexiga e Barra Fundaé o diálogo — o diálogo ponto de vista da narrativa, o diálogo revelador de caracteres e o diálogo sugestão de ambientes, ou ainda o discurso indireto vivo, uma forma de dialogação polifônica.

No conto Gaetaninho, esses processos realizam-se através da libertação da construção tradicional da frase e do aproveitamento da vivacidade do coloquial, na visão do menino que brinca, é castigado, sonha com a morte da tia só para andar de carro e morre atropelado.

Linguagem

Quanto à linguagem propriamente dita, ela é o elemento igualmente central do caráter moderno do livro. Uma das marcas de Brás, Bexiga e Barra Funda é a leveza conseguida por meio do discurso direto, predominante na obra. As personagens têm a oportunidade de falar diretamente por meio dos diálogos, exprimindo suas emoções, tristezas e esperanças com toda a carga expressiva e a coloquialidade que lhes é característica. Os diálogos propiciam também maior sensação de realismo e de proximidade entre personagens e leitor. A história ganha em dinamismo e, graças à sutil ironia de Alcântara Machado, em humor. Além do mais, a leitura dos 11 pequenos contos reunidos nesta obra faz que sintamos o processo de abrasileiramento do italiano.

Antônio de Alcântara Machado traz na linguagem uma marca muito própria dos modernistas da primeira geração: a recusa à linguagem empolada, retórica, cheia de volteios. Ao contrário sua linguagem é marcada pelo estilo telegráfico, conciso. As frases são na sua maioria formadas por orações coordenadas e curtas, garantindo sempre um mesmo ritmo ao texto:

Foi-se chegando devagarinho, devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do Chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta e varou pela esquerda porta adentro.

Personagens

Os personagens são “planos”, superficiais, não apresentam transformações surpreendentes durante a narrativa. As personagens são apresentadas de modo sumário e rápido, embora não seja uma caricatura, apesar do humor. Alguns são verdadeiros tipos como Carmela e Salvatore Melli, mas outros também apresentam uma base psicológica como Gaetaninho.

Na busca pela adaptação cultural e econômica, encontramos as costureirinhas curiosas pelo mundo do qual não fazem parte, mas conscientes de que devem continuar a fazer suas famílias na colônia, as crianças vítimas do preconceito, da pobreza e da injustiça que cerca o imigrante de classe mais baixa, os comerciantes gananciosos e suas famílias buscando uma posição social, os jovens trabalhadores e apaixonados, os quatrocentões paulistas, nobres e falidos, diante dos “carcamanos” endinheirados e “sem berço”.

Problemática e temas principais

Os temas mais recorrentes nos contos da obra em análise são:

1. A luta do Italiano pobre para conseguir seu dinheiro (Tiro-de-Guerra nº 35, Nacionalidade).

2. Ascensão social do italiano (Notas Biográficas do Novo Deputado, Nacionalidade).

3. Integração do italiano com o brasileiro (A Sociedade).

4. O despreparo da cidade e dos adultos com relação à criança que não tem um espaço adequado nem uma atenção necessária, quebrando a cara e a cabeça (Gaetaninho, O Monstro de Rodas).

5. Crítica social — Embora tenha avisado no “artigo de fundo” que não faria crítica ou denúncia social, podemos dizer que não é verdade, embora não o faça como narrador, mas coloca na boca das personagens várias pílulas críticas como em O Monstro de Rodas, quando alguém comenta: “Não conhece a podridão da nossa imprensa. Que o quê, meu nego. Filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo. É ou não é, seu Zamponi?”

6. Obra datada — Sua obra fica prejudicada por determinadas técnicas que tornam a obra muito datada, dificultando para os leitores jovens de hoje a sua total apreensão. Algumas dessas técnicas são:

— emprego de gírias que já foram esquecidas (estava achando um suco = achava muito bom);

— nome de produtos que deixaram de ser fabricados (cláxon);

— o mapearmento da cidade de São Paulo (Rua do Gazômetro, Rua do Oriente);

7. Nomes de firmas ou de lojas que deixaram de existir (vestido do Camilo, Ao Chic Parisiense);

8. Referências a fatos ou acontecimentos que desapareceram da memória de quase todo mundo.

Enredo dos contos

1. Gaetaninho - A narrativa é feita em terceira pessoa, com narrador onisciente e tem como espaço a Rua do Oriente. As personagens que a compõem são os italianinhos ou "intalianinhos"; a protagonista é Gaetaninho, maluco por futebol a ponto de ficar o dia inteiro jogando bola de meia na rua, com os amigos. Ficava tão concentrado que não vê o Ford, a carroça. Mas

"Grito materno sim: até filho surdo escuta. Virou o rosto tão feio de sardento, viu a mãe e viu o chinelo.

- Súbito!

Foi-se chegando devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta instantânea e varou pela esquerda porta adentro.

Eta salame de mestre!"

Ali na rua do Oriente, todo mundo era pobre e todo mundo andava de bonde. De automóvel ou carro, só mesmo quando morria alguém ou alguém casava. Naquela tarde, por exemplo, Beppino tinha atravessado a cidade de carro, acompanhando tia Peronetta que se mudava para o Araçá (tia Peronetta havia morrido e esta é uma forma popular de dizer que ela fora enterrada no Araçá).

Gaetaninho driblou a mãe, entrou.

Enfiou a cabeça debaixo do travesseiro e sonhou que tia Filomena tinha morrido. Lá ia Gaetaninho na boléia, sonho antigo de menino, vestido de roupa marinheira e gorro onde se lia "Encouraçdo São Paulo"... não, melhor com a palhetinha nova que ganhara de presente do irmão.

Quando contou o sonho, e no sonho vira o Savério, noivo de tia Filomena, chorando, a tia teve uma taque de nervos, Gaetaninho , arrependido, colocou no lugar da tia o seu Rubino, que era acendedor da Companhia de Gás e que um dia tinha lhe dado um cocre.

Os irmãos, depois de contado o sonho com a tia Filomena, apostaram no elefante, mas deu a vaca no jogo do bicho...

Gaetaninho vai brincar outra vez com os amigos, jogando bola. Distraiu-se:

- Traga a bola!

Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.

No bonde vinha o pai do Gaetaninho.

A gurizada assustada espalhou a notícia na noite.

- Sabe o Gaetaninho?

- Que é que tem?

- Amassou o bonde!

A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.

Comentário: Neste conto pode-se notar no comportamento dos meninos uma demonstração de impiedade natural que tanto pode ser fruto da própria idade, quanto da vida urbana moderna. Percorre o texto um humor negro, resultado de uma ironia amarga.

2. Carmela - Carmela sai da oficina às 18h30, em meio a muitas outras costeirinhas "que riem, falam alto, balançam os quadris como gangorras." Os automóveis, com sua buzinas gritadoras, lotam a rua Barão de Itapetininga.

Bianca, feia e estrábica, caminha ao lado da amiga Carmela, em meio aos automóveis e os homens namoradores. É dela uma espécie de sentinela.

Um rapaz que usa óculos para o Buick de propósito na esquina. O Ângelo espera na Rua Barão. Carmela está interessada nele:

"Bianca retarda o passo.

Carmela continua no mesmo. Como se não houvesse nada. E o Ângelo junta-se a ela. Também como se não houvesse nada. Só que sorri.

- Já acabou o romance?

- A madama não deixa a gente ler na oficina."

Vão caminhando juntos, falando do baile de amanhã, o Buick passa e repassa, Bianca é perguntada pelo motorista sobre onde mora a Carmela. Mesmo que esteja acompanhada de outro, o rapaz do Buick não dá sossego...

Bianca entrega tudo: como se chama a amiga, onde mora, rua, número, bairro. E o moço ainda deixa com ela um recado: "- Diga a ela que eu a espero amanhã de noite, às oito horas, na rua... não... atrás da Igreja de santa Cecília. Mas que ela vá sozinha, hein? Sem você. O barbeirinho também pode ficar em casa."

O barbeirinho era o Ângelo, entregador da Casa Clark...

No outro dia, vai encontrar-se com ele a Carmela; leva junto a Bianca e ambas concordam em dar uma volta no Buick do rapaz.

No domingo seguinte, quando vai à casa da amiga, Bianca a encontra raspando a sobrancelha e anunciando que não vai dar voltas de carro com os dois. Querem estar sozinhos. Bianca chama Carmela de vaca...

Depois de deixar a amiga com o caixa d'óculos, despeitada, encontra uma amiga do bairro e conta tudo sobre Carmela e o rapaz rico. Espantada, a amiga pergunta pelo Ângelo. E recebe a resposta inusitada:

"- O Ângelo/ O outro é outra coisa. É pra casar."

Comentário: Chamamos a atenção para uma tradição na “paquera" daqueles tempos: a moça feia seguia sempre na carona da bonita, mas ficava para trás (como no começo do conto) quando a outra ia falar com o rapaz, e era deixada de lado, logo que o namoro estava garantido. Nota-se também a coloquialidade, característica do Modernismo, permitindo registrar a linguagem viva das ruas.

Alcântara Machado revela, de maneira concisa, sugestiva, a psicologia da mulher nesses novos tempos. O amor único, romântico, não é valor fundamental, por isso, Carmela mantém um namorado para casar e outro para divertir-se, mas sem compromisso.

Tiro de guerra nº 35 - Foi no grupo escolar da Barra Funda que o Aristodemo Guggiani aprendeu a roubar no jogo de gude e a amar o Brasil. Cantava o Hino Nacional com voz bem entoada e , berrando, puxava o coro. Quando a campanhai tocava, o pessoal da classe "desembestava pela Rua Albuquerque Lins vaiando o seu Serafim."

Quando saiu do Grupo escolar, já fumando cigarros Bentevi, foi trabalhar na oficina de um cunhado e entrou para o Juvenil Flor de Prata F.C. como reserva do time, mas foi expulso por falta de pagamento das mensalidades. Daí para a frente, uma série de amores , sovas e acontecimentos corriqueiros: quase morreu afogado no rio Tietê. No dia em que Tina, a namorado de um amigo, casou à força, na polícia, com um chofer de praça, Aristodemo fez 20 anos.

Brigou com o cunhado, arrumou emprego como cobrador na linha Praça do Patriarca-Lapa, na Companhia Autoviação Gabrielle D'Annunzio. Para isso, usava farda amarela e polainas vermelhas.

E arranjou uma pequena. Ela vinha à janela para vê-lo passar e o motorista, o Evaristo, por camaradagem tocava a buzina quando passava pela casa da pequena.

Mas teve que se afastar dela quando foi convocado para o serviço militar do Tiro-de-guerra. O sargento cearense, Aristóteles Camarão de Medeiros, dava as ordens e "quando falava em honra da farda, deveres do soldado e grandeza da Pátria arrebatava qualquer um.

Aristodemo só de ouvi-lo ficou brasileiro jacobino. Aristóteles escolheu-o para seu ajudante de-ordens. Uma espécie de.

- José conhece o hino nacional, criatura?

- Puxa, se conheço, seu sargento!

- Então você não esquece, não? Traz amanhã umas cópias dele para o pessoal ensaiar para o Sete de Setembro? Abom."

Aristodemo pediu folga no serviço, ensaio com aquele bando de soldados semi-analfabetos, que erravam o tempo todo. De repente, com a presença do sargento e tudo, houve um tumulto grande: era Aristodemo que brigava a socos com o alemãozinho que tinha debochado do hino. Confessou depois ao sargento que batera na cara do alemãozinho e que xingara demais a mãe dele.

Resultado: o alemãozinho foi desligado das fileiras do Exército, Aristodemo suspenso por um dia. Além do que, por conselho do sargento, ainda mudou de agência de ônibus: foi trabalhar na Rui Barbosa...

Comentário: É comum nas narrativas de Alcântara Machado a incorporação de gêneros não literários como o cartão de propaganda, o bilhete ou carta. Nesse conto, ele insere a "ordem do dia", absolutamente integrada como sempre faz também com os outros casos. A ficção de Alcântara Machado, com tais inserções, não só incorpora técnicas das vanguardas européias, como objetiva fazer o registro do viver urbano paulista no início do século XX.

Amor e sangue - A alma de Nicolino estava negra, embora o céu estivesse azul, todo azul. A impressão que teve foi de que a rua é que andava, não ele.

Veja como Alcântara Machado produz momentos extremamente poéticos na prosa: "As bananas na porta da Quitanda Trípoli italiana eram de ouro por causa do sol." Por que será que a alma dele andava negra assim?

Narrativa em terceira pessoa, Amor e sangue conta a história de Nicolino Fior D'Amore , insatisfeito , infeliz. Adora futebol, é bom jogador, mas a Grazia tira dele o juízo: "A desgraçada já havia passado."

Nicolino trabalha no "Ao barbeiro Submarino", ouve as conversas naquele dia, mas nada diz. Comentam muito sobre o crime do dia anterior: um rapaz havia matado uma moça por ciúmes, privação dos sentidos... Nicolino nem escutava mais.

O ciúme corroia-o por dentro. Quando a fábrica apitou, foi ao encontro dela, jurando que se mataria se ela não falasse mais com ele:

"- Não faça mais assim pra mim, Grazia. Deixa que eu vá com você. Estou ficando louco, Grazia. Escuta. Olha, Grazia! Grazia! Se você não falar mais comigo eu me mato mesmo. Escuta. Fala alguma coisa, por favor."

Mas ela não quis falar mesmo com ele.

Na saída da fábrica, Nicolino resolveu se vingar, apunhalou Grazia. E, quando foi preso, declarou:

"Eu matei porque estava louco, seu delegado!

Todos os jornais registraram essa frase que foi dita chorando.

Eu estava louco,

Seu delegado!

Matei por isso, BIS

Sou um esgraçado!

O estribilho do Assassino por Amor (Canção da atualidade para ser cantada com a música do "Fubá", letra de Spartaco Novais Panini) causou furor na zona."

Comentário: Pela forma como a narrativa está estruturada, embora o narrador não diga, deixando em aberto, é fácil o leitor perceber que o ato da personagem foi sugerido pela notícia de jornal comentada por Temístocles.

A Sociedade - A esposa do conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda não tolera sequer imaginar que a filha Teresa Rita venha a se casar com um “filho carcamano”

Mesmo assim, o rapaz, Adriano Melli, ronda a sua janela, passa buzinando no seu Lancia e cumprimentando com seu chapéu Borsalino. A mãe, atenta, manda-a entrar.

Os pais não puderam ir ao baile graças a um furúnculo no pescoço do conselheiro e com isso Teresa e Adriano conseguem se ver. Neste encontro, o jovem anuncia seu pai quer fazer negócio com o pai da moça.

A mãe, precavida, já deixa avisado: “Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão de Teresa para o filho você aponde o olho da rua para ele, compreendeu?”

Mas o negócio era outro. O senhor Salvatore Melli vinha propor sociedade em um negócio no qual o conselheiro entrava com uns terrenos e ele com o capital. No meio da conversa, Salvatore avisa que seu filho será o gerente da sociedade.

Consultando a mulher, o conselheiro obteve a seguinte resposta: “Faça como quiser, Bonifácio...”. E ele resolveu aceitar.

Seis meses depois vem a outra proposta: o casamento dos filhos.

No chá de noivado, o senhor Melli recordou na frente de todos o tempo que vendia cebolas, batatas, Olio di Lucca e bacalhau para a mãe de Teresa quase sempre fiado e até sem caderneta.

Comentário: É importantíssimo observar, nesse conto, como o autor fragmenta o discurso em pedaços ao modo de azulejos que formam um mosaico. Veja na descrição do baile, a canção do negro da orquestra é recortada e, entre seus versos, são inseridos os fragmentos que descrevem cenas do salão, enquanto outros fragmentos mostram a disposição da mãe contra o namoro da filha com o filho do italiano. É louvável o modo inteligente como, no final, se justifica o título em duas possíveis interpretações: denotativa, com o paulista unindo-se ao italiano para o negócio do terreno; conotativa, com o casamento dos filhos, associando-se assim o paulista de tradição e o imigrante.

Lisetta - Assim que entrou no bonde com sua mãe, Lisetta viu logo o urso de pelúcia no colo da menina de pulseira de ouro e meias de seda. Quando a menina rica percebeu o encanto de Lisetta passou a exibir-se com o urso, deixando Lisetta ainda mais deslumbrada. Dora Mariana, a mãe, pedia à menina que ficasse quieta, mas Lisetta agora queria pegar o urso um pouquinho. A mãe da menina rica olhou, com ar de superioridade, fez um carinho no bichinho e se olhou no espelho. E o escândalo continuava.

Quando a família rica desceu, a mãe, já em frente ao seu palacete estilo empreiteiro português, voltou-se e agitou o bichinho no ar, provocando a menina.

Já em casa, Lisetta levou uma surra histórica. A mãe só parou quando Hugo, irmão da menina, chegou da oficina e a defendeu.

Mais tarde, Hugo deu à Lisetta um urso “pequerruncho e de lata”. Pasqualino, outro irmão, logo quis pegá-lo. Mas Lisetta correu para o quarto e “fechou-se por dentro”.

Comentário: Cinetograficamente, logo na primeira frase do conto, o narrador revela a condição social por um close em partes que revelam o todo: a pulseira de ouro e as meias de seda são índices da condição econômica superior da menina do urso. Nome de lojas e de produtos fazem parte da linguagem de Alcântara Machado, mas, ao mesmo tempo, tornam a obra datada demais e de leitura difícil aos leitores de hoje. Apesar do autor ter avisado no "artigo de fundo" que não aprofundaria nada, que não tomaria posição política, não podemos deixar de perceber que, tanto aqui como em outros contos, ele se contradiz ao focalizar com destaque a criança marginalizada pelo adulto, pela cidade e pela condição econômica, sendo levada ao sofrimento e à desilusão muito cedo.

Corinthians (2) x Palestra (1) - A partida estava vibrante no estádio do Parque Antártica. Miquelina, ao lado de sua amiga Iolanda não consegue se conformar quando o Corinthians faz o gol.

Sua esperança para garantir o Palestra agora era o Rocco. Gostava dele. Antes namorava o Biagio, jogador do Corinthians. Quando terminou o namoro, ela parou de freqüentar os bailes dominicais da Sociedade Beneficente e Recreativa do Bexiga, onde todo mundo sabia da história deles. “E passou a torcer para o Palestra. E começou a namorar o Rocco.”

Matias, jogado do Palestra, empata o jogo. Miquelina delira.

No intervalo, Miquelina manda pelo irmão um recado ao Rocco, dizendo para que ele “quebrasse” o Biagio. Quando Biagio estava parar marcar um gol, Rocco o derruba dentro da área: o juiz marca pênalti. O próprio Biagio bate e faz mais um gol para o Corinthians. O jogo acaba.

Na saída, Miquelina “murchou dentro de sua tristeza”, “nem sentia os empurrões”, “não sentia nada”, “não vivia”.

No bonde, de volta para casa, corintianos faziam a festa. Um torcedor do Palestra reclama que a culpa foi “daquela besta do Rocco”.

Mais tarde Iolanda se surpreende quando Miquelina resolve acompanhá-la ao baile da Sociedade.

Comentário: O narrador procura destacar o objeto da narração e não a si mesmo (como costumam fazer os narradores criados por Machado de Assis), vai descrevendo e narrando uma partida de futebol a que assiste Miquelina. Ela torce pelo Palestra. Mas, antes, namorara o Bagio, do Corinthians. Rompeu com ele, porém, e passou a namorar o Rocco e a torcer para o Palestra.

Nota biográfica do novo deputado - O coronel J. Peixoto de Faria fica desnorteado quando recebe a carta do administrador da fazenda Santa Inácia dizendo, entre outras coisas, que o seu compadre, João Intaliano, morreu. O órfão e afilhado do coronel, Gennarinho, ficou na casa do administrador, que agora pede uma orientação. O coronel Juca e Dona Nequinha, sua esposa, deixam para responder a carta no dia seguinte.

Gennarinho, nove anos, é trazido pelo filho mais velho do administrador. Vem “com o nariz escorrendo. Todo chibante.” Logo Gennarinho já é tratado com um filho pelo casal.

Um dia, o coronel decide traduzir o nome do menino. “Gennarinho não é nome de gente”. E passou a chamá-lo de Januário.

Discutindo sobre o futuro do garoto, os pais adotivos resolvem colocá-lo num colégio de padres. No primeiro dia de aula, o coronel, todo comovido, acompanha Januário e o apresenta ao reitor. D. Estanislau pergunta seu nome. O menino responde dizendo apenas o primeiro nome. O reitor insiste: Januário de quê? O menino responde, com os olhos fixos no coronel: Januário Peixoto de Faria.

Seguindo para São Paulo, o coronel já pensa em fazer testamento.

Comentário: Mais uma vez temos o italiano sendo assimilado pela família paulista tradicional. O menino, que parecia destinado a uma vida pobre e triste, ao ter a desgraça de ficar órfão, como que decidiu seu futuro ao captar a simpatia de seu padrinho, que o adota e destina seu amor e seus bens. O menino do relato é o deputado do título. É como se o conto fosse o esboço para a biografia de um homem recentemente eleito para deputado.

O monstro de rodas - As pessoas da sala discutiam as providências a serem tomadas para o enterro de uma criança. Dona Nunzia, a mãe, chorava desesperada até que foi levada para dentro pelo marido e pelo irmão. Uma negra rezava.

Na sala de jantar, alguns homens discutiam sobre qual seria a repercussão no Fanfulla, jornal da comunidade italiana. Pepino acha que a notícia irá atacar o “almofadinha”. Tibúrcio, porém, sabe que “filho de rico manda nesta terra que nem a Light. Pode matar sem medo.”

Durante o cortejo, outros interesses aparecem: o bate-papo dos rapazes (“A gente vai contando os trouxas que tiram o chapéu até a gente chegar no Araçá. Mais de cinqüenta você ganha. Menos, eu.”), a vaidade das mulheres (“Deixa eu carregar agora, Josefina?” “Puxa, que fiteira! Só porque a gente está chegando na Avenida Angélica. Que mania de se mostrar que você tem!”), politicagens (“Tibúrcio já havia arranjado três votos para as próximas eleições municipais”)...

Na volta para casa, Aída encontra dona Nunzia olhando a foto da menina morta publicada na Gazeta. O pai tinha ido conversar com o advogado.

Comentário: Perfeita crônica do comportamento popular, registro vivo e dinâmico de um enterro, que simultaneamente é um retrato crítico dos adultos indiferentes à desgraça da criança.

Armazém Progresso de São Paulo - O armazém do Natale era famoso por um anúncio em que dizia ter artigos de todas as qualidades. “Dá-se um conto de réis a quem provar o contrário”. Zezinho, o filho do doutor da esquina, sempre bulia com seu Natale, pedindo, por exemplo, “pneumáticos balão”. Quando o malandro cobrava seu um conto de réis, Natale respondia: “Você não vê, Zezinho, que isso é só para tapear trouxas?”. E anotava na conta do pai os cigarros que o rapaz pedia com nome de outros.

Em frente ao armazém, a confeitaria Paiva Couceiro não agüentaria por muito mais tempo. E seu Natale, que tinha prazer em observar aquele espetáculo de decadência dia após dia, já havia calculado quanto ofereceria ao português no leilão da falência. Por hora, ele fazia a sua parte: pressionava o homem com uma dívida com ele, uma letra que estava para vencer.

Dona Bianca o chama. Ouvira numa conversa do José Espiridão, o mulato da Comissão do Abastecimento, que a crise viria e os preços, inclusive o da cebola, produto encalhado na confeitaria, disparariam. Se não desse um jeito no português agora, nunca mais. Depois de confirmar o assunto com o mulato e pedir sua colaboração ficando quieto, seu Natale consegue “arranjar” o negócio. À noite, dona Bianca vai dormir se vendo no palacete mais caro da Avenida Paulista.

Nacionalidade - O barbeiro Tranquillo Zampinetti lia entusiasmado as notícias de guerra no jornal italiano Fanfulla. Chegava até a brandir a navalha como uma espada assustando os fregueses. Mas tinha um desgosto “patriótico e doméstico”: os filhos Lorenzo e Bruno não queriam falar italiano.

Depois do jantar, Tranquillo colocava a cadeira na calçada e ficava com a mulher e alguns amigos como o quitandeiro Carlino Pantaleoni, que só falava da Itália. Tranquillo ficava quieto mais depois sonhava em voltar para a pátria.

Um dia, Ferrúcio, candidato do governo a terceiro juiz de paz, veio pedir votos. Tranquillo, que nem votava, acabou sendo convencido pelo compatriota e gostou tanto que com o tempo andava até pedindo votos.

A guerra européia encontrou Tranquillo bem estabelecido, influente e envolvido na política; Lorenzo, noivo e também participando da política da região; e Bruno estudando, além de ser vice-presidente da Associação Atlética Ping-Pong. Tranquillo ainda se agitou com a guerra. Mas, com o descaso da família, logo foi se desinteressando.

O progresso de Tranquillo continuava e agora ele comentava mais as questões políticas do Brasil que as da Itália.

Quando Bruno se forma advogado pela faculdade de Direito de São Paulo, o pai chora, a mãe é trazida pelo neto, filho de Lorenzo, para vê-lo e todos se abraçam emocionados. E o primeiro serviço de Bruno foi requerer a naturalização de Tranquillo Zampinetti.

Fonte:
Passeiweb

II Encontro Nacional de Escritores e Poetas em Caçu (21 e 22 de abril)


Tenho o prazer de convidá-lo para participar das atividades do II Encontro Nacional de Escritores e Poetas em Caçu dias 21 e 22 próximos (sábado e domingo), observando-se a seguinte programação:

I - Sábado, dia 21, às 19 horas:

- Confraternização dos escritores visitantes na Pizzaria Birosk, à Praça Joaquim Rodrigues, ao lado do Colégio Municipal. O fato marcará o décimo aniversário da Alesg-Academia de Letras do Extremo Sudoeste de Goiás;

II - Domingo, dia 22, às 8h:

- Visita e leitura de poemas da Árvore da Poesia do Lago, ao lado do conjunto Arco Iris;

III - Domingo, 22, em seguida à visita à Ávore da Poesia do Lago:

- Deslocamento para o Centro Cultural Rozenda Cândida Guimarães, para a visitação à exposição de artes plásticas (óleo sobre tela e retratos em grafite), obras de artistas cassuenses;

IV - Domingo, em continuidade à visitação à Galeria de Artes, no auditório do Centro Cultural:

- Momento de integração cultural dos participantes de Cassu com os convidados visitantes, incluindo a apresentação de números artísticos musicais e literários;

V - Domingo, 22, às 15h, no auditório do Centro Cultural:

- Solenidade de instalação da Governadoria da Associação Internacional de Poetas Del Mundo em Goiás, com posse da primeira diretoria.

A solenidade será dirigida pela presidente da Associação Internacional de Poetas Del Mundo, Delasnieve Daspet.

Na oportunidade haverá comunicações oficiais de interesse literário aos Poetas Del Mundo e comunidade em geral e serão prestadas algumas homenagens a personalidades benfeitoras da cultura em geral e da literatura em particular;

VI - Domingo, 22, às 18 horas:

- Deslocamento dos escritores e poetas para a cidade de Itarumã, saída do comboio da Praça Bianor Vicente de Souza, de frente para o Banco do Brasil e Câmara Municipal.

Para os escritores que preferirem, haverá um ônibus da Prefeitura de Cassu à disposição para conduzirem os escritores de ida para Itarumã e de regresso para Cassu;

VII - Domingo, dia 22, às 19h, em Itarumã:

- Solenidade de instalação da ALB, com diplomação e posse de novos acadêmicos de cidades goianas e de outros Estados do Brasil, já confirmados Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais.

- A solenidade será dirigida pelo presidente nacional da ALB, Prof. Dr. Mário Lopes Carabajal;

- Solenidade de instalação da Aloita-Academia de Letras e Ofícios de Itarumã, com diplomação e posse;

- Ao final da solenidade, retorno da Caravana de Cassu;

VIII - Segunda feira, dia 23, às 9h, em Aparecida do Rio Doce:

- Na Câmara Municipal, solenidade de instalação da ALB, com diplomação e posse de acadêmicos de Aparecida do Rio Doce;

- Solenidade de instalação da Aloard-Academia de Letras e Ofícios de Aparecida do Rio Doce.

José Faria Nunes
Presidente Estadual da Academia de Letras do Brasil/ Goiás

Poema Ecológico 2 - Hermoclydes S. Franco / RJ (Louvação a Chico Mendes)



É preciso clamar, com mais vigor,
Contra o grupo cruel e invasor,
Que pretende findar com a Amazônia...
Certa gente que vem d’outro hemisfério,
Cria um clima de posse e de mistério
E a Amazônia se faz uma colônia...

Triste enredo de dor, coisa de duendes,
O massacre anunciado... e Chico Mendes
Cai por terra, apesar da vigilância...
Mas, quem sabe, de fato, a realidade
Que se esconde febril na ambigüidade
Dessa trama infernal de ódio e ganância?...

Esse herói sonhador ainda revive,
Virou lenda de amor e ora convive
Com pajés e caciques, numa festa!
Protegido, hoje, à sombra das cascatas,
Seu espírito forte corre as matas
Sob o olhar de Tupã, deus da floresta!...

É preciso clamar, contra-impelir,
Nessa guerra em defesa do porvir,
Afastando insensatos e insensíveis...
E quando, enfim, calarem moto-serras,
Se apagarem queimadas sobre as terras,
Fauna e flora serão imperecíveis!...

Fonte:
Texto enviado pelo autor